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Reimagining our Futures Together é o terceiro relatório da UNESCO, datado de 2021, dedicado
ao futuro da educação. Na abertura do documento é salientada a necessidade de "um novo
contrato social para a educação que possa reparar as injustiças enquanto transforma o
futuro". A que injustiças alude o documento e que propostas apresenta para as reparar?
"O lugar da Escola vem sendo discutido com ardor e entusiasmo. Após um século de enormes
progressos, surgem sinais claros de insatisfação e de mal-estar (...) Há cada vez mais alunos
que abandonam a escola privados de tudo: sem um mínimo de conhecimentos e de cultura,
sem o domínio das regras básicas da comunicação e da ciência, sem qualquer qualificação
profissional". O professor deixou estas palavras na Revista Saber e Educar, em 2006. Volvidos
17 anos, que análise faz desta mesma realidade?
Hoje vivemos um tempo breve de crises e de urgências. A pandemia é disso exemplo; a crise
climática também o é. Estas crises obrigam a políticas públicas também elas urgentes. É um
tempo compaginável com o tempo ponderado que exige a ciência, a investigação e a produção
de conhecimento?
A universidade existe no tempo longo, não no tempo breve das "crises" e das "urgências". A
sua maior utilidade está em cultivar o que não parece ter "utilidade imediata" e, no fim, se
revela a coisa mais útil. A tecnologia tem, hoje, uma base científica. Mas a ciência vai muito
para além da tecnologia. É nesse sentido que o filósofo italiano Nuccio Ordine faz o "elogio do
tempo perdido", chegando mesmo a citar a oitava sátira de Juvenal para alertar as
universidades de que não podem, para salvar a vida, perder a razão de viver. Numa sociedade
híper acelerada, permanentemente ocupada, 24 horas/7 dias, espera-se da universidade um
processo de desaceleração, uma forma diferente de pensar e de agir para, assim, ser "útil" às
sociedades. É preciso dar tempo ao tempo, devolver o tempo às universidades. E à ciência.
"Não há pressa. Um grande poema pode esperar 500 anos, sem que ninguém o leia ou
compreenda", diz-nos Walter Benjamin.
Vai levar à conferência uma questão de suma importância, a da Ciência Aberta. Quer
enquadrar-nos o conceito e resumir o seu contributo para aquilo a que chamamos o "bem
público", de um "bem comum" e de como pode esbater as desigualdades no mundo, entre o
Sul e o Norte?
Hoje, tudo parece ao alcance da ciência. Mas nem tudo é desejável. Mais do que nunca
precisamos de estabelecer limites. Não se trata de censurar, mas de estabelecer padrões
éticos e transparentes através do debate público. É impossível evitar ambições desmedidas.
Mas é possível controlá-las através da consciência crítica, pública, assente em princípios e
instrumentos internacionais. Sobre a inteligência artificial, ainda esta semana a ONU alertou
para avanços recentes que representam uma ameaça real aos direitos humanos. Não é ficção
científica, diz-nos António Guterres, "os nossos dados estão a ser usados, sem a nossa
autorização, para fins que desconhecemos", condicionando as nossas decisões e
comportamentos. Também aqui precisamos de desenvolver possibilidades e ferramentas
digitais, abertas, que permitam transformar a esfera digital num bem público e comum.
Em todo este contexto, ainda pensamos com humanidade a ciência, a educação e o
conhecimento?
Este ano celebra-se o 75.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Devemos estar mais atentos à ligação entre direitos humanos e ciência, e dedicar uma grande
atenção aos temas do digital - e da inteligência artificial. Sempre com o olhar numa ciência que
também é arte. À maneira de Almada: "Arte e ciência não podem deixar de estar
estreitamente ligadas entre si. É a íntima união do sentimento com o conhecimento humanos,
formando o entendimento da humanidade". No tempo de transição que estamos a viver,
transição de que temos consciência, mas que não conseguimos ainda alcançar com a vista, é
bom pensar com humanidade a ciência, a educação e o conhecimento. Com humanidade e
com humanismo.