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"Brazilian precedentes"

Teresa Arruda Alvim Wambier

Estamos vivendo a pré-história do direito que valoriza precedentes.

Está havendo no Brasil uma onda insensata, e bastante intensa, de textos sobre
precedentes. Muitos textos de excelente qualidade têm sido produzidos, é verdade. Mas
temos que separar o joio do trigo. A expressão muitas vezes é empregada quase como
sinônimo de decisão. Não duvido que, daqui a algum tempo, alguém pergunte: O Tribunal já
proferiu o precedente?

A não ser que, é claro, as coisas se acalmem e as palavras assumam seus verdadeiros
significados, aqueles construídos pela história e que não podem ser mudados por uma
espécie de entusiasmo exagerado que passou a circundar o tema.

No Brasil, assim como nos países de civil law em geral, as decisões são decisões e não
precedentes, necessariamente. Podem tornar-se precedentes relevantes, porque, por
exemplo, se trata de um caso de importância nacional, cuja solução esteja sendo muito
esperada e a decisão seja densa, bem fundamentada e chame a atenção. Decisões do STJ
deveriam ser precedentes e deveriam, sobretudo, ser respeitadas pelo próprio Tribunal que
as proferiu. Mas esse Tribunal, nos últimos anos parece não estar se dando conta de seu
papel constitucional. Com alguma frequência, os próprios Ministros alteram suas decisões
em questão de dias ou semanas. Com certeza, a desumana carga de trabalho a que os
Ministros desse Tribunal são submetidos é uma das grandes responsáveis por essa
deformação.

Fora estes casos, há decisões. E o que deve ser respeitado pelos demais órgãos do Poder
Judiciário são decisões reiteradas num certo sentido: é a tal jurisprudência firme, pacificada.

Tenho ouvido e lido afirmações muito equivocadas, como, por exemplo, a de que o grande
problema no Brasil, no que tange ao tema “precedentes”, é a identificação da ratio decidendi.
Não é.

Estamos vivendo a pré-história do direito que valoriza precedentes. Esta necessidade só


existe em países em que se aprendeu que a harmonia do sistema não se consegue só com a
obviedade de que casos idênticos devam ser decididos da mesma forma (como ocorre aqui).

Há países em que se percebe haver identidade substancial, sob o ângulo jurídico, de


situações que não são idênticas do ponto de vista fático. E que, por isso, devem ser
decididas do mesmo modo. Nestes casos, é que pode ser problemática a identificação da
ratio, do core, da holding.
Aqui, mal se consegue (e não se consegue) que situações, de fato, rigorosamente idênticas
sejam decididas de modo uniforme: situações em que a ratio é visível por quem tem 14 graus
de miopia!

Portanto, distinguir a ratio decidendi dos obter dicta não é, ainda, um sério problema
brasileiro.

Assim como não é um problema brasileiro aprender a fazer overruling: Os tribunais


brasileiros fazem isso várias vezes ao dia... E o distinguishing? Saber que o precedente não
se aplica a casos que não são iguais aos que o inspiraram?

Ah, por favor!

Já ouvi e li que decisões de ações diretas de inconstitucionalidade são precedentes que


devem ser respeitados. Como? Precedentes? Não. Decisões de ADIns, quando procedentes,
dizem que certa norma não integra o ordenamento jurídico brasileiro, porque é incompatível
com a nossa Constituição Federal. Não se trata de um caso que deva ser decidido da mesma
forma que outro caso anteriormente resolvido.

E o que é um precedente obrigatório? O que é “ser obrigatório”? Depende. No Brasil ou na


Inglaterra?

Na Inglaterra, precedentes são o direito. Portanto, devem ser observados. E se não forem?
Há reclamação? Mandado de Segurança? Não. Não há coisa alguma. Eles são obe decidos
porque são obrigatórios.

No Brasil, só se diz que é obrigatória uma conduta, quando a omissão gerar uma
consequência negativa.

Entretanto, já ouvi e li, aqui no Brasil, que nem mesmo as Súmulas Vinculantes são
obrigatórias. Isto porque o juiz pode decidir contra essas Súmulas. Depois, a parte maneja a
reclamação. Sim, é sério.

Então “ser obrigatório” não quer dizer a mesma coisa em diferentes culturas. Isso tem que
ser melhor explicado.

Lembrando, aliás, que Súmula não é precedente e que sua observância é, sim, obrigatória,
faço um apelo a estes que estão sonhando com o common law: que sonhem menos e
resolvam, com o talento que têm, os nossos verdadeiros problemas.

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* Teresa Arruda Alvim Wambier é advogada do escritório Wambier & Arruda Alvim
Wambier Advocacia e Consultoria Jurídica.

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