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Análise do processo de (re)produção urbana no

bairro de Boa Viagem, Recife-PE

Henrique Mendonça dos Santos¹

1. Introdução

Localizado na zona sul da capital pernambucana, Boa Viagem faz parte


da área litorânea do grande Recife, enquadrando-se como a principal orla da
cidade (PAGANI, 2023). O processo de formação do local deu-se a partir da
construção da Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem no séc XVII, fazendo
com que o povoado da região se concentrasse ao redor do local (FELIPE,
2020). A partir do século XX a urbanização da região ganhou destaque,
trazendo consigo a construção da Av. Boa Viagem o que acarretou na
construção dos primeiros arranha céus e a construção do shopping Recife, o
que já demonstra o início do processo de especulação imobiliária para a
residencialização da área que viria a se tornar uma das mais disputadas pela
classe capitalista, demarcando uma forte desigualdade no seu processo de
formação (FELIPE, 2020).

2. Processo de (re)produção de Boa Viagem

O Brasil passou por um importante processo de crescimento econômico


no início do século XXI o que ficou ainda mais destacado em algumas
regiões do país, como foi o exemplo da região nordeste, com ênfase no
estado de Pernambuco (LEÃO; BRITO 2018). Algumas dessas regiões
passaram a receber formas diferenciadas de investimentos provenientes de
aplicadores de capital que antes não demonstravam interesse econômico nas
regiões, o que perpetua uma mudança nos parâmetros para a construção
urbana dos locais visados por esses investidores (LEÃO; BRITO, 2018).
Grande parte desses investidores constituíam um grupo específico,
geralmente ligado ao setor imobiliário. A descentralidade do poder público, ou

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seja, do governo, que deveria ser um dos pilares para a produção do espaço
urbano durante esse período de valorização local, ocasionou uma
urbanização totalmente desorganizada proporcionando a concentração de
renda em uma única área, como foi o caso do bairro de Boa viagem no litoral
sul da cidade de recife, capital pernambucana (LEÃO; BRITO 2018). A região
hoje é conhecida como um dos bairros mais nobres da cidade, fato que
deu-se muito provavelmente por conta do tamanho de Recife em relação a
outras capitais brasileiras, somado a localização privilegiada do local, que se
encontra a beira-mar, chamando atenção da elite capitalista e das grandes
redes de construções imobiliárias.

Um dos fatores que impulsionam a urbanização do bairro de Boa


Viagem foi a construção a Avenida Boa Viagem durante o século XX, o que
além de abrir espaço para o mercado imobiliário residencial, também abriu
para o crescimento industrial e comercial da região abrigando empresas de
grande porte como hotéis de luxo, visando o turismo estranjeiro, o shopping
Recife e o Aeroporto Internacional dos Guararapes que se encontra próximo

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ao bairro (FELIPE, 2020). Além disso, o governo do estado marca um papel
importante como agente fundiário, pois ele foi responsável por entregar parte
dessas obras que atingem de forma direta na valorização das terras nesta
região.
Os valores atribuídos às terras nessa região passam a se tornar
inacessíveis a uma grande parcela da população, parcela essa, que se
encontra desprovida do capital que está sob total poder dos capitalistas.
Boa Viagem por si só garante 50% dos lances imobiliários registrados
(LEÃO; BRITO 2018), um processo que não só aconteceu em Boa Viagem
mas também em diversos outros bairros ao redor formando um conjunto de
12 bairros que foram atingidos pela presença dos produtores imobiliários.
Esse processo era ainda mais perceptível no Bairro de Boa Viagem, pois
algumas leis foram estabelecidas para as construções imobiliárias nos outros
bairros ao redor, porém, essas leis não abrangeram o bairro em questão
(LEÃO; BRITO, 2018).
Um fato extremamente importante para a caracterização da urbanística
de Boa Viagem e que muita das vezes acaba sendo esquecida são as
periferias e comunidades que se formaram no do bairro, as mesmas têm que
resistir diariamente ao mercado imobiliário para não perderem suas
moradias. A maior comunidade do Bairro de Boa viagem curiosamente se
chama “Entra Apulso” que é um grande exemplo de um grupo da população
que é frequentemente excluído. Essa comunidade está situada às margens
do Shopping Recife como demonstrado na Fig.1. Com a construção do
Shopping Recife, dezenas de famílias da antiga comunidade Mata-Sete que
se estabelecia no local foram expulsas e com isso se alojaram nas partes de
Boa Viagem que ainda não tinham sido ocupadas formando algumas
comunidades dentre elas a de Brasília Teimosa e a própria Entra Apulso que
tem esse nome pois quando as famílias estavam tentando se restabelecer
novamente, passavam noites reconstruídos seus barracos para morarem e
no dia seguinte a gestão municipal os derrubava (GONZAGA, 2019).
Hoje em dia a comunidade Entra Apulso se caracteriza como como um
grande ponto de resistência à especulação imobiliária. Houve uma melhoria
das condições financeiras da população presente nessa comunidade, então
muitas construções passaram de barracos para casas de alvenaria, passou a

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ter escolas, creches e até associação de moradores, abrigando uma
população de baixa renda no geral e sendo alvo de alguns projetos sociais
(GONZAGA, 2019).

Na Fig. 2 percebe-se o contraste da paisagem urbanística do Bairro de


Boa Viagem. O que mais chama a atenção é a diferença entre as
construções, trazendo à tona uma realidade que é quase sempre mascarada:
a divisão de classes.

3. Conclusão

A partir da análise baseada nos 5 agentes produtores do espaço


urbano, pode-se perceber que Boa Viagem se encaixa em todos eles. Um
dos agentes mais gritantes é o ligado à questão imobiliária que predomina na
região, ou seja, está ligado a outro agente produtor do espaço urbano, a
propriedade dos meios de produção que levam a um poder concentrado nas
mãos de uma população específica. Esse processo encobre uma realidade
dura, a exclusão social na qual as comunidades que habitavam no bairro de

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Boa viagem tiveram de passar para que áreas como o Shopping Recife, o
edifício Holiday e outros fossem construídos sem nenhum tipo de suporte do
governo, órgão que deveria ser responsável pela implementação de políticas
públicas que, ao menos, dessem uma opção viável para essas pessoas. Por
fim, o estado é o responsável por entregar diversos serviços à população, a
quantidade e a qualidade desses serviços oferecidos irão determinar quem
vive em determinado local, ou seja, o governo age como um grande
proprietário de terras regulando sua dinâmica urbanística.

4. Referências

LEÃO, F. P. S.; BRITO, C. S. O mercado habitacional e o processo de


gentrificação em cidades latino-americanas: um estudo exploratório no
bairro de Boa Viagem, Recife-PE. Novembro, 2018. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/urbe/a/KmBW64tcCgZCNgzB3Q8zSwK/?lang=pt.
Acesso em: 03 de julho de 2023.

Âncora Imobiliária. Conheça um pouco de um dos famosos bairros do


Recife. Março, 2020. Disponível em:
https://ancoraimobiliaria.com.br/blog/recife/conheca-um-pouco-de-um-dos-fa
mosos-bairros-do-recife/#:~:text=Um%20pouco%20de%20sua%20hist%C3%
B3ria,constru%C3%A7%C3%A3o%20da%20avenida%20Boa%20Viagem.
Acesso em: 03 de julho de 2023.

Volto Logo. Praia de Boa Viagem (Recife): 7 Dicas Importantes. Janeiro,


2023. Disponível em:
https://www.voltologo.net/praia-de-boa-viagem/#:~:text=de%20Boa%20Viage
m-,Onde%20fica%20a%20Praia%20de%20Boa%20Viagem%3F,outros%20b
airros%20%C3%A0%20beira%2Dmar. Acesso em: 03 de julho de 2023.

Brasil de Fato. Entra Apulso resiste à especulação imobiliária na zona


nobre do Recife. Julho, 2019. Disponível em:
https://www.brasildefatope.com.br/2019/07/18/entra-apulso-resiste-a-especul
acao-imobiliaria-na-zona-nobre-do-recife. Acesso em: 03 de julho de 2023.

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