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Fernando Antônio Brandão Suassuna | Katiane Fernandes Nóbrega

Paula Adriana Borba Rodrigues | Armando Otávio Vilar de Araújo


Francisco Alves Bezerra Neto | Tásia de Albuquerque Falcão Feitosa
Nancy Cristina Baumgartner Fernandes de Barros | Giovanna Dantas Fulco
Diego Henrique Brilhante de Medeiros | Weranna Morena Vale Castro

Comunicação
e Formação
do Pensamento
Clínico I
Fernando Antônio Brandão Suassuna | Katiane Fernandes Nóbrega
Paula Adriana Borba Rodrigues | Armando Otávio Vilar de Araújo
Francisco Alves Bezerra Neto | Tásia de Albuquerque Falcão Feitosa
Nancy Cristina Baumgartner Fernandes de Barros | Giovanna Dantas Fulco
Diego Henrique Brilhante de Medeiros | Weranna Morena Vale Castro

Comunicação
e Formação
do Pensamento
Clínico I

Universidade Potiguar/Laureate International Universities

EDUNP
NATAL/RN
2018
© 2018 Universidade Potiguar/Laureate International Universities

Profª. Sâmela Soraya Gomes de Oliveira Karen Barbosa Montenegro de Souza


PRESIDENTE COORDENAÇÃO DE QUALIDADE ACADÊMICA

PROF. Gedson Bezerra Nunes André Felipe Oliveira de Azevedo Dantas


REITOR Ana Tázia Patrício de Melo,
Fillipe Azevedo Rodrigues,
PROFª. Barbara Lima Rocha
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COORDENADOR DA EDITORA CONHECIMENTO QUE INTEGRAM AS ÁREAS DE
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EDITOR CHEFE Ricardo Yamashita Santos
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DE BIBLIOTECAS DA UNIVERSIDADE POTIGUAR -
REVISÃO NORMATIVA
SIB/UnP

Faça! Comunicação e Design


Francisco Wendell Bezerra Lopes
COORDENAÇÃO GERAL DE PESQUISA PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO

Catalogação na fonte: Maria Isabel Rocha de Lucena – Bibliotecária - CRB/15-413

U58m Comunicação e Formação do Pensamento Clínico I /


Fernando Antônio Brandão Suassuna et al. – Natal:
Edunp, 2018.
124p.; il.

ISBN: 978-85-8257-020-3
E book

1. Comunicação Médica. 2. Medicina centrada na


pessoa. 3. Entrevista Clínica 4. Raciocínio Clínico. I.
Suassuna, Fernando Antônio Brandão et al (Org.).

RN/UnP/SF CDU 61:007


SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................................................................ 7

PARTE 1............................................................................................................................................................................... 10
1 O CONHECIMENTO E TIPOS DE CONHECIMENTO........................................................................ 12
1.1 TIPOS DE CONHECIMENTO................................................................................................................... 13
EXERCÍCIOS............................................................................................................................................................... 17
SUGESTÕES DE LEITURA................................................................................................................................ 18
2 COMPETÊNCIAS CULTURAIS, CONFIGURAÇÕES SOCIOCULTURAIS E
LINGUÍSTICAS............................................................................................................................................................... 19
2.1 COMPETÊNCIAS CULTURAIS................................................................................................................ 19
2.2 CONFIGURAÇÕES SOCIOCULTURAIS E LINGUÍSTICAS................................................. 23
2.2.1 O modelo explicativo............................................................................................................................... 24
2.2.2 Sistemas de crenças, representação e linguagem........................................................ 25
EXERCÍCIOS .............................................................................................................................................................. 27
SUGESTÕES DE LEITURA................................................................................................................................ 28
3 ALTERIDADE E PAPÉIS SOCIAIS................................................................................................................ 29
EXERCÍCIOS .............................................................................................................................................................. 34
SUGESTÕES DE LEITURAS............................................................................................................................ 34
4 PADRÕES DE COMPORTAMENTO: MÉDICO X PACIENTE.................................................... 36
4.1 PADRÕES DE COMPORTAMENTO DOS MÉDICOS.............................................................. 36
4.2 PADRÕES DE COMPORTAMENTO DOS PACIENTES........................................................ 39
EXERCÍCIOS .............................................................................................................................................................. 44
SUGESTÃO DE LEITURAS............................................................................................................................... 45
5 IDEOLOGIA E COMUNICAÇÃO DE MÁS NOTÍCIAS..................................................................... 46
5.1 IDEOLOGIA NA COMUNICAÇÃO MÉDICO-PACIENTE........................................................ 46
5.2 COMUNICAÇÃO DE MÁS NOTÍCIAS............................................................................................... 48
EXERCÍCIOS............................................................................................................................................................... 50
SUGESTÃO DE LEITURAS............................................................................................................................... 51
6 PRÁTICA: SIMULAÇÃO...................................................................................................................................... 53

PARTE 2 ............................................................................................................................................................................. 58
7 A COMUNICAÇÃO MÉDICA CENTRADA NO PACIENTE........................................................... 60
EXERCÍCIOS............................................................................................................................................................... 64
SUGESTÃO DE LEITURAS............................................................................................................................... 65
8 ENTENDENDO A ESTRUTURA DE UMA ANAMNESE................................................................ 66
8.1 IDENTIFICAÇÃO............................................................................................................................................... 66
8.2 QUEIXA PRINCIPAL..................................................................................................................................... 67
8.3 HISTÓRIA DA DOENÇA ATUAL (HDA).......................................................................................... 67
8.4 INTERROGATÓRIO SINTOMATOLÓGICO.................................................................................... 68
8.5 ANTECEDENTES PESSOAIS E FAMILIARES............................................................................. 68
8.5.1 Antecedentes pessoais (fisiológicos).......................................................................................... 68
8.5.2 Antecedentes pessoais (patológicos)...................................................................................... 68
8.5.3 Antecedentes familiares..................................................................................................................... 69
8.6 HÁBITOS DE VIDA........................................................................................................................................ 69
8.7 CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS E CULTURAIS............................................................... 69
EXERCÍCIOS............................................................................................................................................................... 71
SUGESTÃO DE LEITURAS............................................................................................................................... 72
9 COMUNICAÇÃO MÉDICA: TERMINOLOGIA E ESCRITA MÉDICA...................................... 73
EXERCÍCIOS............................................................................................................................................................... 77
SUGESTÃO DE LEITURAS............................................................................................................................... 77
10 ELABORAÇÃO DE PRONTUÁRIO CLÍNICO..................................................................................... 78
EXERCÍCIOS............................................................................................................................................................... 82
SUGESTÃO DE LEITURAS............................................................................................................................... 82
11 PRÁTICA: SIMULAÇÃO................................................................................................................................... 83

PARTE 3.............................................................................................................................................................................. 90
12 O QUE É A CIÊNCIA? ......................................................................................................................................... 92
12.1 MEDICINA E FORMAS DE RACIOCÍNIO...................................................................................... 96
12.1.1 Dedução........................................................................................................................................................... 98
12.1.2 Indução............................................................................................................................................................ 100
12.1.3 Abdução.......................................................................................................................................................... 102
EXERCÍCIO................................................................................................................................................................... 103
SUGESTÃO DE LEITURAS............................................................................................................................... 103
13 MÉTODO CLÍNICO............................................................................................................................................... 105
13.1 MÉTODO HIPOTÉTICO-DEDUTIVO................................................................................................. 105
13.2 RACIOCÍNIO CLÍNICO............................................................................................................................... 108
EXERCÍCIOS............................................................................................................................................................... 110
SUGESTÃO DE LEITURAS............................................................................................................................... 110
14 COMUNICAÇÃO ENTRE O MÉDICO-COM-SEUS-PARES .................................................. 111
EXERCÍCIOS............................................................................................................................................................... 113
SUGESTÃO DE LEITURAS............................................................................................................................... 114
15 PRÁTICA: SIMULAÇÃO................................................................................................................................... 115
REFERÊNCIAS............................................................................................................................................................... 119
Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

INTRODUÇÃO
O leitor encontrará aqui uma discussão sobre as formas de raciocínio empregadas na
comunicação médica, tanto na comunicação médico-paciente, quanto na comunicação
do médico com seus pares e demais profissionais de saúde nos espaços ambulatoriais,
hospitalares e acadêmicos. A proposta é fazer com que o discente tome consciência dos
modelos e estruturas de raciocínio que o médico emprega na apresentação e resolução
de problemas nessas diferentes situações e oferecer um exercício coletivo e de base multi-
disciplinar que evidencie as relações existentes entre ciência e medicina e, particularmen-
te, discuta as questões referentes à produção do conhecimento, metodologias científicas
e processos cognitivos empregados pelos médicos na clínica. Mas o que queremos exa-
tamente? Queremos responder a questões como: Como se forma o pensamento médico?
Como acontece o processo dialógico-discursivo entre médico-paciente e médico-com-
-seus-pares? Existe investigação científica na medicina? Qual a relevância do pensamento
crítico e sistemático para o raciocínio médico? O entendimento de como se estruturam os
raciocínios dedutivo, indutivo, abdutivo, hipotético-dedutivo nos conduz a uma melhor
tomada de decisão sobre casos clínicos? E quais são as relações possíveis entre raciocínio
com base empírica e medicina?
Embora a elaboração de um diagnóstico a ser adotado em uma determinada situa-
ção-problema não se reduza aos modelos apresentados pela Ciência (o que por sua vez
nos conduz a uma discussão sobre a medicina como ciência, ou como uma aplicação da
ciência ou como arte), a garantia de um diagnóstico correto e, por conseguinte, a escolha
de um tratamento adequado parecem estar relacionadas ao tipo de raciocínio emprega-
do – uma vez que o pensamento médico não se reduz aos processos de enquadramento
de casos particulares a padrões memorizados de conteúdos, mas tem como fundamento
o desenvolvimento de complexos raciocínios científicos.
O livro é produto dos nossos exaustivos, instigantes e ricos debates sobre conteúdos e
conhecimentos necessários para que a comunicação médica ocorra de forma eficiente e
que acompanhe as mudanças tecnológicas e paradigmáticas promovidas pelo Curso de
Medicina da Universidade Potiguar/Laureate International Universities.
No currículo atual do nosso curso, os conhecimentos referentes à linguagem, à comu-
nicação e à semiologia médica estão concentrados no Eixo de Comunicação e Habilida-
des Clínicas.
O Eixo se organiza em três fases: a Fase I (Fundamentos da Comunicação Médica) que
corresponde às 1ª. e 2ª. séries do curso e contempla dois blocos de conhecimento: Comu-
nicação e Formação do Pensamento Clínico I e Comunicação e Formação do Pensamento
Clínico II; a Fase II (Comunicação de Habilidade Médica) que corresponde às 3ª, 4ª e 5ª sé-
ries e abrange três blocos de conhecimento: Comunicação e Exame Clínico Diferenciado,

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Comunicação na Integralidade e Raciocínio Clínico I; e a Fase III (Boas Práticas Médicas)
que corresponde às 6ª, 7ª e 8ª séries e é formada pelos blocos de conhecimentos: Raciocí-
nio Clínico I, II e III e Medicina Baseada em Evidências I, II e III.
Neste livro, você encontrará apenas os conteúdos correspondentes ao primeiro bloco
de conhecimento: Comunicação e Formação do Pensamento Clínico I. Trata-se de uma
escrita coletiva, movida pelo desejo e pela necessidade de produzirmos um material que
integre, de fato, conteúdos que, normalmente, são abordados na academia de forma frag-
mentada e que aponte um direcionamento para a realização de diferentes configurações
e cenários de estudos.
Note que, apesar de existirem inúmeros suportes (livros, revistas e bases de dados ele-
trônicos, aplicativos para tablets e celulares) criados, entre outras coisas, com o intuito
de favorecer a aprendizagem, poucos ainda são considerados no meio acadêmico. Em
função disso, pretendemos oferecer exercícios e sugerir diferentes cenários que contem-
plem as novas propostas pedagógicas e tecnológicas, como é o caso da metodologia de
aprendizado baseado em simulação e uso de simuladores que podem ser de baixa, média
ou alta precisão.
Na metodologia de aprendizado baseado em simulação, o aluno primeiramente é con-
frontado com um problema, uma situação prática em que o discente exercerá papel ativo
na busca dos conhecimentos necessários para a compreensão e a resolução do proble-
ma apresentado. Durante a atividade simulada, ele precisa mergulhar em seus conheci-
mentos a fim de buscar informações que subsidiem sua tomada de decisão. Ao colocar
o conteúdo teórico em prática, este deixa de ser meramente um dado armazenado e
se transforma em competências e habilidades desenvolvidas. Além de resgatar conheci-
mentos prévios, a simulação também permite ao aluno fazer o diagnóstico de suas pos-
síveis fragilidades e otimizar o seu processo de aprendizagem, dedicando mais recursos
aos conteúdos necessários.
Obviamente, não escrevemos este livro com o intuito de superar os trabalhos existen-
tes e limitar o estudo apenas a um livro/guia. O que pretendemos é oferecer uma nova
perspectiva de compreensão dos conteúdos e do conhecimento, no que diz respeito à
comunicação médica, nascida da reflexão sobre nossas experiências em sala de aula e no
Hospital de Simulação, e que caminhe em sintonia com os pressupostos de uma medicina
centrada no paciente. Trata-se de uma referência primária para o aluno, com indicações
de diversos outros meios de estudo, como artigos, livros, ensaios, videoaulas, filmes, ma-
teriais digitais e interativos, que possibilitam ampliar os conteúdos e a interação entre os
sujeitos do processo de aprendizagem.
Entendemos que o livro, ao abordar essas discussões, apresentar atividades e sugerir
leituras atualizadas, se constitui em mais uma ferramenta a ser utilizada na formação de
futuros médicos, autônomos, ativos, reflexivos, comprometidos com uma medicina hu-

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

manizada e com espírito voltado para a pesquisa.


O livro está dividido em três partes. Na primeira parte, discutimos o que é o conheci-
mento e a sua importância no encontro clínico, cultura e saúde, alteridade, papéis sociais,
padrões de comportamento de médicos e padrões de comportamento de pacientes, ide-
ologia e comunicação de más notícias; na segunda parte, discorremos sobre os aspectos
da comunicação médico-paciente centrada no paciente, introduzimos a semiologia geral,
explorando a identificação do paciente, a queixa principal, história da doença atual, ante-
cedentes pessoais e familiares, hábitos de vida e condições socioeconômicas. Embora o
interrogatório sintomatológico faça parte da anamnese, este assunto não será abordado
neste livro. Apresentamos o processo de formação e composição das palavras e orien-
tamos como elaborar um prontuário e, por fim, na terceira parte, discorremos sobre for-
mas de raciocínio empregadas na comunicação médico-com-seus-pares. Fazemos uma
apresentação do que é a ciência, como ela funciona, qual sua relação com a medicina.
Dentre outras coisas, discorremos sobre a diferença entre os métodos Dedutivo, Indutivo
e Abdutivo. Em particular, esboçamos o Método hipotético-dedutivo, que remonta a Ga-
lileu Galilei e é discutido por Karl Popper, C. G. Hempel e outros. Além disso, apontamos
a relação do Método hipotético-dedutivo com o Raciocínio Clínico. Por fim, fazemos uma
breve discussão sobre a comunicação do médico-com-seus-pares.

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PARTE 1
Este livro deve ajudá-lo a compreender os mecanismos definidores da comunicação
médico-paciente e da comunicação médico-com-seus-pares em espaços ambulatoriais,
hospitalares e acadêmicos e, principalmente, ajudá-lo a pensar cientificamente. Mas o
que é necessário para pensar cientificamente e o que isso tem a ver com comunicação
médica? Como se estabelece a comunicação médica no meio acadêmico? Qual a relação
entre a comunicação médico-paciente e a comunicação médico-com-seus-pares em um
ambiente hospitalar ou acadêmico?
Na parte 1, através de casos clínicos, falamos sobre a importância do pensamento crí-
tico na construção do raciocínio médico, na compreensão da doença e na tomada de
decisões corretas. Discutimos como o entendimento e a compreensão das formas de pen-
samento são relevantes no dia a dia da clínica. Falamos de algumas questões relativas à
comunicação médico-paciente como, por exemplo, a questão da alteridade, papéis de-
sempenhados e sistemas de representação. Apresentamos uma breve discussão sobre
padrões de comportamento de médico e padrões de comportamento de paciente, apon-
tamos questões relativas aos processos ideológicos e orientamos como dar más notícias.
Optamos por apresentar no início de cada parte do livro dois casos clínicos, com o
intuito de seguir uma linha de raciocínio e exemplificação contínua ao longo dos capítu-
los. Na Parte 1, os casos clínicos abordam a comunicação médico-paciente; na Parte 2, os
casos são construídos de modo a atender a estrutura da anamnese e, na Parte 3, os casos
tratam da comunicação do médico-com-seus-pares e permitem explorar os elementos
do raciocínio clínico.
Vejamos os dois primeiros casos. Em seu consultório, você atende dois casos de suspei-
ta de coqueluche e um outro com suspeita de dengue.

CASO CLÍNICO N.º 1


O primeiro caso é o de JCA, do sexo feminino, mulata, com 12 meses
de vida, natural de Currais Novos/RN e procedente de Parnamirim/RN,
que dá entrada na UBS Rosa dos Ventos, apresentando tosse espas-
módica em forma de guincho, cianose em torno dos lábios e dedos, du-
rante a tosse, e vômitos após a tosse. Ao fazer a anamnese da criança,
os pais, que são agricultores, relatam que a menina teve um resfriado
por aproximadamente 3 semanas e que seu apetite, desde esse even-
to, tem diminuído consideravelmente. Falam que as condições financei-
ras não são boas, que moram em condições precárias. Os pais narram
que a criança tem tossido por cerca de 6 semanas, que seu “bofe” está

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

cansado e que o “goto” não funciona direito e, por isso, eles a levaram,
duas vezes, para uma benzedeira muito famosa da região. Desde então,
a criança vem tomando “lambedor” de casca de abacaxi com cenou-
ra. Ao solicitar o cartão de vacinação da criança, você observa que ele
está incompleto. Depois de um criterioso exame físico na criança, você
comunica aos pais que ela está com coqueluche. Vocês conversam um
pouco sobre a doença, mas nenhum deles questiona sobre as evidên-
cias e formas de raciocínio que o levaram a chegar ao diagnóstico. Em
seguida, prescreve 4 doses diárias de eritromicina. Depois de finalizada
a consulta, a mãe agradece e vai embora.

CASO CLÍNICO N.º 2


O segundo caso é o de um menino de 4 anos LS, cor branca, natu-
ral e procedente de Parnamirim/RN, que dá entrada na UBS Rosa dos
Ventos com febre de 40ºC. A mãe, Testemunha de Jeová, engenheira
química e atualmente empregada em uma empresa multinacional, re-
lata que o filho tem apresentado, nas últimas duas semanas, perda de
apetite, febre, sem dor e tosse arrastada. Ela menciona também que
o menino tem gripado com frequência e que, pelo menos nos últimos
doze meses, esteve gripado 8 vezes. Normalmente, a criança se alimen-
ta de produtos industrializados, preferindo sempre biscoitos, salgados
e balas, e adora frequentar o shopping nos finais de semana. Você ob-
serva paroxismos de tosse seca, cianose em torno dos lábios e dedos
durante a tosse, seguido de apneia. Ao solicitar o cartão de vacinação
da criança, você constata que ele está completo. Depois de um crite-
rioso exame físico na criança, você comunica à mãe que a criança está
com coqueluche. Como no caso anterior, você prescreve 4 doses diárias
de eritromicina. De imediato a mãe questiona sobre como você chegou
a este diagnóstico e por que você não solicitou nenhum exame. Pergun-
ta, também, qual o agente etiológico da coqueluche e como a criança
pode ter contraído a doença. Ainda quer saber o que fez com que você
optasse por coqueluche e não por pneumonia, bronquite ou um simples
resfriado. Por fim, questiona sobre dosagem. Finalizada a consulta, mãe
e filho agradecem a sua atenção e vão embora.

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1 O CONHECIMENTO E TIPOS DE
CONHECIMENTO
No que que se refere ao conhecimento, note que os casos n.º1 e n.º2 apresentam pa-
cientes oriundos de famílias com níveis de formação e informação distintos: agricultores
e engenheira química; recurso a “benzedeiras” e descrição objetiva de sintomas; aceita-
ção passiva do diagnóstico e perguntas. Os pacientes de ambos os casos têm diferentes
perspectivas do que é o conhecimento e a verdade. Observe que quase todos nós somos
capazes de falar sobre isso, mas quantos seriam capazes de dizer o que é o conhecimento
e que tipos de conhecimento podem ser objetivamente caracterizados? Ou, ainda, quan-
tos seriam capazes de construir uma definição clara e objetiva sobre o que é a verdade?
Muito já se falou e já se escreveu sobre o conhecimento e tipos de conhecimento. Se
você folhear alguns livros de metodologia científica ou mesmo de introdução à filosofia,
logo perceberá que discutir conhecimento é uma tarefa árdua, cujas definições parecem
pouco esclarecedoras e atendem a diferentes orientações teóricas.
Classicamente, por volta de 300 a.C., as primeiras discussões sobre conhecimento se
encontram no diálogo platônico Teeteto. Nesse momento, discutindo com Teeteto, que é
um jovem matemático, Sócrates o leva a admitir que o conhecimento é crença verdadeira
justificada. O que isso indica? Indica que existe uma estreita relação entre conhecimento e
verdade, por conseguinte, não existe conhecimento falso, isto é, você não conhece o que
não é, o que remete a uma discussão necessária sobre o que é verdadeiro.
Mas o que é a verdade? Assim como o conhecimento, a verdade tem sido por séculos
discutida por lógicos e filósofos e, como consequência, existem diferentes concepções e
teorias.
Dentre as concepções de verdade, a de correspondência entre proposições e fatos
parece ser a mais comumente utilizada, tanto pela comunidade científica quanto pela
maioria das pessoas. Essa concepção é, segundo Luiz Henrique de A. Dutra (2001, p. 17),
apresentada por Platão no Sofista e por Aristóteles na Metafísica e, modernamente, por
John Locke em Ensaio sobre o Entendimento Humano. Dutra aponta duas teorias que se
notabilizaram por defender a correspondência entre proposições e fatos: a teoria da cor-
respondência como congruência de Wittgenstein e Russell e a teoria da correspondência
como correlação de Austin. Outras elaborações são as teorias pragmáticas da verdade.
Não podemos deixar de lembrar que mais outras teorias e concepções têm se mostra-
do pertinentes, como é o caso da definição semântica de verdade de Tarski, da teoria da
verdade aproximada de Richard Boyd, além da teoria de adequação empírica de Bas van
Fraassen etc. Perceba que se resolvêssemos enveredar por qualquer uma delas, teríamos

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

elementos de discussão para inúmeros debates. Contudo, não é a nossa intenção neste
livro. O professor ou o aluno que desejar um aprofundamento dessa temática deve fazer
uma leitura minuciosa do livro de Dutra.
Caso você esteja um pouco preocupado ou se sinta angustiado, lembre-se que a pri-
meira coisa a fazer é acalmar o seu espírito; a segunda é compreender que toda e qual-
quer definição, que você venha a encontrar, sobre conhecimento e verdade, estará presa
a uma corrente teórica construída por uma determinada escola de pensamento. E o que
fazer? Optar por uma definição que pareça a mais adequada ou conveniente.
De todo modo, essa é uma discussão necessária para que você, enquanto futuro médi-
co, possa compreender a forma de pensar e agir do seu paciente.

1.1 TIPOS DE CONHECIMENTO


Será que os homens sempre pensaram e buscaram o conhecimento da mesma forma?
Sabemos que o homem sempre buscou entender o que ele é, o que é o mundo e sua re-
lação com a natureza e com os outros, mas fundamentalmente, sabemos que ele sempre
buscou construir modelos de explicações plausíveis sobre a realidade. Algumas dessas
explicações têm fundamentos míticos, religiosos, outras empíricas, outras filosóficas e ou-
tras científicas.
Como explicamos a realidade? Podemos afirmar que toda explicação da realidade é
científica? Então, o que é a ciência e como ela funciona? E qual a sua relação com a me-
dicina? As respostas a essas perguntas revelam de imediato a nossa visão do mundo e os
sistemas de valores que estão na base de nossa formação acadêmica.
Podemos começar afirmando que apesar da ciência ser considerada, por muitos, como
a única forma aceitável de conhecimento, isso não é indiscutível. Para aceitar esse ponto
de vista não é necessário que você seja profundo conhecedor da epistemologia, basta
que você pense sobre o nascimento ou origem da medicina. Afinal, o mais antigo registro
ocidental sobre esse tema encontra-se na Ilíada, o texto de Homero que conta a história
da guerra de Tróia. Trata-se da narrativa mítica em que Esculápio (também conhecido por
Asclépio) é um semideus, filho de Apolo e Corônis (uma mortal), que a pedido do pai foi
adotado e criado pelo centauro Quíron para que lhe ensinasse a arte da caça e da cura.
Homero narra que Esculápio aprendeu o poder curativo das ervas, as técnicas da cirur-
gia e da ressuscitação dos mortos e que Zeus, furioso e por temer que a arte e a técnica da
cura (entenda, a medicina) se difundissem entre os homens, lançou sobre Esculápio um
raio fatal. Com isso, Esculápio morre e os homens, em sinal de agradecimento, passam a
cultuá-lo em todos os lugares através dos tempos. Como decorrência disso, sua imagem
permanece viva até os dias atuais, sendo reverenciada inclusive pela medicina moderna

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através do símbolo da serpente em volta de um bastão (o bastão de esculápio).
Diversos escritores, tais como Alfonso F. Trujillo (1974), Ezequiel Ander-Egg (1978), Ja-
cob Bazarian (1980), Guilherme A. Galliano (1986), Marina Marconi e Eva Lakatos (1982) e,
mais recentemente, João Mattar (2008), pontuam a existência de quatro tipos de conheci-
mento: o conhecimento popular, o conhecimento religioso, o conhecimento filosófico e o
conhecimento científico. Acrescentamos o conhecimento mítico. Vejamos cada um deles.
O conhecimento popular (também denominado senso comum, cotidiano, ametódi-
co, casual, superficial) é um conhecimento empírico, espontâneo, fruto do acúmulo não
sistematizado de acertos e erros que se mostraram em sua grande maioria eficientes para
os objetivos comuns da vida cotidiana. Por isso mesmo é, essencialmente, um conheci-
mento fundamentado na experiência pessoal e na tradição, transmitido de uma geração
a outra de modo informal. Segundo Ander-Egg (1978, p. 13-4), o conhecimento popular
expressa-se por frases como “porque vi”, “porque senti”, “porque o disseram”, “porque
todo mundo o diz”. Observe que esses tipos de frases indicam uma mera apreensão da re-
alidade feita casualmente. E isso por si só basta para que esse tipo de conhecimento seja
caracterizado como um conhecimento superficial que se conforma e descreve o mundo
aparente.
No entanto, uma discussão bem interessante sobre o senso comum tem sido feita por
Clifford Geertz. Para ele, a análise do senso comum deve ser iniciada com uma distinção
entre a apreensão da realidade feita casualmente e a apreensão da realidade guiada pelo
bom senso. Observem o argumento:

A análise do senso comum, e não necessariamente seu exercício, deve, por-


tanto, iniciar-se por um processo em que se reformule esta distinção esque-
cida, entre uma mera apreensão da realidade feita casualmente – ou seja lá
o que for que meramente e casualmente apreendemos – e uma sabedoria
coloquial, com pés no chão, que julga ou avalia esta realidade. Quando di-
zemos que alguém demonstrou bom senso, queremos expressar algo mais
que o simples fato de que essa pessoa tem olhos e ouvidos; o que estamos
afirmando é que ela manteve seus olhos e ouvidos bem abertos e utilizou
ambos – ou pelo menos tentou utilizá-los – com critério, inteligência, discer-
nimento e reflexão prévia, e que esse alguém é capaz de lidar com os pro-
blemas cotidianos, de uma forma cotidiana, e com alguma eficácia. Quando,
por outro lado, dizemos que a alguém lhe falta bom senso, não queremos
dizer que este alguém é retardado, ou que não consegue entender que a
chuva molha ou que o fogo queima, mas sim que é o tipo de pessoa que
consegue complicar ainda mais os problemas cotidianos que a vida coloca
à sua frente (GEERTZ, 2000, p. 115).

Assim, seja como for, não podemos sair por aí afirmando que conhecimento popular,

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

com base no bom senso, não tem valor e validade. Afinal, o bom senso (definido cultural-
mente e, por isso, legítimo para o grupo e possuidor de autoridade) é uma categoria im-
portante para qualquer sistema e forma de aplicação do conhecimento, o que bem cabe
para o exercício da medicina. De todo modo, você deve saber que o conhecimento advin-
do do senso comum é um conhecimento presumido e não um conhecimento metódico.
Não seria o conhecimento popular um conhecimento mítico? Não. O senso-comum
pode até ter traços mitológicos, mas não pode ser confundido com conhecimento míti-
co. Além disso, o conhecimento popular reelabora todas as informações que surgem da
experiência empírica não sistematizada do cotidiano do homem. Por isso, ele é fragmen-
tado e se impõe pela autoridade.
Diferentemente, os mitos se valem de um conhecimento que narra a origem das coisas
a partir de uma ação ordenadora de vários deuses ou de um só Deus. Eles falam da criação
e origem do mundo (cosmogonia) e falam da origem e vida dos deuses (teogonia). De um
modo geral, podemos dizer que o mito é uma narrativa de caráter arquetípico e simbó-
lico (Marc Girard, 1997), atemporal, que acaba não só por justificar as crenças, os usos e
as normas básicas de convívio dos grupos, mas por explicar o sentido e as dinâmicas da
vida e da morte. Embora traga uma explicação, a narrativa está sempre aberta a novos
significados.
Se fizermos uma análise cuidadosa dos textos religiosos ou, ainda, das transcrições da
tradição oral, sejam elas de origem grega, judaico-cristã, indiana, tibetana, africana, in-
dígena etc., encontraremos narrações de criação do mundo, de geração e hierarquiza-
ção dos deuses, semideuses ou santos e dos infinitos combates entre heróis ou tribos ou
ainda entre deuses e demônios. Enfim, nos depararemos com narrativas que enaltecem,
codificam e justificam uma determinada crença, impõem valores e princípios morais, que
acabam por dar sentido à vida.
E o que dizer do conhecimento religioso? Tomando como base Durkheim (2000), po-
demos afirmar que o conhecimento religioso é produto de um sistema de crenças e práti-
cas coletivas referentes às realidades sagradas, o sobrenatural, e fruto de uma comunhão
moral; comporta a narrativa mítica, mas não se restringe a ela. Revela sentimentos, ideias
e atitudes padronizadas pelos rituais e expressa um caráter adorador e persuasivo.
Marconni e Prezotto (1992, p. 165) apresentam quatro categorias de seres sobrenatu-
rais imaginados pelos homens: os seres (deuses, anjos, demônios, fadas), as entidades
(espíritos, almas), as forças (mana, espírito santo) e as almas dos mortos ou espectros.
Os ritos podem ser propiciatórios, de passagem (nascimento, puberdade, matrimônio
e morte) e de iniciação. Além disso, podem ter as formas de oração (prece), oferenda ou
manifestações. Como para as religiões a vida é sempre um retorno a Deus ou aos Deuses
ou simplesmente ao sagrado, o conhecimento religioso é por excelência um conhecimen-
to que prima pela mitificação.

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Já o conhecimento filosófico, vai buscar substituir a explicação mítica e imaginária
pela explicação laica ou secularizada, pautada nos princípios da razão. A filosofia dos úl-
timos pré-socráticos e aquela que se desenvolve com os sofistas e, sobretudo, com Só-
crates, acaba não só por estabelecer novos parâmetros de entendimento da essência (a
natureza ou realidade última) do Homem, a alma (a psique), mas por definir um novo sig-
nificado para a virtude, para a liberdade e para a felicidade. Isso porque a preocupação
fundamental da filosofia pré-socrática era explicar a totalidade das coisas, do real, a partir
da physis (natureza) e do cosmos. Assim, os primeiros filósofos, chamados de físicos, na-
turalistas ou ainda cosmólogos propunham-se os seguintes problemas: Qual é a causa
de todas as coisas? Ou ainda, qual a fonte e origem de todas as coisas? Como surgiu o
cosmos? Qual é a natureza última das coisas?
Com o aparecimento dos sofistas, a filosofia toma como fim o entendimento da es-
sência do homem: a Alma. Nasce a problemática da moral e uma primeira evidência da
diferenciação entre o mundo físico e o mundo metafísico (uma realidade inteligível que
transcende o sensível). Reale e Antiseri (2000, p.96) afirmam

O dialogar com Sócrates levava a um exame da alma e a uma prestação de


contas da própria vida, ou seja, a um exame moral, como bem destacavam
seus contemporâneos. É como podemos ler em um testemunho platônico:
Quem quer que esteja próximo a Sócrates e, em contato com ele, ponha-se
a raciocinar, qualquer que seja o assunto tratado, é arrastado pelas aspirais
do discurso e inevitavelmente forçado a seguir adiante, até ver-se prestan-
do contas de si mesmo, dizendo inclusive de que modo vive e de que modo
viveu. E, uma vez que se viu assim, Sócrates não mais o deixa.

Enfim, por meio do seu método dialogal, estruturado a partir da refutação e da mai-
êutica, que Sócrates abre novos caminhos de acesso e exploração do mundo metafísico
que, como bem afirma Newton da Costa (1997, p. 30), alicerça a indagação científica. Em
suas palavras: “Sem postulados de índole metafísica, amplos e gerais, muitas vezes aceitos
implicitamente, não há ciência”.
O conhecimento científico resulta de uma investigação sistemática e metódica da
realidade. É, fundamentalmente, racional, crítico e autocorretivo. Ele, em geral, refere-se
ao mundo físico, o mundo empírico, portanto, ao mundo factual. Busca por meio da expe-
riência controlada e da observação atenta da realidade construir sistemas de explicações
que revelem leis gerais.
No que se refere à medicina, sabemos que foi a partir das experiências de Hipócrates
(460 a.C) que ela adquiriu um estatuto de ciência. Hipócrates substitui o modelo de ex-
plicação pautado nos deuses, pelo modelo dado a partir da observação clínica de seus
pacientes. A medicina, com isso, torna-se autônoma e passa a ser praticada por médicos

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

e não mais por sacerdotes e curandeiros.


Nos dias atuais, a medicina, compreendida como ciência, se dedica à descoberta, à
aplicação de novas evidências, à avaliação do impacto de suas aplicações práticas e à
tomada de decisões. Em capítulos posteriores, examinaremos as condições que definem
cada uma dessas orientações, assim como os elementos definidores da ciência.
Agora, retomando os dois casos, você afirmaria que o conhecimento agenciado pela
mãe do Caso Clínico n.º 2 é superior ao conhecimento agenciado pela mãe do Caso Clíni-
co n.º 1?
O que dizer dos seguintes enunciados proferidos pelos pais da criança: “[...] o ‘bofe’ da
criança está cansado e o ‘goto’ não funciona direito e que, por isso, eles a levaram, duas
vezes, para uma benzedeira muito famosa da região e que, desde então, ela vem toman-
do ‘lambedor’ de casca abacaxi com cenoura”?
Imagine que os pais do Caso Clínico n.º 1 em vez de levar a criança à “benzedeira”, a le-
vassem a uma “mãe-de-santo”. Qual seria sua reação em termos de posicionamento sobre
conhecimento e verdade? Para que haja um encontro clínico competente culturalmente,
de combate às iniquidades étnico-raciais, de respeito à diversidade religiosa e com uma
escuta qualificada, você não acha que se faz necessário um diálogo atento e respeitoso
quanto aos diferentes tipos de crenças? É importante que você atue sem julgamentos,
respeitando o campo de verdades do seu paciente.

EXERCÍCIOS
1. Faça um quadro que resuma as semelhanças e diferenças entre os
tipos de conhecimento. Debata com os seus professores e colegas
de sala de aula, o que significa cada uma das características e rela-
ções possíveis. Em seguida, faça uma análise dos diferentes tipos de
conhecimento empregados nos casos n.º 1 e n.º2.
2. Discuta com seus colegas de grupo os tipos de conhecimento que o
filme The Physician (Direção de Philipp Stölzl) apresenta ao abordar
as doenças e os processos de cura. Selecione algumas cenas e de-
pois, em grupo, escrevam uma resenha crítica.
3. Assista ao filme Sócrates, dirigido por Roberto Rossellini e produzido
em 1971. Em seguida, responda as seguintes questões:
a. Para Sócrates, a consciência da ignorância representa no ho-
mem uma verdadeira sabedoria: “Só sei que nada sei”. Em So-
fista, Platão afirma que a ignorância mais perigosa é a que não
sabe e crê saber, pois esta dá origem a todos os erros que
cometemos com a nossa inteligência. Agora responda: o que di-
zem essas premissas a respeito do conhecimento, da verdade

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e de uma investigação séria? O que elas dizem de sua futura
profissão?
b. Veja a cena em que Sócrates discute com Críton sobre suas
dúvidas se os deuses, em especial Esculápio, precisam das
oferendas humanas. Reescreva o argumento e discuta sobre
a relação entre sua estrutura argumentativa e as caracterís-
ticas do conhecimento mítico versus conhecimento filosófico.
c. Observe que em um determinado momento, Meleto acusa
Sócrates de corromper a juventude e pede a pena de morte.
O orador Lísias é chamado para defender Sócrates. Ele apre-
senta seus argumentos a Sócrates e, por algum motivo, Só-
crates acaba decidindo fazer sua própria defesa. O que leva
Sócrates tomar essa decisão?
4. Discuta com seus colegas a seguinte sentença: “Se conhecer é lem-
brar, o diálogo filosófico é anamnese” (Chauí, 2002, p. 1999). Se o
diálogo filosófico é anamnese, então, o que pensar da medicina?

SUGESTÕES DE LEITURA
BAZARIAN, Jacob. O problema da verdade. São Paulo: Símbolo, 1980.
CALDER, Richie. O homem e a medicina: mil anos de trevas. São Paulo:
Hemus, 2000.
CHAUÍ, Marilena. Introdução à História da Filosofia: dos pré-socráticos a
Aristóteles. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
DA COSTA, Newton Carneiro Affonso da. O conhecimento científico. São
Paulo: Discurso Editorial, 1997.
DUTRA, Luiz Henrique de Araújo. Verdade e Investigação. O problema
da verdade na teoria do conhecimento. São Paulo: E.P.U., 2001.
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema
totémico na Austrália. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpre-
tativa. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia Cien-
tífica. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
MARCONI, Marina de Andrade; PREZOTTO, Zélia Maria Neves Antropo-
logia: uma introdução. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1992.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: Antiguidade e
Idade Média. São Paulo: Paulinas, v. 1, 1990.

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

2 COMPETÊNCIAS
CULTURAIS, CONFIGURAÇÕES
SOCIOCULTURAIS E LINGUÍSTICAS
2.1 COMPETÊNCIAS CULTURAIS
Você já parou para pensar o quanto a saúde é modelada pela cultura? Veja por exem-
plo quanto dos problemas relacionados à obesidade, ao consumo de bebidas alcoólicas,
de cigarros e anabolizantes, diarreia, desidratação e estresse têm relação direta com o
estilo de vida, as formas de se comportar e pensar (sistema de crenças) específicos das
pessoas e dos grupos, portanto, com a cultura.
O que você entende por cultura? Se consultarmos a literatura científica, nos deparare-
mos com inúmeras definições que obedecem aos parâmetros estabelecidos pelas dife-
rentes vertentes teóricas e escolas de pensamento.
Seguindo uma vertente mais funcionalista, Betancourt (2014) define cultura como um
sistema de crenças, valores, regras e costumes que são compartilhados por um grupo e
é usado para interpretar experiências e padrões diretos de comportamento. O autor de-
fende que a cultura desempenha um grande papel na formação dos valores relacionados
com a saúde, crenças e comportamentos de cada indivíduo, e influencia diretamente os
cuidados clínicos.
Você concorda com esse pensamento? Assim, até que ponto as influências econômicas,
sociais e linguísticas devem ser consideradas no atendimento médico? Seriam elas gerado-
ras de diferentes emoções e atitudes? Poderiam afetar o processo de saúde e cura? Vejamos
o famoso caso clássico da menina Lea Lee apresentado por Anne Fadiman no livro The Spirit
Catches You and You Fall Down (1997). A jornalista narra como os conflitos culturais e de-
sastrosas consequências produzidas pelos constantes desentendimentos no processo de
comunicação entre médicos, equipe de saúde do Merced Country Hospital (Califórnia, EUA) e
a família da criança, levaram Lia Lee a um estado vegetativo permanente.

CASO LIA LEE


Filha do casal Foua Lee (mãe) e Nao Kao Lee (pai), Lia Lee tinha aproximadamente três
meses de vida, quando sua irmã mais velha Yer bateu uma porta e ela teve sua primeira
convulsão. Para seus pais, o susto e o ruído da porta fizerem com que a alma fugisse do
seu corpo e ela ficasse doente. Assim, eles a diagnosticaram como portadora da doença
qaug dab peg (FADIMAN,1997).

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Os Hmong acreditam que a alma, especialmente a dos bebês, pode ser roubada pelos
espíritos, pode se perder ou ficar separada do corpo caso a pessoa fique com raiva ou
medo, tenha dor, escute um barulho muito alto ou ainda se assuste por qualquer motivo.
Embora os pais achassem que a filha merecesse cuidados médicos, também acredita-
vam que suas convulsões eram sinal de um chamado divino e que, possivelmente, a leva-
riam a ser escolhida para se tornar uma tvix neebs (xamã), uma vez que esse era o destino
de muitos epilépticos entre os Hmong. Em uma das convulsões, os pais levaram-na para o
Merced County Hospital, contudo continuaram utilizando os métodos de cura tradicionais
e contrataram um xamã para resgatar a sua alma.
Os médicos concluíram que Lia Lee sofria de epilepsia. Por conseguinte, a criança rece-
beu o tratamento previsto na literatura médica. Os pais por discordarem na maioria das
vezes do tratamento prescrito, não o seguiram adequadamente.
Fadiman (1997) destaca dois pontos relevantes para pensarmos o processo de comu-
nicação: primeiro, que os pais não falavam inglês e que a tradução era feita por outros
membros da família; segundo, que eles ficaram confusos com a quantidade de remédios
para serem administrados, com várias combinações e em diferentes momentos do dia.
Havia anticonvulsivantes, broncodilatadores, antibióticos, antifúngicos e vitaminas. Eles
também resistiam em ir ao hospital por acreditarem que se tratava de um lugar assom-
brado por espíritos mortos. O descumprimento do tratamento e o consequente agrava-
mento do caso somados à preocupação com a segurança da paciente levaram os mé-
dicos Neil Ernst e Peggy Philp a notificarem o caso à Child Protective Services (CPS) que a
colocou sob os cuidados de uma outra família. Dado que a separação implicou num pro-
cesso bastante traumático, Lia acabou voltando para casa. Janine Hilt (assistente social)
ensinou a mãe como administrar os remédios. Depois de quatro meses novamente com
a família Hmong, Lia teve uma piora no quadro e teve que ficar internada no hospital por
quatorze noites. Dois meses depois, ela retornou novamente ao hospital. Lia estava com
septicemia. Em estado vegetativo, Lia retornou para casa e ficou sob os cuidados dos seus
pais. Fadiman relata que a cada ano uma tvix neeb realizava uma cerimônia para aliviar o
seu sofrimento. Lia Lee morreu em 31 de agosto de 2012.
Observe que estamos diante de um problema que envolve fatores socioculturais, eco-
nômicos, questões raciais e a não proficiência da língua inglesa por parte dos pais de
Lia Lee e a não proficiência do espanhol por parte da equipe de saúde cujo desfecho foi
trágico e implicou em sofrimento e perdas. Vejam que a competência clínica para além de
uma anamnese bem-feita inclui a disposição para superar as barreiras culturais e, neces-
sariamente, tomar consciência de que a percepção de saúde muda nas diversas culturas.
Perceba como na nossa cultura o conceito de saúde tem se modificado. Qual era a defi-
nição de Saúde adotada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em meados do séc.
XX e qual é a definição adotada nos dias de hoje? O que significa ser saudável para alguns

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

grupos no interior do Nordeste do Brasil em que a seca é uma realidade? E o que significa
ter saúde para um determinado grupo pertencente à classe média que vive na capital e
tem acesso a um programa de nutrição e exercícios físicos?
Assim, quanto mais o médico conhecer e for sensível às diferentes realidades culturais,
mais ele poderá obter sucesso no encontro clínico e no processo de cura dos seus pacientes.
A competência cultural, ou seja, a capacidade de lidar eficazmente com as diferenças
culturais, permite que você consiga:
1. facilitar as relações entre as culturas de pacientes e instituições, como por exemplo,
desenvolver políticas e programas de saúde voltados para a população e que sejam
culturalmente sensíveis;
2. melhorar a eficácia da prática clínica na saúde do indivíduo, da família e da comunidade;
3. ter uma melhor compreensão da vida pessoal e social do paciente em relação ao
plano de tratamento;
4. garantir uma comunicação mais eficaz, passando a utilizar recursos adequados à
realidade que se apresenta, favorecendo as chances dos tratamentos serem bem-
-sucedidos.
Observe que a cultura modela tanto a percepção do paciente quanto a do médico
sobre as condições de saúde e tratamentos adequados. Assim, vale a pena uma breve
discussão sobre os conceitos de etnocentrismo e relativismo cultural (GEERTZ, 1997).
O etnocentrismo é o termo que se refere ao conceito que corresponde a uma postura
de interpretar todo e qualquer fato, toda e qualquer realidade a partir dos seus próprios
parâmetros culturais. Tal postura leva o sujeito a pensar que as outras pessoas ou cultu-
ras se comportam e pensam de forma diferente porque são inferiores ou nunca tiveram
instrução. Uma visão etnocêntrica implica na negação das diferenças culturais como algo
saudável e possível de ocorrer e afirma a ideia de superioridade.
Já o relativismo cultural é um termo que se refere ao conceito correspondente a uma
tentativa de compreender o diferente, portanto, o outro, tomando como base os valores
adotados por esse outro. O observador ao adotar uma perspectiva relativista, apreciando
as diferentes formas de pensar e agir, consegue ter uma visão mais objetiva da realidade.
Retomando o caso de Lea Lee, podemos considerar que os diversos conflitos e mal-en-
tendidos gerados pelo choque dado entre o modelo de saúde produzido por este grupo
étnico (fundamentado na crença animista) com o modelo biomédico amplamente aceito
e valorizado pelo mundo ocidental são, em parte, resultados de posturas etnocêntricas
adotadas pelos médicos e pela equipe de saúde que cuidavam de Lea Lee.
Caso os médicos tivessem considerado os sistemas diferentes de representação, a assu-
mido a perspectiva do relativismo cultural, bem como superado as barreiras linguísticas,

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provavelmente eles teriam compreendido o sistema de crenças da família e conduzido o
caso colocando os valores éticos (modelos universais de comportamento humano apli-
cáveis a todas as culturas) e os valores êmicos (modelos específicos de uma determinada
cultura) em discussão. Essa reflexão é apresentada de forma mais detalhada no livro Hea-
ling by Heart: Clinical and Ethical Case Stories of Hmong Families and Western Provides (2003)
por Kathleen Culhane-Pera e coautores.
Uma postura mais relativista teria permitido um encontro clínico culturalmente consciente,
sensível, competente e proficiente. Desejamos que você ao longo deste livro perceba a impor-
tância de cada uma dessas habilidades para o exercício de uma medicina humanizada.
No início do capítulo, pedimos para você fazer uma breve investigação sobre a evolu-
ção do conceito de saúde adotado pela OMS. Certamente, você percebeu o quão amplo
é a compreensão de saúde. Porto (2014, p. 3) diz que a OMS compreende a saúde como
“um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não uma mera ausência de
doença ou invalidez” – o que implica na superação de um modelo fragmentado, centrado
na doença e estruturado com base nas classificações patológicas, e na valorização de um
modelo biopsicossocial que busca integrar diferentes dimensões do ser humano: biológi-
ca, ambiental, social, cultural, psicológica e comportamental.
A integração dessas dimensões é necessária para que você também possa compreen-
der um outro fenômeno que é a “experiência da doença”. Provavelmente, você ou alguém
da sua família já escutou de algum médico que “embora você se sinta doente, realmente
não está”. Por que isso acontece? Quais os conflitos existentes aqui? Para melhor compre-
endermos, devemos primeiro recorrer à língua inglesa. Na língua inglesa, existem três
termos para se referir a doença, são eles: disease, illness e sikness.
Winkelman (2009, p. 36) defende que:
1. disease diz respeito aos problemas de ordem biológica que envolvem a anormalida-
de na estrutura, na bioquímica e/ou funções do corpo;
2. illness corresponde a experiência do paciente de algo errado ou mal-estar que pode
ser causado tanto por um patógeno (disease) quanto por crenças culturais;
3. sickness refere-se a percepção social da doença, determinada pelos processos so-
ciais e pelas respostas dadas em termos institucionais, por exemplo, as políticas e os
programas de saúde.
É provável que alguns médicos considerem a doença apenas em termos de disease
e, com isso, se limitem a examinar os dados anatômicos, fisiopatológicos e bioquímicos.
Contudo, a maneira como a pessoa se refere à experiência da doença extrapola a esfera
do campo patogênico. O processo saúde-doença encontra-se justificado na teia de signi-
ficados compartilhados socialmente.

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do Pensamento Clínico I

2.2 CONFIGURAÇÕES SOCIOCULTURAIS E LINGUÍSTICAS


Segundo Adam e Herzlich (2001, p. 60-71), podemos afirmar que a variabilidade de es-
tados de saúde-doença sofre influência direta das diferentes configurações socioculturais
e linguísticas. Com base em diversos trabalhos científicos, eles argumentam que a fome
e a dor não são dados puramente objetivos, mas dados que sofrem alterações promovi-
das por contextos socioculturais diferentes. Um deles, é o trabalho de Mark Zborowski
que analisa os componentes culturais da experiência da dor em três grupos étnicos dos
EUA: os americanos de origem italiana, os americanos de origem judaica e os americanos
de origem protestante. A mesma intensidade de dor provoca reações diferentes nos três
grupos. Enquanto os americanos de origem judaica e italiana são extremamente sensíveis
à dor e tendem a exagerar na descrição, os americanos de origem protestante são mais
resistentes e tendem a minimizá-la. Para os americanos de origem italiana, a experiência
tem um sentido imediato e, diferentemente dos americanos de origem judaica e protes-
tante, as reclamações são imediatas e vivas, mas não guardam lembranças depois que a
dor passa. Ambos, o americano de origem judaica e o de origem protestante ficam ansio-
sos com as consequências futuras, contudo, os de origem protestantes são mais pragmá-
ticos e acabam por aceitar mais facilmente a hospitalização ou a adesão a um tratamento.
Um outro trabalho, também citado por Adam e Herzlich (2001, p. 71-72) diz respeito a
discriminação e precisão dos sintomas entre dois grupos também de americanos: um de
origem italiana e outro de origem irlandesa. Irving Zola constatou que os americanos de
origem irlandesa são mais precisos e minimizam o sofrimento com maior frequência que
os americanos de origem italiana.
Mas para os autores, marcas deixadas pelas diferentes configurações socioculturais no
processo saúde-doença não se reduzem a reclamações ou angústias em relação aos dife-
rentes sintomas, mas vai mais além. Por exemplo, uma doença só existe se a sociedade a
define e valoriza como tal. Veja que o estresse é uma doença contemporânea. Você cer-
tamente não a encontrou no discurso dos seus avós por mais que eles tenham contado
histórias de como tiveram que trabalhar para sustentar a família.
E o que dizer das “síndromes ligadas à cultura”? Faça uma investigação sobre a síndro-
me do susto que está presente no discurso da população de origem espanhola e indígena
da América Latina. Elenque os sintomas e às descrições de tratamento. Aproveite para
pesquisar também sobre a síndrome da moleira caída presente não somente no México,
mas também no interior do Nordeste do Brasil.
Para ser um médico competente culturalmente, não precisa ficar aflito em não poder
dar conta de conhecer todos os traços das culturas, pois isso demandaria um grande es-
forço e provavelmente não sobraria tempo para o estudo e o exercício da medicina.
Betancourt (2014) sugere que o médico ao invés de tentar fazer infindáveis incursões

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nas mais diversas culturas, ou tentar memorizar uma enciclopédia de assuntos específicos
da cultura, deve optar por uma abordagem mais prática, a de reconhecer um conjunto de
problemas comuns que ocorrem em encontros clínicos que envolvam diversidade cultu-
ral. O autor aponta cinco questões centrais que devem ser levadas em consideração:
1. estilos de comunicação;
2. desconfiança e preconceito;
3. tomada de decisão e dinâmica familiar;
4. tradições, costumes e espiritualidade; e
5. questões sexuais e de gênero.

Uma vez que um potencial problema é reconhecido, o médico pode explorá-lo per-
guntando sobre a crença ou preferência do paciente, o que pode ser bem diferente do
esperado. Desse modo, o médico deve ter consciência de que suas crenças podem diver-
gir das do paciente.
Betancourt ainda destaca que as diferenças de estilos de comunicação e até mesmo da
linguagem utilizada podem levar ao desconforto e a falta de comunicação. Assim, alguns
cuidados devem ser tomados mais especificamente no campo da comunicação verbal
e não-verbal e isso inclui o contato visual direto (em algumas culturas deve ser evitado,
enquanto em outras é um sinal de respeito) e o toque.
Parece óbvio, mas aqui vão algumas dicas: apresente-se ao seu paciente e o cumpri-
mente com um aperto de mão; pergunte ou confirme o nome do paciente; faça uso da
linguagem formal, use o pronome de tratamento Sr. ou Sra; evite chamá-lo por querido/a,
pai/mãe ou paizinho/mãezinha, dentre outros. Lembre-se, o paciente tem nome e não
deve ser tratado de forma infantilizada.
Além disso, olhe nos olhos do paciente e, especialmente, evite atender o celular duran-
te a consulta. Uma comunicação apropriada envolve também outros elementos como:
postura correta, vestimenta adequada, distância de pelo menos 50 cm entre você e o
paciente, cuidado com os gestos e com o tom de voz, dentre outros.

2.2.1 O modelo explicativo


Observe que os pais de criança demonstram, na consulta, algumas crenças sobre a
causa da doença, preocupações sobre a doença e expectativas de tratamento. Por isso,
infere-se que em geral o paciente possui um modelo explicativo (ou explanatório) e que
deve ser considerado na entrevista clínica.

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Winkelman (2009, p. 77) argumenta que o modelo explicativo foi concebido pelo an-
tropólogo Kleinman para examinar como os pacientes interpretam as causas e o progres-
so da sua doença e como eles pensam como deve ser o tratamento. Ele é estruturado em
função dos cinco 5 elementos:
1. a etiologia do problema (causa da doença, isto é, o que ele tem, como e porque);
2. a duração e características dos sinais e dos sintomas iniciais;
3. a fisiopatologia do problema;
4. a história natural da doença e prognóstico;
5. o tratamento esperado e indicado para o problema.
Assim, o modelo explicativo acaba por revelar o “significado da doença” para o pacien-
te, ou como ele compreende e explica a sua condição de saúde-doença. Afinal, a concep-
ção de saúde, como bem afirmam Alves at al (2009, p. 88), “é pensada e produzida na rela-
ção entre o simbólico e o concreto, o natural e o tecnológico, o mítico e o empírico que se
complementam e constituem o sentido de integralidade vivido” pelos sujeitos e grupos.
Tomando como base o Módulo do UnaSUS, Saúde Integral da População Negra, o en-
contro clínico (CRUZ, 2016), percebemos que para ter acesso e compreender os diferentes
modelos explanatórios, se faz necessário partir dos pressupostos de que o modelo bio-
médico não é único e nem hegemônico; para conduzir adequadamente uma anamnese
devemos nos valer de estratégias capazes de romper com as barreiras culturais; e que se
faz necessário ouvir o paciente por meio de roteiro(s) de entrevista clínica e culturalmente
orientado(s).
Note que não existe um único modelo explicativo, eles variam conforme o sistema de
crenças de cada um. Recomendamos que você leia o material disponibilizado pelo Una-
SUS sobre saúde integral da população negra (CRUZ, 2016) e faça uma comparação entre
os seguintes modelos explanatórios apresentados: ADERE; ESFT; ETHNICS e HOPE. Em se-
guida, discuta com os colegas se é possível haver conciliação entre diferentes modelos
explanatórios sobre saúde e doença.

2.2.2 Sistemas de crenças, representação e linguagem


Os pacientes, muitas vezes, hesitam para revelar suas crenças e medos. Assim, é preciso
investir no processo de comunicação. Um questionamento respeitoso, sensível e compe-
tente culturalmente pode ajudar a superar essa resistência. É preciso procurar entender e
correlacionar os aspectos pessoais, sociais, biológicos, ecológicos e culturais.
Procure interagir buscando a confiança e perguntando o que ele acha que deve ser fei-

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to. A confiança é um fator muito importante no encontro clínico, visto que se ela não for
conquistada pode comprometer não só o diagnóstico da doença, mas todo o tratamento.
Exemplos de sistemas de crença, de representação e de linguagem no campo da saú-
de de diferentes culturas, podem ser vislumbrados nos livros A medicina Popular (2011) e
Ingrisia: a medicina na língua do povo (2011) do médico Iaperi Araújo.
Iaperi Araújo resgata os elementos da medicina popular: medicina do povo, medicina
mágica, medicina escatológica, procedimentos médicos-populares, fitoterapia, astrolo-
gia, tabus (da conduta do Nordeste Brasileiro, relacionados a etapas do ciclo vital, a mens-
truação, ao mau-olhado, morte, etc.) e da literatura e terminologia popular.
Outros exemplos igualmente interessantes estão apresentados nos trabalhos do antro-
pólogo Martín Alberto Ibánez-Novión, especialmente, nos estudos intitulados O ciclo da
lombriga: uma nota em etnoparasitologia; Os profissionais da saúde de formação tradicional
no norte de Minas Gerais; O anatomista Popular: um estudo de caso; e O conceito de farmácia
doméstica e suas implicações no estudo de sistemas de cuidados de saúde.
O primeiro estudo, O ciclo da lombriga: uma nota em etnoparasitologia (1976) foi rea-
lizado na cidade de Sobradinho (DF). Apresenta de forma ímpar como o problema das
parasitoses intestinais e sua cosmologia nosológica estão assentadas num sistema de re-
presentação que articula o ciclo de vida do verme com o sistema de explicação próprio
da cultura local.
Embora essa doença esteja diretamente relacionada às condições de higiene, sanea-
mento básico, educação e habitação da população, principalmente em locais onde essas
condições são precárias, em Sobradinho, as pessoas, que participaram da pesquisa, afir-
maram acreditar que o indivíduo com “lombriga” por mais que não queira comer terra,

não tem forma de evitá-lo, pois a lombriga é mais forte e tem poderes que
permitem dirigir a vontade da pessoa. Obriga-a a comer terra, pois gosta
muito desta – nela se originou e nunca perde o desejo incontrolável de a
ela retornar. As crianças, até certa idade não devem ser impedidas de comer
terra, pois isso pode levá-las à morte provocada pela insatisfação da lombri-
ga, que preferiria morrer a sentir-se contrariada em suas vontades (FEISHER;
SAUTCHUK, 2012, p. 134).

O segundo estudo, Os profissionais da saúde de formação tradicional no norte de Minas


Gerais, foi publicado em 1977, elenca 16 categorias de profissionais de saúde de formação
tradicional que atuam no Norte de Minas Gerais: protomédico; entendido de protomédi-
co; dentista prático; enfermeiro popular; entendido; raizeiro farmacêutico; parteira empí-
rica; parteira benzedeira; raizeiro médico; médico popular; anatomista popular; rezador;
rezador chazeiro; exorcista; curador rezador; e curador ad-exorcista.
O terceiro trabalho, O anatomista Popular: um estudo de caso, também data de 1977

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e foi realizado na região Noroeste de Minas Gerais. Ibánez-Novión discorre sobre a per-
cepção e a representação social do corpo humano. O autor destaca que o anatomista
popular faz parte do subsistema intermediário da “medicina popular” que utiliza meios
mecânicos e simbólicos de tratamento. Os outros dois subsistemas são: o subsistema da
medicina imitativa e um subsistema da medicina de base. A percepção anatomofisiológi-
ca é bastante complexa. Por exemplo, o corpo humano contém 22 órgãos principais, são
eles: juízo, goto, ouvidos, nariz, guela, amigas, bofe, bucho, roda do bucho, coração, tatela
do coração, figo, fel, passarinha, rins, imbigo, tatelas do imbigo, tripa, pêndis, hemorroia
e arca da espinhela.
Provavelmente, você já deve ter ouvido falar em “espinhela caída”. Imagine os proble-
mas gerados pelo desconhecimento dos termos utilizados na medicina popular no en-
contro clínico. Uma investigação sobre os termos mais comuns utilizados na região em
que você irá atender, é algo que deve ser feito.
Por fim, o quarto estudo, O conceito de farmácia doméstica e suas implicações no estudo
de sistemas de cuidados de saúde, data de 1986 e foi realizado no noroeste de Minas Gerais
e Distrito Federal. O autor chama de farmácia doméstica o conjunto de fármacos utilizado
nos grupos domésticos, com caráter prioritariamente preventivo e ocasionalmente cura-
tivo. Ibánez-Novión elenca as categorias diagnósticas de dor e os fármacos comumente
utilizados, tais como: para dor no corpo, é indicado casca de sucupira, tipi e batata-de-tiú;
para dor no peito, gergelim; para dor nas cadeiras, velame-branco, douradinha, ri-quem-
-quer; para dor nas costas, endro ou amarelinha; para dor na cabeça, tipi, quitoco, puejo,
erva-cidreira-de-capim, hortelã-pimenta, boldo, buta, marcelão e para dor no estômago,
marcela, alecrim, amarelinha.

EXERCÍCIOS
1. A “síndrome frio-quente” apresentada no segundo capítulo na disser-
tação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Antropolo-
gia Social do Museu Nacional (UFRJ), intitulada El cuerpo humano, la
enfermedad y su representación: un abordaje antropológico em So-
bradinho, ciudad satélite de Brasília (O corpo humano, a enfermidade
e sua representação: uma abordagem antropológica em Sobradinho,
cidade satélite de Brasília) por Ibánez-Novión, revela uma relação
entre a temperatura dos alimentos e o aparecimento de doenças
e consumo terapêutico. Assim, leia esse trabalho e faça um mapa
conceitual explicitando o sistema de representação e linguístico dos
moradores de Sobradinho/Brasília. Lembre-se de elencar os tabus
alimentares. Além disso, adote uma das técnicas de construção de
modelos exploratórios (ADERE; ESFT; ETHNICS ou HOPE) e monte

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uma simulação de um encontro clínico com um dos moradores desse
bairro.
2. Elenque os possíveis fatores de natureza sociocultural que acabam
por interferir na compreensão e no tratamento de doenças tais
como hipertensão, AIDS e AVC.
3. Em grupo, faça uma breve pesquisa em feiras populares os remé-
dios da medicina popular comumente mais consumidos.

SUGESTÕES DE LEITURA
ADAM, Philippe. Sociologia da doença e da medicina. Bauru, SP: EDUSC,
2001.
ARAÚJO, Iaperi. A medicina popular. 5. ed. Natal: Fundação José Au-
gusto, Coleção Cultura Popular, n.º 13, 2011.
______. Ingrisia: A medicina na língua do povo. Natal: Offset Gráfica e
Editora, 2011
BETANCOURT, Joseph; GREEN, Alexander, CARRILLO, Emilio. Cross-cul-
tural and communication. UpToDATE, jan. 2014.
CULHANE-PERA, Kathleen. Healing by Heart: Clinical and Ethical Case
Stories of Hmong Families and Western Provides. Nashville: Vanderbilt
University Press, 2003.
CRUZ, Isabel Cristina Fonseca da. O encontro clínico [Política Nacional de
Saúde Integral da População Negra]. 2016. Disponível em: <https://ares.
unasus.gov.br/acervo/handle/ARES/2982>. Acesso em: 25 jun. de 2017.
FADIMAN, Anne. The Spirit Catches You and You Fall Down. Nova York:
Farrar, Strauss, & Giroux,1997.
FLEISHER, Soraya, SAUTCHUK, Carlos Emanuel. Anatomias populares: a
antropologia médica de Martén Alberto Ibáñez-Novión. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2012.
GOULART, Eugênio Marcos Andrade. O viés médico na literatura de Gui-
marães Rosa. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina da UFMG, 2011.
WINKELMAN, Michael. Culture and health: applying medical anthropolo-
gy. São Francisco/EUA: Jossey-Bass, 2009.

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do Pensamento Clínico I

3 ALTERIDADE E PAPÉIS SOCIAIS

Embora o diagnóstico ou o tratamento das doenças, ou ainda, a descoberta de novas


evidências científicas seja de fundamental importância para a medicina, podemos afirmar
que o seu maior propósito está na busca do entendimento do outro, um outro que não
é objeto, mas o sujeito na relação médico-paciente, um sujeito ativo no processo. Assim,
é preciso pensarmos não só a diferença entre o si-mesmo e o outro, mas pensarmos essa
diferença de forma contextualizada e como produto de cultura1.
A alteridade é o termo que designa o si-mesmo construído na relação com o outro,
resultado de num processo dialético. No encontro clínico, a alteridade permite a aceitação
do diferente, da diversidade e estabelece uma relação de reciprocidade mais igualitária.
Além disso, quando você se vê no outro e se define a partir de uma relação com o outro,
você acaba por deslocar o paciente da condição de objeto-doença para a condição de
sujeito, o que permite o desenvolvimento de uma medicina fundamentalmente de base
humanista que abre espaço para a compreensão da experiência subjetiva da doença do
paciente, procurando entender o seu quadro de referências, isto é, a “teia de significados”
(GEERTZ, 1989) criada e vivida por ele diante do problema. Disso decorre que, em um
ambiente clínico, o ouvir se faz condição primeira e necessária; e que a relação médico-
-paciente só pode ser concebida como uma relação intermediada por um diálogo que é,
antes de tudo, produto cultural.
Segundo Eksterman (1997, p. 3), ver e ouvir são, portanto, duas maneiras complemen-
tares da observação clínica, pois ao mesmo tempo que necessitamos ver a doença, pre-
cisamos ouvir o doente. Enquanto o ver, em sua concepção, dimensiona o espaço e nos
permite entrar em contato com a doença, o ouvir estabelece as condições necessárias
para a transfiguração do doente numa pessoa, num ser histórico. Portanto, é adotando
a integração espaço-temporal do ver-ouvir e partindo do ouvir como condição primeira,
que se torna possível pensar em uma medicina centrada na pessoa.
O ouvir deve ser uma escuta ativa, uma ferramenta primária, capaz de colocar o que diz
o paciente no contexto mais amplo de sua vida, um esforço para compreender o significa-
do das mensagens e dos sentimentos transmitidos pelo outro. Para você ser um ouvinte

1 Por cultura entenda “um sistema complexo e integrado de pensamento e comportamento compartilhados por membros
de um grupo – um sistema cujo conjunto padrão nos permite entender os significados que as pessoas atribuem aos fatos
e observações específicas” (KIEFER, 2007, p. 3), tradução nossa.

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ativo, deve ser primeiramente um ouvinte eficaz. E o que significa ser um ouvinte eficaz?
Significa, no que se refere às comunicações, respeitar a diversidade e buscar entender os
comportamentos e os sistemas de crenças no contexto da história de cada grupo.
Mais uma vez, perceba que adotar uma abordagem de ouvinte eficaz como algo com-
plementar à conduta médica, acaba por incorporar perspectivas culturais no conjunto do
conhecimento clínico, permitindo ao médico observar, apreender, compreender e tradu-
zir o que Geertz (1989, p. 143) chamou de ethos (os aspectos morais e estéticos, portanto,
valores, crenças e modelos de saúde e doença) e visão de mundo (interpretação e orde-
nação do mundo, das coisas reais e comuns) do seu paciente.
Observe também que é na relação espaço-temporal que o diálogo se materializa (em
diferentes tipos de raciocínio e argumentos) e permite, muitas vezes, o diagnóstico. Daí a
máxima: “A clínica é soberana”. Note que, muito frequentemente, os médicos e os pacien-
tes pensam de modos diferentes. Isso se deve a quê? Se deve essencialmente ao modo
como constroem seu conhecimento ao longo da vida, estruturam os seus pensamentos
(raciocínios) e apresentam seus argumentos: premissas e conclusões com valores diferen-
tes. Por exemplo, observe que, no Caso Clínico n.º 1, os pais da criança e o médico pensam
de modo diferente. Enquanto os argumentos do médico são fundamentados em um co-
nhecimento prévio adquirido na academia e na experiência de consultório, os argumen-
tos dos pais levam em consideração que a crença em um poder sobrenatural é eficaz na
cura de doenças. O doente entende que a doença é um processo de desequilíbrio entre o
homem e o cosmo (natureza) ou o homem e o(s) deus(es).
Agora, pense o Caso Clínico n.º 2. Como a relação de alteridade pode ser percebida no
diálogo estabelecido entre o médico e uma engenheira química? Essa comunicação se dá
de forma diferente da comunicação estabelecida no Caso Clínico n.º 1?
Para pensar um pouco mais a relação de alteridade, alguns médicos têm investido na
construção de narrativas como uma ferramenta de acesso ao paciente e aos seus sistemas
de crença e comportamento. Além disso, as narrativas têm sido utilizadas como uma fonte
preciosa para a elaboração de hipóteses diagnósticas. Para uma boa compreensão do pa-
pel da narrativa na medicina, indicamos o artigo As narrativas em medicina: contribuições à
prática clínica e ao ensino médico (GROSSMAN; CARDOSO, 2006), ou a sessão Narrativas de
experiência com a doença do 2º Capítulo do livro Medicina Centrada na Pessoa (STEWART
at al, 2010). Já para perceber a riqueza do encontro entre a medicina e a literatura, indica-
mos O viés médico na literatura de Guimarães Rosa (GOULART, 2011).
Retomando o Caso Clínico n.º 2, observe que a mãe do paciente verbalmente nega
dor. Entretanto, quando você examina a criança, você constata que o paciente se con-
torce. É evidente que aqui há um conflito entre a declaração verbal e as indicações não
verbais. Portanto, temos primeiramente um problema de comunicação (já mencionado
no capítulo anterior). Caso o médico se desse por satisfeito com a declaração da mãe, ele

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

teria sido levado a um erro de diagnóstico e, por conseguinte, a um erro de tratamento.


Disso, podemos inferir que problemas de comunicação capazes de interferir no diagnós-
tico clínico e na escolha de um tratamento podem ocorrer mesmo quando os médicos e
os pacientes compartilham uma linguagem comum, dado pelo nível de instrução. Assim,
faz-se necessário que você, enquanto estudante, busque um aprofundamento sobre os
modelos que definem um estilo de comunicação culturalmente apropriado e algumas
habilidades de escuta ativa.
O processo de comunicação entre médico e paciente por si só não é algo simples. Exige,
como condição primeira, que o diálogo se realize de forma plena, isto é, que os elementos
da comunicação (emissor, receptor, mensagem, código, referente e canal), necessários à
comunicação, exerçam a sua função de forma contínua e satisfatória, e que acabem por
viabilizar um processo de produção, tradução e interpretação de dados eficiente para am-
bos. Assim sendo, exige que você não só aprenda mas tome consciência dos diferentes
conjuntos de regras, dos elementos definidores de modalidades de trocas (produtos por
produtos, produtos por serviços, serviços por serviços2) e dos diferentes sistemas de re-
presentação (tais como, linguagem, crenças religiosas, tabus3 alimentares etc.) adotados
e legitimados pelo grupo com o qual esteja em contato.
A não compreensão, por parte do médico, do código linguístico utilizado pelos pais
do paciente, no Caso Clínico n.º 1, pode gerar um problema significativo no processo de
comunicação e, com isso, comprometer diagnóstico e tratamento. Então, são necessários
tradutores, intérpretes e mediadores nessas situações? Como gerenciar os conflitos e ne-
gociar diferenças se as nossas limitações linguísticas são evidentes? É aqui que o conheci-
mento antropológico se faz útil. Assim como o antropólogo necessita de habilidades para
se comunicar de forma eficaz com as pessoas ou grupos, que em sua grande maioria, per-
tencem a culturas diversas, os médicos precisam desenvolver habilidades interpessoais
específicas para estabelecer uma boa comunicação com um paciente. Essas habilidades
incluem não só o conhecimento e a capacidade de comunicação na língua vernácula,
mas também desenvolvimento de algumas habilidades interpessoais, tais como, formas

2 Uma boa discussão sobre o sentido da troca, do presente, você vai encontrar em O Ensaio sobre a dádiva, texto de Marcel
Mauss, escrito em 1923. Nele, Mauss desenvolve a ideia central que em muitas sociedades, “as trocas e os confrontos
fazem-se sob a forma de presentes, teoricamente voluntários, mas na realidade obrigatoriamente dados e retribuídos”.
O texto nos ajuda a entender o que faz com que o presente recebido seja obrigatoriamente retribuído e que força há na
coisa dada que faz com que o donatário a retribua. Além disso, o texto nos permite entender que toda dádiva faz parte de
um sistema de reciprocidade no qual a honra do doador e do receptor estão envolvidas.
3 O tabu é uma proibição ou um alerta de cuidado a certos atos, especialmente, mágico-religiosos. A infração de um deles
acarreta sanções, castigos e penalidades previstas – o que acaba por ter importantes consequências sociais.

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de comunicação não-verbal e comportamentais, como por exemplo, reconhecimento e
entendimento do sentido dos gestos, do olhar, das posturas faciais. Com isso, o reconhe-
cimento e entendimento dos diferentes padrões emocionais, além é claro, do olhar relati-
vista e reconhecimento de padrões de raciocínio social, capazes de gerar empatia e com-
preensão cultural. São essas habilidades que garantirão as condições de entendimento do
problema, gestão e negociação de conflitos. Na relação médico-paciente, a compreensão
da dimensão cultural nos permite ir além de uma mera tradução e de uma tentativa de
contextualizar e revelar o problema, para chegar a uma relação de interpretação.
No Caso Clínico n.º 1, fica evidente uma diferença cultural entre o médico e seu pacien-
te, pelo fato do médico não compreender o sentido das expressões “bofe” ou “goto”, no
caso, pulmões e amídalas, o que acaba por colocar em conflito dois modelos de pensa-
mento e comportamento antagônicos, os modelos biomédico (microbiologia, anatomo-
patologia e fisiopatologia) e modelo da tradição que, segundo Durand (2008, p. 32), se
caracteriza (1) por ser uno, não fragmentado, mas sistematizado; (2) por não distinguir ou
não querer distinguir o homem do mundo; (3) por ser simbólico e gnóstico e (4) por estar
preso à cultura local.
Perceba que toda e qualquer cultura, ao estabelecer padrões culturais (conjunto de
símbolos significativos ordenados), modela nossos pensamentos e define nossos com-
portamentos, especialmente, aqueles referentes à nossa saúde e às nossas doenças. Logo,
os motivos ou as razões que nos levam a procurar atendimento médico, a forma como ex-
pomos as doenças e a forma como descrevemos nossos sintomas e a simples decisão de
adesão ou não a um determinado tratamento são, primeiramente, definidos pela cultura.
Aqui cabe uma observação. Sendo a cultura um dos principais determinantes das con-
dições de saúde, o seu conhecimento nos ajuda a compreender, de forma mais ampla,
os problemas de saúde não só do indivíduo, mas da comunidade, que vão desde cuida-
dos clínicos até a concepção, implementação e desenvolvimento de programas de pre-
venção, adequados e exequíveis. Contudo, as necessidades de saúde das comunidades
variam consideravelmente. E por isso mesmo, o nosso olhar deve ser capaz de traduzir
os diferentes comportamentos e estilos de vida associados à prevalência e incidência de
uma determinada doença.
Alguns fatores como a renda, a educação, hábitos, ocupação, sexo, religião, dentre ou-
tros, estão fortemente relacionados com algumas taxas de doença em quase todas as
sociedades. Veja, por exemplo, o problema da dengue que é muito mais um problema
cultural relacionado ao comportamento dos indivíduos do que propriamente um proble-
ma causado pela resistência e mutação do agente etiológico, o Aedes aegypti, ou ainda o
problema da obesidade mórbida que é muito mais um problema relacionado ao estilo de
vida, consumo de refrigerantes, bebidas, massas e doces em excesso, do que um proble-
ma meramente provocado por uma disfunção metabólica.

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

O grande desafio hoje é perceber o paciente; enxergar no paciente algo além da do-
ença, isto é, algo que vai além dos processos biológicos definidos em termos de identi-
ficação e mensuração de vírus, bactérias etc.; tentar entender que o paciente está mer-
gulhado num sistema complexo que acaba, por meio de diversos caminhos, por delinear
diferentes resultados de saúde.
Um outro ponto que deve ser considerado na discussão da alteridade e do outro é o
dos papéis sociais.
Os papéis sociais são modelos de comportamento que não são definidos pelo indiví-
duo, mas pela sociedade em que ele está inserido e que orientam suas ações dentro de
padrões de regularidades. Assim, qual é o papel do médico? Qual é o papel do pacien-
te? Se adotarmos uma perspectiva histórica, constataremos que esses papéis têm muda-
do significativamente e têm implicações diretas com questões referentes à autoridade
médica, relações de poder e identidade profissional. Você vai encontrar elementos in-
teressantes para essa discussão nos textos de Max Weber (1991, 2001) e Michel Foucault
(2007) (referências completas nas sugestões de leitura). Certamente, eles proporcionarão
elementos esclarecedores para as seguintes indagações: A autoridade médica está fun-
damentada na tradição ou ela nasce dos processos carismáticos? O que legitima e como
se substantifica o poder nas ações e nos comportamentos dos médicos? Uma medicina
centrada na doença é menos ou mais autoritária, menos ou mais legítima que a medicina
centrada no paciente? Qual seria a melhor e a mais adequada proposta?
Talcott Parsons (1996) considerou a noção de “papel” como um dos componentes es-
truturais do sistema social e que poderia ser compreendido como a ação desenvolvida
por uma determinada pessoa em sintonia com a sua personalidade. Essas ações (conjun-
to de comportamentos) seguem cursos padronizados (prescritivos ou proibitivos) que se
integram aos sistemas sociais.
A noção de papel se liga ao conceito de status. Contudo, o status diz respeito à posição
que a pessoa ocupa no desempenho de cada papel. Discuta com seus colegas, a relação
entre papéis e status, na posição que o médico ocupa ao exercer a medicina na atenção
primária, na atenção secundária ou terciária.

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EXERCÍCIOS
1. Realize uma pesquisa sobre os conceitos de cultura, etnocentrismo e
relativismo cultural, debata com seus colegas e depois, defina cada
um deles.
2. Faça um levantamento sobre os papéis desempenhados pelos mé-
dicos e pelos pacientes nas diferentes etapas da história (Idade An-
tiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea).
3. Pesquise pinturas que retratem diferentes exercícios de alteridade
presentes na relação médico-paciente. Em seguida, estruture uma
breve apresentação para ser compartilhada em sala de aula.
4. Observe um atendimento médico em uma UBS de um dos bairros de
sua cidade. Depois, descreva e discuta com seus colegas de sala como
se dá a relação de alteridade e a configuração dos papéis sociais.

SUGESTÕES DE LEITURAS
AARAÚJO, Iaperi. Ingrisia: A Medicina na língua do Povo. Natal: Ed. Off-
set gráfica, 2011.
DURAND, Gilbert. Ciência do homem e tradição: o novo espírito antropo-
lógico. São Paulo: TRIOM, 2008.
EKSTERMAN, Abram. Relação médico-paciente na observação clíni-
ca. Rio de Janeiro, 1977. Disponível em: <http://dc415.4shared.com/doc/
FXVU9\_o0/preview.html>. Acesso em: 22 set. 2012.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal,
2007.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guana-
bara Koogan, 1989.
GOULART, Eugênio Marcos Andrade., O viés médico na literatura de Gui-
marães Rosa. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina da UFMG, 2011.
GROSSMAN, Eloísa; CARDOSO, Maria Helena Cabral de Almeida. As
narrativas em medicina: contribuições à prática clínica e ao ensino mé-
dico. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 30, n.º 1,
jan./abr. 2006.
KIEFER, Christie. Doing Health Anthropology: Research Methods for
Community Assessment and Change. Nova York/EUA: Spring Publishing
Company, 2007.
LAPLANTINE, François. Antropologia da doença. 4 ed. São Paulo: Mar-

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

tins Fontes, 2010,


MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. 2008.
PARSONS, Talcott; BLANCO, José Jiménez; PÉREZ, José Cazorla. El sis-
tema social. Madri, Espanha: Revista de Occidente, 1966.
WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da sociologia com-
preensiva. Vol. 1. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991.
______. Economia e sociedade: Fundamentos da sociologia compreen-
siva. Brasília/São Paulo: Editora da UNB/Imprensa Oficial do Estado de
São Paulo, v. 2, 1999.
______. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin
Claret, 2001.

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4 PADRÕES DE COMPORTAMENTO:
MÉDICO X PACIENTE
4.1 PADRÕES DE COMPORTAMENTO DOS MÉDICOS
A crescente tendência por uma formação acadêmica direcionada pela busca de uma
atuação específica, bem como o rápido progresso tecnológico pelo qual o mundo vem
passando, deixa clara a necessidade de se buscar uma medicina cada vez mais humanista.
O médico deve ser capacitado não somente para atuar na enfermidade, mas também nas
necessidades biopsicossociais do paciente.
Ao analisar os padrões de comportamento do médico, na relação médico-paciente,
Porto (2014, p. 26) aduz que o médico se comporta de acordo com sua “disponibilidade
interna”, sendo esta compreendida por questões inconscientes e transferenciais, mecanis-
mos de defesa, teorização, movimentos conscientes característicos de sua personalidade
e vocação. De acordo com o autor:

Interesse e respeito pela pessoa humana, capacidade de dedicar-se a ta-


refas desgastantes e de estudar por longos períodos, senso de respon-
sabilidade bem desenvolvido, nível de inteligência razoável e retidão de
caráter seriam traços de personalidade indispensáveis para o exercício da
medicina. (Op. cit, p. 26).

Os elementos componentes da disponibilidade interna determinarão padrões de com-


portamento do médico que podem variar, num mesmo indivíduo, de acordo com a situ-
ação, o paciente e a experiência médica adquirida. Porto (2014, p.28) classifica os padrões
de comportamento dos médicos em: paternalista, agressivo, inseguro, frustrado, especia-
lista, sem vocação, rotulador, pessimista e autoritário.
O médico paternalista é aquele que tem atitudes protetoras e autoritárias, vendo o
paciente como criança indefesa e determinando o que este deve fazer. Uma característica
positiva deste padrão de comportamento é a tendência à abertura em relação aos relatos
pessoais do paciente.
O diálogo abaixo traduz este comportamento:
–­Doutor, fui para um aniversário de criança neste final de semana e acabei co-
mendo muito doce… Mas, também, eu estava precisando, depois que meu ma-
rido me deixou…
– Dona Maria, quantas vezes eu preciso dizer que a senhora não pode comer
doce?! Não quero saber de desculpas! Da outra vez, a senhora contou que foi

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

pelo encontro da família e eu até entendi. Sei que vocês só se encontram uma vez
por ano, mas a senhora é diabética e está passando dos limites!
No padrão de comportamento paternalista, o médico precisa identificar o limite para
o princípio da autonomia do paciente que cabe, por vezes, na restrição de autonomia do
médico de exercer sua autoridade. É preciso estar atento ao fato de que um comporta-
mento paternalista no sentido de se omitir para ser agradável ou protetor do paciente
pode colocar a vida do paciente em risco. Por outro lado, pode ser justificado em situa-
ções específicas, o médico manter um padrão paternalista, caso não haja nenhum bene-
fício para o paciente saber de determinada noticia ou se submeter a determinado pro-
cedimento. Podemos citar o caso de uma senhora com câncer de mama e que também
sofria de uma síndrome depressiva muito intensa, com passado de tentativas de suicídio.
A possibilidade de que ela possa vir a cometer suicídio por conta do médico lhe informar
o diagnóstico de câncer, pode-se justificar a ação de uma conduta paternalista.
O médico agressivo se caracteriza por realizar um péssimo atendimento, desrespeitan-
do o paciente. Isso acontece na medida em que demonstra problemas pessoais, insatis-
fação no trabalho ou incapacidade de suportar uma carga de estresse. Para exemplificar,
podemos imaginar um cenário em que um médico de plantão recebe uma mulher em
trabalho de parto e declara “Na hora de fazer não gritou”; ou que prescreve um medica-
mento por via injetável, quando podia fazê-lo pela via oral.
O médico inseguro denota conhecimentos insuficientes, o que é facilmente percebido
pelo paciente quando manifesta dúvidas quanto à conduta ou, ainda, realização de um
exame clínico de baixa qualidade. A insegurança surge diante de uma situação em que
o indivíduo considera que suas competências são insuficientes, o que lhe impede de as-
sumir uma conduta assertiva. A relação médico-paciente fica bastante fragilizada nessa
situação, sendo uma solução para tal comportamento o aprimoramento técnico do médi-
co, bem como o autoconhecimento e trabalho interno, uma vez que a insegurança pode
ser um traço da personalidade. Por exemplo, um médico que precisa consultar, a todo
momento, um colega ou mesmo a internet para responder questionamentos básicos de
um paciente.
O médico frustrado se destaca pela frieza, pessimismo e má vontade. Mostra-se desin-
teressado pela história clínica do paciente e indiferente aos desfechos (positivos ou não)
que possam surgir de suas condutas. É o profissional que não estuda ou não se atualiza
por falta de interesse.
O médico especialista não percebe o paciente como um todo, prescindindo de uma vi-
são generalista. Interessa-se somente pelo seu objeto de especialização, ignorando todo
o resto, muitas vezes direcionando todas as queixas do paciente para um único órgão
ou sistema. Com um interesse direcionado, este tipo de comportamento pode provocar

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erros e omissões. Veja o diálogo a seguir:
– Dr. João, eu vim aqui porque tenho uma tosse persistente, febre todos os dias
ao fim do dia, suo bastante à noite e perdi 5 kg no último mês.
Dr. João, que quer se especializar em gastroenterologia, responde:
– Sr. Manoel, o que acha de fazer uma endoscopia digestiva? Muitas vezes a tosse
persistente pode ser um sinal de refluxo!
O médico sem vocação não possui maturidade e equilíbrio emocional. Não suporta
longas jornadas de trabalho e estudo, podendo tornar-se agressivo e frustrado. Muitas
vezes, escolheu o curso para satisfazer egos e desejos que não eram os seus e dificilmente
sustentará uma boa relação com o paciente.
O médico rotulador se caracteriza por mostrar-se seguro diante do paciente, porém
rotulando diagnósticos “prontos” que o agradam, utilizando expressões facilmente en-
tendidas pelo leigo, mas que não condizem com o real diagnóstico. Porto (2014, p. 28) traz
exemplos de expressões que traduzem os diagnósticos rotulados como: “vesícula pregui-
çosa”, “ameaça de derrame” e “intoxicação”.
O médico pessimista é sem esperança e enaltece a gravidade dos problemas. Como não
acredita na possibilidade de bons resultados, acaba deixando de adotar condutas efetivas,
mesmo sem ter certeza do diagnóstico. Por exemplo, imaginemos um cenário em que Jo-
ana, 35 anos, vai ao mastologista porque sentiu um pequeno nódulo em sua mama direita
há dois dias. Como sua avó materna e sua mãe tiveram câncer de mama em quando jovens,
Joana faz exames anuais e o autoexame todos os meses, nunca tendo havido qualquer alte-
ração até o presente. Ao relatar sua história clínica ao médico, pergunta muito angustiada,
antes mesmo do exame físico: “Dr., será que é câncer?” e recebe como resposta: “Olha Joa-
na, acredito que é câncer sim. Pela sua história familiar, a probabilidade é muito grande”. A
atitude do médico, no exemplo, pode gerar pânico na paciente, agravando sua angústia.
O médico otimista não vê dificuldades, tudo parece simples. Facilmente, ignora maus
prognósticos indicando procedimentos de alto risco por acreditar sempre em bons des-
fechos. O médico otimista pode ficar mais suscetível a cometer imprudências por excesso
de confiança. Além disso, sempre busca um culpado (que não ele próprio) para os casos
de desfechos desfavoráveis.
E, finalmente, médico autoritário que impõe decisões e fica ofendido quando questio-
nado, ignorando o planejamento terapêutico em conjunto com o paciente. Uma das gran-
des dificuldades desse tipo de padrão comportamental é fazer com que o paciente consiga
aderir ao tratamento, sendo bastante comum haver falha terapêutica em tais casos.
Retomando o Caso Clínico n.º 1 e o Caso Clínico n.º 2, percebemos que o padrão com-
portamental classificado por Porto (2014, p. 28) pode variar de acordo com vários fatores

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(vocação, insegurança ou excesso de segurança, convicções internas, problemas pesso-


ais, etc.), sendo este mutável e adaptável a diversas situações. No Caso Clínico n.º 1, se o
padrão comportamental daquele médico fosse o autoritário, ele poderia aproveitar-se
da situação de passividade daqueles pais, impondo sua vontade e desconsiderando as
nuances sociais vivenciadas pela família. Ou, ainda, caso o padrão comportamental fos-
se agressivo ou frustrado, poderia culpar os pais pela ausência de vacinação, constatada
pelo cartão de vacinas incompleto.
No Caso Clínico n.º 2, ao ser confrontado pela mãe do paciente e desafiado a explicar
porque elegeu a coqueluche dentre os diversos diagnósticos diferenciais, o médico assu-
mindo um padrão autoritário sentiria-se ofendido, bem como, um padrão inseguro po-
deria voltar atrás do diagnóstico clínico e solicitar diversos exames desnecessários. Nesse
caso, independentemente do tipo de padrão comportamental adotado, vale a reflexão:
se por um lado o médico, na atualidade, tem a seu favor a crescente evolução científica
e tecnológica, por outro lado, vem sendo desafiado a superar as expectativas de uma
população informada e vigilante. Dessa maneira, ver o paciente como um ser holístico,
aliado à técnica acadêmica, continua sendo a melhor maneira de garantir um bom aten-
dimento médico, livre de padrões comportamentais defeituosos.

4.2 PADRÕES DE COMPORTAMENTO DOS PACIENTES


Segundo Porto (2014, p. 27), o paciente apresenta três ordens que o constituem, a bio-
lógica, a psicológica e a social e, por isso, é considerado um ser biopsicossocial. Para o
médico conseguir avaliá-lo com mais clareza durante o atendimento, precisa construir
empatia entre profissional e paciente.
Os padrões de comportamento dos pacientes são variáveis e têm relação intrínseca
com três elementos importantes: a bagagem cultural que cada um detém, o momento/
ambiente vivenciado e a personalidade/temperamento dos pacientes envolvidos. Partin-
do desse princípio, Porto define os seguintes padrões de comportamento de pacientes:
paciente ansioso, paciente hostil, paciente hipocondríaco, sugestionável, deprimido, eu-
fórico, inibido e psicótico.
Segundo o autor, o paciente ansioso apresenta mãos suadas e mais frias do que o nor-
mal, inquietação, taquicardia, e evidencia sinais e sintomas psicossomáticos. Então, para
conduzir a anamnese de maneira satisfatória é preferível que o médico dialogue com o
paciente assuntos que não o deixem ansioso, mesmo que fujam do roteiro da consulta. A
ansiedade não pode ser desvalorizada pelo profissional.
Observe o diálogo abaixo entre Marcos (paciente) e Fernando (médico):
– Boa tarde, seu Marcos. Por que o senhor me procurou? – fala Dr. Fernando.

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Sentado na ponta da cadeira, gesticulando bastante e com as pernas inquietas, Marcos
diz ao médico:
– Dr., estou aqui ansioso com o resultado desse exame. Um tempão esperando a
consulta, meu coração batendo a mil, pensei que fosse ter um infarto. Diga logo,
doutor, o que deu nesse exame. Tenho certeza que vai dar tudo alterado, doutor,
diga logo, diga logo.
– Entendo, Marcos, você esperou bastante, deve também está cansado. Vou ver já
seus exames. Coloque-os sobre a mesa que já vamos conversar sobre isso. Você é
muito forte rapaz, já conheço esse coração, é de um menino. Por falar em meni-
no, você ainda gosta de jogar bola?
Dessa forma, ao mesmo tempo que o médico demonstra interesse e preocupação pelo
paciente, este se sente mais seguro durante a anamnese, diminuindo gradativamente o
padrão de comportamento ansioso. E, com isso, permite-se iniciar a construção da empa-
tia entre profissional e paciente, tão almejada e citada anteriormente.
Como podemos identificar o paciente hostil? É comum o paciente hostil ser levado
ao médico contra sua vontade ou porque possui problemas crônicos desencadeados
pelo uso de álcool, ou por outras drogas. Por isso, a agressividade demonstrada durante
a consulta pode ser tomada como uma de suas características marcantes. É importante
que, diante do comportamento de hostilidade, o médico procure identificar o motivo da
hostilidade e jamais demonstre uma postura semelhante à do paciente, pois isso apenas
dificultará a anamnese.
Considerando fragmentos de um diálogo entre o médico e o paciente hostil, observa-
mos as seguintes falas:
– Bom dia, Marcos. Quais os motivos que o trouxeram aqui? – fala Dr. Fernando.
– Não foram os motivos que me trouxeram, e sim minha mulher. E eu não sei nem
quem é o senhor. Não vou falar nada da minha vida a um estranho – fala Marcos,
cruzando os braços, desconfortável por estar naquela sala.
Dr. Fernando, mostrando paciência, mesmo não gostando do que escutou, disse:
– Marcos, eu sou seu médico a partir de agora Contudo, para eu conseguir aju-
dá-lo, o senhor também tem que fazer sua parte. O profissional de saúde não
consegue sozinho diagnosticar e tratar o paciente de maneira correta, se este
não cooperar. Vou usar de todos os artifícios que estão ao meu alcance para con-
seguir ajudá-lo, mas, sozinho, infelizmente, pouco poderei fazer. É questão de
escolha e não posso obrigá-lo às minhas condutas.
Percebe-se que Dr. Fernando se manteve calmo e ofereceu o tratamento devido a Marcos

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durante o atendimento, não demonstrando comportamento hostil semelhante ao do paciente.


Outro tipo de padrão de comportamento é o paciente hipocondríaco. Para Porto (2014,
p. 30), esse padrão se caracteriza pelo fato do paciente ser poliqueixoso, geralmente com
o desejo incontrolável de fazer exames, tanto de imagens como laboratoriais, na tentativa
de diagnosticar alguma patologia orgânica, mesmo que essa não seja real. O paciente não
acredita nos diagnósticos, pois o seu sofrimento é demasiado e faz com que ele esteja
em conflito diário e, por isso, vá constantemente a médicos diferentes. A autoconfiança
e a segurança devem estar presentes no médico durante a consulta, buscando acalmar o
paciente e entender toda essa somatização de ansiedade presente. Observe um exemplo
de um fragmento de uma entrevista médica:
– Dr., eu estou sentindo dores de cabeça muito fortes diariamente, dores no es-
tômago e na coluna. Também tenho dificuldades de respirar, muitas vezes. Pre-
ciso fazer um check-up novamente, pois fiz há dois meses muitos exames, mas o
médico disse que todos tiveram resultados normais – diz Marcos com olhar de
sofrimento.
– Marcos, quero conversar um pouco com o senhor antes de solicitar exames,
e entender melhor sobre seus sintomas. Exames são importantes também, mas
preciso solicitá-los de maneira racional. Quero entender primeiro sobre seu dia
a dia, as características das suas dores e todo seu histórico pessoal fisiológico e
patológico, além de familiar – diz Dr. Fernando.
– Tudo bem Dr., estou muito ansioso por saber que estou muito doente – fala
Marcos com tom de voz mais tranquilo.
Diferente do hipocondríaco, o paciente sugestionável, possui muito medo de seus exa-
mes evidenciarem alguma doença, pois apesar de buscar de forma exagerada consultas
médicas, o seu objetivo é confirmar seu “bom estado de saúde” e não alguma patologia.
Porto sugere que o médico deve usar de cautela para não aumentar a ansiedade já pre-
sente no paciente, além de estimular sentimentos positivos e de melhora da autoestima.
Observe trechos da anamnese realizada em um paciente hipocondríaco:
– Dr., fiz muitos exames de sangue no mês passado e todos estavam normais.
Mas vim hoje para me consultar novamente e pedir a solicitação de uma resso-
nância magnética do corpo todo. Acredito que não tenha nenhuma doença, mas
é sempre bom confirmar – diz Marcos.
– Marcos, entendo sua preocupação, mas para eu solicitar exames, preciso rea-
lizar primeiramente seu exame clínico. Vamos conversar um pouco e ver a real
necessidade de exames complementares – diz Dr. Fernando.
– Tudo bem, Dr.– fala Marcos.

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E como reconhecer o paciente deprimido? Porto (2014, p.29) argumenta que a tristeza
demonstrada durante a consulta é uma característica primordial para se fazer o reconhe-
cimento desse tipo de paciente. Para o autor, há dificuldades notáveis para seguir uma
anamnese favorável, uma vez que o paciente fala pouco, por conseguinte, não consegue
expressar em palavras o que está sentindo e o porquê está assim. O paciente deprimido
refere choro com facilidade (por vezes chora na presença do médico), anedonia, insônia
(seja inicial ou terminal), diminuição ou aumento do apetite, e redução importante da ca-
pacidade de realização de suas atividades diárias. Pelo alto risco de suicídio nestes pacien-
tes, o médico precisa intervir diretamente e de maneira rápida, avaliando sua gravidade,
e mostrar interesse pelas queixas do paciente, demonstrando que este pode confiar nas
suas condutas.
Já o paciente eufórico tem seu humor exaltado e comportamento totalmente dife-
rente do deprimido. Demonstra muita vitalidade e é protagonista de um discurso que
demonstra e valoriza suas qualidades. Nesse caso, seu pensamento rápido faz com que
ele seja pouco compreendido. Esse padrão de comportamento pode ser devido às con-
dições orgânicas como hipertireoidismo, ou, ainda, manifestação de distúrbios de humor
(hipomania/mania) – transtorno bipolar. Vejamos um fragmento de uma entrevista entre
o médico e o paciente eufórico:
– Bom dia Dr., estou me sentindo muito bem e não entendo porque minha mãe
me trouxe ao senhor. Acho que foi por eu ter comprado alguns sapatos e ca-
misas ontem no shopping. Sinto-me muito bem quando compro. Minha saúde
está ótima – fala Marcos ao médico.

A mãe do paciente afirmou antes da consulta que seu filho tinha comprado 31 pares de
sapatos e 15 camisas na noite anterior.
– Ótimo, Marcos, que o senhor está se sentindo bem. Mas vamos conversar e
entender juntos se sua mãe está certa em trazê-lo aqui – Dr. Marcos tenta descon-
trair e construir empatia com o paciente.

O paciente acima apresenta transtorno bipolar e está notadamente na fase de mania.


O profissional tem que ter muita cautela durante a realização do exame mental. A presen-
ça de um familiar é muito importante durante a consulta.
O paciente inibido demonstra desconforto durante o exame clínico, fala pouco e baixo
e não consegue fixar o olhar no médico. Assim como na anamnese do paciente deprimido,
aqui o médico também deve demonstrar interesse pelas queixas referidas. Por exemplo:
– Olá, Marcos, conte-me sobre o que o senhor está sentindo – fala Dr. Fernando.
– Oi, não estou me sentindo muito bem Dr. – Marcos fala olhando para baixo por

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ser muito tímido, não conseguindo dizer seus sintomas detalhadamente.


– Marcos, espero realmente poder ajudar e melhorar seu estado de saúde. Pode
me explicar com calma o que o senhor está sentindo – Dr. Fernando se mostra
preocupado com Marcos.

O paciente psicótico apresenta alterações senso-perceptivas, como alucinações audi-


tivas e/ou visuais e delírios, tendo a esquizofrenia como seu principal diagnóstico. Nesse
caso, há grande dificuldade tanto para o estudante de medicina quanto para o próprio
profissional para a construção de uma conversa coerente. Pode-se também se deparar
com paciente psicóticos em ambientes hospitalares sob condições graves de saúde que
levam a apresentar sintomas tipo alucinações e delírios. É preciso reconhecer que o dis-
curso do paciente pode estar incoerente ou desorganizado em função do estado de con-
fusão mental, portanto, o médico ou estudante de medicina deve manter o diálogo sem
confrontar as ideias do paciente para que não gere um momento de hostilidade. Nesse
caso, o estudante pode coletar a história clínica com os acompanhantes.
O paciente surdo-mudo se caracteriza pela perda parcial ou total da percepção do
som e da fala, gerando assim uma grande barreira no processo de comunicação. Imagine
quantos erros são cometidos pela falta de uma interpretação adequada da linguagem
não-verbal. Por esse motivo, uma vez que o médico não saiba a Língua de Sinais ou não
disponha de um intérprete nas Unidades Básicas de Saúde, o acompanhante passa a ter
um papel de extrema importância no estabelecimento do vínculo e qualidade da assis-
tência prestada.
O paciente em estado grave se caracteriza por não desejar ser perturbado. Para Porto
(2014, p.31), além de sua grave condição orgânica, o paciente passa a desenvolver confli-
tos psicológicos, o que o torna pouco colaborativo durante o exame. Por isso, a anamnese
tem que ser clara e objetiva. Uma atitude importante no paciente grave é o médico reco-
nhecer a existência de medidas terapêuticas que promovam alguma melhora diante da
gravidade do caso e motivar o paciente ao cuidado com sua saúde, não desperdiçando a
possibilidade de melhora ou cura.
Por fim, temos o paciente terminal que se caracteriza por estar fora das possibilidades
terapêuticas. Diferente do paciente grave, o médico, não necessariamente, precisa incen-
tivar o paciente terminal a se submeter a procedimentos que não façam tanto diferença
no prognóstico, permitindo poupar o paciente e melhorando a qualidade de vida diante
da terminalidade.
A psiquiatra Elisabeth Kubler-Ross (1998) estudou as reações psíquicas inconscientes
que o indivíduo no estado terminal pode sofrer diante da experiência do luto. São cinco
estágios de mecanismos psíquicos sofridos pela pessoa em fase terminal ou diante de

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um estado de gravidade com perspectiva de morte, pelos familiares ou até pela equipe
profissional multidisciplinar. Não há exatamente uma sequência dos estágios de luto, mas
é comum que as pessoas que passam por esse processo apresentem pelo menos dois dos
estágios. Além disso, não necessariamente, as pessoas conseguem passar pelo processo
completo, podendo estagnar em uma das fases.
As cinco fases são:
1. negação: é a fase de defesa psíquica em que o indivíduo acaba negando o proble-
ma, tenta encontrar algum jeito de não entrar em contato com a realidade, seja da
morte de um ente querido ou da perda de emprego. É comum a pessoa também
não querer falar sobre o assunto.
2. raiva: é a fase onde o indivíduo se revolta com o mundo, sente-se injustiçado e se
questiona o motivo por estar passando por aquele adoecimento.
3. negociação ou barganha: é a fase em que o indivíduo começa a negociar, inclusive
consigo mesmo, prometendo ser uma pessoa melhor, reaproximando-se das pesso-
as e aproveitando para momentos de reconciliação e perdão.
4. depressão: nessa fase a pessoa se sente muito triste, perde a esperança de cura, se
isola e se sente impotente diante da situação.
5. aceitação: é o estágio onde o indivíduo começa a conformar-se com a realidade,
preparando-se para enfrentar a perda ou a morte.
O papel do médico é identificar e ajudar o paciente no enfrentamento de cada reação
psíquica vivenciada, permitindo manter uma adequada relação médico-paciente e os de-
vidos cuidados à saúde.

EXERCÍCIOS
1. Elabore um mapa conceitual, utilizando a ferramenta Cmaps, sobre
os padrões de comportamento dos médicos.
2. Faça um quadro resumindo os tipos de pacientes e, ao final, discuta
com seu professor como conduzir cada um deles (cada grupo pode
propor o manejo de um tipo de paciente).
3. Qual a relação existente entre papéis sociais e tipos de comporta-
mento do médico e do paciente?
4. Você concorda que o doente tem um papel a desempenhar definido
socialmente? Justifique a sua resposta e compartilhe em sala de aula.

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do Pensamento Clínico I

SUGESTÃO DE LEITURAS
KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a morte e o morrer. 8.ed. Martins Fon-
tes. São Paulo, 1998.
PORTO, Celmo Celeno. Semiologia Médica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guana-
bara-Koogan, 2014.
HELMAN, Cecil. Cultura, Saúde & Doença. 4. ed. Porto Alegre. Artmed,
2003.
BRAGHIROLLI, Elaine Maria et al. Psicologia geral. Petrópolis: Vozes,
1995. 235p. Reimp. 2010.

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5 IDEOLOGIA E COMUNICAÇÃO DE
MÁS NOTÍCIAS
5.1 IDEOLOGIA NA COMUNICAÇÃO MÉDICO-PACIENTE
Para o bom exercício de uma medicina centrada no paciente, o médico precisa se dis-
por a realizar uma crítica constante dos processos ideológicos que orientam as diferentes
dinâmicas sociais. Contudo, esse não é um exercício fácil de ser realizado. Afinal, existe um
pensamento e uma práxis não ideológica? O que você entende por ideologia?
O termo Ideologia foi criado por Destutt de Tracy em (Idéologie, 1801) para indicar o
estudo sistemático das ideias. Em seguida, essa definição foi compartilhada e melhor for-
mulada por Auguste Comte. Para o criador da doutrina positivista, a ideologia é uma ati-
vidade filosófico-científica que estuda a formação das ideias a partir da observação do
homem no seu meio ambiente. Ao longo da história, o termo assume outras diferentes
conceituações. E a mais conhecida de todas é a formulada por Marx na crítica A ideologia
alemã (2015): a ideologia como um fenômeno histórico-social decorrente do modo de
produção econômico.
Em Marx, primeiramente, reduzimos o termo ideologia a uma ferramenta de análise de
classes sociais; e, em seguida, atribuímos o estatuto de “falsa consciência”. A redução da
ideologia à “falsa consciência” acaba por nos levar ao entendimento da ideologia como
um fenômeno negativo, produto do erro, da mentira e da ilusão.
Embora reconheçamos as relevantes contribuições dadas por essa perspectiva, con-
cordamos com Ricoeur (1977, p. 65) quando diz que precisamos escapar do fascínio exerci-
do pelo problema da dominação, para considerarmos um problema mais amplo, o da in-
tegração social, de que a dominação é uma dimensão, e não a condição única e essencial”.
Devemos considerar que a ideologia está ligada à necessidade do grupo compor e
apresentar uma imagem e uma visão de si mesmo. Desse modo, ela além de possuir a
função de dominação (que se vincula aos aspectos hierárquicos da organização social) e
deformação (distorção da realidade), assume também as funções: dinâmica (muito mais
motivacional do que justificadora), operatória (uma vez que é a partir dela que pensamos),
dóxica (fundamentada em opiniões e se exprime por meio de máximas), não-reflexiva e
não-transparente (cf. ibid, p. 67 - 71).
É evidente que a falta de consciência de tais funções, acaba por distorcer o processo de
comunicação médico-paciente justamente porque gera um problema de entendimento
da realidade. Veja, por exemplo, a ideologização da doença ora como doença-maldição,
ora como doença-punição. Uma interessante análise desses modelos é apresentada por F.
Laplantine em Antropologia da Doença (2010). Para o autor, a doença-maldição

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

[...] muito claramente privilegiado pelas sociedades mais tradicionais, a do-


ença é apreciada como o efeito de uma vingança gratuita. Ela é o acidente
que ocorre por acaso, pelo destino, pela fatalidade, contra o qual nada se
pode. O doente (ou todo o grupo) vive então o que lhe acontece como um
escândalo e uma injustiça. Considerando-se uma vítima que padece pelo
que não provocou, ele proclama a inocência e sua indignação. Ele se inter-
roga, não compreende e grita o que já tivemos algum dia a ocasião de ouvir:
‘O que é que eu fiz para o bom Deus?’ (LAPLANTINE, 2010, p. 227).

Quanto à doença-punição, Laplantine afirma que se trata de uma interpretação com-


pletamente oposta à doença-maldição. É resultado direto de uma transgressão de uma
Lei, seja religiosa ou médica. Evocam-se aqui as noções de responsabilidade, de justiça e
de reparação, ou seja, uma ação de ressocialização. Para o autor, “o sujeito experimenta
(ou deve experimentar) a culpabilidade com relação ao que é considerado castigo mere-
cido” (op. cit., p. 229).
A associação da doença à maldição ou punição tem afinidade com o sistema ideológi-
co medieval. Nogueira (2007, p. 27) argumenta que a prática médica medieval apresenta
duas “manifestações ideológicas predominantes”: as ortodoxas, defendidas pelo catoli-
cismo, ligadas ao ideal de caridade e mediadas por uma relação de fé e subordinação
ao desejo divino, conhecidas como medicina religiosa ou monástica; e as heterodoxas,
defendidas pela alquimia, magia, astrologia, mediadas por uma relação de serviço presta-
do, laicizada, “pelas posições relativas de seus agentes, pela estrutura político-jurídica das
corporações” e parte tratadas como “medicina urbano-corporativa”.
Para um maior aprofundamento dessa questão, sugerimos a leitura e a discussão do li-
vro Do físico ao médico moderno (NOGUEIRA, 2007). Nele, você não só vai encontrar as ba-
ses ideológicas da medicina medieval, mas da medicina da Antiguidade Clássica em que
a ideologia do corpo está ligada a supremacia técnica do corpo, a eficácia de uma tekhné
e uma visão mais holística do homem; e também da medicina moderna, liberal, caracte-
rizada pelo método anatomoclínico e por dois processos ideológicos: primeiro pela “ge-
neralização das relações mercantis, isto é, das trocas mediadas pelo dinheiro; segundo, o
estabelecimento de um Estado centralizador” (NOGUEIRA, 2007, p.81), em que a atuação
do médico estava mais voltada para as questões de Saúde Pública e educação sanitária.
As mudanças ideológicas têm implicações diretas na forma como os processos de le-
gitimação da autoridade e do poder se dão. Quem é o médico? Qual a posição social que
ele ocupa? Qual o seu poder? Perceba que na medicina monástica ele era apenas um
intermediador, um instrumento da vontade de Deus. Já na medicina moderna, ele ocupa
um lugar central, um lugar de comando, controle da vida e da morte. Note por exemplo
como o status do cirurgião mudou ao longo da história. Na Idade Média, ele foi colocado
à margem da medicina medieval, já na Idade Moderna, ele ocupa o lugar central e sonha-

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do pela maioria dos alunos de medicina. Uma análise bem interessante sobre as relações
de poder no campo da medicina, você vai encontrar em pelo menos duas obras de Michel
Foucault: O nascimento da clínica (2008) e A microfísica do poder (1996).
Hoje, nos deparamos com dois modelos ideológicos distintos: o de uma medicina cen-
trada na doença e o de uma medicina centrada no paciente que são versões revisitadas
e aprimoradas de modelos ideológicos anteriores. Ambas perspectivas têm formas dis-
tintas de conduzir o processo saúde-doença e de percepção do paciente no encontro
clínico: a medicina centrada no paciente parece reduzir o sujeito à doença, o paciente por
vezes é uma Steven-Johnson, uma Guillain-Barré, uma microcefalia; já a medicina centra-
da no paciente enxerga o paciente como um sujeito que é ativo e corresponsável pelo
processo de saúde-adoecimento, defende uma postura holística e mais integrada com as
diversas dimensões da vida.
Agora, pense um pouco como seria a comunicação de uma má notícia dada por um
médico que advoga uma medicina centrada na doença e de um médico que assume uma
postura de uma medicina centrada no paciente. Para te ajudar nessa reflexão, veja o filme
Golpe do Destino (Título original: The Doctor), 1991.

5.2 COMUNICAÇÃO DE MÁS NOTÍCIAS


Defendendo uma medicina centrada no paciente, é importante perceber o paciente
como ser humano e tratá-lo com dignidade, respeito e apoio. Muitas vezes, a queixa prin-
cipal do paciente não diz respeito a uma doença específica, mas a algo que o incomoda
emocionalmente. Daí a importância e necessidade de realizar uma anamnese bem-feita.
Assim, você poderá conhecer e entender melhor o seu paciente.
Nesta perspectiva, Souto (2011. p.178) destaca que a consulta médica deve ser transfor-
mada num encontro em que ocorre uma troca interpessoal a fim de decifrarmos o sujeito
para, em sua existência, identificarmos suas necessidades em saúde.
Fomentando essa ideia, o futuro médico deve valorizar a relação médico-paciente para que,
com empatia, possa se doar para dar confiança ao paciente e ganhar a confiança dele também.
Dessa forma, percebe-se que a confiança é o principal objeto de busca da relação mé-
dico-paciente e que, uma vez alcançada, este último irá aceitar os cuidados médicos e
assumirá que aquele profissional tem toda uma formação direcionada ao seu bem-estar,
passando a atuar com confiança para propor uma troca de ideias com vistas a uma boa
adesão ao tratamento proposto.
A confiança tem seu ponto crítico de importância nas situações em que se necessita comu-
nicar más notícias. Segundo Buckman et al. (2000), más notícias são aquelas novas informações
que alteram drástica e negativamente a perspectiva do paciente em relação ao seu futuro.

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

Se, por um lado, temos o dever de fazer o paciente entender a condição pela qual está
passando, por outro lado, devemos compreender a situação de vulnerabilidade e hipossu-
ficiência que a informação (má notícia) causará, impactando diretamente o futuro de quem
cuidamos. A confiança conquistada nos primeiros contatos é o que estabelecerá o processo
de aceitação da má notícia, sendo crucial para as estratégias terapêuticas futuras.
Ter um vasto conhecimento sobre as características da doença é uma outra forma de
obter êxito na comunicação de más notícias, favorecendo o profissional a estar apto a
responder as perguntas que possam surgir dentro do contexto vivenciado. Além da do-
ença, deve-se compreender os aspectos psíquicos e sociais em que está contextualizado
o receptor das más notícias, tentando prever as dificuldades que irão surgir a partir da-
quele momento. Haverá suporte suficiente? Quais são as alternativas no enfrentamento
das novas condições? É importante aplicar diretrizes ou protocolos que possam orientar a
comunicação de más notícias. Um desses instrumentos é o protocolo SPIKES.
O Protocolo SPIKES, proposto por Baile et al. (2000) traz seis passos para a comunicação
de más notícias. Trata-se de um mnemônico cujas iniciais revelam o que fazer:
1. setting up: constitui o primeiro passo e diz respeito à preparação do médico (co-
nhecimento da doença e das novas perspectivas) e do local, que deve ser, de prefe-
rência, silencioso e possibilitar a privacidade a fim de evitar interrupções.
2. perception: caracteriza o segundo passo e tem como objetivo buscar entender
o quanto o paciente sabe sobre sua condição, observando seu estado emocional,
como ele encara o adoecimento e a que nível de linguagem técnica ele está habitu-
ado.
3. invitation: designa o terceiro passo e procura entender o quanto o paciente deseja
saber sobre sua doença.
4. knowledge: define o quarto passo. É a forma como se dá a transmissão da infor-
mação, utilizando-se uma expressão neutra, comunicando-se através de linguagem
simples, clara e direta. Recomenda-se, neste ponto, a utilização de tom de voz suave
e pausado, sempre se certificando de que o paciente compreendeu o que lhe foi
passado.
5. emotions: configura o quinto passo e consiste em identificar, reconhecer e respeitar
as emoções do paciente através de sua reação – que, num primeiro momento, pode
não refletir o que de fato sente.
6. strategy and summary: é o sexto e último passo. Relaciona-se ao seguimento e o
traçado das alternativas de plano terapêutico. A continuidade de cuidados garante
ao paciente o conforto de que não será abandonado pela equipe de saúde, conse-
guindo forças para passar por aquela condição.

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Quando se estabelece uma relação baseada na confiança e se usa da transparência na
comunicação, o paciente torna-se parte ativa do processo terapêutico, devendo-se sem-
pre certificar de que ele terá o suporte necessário para enfrentar as novas condições que
geraram a má notícia.
Retomemos agora o Caso Clínico n.º 1. Vamos imaginar que a criança, por motivos de
complicação, precisou ser entubada e no momento deve ser transferida para uma unida-
de de terapia intensiva. Como você imagina que o médico deveria comunicar a má notí-
cia? Discuta com seus colegas de sala de aula e apresente um provável modelo de diálogo
entre o médico e os pais da paciente.

EXERCÍCIOS
1. Classifique as tendências ideológicas citadas abaixo em dois campos
paradigmáticos:

Movimento de Reforma Sanitária; Verdade como processo;


Valorização da pesquisa qualitativa; Verdade absoluta; Todo
poder ao médico; Interesse exclusivo da pesquisa quantitati-
va; Valorização do complexo médico-industrial; Valorização dos
processos bioquímicos; Onipotência; Rigidez; Flexibilidade; Pen-
samento crítico-político; Centro de saúde/comunidade; Hospi-
tal/indivíduo; Educação com o médico-sujeito e o paciente como
objeto; Educação como relação sujeito-sujeito, na relação médi-
co-paciente; Flexibilidade para outras racionalidades médicas;
Fechamento para outras racionalidades médicas; Valorização
da saúde pública; Negação da saúde pública

2. Busque na internet pelo menos um música que aborde o tema da


ideologia. Em seguida, faça a análise da letra e estabeleça uma rela-
ção com o que foi abordado nesse capítulo.
3. V.S.S., 35 anos, do lar, vem para consulta com um nódulo em sua
mama esquerda que surgiu quando estava aos 7 meses de gesta-
ção. Vem após o nascimento de seu bebê, com retração na mama,
junto com lesão inflamatória e nódulo palpável de cerca de 10 cm.
Seu marido é porteiro e ganha um salário mínimo para sustentar o
casal e mais 3 filhos. Ambos não têm familiares próximos. Ela acaba
de entregar o resultado da biópsia que mostra um câncer de mama
de alto grau. Como informá-la sobre sua condição?

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

SUGESTÃO DE LEITURAS
ABREU, José Luís Pio. Comunicação e Medicina. Coimbra, Virtualidade,
1998.
BAILE, Walter F. et al. SPIKES – A six-step protocol for delivering bad
news: application to the patient with cancer. The Oncologist, Houston, n.
5, p. 302-311, 2000.
BARATA, Rita. Epidemiologia Clínica: nova ideologia médica?. Caderno
de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 12, n. 4, p. 555-560, out-dez, 1996.
BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização. Huma-
nizaSUS. Documento Base. Brasília; 2006. Disponível em: <http://portal.
saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/DB_PNH.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2017.
BUCKMAN, Robert. How to break bad news: a guide for health care pro-
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52 Universidade Potiguar/Laureate International Universities


Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

6 PRÁTICA: SIMULAÇÃO

CASO CLÍNICO N.º 3


RVX, jovem do sexo masculino, de cor negra, é um habitante da zona
rural de Canguaretama (cidade do interior do Estado Rio Grande do
Norte, que dista 67 km da Capital Natal), onde nasceu. Tem 20 anos
de idade, fez o ensino fundamental, é católico não praticante e traba-
lha no cultivo de milho e feijão junto com seu pai. RVX é de uma família,
como tantas outras da região, que prioriza o trabalho e os valores mo-
rais como honestidade e solidariedade.
A família de RVX tem as seguintes características: o pai, homem rude
do campo, com temperamento forte, exerce a autoridade em relação
os filhos e não permite ser questionado. Não obstante, também é aten-
cioso e cuidadoso com seus filhos. A mãe de RVX, D. Maria, tem 53 anos.
É agricultora, rosto castigado pelo tempo, olhar penetrante e voz firme.
É uma guerreira e apesar de todo o desgaste impresso em seus traços
marcantes, revela no sorriso largo a alegria de viver. Muito religiosa, D.
Maria não aceita algumas mudanças que ocorreram na sociedade. Para
ela, as questões sobre aborto, homossexualismo, é coisa do demônio.
Ela também não é muito tolerante com outras religiões, principalmente
com as religiões africanas que, segundo ela, são satânicas. Além dos
pais, o núcleo familiar de RVX é composto por seu irmão, P., mais velho,
27 anos, que trabalha em uma fábrica e ajuda em casa com seu salário
e sua irmã mais nova, C. de 16 anos, que está estudando. A família tem
se esforçado para que ela possa estudar e ter um futuro promissor.
RVX iniciou há alguns meses um relacionamento sério com L., uma
jovem que frequenta o Candomblé. Isso tem causado muito estresse
em sua família, pois sua mãe não aceita o relacionamento, por causa
da religião de L. Todos os dias, a família discute por causa disso. O pai
acusa RVX de estar “matando” sua mãe de desgosto. P., menos conten-
cioso, tenta acalmar os ânimos, mas não se posiciona nem de um lado
nem de outro. C. acha que os pais são caretas e quem tem que gostar
da moça é RVX e não eles, que deviam deixar RVX em paz.
Nos últimos tempos, RVX tem sofrido com uma série de doenças.
Há seis meses ele teve dengue, que não foi muito grave, mas que atra-
palhou muito seu trabalho. Há três semanas R. teve uma infecção de
garganta e foi até o posto, próximo de sua casa. Dr. Sarmento prescre-
veu para ele um antibiótico, amoxicilina. R. fez o tratamento de forma
correta e ficou bom. Há uma semana, houve o aparecimento de lesões
maculopapulares pruriginosas em membros. As lesões evoluíram para

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formações vesicobolhosas, que se exulceraram, com simultânea queda
do estado geral do paciente. Com essa doença mais grave, R. ficou mui-
to preocupado e foi até Natal para consulta com um especialista.
A mãe de RVX diz que ele está sendo castigado por Deus e por isso
estão vindo tantas doenças: primeiro a garganta, agora as chagas no
corpo “é como as pragas do Egito”. Deus está dando um aviso para R.
se distanciar dessa moça que Satanás enviou para tentá-lo.
RVX está confuso. Acha que o problema não é L., mas também não
sabe porque isso está acontecendo com ele. O médico da cidade ex-
plicou, mas ele não entendeu direito: eram termos bem complicados.
Também não confiou muito no médico, que mal tinha olhado para ele.
Dessa forma, resolveu não fazer o tratamento. Alguns pensamentos
reverberavam na cabeça de RVX: “Será que minha mãe tem razão?”,
ele se pergunta. “Será alguma coisa no fertilizante? Será que é câncer
de pele? Acho que aquele médico não sabe de nada. Seria melhor me
afastar de L.? Mas ela me faz feliz”.
Além de toda essa confusão, com a doença de RVX, a família tem
enfrentado alguns problemas financeiros já que RVX também ajudava
o pai no cuidados com a lavoura e na venda da produção. Sentindo-se
angustiado, RVX resolve procurar o médico de família da sua área para
saber se o médico está certo e se ele deve fazer ou não o tratamento
(esse é o motivo da consulta).

Orientação para o simulando:


Paciente em tratamento para Stevens Johnson vem a unidade de saúde básica para
acompanhamento do tratamento, que foi prescrito por especialista. O diagnóstico feito
pelo especialista foi correto e o tratamento prescrito é o preconizado para a doença.

Objetivo da simulação:
Desenvolver habilidades de comunicação: a escuta ativa e o respeito as escolhas religiosas.

Pontos para debriefing:


1. A comunicação como uma habilidade que precisa ser desenvolvida e não algo inato;
2. A comunicação como a principal ferramenta para se estabelecer uma boa relação
médico-paciente;
3. Percepção e reconhecimento da diversidade religiosa;
4. A relação de alteridade do médico em relação ao paciente;
5. A queixa do paciente e a relação com as angústias apontadas.

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

CASO CLÍNICO N.º 4


Paciente ACM de 37 anos, sexo feminino, casada, sem filhos, teste-
munha de Jeová. Com queixa de sangramento vaginal de grande inten-
sidade há um mês. Exame mostrando mioma uterino com indicação de
cirurgia e anemia. Paciente necessita de transfusão sanguínea. Duran-
te meia hora, a família e o médico discutiram sobre a necessidade do
procedimento (conhecimento científico e conhecimento religioso). Eles
disseram que não autorizariam a transfusão. O médico tenta convencer
que o quadro clínico da paciente é grave e precisa de sangue. Porém
a paciente insistiu que “se for para morrer, é melhor que eu morra em
casa, em nome de Jeová, mas não será feita a transfusão”. Paciente sai
da sala e deixa o familiar com o médico.

Orientação para o simulando:


Você está recebendo um exame que mostra anemia grave. Esta paciente tem, portan-
to, indicação de transfusão sanguínea. Você precisa comunicar a notícia e tentar conven-
cê-la a se internar.

Objetivos da simulação:
1. Discutir os tipos de conhecimento envolvidos no cenário;
2. Discutir posicionamentos ideológicos;
3. Treinar a comunicação de má notícia a paciente.

Pontos para debriefing:


1. Divergência e aproximações entre o conhecimento científico e o conhecimento reli-
gioso;
2. Posicionamento do médico em relação à transfusão sanguínea em pessoas adeptas
da religião Testemunha de Jeová;
3. Aspectos ideológicos presentes no discurso do médico e no discurso do paciente;
4. A forma como o médico dá a má notícia é determinante na forma como o paciente
vai encarar a doença e o tratamento;
5. Aspectos da relação entre comunicação de más notícias e respeito ao outro/atenção.

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CASO CLÍNICO N.º 5
DSB, gestante, com 18 anos de idade, branca, relata menarca e pri-
meira relação sexual aos 14 anos, solteira, com três abortos espontâ-
neos anteriores, nos últimos dois anos. Não tem parceiro fixo, é do lar
e residente em Natal/RN. Revela que sofreu abuso sexual do pai. Não
realizou pré-natal, não sabe a data da última menstruação, tabagista,
usuária de crack, quatro parceiros sexuais nos últimos 12 meses, sendo
o último há um mês, o qual apresentava secreção peniana purulenta. A
gestante procurou atendimento em decorrência da presença de lesões
em vulva, iniciadas há 15 dias, associada a febre não-aferida, no mês da
campanha contra a sífilis congênita em sua cidade.
Ao exame físico geral foram evidenciados linfonodos inguinais pal-
páveis e indolores bilateralmente e pápulas eritematosas em abdome
e dorso. Ao exame da genitália externa observou-se intenso edema de
vulva, lesões ulceradas, indolores, com base lisa, em regiões perineal e
vulvar, características de sífilis. O exame ao espéculo acusou colo e va-
gina sem evidência de lesões. Foi coletado material de conteúdo vaginal,
para Gram, e material de endocérvice, para cultura de gonococo. Am-
bos os exames foram negativos. A bacterioscopia direta em campo es-
curo de esfregaço de lesões vulvares visibilizou espiroquetas morfologi-
camente compatíveis com Treponema pallidum. O VDRL com soro puro
foi negativo, positivando após a diluição até 1/128. O FTA-Abs foi reator
e os exames anti-HIV, anti-HCV e o HBsAg, não-reatores. O hemograma
e o coagulograma também não mostraram alterações. A paciente não
demonstra interesse em fazer o pré-natal e o tratamento.

Orientação para o simulando:


Você está recebendo uma gestante com sífilis. Deve desenvolver uma escuta ativa, aco-
lhedora e competente culturalmente.

Objetivos da simulação:
1. Desenvolver habilidades de comunicação: escuta ativa e competência cultural;
2. Discutir padrões de comportamentos de médicos e de pacientes.

Pontos para debriefing:


1. As diferentes dimensões (biológica, ambiental, social, cultural, psicológica e com-
portamental) do paciente são essenciais para compreender o paciente, traçar estra-
tégias de adesão ao tratamento;

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

2. Defina Desease, illness e sickness. Em seguida, apresente exemplos para um desses


termos;
3. Aponte os padrões de comportamentos de médicos e de pacientes, baseando-se
nas orientações do Porto (2014). Em seguida, construa uma narrativa representativa
para cada tipo de médico e paciente e compartilhe com seus colegas de sala.

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PARTE 2
Na Parte 2, discorremos sobre a comunicação centrada no paciente, sobre a estrutura
da anamnese, explorando a identificação, queixa principal, história da doença atual, os
antecedentes pessoais (fisiológicos e patológicos) e familiares, os hábitos de vida e os as-
pectos socioeconômicos e culturais. Lembramos que embora a revisão sintomatológica
faça parte da anamnese, neste livro, apenas faremos uma rápida menção para que você
possa ter uma compreensão da anamnese como um todo. Entretanto, o desenvolvimento
dessa etapa da anamnese será realizado na disciplina Comunicação e Formação do Pen-
samento Clínico II.
Por fim, exploramos o processo de formação e composição das palavras originárias
do latim e do grego (linguagem médica) e o processo de escrita (registro) no prontuário
médico.

CASO CLÍNICO N.º 6


MBX, 38 anos, parda, casada, bancária-caixa, formada em contabi-
lidade, natural e procedente de natal, católica, mãe de duas filhas 10 e
6 anos. Relata dor no ombro direito há 15 dias, piora com elevação do
braço, após esforços domésticos e do trabalho, alivia com compressas
frias, diária, de moderada a intensa, sem irradiação, do tipo peso. To-
mou analgésicos por conta própria com pouco resultado. Gesta 2 para
2 cesáreas. Nega hipertensão ou diabetes. Hipotireoidismo há 12 anos.
Usa Puran T4 100mcg ao dia. Mora em apartamento. Trabalha 8h por
dia. Em casa não tem secretaria. Esposo trabalha como representante
comercial. Está vivendo crise no relacionamento. Tem dormido mal e
sente-se triste. Uma das filhas não tem apresentado bom desempenho
escolar. Tem hábito de caminhar de manhã cedo, mas está irregular.
Nega tabagismo ou etilismo.

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

CASO CLÍNICO N.º 7


JPCR, 25 anos, casado, auxiliar de serviços gerais limpeza no Hosp.
Giselda Trigueiro, ensino fundamental completo, natural e residente em
Cerará-Mirim, RN, católico. Relata tosse com sangue há 10 dias e que há
cerca de 20 dias apresenta tosse com uma frequência média de 04
acessos ao dia, inicialmente seca, sem horário predominante, desen-
cadeada pelo esforço físico e sem um claro fator de alívio. Há 10 dias,
refere que durante os acessos de tosse surgiu sangue, aspecto vivo,
sem escarro associado. Nos últimos 20 dias, percebeu certa febre que
surge no fim do dia e não sabe informar a temperatura pois não chega
a aferir (acha que é baixa), astenia, perda gradual do apetite e sudo-
rese noturno. Relata ainda fadiga crescente e perda de peso de cerca
de 4 kg nestes 20 dias. Não relata outras queixas. Nascido de parto
a termo, eutócico e em hospital. Desenvolvimento psicomotor normal.
Vacinas completas na infância. É o primogênito de uma família com 04
filhos. Nega doenças prévias como hipertensão, diabetes, asma. Nega
cirurgias e alergias a medicações. Nega transfusões. Pais vivos ambos
hipertensos. Tem um irmão com epilepsia e um tio que teve tuberculose.
Pode ser considerado etilista social. Ingere cerveja nos fins de semana,
cerca de 4 latas. É tabagista, fuma em média 05 cigarros ao dia há 07
anos. Relata que se alimenta mal, pois não tem muito tempo para as
refeições. Trabalha no horário diurno, mas também no horário noturno,
com escalas, ambas, de 12 horas. Tem 01 folga de 24 horas na semana.
Circula em enfermarias e recolhe lixeiras. Casado há 05 anos com sua
única namorada, nega relações extraconjugais, sem conflitos aparentes
em família. Tem rendimento de 02 salários mínimos e sua esposa faz
marmitas para venda. Suas condições de moradia são adequadas, com
água, eletricidade e saneamento básico.

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7 A COMUNICAÇÃO MÉDICA
CENTRADA NO PACIENTE
O formato tradicional de entendimento e condução dos casos para um diagnóstico e
tratamento da doença tem sido reconhecido pela “medicina moderna” como um modelo
clínico valioso e eficaz. Contudo, Stewart (2010, p. 29) argumenta que diferentes estudos
apontam vários questionamentos sobre o modelo convencional (biomédico) e demandas
por mudanças no papel do médico e na relação médico-paciente.
Mas o que os pacientes querem? O que eles esperam do médico? Stewart (2010, p. 22)
mostra que as pessoas querem um atendimento que:
1. avalie a razão principal da sua consulta, suas preocupações e sua necessidade de
informação;
2. perceba o paciente e o problema de uma forma integrada e contextualizada com o
seu mundo;
3. chegue, junto com o paciente, a um consenso sobre qual é o problema e que bus-
que um acordo para o tratamento;
4. melhore a prevenção e a promoção de saúde; e
5. melhore o relacionamento médico-paciente.
Nesse contexto, novos desafios se impõem. Como estar preparado ou mesmo acom-
panhar tais discussões? Stewart (2010) apresenta um quadro conceitual que, em linhas
gerais, pretendemos explorar aqui. A autora descreve seis componentes interativos do
método clínico centrado na pessoa. São eles:
1. a exploração da doença e da experiência da doença;
2. entendimento da pessoa como um todo integrado;
3. elaboração de plano conjunto de manejo dos problemas;
4. orientações sobre prevenção e promoção de saúde;
5. intensificação do relacionamento entre pessoa e médico;
6. capacidade de ser realista.
Vejamos brevemente cada um deles. A exploração da doença e da experiência da doen-
ça inclui dois fatores: (1) a investigação da história clínica do paciente, de exames físicos e
exames laboratoriais quando necessários e (2) o entendimento da experiência da doença
em suas quatro dimensões: sentimentos, ideias, funcionamento e expectativas (STEWART,

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

2010, p. 66). É nesse momento que você deve fazer perguntas que busquem saber o que o
paciente entende que seja a doença, como ela afeta sua vida e quais são as respostas em
termos de técnicas e rituais terapêuticos que ele julga adequado.
A paciente MBX do caso clínico n.º 6 foi diagnosticada com bursite. Considerando o
que está escrito no caso, você acha que a doença foi explorada de maneira correta?
Se você apreciar o caso com atenção, constatará que não. A história clínica foi bem
investigada, com caracterização da dor bem descrita, além de antecedentes fisiológi-
cos, patológicos e hábitos de vida, mas o exame físico não foi relatado e nem tampouco
exames complementares foram solicitados, o que mostra que a exploração da doença foi
realizada de maneira incompleta. Assim como a exploração da doença, a percepção da
paciente quanto à sua condição não foi demonstrada durante o relato do caso clínico. A
experiência da doença não está contemplada na descrição do caso. A compreensão e a
leitura que o paciente faz do seu processo de adoecimento são fundamentais para aceita-
ção da terapêutica e para a construção de uma relação médico-paciente próspera.
O entendimento da pessoa como um todo integrado parte da consciência dos múltiplos
aspectos da vida do paciente e que podem ser agrupadas em três eixos: (1) a pessoa (per-
sonalidade, história de vida e desenvolvimento pessoal); (2) contexto proximal, como fa-
mília, educação, trabalho, lazer e rede de apoio social (3) contexto distal ou remoto, como
cultura, comunidade, economia, sistema de atendimento à saúde, fatores sócio-históri-
cos, fatores geográficos e ambientais, meios de comunicação (STEWART, 2010, p. 71- 98).
No caso clínico mencionado, o contexto distal ou remoto relacionado ao entendimento
da pessoa como um todo integrado parece não ter sido contemplado. Para que o profissio-
nal de saúde alcance detalhes sobre esse ponto é preciso que o mesmo se debruce sob a
história da paciente, amplie seu campo de visão e parta da perspectiva de que o paciente
é um sujeito inserido em um contexto social, familiar e cultural e que se constrói numa
relação dialética com o mundo.
A elaboração de plano conjunto (em comum) de manejo dos problemas consiste em iden-
tificar e definir o problema, estabelecer metas e prioridade de tratamento e/ou manejo da
doença e identificar os papéis a serem assumidos por ambos. Stewart ressalta que a ideia
de “elaboração de um plano conjunto considerando a participação da pessoa no proces-
so de tomada de decisão não necessariamente implica que ela assumirá um papel ativo”
(STEWART, 2010, p. 110). O nível de participação será definido em função das condições
emocionais e físicas do paciente, o que exige do médico a característica de flexibilidade.
No Caso Clínico n.° 6, o médico precisará junto à paciente manejar melhor as atividades
domésticas, já que sua dor tem o esforço físico repetitivo como o fator desencadeante de
sua queixa. O médico deve conduzir a entrevista clínica de modo a estabelecer uma rela-
ção com o paciente fundamentalmente autêntica, horizontal e de negociação para que
em conjunto cheguem a uma compreensão do problema e uma pactuação em relação à

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terapêutica a ser adotada.
As orientações sobre prevenção (evitar e reduzir os riscos de doenças) e promoção de
saúde (o processo de estimular e habilitar o paciente a assumir de forma responsável o
controle de sua saúde) são imprescindíveis para a melhoria da saúde e requer do médico
a competência de comunicação, de crítica e de articulação de suas ações em diferentes
domínios: saúde, educação, política etc. (STEWART, 2010, p.120). A compreensão e a ade-
são aos princípios da universalidade, da longitudinalidade e da integralidade do Sistema
Único de Saúde (SUS) são necessários no processo de reinvenção de um comportamento
e de uma relação mais humanizada, criativa, compartilhada, integrada e que contribua
para o desenvolvimento e valorização da autonomia do paciente.
Vamos supor aqui algumas orientações que o médico poderia dar ao paciente do caso
nº. 6 para além do tratamento medicamentoso. A paciente poderia evitar e reduzir o risco
de doenças relacionadas ao ombro (bursite, tendinopatias, lesão dos tendões do mangui-
to rotador, etc) adotando o seguinte comportamento:
g repouso articular: de fundamental importância no sucesso da terapêutica, uma vez
que que o fator causal principal das lesões descritas é a realização exaustiva e repe-
titiva de movimentos, o repouso articular durante as crises diminui as dores e evita
que lesões mais graves se desenvolvam;
g participação em programas de reabilitação: a reabilitação pode ser atingida de for-
ma mais fácil quando a paciente procura grupos dentro da própria Unidade Básica
de Saúde e tais atividades passam a ser realizadas junto com outros pacientes;
g tratamento fisioterápico: a reabilitação adquirida a partir de exercícios de fisiote-
rapia atua tanto na diminuição da algia quanto na restauração da amplitude dos
movimentos, além de prevenir o surgimento de novas crises e promover o fortale-
cimento da musculatura envolvida. Assim, a otimização da postura com melhora da
ergonomia e qualidade muscular previnem novas lesões e recidivas.
A intensificação do relacionamento entre pessoa e médico se dá por meio da compaixão,
da empatia, da confiança, do compartilhamento de poder, constância e cura (STEWART,
2010, p.135-147).
Esse componente do método clínico é construído com a sequência de consultas e não
no primeiro contato. Em relação ao Caso Clínico n.° 6, o profissional pode buscar entender
melhor a relação da paciente MBX com sua doença, como a mesma está se sentindo e
abordar com mais detalhes aspectos do seu relacionamento familiar para que nos próxi-
mos contatos uma intervenção mais adequada seja atingida.
O médico pode estreitar sua relação com a paciente do caso n° 6 de diversas formas:
1. ao se colocar no lugar da paciente, compartilhando com ela a dor e toda a impotên-

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do Pensamento Clínico I

cia e diminuição da funcionalidade geradas pela lesão;


2. ao se sensibilizar e procurar compreender a experiência que a paciente possui da
doença;
3. ao mostrar confiança, tanto por meio de boa técnica quanto através da humaniza-
ção do atendimento;
4. ao investir no compartilhamento de poder entre ele (médico) e a paciente, tornando
MBX coparticipante das medidas terapêuticas propostas;
5. ao se mostrar esperançoso e acreditar na possibilidade de cura e reabilitação da
paciente. O profissional deve expor a partir de seu discurso e atitudes que confia
na terapêutica proposta, já que essa postura contribui para a adesão do tratamento
pela paciente ser adquirida de maneira mais satisfatória.

A capacidade de ser realista do médico é definida em função (1) do tempo e do timming


(relação entre ritmo e tempo dado pelo médico à consulta de acordo com as necessidades
do paciente e dos problemas identificados); exige a habilidade de formar e trabalhar em
equipe; e da administração sensata de acesso aos recursos de saúde (cf. op. cit., p.151-166).
Ao exercer a capacidade de ser realista, o médico acaba por conduzir a entrevista clí-
nica de forma clara, objetiva, considerando o contexto de vida do sujeito, explicando o
diagnóstico, apresentando soluções, caminhos possíveis e os recursos disponíveis e ade-
quados do sistema de saúde.
Mas a questão é: esses seis componentes interativos nos fornecem um modelo padrão
para realizar uma entrevista médica centrada na pessoa? Talvez não. Isto porque uma en-
trevista que promova uma relação de respeito e cooperação médico-paciente, que exija
do médico habilidade de comunicação (que seja reativo4 e assertivo5) e a capacidade
de saber reconhecer e adotar uma postura proativa diante de elementos que de algum
modo influenciam o processo de comunicação: ruídos (elementos físicos externos aos
participantes da comunicação, tais como, interrupções à consulta, decoração inadequa-
da, barulhos, etc.) e interferências (cognitivas, emocionais e socioculturais), é, por nature-
za, dinâmica e não redutível a formatos estanques.

4 Reatividade é a capacidade de estabelecer a comunicação no ritmo do outro (paciente), sem atropelá-lo ou abandoná-
lo em um monólogo (cf. CERON, M., 2010, p.32).
5 Assertividade é a capacidade do médico atuar com decisão, clareza e sabendo o que pretende em cada momento, com
atitude ativa, mas sem ser rude.

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Os modelos são interessantes para servirem de parâmetros, mas eles não precisam ser
tomados linearmente. Enfim, um atendimento que prime pela medicina centrada na pes-
soa, não se limita ao diagnóstico e interesse nos efeitos físicos do tratamento, mas amplia
a compreensão de quem é o paciente, o que ele realmente veio buscar, qual o motivo
real da consulta, quais os desdobramentos de um determinado tratamento na sua vida,
na vida da sua família e da sua comunidade e da tomada de consciência de quem é esse
profissional (médico) e do que ele se dispõe a fazer e em nome do quê.
Além disso, defendemos que os seis componentes interativos do método clínico cen-
trado na pessoa devem ser incorporados ao modelo de anamnese apresentado pelo Por-
to e que será explorado no próximo capítulo.

EXERCÍCIOS
1. Com base nos seis componentes interativos do processo de atendi-
mento centrado na pessoa, proposto por Moira Stewart, discuta com
seus colegas como deveriam ser conduzidos os atendimentos clínicos
nos casos n.o 1 e n.o 2.
2. Discuta com seus colegas quais são e como é possível abordar as
dimensões da doença em um atendimento médico.
3. Em grupo, crie um caso clínico para ser encenado em sala de aula
que contemple no processo de comunicação: a exploração da do-
ença e da experiência da doença; o entendimento da pessoa como
um todo integrado; a elaboração de plano conjunto de manejo dos
problemas; as orientações sobre prevenção e promoção de saúde; a
intensificação do relacionamento entre pessoa e médico e a capaci-
dade de ser realista.

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do Pensamento Clínico I

SUGESTÃO DE LEITURAS
BARDES, Charles. Defining “Patient-Centered Medicine”. The New En-
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na pessoa. São Paulo: UNA-SUS, UNIFESP, 2010. Disponível em <http://
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8 ENTENDENDO A ESTRUTURA DE
UMA ANAMNESE
A palavra anamnese vem do grego em que ana significa “trazer de novo” e mnesis
“memória”. E assim, configura-se numa entrevista feita com o paciente, com objetivo de
aventar hipóteses diagnósticas de acordo com o que é relatado e instituir terapêutica
adequada.
É dividida em:

Fluxograma 1: Estrutura de uma anamnese

Fonte: Dos autores, 2017.

8.1 IDENTIFICAÇÃO:
Por que é importante a identificação do paciente? Porto (2014, p. 51) defende que na
identificação do paciente estão incluídas as seguintes informações: nome, idade, sexo,
cor/etnia, naturalidade, procedência, residência, estado civil, profissão (atual e anteriores),

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do Pensamento Clínico I

local de trabalho, religião e filiação a órgãos de previdência. Deve-se ainda registrar o


nome da mãe e, nos casos de criança, adolescente, idoso ou incapaz, deve-se tomar nota
do nome do responsável, do cuidador ou do acompanhante, quando for o caso.

8.2 QUEIXA PRINCIPAL


Diz respeito ao motivo pelo qual o paciente procura o profissional de saúde. Nessa eta-
pa da anamnese, são abordados sinais/sintomas e tempo de duração da queixa.
As informações declaradas devem ser transcritas em termos técnicos, mas transcreva
entre aspas as palavras leigas e expressões utilizadas pelo paciente. Por exemplo: O pa-
ciente relata que está com “Dor no pé da barriga há uma semana”. Porto (op. cit., p. 53) de-
clara que o médico deve fazer as seguintes perguntas: “Qual o motivo da sua consulta?”;
“Por que o(a) senhor(a) me procurou?” ou ainda, “O que o(a) está incomodando?”.

8.3 HISTÓRIA DA DOENÇA ATUAL (HDA)


Esta etapa é conhecida como a principal parte da anamnese. Porto (op. cit., p. 53) defen-
de que “é o registro cronológico e detalhado do motivo que levou o paciente a procurar
assistência médica”. Nela, você deve deixar o paciente falar sobre sua doença e explorar e
ressaltar os aspectos que ele considera importantes. É nessa etapa que você deve deter-
minar o sintoma-guia. Mas o que é um sintoma-guia? Um sintoma-guia é o sintoma que
auxilia a construção e direcionamento da história da doença atual e que mais rapidamen-
te leva ao diagnóstico. Portanto, deve ser utilizado como fio condutor da história. Uma vez
determinado o sintoma-guia, você deve explorá-lo sob os seguintes aspectos:
1. o início, características e duração do sintoma: época em que apareceu, o modo como
apareceu, a causa que o desencadeou, o caráter do sintoma, a localização corporal,
a irradiação, a intensidade e o tempo que durou;
2. os fatores desencadeantes: de piora e de melhora;
3. a evolução e repercussões do problema sobre a vida do paciente;
4. relação com outras queixas;
5. situação do problema no momento atual.
É importante que você siga uma ordem cronológica entre o sintoma-guia e as outras
queixas relatadas. Procure fazer perguntas objetivas, simples e de fácil compreensão. Por
fim, você ainda pode anotar nomes e resultados de exames laboratoriais realizados.

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8.4 INTERROGATÓRIO SINTOMATOLÓGICO
Diz respeito aos sintomas gerais, informações sobre pele e fâneros, cabeça e pescoço,
Tórax, Sistema Respiratório, Sistema Digestório, Sistema Genitourinário, Sistema Hemo-
linfopoiético, Sistema Endócrino; Sistema Osteoarticular, Sistema Cardiovascular, Sistema
Nervoso e, por fim, o Exame Psíquico e Condições Emocionais. A investigação cuidadosa
acaba por complementar a história da doença atual. Contudo, como já foi dito, não explo-
raremos essa etapa neste livro.

8.5 ANTECEDENTES PESSOAIS E FAMILIARES


O médico aborda sobre os aspectos fisiológicos e as patologias passadas do paciente e
de seus parentes conhecidos.

8.5.1 Antecedentes pessoais (fisiológicos)


a) Gestação e nascimento
b) Desenvolvimento psicomotor e neural:
c) Aproveitamento escolar;
d) Desenvolvimento físico;
e) Idade em que a dentição foi iniciada;
f) Idade em que engatinhou;
g) Idade em que andou;
h) Idade em que falou;
i) Controle de esfíncteres.
j) Desenvolvimento sexual: (idade da menarca, idade da menopausa, orientação sexu-
al, puberdade – normal, precoce ou tardia, idade da sexarca).

8.5.2 Antecedentes pessoais (patológicos)


a) Doenças que o paciente já teve: (sarampo, coqueluche, caxumba, varicela, amigda-
lites, artrose, pneumonia, hepatite, hipertensão arterial, etc.);
b) Alergias;

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

c) Cirurgias;
d) Traumatismos;
e) Transfusões sanguíneas;
f) História obstétrica;
g) Imunizações;
h) Medicamentos em uso.

8.5.3 Antecedentes familiares


Trata-se do rastreamento de doenças na família. Deve-se começar pela família de orien-
tação em ordem crescente, mas de modo a explorar horizontalmente cada geração. Por
exemplo, na geração do mãe/pai, deve-se perguntar também sobre a saúde dos(as) tio(s)/
tia(s); na geração dos avós/avôs, deve-se perguntar também sobre a saúde das tia-avós
e dos tio-vôs. Depois deve voltar para a geração do paciente e perguntar sobre a saúde
dos irmãos e dos primos tanto maternos quanto paternos. Porto (2014, p. 60) destaca que
deve-se rastrear as doenças mais comuns: diabetes, tuberculose, hipertensão arterial, en-
xaqueca, AVC, doença arterial coronariana, câncer, dislipidemias, úlcera péptica e varizes.

8.6 HÁBITOS DE VIDA


Refere-se à prática de exercícios físicos, alimentação, uso de drogas lícitas ou ilícitas, ati-
vidades de lazer e hobbies. Nesta etapa da anamnese, o médico procura detalhar melhor
a profissão e ou a ocupação atual ou passada, possíveis fatores de riscos nela presentes e
o tempo de trabalho.

8.7 CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS E CULTURAIS


Na última etapa, são analisadas as condições de habitação como, saneamento básico,
uso de água potável, quantidade de cômodos e número de pessoas que vivem na casa,
presença ou não de animais de estimação; as condições socioeconômicas (nesse ponto, o
médico pode aprofundar as informações que já estão contidas na etapa de identificação,
por exemplo, ele pode desejar saber mais sobre a situação financeira do paciente, inclu-
sive para saber se o paciente tem como comprar a medicação e aderir ao tratamento; as
condições culturais, aqui também pode-se explorar mais sobre a religião, crenças e tradi-
ções; por fim, deve-se explorar a vida conjugal e relação com familiares.

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Como num exercício de quebra-cabeça, ao explorarmos o Caso Clínico n.º 7, constata-
ríamos que o médico conseguiu realizar uma boa anamnese. Vejamos:

Identificação:
1. NOME: JPCR
2. IDADE: 25 anos
3. EST. CIVIL: Casado
4. PROF: Auxiliar de serviços gerais limpeza (Hosp. Giselda Trigueiro)
5. ESCOLARIDADE: Ensino Fundamental Completo
6. NAT/PROC: Cerará-Mirim, RN
7. RELIGIÃO: Católico

Queixa Principal: “Tosse com sangue há 10 dias”.

História da Doença Atual:


Paciente relata que há cerca de 20 dias (cronologia) apresenta tosse com frequência
médica de 04 acessos ao dia (intensidade), inicialmente seca (qualidade), sem horário
predominante, desencadeada pelo esforço físico e sem um claro fator de alívio (fator alí-
vio/desencadeante). Há 10 dias, refere (progressão) que durante os acessos de tosse sur-
giu sangue, aspecto vivo sem escarro associado. Neste período (últimos 20 dias) percebeu
(sintomas associados) febre que surge no fim do dia e não sabe informar a temperatura,
pois não chega a aferir (acha que é baixa), astenia, perda gradual do apetite e sudorese
noturna. Relata ainda fadiga crescente e perda de peso de cerca de 4 kg nesses 20 dias.

Interrogatório sintomatológico:
Sem outras queixas.

Antecedentes Pessoais Fisiológicos:


Nascido de parto a termo, eutócico e em hospital.
Desenvolvimento psicomotor normal.
Vacinas completas na infância.
É o primogênito de uma família com 04 filhos.

Antecedentes Pessoais Patológicos:


Nega doenças prévias como hipertensão, diabetes, asma.

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

Nega cirurgias e alergias a medicações.


Nega transfusões.

Antecedentes Familiares:
Pais vivos ambos hipertensos.
Tem um irmão com epilepsia e um tio que teve tuberculose.

Hábitos de vida:
Etilismo social usa cerveja nos fins de semana cerca de quatro latas.
Tabagista de 05 cigarros ao dia há 07 anos.
Relata que se alimenta mal, pois não tem muito tempo para as refeições.
Trabalha no horário diurno e frequentemente no horário noturno, com escalas de 12
horas. Tem uma folga de 24 horas na semana. Circula em enfermarias e recolhe lixeiras.

Condições socioeconômicas e culturais:


Casado há 05 anos com sua única namorada, nega relações extraconjugais, sem confli-
tos aparentes em família.
Tem rendimento de 02 salários mínimos e sua esposa faz marmitas para venda.
Suas condições de moradia são adequadas (tem água, eletricidade e saneamento básico).

EXERCÍCIOS
1. Por que a identificação presente na estrutura da anamnese é corri-
queiramente relacionada à epidemiologia das doenças?
2. Crie uma situação em que sintoma-guia e queixa principal sejam di-
ferentes.
3. Em grupo, elabore uma lista de perguntas que permitam a investiga-
ção adequada e sistematizada da História da Doença Atual.
4. Cite 2 exemplos que demonstrem a importância dos antecedentes
pessoais e familiares, hábitos de vida e condições socioeconômicas
para a hipótese diagnóstica.

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SUGESTÃO DE LEITURAS
BEVILACQUA, Fernando. Manual do exame Clínico. 13ed. Rio de Janeiro:
Cultura Médica, 2003.
LÓPEZ, Mario; LAURENTYS-MEDEIROS, José. Semiologia Médica: As
bases do diagnóstico clínico. 5. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2014.
PORTO, Celmo Celeno. Exame Clínico: Bases para a Prática Médica. 8.
ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2017.
____. Semiologia Médica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2014.
RAMOS JR, José de Paula. Semiotécnica da observação clínica. 7. ed.
São Paulo: Sarvier, 1998.
ROMEIRO, Vieira. Semiologia Médica. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 1968.

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

9 COMUNICAÇÃO MÉDICA:
TERMINOLOGIA E ESCRITA MÉDICA
Duas questões merecem ser levantadas no que diz respeito à comunicação médica:
uma, diz respeito à terminologia empregada pelos médicos e outra, diz respeito à escrita.
Vejamos cada uma delas.
Embora a terminologia médica se faça necessária entre os profissionais de saúde para
um bom andamento dos problemas postos, ela é muitas vezes incompreensível para os
pacientes. Termos tais como, acianótico, anictéricos, normotensos etc., que garantem co-
municação dentro da profissão, de um modo geral, não permitem uma boa comunicação
com os pacientes. É bem verdade, que eles nos permitem entender muitos dos processos
e procedimentos complexos do exercício médico. É o caso, por exemplo, do termo abdo-
minocentese que significa “punção do abdome para esvaziar líquido ou pus”. Ou abdo-
minoplastia que significa cirurgia plástica do aparelho abdominal. Ou ainda, laparoscopia
que significa exame endoscópico da cavidade abdominal.
Contudo, uma comunicação eficaz entre médico e paciente requer que o médico apre-
sente os termos de forma inteligível e que os adeque aos contextos apresentados.
Para você dar início a esse exercício (que nada mais é que um exercício de tradução)
com segurança, você primeiramente precisa ter um bom entendimento não só do signi-
ficado dos termos médicos, mas dos processos de formação das palavras: processos de
derivação e composição.
A derivação ocorre quando acrescentamos a um radical um ou mais afixos (prefixos e/
ou sufixos). A derivação pode ser: prefixal (quando acrescentamos um prefixo ao radical);
sufixal (quando acrescentamos um sufixo ao radical); parassintética (quando acrescenta-
mos prefixo e sufixo ao radical); regressiva (quando subtraímos o sufixo da palavra) e im-
própria (quando a palavra é usada fora de sua função normal).
O processo de composição ocorre quando se unem dois ou mais radicais para formar outra
palavra com sentido próprio. Pode ser por justaposição (quando os radicais não sofrem alte-
ração fonética ao se unirem) ou por aglutinação (quando um elemento perde alguma parte).
Os termos médicos são, em sua grande maioria, formados através do processo de deri-
vação prefixal ou sufixal, sendo os prefixos e os sufixos mais comuns os de origem grega
e latina. Alguns livros e sites na internet trazem listas desses termos. Uma boa seleção é
a apresentada por Joffre M. de Resende em Linguagem Médica (2004) – texto que você
pode consultar e discutir em grupo. De todo modo, apresentamos abaixo exemplos dos
principais prefixos e sufixos gregos e latinos mais encontrados em gramáticas de língua
portuguesa e livros da área da saúde.

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PREFIXOS DE ORIGEM GREGA

Prefixo Significado Exemplo


1. an- (a-) negação, privação afasia
2. ana- de novo anamnese
3. anti- ação contrária, oposição antídoto
4. dia- através de diarréia
5. ecto- fora de, exterior ectoderma
6. endo- posição interior, movimento para dentro endotélio
7. epi- sobre epiderme
8. eu- bem euforia,
9. exo- para fora exoftalmia
10. hiper- posição superior, aumento hipertrofia
11. hipo- diminuição, posição para baixo hipotireoidismo
12. oligo- pouco oligúria
13. para- proximidade paratireoide
14. poli- muito poliúria

SUFIXOS DE ORIGEM GREGA

Prefixo Significado Exemplo


1. -ase enzima amilase
2. -íase doença causada por parasito ou bactéria hanseníase
3. -óide semelhante a esfenoide
4. -oma tumor carcinoma
5. -ose doença não inflamatória, ou degenerativa artrose
6. -galia grande esplenomegalia
7. -pen escassez leucopenia

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

Agora veja os principais prefixos e sufixos latinos.

PREFIXOS DE ORIGEM LATINA

Prefixo Significado Exemplo


1. ab-, abs- separação abscesso
2. ad- aproximação, adição adstringente
3. ante- anterioridade antebraço, anteflexão
4. contra- oposição contraceptivo
5. de-, des- sentido contrário desnervação
6. in- para dentro intubação
7. per- durante, através peroperatório
8. pos-, post- posição posterior, depois pós-operatório
9. pro- movimento para diante protrusão
10. re- repetição, movimento para trás, volta refluxo
11. retro- atrás, movimento para trás retroperitônio
12. super- posição acima supercílio

SUFIXOS DE ORIGEM LATINA

Prefixo Significado Exemplo


1. -ite inflamação bronquite
2. -ente ação, qualidade, estado doente
3. -tor agente, instrumento de ação condutor
4. -sor agente, instrumento de ação agressor

Podemos afirmar que os termos médicos contribuem significativamente para uma


linguagem médica concisa, unívoca e objetiva? O processo de tradução desses termos
na comunicação médico-paciente distorce ou desvirtua o objetivo final que é o enten-
dimento das situações postas? Não temos respostas prontas para essas questões. Você
deve discuti-las com seu professor e colegas de sala de aula. De todo modo, o nosso
posicionamento é que apenas o conhecimento desses termos não garante uma boa co-

Universidade Potiguar/Laureate International Universities 75


municação.
Então, quais são os elementos ou condutas que poderiam garantir uma boa comunica-
ção? Para se comunicar de forma eficaz, o médico deve adotar condutas tais como:
1. não esperar que seu paciente expresse suas experiências dentro da linguagem mé-
dica e, por isso mesmo, não ficar corrigindo-o;
2. procurar conhecer o vocabulário do seu paciente e as preferências culturais, incluin-
do maneiras de abordar as pessoas e fazer perguntas;
3. condicionar a interpretação dos sintomas das angústias, sensações e sentimentos
experimentados por ocasião da doença ao entendimento do ethos, da visão de
mundo e das metáforas do corpo;
4. ter empatia; procurar se expressar respeitosamente e dentro de uma perspectiva
humanizada e, por fim,
5. ser vigilante dos componentes ideológicos de suas interpretações (essa é uma dis-
cussão que faremos mais adiante).
Talvez você argumente que o uso dos termos técnicos é fundamental para o registro
clínico e a escrita médica de um modo geral. Sim, eles são importantes. Mas o problema
da escrita é muito mais amplo e a utilização dos termos só resolve parte deles. Exami-
nemos essa questão. O que acontece com o entender e, por conseguinte, com a escrita
quando não é possível ver com “os olhos do outro”? Provavelmente, uma postura etno-
cêntrica6 e uma escrita autoritária. Então, como construir um olhar menos etnocêntrico e
uma escrita menos autoritária e mais próxima da realidade? E como garantir, nesse pro-
cesso, a objetividade necessária?
Não devemos oferecer respostas para tais perguntas. Essa será uma atribuição sua, um
exercício de compreensão e busca de respostas a ser realizado por você ao longo do
Curso de Medicina e de sua profissão. Lembramos que a construção de narrativas médi-
cas (KLEINMAN, 1988; GREENHALGH; HURWITZ, 1998) – narração das experiências doença
pelo ponto de vista do paciente – ou ainda a escrita do portfólio são atividades relevantes
para elucidação dessas questões.
O que especificamente se ganha com as narrativas e escritas de portfólios? Primeira-
mente, a apreensão dos aspectos humanos (sistemas de crenças, experiências e relacio-
namentos humanos); o manejo e o discernimento de contextos e circunstâncias; em se-

6 Por etnocêntrico entenda “uma visão do mundo onde o eu ou “o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo
e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a
existência” (ROCHA, 1984, p.7).

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

guida, a percepção de uma forma menos autoritária de pensar o paciente e a consciência


de que quem ocupa o centro da narrativa é o paciente; uma ampliação do conhecimento
médico e do entendimento do que é ser médico (em função do exercício crítico do auto-
conhecimento).
Enfim, esses ganhos o ajudarão a evitar introduzir no processo de comunicação ele-
mentos que não existem nem para o paciente (indivíduo), nem para a sua cultura.

EXERCÍCIOS
1. Pesquise e discuta com seus colegas termos que contenham prefixos
e sufixos gregos e latinos de interesse da área de saúde.
2. Faça uma leitura de um dos seus portfólios produzidos na disciplina
Atenção Integral à Saúde. Observe como se dá a construção do pa-
ciente no texto e a perspectiva por você assumida diante da relação
médico-paciente. Em seguida, compartilhe suas observações com os
demais colegas de sala de aula.
3. Elenque 10 elementos ou condutas que poderiam garantir uma boa
comunicação na relação médico-paciente.

SUGESTÃO DE LEITURAS
CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. O trabalho do antropólogo. Brasília:
Paralelo 15; São Paulo: Editora Unesp, 2006.
GEERTZ, Clifford. Estar lá, escrever aqui. São Paulo: Diálogo, v. 22, n. 3,
p. 58-63, 1989.
GREENHALGH, Trisha; HURWITZ, Brian. Narrative based medicine. Dia-
logue and discourse in clinical practice. London: BMJ Books, 1998.
KLEINMAN, Arthur. The illness narratives. Suffering, healing and human
condition. New York: Basic books, 1988.
MAYEROVICH, Benjamin. Dicionário médico Blakiston. 2. ed. São Paulo:
Andrei Editora, 2001.
RESENDE, Joffre Marcondes de. Linguagem Médica. 3. ed. Goiânia: AB,
2004.
ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984.

Universidade Potiguar/Laureate International Universities 77


10 ELABORAÇÃO DE PRONTUÁRIO CLÍNICO

Precisamos entender que a Medicina é exercida com prestígio secular que lhe é inerente
e, para que tenha continuidade, os médicos devem atentar para uma postura ética e moral
em atitudes intrínsecas à prática médica. Um dos pilares da Medicina é a retidão de conduta
dos profissionais que a exercem, razão pela qual todos os atos e documentos relativos ao
exercício da profissão são revestidos de credibilidade. O médico, ao expedir qualquer docu-
mento relacionado ao exercício da lex artis, deve observar os preceitos éticos.
Mas o que é um prontuário clínico? Podemos entender por prontuário clínico, ou
prontuário do paciente, como sendo o conjunto ou acervo documental padronizado,
organizado e conciso, na forma de documento único, constituído por informações, si-
nais e imagens registradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde
de um paciente e a assistência a ele prestada, que possibilita a comunicação entre os
membros da equipe multiprofissional de saúde e a continuidade da assistência presta-
da a um indivíduo.
Esse documento é útil para a análise da evolução da doença para fins estatísticos e
também como meio para a defesa do profissional, caso venha a ser responsabilizado por
algum resultado indesejado ou atípico. Se perguntarmos: A quem pertence o prontuário?
Ora, como é sabido, os dados do prontuário pertencem ao paciente, mas a guarda, ou
posse, pertencem ao médico, no caso de prontuários de consultório médicos e a institui-
ção de saúde nos demais casos, que tem o direito de guarda.
Não existe nenhum dispositivo ético ou jurídico que determine ao médico ou diretor
clínico de uma instituição de saúde entregar os originais do prontuário, a quem quer que
seja. Afirmamos que o prontuário clínico é de propriedade do paciente de forma perma-
nente e quaisquer informações que possam ser objeto da necessidade social ou de outro
profissional que venha a tê-lo, dentro do interesse que a informação mereça. O direito de
guarda será sempre do médico e da instituição.
O Código de Ética Médica caracteriza como infração ética revelar o conteúdo do
prontuário de paciente à pessoa que não possui o dever de guardar o segredo profissio-
nal. Em decorrência da necessidade de se manter o prontuário nas instituições, existe,
portanto, o dever de preservação dos documentos integrantes do prontuário em local
não acessível ao público.
Qualquer tratamento administrado ao paciente deve ser justificado pela observação
clínica e registrado no prontuário, o qual deve ser organizado de modo a permitir a fácil
leitura e interpretação por médicos e outros profissionais que o manuseiem e possibilite
a fácil interpretação por auditores e autoridades relacionadas ao controle da medicina.

78 Universidade Potiguar/Laureate International Universities


Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

Devem contemplar a seguinte ordem:


1. ficha clínica com as seções: anamnese, exame físico, hipótese (s) diagnóstica (s) e
plano terapêutico;
2. exames complementares, laboratoriais, exames anatomopatológicos, exames ra-
diológicos, ultrassonográficos, etc.;
3. ficha de evolução clínica;
4. ficha de pedido de parecer, que podem ser respondidos na ficha de evolução clí-
nica;
5. folha de prescrição médica, podendo conter um espaço para o relatório da enfer-
magem ou este pode ser em folha separada;
6. quadro de T.P.R (temperatura, pulso, respiração)
7. resumo de alta/óbito.
As evoluções e prescrições médicas de rotina, devem ser feitas pelo médico assistente
pelo menos uma vez ao dia. Devemos lembrar que a anamnese é instrumento exclusivo de
avaliação propedêutica médica e é obrigatória em qualquer ambiente médico, inclusive em
atendimentos ambulatoriais e em consultórios. O registro da anamnese deve, no mínimo,
conter os seguintes dados: a) identificação do paciente; b) queixa principal (razão da consul-
ta); c) história da doença atual; d) história familiar (doenças pregressas na família); e) história
pessoal; f) exame físico; g) exame do estado mental; h) hipóteses diagnósticas; i) exames
complementares; j) diagnóstico; k) conduta terapêutica e encaminhamento; l) prognóstico;
m) sequelas (prescrições de órteses/ próteses); n) causa da morte em caso de falecimento.
É importante enfatizar que o preenchimento do prontuário é obrigação e responsabili-
dade intransferíveis do médico, fazendo-se exceção aos hospitais de ensino, onde alunos
de medicina o fazem sob supervisão, correção e responsabilidade de médicos, sejam pro-
fessores de medicina ou do staff do hospital de ensino.
Lembrem-se que é prática antiética e ilegal, delegar seu preenchimento a outrem que
não médico habilitado. Todo paciente ou seu responsável legal, tem o direito de obter có-
pia integral de seu prontuário (hospitalar ou consultório), a qual deve ser cedida inconti-
nenti. A partir de 2002, o Conselho Federal de Medicina CFM, tornou obrigatória a criação
da “Comissão de Revisão de Prontuários” nas instituições de saúde. Nosso Código de Ética
Médica proíbe o médico de deixar de elaborar prontuário para cada paciente, pois ele se
mostra de tanta importância que seria impossível aceitar sua omissão, seu descaso ou sua
não-elaboração. Em alguns serviços de saúde, existem os prontuários familiares. Deve-
mos ter o cuidado de não partilhar as informações obtidas e registradas entre os diversos
membros de uma família, cujos dados se encontram registrados de forma conjunta. As

Universidade Potiguar/Laureate International Universities 79


informações serão sempre pessoais.
O paciente tem o direito de utilizar todos os dados a si inerentes em um prontuário,
em função do seu interesse, e o médico não pode se considerar dono de tais informações,
impedindo que o paciente as utilize na sua conveniência. O médico não pode negar ao
paciente acesso ao seu prontuário, fichas clínica ou similar, bem como deixar de informá-
-lo em linguagem simples e acessível.
O prontuário é documento de manutenção permanente pelo estabelecimento de saú-
de ou pelo profissional. A Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e
do Adolescente – ECA assim se posiciona: “[...] Art. 10 - Os hospitais e demais estabeleci-
mentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, são obrigados a manter
registro das atividades desenvolvidas, através de prontuários individuais, pelo prazo de
dezoito anos” (BRASIL, ECA, 1990).
Por uma questão de espaço físico, as instituições podem digitalizar ou microfilmar os
prontuários. A Lei nº 5.433, de 08 de maio de 1968 (D.O.U. de 10/5/69), regulamentada pelo
Decreto nº 64.398/69 de 24 de abril de 1969, regula a microfilmagem de documentos ofi-
ciais. Não há nenhuma inconveniência de se substituir o modelo tradicional de prontuário
por um prontuário informatizado. A Sociedade Brasileira de Informática em Saúde – SBIS,
conjuntamente com o CFM, explicita requisitos de segurança e disponibiliza um “Manual
de requisitos de segurança, conteúdo e funcionalidades para sistema de registro eletrô-
nico em saúde (RES)”.
Dois sistemas são disponibilizados para a utilização de prontuários eletrônicos. Um, uti-
lizando papel + dados informatizados –NGS–1 (Norma Geral de Segurança 1) e um outro,
dispensando completamente o uso de papéis –NGS–2 (NORMA GERAL DE SEGURANÇA 2).
A NGS 1 constitui uma categoria constituída por “Sistema de Registro em Saúde (S-RES)”
que não contempla o uso de certificados digitais ICP-Brasil para assinatura digital das in-
formações clínicas, consequentemente sem amparo para a eliminação do papel e com
necessidade de impressão e aposição manuscrita da assinatura. A NGS 2 é a categoria
constituída por S-RES, que viabiliza a eliminação de papel nos processos de registros de
saúde. Para isso, especifica a utilização de certificados digitais ICP – Brasil para os proces-
sos de assinatura e autenticação digital.
As instituições de saúde não estão obrigadas a enviar, mesmo por empréstimo, os
prontuários aos seus contratantes públicos ou privados. O Supremo Tribunal Federal –
STF, em Acórdão do Recurso Extraordinário Criminal nº 91.218-5-SP, 2ª Turma, admite
apenas ao perito em determinações judiciais, o direito de consultar o prontuário, mesmo
assim, obrigando-o ao sigilo pericial, como forma de manter o segredo profissional (RT,
562, ag./1982, 407/425).
Quando da realização de auditorias, o médico perito tem acesso ao prontuário, deven-
do a auditoria ser realizada dentro das dependências da instituição responsável pela sua

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

posse e guarda. O médico perito tem inclusive o direito de examinar o paciente, para con-
frontar o descrito no prontuário, porém, em hipótese alguma pode retirar o prontuário
das dependências da instituição que o guarda. Os médicos legistas igualmente podem
compulsar o prontuário, especificamente para a coleta de resultados de exames com-
plementares. Pode também obter informações junto ao médico assistente, para melhor
desempenhar sua missão.
Nosso Código de Ética Médica sustenta que o médico não pode deixar de fornecer lau-
do circunstanciado do paciente quando de sua transferência ou encaminhamento para
fins de tratamento, ou alta, se solicitado. O fornecimento de tais documentos não se cons-
titui em mera cortesia ou favor, mas um direito que tem o paciente de solicitá-los, pois
isso é parte integrante do ato médico.
Quando um médico é chamado a depor, perante qualquer autoridade, pode quebrar o
sigilo, quando autorizado pelo paciente e, quando para sua própria defesa, pode revelar
dados, solicitando a autoridade que aquelas informações sejam mantidas em sigilo pro-
cessual. O segredo profissional deverá ser rigorosamente cumprido, mesmo após a morte
do paciente, inclusive com relação à família. Não nos esqueçamos que em um hospital
universitário de ensino, durante o período de uma internação hospitalar média de oito
dias, pelo menos setenta e cinco diferentes pessoas podem lidar com o prontuário de um
único paciente.
A utilização de registros de atendimentos, através de imagens, áudio e vídeo, deve ser ex-
pressamente autorizado pelos pacientes. As gravações devem ter sua finalidade previamen-
te estabelecida, inclusive com a indicação do destino a ser dado ao material após esse uso
(autorização para uso de imagem semelhante a um Termo de Consentimento Informado).
Durante a execução de projetos de pesquisa, devem ser mantidas todas as propostas
contidas no mesmo, ou seja, a não identificação dos indivíduos pesquisados, a preserva-
ção de suas imagens e o uso específico para a finalidade do projeto. Na divulgação, o im-
portante é a garantia de que todos os participantes pesquisados tiveram suas identidades
preservadas na íntegra. Reforçamos a informação de que um prontuário corretamente
preenchido é, e efetivamente tem sido, a principal peça de defesa do médico nos casos de
denúncias por mal atendimento com indícios de imperícia, imprudência ou negligência,
ou na presunção da existência de erro médico.
A confidencialidade pressupõe que o paciente revele informações diretamente ao mé-
dico, que passa a ser o responsável pela preservação dos mesmos. Confidencialidade tem
origem na palavra confiança, que é a base para um bom vínculo terapêutico e não é uma
prerrogativa dos pacientes adultos, pois se aplica a todas as faixas etárias. Não tenhamos
receio nem preguiça de escrever e registrar todas a s informações pertinentes ao nosso
paciente e recordemos um provérbio chinês que afirma: “Mais vale uma pálida tinta que
uma boa memória”.

Universidade Potiguar/Laureate International Universities 81


EXERCÍCIOS
a) Acesse o site da SBIS (www.sbis.org.br) e identifique quais os requisi-
tos de segurança para os Sistemas de Registro Eletrônico em Saúde
(S-RES).
b) Com a assistência e supervisão de um tutor/professor, dirija-se ao
Setor de Prontuários da Unidade de Saúde e faça por amostragem,
uma verificação em 10 (dez) prontuários e identifique possíveis falhas
no preenchimento dos mesmos.
c) Consulte o site do CFM (www.portalmedico.org.br) e acesse “parece-
res” e “resoluções” que tratam do tema “prontuário”.
d) Realize a anamnese de um paciente por você examinado, segundo
as orientações aqui apresentadas e, em grupo e com a ajuda do tu-
tor/professor, discuta em grupo a redação apresentada, identifican-
do os pontos positivos e os que precisam ser aprimorados.

SUGESTÃO DE LEITURAS
CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA. Conselho Federal de Medicina. Resolução
CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009. Brasília: Conselho Federal de
Medicina, 2010.
MEIRA, Afonso Renato. Código de ética Médica: comparações e refle-
xões. São Paulo: Scortecci Editora, 2010.
DANTAS, Eduardo. Comentários ao Código de Ética Médica. 2. ed. Rio de
Janeiro: GZ Editora, 2011.
FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 11. ed. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2013.
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 7. ed. São Pau-
lo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

82 Universidade Potiguar/Laureate International Universities


Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

11 PRÁTICA: SIMULAÇÃO

CASO CLÍNICO N.º 8


SSL, 33 anos, sexo feminino, negra, do lar, em uma união estável há
03 anos, evangélica, natural e procedente de Ielmo Marinho/RN. Pacien-
te, há 06 meses, começou a apresentar quadro de tosse produtiva com
secreção purulenta, acompanhada de febre diária, de predominância
vespertina e temperatura axilar que oscilava entre 38 e 39°C. Referia
que a febre cedia ao uso de antitérmicos orais. Queixava-se, também, de
dor torácica, ventilatório-dependente em hemitórax direito que se exa-
cerbava à inspiração e aliviava ao deitar-se sobre o lado contralateral do
tórax. Argumentava que os episódios de tosse e febre eram frequentes e
acompanhavam-se de astenia, fazendo com que procurasse assistência
médica na UBS em várias ocasiões. Informou que em uma de suas idas
à UBS, foi dado o diagnóstico de pneumonia, sendo medicada com me-
dicação que não sabe identificar, a qual fez uso correto durante 07 dias,
no entanto, não foi realizado nenhum exame complementar. Informou ter
apresentando melhora dos sintomas que retornaram após 15 dias. Refe-
riu, ainda, perda ponderal de 10 kg nesse período. Há 24 horas, apresen-
tou episódio de tontura, seguido de síncope, tendo procurado assistência
médica no serviço de emergência em Ceará-Mirim. Nessa ocasião, foi fei-
ta radiografia de tórax que revelou alterações sugestivas de pneumonia.
Foi realizada, ainda, sorologia para HIV com resultado positivo. Foi, então,
encaminhada ao Hospital Giselda Trigueiro para tratamento especializa-
do. Menarca aos 14 anos. Coitarca aos 17 anos. Vacinação básica da infân-
cia completa. Reforço da vacina antitetânica nas gravidezes. Submetida a
laqueadura de trompas há 08 anos e colecistectomia há 03 anos. Nega
outras, Hipertensão arterial, diabetes mellitus ou outras comorbidades.
Nega uso de medicações. Genitor falecido de acidente vascular isquê-
mico há 05 anos e genitora portadora de diabetes mellitus tipo II. Tem
02 filhos de um de 10 e outro de 08 anos. Cônjuge e filhos gozam saúde
aparente. Ex-etilista social. Abstêmia há 03 anos, quando se tornou evan-
gélica. Consumia bebidas fermentadas (cervejas) aos finais de semana.
Reside em casa de taipa, provida de instalações elétricas e desprovida de
instalações hidráulicas e sanitárias, coberta por telhas, com 03 compar-
timentos, onde residem 06 pessoas. Faz uso de água de cisterna para
consumo próprio e preparo de alimentos. Conhece o barbeiro e já ouviu
falar em Doença de Chagas. Não tem animal de estimação. Refere 02
parceiros sexuais durante sua vida. O primeiro parceiro é genitor de seus
filhos e o segundo é seu atual companheiro.

Universidade Potiguar/Laureate International Universities 83


Orientação para o simulando:
Você está atendendo uma paciente com vários sintomas que vem evoluindo desde há
vários meses. Você deve realizar a anamnese com foco nas etapas de identificação, além
de tentar identificar a queixa principal da paciente.

Objetivos da simulação:
Estimular e treinar o aluno na coleta da identificação e queixa principal.

Pontos para debriefing:


1. A identificação do paciente é fundamental para entender e contextualizar as informa-
ções coletadas durante a anamnese, além de iniciar o relacionamento com o paciente;
2. Através de dados coletados na identificação, o estudante pode descobrir aspectos
relevantes para o diagnóstico do paciente;
2. A importância da queixa principal do paciente, o motivo que o trouxe à consulta e a
forma como o paciente enxerga sua patologia. Deve ser breve e espontânea;
3. A queixa principal pode não ser o principal sintoma na patologia que o paciente
apresenta. Pode-se utilizar a linguagem do paciente, utilizando-se aspas. Evitar os
“rótulos diagnósticos”.

CASO CLÍNICO N.º 9


JSD, sexo feminino, 23 anos, cor branca, casada, do lar, natural e pro-
cedente de Natal/RN, católica. A paciente chega à UBS queixando-se
que, há cinco dias, surgiram episódios de febre (37,8 - 38° C), seguidos
por dor retro-orbitária e cefaleia holocraniana, além de dores articulares,
principalmente nas articulações dos punhos e tornozelos, onde observou
edema. Refere, também, diminuição do apetite e perda ponderal, não sa-
bendo quantificá-la e dor abdominal difusa de leve intensidade, acompa-
nhada de diarreia de fezes pastosas, com cerca de três episódios nas 24
horas. Informa que há 24 horas notou manchas avermelhadas na pele,
predominantes em tronco e membros superiores e, hoje, surgiram, tam-
bém nas pernas, pruriginosas, além de hiperemia conjuntival. A paciente
refere quadro pregresso de dengue há 05 anos e nega uso de qualquer
medicamento de maneira contínua. Afirma que está com o calendário de
vacinação em dia. Conta que está no terceiro mês de sua segunda ges-
tação. Tem um filho saudável de dois anos de idade. Informa que a mãe
faleceu de câncer de mama e o pai é portador de diabetes mellitus tipo
2 e hipertensão arterial sistêmica. Nega tabagismo e etilismo. Sedentária.
O exame físico revela um estado geral regular, normocorada, anictéri-

84 Universidade Potiguar/Laureate International Universities


Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

ca, acianótica, desidratada (1+/4+), linfonodomegalia palpável em cadeia


ganglionar cervical com gânglios móveis, elásticos e dolorosos. Presença
de eritema maculopapular escarificado em região de tronco, membros
superiores e membros inferiores. A ausculta cardiopulmonar é normal e
o abdome apresenta-se flácido, indolor e sem visceromegalias. Presença
de edema em punhos e tornozelos, de moderada intensidade, simétri-
co, com limitação funcional dessas articulações. Os exames laboratoriais
mostram leucopenia moderada de 3.500 leucócitos/mm3 com aumento
relativo dos linfócitos, sem plaquetopenia. Você chega ao diagnóstico de
Infecção pelo Zika vírus.

Orientação para o simulando:


Você está atendendo uma paciente com vários sintomas que vem evoluindo desde há
vários meses. Você deve realizar a anamnese detalhada com foco na história da doença
atual apresentada pelo paciente.

Objetivos da simulação:
Estimular e treinar o aluno na coleta da história da doença atual.

Pontos para debriefing:


1. A HDA é considerada uma das etapas mais importantes da anamnese;
2. O estudante deve deixar que o paciente relate suas queixas de forma espontânea;
3. A descoberta do sintoma-guia é fundamental na anamnese, o qual deve servir como
um fio-condutor na condução da HDA estabelecendo sua relação com as outras
queixas, permitindo a elaboração da anamnese com facilidade e precisão;
4. Cada sintoma relatado pelo paciente deve ser bem explorado, investigando-se a
cronologia, a natureza, a duração, fatores estimulantes e atenuantes e queixas asso-
ciadas.; 5. Lembrar de anotar as queixas que o paciente nega;
6. Cuidado para não induzir repostas.

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CASO CLÍNICO N.º 10
AFC, 22 anos, solteira, estudante de psicologia, natural de Caicó e pro-
cedente de Natal/RN, católica não praticante. Refere dor de cabeça há
1 dia. Relata que está na semana de provas e dormindo tarde e se ali-
mentando mal e que a cefaleia do lado esquerdo da cabeça iniciou no
dia anterior com forte intensidade, é do tipo pulsátil, acompanhada de
náusea e vômitos. Declara que a luz e barulho pioram a dor. Nega febre,
já teve quadros semelhantes desde os 16 anos. É asmática. Sem outras
doenças ou alergias ou cirurgias. Mãe com história de enxaqueca. Pai hi-
pertenso. Sedentária. Mora sozinha em um apartamento de 55m2. Não
tem namorado. Diagnóstico Final: Enxaqueca.

Orientação para o simulando:


Você está atendendo uma paciente com vários sintomas que vem evoluindo desde há
vários meses. Você deve realizar a anamnese detalhada com foco nos antecedentes pes-
soais (fisiológicos, patológicos) e familiares.

Objetivos da simulação:
Estimular e treinar o aluno na coleta dos antecedentes pessoais fisiológicos, patológi-
cos e familiares.

Pontos para debriefing:


1. A coleta dos antecedentes pessoais fisiológicos e patológicos complementa a HDA;
2. Os antecedentes pessoais e familiares dificilmente são relatados espontaneamen-
te pelo paciente, necessitam ser questionados para que possam ser obtidos numa
anamnese.

CASO CLÍNICO N.º 11


JFF, 56 anos, sexo masculino, cor parda, empresário, casado há 30
anos, sem religião definida, natural e procedente de São Paulo/RN. In-
sônia e palpitações há 06 meses. O paciente refere que, habitualmente,
deita-se para dormir à noite, por volta das 23 horas e rapidamente ador-
mece, sem maiores dificuldades. Ocorre que há cerca de 06 meses vem
apresentando dificuldade em conciliar o sono. Após deitar-se, não conse-
gue adormecer com facilidade, chegando, às vezes, a demorar 03 horas
para adormecer. Relata, ainda que durante a noite, acorda várias vezes
e, em algumas ocasiões, não consegue adormecer até o amanhecer. Re-
fere que passa o dia fatigado e não consegue concentrar-se no trabalho,
o que o deixa bastante mal-humorado a maior parte do dia. Chegou,

86 Universidade Potiguar/Laureate International Universities


Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

inclusive, a cochilar enquanto dirigia de volta a sua casa no final do dia.


Queixa-se, ainda, de anorexia e palpitações que surgem mais comumen-
te quando se encontra no trabalho e cefaleia holocrânica, no final do dia,
de caráter pulsátil e de moderada intensidade. Nega alteração no ritmo
intestinal, queixas urinárias ou respiratórias. Nascido a termo, parto nor-
mal em ambiente hospitalar. Início da vida sexual aos 15 anos. Vacinação
básica da infância completa. Reforço da vacina antitetânica há 04 anos.
Submetido a colecistectomia há 03 anos. Nega Hipertensão arterial, dia-
betes mellitus ou outras patologias. Nega uso de medicações. Genitor fa-
lecido de acidente vascular isquêmico há 05 anos e genitora portadora
de diabetes mellitus tipo II. Tem 02 filhos de 18 e 13 anos. Cônjuge e fi-
lhos gozam saúde aparente. Etilista social. Consome bebidas destiladas
(Whisky) aos finais de semana. Reside em zona urbana, com boas condi-
ções de habitação, com a esposa e os dois filhos. Criação de 01 animal de
estimação, o qual se encontra, aparentemente, saudável e se encontra
corretamente vacinado. Menciona várias parceiras sexuais durante sua
vida. Algumas relações sexuais desprotegidas. Nível educacional elevado.
Já residiu nos EUA durante 02 anos, quando cursou e concluiu o MBA.
Alimentação quantitativamente adequada, todavia, pouco balanceada.
Ingere grande quantidade de alimentos industrializados e ricos em lipíde-
os e carboidratos. Sedentário. Diz passar por uma grande carga de stress
no trabalho e queixa-se também de grande pressão familiar. Explica que
sua empresa está apresentando dificuldades financeiras com risco de
falência. Filho adolescente envolvido com drogas ilícitas.

Orientação para o simulando:


Você está atendendo um paciente com sintomas que vem evoluindo desde há vários
meses. Você deve realizar a anamnese detalhada com foco nos Hábitos de vida e Condi-
ções socioeconômicas e culturais.

Objetivos da simulação:
Estimular e treinar o aluno na coleta dos Hábitos de vida e Condições socioeconômicas
e culturais.

Pontos para debriefing:


1. A coleta dos Hábitos de vida e Condições socioeconômicas e culturais complemen-
tam a HDA e, muitas vezes, são fundamentais na descoberta do diagnóstico;
2. Os Hábitos de vida e Condições socioeconômicas e culturais raramente são relata-
dos espontaneamente pelo paciente, necessitam ser questionados para que pos-
sam ser obtidos numa anamnese;

Universidade Potiguar/Laureate International Universities 87


3. A coleta desses dados envolve detalhes íntimos da vida do paciente necessitam se
colhidos em ambiente que resguardem o sigilo das informações e deixem o pacien-
te à vontade para respondê-los.

CASO CLÍNICO N.º 12


SPG, 44 anos, masculino, branco, solteiro, sapateiro, católico não prati-
cante, natural de Pau dos Ferros/RN e procedente de Macau/RN. Relata
“dor no peito” há 24 horas. Paciente declara que há cerca de 01 semana
começou a apresentar quadro de tosse produtiva com esputo purulento,
acompanhada de febre, de predominância noturna, de elevada intensi-
dade (38,5 a 39°C) e que cede parcialmente ao uso de dipirona gotas
(sic). Refere que a febre é precedida de calafrios e seguida por sudorese
profusa, chegando a molhar os lençóis. Destaca, ainda, que teve diarreia
de fezes líquidas, com odor fétido, sem muco ou sangue, com cerca de
05-08 episódios nas últimas 24 horas e que surgiu há 02 dias. Queixa-
-se, também, de dor abdominal em mesogástrio, tipo cólica que aparece
após ingestão de alimentos gordurosos. Há 24 horas, surgiu dor torácica
ventilatório dependente em hemitórax esquerdo de leve intensidade, que
piora quando se deita para o lado acometido e melhora com a posição
sentada. Sem irradiação. Alivia ao uso de dipirona oral. Refere que a inten-
sidade da dor aumentou nas últimas 12 horas, quando resolveu procurar
assistência médica em sua cidade, onde realizou radiografia de tórax a
qual revelou água na pleura. Foi encaminhado ao hospital para tratamen-
to específico. Nega náuseas, vômitos, dispneia, cefaleia ou outras queixas.
Nascido a termo, parto normal, assistido por parteira. Desenvolvimen-
to somatopsíquico dentro dos padrões de normalidade. Sexarca aos 14
anos. Não sabe informar sobre vacinação na infância. Refere pneumonia
aos 02 anos de idade, sendo necessária internação hospitalar. varicela
aos 09 anos. Postectomia aos 12 e apendicectomia aos 17 anos. Inter-
nação clínica por dengue hemorrágico há cerca de 04 anos. Nega Hiper-
tensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM) ou outras morbi-
dades. Nega DST’s ou alergias. Nega transfusões sanguíneas. É o terceiro
filho de uma prole de 06. Genitor falecido de infarto aos 50 anos (sic).
Genitora viva, 70 anos, portadora de diabetes (sic). Irmão falecido aos 03
meses de desidratação (sic). Demais irmãos gozam saúde aparente. Ca-
sado há 15 anos. Tem três filhos. Cônjuge e filhos gozam saúde aparente.
Nega casos de câncer na família. Alimentação em quantidade adequada,
rica em carboidratos e pobre em proteínas. Reside em casa de tijolos,
coberta por telhas, piso de cimento com 05 cômodos, onde mora com a
esposa e 03 filhos, provida de instalações hidroelétricas e sanitárias. Faz
uso de água da torneira para consumo próprio e cozinhar. Lembre que
tomava banho de lagoa na infância. Conhece o caramujo e desconhece o

88 Universidade Potiguar/Laureate International Universities


Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

barbeiro. Refere cães saudáveis no peridomicílio. Nega contato com mor-


cegos e pombos. Cria galinhas no quintal da casa. Tem um cão e um gato
como animais de estimação, todavia, declara que os animais não são
vacinados. Nega contato com portadores de tuberculose ou sintomáti-
cos respiratórios. Primeira relação sexual aos 16 anos. Refere mais de 10
parceiras sexuais ao longo da vida. Não faz uso de preservativos durante
as relações sexuais. Nega relações sexuais com pessoas do mesmo sexo.
Trabalha como sapateiro há 20 anos e se expõe diariamente a cola de
sapatos. Tem como hobby participar de vaquejadas. Etilista. Consome
cerca de 1 litro de aguardente por dia, há mais de 20 anos. Fumante des-
de os 15 anos. Carga tabágica: 22,5 maços/ano7. Nega uso de drogas
ilícitas. Nível cultural elementar. Ensino fundamental incompleto.

Orientação para o simulando:


Você está atendendo um paciente com sintomas que vêm evoluindo há alguns dias.
Você deve realizar a anamnese completa com todas as etapas: Identificação, Queixa prin-
cipal, HDA, Antecedentes pessoais e familiares, hábitos de vida, condições socioeconômi-
cas e culturais.

Objetivos da simulação:
Estimular e treinar o aluno na coleta da anamnese completa, isso é, considerando to-
das as etapas.

Pontos para debriefing:


1. A anamnese bem-feita impõe atenção a todas as etapas do processo, da identifi-
cação aos antecedentes e hábitos de vida. O estudante necessita estabelecer uma
relação de confiança com o paciente permitindo o relato de fatos íntimos e confi-
denciais de sua vida, cuja revelação é de fundamental importância na descoberta
do diagnóstico e auxiliará na tomada de decisão por parte da equipe que o atende.
2. Destacar quatro dos seis componentes interativos do método clínico centrado na
pessoa:
g A exploração da doença e da experiência da doença;

g Entendimento da pessoa como um todo integrado;

g Intensificação do relacionamento entre pessoa e médico;

g Capacidade de ser realista.

7 Número de cigarros fumados por dia x tempo de tabagismo em anos e divida por 20. Se o cigarro for artesanal, usar
seguinte proporção: 6 cigarros artesanais correspondem a 20 cigarros industrializados.

Universidade Potiguar/Laureate International Universities 89


PARTE 3
Na parte 3, discutimos o que é Ciência, formas de raciocínio (dedução, indução e ab-
dução), os princípios fundamentais do método hipotético-dedutivo e sua relação com o
raciocínio clínico. Por fim, discorremos sobre a comunicação dos médicos com seus pares.
Ao longo das explicações, utilizamos os dois casos clínicos apresentados abaixo:

CASO CLÍNICO N.º 13


JSD, sexo masculino, 43 anos, negro, casado, bancário, natural e pro-
cedente de Natal/RN, evangélico. O paciente chega à UBS queixando-se
de que há quatro dias surgiram episódios de febre (39° C), seguidos por
dor retro-orbitária e cefaleia holocraniana, além de dores musculares
por todo o corpo. Refere também três episódios de vômitos na noite
anterior, além de diminuição do apetite e perda de peso, não sabendo
quantificá-la. O paciente nega patologias prévias ou atuais e uso de
qualquer medicamento de maneira contínua. Afirma que está com o
calendário de vacinação em dia. Conta que o pai e o avô paterno têm
histórico de câncer de próstata; a mãe é portadora de diabetes mellitus
tipo 2 e hipertensão arterial sistêmica. Tabagista de longa data, com
carga tabágica de 10 maços/ano, ele nega etilismo. Pratica caminha-
das regulares e refere que o saneamento básico em seu bairro é muito
deficiente, além de haver muito lixo nas proximidades de sua casa. O
exame físico revela um estado geral regular, hipocorado (1+/4+), anicté-
rico, acianótico, desidratado (2+/4+), sem linfonodomegalias palpáveis e
presença de eritema maculopapular e pruriginoso em região de tronco.
Apresenta ausculta cardiopulmonar normal e uma discreta hepatome-
galia é encontrada durante percussão e palpação de abdome. Os exa-
mes laboratoriais mostram leucopenia moderada de 3.000/mm3 com
aumento relativo dos linfócitos e plaquetopenia de 150.000/mm3 pas-
sou para 105.000/mm3. RT-PCR para Dengue foi positivo.

90 Universidade Potiguar/Laureate International Universities


Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

CASO CLÍNICO N.º 14


Em um plantão, você atende uma BDV de 29 anos de idade, prove-
niente da zona rural, queixando-se de uma “dor de barriga” forte. Ela
relata que a dor começou mais ou menos há uma semana, seguida de
enjoos e vontade de vomitar, depois de ter comido um picado em uma
feira perto da sua casa. Ela informa que mora em uma casa de alvena-
ria de dois cômodos, com água encanada e energia elétrica. Você a exa-
mina e solicita alguns exames complementares. Contudo, o laboratório
do hospital não estava realizando exames por falta d’água. Você receita
uma hidratação com um analgésico para aliviar a dor. Após o término
da hidratação, a paciente é liberada devido à melhora do quadro clí-
nico e é orientada a fazer os exames solicitados e mostrar ao médico
da sua comunidade. Após 6 horas, a paciente retorna com os mesmos
sintomas associados a diarreia, vômitos e febre. Depois de um cuidado-
so exame físico, você constata que a paciente se encontra desidrata-
da, com a mucosa oral bem seca e sinais de dor evidente. Preocupado,
você discute o caso com um colega de trabalho que também está de
plantão. Juntos, vocês levantam a hipótese de gastroenterite aguda.
Os exames solicitados foram finalmente realizados e estavam dentro
da normalidade. Você e seu colega passam a discutir outras hipóteses
como a parasitose intestinal, intoxicação alimentar, doença inflamatória
intestinal e, por fim, apendicite.

Universidade Potiguar/Laureate International Universities 91


12 O QUE É A CIÊNCIA?
Ao associarmos ciência com conhecimento seguro, verdadeiro, justificado, somos leva-
dos a buscar a origem da discussão dessas características epistemológicas na filosofia da
Grécia Antiga.
A superação das explicações míticas – misteriosas, baseadas no sobrenatural, frag-
mentadas, de autoria desconhecida, difundida oralmente e sustentada pela autoridade
de quem as divulgava – por uma explicação sistematicamente apresentada e organizada
causalmente a partir de um pressuposto racional, cuja origem pode ser historicamente
determinada e que se sustenta por sua resistência à crítica, inaugurada por Tales de Mileto
(c. 623 a.C - c. 546 a.C.), desencadeou o que se conhece como Filosofia.
Platão (c. 428 a.C. - c. 348 a.C.), ainda nos albores da Filosofia, discutiu as questões rela-
tivas ao conhecimento, inaugurando o que depois ficou sendo chamado racionalismo: a
fonte principal do conhecimento é a razão. Desse modo, o conhecimento é logicamente
necessário e universalmente válido. Ainda para Platão, os sentidos não podem conduzir
ao verdadeiro saber. Logo, deve haver um mundo suprassensível – o mundo das ideias,
onde tudo é muito claro e distinto, permitindo caracterizar o conhecimento como uma
reminiscência – teoria da anamnésis. (cf. HESSEN [1926], 1987)
Por outro lado, as ideias de Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) permitiam admitir a possibi-
lidade de construção do conhecimento através da experiência, mas subordinada, ainda,
a princípios universais. Devemos destacar que durante muitos séculos, tais ideias foram
tomadas, pelos ocidentais, como o único meio eficaz de explicação da realidade e meto-
dologia para a busca do conhecimento e, por conseguinte, da verdade e compreensão
do mundo, especialmente, após Tomás de Aquino (século XIII) conciliar o racionalismo
aristotélico com as verdades da fé, numa Suma Teológica, e os estabelecer como sistema
filosófico oficial da Igreja Romana e eixo de reflexão da escolástica (filosofia cristã medie-
val ensinada nas escolas).
O que os filósofos medievais pretendiam, ao compreender o significado do mundo,
era fundamentar e justificar os elementos da fé na razão. Contudo, antevendo possíveis
contradições nessa relação e a fim de evitar a pluralidade de interpretações que poderiam
colocar em dúvida as verdades da Igreja, os teólogos tinham a obrigação de respeitar o
princípio da autoridade, isto é, o princípio que obrigava a admitir que uma ideia para ser
considerada verdadeira devia estar baseada nos argumentos de uma autoridade reco-
nhecida, o que acabou por enfraquecer o espírito crítico e a autonomia do pensamento
no final da Idade Média.
Passa a vigorar o que se chamou o “Ideal Platônico-Aristotélico de Ciência”, cujos ele-
mentos principais, são (WEDBERG, 1982):

92 Universidade Potiguar/Laureate International Universities


Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

1. requisito lógico fundamental: uma ciência dedutiva deve basear-se em um número


finito de afirmações básicas, das quais os teoremas derivam;
2. requisitos epistemológicos mais importantes:
a. as afirmações básicas devem ser verdadeiras e auto-evidentes,
b. cognitivamente anteriores aos teoremas e
c. indemonstráveis (justamente porque é auto-evidente, isto é, se impõe à razão
pela natureza de sua evidência).

É explícito em Descartes, Leibniz e Spinoza a reafirmação do ideal platônico-aristoté-


lico de ciência. Essa visão da ciência, o ideal platônico-aristotélico, de cunho estritamen-
te dedutivo, ainda vai ser reafirmada por Descartes, Leibniz, Spinoza, até começar a ser
substituída, lentamente, por Galileu e Bacon, e depois pela conhecida “Revolução Cientí-
fica” – o período que vai da publicação do De revolutionibus orbium coelestium de Nicolau
Copérnico, 1543, à obra de Isaac Newton, Philosophiae naturalis principia mathematica, de
1687 – que deu base à ciência contemporânea.
Mas são as inquietações de Descartes que promovem uma das maiores mudanças re-
volucionárias em relação à Ciência e ao método científico: a do entendimento de que o
conhecimento humano se baseia no pensamento do verdadeiro, sintetizado no célebre
enunciado “Cogito, ergo sum” (Penso, logo existo).
Então, para Descartes, bastaria que tivéssemos uma visão clara de como o nosso pen-
samento se constrói para termos acesso à verdade. O primeiro passo seria separar a mente
do corpo, ou res cogitans (coisa pensante) da matéria, res extensa (coisa com extensão)8 . O
corpo se restringiria à substância material e a alma se restringiria a uma substância pen-
sante. Uma vez que o corpo se encontra desprovido do espírito, ele passa a ser conside-
rado apenas uma máquina – o que leva a uma concepção do universo como um sistema
mecânico.
Com isso, Descartes estabeleceu que bastariam quatro preceitos lógicos fundamentais
para a construção segura do conhecimento:
1. jamais aceitar como verdadeira coisa alguma sem a conhecer evidentemente
como tal;
2. dividir cada dificuldade a ser examinada em tantas partes quanto possível e neces-
sário sejam para resolvê-las;

8 O dualismo mente-corpo, mente-matéria, ou espírito-corpo tornou possível o estudo do corpo humano morto, o que
era impensável nos séculos anteriores, já que o corpo era considerado sagrado pela Igreja, por ser sede da alma.

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3. por ordem lógica nos pensamentos, começando pelos mais simples e mais fáceis de
conhecer, até atingir gradativamente o conhecimento dos mais complexos; e
4. fazer, para cada caso, enumerações tão exatas e previsões tão gerais, que deem a
certeza de nada esquecer ou omitir (DESCARTES, 1968, p. 27-28).

Um outro lado dessa discussão diz respeito à advertência de Galileu: devemos deixar
de ler os livros para ler o mundo. Isso implicava em partir da observação dos fatos para se
chegar a uma lei geral. Desse modo, Galileu (LAKATOS, 1986, p. 43) introduz no método
indutivo a ideia de experimentação, estruturada em função dos seguintes passos:
1. observação dos fenômenos;
2. análise dos elementos constitutivos desses fenômenos;
3. indução de certo número de hipóteses;
4. verificação das hipóteses por intermédio dos experimentos;
5. generalização do resultado das experiências para casos similares;
6. estabelecimentos de Leis Gerais.

Na mesma linha de pensamento de Galileu, Francis Bacon afirma no Novum Organum


(1978), aforismo XXXVI:

Resta-nos um único e simples método, para alcançar os nossos intentos: le-


var os homens aos próprios fatos particulares e às suas séries e ordens, a fim
de que eles, por si mesmos, se sintam obrigados a renunciar às suas noções
e comecem a habituar-se ao trato direto das coisas.

Para Bacon (apud LAKATOS, 1986, p. 43), o método científico contempla os seguin-
tes passos:
1. a experimentação (caracterizada pela observação, coleta de dados e realização de
experimentos);
2. formulação de hipóteses (com base nos experimentos realizados);
3. repetição dos experimentos (com finalidade de acumular dados e melhor formular
as hipóteses);
4. teste de hipóteses;
5. formulação de generalizações e leis.

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

O que marca a diferença entre o método de Galileu e o de Bacon é o modo como


eles concebem o contexto da descoberta. Rea-Neto (1994, p. 25) defende: “Galileu toma
como ponto inicial a observação direta do fenômeno, dele extraindo os elementos
constituintes para posterior análise. Bacon provoca ou programa o experimento para
ser objeto de análise”.
Hoje sabemos que tanto a postura de Galileu quanto a de Bacon levam à construção de
uma ideia errada do uso da observação dos fatos particulares na ciência, o que constituiu
o que se chamou de “concepção indutiva estreita da investigação científica”.
Voltemos mais um pouco no tempo. O heliocentrismo de Copérnico, que tira a Terra do
centro do universo e, com isso, muda a imagem do mundo, muda a imagem do homem e,
progressivamente, muda a imagem da ciência e do cientista, vai permitir a construção das
bases da ciência contemporânea. Observe que a revolução científica é, ao mesmo tempo,
uma revolução da ideia do saber e da ciência. Você há de concordar que a medicina pra-
ticada nos tempos medievais, a medicina monástica, que entendia a doença como algo
demoníaco e subordinava a cura a Deus, mudou consideravelmente. Afinal, a partir de
uma perspectiva causal, o papel do médico deixa de ser o de identificar a origem do mal
(doença-punição e doença-maldição), o de tratar a doença a partir de técnicas controla-
das pelas autoridades eclesiásticas e o de prever a intenção de Deus: se o paciente não se
cura, é porque ele tem em si os elementos da transgressão, portanto, ele é um pecador e,
como tal, deve ser entregue aos desígnios de Deus.
Agora veja, é a partir de Copérnico que as corporações médicas, em sua grande maio-
ria, rompem com o sistema ideológico medieval e, por decorrência, aprimoram, através
da técnica, os meios de conhecimento e tratamento das doenças.
É daí que se associam à ciência as discussões sobre o método científico: do padrão deduti-
vo de Aristóteles, chega-se à indução de Galileu e Bacon e ao emprego da razão por Descartes.
Mas o que é o método científico? Para Nagel (1971, p. 19), “método científico é a lógica
geral, tácita ou explicitamente empregada para apreciar os méritos de uma pesquisa”.
Isso significa que há um conjunto de regras para resolver um problema. Uma das caracte-
rísticas fundamentais do método científico é a tentativa de resolver problemas por meio
de suposições, portanto, de hipóteses capazes de serem testadas por meio das observa-
ções ou dos experimentos.
Vejamos como o método científico faz parte do dia a dia da clínica. Tomemos como
exemplo o caso clínico n.º 13. A partir da análise do caso, o médico constata a presença de
uma patologia orgânica, já que há sinais e sintomas que fogem da normalidade esperada.
O profissional não sabe inicialmente a causa, mas percebe a presença de um problema e
que esse precisa ser resolvido. Devido ao conhecimento adquirido na Universidade e em
sua prática clínica, o médico direciona a anamnese e o exame físico, partindo do pres-
suposto de que pode se tratar de uma arbovirose. Formula, assim, hipóteses diagnósti-

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cas coerentes para o problema (Dengue? Chikugunya? Zika?) e, em seguida, por meio do
exame clínico, realiza observações e testa suas hipóteses. O médico constata febre alta,
presença de dor retro-orbitária, mialgias, exantema cutâneo e outros sintomas descritos
acima e característicos das arboviroses. A solicitação racional de exames laboratoriais re-
vela leucócitos de 3.000/mm³ e plaquetas de 105.000/mm³. Por fim, com base nos dados
obtidos, o profissional analisa os resultados dos testes com o intuito de complementar a
formulação do diagnóstico para uma das três hipóteses aventadas.
Vale destacar que mesmo com todos esses sinais e sintomas descritos e exames labora-
toriais coerentes com a hipótese diagnóstica, a evolução do doente poderá gerar dúvidas
sobre o diagnóstico definitivo, dando assim início a um novo ciclo de investigações. Tal
possibilidade permite que a ciência seja autocorretiva.
Por fim, devemos acrescentar que o conhecimento científico tem dois ideais: o ideal
de racionalidade (também chamado de verdade sintática): “sistematização coerente dos
diversos enunciados” e o ideal de objetividade (também denominado de verdade semân-
tica): “construção conceitual de imagens da realidade que sejam verdadeiras, impesso-
ais e passíveis de serem submetidas a teste” (REA-NETO, 1994, p. 17). Essa distinção é de
fundamental importância para melhor compreendermos o problema da distinção entre
verdade e validade de um argumento (tema a ser tratado a seguir).

12.1 MEDICINA E FORMAS DE RACIOCÍNIO


Dada a história do paciente e sua avaliação clínica, é possível estabelecer hipótese diag-
nóstica de Dengue? O que o motiva a solicitar um exame laboratorial? Você deve manter o
paciente no Hospital ou deve liberá-lo? Quais as implicações e riscos que você assume ao
liberar o paciente sem um diagnóstico preciso? O que o leva a acertar ou errar um diagnós-
tico clínico? Como o médico pensa e constrói seus argumentos? E o que eles têm a ver com
tomada de decisões? Para responder a tais perguntas, precisaremos primeiro conhecer os
princípios e métodos da boa argumentação, o que implica em estabelecer um diálogo com
os campos da Lógica (ciência formal) e da ontologia (doutrina que estuda a matéria).
Mas você pode estar se perguntando: O que é um argumento? Por que eu preciso sa-
ber argumentar e conhecer formas de argumentar? O que isso tem a ver com medicina?
Argumentar é obter novas informações a partir de informações já disponíveis através
da discussão crítica feita individualmente ou com outras pessoas. O argumento é a forma
de representar esse processo. Costuma-se dizer que o argumento é um conjunto de de-
clarações formado por premissas e conclusões em que as premissas são as informações
disponíveis ou aduzidas por outros interlocutores e a conclusão é a nova informação que
foi obtida. Portanto, a argumentação consiste na manipulação de informações disponí-

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

veis para extrair delas consequências, de modo a obter uma nova informação ou base
para uma nova decisão. Assim, argumentar é raciocinar e uma vez que o raciocínio acon-
tece, ele se torna um processo mental, no caso, um pensamento. Para Jenicek & Hitchcok
(2005, p. 18), “o raciocínio é o pensamento iluminado pela lógica”. (tradução nossa)
Vejamos um exemplo citado por Jenicek & Hitchcok (2005, p. 29):
Premissa A (p1): Todo cirurgião é médico. [Considere cirurgião-médico]
Premissa B (p2): Pedro é cirurgião.
Conclusão (c): Então, Pedro é médico.
Analisemos esse exemplo. Você dispõe da informação de que todo cirurgião é médico.
Sabe que Pedro é cirurgião (isso está escrito em seu cartão de visita ou você se encontrou
com ele operando na sala de cirurgia). Mesmo que você não tenha visto o diploma de
medicina de Pedro, ou visto seu CRM, com certeza, você sabe que ele é médico. Essa nova
informação decorre das informações que você tinha anteriormente. Você raciocinou ou
argumentou para saber que Pedro é médico sem perguntar a ninguém sobre isso.
Desde antigamente, Aristóteles sabia que as pessoas raciocinam e argumentam, mas
escreveu Tópicos para “encontrar um método de investigação, graças ao qual possamos
raciocinar [...] sobre qualquer problema que nos seja proposto” (ARISTÓTELES, 100a 18 –
20) e atender a três fins: “o adestramento do intelecto, as disputas casuais e as ciências fi-
losóficas” (idem, 101a 25). Lembre-se que “ciências filosóficas” significa na antiguidade to-
das as ciências e práticas, isso inclui, não só a física e a biologia, mas também a medicina.
Então, veja como fica claro: você precisa conhecer alguma coisa sobre argumentos e
formas de argumentar para melhorar suas condições intelectuais e se tornar mais capaz
de discutir com seus pares e fazer toda a ciência e arte necessárias ao exercício da medici-
na. Além disso, como bem afirmam Rubinelli & Schultz (2006), Jenicek & Hitchcok (2005),
o conhecimento das condições lógicas e ontológicas de construção dos argumentos me-
lhora o processo de tomada de decisão.
Contemporaneamente, a medicina (uma amálgama formada por arte e ciência) é vista
como medicina baseada em evidências., isto é, os fatos que são fundamentais à constru-
ção e validação da ciência geram a evidência que a prática médica necessita para decidir
sobre diagnósticos, tratamentos e prognósticos. Como a evidência é usada no raciocínio
médico? – Como informação disponível, usada na obtenção de novas informações (con-
clusão) através de raciocínios e argumentos.
As principais formas de raciocinar ou argumentar9 são: dedução, indução e abdução.

9 Segundo Cruz e Moura (2004, p. 11), o argumento é a expressão do pensamento inferencial ou o raciocínio em alguma
linguagem. Sendo o raciocínio formado por juízos e o argumento formado por sentenças.

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A dedução é um processo mental que infere uma conclusão contida nas premissas, seu
propósito é o de explicitar o conteúdo das premissas. Assim, se todas as premissas forem
verdadeiras, a conclusão necessariamente será verdadeira.
A indução é um processo mental que permite inferir conclusões que vão além da in-
formação disponível. Assim, a conclusão contém informação que não estava contida nas
premissas. Então, se todas as premissas forem verdadeiras, provavelmente, a conclusão
será verdadeira, mas não necessariamente verdadeira. O propósito do raciocínio indutivo
é o de ampliar o alcance dos conhecimentos.
A abdução (também conhecida como a Inferência da melhor explicação) é um proces-
so mental que permite inferir a melhor explicação para ocorrência de um fato. Como a
indução, a abdução é também ampliativa. No entanto, na abdução há um apelo implícito
ou explícito a considerações explanatórias (cf. DOUVEN, 2017).

12.1.1 Dedução
No raciocínio ou na argumentação dedutivamente válida, a conclusão necessaria-
mente (sem exceção) segue do conjunto de premissas verdadeiras. Portanto, uma de-
dução válida depende da forma do argumento, não do seu conteúdo. Examine o clás-
sico argumento:
Argumento n.º1:
p1: Todo homem é mortal.
p2: Pedro é um homem.
c: Logo, Pedro é mortal.
Você concorda que não temos muitas dúvidas que a conclusão (C) está adequadamen-
te justificada pelas premissas (p1 e p2)? Enfim, pensemos na teoria matemática de conjun-
tos. A premissa p2 afirma que Pedro é um elemento do conjunto dos homens. A premissa
p1, afirma que que todo elemento do conjunto dos homens é elemento do conjunto dos
mortais. Veja como fica claro o que afirma c: Pedro é elemento do conjunto dos mortais.
Esse argumento válido pode ser escrito na seguinte notação lógica:
p1: Todo H é M.
p2: p é um H.
c: Logo, p é M.
É essa forma que faz esse argumento ser um argumento válido e não suas premissas
serem verdadeiras. Quando as premissas são verdadeiras, a conclusão é, necessariamente,
verdadeira. Contudo, um argumento pode ser válido mesmo que suas premissas e con-
clusão sejam falsas.

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

Mas, compare o argumento 1 com o argumento 2:


Argumento n.º 2:
p1: Todo Homem é Moreno.
p2: Pedro é um Homem.
c: Logo, Pedro é Moreno.
Digamos que você se encontrou com Pedro, constatou que ele é moreno. É verdadeiro
que Pedro é moreno. Então, a conclusão é verdadeira. A conclusão é verdadeira e o ar-
gumento é válido mesmo não sendo verdadeiro que todo Homem é moreno. O que não
pode ocorrer para um argumento ser válido é ter premissas verdadeiras e conclusão falsa;
mas ele pode ter conclusão verdadeira, mesmo que suas premissas sejam falsas.
Assim, do ponto de vista da lógica, tanto o Argumento 1 e quanto o Argumento 2 são
válidos. Contudo, o argumento 2 não é correto, não é verdadeiro. O que eles têm em
comum é a forma (o que também chamamos de sintaxe) e não a carga semântica das
palavras.
Veja que a forma lógica dos dois argumentos é a mesma:
p1: Todo H é M.
p2: p é um H.
c: Logo, p é M
Daí decorre a necessidade de postular o primeiro preceito lógico fundamental para a
construção segura do conhecimento proposto por Descartes: “jamais aceitar como ver-
dadeira coisa alguma sem a conhecer evidentemente como tal”. Afinal, a Lógica não se
ocupa dos conteúdos, apenas da forma.
Vejamos o argumento 3:
Argumento n.º 3:
p1: Todo Homem é mortal
p2: Bisteca é mortal
c: Logo, Bisteca é Homem
Mas Bisteca não é um Homem, ele é um cachorro. Embora as premissas sejam verda-
deiras, a conclusão pode ser falsa. Portanto, o argumento não é válido. A notação lógica
desse argumento é:
p1: Todo H é M.
p2: b é um M.
c: Logo, b é H
Observe o detalhe de p2. P2 afirma que b pertence ao conjunto dos mortais, mas p1
afirma que o conjunto dos homens está incluído no conjunto dos mortais e não o contrá-

Universidade Potiguar/Laureate International Universities 99


rio. Então, você pode ter um elemento de mortal que não é homem, e de fato tem. Esse
erro de argumentação é conhecido como falácia da afirmação do consequente.
Agora, examine o Argumento 4:
Argumento 4:
p1: Todo médico é idoso.
p2: Todo octagenário é médico.
c: Logo, todo octagenário é idoso
Na notação lógica, esse argumento apresenta a seguinte forma:
p1: Todo M é I.
p2: Todo O é M.
c: Todo O é I.
Então, o argumento 4 é válido? É obvio que as premissas desses argumentos são falsas,
mas estamos diante de um argumento válido. Nem sempre num argumento quando as
premissas são falsas, a conclusão necessariamente é falsa. Existem argumentos válidos
em que a conclusão é verdadeira, mesmo quando as premissas são falsas, são chamados
de argumentos válidos, mas não corretos. Argumentos válidos com premissas verdadei-
ras, são argumentos válidos e corretos ou bons.
Cuidado! Reforçando o que já foi dito, na dedução, a validade de um argumento está li-
gada à forma que ele tem. Contudo, nesse momento, não iremos discutir sobre os modos
de caracterizar a forma de um argumento. Mas se você quiser, pode procurar os textos
referentes aos silogismos aristotélicos e refazer as diferentes figuras silogísticas apresen-
tadas por Aristóteles.
Então, o que é argumento dedutivo correto e válido? De forma estrita, é um argumento
cuja forma garante que a conclusão é verdadeira se as premissas são verdadeiras. Porém,
nem todos os argumentos que usamos são dedutivos, isto é, nem sempre a conclusão do
argumento é consequência lógica de suas premissas, o que é o caso, por exemplo, das
analogias ou do uso de probabilidades que geram conclusões prováveis.

12.1.2 Indução
Os argumentos e explicações indutivos são tão antigos quanto os dedutivos. Apare-
cem já nos textos de Aristóteles como “argumentação por exemplificação”, “argumen-
tação por enumeração (completa)” e outros. Mas quando e em quais circunstâncias se
utiliza a indução? Você usa indução em diferentes situações: quando dá conselho, quando
faz recomendação; quando indica um restaurante, uma oficina de carro, um cabeleireiro;
quando escolhe um produto que viu outros consumindo etc.

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

As formas de argumento indutivos mais usadas são: a indução por enumeração, a indu-
ção por eliminação e a indução por analogia.
Um raciocínio/argumento indutivo muito utilizado é o argumento por enumeração. A
forma mais comum dele é o que leva a generalizações a partir de amostras observadas.
Você já ouviu falar em pesquisa eleitoral, controle de qualidade, IBOPE e coisas tais. Quan-
do um instituto de pesquisa diz que, se a eleição fosse hoje, o candidato X seria eleito com
60% dos votos, você pensa que esse instituto entrevistou o eleitorado todo para saber a
opinião dos votantes? Claro que não. Você sabe que umas tantas pessoas foram ouvidas,
a amostra, e os resultados dessa enquete foram generalizados para todo o eleitorado. Da
mesma maneira aqueles que ficam controlando o resultado de um processo produtivo
qualquer não examinam todos os produtos, mas apenas uma amostra deles, ou o IBOPE,
que ouve alguns telespectadores.
Observe como isso é comum e como todos têm confiança que o resultado desse ar-
gumento (a conclusão) é muito provavelmente verdadeiro, quando as premissas são ver-
dadeiras. É claro que se a amostra que você examinou é muito pequena, em relação ao
universo considerado, ou a amostra não é representativa do universo, o argumento por
enumeração fica mais fraco, isto é, a probabilidade de a conclusão ser verdadeira diminui.
Procure informação adicional sobre isso. As tabelas que estabelecem a normalidade
de resultados de exames ou as faixas de variação possível dos valores de um exame são,
em geral, montadas a partir de amostras, aquela amostra que foi utilizada pelos pesqui-
sadores para estabelecer os exames ou a validade dos resultados de testes. Pergunte-se
porque sua taxa de glicose, seu colesterol, seu hormônio tal ou qual deve apresentar valor
entre x e y para ser normal.
O raciocínio ou o argumento por eliminação explicita todas as hipóteses e busca es-
tabelecer as relações entre o condicionante e o fenômeno, portanto, relações de causas.
Segundo Cruz e Moura (2004, p. 20), para decidir qual delas estabelece relação causal,
adotam-se dois princípios básicos de eliminação:
1. Uma condição necessária de um fenômeno não pode estar ausente quando o fenô-
meno está presente;
2. Uma condição suficiente de um fenômeno não pode estar presente quando o fenô-
meno está ausente.
Lembre-se: esses argumentos são chamados indutivos, a conclusão deles é provavel-
mente verdadeira. Por isso mesmo, muitas vezes eles são chamados de ampliativos, uma
vez que a conclusão diz mais do que está informado nas premissas. Isso nos conduz a
alguns problemas que iremos discutir em tempo apropriado.
Por fim, o argumento indutivo por analogia, também conhecido como raciocínio por
semelhanças, é uma forma de argumento que deixa bem claro que o que é semelhante

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tem propriedades semelhantes. Vejamos um exemplo:

Pesquisadores médicos canadenses realizaram experimentos com ratos


para determinar os efeitos da sacarina sobre os seres humanos. Apuraram
que uma percentagem significativamente maior de ratos que tinham rece-
bido elevadas doses de sacarina contraíram câncer de bexiga, em compa-
ração com os ratos que não tinham recebido sacarina. Por analogia, alguns
especialistas concluíram que, como ratos e seres humanos são fisiologica-
mente semelhantes em vários aspectos, a sacarina cria uma ameaça de cân-
cer de bexiga para as pessoas que a usam como adoçante artificial. É por
isso que todos os refrigerantes trazem no rótulo uma advertência (SALMON,
2010, p. 54).

Tente ver a estrutura desse argumento assim:


p1: Objetos do tipo A têm as propriedades C, D, E etc.
p2: Objetos do tipo B têm as propriedades C, D, etc.
c: Objetos do tipo B têm a propriedade E.
A força de um argumento desse tipo varia com a quantidade e a relevância das se-
melhanças observadas. Se você compara propriedades e mais propriedades relevantes,
seu argumento por analogia fica melhor, mais forte, ou seja, a probabilidade indutiva da
conclusão ser verdadeira quando as premissas são verdadeiras, aumenta. Um erro muito
comum na argumentação por analogia é não levar em consideração as dessemelhanças
entre o que é observado.
Observe que, mais recentemente, a analogia tem sido analisada separadamente da in-
dução e assumido uma posição de forma de raciocínio ao lado da dedução e da indução
por algumas características específicas, dentre elas, a de se tratar de uma indução parcial
ou imperfeita. A analogia parte de enunciados particulares (fatos particulares) e chega a
um outro enunciado particular e não necessariamente a uma conclusão universal. Essa
forma de raciocinar tem sido muito bem aceita e bastante discutida na área médica.

12.1.3 Abdução
A abdução aqui não tem nada a ver com a imaginação ou declarações sobre levar hu-
manos em naves extraterrestres para os anéis de saturno. No raciocínio abdutivo, o que
está em discussão não é aquela relação entre premissas e conclusões verdadeiras dos
argumentos dedutivos e indutivos, mas antes uma relação de causalidade.
Vejamos como Pierce, CP 5.189 (2017, p. 3794), apresenta uma estrutura correspondente
a uma abdução:

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Comunicação e Formação
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Premissa A (p1): O fato novo C é observado


Premissa B (p2): Se A fosse verdadeiro, C poderia ocorrer.
Conclusão (c): Portanto, há razão para suspeitar que A é verdadeiro.
Ou seja, tem-se observado C, o fato, e A podendo explicar C. É provável que A seja
verdadeiro. A hipótese A, ao ser verdadeira, explica C. Nenhuma outra hipótese pode ex-
plicar tão bem C como A. Logo, A é provavelmente verdadeira. A abdução destaca a pro-
babilidade da conclusão e não necessariamente a sua verdade. A é uma resposta possível
e a melhor resposta possível para C.
O estudo sobre os argumentos abdutivos são muito mais recentes do que os estudos
sobre dedução e indução, por isso, são menos conhecidos e considerados na literatura.

EXERCÍCIO
1. Qual a distinção fundamental entre dedução, indução e abdução?
2. Quais os principais tipos de indução?
3. Qual a diferença entre verdade e validade?
4. Elabore pelo menos dois exemplos de argumentos dedutivo, indutivo
e abdutivo.

SUGESTÃO DE LEITURAS
BACON, Francis. Novum organum. Oxford: Clarendon press, 1878.
CRUZ, Ângela Paiva; MOURA, José Eduardo. A lógica na construção dos
argumentos. São Carlos, São Paulo: SBMAC, 2004.
DA COSTA, Newton Carneiro Affonso. O conhecimento científico. São
Paulo: Discurso Editorial, 1997.
DESCARTES, René. Discurso sobre o método. São Paulo: Hemus, 1968.
DOUVEN, Igor, Abduction. The Stanford Encyclopedia of Philosophy
(Summer 2017 Edition). Edward N. Zalta (ed.), Disponível em: <https://
plato.stanford.edu/archives/sum2017/entries/abduction/>. Acesso em:
18 jul. 2017
JENICEK, Milos; HITCHCOK, David. Evidence-based practice: Logic and
critical thinking in medicine. EUA: AMA Press, 2005.
NAGEL, Ernest. Ciência: natureza e objetivo. In: MORGENBESSER, Sidney.
(org.) Filosofia da Ciência. São Paulo: Cultrix, 1971.
PEIRCE, Charles Sanders. [CP]. Collected Papers of Charles Sanders

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Peirce. Vols I-VI ed. Charles Hartshorne; Paul Weiss (Cambridge, MA:
Harvard University Press, 1931-1935), Vols. VII-VIII ed. Arthur W Burks,
(Cambridge, MA: Harvard University Press), 1958. Disponível em: <https://
colorysemioltica.files.wordpress.com>. Acesso em: 18 jul. 2017.
POPPER, Karl Raimund. O conhecimento e o problema corpo-mente. Lis-
boa: Edições 70, 2002.
REA-NETO, Álvaro. A aplicação do método científico no processo de so-
lução dos problemas clínicos. 155f. Dissertação (Mestrado de Medicina
Interna) – Setor de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Paraná.
Curitiba, 1994.
REBOUL, Olivier. Introdução à retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
RUBINELLI, Sara; SCHULTZ, Peter., “Let me tell you why!”. When argu-
mentation in doctor-patient interaction makes a difference. Argumen-
tation. n. 20. pp. 353-375, 2006.
SALMON, Wesley. C. Lógica. Rio: Zahar, 1973.
SUDATTI, Ariani Bueno. Raciocínio jurídico e nova retórica. São Paulo:
Quartie Latin, 2003.
TEIXEIRA, João de Fernandes. Mente, cérebro e cognição. Petrópolis:
Vozes, 2000.
TOULMIN, Stephen. Os usos do argumento. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
WEDBERG, Anders. A History of Philosophy. Oxford: Clarendon
Press,1982.

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

13 MÉTODO CLÍNICO
O método clínico diz respeito ao modo de elaboração do raciocínio e tomada de de-
cisão clínica. Ao fazer um breve levantamento sobre o assunto, nos deparamos com uma
literatura bastante vasta e que obedece a diferentes paradigmas (HIGGS, 2000, p. 156): o
paradigma empírico-analítico (que dá ênfase às relações de causa-efeito), o paradigma
interpretativo (de base hermenêutica, que valoriza o significado e o sentido das coisas) e
o paradigma crítico (de natureza emancipatória, capaz de transformar estruturas e rela-
ções).
Segundo Rea-Neto (1998), um dos elementos fundamentais do raciocínio clínico é o
método hipotético-dedutivo definido pelo paradigma empírico-analítico. Mas o que é o
método hipotético-dedutivo?

13.1 MÉTODO HIPOTÉTICO-DEDUTIVO


O método científico, desde Aristóteles até a Revolução científica dos séculos XVI-XVII
se confunde com a dedução. Com Bacon, na esteira da Revolução Científica, começa-se
a pensar a ciência como construída por indução. Na verdade, se o método da ciência for
pensado como “[os] princípios de avaliação da evidência; os [...] cânones para julgar da
adequação das explicações propostas; e os [...] critérios para selecionar uma dentre várias
hipóteses” (NAGEL, p. 19) é muito mais do que simplesmente dedução ou indução.
Galileu, naquela revolução científica dos anos 1700, fala de “sensatas experiências” e
“necessárias demonstrações”. O que isso quer dizer? Ora, “as sensatas experiências” é uma
referência explícita ao método indutivo de investigação e estabelecimento das explica-
ções científicas a partir de experimentações. A questão é entender como o uso da indu-
ção pode garantir que o que aconteceu no passado aconteça, também, no futuro.
Karl Popper (1972) argumentou convincentemente contra a crença de que possam ha-
ver observações e descrições objetivas de “fatos”, isentos de qualquer pressuposição es-
peculativa. Para ele,
a) estamos sempre movidos e orientados por expectativas,
b) quadros de referência,
c) “teorias” sem as quais a mera observação de “fatos” seria mesmo impossível.
No Lógica da Investigação Científica, Capítulo Primeiro, Popper apresenta criticamente,
antes de começar a expor detalhes técnicos de sua teoria da ciência, um panorama de
alguns problemas fundamentais: o problema da indução, a eliminação do psicologismo,
a contrastação dedutiva de teorias, o problema da demarcação, a experiência como mé-

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todo, a falseabilidade como critério de demarcação, o problema da “base empírica”, a
objetividade científica e convicção subjetiva. Ele afirma que

Segundo uma concepção amplamente aceita – à qual nos oporemos neste


livro –, podem-se caracterizar as ciências empíricas pelo fato de que elas
usam os ‘métodos indutivos’, como são chamados. Segundo esta concep-
ção, a lógica da investigação científica seria idêntica à lógica indutiva, isto é,
à análise lógica desses métodos indutivos (POPPER, 1975, 263).

E começa a mostrar como não há justificação racional para a passagem de enuncia-


dos singulares para enunciados universais. Esse é o “problema da indução”: a questão
sobre como estabelecer a verdade dos enunciados universais baseados na experiência,
ou como justificar, racionalmente, que o futuro se comportará como o passado.
É interessantíssima a discussão sobre o caráter dedutivo da contrastação das teorias.
Para Popper, uma vez apresentada a título provisório uma nova ideia, ainda não justifica-
da – seja uma antecipação, uma nova hipótese, um sistema teórico ou o que se queira –,
se extraem consequências por meio de dedução; estas consequências é que serão testa-
das, verificadas, contrastadas com os fatos, para ver se “funcionam”.
São quatro, no final, os procedimentos de contrastação:
1. comparação lógica das conclusões, para teste da coerência interna do sistema;
2. estudo da forma lógica da teoria, para determinar se é empírica – científica – ou
tautológica;
3. comparação com outras teorias para descobrir se haverá progresso científico, se ela
sobrevive às contrastações e, finalmente,
4. contrastação de suas consequências empíricas.
Este quarto procedimento é o fundamental. O que leva a nova teoria a ser rejeitada,
porque suas consequências são falsificadas, ou a permanecer no corpo da ciência até
nova exposição a testes, se é corroborada pela experiência.
Aos críticos que afirmam que a rejeição da indução destrói as barreiras que separam a
ciência da metafísica, diz Popper (1975, p. 269):

Minha resposta a esta objeção é que minha principal razão para rejeitar a
lógica indutiva é precisamente que ela não proporciona um traço discrimina-
dor apropriado do caráter empírico, não metafísico, de um sistema teórico;
ou, em outras palavras, que ela não proporciona um “critério de demarcação”
apropriado.

Depois disso, Popper faz uma apresentação rápida e uma crítica das formas positivistas

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

de ver a ciência. Os positivistas antigos só aceitavam como conceitos científicos aqueles


que derivavam da experiência, isto é, aqueles conceitos redutíveis a elementos da ex-
periência sensorial (sensações, impressões, percepções, lembranças visuais ou auditivas).
Já os positivistas modernos veem a ciência como sistema de enunciados e não de con-
ceitos. Assim, os enunciados científicos são aqueles redutíveis a enunciados elementares
de experiência –“juízos de percepção”, “proposições atômicas”, “cláusulas protocolares”
foram alguns dos nomes que usaram. (Popper escolheu “enunciados básicos” para fugir
dos significados vigentes). É esse critério de demarcação que se confunde com a “lógica
indutiva”. O problema fundamental é a justificação lógica dos enunciados universais. Veja
Popper (1975, 271) citando Schlick:

O problema da indução consiste em perguntar pela justificação lógica dos


enunciados universais acerca da realidade [...]. Reconhecemos, com Hume,
que não existe tal justificação lógica: não pode existir nenhuma, pelo sim-
plesmente porque eles não são enunciados genuínos.

Como ficamos, então? Para Popper, a solução é redefinir a perspectiva metodológica


da ciência e pensá-la a partir da falsificação de hipóteses e teorias propostas e não a partir
de sua confirmação. Assim, o esforço do cientista muda de direção: em vez de procurar
instâncias que mostrem que sua hipótese ou teoria é verdadeira – o que exigiria o uso
da indução para confirmá-la – o cientista busca a falsificação para as consequências ob-
serváveis de sua hipótese ou teoria. Assim, como podemos analisar no esquema a seguir,
constatamos que a hipótese ou teoria sob teste é rejeitada dedutivamente.
p1: Se a hipótese H é verdadeira então as consequências observáveis O são ver-
dadeiras.
p2: As consequências observáveis O não ocorrem (não são verdadeiras).
c: Portanto, a hipótese H não é verdadeira.
Esse esquema tem a forma da dedução “negação do consequente”, conhecida como
Modus tollendo tollens. Assim, Popper lança as bases para o que se chama método hipo-
tético-dedutivo. Apresentado o problema, o investigador lança uma hipótese para ex-
plicá-lo. Isso é o que caracteriza o contexto de descoberta nas discussões sobre filosofia
da ciência. Não há parâmetros lógicos para controlar tal processo. Depois, deduz-se da
hipótese consequências observáveis e possíveis de serem testadas com potencial para re-
futá-la. Se o resultado dos testes mostrar que os enunciados que descrevem as consequ-
ências observáveis da hipótese são falsos, a hipótese é refutada, portanto, eliminada. Se
o resultado dos testes não refutar a hipótese, ela é suportada ou corroborada. Lembre-se
que uma hipótese é uma declaração afirmativa que pode ser verdadeira ou falsa. O méto-
do hipotético-dedutivo é um procedimento de testagem da hipótese.

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Vejamos o esquema:

Problema

Hipótese

Testagem de hipótese

Testagem de hipótese Não rejeição da hipótese

Elaboração de Nova teoria ou


uma nova resposta
hipótese provisória

Essa visão da ciência tem sido muito criticada e foi suplantada por outras formulações
que privilegiam a função crítica da comunidade científica e a persistência de teorias e
modos de investigação como fontes de novos conhecimentos sob a ciência paradigmáti-
ca. Contudo, na medicina contemporânea, o método hipotético-dedutivo é reconhecido
como um dos processos cognitivos fundamentais para a elaboração do raciocínio clínico.
Por isso, vale a pena estudá-lo.

13.2 RACIOCÍNIO CLÍNICO


A construção do raciocínio clínico faz parte do dia a dia de todo médico. Ele funciona
como um quebra-cabeça que, quando montado, fornece respostas e soluções para os
problemas apresentados pelos pacientes durante a consulta.
Mas de que depende a construção de um raciocínio clínico correto e coerente? É
dependente apenas do médico? Ou o paciente tem sua parcela de importância nesse
contexto? Para elaboração de hipóteses diagnósticas e consequentes fins terapêuticos,
fatores como conhecimento técnico do profissional, exame clínico qualificado e devida
colaboração do paciente são determinantes, especialmente, quando o raciocínio se ins-

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

creve nos paradigmas hermenêutico e crítico.


O conhecimento teórico e prático adquirido pelo médico durante sua formação im-
plica diretamente na postura e nas decisões tomadas pelo profissional. Apesar de existir
roteiros de anamnese e exame físico para todas as especialidades médicas, cada paciente
é único e exige atenção especial e própria. Cabe ao médico preparar-se adequadamente
para poder ajudar o paciente a resolver seus problemas de saúde.
Outro ponto importante dentro do raciocínio clínico é a elaboração de anamnese e
exame físico direcionados e bem realizados. A escolha de perguntas feitas ao paciente
tem que ser bem pensada e exige perspicácia por parte do profissional. Caso o médico
não selecione corretamente o sintoma-guia, a entrevista não seguirá o roteiro previsto e
hipóteses diagnósticas contrárias ao diagnóstico definitivo poderão ser aventadas. Logo,
o direcionamento do exame clínico determina a tomada de decisões terapêuticas.
Você, a essa altura, já está se perguntando: Mas como construo um raciocínio clínico?
Como se dá o processo de decisão diagnóstica e terapêutica?
Você está diante de um paciente com febre, cefaleia, artralgias, mialgias e exantema
máculo papular. Como na cidade em que você está atendendo, está tendo um surto de
dengue, chikungunya e zika, você considera precipitadamente que esse paciente pode
ter uma dessas arboviroses. Lembre-se que o processo indutivo não garante a verdade.
Ele pode ter, como não ter, a doença. Com base no seu conhecimento teórico e prático
e levando em conta as heurísticas estabelecidas, você considera de imediato essas três
hipóteses:
a) Se ele tem dengue, a contagem de plaquetas poderia estar baixa;
b) Se ele tem chikungunya, é provável que ele tenha edema articular;
c) Se ele tem zika, ele poderá ter edema articular e hiperemia conjuntival.
Em seguida, você inicia sua anamnese buscando testar suas hipóteses. Afinal, ele pode
não ter nenhuma dessas três doenças, mas uma outra doença exantemática. Você reali-
za a anamnese completa (identificação, queixa principal, HDA, antecedentes, hábitos de
vida e condições socioeconômicas e culturais) explorando cada sintoma relatado com o
intuito de eliminar (falsificar) suas hipóteses.
Ao final da anamnese e do exame físico, você pode concluir que todas as suas hipó-
teses não se sustentam. Então, precisará formular outras hipóteses e submetê-las a nova
testagem para que possa fechar um diagnóstico. Ou você pode eliminar duas das suas
hipóteses, no caso, a de zika e chikungunya e não conseguir eliminar a de dengue. En-
quanto você não conseguir derrogar a hipótese de dengue, o diagnóstico de dengue é a
resposta mais provável.

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EXERCÍCIOS
1. Leia o capítulo intitulado Investigação Científica: Invenção e Verifica-
ção do livro do Hempel (Filosofia da Ciência Natural), sobre a história
da descoberta da causa da Febre Puerperal por Iguaz Semmelweis
no Hospital Geral de Viena no período 1844-1848, conforme relato de
J. W. Sinclair. Procure entender as etapas fundamentais para verifi-
car uma hipótese e qual o papel da indução na investigação científica.
Agora, responda a seguinte questão: Quais são os componentes do
processo de solução dos problemas clínicos?
2. Defina o que é falsificação de uma hipótese e faça uma correlação
disso com a clínica, de modo a explorar o raciocínio clínico.
3. Realize uma breve investigação sobre as principais características
dos paradigmas: empírico-analítico, interpretativo e crítico.

SUGESTÃO DE LEITURAS
HEMPEL, Carl Gustav. Filosofia da Ciência Natural. Rio de Janeiro: Zahar,
[1966], 1970.
HIGGS, Joy; JONES, M. A.; LOFTUS, Stephen; CHISTENSEN, Nicole. Clini-
cal reasoning in health professions. 3. ed. EUA: Elsevier, 2000.
POPPER, Karl Raimund. A Lógica da investigação científica. Trad. de
Pablo Rubén Mariconda. In.: CIVITA, Victor (ed.) Coleção os Pensadores:
Coletânea de Textos. v. XLIV. São Paulo: Editora Abril, 1975.
NAGEL, Ernest. Ciência: natureza e objetivo. In: MORGENBESSER, Sidney.
(org.) Filosofia da Ciência. São Paulo: Cultrix, 1971.
REA-NETO, Álvaro. Raciocínio clínico: o processo de decisão diagnóstica e
terapêutica. Revista da Associação Médica Brasileira, São Paulo, v. 44, n.
4, p. 301-311, Dec. 1998. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?s-
cript=sci_arttext&pid=S0104-42301998000400009&lng=en&nrm=iso>.
Acesso: 02 Feb. 2017.

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

14 COMUNICAÇÃO ENTRE O
MÉDICO-COM-SEUS-PARES
A comunicação do médico-com-seus-pares pode ser definida como a comunicação
verbal ou escrita entre profissionais de saúde. A comunicação normalmente envolve troca
de pontos de vista sobre o caso. Quem nunca ficou empolgado com as fervorosas discus-
sões entre a equipe de saúde do seriado Dr. House? Vários elementos estão envolvidos:
riscos, diagnósticos, tratamentos e prognósticos.
A comunicação na equipe deve ser a mais objetiva e clara possível. Deve-se valer de
evidências científicas. Uma provável discussão deve mencionar estudos que incluam re-
visões sistemáticas, metanálises, ensaios clínicos randomizados, estudos coorte e/ou ca-
so-controle.
Um outro cuidado que você deve ter é o de respeitar o colega mesmo numa situa-
ção de uma discussão calorosa. Você não deve assumir o modelo de médico arrogante
e insensível de Dr. House. É preciso estar aberto ao debate, ao confronto. Lembre-se que
a ciência só avança se houver o embate de ideias. Uma postura dogmática implica em
prejuízo científico. Além disso, se sua hipótese diagnóstica resistir ao debate, significa que
ela é a resposta mais plausível para o problema.

VEJAMOS O CASO CLÍNICO N.º 14:


Em um plantão, você atende uma BDV de 29 anos de idade, prove-
niente da zona rural, queixando-se de uma “dor de barriga” forte. Ela
relata que a dor começou mais ou menos há uma semana, seguida de
enjoos e vontade de vomitar, depois de ter comido um picado em uma
feira perto da sua casa. Ela informa que mora em uma casa de alvena-
ria de dois cômodos, com água encanada e energia elétrica. Você a exa-
mina e solicita alguns exames complementares. Contudo, o laboratório
do hospital não estava realizando exames por falta d’água. Você receita
uma hidratação com um analgésico para aliviar a dor. Após o término
da hidratação, a paciente é liberada devido à melhora do quadro clí-
nico e é orientada a fazer os exames solicitados e mostrar ao médico
da sua comunidade. Após 6 horas, a paciente retorna com os mesmos
sintomas associados a diarreia, vômitos e febre. Depois de um cuidado-
so exame físico, você constata que a paciente se encontra desidrata-
da, com a mucosa oral bem seca e sinais de dor evidente. Preocupado,
você discute o caso com um colega de trabalho que também está de
plantão. Juntos, vocês levantam a hipótese de gastroenterite aguda.

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Os exames solicitados foram finalmente realizados e estavam dentro
da normalidade. Você e seu colega passam a discutir outras hipóteses
como a parasitose intestinal, intoxicação alimentar, doença inflamatória
intestinal e, por fim, apendicite.

Considerando o que falamos anteriormente, um provável diálogo entre o médico n.º1


(Dr. Fernando) e seu colega de trabalho, o médico n.º 2 (Dr. Jorge), poderia ser sistemati-
zado da seguinte forma:
Dr. Fernando:
– Acredito, Jorge que pode haver a possibilidade de a paciente apresentar síndrome
do intestino irritável: mulher, jovem, apresenta características epidemiológicas da
doença.

Dr. Jorge:
– É uma hipótese, sim, Fernando. Mas lembre-se que para se pensar e fechar o diag-
nóstico dessa síndrome, é preciso excluir todas as causas orgânicas. A síndrome do
intestino irritável é diagnóstico de exclusão. Ao meu ver, intoxicação alimentar é
uma melhor hipótese diagnóstica para o caso, já que há uma relação entre a alimen-
tação da paciente (relata ingestão de picado) e os episódios de diarreia.

Dr. Fernando:
– Bem pensado, Jorge. Parasitose intestinal é outra causa muito comum que desen-
cadeia quadros semelhantes, principalmente para esse caso em específico, já que a
paciente relata não haver saneamento básico em seu bairro.

Dr. Jorge:
– Pode realmente haver uma associação com uma parasitose intestinal. Infelizmente,
nosso país ainda vive essa realidade, demonstrando o quão pouco eficiente é o seu
sistema sanitário. Grande parcela da população ainda vive em condições precárias e
expostas a doenças que poderiam ser evitadas através de um simples saneamento
básico.

Dr. Fernando:
– Triste realidade, Jorge. Vamos investigar melhor as causas da diarreia para decidir-
mos diagnóstico e a conduta mais adequada.

Como você pode perceber, no diálogo acima entre os dois médicos, o Dr. Fernando

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do Pensamento Clínico I

solicitou a opinião do seu colega Dr. Jorge, que discordou de sua opinião, justificando os
motivos que o fizeram pensar em outras hipóteses diagnósticas. No entanto, Dr. Jorge fez
suas considerações de forma cuidadosa e elegante. Não descartou totalmente a hipótese
do colega, supondo haver uma associação de patologias corroborando a ocorrência das
queixas apresentadas pela paciente, pautando sua argumentação em dados clínicos e
epidemiológicos, relevantes ao caso. A postura do profissional foi ética e respeitosa com seu
colega que, não se sentindo agredido ou desrespeitado, prontamente, acatou a opinião do
facultativo, acrescentando algumas hipóteses à sua estratégia heurística rumo à descoberta
do diagnóstico de sua paciente, para, enfim, eleger a melhor opção terapêutica.

EXERCÍCIOS
a) Leia o caso clínico abaixo. Em seguida, responda as questões:
JPSS, sexo masculino, 2 anos, natural de Gov. Dix-Sept-Rosado-RN e
procedente de Mossoró/RN. Foi admitido na enfermaria pediátrica do
Hospital Giselda Trigueiro, em 13 de janeiro de 2012, com história de
febre contínua de moderada intensidade que se iniciara há 05 dias,
acompanhada de tosse produtiva e rinorreia purulenta. Nas últimas
24 horas, apresentou episódio convulsivo generalizado tônico-clônico.
Foi diagnosticado com pneumonia e iniciada antibioticoterapia. Ha-
via relato outras duas internações prévias por pneumonias, sendo a
última há menos de 06 meses com alta hospitalar há 03 meses. A
despeito do uso do Imipenem, mantinha-se com bastante secreção
no 7º dia de internação, apresentando, inclusive cianose central com
queda da saturação e necessidade de uso de suporte de oxigênio,
devido o desconforto respiratório. No 8º dia de internação, necessitou
realizar entubação oro-traqueal e foi instalada ventilação mecânica,
sendo, então transferido para a Unidade de Terapia Intensiva. Evoluiu
com piora do quadro, progredindo para choque séptico seguido de
insuficiência renal aguda, sendo, então, submetido a hemodiálise. Foi
iniciada Linezolida com melhora clínica e radiológica importante 48
horas após. Os exames de cultura do sangue (hemoculturas) e cul-
tura de ponta de cateter foram positivos para Enterococcus faecium
resistente à vancomicina. O menor permaneceu entubado sob ven-
tilação mecânica por aproximadamente 15 dias, além de ter perma-
necido com cateter intravascular central por dificuldade de acesso
periférico. Evoluiu com negativação da cultura de corrente sanguínea
após sete dias do início do tratamento. Recebeu alta hospitalar após
45 dias da internação.

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1) Estruture um diálogo entre dois médicos com objetivo de discu-
tir as hipóteses diagnósticas.
2) Apresente um diálogo sobre esse caso entre o médico e a equi-
pe de saúde, considerando enfermeiros, assistente social, psi-
cólogos e outros profissionais de saúde.
b) Em grupo, selecione um episódio do filme do seriado Dr. House e
apresente pelo menos 3 elementos ou posturas que interferem e
distorcem o processo de comunicação médico com seus pares.

SUGESTÃO DE LEITURAS
OLIVEIRA, Ana Maria de; LEMES, André Moreira; MACHADO, Carolina
Rocha, et al. Relação entre enfermeiros e médicos em hospital escola: a
perspectiva dos médicos. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil,
v. 10, n. supl. 2, p. s433-s439, 2010.
PEDUZZI, Marina. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipolo-
gia. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 35, n. 1, fev. 2001. Disponível
em <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034
89102001000100016&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 20 jul. 2017.
TEIXEIRA, José A. Carvalho. Comunicação em saúde: relação técnicos
de saúde–utentes. Análise Psicológica, p. 615-620, 2004.

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Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

15 PRÁTICA: SIMULAÇÃO

CASO CLÍNICO N.º 15


Em um plantão, você atende uma mulher de 29 anos de idade, pro-
veniente da zona rural, queixando-se de dores musculares, vômitos e
cólicas abdominais. Ela relata que já havia procurado atendimento mé-
dico porque há três meses vem sentindo mal-estar e dores nas costas.
Você a examina e receita acetaminofen. Contudo, nas 12 horas seguin-
tes, seus sinais clínicos evoluem para dor persistente no punho direito,
tremores musculares no braço direito, febre de 39,4ºC, dificuldade de
deambulação, agitação e desorientação parcial. Depois de um cuida-
doso exame físico, você constata anisocoria, aumento do tônus no an-
tebraço direito e hiperestesia em todo o hemicorpo direito. Você não
observa nenhum sinal de mordida de animais ou arranhaduras. Preo-
cupado, você discute o caso com um colega de trabalho que também
está de plantão. Juntos, vocês levantam a hipótese de intoxicação por
agentes anticolinérgicos como pesticidas. No entanto, os estudos toxico-
lógicos foram negativos.
A paciente continua piorando, apresenta hipersalivação e amplas flu-
tuações da temperatura corporal e da pressão arterial. Vocês decidem
pela entubação e administração de um forte sedativo. Você solicita exa-
mes laboratoriais. Eles revelam uma contagem de leucócitos de 20.800/
mm3, mioglobinúria e acidose metabólica compensada com ânion gap
e insuficiência renal. A paciente apresenta picos de CPK de 130.900 U/L,
indicando rabdomiólise. A análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) re-
vela 57céls/mm3, níveis de proteína de 128 mg/dL e níveis de glicose de
46 mg/dL, glicemia de 136 mg/dL. A tomografia computadorizada de
crânio não mostra nenhuma alteração.
Seu colega sugere um diagnóstico para Síndrome de Rasmussen.
Você discorda e considera, pela primeira vez, o diagnóstico de raiva. De-
cide encaminhar amostras de saliva e pele ao CDC para a realização de
testes. Os testes validam a sua hipótese de raiva. Após a remoção dos
sedativos, a paciente mostra perda dos movimentos voluntários e dos
reflexos de tronco cerebral, vindo a óbito 48 horas depois.

Orientação para o simulando:


Você faz parte da equipe de plantão de um serviço de urgência e se encontra discutin-
do com um colega, as hipóteses diagnósticas prováveis para o caso de um paciente. Você
e seu colega tem hipóteses diagnósticas diferentes.

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Objetivos da simulação:
Simular uma discussão do caso clínico entre dois médicos.

Pontos para debriefing:


1. Opiniões diferentes sobre um mesmo caso enriquecem as hipóteses diagnósticas e
são sempre bem-vindas, principalmente, quando o diagnóstico não está definido;
2. É importante manter o respeito à opinião divergente da sua, procurando ouvir os ar-
gumentos do outro, que muitas vezes não são antagônicos ao seu e ambos podem
estar corretos;
3. Mesmo quando estiver correto frente a uma opinião diferente da sua, procurar man-
ter o respeito e ética profissional mediante seus pares e pacientes.

CASO CLÍNICO N.º 16


RBD, 5 anos, feminino, negra, brasileira, natural de Santa Cruz, RN.
Tem como queixa principal “dores em pernas, braços e barriga”. A Mãe
relata que a paciente é portadora de anemia falciforme e apresentou
há cerca de 10 dias dor intensa em mesogástrio, coxas, antebraços e
dedos das mãos, sendo-lhe administradas 12 gotas de dipirona, sem
qualquer melhora dos sintomas. Como observou sinais de agravamento
da dor, durante os dois dias que se seguiram, ela procurou o serviço de
Emergência Pediátrica onde, há oito dias, a pré-escolar foi internada.
Nega outras queixas. A anemia falciforme foi diagnosticada aos 10 me-
ses de vida, na ocasião de sua primeira internação por crise dolorosa.
A mãe refere incontáveis internações desde então, sendo que três de-
las por pneumonia, artrite em cotovelo esquerdo e gastroenterite aguda.
Nega cirurgias ou transfusões e relata alergia a penicilina. Teve varicela há
cerca de 1 ano e nega outras doenças comuns da infância. Quanto à his-
tória familiar, durante a primeira internação da criança, a mãe e o irmão
da paciente foram submetidos a exames de eletroforese de hemoglobi-
na, cujos resultados foram: mãe portadora de estigma falcêmico e irmão
com anemia falciforme. A tia paterna da criança também apresentava
anemia falciforme. Da família materna, uma tia possui trombose, um tio
faleceu vítima de malária e a avó tem hipertensão arterial. A criança foi,
mais uma vez, internada e encontra-se sem condições de alimentar-se
pela via oral. Você solicitou passagem de sonda naso-enteral para iniciar
dieta enteral. A enfermeira responsável pelo setor, no momento em que
se preparava para passar a sonda, percebeu que a criança estava ali-
mentando-se bem pala via oral e resolveu não passar a sonda prescrita.
No dia seguinte, você a questionou por descumprir sua ordem.

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Comunicação e Formação
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Orientação para o simulando:


Você trabalha em um hospital pediátrico e indicou um procedimento em uma criança,
todavia, a enfermeira responsável pelo setor, ao realizá-lo, optou por não o fazer por não
considerar a melhor opção para o paciente no momento.

Objetivos da simulação:
Simular uma discussão do caso clínico numa sala de apoio matricial com uma equipe
multiprofissional.

Pontos para debriefing:


1. O estudante deve agir respeitosamente com os profissionais das outras áreas da saú-
de, ouvindo suas opiniões sem arrogância ou prepotência, buscando sempre um
bom relacionamento com a equipe, pois o respeito pelo ser humano é indispensá-
vel para o agir correto;
2. Mesmo diante de situações em que sua autoridade possa ser questionada, o estu-
dante deve sempre priorizar o benefício do paciente;
3. Todos os profissionais devem ter atitude compreensiva e tolerante para com os va-
lores e opiniões divergentes, respeitando-as e utilizando argumentos racionais para
defender seus pontos de vista;
4. Todos aqueles que têm interesse no caso devem dar suas opiniões, trazendo diferen-
tes interpretações do problema, as quais enriquecem e se complementam durante a
condução do caso. Médicos, enfermeiros, outros profissionais que estejam auxilian-
do no cuidado do doente, o próprio paciente ou um familiar/representante podem
expor seus argumentos e defendê-los.

CASO CLÍNICO N.º 17


JFD de 55 anos, masculino, natural e residente em Caicó-RN, pe-
dreiro, casado, 1º grau completo, foi admitido no Hospital com história de
perda da força muscular nos membros inferiores que se iniciou há 06
meses, com agravamento do quadro na última semana o que o levou ao
uso de cadeira de rodas para locomover-se. Relata, ainda, tosse produ-
tiva com expectoração purulenta e febre ocasional de baixa intensidade
(37,8ºC). Nega episódios pregressos. Etilista contumaz. Ingere cerca de 01
de aguardente por dia. Alimenta-se mal, com dieta pouco balanceada, à
base de carboidratos e pobre em proteínas. Apresenta, ao exame físico,
paraplegia flácida em ambos os membros inferiores, simétrica, com re-
flexos patelares e aquileus abolidos. Sensibilidade nos MMII diminuída. O
restante do exame neurológico é normal. Ausculta pulmonar normal. Foi

Universidade Potiguar/Laureate International Universities 117


solicitado exame de ressonância magnética nuclear da coluna dorsal e
lombar e exame liquórico, os quais foram normais. Radiografia de tórax
mostrou infiltrado pulmonar à direita e exame de escaro para BAAR foi
negativo. Hemogarama revelou anemia. Iniciado tratamento para neu-
rotuberculose com nenhuma melhora do quadro após 30 dias.

Orientação para o simulando:


Você trabalha em um hospital universitário e está acompanhando, há 15 dias, um pa-
ciente na enfermaria, cujo diagnóstico ainda não foi esclarecido. O residente do setor re-
solve apresentar o caso de seu paciente numa sessão de discussão de casos clínicos. Du-
rante a discussão, surgem várias opiniões divergentes da sua, inclusive, algumas críticas a
procedimentos adotados por você.

Objetivos da simulação:
Simular uma discussão do caso clínico com uma equipe médica.

Pontos para debriefing:


1. É salutar que participem da discussão todos aqueles que têm experiência no caso,
trazendo suas contribuições essenciais e diferentes interpretações do problema, as
quais enriquecem e se complementam durante a discussão;
2. Quanto mais certo estiver o diagnóstico, maior a probabilidade de se instituir a con-
duta adequada.

118 Universidade Potiguar/Laureate International Universities


Comunicação e Formação
do Pensamento Clínico I

REFERÊNCIAS
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ADAM, Philippe. Sociologia da doença e da medicina. Bauru, SP: EDUSC, 2001.

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______. Ingrisia: A medicina na língua do povo. Natal: Offset Gráfica e Editora, 2011.

BACON, Francis. Novum organum. Oxford: Clarendon press, 1878.

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with cancer. The Oncologist, Houston, n. 5, p. 302-311, 2000.

BARATA, Rita. Epidemiologia Clínica: nova ideologia médica?. Caderno de Saúde Pública, Rio de
Janeiro, v. 12, n. 4, p. 555-560, out./dez. 1996.

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BAZARIAN, Jacob. O problema da verdade. São Paulo: Símbolo, 1980.

BETANCOURT, Joseph; GREEN, Alexander, CARRILLO, Emilio. Cross-cultural and communication.


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BEVILACQUA, Fernando. Manual do exame Clínico 13. ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 2003.

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SOBRE OS AUTORES

FERNANDO ANTÔNIO BRANDÃO SUASSUNA


Graduado em medicina e especialista em Metodologia da Pesquisa na área de
Saúde (UFRN); mestre em Medicina Tropical (UFPE); especialista em Imunologia
Experimental (Université Laval, Quebec, Canadá); especialista em Alergia e Imu-
nologia pela ASBAI/AMB, e especialista em Infectologia pela SBI/AMB. Diretor do
Curso de Medicina (Portaria n. 117, de 16 de abril de 2009 – Reitoria) e docen-
te das disciplinas Doenças Infecciosas, Processos Biológicos I, Mecanismos de
Agressão e Defesa II e II. Professor aposentado da UFRN. Além do exercício no
magistério, possui experiência profissional como médico da DNA CENTER - Clí-
nicas e Laboratório, em um período de 10 anos e, também, como médico vincu-
lado ao Governo do Estado do Rio Grande do Norte, durante 30 anos.

KATIANE FERNANDES NÓBREGA


Licenciada em Ciências Sociais e Bacharel em Antropologia pela Universida-
de Federal do Rio Grande do Norte; mestre e doutora em Antropologia pela
Universidade Federal de Pernambuco. Professora das disciplinas Atenção In-
tegral à Saúde I, II e IV e Comunicação e Formação do Pensamento Clínico I,
do Curso de Medicina da Universidade Potiguar/Laureate International Uni-
versities. Coordena o Grupo de Pesquisa Educação em Saúde, cadastrado no
CNPq e reconhecido pela UnP desde julho de 2014. Desenvolve estudos nos
seguintes temas: metodologias ativas de ensino e aprendizagem, tecnologia
em educação, educação e promoção em saúde, imaginário e diversidade cul-
tural e religiosa.

PAULA ADRIANA BORBA RODRIGUES


Graduada em Medicina e com Residência médica em Psiquiatria pela Univer-
sidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Doutora em Neuropsiquia-
tria e Ciências do Comportamento pela Universidade de Pernambuco – UFPE.
Professora das disciplinas Comunicação e Formação do Pensamento Clínico I,
Atenção Integral à Saúde VII, Estágio em Saúde Mental do Curso de Medicina
da Universidade Potiguar/Laureate International Universities.

ARMANDO OTÁVIO VILAR DE ARAÚJO


Médico especialista em Neurologia (RQE/1228) e Medicina Legal (RQE/172).
Professor das disciplinas “Neurologia” e “Introdução à Bioética e Ética Médica”,
no Curso de Medicina da Universidade Potiguar UnP em Natal/RN. Ex-Juiz de
Direito, Advogado, Jornalista, com Bacharelado em Comunicação Social, Con-
selheiro Corregedor Adjunto do Conselho Regional de Medicina do Estado do
Rio Grande do Norte (Cremern), Membro das Comissões de Direito Médico e
Revisão do Código de Ética Médica do Conselho Federal de Medicina (CFM).

FRANCISCO ALVES BEZERRA NETO


Formado em Medicina (UFRN). Possui residência em reumatologia (UFPR) e
mestrado em Medicina Interna (UFPR). Professor das disciplinas Comunicação
e Formação do Pensamento Clínico I, Comunicação na Integralidade e Racio-
cínio Clínico I do Curso de Medicina da Universidade Potiguar/Laureate Inter-
national Universities.
TÁSIA DE ALBUQUERQUE FALCÃO FEITOSA
Graduada em Medicina com Residência Médica em Infectologia, especialista
em Medicina do Trabalho e Mestre em Ensino na Área da Saúde (UFRN). Tu-
tora de práticas nas disciplinas de Comunicação e Formação do Pensamento
Clínico I, III e IV do Curso de Medicina, na Universidade Potiguar – UNP/Laure-
ate International Universities. Atua como plantonista do pronto-socorro e da
enfermaria da Tisiologia do Hospital Giselda Trigueiro, da Secretaria de saúde
do Rio Grande do Norte.

NANCY CRISTINA BAUMGARTNER FERNANDES DE BARROS


Graduada em medicina com residência em Medicina de Família e Comunidade
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Atualmente é professora
da Universidade Potiguar, lecionando na disciplina Atenção Integral à Saúde, e
na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, lecionando na disciplina In-
ternato em Medicina de Família. Também é preceptora do programa de resi-
dência médica em medicina de família, do Hospital Universitário Onofre Lopes.

GIOVANNA DANTAS FULCO


Formada em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN) com Residência Médica em Oftalmologia na mesma Universidade. Es-
pecialista em Medicina do Trabalho pelo Centro Universitário da São Camilo.
Atualmente, atua em áreas da medicina ligadas a Oftalmologia, Medicina do
Trabalho e Hemoterapia (recuperação intraoperatória). Trabalha pela Pre-
feitura de Parnamirim como médica oftalmologista concursada e na Comis-
são da Junta Médica do Estado admissional como médica do trabalho, além
de ser professora universitária da UNP, onde responde pelas disciplinas de
Semiologia médica, Oftalmologia e Saúde do Trabalhador. Atua como Perita
Médica Judicial desde 2009. Mestranda do Programa de Pós-Graduação da
Universidade Potiguar.

DIEGO HENRIQUE BRILHANTE DE MEDEIROS


Estudante do 12° período do curso de medicina da UnP, voluntário de Pesquisa
do Grupo de Pesquisa Educação em Saúde. Integrante da Liga Acadêmica
Multidisciplinar de Saúde de Família e Comunidade – LAMSFAC e da Liga Aca-
dêmica de Patologia Médica.

WERANNA MORENA VALE CASTRO


Graduada em Direito pela Universidade Potiguar, com pós-graduação em Di-
reito Administrativo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Estu-
dante do 12° período do curso de medicina da UnP, voluntária de Pesquisa do
Grupo de Pesquisa Educação em Saúde e monitora da disciplina Comunica-
ção e Formação do Pensamento Clínico I (UnP).

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