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A Filha de Spock - Fanfic
A Filha de Spock - Fanfic
(fanfic)
Por
LEOPOLDO PONTES
eDNA DA OBRA:
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À Fafí
À Ethel
À Silvana
E a todos os trekers dos planetas da Federação.
Sumário
O noivado.....................................................................................................................................7
A conversa com o capitão............................................................................................................9
As madrinhas de Christine..........................................................................................................10
Um papo pré-nupcial..................................................................................................................13
O casamento..............................................................................................................................16
A lua-de-mel...............................................................................................................................18
De volta à Enterprise..................................................................................................................19
A licença.....................................................................................................................................20
A infância de F’tma.....................................................................................................................22
A adolescência de F’tma.............................................................................................................24
A consulta com Leema...............................................................................................................26
A sessão empática......................................................................................................................28
A decisão de F’tma.....................................................................................................................30
De volta a Vulcano.....................................................................................................................33
Na Terra.....................................................................................................................................35
Nota final....................................................................................................................................35
Sobre O Autor............................................................................................................................35
Livros e e-Books de Leopoldo Pontes:........................................................................................38
A filha de Spock
(fanfic)
O noivado.
Tomada de súbita emoção, Christine ficou muda. Ela sempre amou Spock, mas nunca
esperou tal reação por parte dele. Não sabia como responder. Então, Spock, tornou a falar:
Mesmo sendo o que sempre quis, Christine achou por bem perguntar um pouco sobre
aquela súbita declaração do que parecia “amor vulcano”...
E disse: - Sr. Spock, sei que o senhor não é levado a brincadeiras, jogos ou mentiras.
Não é de seu feitio enganar ninguém. Nunca o senhor me trouxe flores, ou falou sequer
alguma palavra romântica. Por que isso agora?
- Porque é lógico.
- Lógica, lógica, lógica! Isso é tudo o que o senhor tem a me dizer?, falou Christine
terrivelmente perturbada.
Spock deu um sorriso1, e falou: - Lembra-se quando a senhora falou que estava
apaixonada por mim?2
- Pois bem, srta. Chapel, aquilo mexeu com minhas emoções. Eu as controlei, mas..
Vamos aos meus aposentos, por favor.
1
Spock sorri nos primeiros episódios da primeira temporada de Star Trek, a série clássica. e nos outros,
de uma forma enigmática, quando não tomado por algum narcótico vegetal, como em “ Deste Lado do
Paraíso”, ou dominado pelos poderes mentais de um alienígena, como em “Os Herdeiros de Platão”.
2
Episódio “Tempo de Nudez”, 1ª Temporada de Star Trek, a série clássica.
- Srta. Chapel, estou novamente passando pelo período de Ponn Farr. E necessito de
uma parceira. O lógico é que seja a senhora.
- Sim, senhor Spock! Caso-me com você. Desde que você me chame de Christine. E
você, qual o seu primeiro nome? Você já falou que é impronunciável para nós humanos, mas já
que serei sua esposa, preciso ouvir.
- Ptghtrnkççtjl.
- É muito humano de sua parte. Mas como minha mãe era terrestre, eu aceito. E te
chamarei de Chistine. Mas, por favor, em público me chame de sr. Spock. É a maneira vulcana
de uma esposa tratar seu marido. E eu te chamarei de Sra. Spock.
Após essa conversa, ambos se tocaram. Puseram seus dedos indicador e médio juntos,
nas pontas, vagarosamente, e se declararam mutuamente noivos.
A conversa com o capitão.
- Sr. Spock, na última vez que o senhor pediu uma licença, fomos juntos a Vulcano. O
assunto é o mesmo? Somos amigos, fale!
- Sim, e minha consorte será a Srta. Chapel. Peço que o senhor seja um de meus
melhores amigos. Pode me acompanhar até Vulcano?
- Claro, Spock! Mandarei que a nave tome a rota imediatamente para lá.
- Obrigado, Capitão.
- Mas você não poderia se casar na nave e eu, como capitão, celebrar o casamento?...
Não, não, já sei, o senhor é vulcano, e tem suas tradições milenares. 3 Serei um de seus
padrinhos, sim. E quem mais será?
- O doutor Leonard McCoy, claro! Vocês dois são meus maiores amigos4.
- O que houve? Vamos àquele planeta tórrido e sem lua, mais uma vez! Quero saber a
razão, seu maldito orelhudo!
- Senhores. Vou me casar com a srta. Chapel em Vulcano, e quero que sejam meus
dois melhores amigos.
- Vamos ver a junção das galáxias do século!, disse McCoy. – Quero estar presente,
mesmo, nessa terrível execução! Nosso Orelhas Pontudas vai se casar com minha dócil
enfermeira... Que solução!
3
“Tempo de Loucura”, primeiro episódio da segunda temporada de Star Trek, a série clássica.
4
Idem ibidem.
As madrinhas de Christine.
- Vou me casar!
- Tenente. Eu posso levar minhas melhores amigas. Você pode ser uma delas?
- Saiu daqui agora há pouco e foi para seus aposentos. Por quê? É ela?
- Estou muito feliz por você! E por ter me escolhido como uma de suas madrinhas.
- Melhores amigas. Estou feliz por ter aceitado. Ouvi dizer que o casamento será sob
cerca de cinquenta graus Celsius, que é a temperatura média de Vulcano.
- Vou perguntar a Spock. Mas acho que você terá que usar a roupa ritual para
melhores amigas de casamento...
- Christine. Meu nome de batismo é Nyota. Pode me chamar assim, fora de serviço,
agora que somos o que somos uma da outra.
- Puxa!...
- E quem é o sortudo?
- Spocky!
- É verdade, Christine. Aí, o Spock foi chamado para ser o segundo em comando. Mas
fala aí, foi ele mesmo que te pediu?
- Claro que sim! Quem podia ser? Ele mesmo! Finalmente me pediu em casamento!
Estamos noivos desde há pouco, e vamos nos casar em Vulcano!
- Puxa! Quem diria! Você sempre gostou dele, e agora essa surpresa... Mas ele te
entregou flores, anel, ajoelhou-se, foi romântico...
- Spock é vulcano, o romantismo deles é diferente. Eu o amo do jeito que ele é. Ele
falou que me pediu em casamento porque era a coisa mais lógica a se fazer.
- É o equivalente deles ao nosso beijo de amor. O tato deles é muito forte, e deu pra
ter uma sensação incrível! Spock falou que assim sentimos os pensamentos um do outro. E
nossas mentes são unidas.
- Acho que isso é romântico... Mas em Vulcano vocês não poderão fazer lua de mel...
Lá não existe luar. Quá-quá-quá!
- Ria, minha cara, ria! Porque estou aqui para te fazer um convite, Janice. Posso te
chamar assim, fora de serviço, se você aceitar meu pedido.
- Você quer ser uma das minhas duas melhores amigas de casamento? É uma coisa
muito séria, porque em Vulcano isso é uma ligação ritualística.
- Claro, Christine! Vou ficar muito feliz. É a primeira vez que sou convidada a participar
como madrinha de casamento.
5
Episódio piloto: “A Jaula”.
- Obrigada, Janice, você não sabe como isso é importante para mim. E não é madrinha,
é melhor amiga. Serão você e Nyota Uhura.
- Está bem. Eu espero. Enquanto isso, vou jogar xadrez com o computador da nave.
- Entre, Christine.
- Christine, você precisa saber algumas coisas em relação ao meu planeta, nossos
costumes, antes de chegarmos lá.
- Você não sabe t’khasiano, mas não tem problema. Todos os não-t’khasianos
utilizarão um aparelho tradutor. Inclusive, você falará em inglês, e todos os t’khasianos te
entenderão na nossa língua. Eu tive que aprender vários idiomas e dialetos terrestres para
poder fazer a Academia.
- Lembro-me! Vai ser fácil para você aprender a nossa língua principal, e mais algumas
outras usadas em T’Khasi. Nosso filho ou filha terá que aprendê-los, também. Aliás, uma
imposição de meu pai é que seja instruído na Escola Lógica de Surak.
- T’Khasi tem uma sociedade matriarcal. Sua influência na educação de nossa criança
será fundamental, mesmo sendo você uma não-t’khasiana, mas casada comigo.
6
Episódio “volta ao amanhã”, segunda temporada da série clássica de Star Trek.
- Agora começo a ouvir conversa.
- Que brutal!
- Entendo...
- Não foi a mesma que presidiu o combate entre você e o capitão pela T’Pring?
- A nave é pequena... Aqui, tudo se sabe! Mas ela já não era idosa naquela época?
Puxa, vocês vivem muitos anos...
- Meu pai se chama Sarek, meu avô Skon, e meu bisavô Solkar. O nome de solteira da
minha mãe era Amanda Grayson.
- Tive um meio-irmão chamado Sybok. Era filho de meu pai com sua primeira esposa,
uma princesa t’khasiana. Foi morto por alienígenas.
- Lamento, Piti.
- Tenho também uma irmã que meus pais adotaram. Ela é terrestre. Chama-se Michael
Burnham.
- Eles têm preconceito contra os k’thasianos! Inclusive, quando lhes contei sobre o
nosso casamento, ficaram tão possessos que falaram bem assim: “Fale pra esses orelhas
pontudas que não pisaremos nossos pés nesse planeta maldito!”
- Isso quer dizer que não estarão presentes em nosso koon-ut-kal-if-fee. Talvez seja
melhor assim. Seria constrangedor para eles, eivados de tantas emoções.
- É verdade.
O casamento.
7
Febre de sangue.
Passam-se sete dias. Nesse meio tempo, são enviados à nave os trajes rituais dos
quatro melhores amigos, para que os experimentem. Uhura critica para Spock:
- É muito quente!
Kirk e McCoy são mais discretos, mas ficam altamente constrangidos com seus trajes
rituais.
Christine vai com seus cabelos naturais, pretos, lisos, presos em um coque firme, sem
nenhuma das habituais perucas louras.
Caminharam até o portal da região externa onde se faria a cerimônia. Pararam todos,
e Spock foi até um gongo hexagonal irregular vertical, e bateu nele com um martelo especial,
revestido. O som ecoou pelo ambiente. Em breve, percussionistas adentraram o recinto pelo
outro lado, e se aproximou o grupo que acompanhava T’Pau, carregada em andor por dois
vulcanos. Imediatamente, Nyota, Janice e Christine foram se postar a seu lado. T’Pau fez a
saudação tradicional, e Spock ao longe a repetiu, indo depois prostrar-se perante ela. T’Pau
colocou sua mão dez centímetros acima de sua cabeça. E perguntou a Spock:
- O que vocês, terráqueos, estão prestes a ver, vem do princípio dos tempos, sem
mudanças. Isto é o coração k’thasiano. Isto é a alma k’thasiana. Isto é o nosso modo de vida.8
Então, num ato ritualístico, T’Pau estende o braço direito, com o dedo indicador em
riste, e diz:
- Kah-if-farr!
8
Falas e gestos adaptados do episódio “tempo de loucura”, 2ª temporada de Star Trek, a série clássica.
Christine sai do lado de T’Pau, e põe-se à sua frente. Ao seu lado esquerdo estão Nyota
e Janice. Spock chega ao lado de Christine, e Jim e Leonard postam-se a seu lado direito.
- Christine Chapel, este moço, chamado Ptghtrnkççtjl Spock, é de seu inteiro agrado,
respeito e devoção?
- Sim, T’Paul!
- Christine Chapel, você se entrega a este moço, chamado Ptghtrnkççtjl Spock, como
sua inteira propriedade?
- Sim, T’Paul!
- Christine Chapel, você aceita este moço, chamado Ptghtrnkççtjl Spock, filho de
Grayson e de Sarek, neto de Skon, e bisneto de Solkar, como seu protetor e parceiro único?
- Sim, T’Paul!
- Não, T’Paul.
Christine jogou o véu ao chão e, o casal, fez o gesto de ligação dos dedos indicador e
médio de suas mãos direitas. Ficaram assim por cerca de seis minutos.
Não houve gritos. Não tinha bolo, nem petiscos ou bebidas. Foram todos para a nave,
incluindo os pais de Spock, para uma festança, com direito a bolo, petiscos, cantorias, danças e
muito rock! Spock apresentou-se, com sua lira, alguns números musicais, e Uhura cantou com
sua harpa eletrônica. Teve muita festa! Só os vulcanos não dançaram...
A lua-de-mel.
Christine disse:
- Vamos pegar um avião para a cidade de São Paulo, onde são feitas as melhores pizzas
da Terra!
- Somos. Vamos ficar três dias naquela cidade. Tem muitas casas de espetáculos, com
peças de teatro clássicos e contemporâneos que você precisa conhecer. Podemos também
pegar umas sessões de multicinema em holodeck, que é a mais nova sensação na Terra. Tem o
Masp, o Museu do Ypiranga, o Museu da Língua Portuguesa, entre outros que quero te levar.
Spock sentiu um certo prazer em conhecer a cultura terrestre. Depois, Christine falou:
- Após esses três dias, vamos para Paris, conhecer o Museu do Louvre, a Rive Gauche,
o Quartier Latin e a Sorbonne. A torre Eiffel está fechada ao público há mais de um século, mas
poderemos vê-la de um zeppellin, réplica do que Santos Dummont construiu.
- Então, vamos passar uma semana no Polo Sul, onde tem umas pequenas pousadas
quentinhas, e poderemos curtir nossa lua-de-mel com toda a candura possível!
- Christine, estou em febre de sangue, e isso dura uma semana. Vamos já para o Polo
Sul, e depois faremos o resto da viagem.
....................................................................................
Nem precisa falar que Christine ficou grávida naqueles dias. E os enjoos começaram
em Paris...
De volta à Enterprise.
- Spock se divertiu?! Queria estar lá para ver... Ele nos chama de sensualistas. Ele
gostou da pizza paulistana?
- Ele considera nossa culinária muito temperada, muito forte. Mas não reclamou. Ele
acha nossa cultura “fascinante”...
- Vamos ver. Parece que o futuro embrião tem constituição vulcana. Isso quer dizer
que você deverá ter uma gravidez de duração vulcana. Serão treze meses terrestres!, minha
filha... Não posso garantir, mas é o que a mãe do Spock passou, segundo ela me contou certa
vez.
- Vejamos...
- Parabéns! Você será mãe de uma menina! Se tudo correr bem, ela nascerá no
aniversário do dia do primeiro contato, cinco de abril do ano que vem. Você está dispensada
por meia hora, para contar ao pai e às suas melhores amigas. Eu, pessoalmente, irei contar já
ao capitão.
- Jim, ...
A licença.
Após uns quinze dias, necessários para a recuperação, por se tratar de um parto
híbrido, Spock e sua esposa saíram para a licença paternidade e maternidade por cinco meses,
em Vulcano, em sua nova casa.
Era no terreno ancestral da família de Spock, na casa que já fora de seus trisavós. Tinha
um jardim com uma fonte na frente, e ao entrar uma sala ampla, com muitos livros, e um
dispositivo com a obra completa de Lógica de Surak na mesa central. Spock falou:
- Vou te ensinar como usar esse dispositivo. Você terá uma babá que te ajudará com
todas as necessidades de nossa nova filha, menos a amamentação.
- Claro!
- Você terá seu próprio dispositivo. Todos nós, t’khasianos, costumamos ter um,
pessoal.
- Entendo, Piti...
- Teremos também uma governanta, para que após a licença nós possamos voltar a
trabalhar normalmente. Aliás, que nome daremos à nossa filha?
- Então vamos adaptar para a moda t’khasiana. Será F’tma. Ela aprenderá ordem,
lógica e controle, em vez de instinto e emoções naturais.
- Está bem. A chamarei de F’tma. Sem apelido. Mas provavelmente ela terá, como
você, conflitos entre os aspectos terrestres e t’khasianos.
- Sem dúvida. Ela terá que aprender a controlar as emoções, mas deverá no final
escolher entre se será uma t’khasiana ou uma terrestre.
- Ela terá muitas dificuldades com seus colegas na Escola Lógica de Surak. Eles a
ofenderão o tempo todo, chamando-a de termos como “misturada”, “alienígena”, e “mestiça”.
Eles são mais preconceituosos que seus pais.
Aos quatro meses, F’tma aprendeu a falar “mama” e “papa”, e deu a seu animal de estimação
o nome de Sh’ai. Aos cinco meses, término da licença de Spock e Christine, F’tma já falava em
inglês e vulcano, pelo menos o vocabulário básico. Christine fez questão de que a babá
soubesse as duas línguas, e ensinasse F’tma em ambas.
F’tma era muito emotiva, chorava por qualquer coisa, mas sua babá tinha muita paciência,
apesar de ser vulcana. Mesmo assim, já tentava ensinar à criança os princípios de ordem,
lógica e controle das emoções. Ela era uma adepta fervorosa da Lógica de Surak, mas
respeitava o lado emocional de Christine, pois ela era a mãe, e, como já vimos, Vulcano é
estritamente matriarcal.
Sh’ai ficou muito apegado à sua dona, já que isso era característica dos sehlats. Pra onde ela ia,
ele a acompanhava. F’tma brincava muito no jardim, junto à fonte, com seus brinquedos
educativos e, naturalmente, com Sh’ai.
Sua babá, Spel, a preparou cuidadosamente para que, quando entrasse na Escola, obtivesse os
melhores resultados acadêmicos, mas não sabia o que a esperaria em relação a seus colegas.
Ao fazer quatro anos, sua governanta, T’Kot, a matriculou na Escola de Lógica de Surak.
Péssima experiência! Suas colegas a vilipendiavam durante os intervalos, e ela sempre voltava
machucada em casa. Spel não se conformava, falava que isso das outras meninas era violência.
O que não condizia com a filosofia de Surak. Até que um dia, Spel foi conversar com o diretor
da Escola:
- Eminente T’Pok, permita-me que me apresente. Sou Spel, babá de sua aluna F’tma. Seus pais
não podem comparecer regularmente, pois trabalham na nave espacial Enterprise, da
Federação Unida de Planetas. O senhor deve conhecer o pai dela, Spock, ex-aluno desta
eminente Escola.
- Spock foi uma decepção para nós, pois não completou o Kolinahr.
- Isso não nos diz respeito. Ele não se diplomou na Escola Lógica de Surak.
- Mas F’tma é aluna desta Escola, e merece ser tratada igualmente como qualquer outra, ou
outro. Ela está se preparando para seu kahs-wan9, e eu venho, pessoalmente, treinando-a para
tanto. Eu me formei nesta eminente Escola.
- Lembro-me. Você o fez com a máxima distinção. Os pais de F’tma foram muito ciosos em te
escolher como sua babá. Por sua intervenção, cuidarei mais de perto dessa aluna. Qual o
problema dela?
9
Kahs-Wan é um ritual em que o menino ou menina vulcana se submete para mostrar maturidade. Ele
tem que ficar sozinho no deserto, desarmado completamente, apenas com a roupa do corpo, em jejum
total, durante dez noites e dez dias. O fracasso, no caso de um vulcano filho de mãe terrestre, pode
fazê-lo ser chamado de covarde o resto de sua vida. Vide 2º episódio da 1ª temporada, “Perdido no
Esquecimento”, da série animada de Star Trek.
- O problema não é com ela. Todos os dias ela chega em casa com marcas de violência
causadas por suas colegas. O problema é de preconceito, o mesmo que Spock sofria.
- Entendo perfeitamente. Essa não é uma atitude digna de seguidores da Lógica de Surak. Vou
conversar com a turma que rodeia F’tma. Tenho minha maneira de saber exatamente quem
são os responsáveis. Eles têm que parar com isso, ou serão advertidos formalmente. E se
continuarem, serão expulsos sem possibilidade de retorno.
F’tma passou pelo kahs-wan raspando. Sobreviveu, mas chegou em casa exausta!
..........................................................................................
Aos seis anos, ela ficou “noiva” de Katan, um vulcano da mesma idade, para manter a tradição.
Ele era filho de professores.
- Não demonstre as emoções. Quando você crescer, suas orelhas terão o tamanho exato.
- Isso é genético, minha filha... Elas têm é inveja!, e como são t’khasianas não podem mostrar
nenhuma emoção. Mas falam isso por pura emoção: inveja! Seus seios são iguais aos meus,
maravilhosos!
F’tma só falava assim com os pais. Com o resto das pessoas, demonstrava total destituição
emotiva.
Aos quinze anos, mostrou interesse por música. Foi-lhe dado instrumentos de corda, sopro e
percussão. Mas o que a fascinou verdadeiramente foi uma lira eletrônica, parecida com a de
seu pai, todavia com mais recursos. F’tma tornou-se, com o passar dos anos, uma mestra do
instrumento, e se apresentava em recitais na Escola, já que a música era parte integrante do
currículo.
Na verdade, o que a extasiava é que, assim, ela conseguia expressar suas emoções, embora,
exteriormente, o que os vulcanos prestavam atenção era sua técnica. Mas todo vulcano sabe:
a arte expressa emoções, ainda que sejam ajuizadas pela ordem, lógica e controle. Por isso,
apesar de F’tma ser considerada na Escola uma exímia lirista, era examinada com desconfiança
pelos seus mestres.
Aos dezenove anos, formou um grupo musical com duas diauletas10, que também tocavam
alguns outros instrumentos de sopro, eventualmente, e dois percussionistas, que utilizavam
diversos instrumentos não ritualísticos. O repertório era exclusivamente de clássicos vulcanos.
Não precisou tempo para que ela se tornasse a líder do quinteto, que tinha o nome de “F’tma
K’ntete”11. O grupo durou até a ida de F’tma para o ritual de supressão das emoções. Porém,
na véspera de sua partida para o deserto, F’tma videofonou a seus pais:
- Não sei se quero suprimir minhas emoções. Tenho muitas dúvidas a respeito. Vou procurar
uma conselheira.
Spock recomendou três nomes: o conselheiro Kapau, o conselheiro P’tak, e a conselheira L’Say.
F’tma estudou o currículo e o perfil de cada um, e no final acabou escolhendo a terceira.
Foram várias sessões, culminando com um elo mental. L’Say concluiu falando:
- Não tenho capacidade de te tratar. Nenhum t’khasiano tem. Você precisa de uma conselheira
betazoide. Passe uma temporada no planeta Betazed, e trate-se por lá com uma. Elas são mais
propícias para tratar de seu caso.
F’tma videofonou a seus pais, e eles concordaram em conceder um período sabático a ela.
Imediatamente, fez as malas e foi a Betazed. Não sem antes de se despedir de Sh’ai, Spel e
10
Diaulos: instrumento musical que, na antiga Grécia, músicos utilizavam. Trata-se de uma flauta doce
com dois tubos, saídos de uma única boquilha.
11
“Quinteto da Fatma”, em bom português.
T’Kot. Sh’ai sentiu saudades já naquele instante. Spel e T’Kot se mantiveram firmes. Spel lhe
disse:
- Não se deixe levar pelas emoções dos betazoides. Você tem um treinamento completo pela
Lógica de Surak. Não se esqueça de levar seu dispositivo.
- Certo, Spel. Claro que o levarei. Os ensinamentos de Surak estão dentro de mim.
Quando chegou a seu destino, ficou na casa de um amigo vulcano, que se mudara para aquele
planeta por discordar da interpretação majoritária que seus colegas davam à Lógica de Surak.
Ele não passara pelo período do Kolinahr.
- Como vai, F’tma? Grande prazer tenho em te receber em minha casa. Tenho um estúdio,
onde pinto e escrevo. Você pode se instalar lá, se não se incomodar com minhas inspirações
matinais. Geralmente, levanto antes do sol raiar.
- Isso não me incomoda, caro amigo Tekuol. Também levanto muito cedo. Minha constituição
fisiológica é t’khasiana, por isso durmo apenas uma hora por noite.
- E você me contou que vai passar um período sabático neste planeta. Pode passá-lo inteiro na
minha casa, se lhe agradar. Para mim, será uma companhia muito agradável, pois os
betazoides se imiscuem muito na minha vida pessoal, já que eles leem mentes, se você não
fechar a sua.
- Bom saber. Fui aconselhada a buscar uma conselheira daqui, e queria saber se você poderia
me indicar alguns nomes.
- Tekuol, eu não quero ninguém ligado à Federação. Meu caso é muito pessoal, e prefiro
alguém externo.
- Minha caríssima F’tma! Tenho um nome específico, então, que você pode procurar. Fica na
província vizinha à nossa. O nome dela é Leema. Você pode marcar uma consulta com ela pelo
número que tenho em meu videofone. Mas antes disso, preciso lhe falar algumas coisinhas:
aqui em casa, recebo amigos de vários planetas, e nossa alimentação dificilmente será
t’khasiana,
- Não há problemas, isso pra mim será de grande agrado. É para isso que estou em período
sabático. Além do mais, estou acostumada com a culinária terrestre, que minha mãe sempre
prepara quando meus pais estão de férias em T’Khasi.
A consulta com Leema.
- Leema, meu nome é F’tma. Apesar de minha aparência vulcana, sou três quartos terrestre.
Por isso, te procurei.
- Sou independente. Em razão disso, tenho poucos pacientes, e posso me dedicar mais a cada
um. Passo meu tempo livre estudando.
- Entendo.
- Sei exatamente como é. E você veio até mim porque tem dúvidas a respeito do Kolinahr.
- Você sabe...
- Sou empática. Não preciso ler mentes para sentir o que você está passando.
- Pois bem. Não decidi ainda se quero ser vulcana ou terrestre. Nasci numa nave intergaláctica
chamada Enterprise. Meus pais trabalham lá. Por enquanto, não tenho registro de planeta
algum. O de Vulcano é provisório.
- Meu pai é vulcano, mas minha avó paterna é terrestre. Minha mãe também é terrestre.
- Não sei se quero continuar controlando minhas emoções. Sou musicista, expresso meus
sentimentos pela música. Toco lira eletrônica vulcana, mas eles apenas apreciam os clássicos
daquele planeta. Tenho minhas próprias composições, que destoam completamente das
normas vulcanas. Quero tocar as minhas músicas, e as músicas que ouço da Terra.
- Eles deixam?
- Meus mestres não, mas minha mãe transmite-as escondido para mim. Apesar disso, meu
instrumento principal é o mesmo que meu pai toca.
- Você traz em seu sangue paterno o gosto pela música. E de sua mãe e sua avó paterna, os
sentimentos, as emoções.
- É isso. Amo música, ela é minha vida! Mas preciso mais... Preciso expandir minhas vivências,
minha pergunta é existencial.
- Na verdade, não existe caminho certo. Existem vias múltiplas, e cada ser no universo segue a
sua. As perguntas são o que fazem nossas escolhas.
- Mais ou menos.
- Penso, e isso é cá comigo, não tem nada a ver com Surak, ou melhor com a interpretação que
a maioria dos vulcanos dá à sua Lógica, mas penso cá comigo que as escolhas que cada ser faz
no universo se imiscui com as escolhas de cada um de seus amigos, parentes, animais,
vegetais, minerais, protistas, que o circundam. Penso assim.
- Já?
- Nossas sessões terminam quando eu acho que precisam. Você hoje vai com essa pergunta
para casa. Vamos ver, a próxima sessão pode ser daqui a uma semana, esta mesma hora?
As sessões se sucederam, em intervalos irregulares, por oito meses terrestres. Então, Leema
falou:
- Não vou ler sua mente. Vamos fazer uma sessão empática13. Você aceita?
- Como é?
- Nós juntamos minha mão esquerda com a sua direita, e minha mão direita com a sua
esquerda. Juntaremos meus sentimentos e emoções com os seus.
Então, Leema e F’tma sentaram-se em duas espécies de cadeiras, especiais para uma sessão
empática, e deram-se as mãos. No início, nos primeiros segundos, não aconteceu nada. Ao
final do primeiro minuto, F’tma começou a sentir um turbilhão de emoções, como nunca antes
havia sentido: eram a miscigenação dos sentimentos das duas. Medos, amores, tristezas,
alegrias, tudo isso e muito mais! Tudo junto! Com o passar dos minutos, seus pensamentos
foram se aclarando, e seus próprios sentimentos e emoções foram se estabilizando. F’tma
sentiu a si mesma. Sentiu seus atos passados, suas experiências com Sh’ai, seus sentimentos
em relação às pessoas que ela conhecera em sua vida, todas, seus pais,... sentiu, enfim, seu
momento presente, seus pensamentos claros e sem sombras. Ao final do que lhe parecera
passar umas onze horas, Leema falou:
- Podemos descruzar as mãos. Sinto que sua experiência terminou. Quero dizer, passou o
suficiente.
F’tma não sabia quanto tempo havia se passado, pois aquela sala não tinha janelas, só portas.
E estavam todas fechadas. Leema morava com seu marido e um filho, mas ninguém estava em
casa. Ela era jovem, assim como sua família. F’tma perguntou quanto tempo havia se passado,
e Leema respondeu:
- O suficiente.
- Uns cinco minutos, mais ou menos. É o que dura uma sessão empática, dependendo do caso,
podendo ser de alguns minutos a mais ou a menos. Sei por teoria, porque o tempo que você
sente é o mesmo que eu.
- Puxa...
- Aliás, estou com uma baita fome. Você quer comer alguma coisa comigo?
13
Série “Picard”, terceira temporada, episódio oito, “Rendição”.
- Pois ela é absolutamente sua. Eu não a consigo compreender, embora tenha participado de
suas experiências sensitivas. Você vai meditar sobre essa resposta, e levará sua vida a partir
dela.
- Obrigada, Leema.
- Não há porquê. Esta foi nossa última sessão. Se quiser me rever para outro caso, sabe meu
endereço. Marque comigo pelo videofone. Podemos, se quiser, fazer sessões por ele, seja em
que planeta você estiver. Desde, é claro, que nos limites da rede da Federação Unida.
- Não, meu garoto, preciso obter minha resposta. Me empresta seu estúdio, agora!
- Já?
- Neste instante! Não sei quanto tempo minha meditação vai demorar. Tenha paciência.
- O estúdio é todo seu. Trancarei as janelas, e você pode trancar as portas. Há bastante velas lá
dentro. Pode usar as minhas.
F’tma trancou-se e passou muitas horas meditando. Quando terminou, caiu em prantos.
Chorou, chorou, chorou. Quando saiu do estúdio, estava radiante! Falou com seu amigo:
- Tekuol, muito obrigada por ter me recebido em sua casa por todo esse tempo. As
experiências com seus amigos foram fantásticas! Não vou fazer o Kolinahr. Vou seguir os meus
próprios passos! Não vou por lugar algum, só vou para onde me levam meus próprios passos14.
14
Cântico Negro (José Régio)
- Sempre! Isso é crucial para qualquer t’khasiano. Sou t’khasiana! Mas viverei na Terra, onde
serei musicista. Lá, a música é multifacetada. Tentarei novos instrumentos musicais. Acho que
vou escrever um e-book.
- Acabou. Vou para a vida, na Terra. Passarei primeiro um tempo em T’Khasi, onde aguardarei
pelas férias de meus pais. Após terminar as férias deles, mudo-me para a Terra.
- Você vai me visitar! Vou te levar a São Paulo, onde minha mãe falou que tem as melhores
pizzas do mundo. Da Terra, claro!
De volta a Vulcano.
- Ela não está mais nesta casa. Você pode videofonar a ela.
Sh’ai veio correndo e derrubou F’tma. Lambeu-a tanto que valeu por um banho!, com aquela
língua enorme...
- Não. Após as férias de meus pais, vou-me mudar para uma pequena cidade litorânea, na
Terra.
- Você está mesmo muito mudada. Nem parece a mesma k’thasiana que conheci.
- Mas ainda sou de K’thasi. Aqui será meu planeta natal. Virei a esta casa de tempos em
tempos.
F’tma foi videofonar a seus pais. Soube, segundo Spock, que estariam de folga apenas daqui a
oito horas, quatro minutos e vinte e um segundos. Enquanto isso, ficou a ler, tocar lira e
brincar com seu sehlat. Deixou um recado para que videofonassem a ela, assim que pudessem.
Christine interrompeu:
- Minha filha, você terminou seu período sabático antes do que esperávamos. Achávamos que
ia durar muito tempo mais.
Então ela comunicou a seus pais suas decisões. Falou que os esperaria em Vulcano para suas
férias, e então conversaria com seu noivo.
- Videofone para ele ainda hoje, falou Christine. Você tem a nossa permissão.
- Ora, deixe eles com a gente, que a gente resolve..., respondeu Christine.
Na Terra.
F’tma desceu na Barreira do Inferno e foi, com escalas, até uma casa adaptada para caber seu
sehlat Sh’ai, em Caraguatatuba, litoral norte do estado de São Paulo. Chegando em sua nova
casa, um estilo misturado das casas vulcanas e caiçaras, tirou os sapatos, calçou chinelos de
dedo, colocou um par de bermudas, uma camiseta com os dizeres “Surak para sempre!”,
afagou seu animal de estimação, pediu por videofone um azul-marinho, e repousou. Feliz...
Nota final.
Além de ser fã de carteirinha de Star Trek, contei com as informações obtidas no site
Trek Brasilis. E com os livros “Fascinantes”, publicado por essa mesma turma que faz o site, e
“Jornada nas Estrelas”, de Salvador Nogueira e Suzana Alexandria. E com o e-book “50 anos de
Jornada nas Estrelas”, de Edward Gross. Não adianta amar, tem que conhecer.
Sobre O Autor.
Leopoldo Luiz Rodrigues Pontes é meu nome. Nasci às 4 e meia da manhã, do dia 4 de
abril de 1958, no bairro da Lapa, na cidade de São Paulo.
No final dos anos 1970 e início dos 80, publiquei uma série de livros de poemas, por
conta própria, na base do mimeógrafo e do offset. Tentei fazer alguns para educação popular,
mas não foram para frente.
Enveredei pelas artes plásticas e pela música. Fiz várias exposições individuais e
participei de coletivas. Fui solista de guitarra e cantei, em várias bandas de rock que não
duraram quase nada.
Meu primeiro emprego foi ajudar meu pai no depósito de artigos de época, fazendo
pacotes, atendendo a freguesia, carregando mercadoria, auxiliando no escritório, e fazendo
contas.
Aí, recebi uma pequena herança e abri uma lanchonete que era também uma casa de
chá. Logo, minha esposa estava participando, até que, de repente, passou a cuidar sozinha do
local.
Nesse meio tempo, fui chamado como redator e repórter da Rádio Emissora de
Campos do Jordão. Depois, concomitantemente, fui empregado de diversos jornais escritos,
como diretor de redação, fotógrafo, editor, redator, repórter, diagramador, etc, tudo ao
mesmo tempo, já que eram jornais pequenos.
Nessa época, escrevi pra burro, tudo quanto eram notícias, editoriais, resenhas, entre
outras coisas. Mas nunca fui convidado para a Academia Jordanense de Letras.
Também trabalhei, uns meses, como jornalista da prefeitura, o que me garantiu uns
bicos em períodos eleitorais.
Como jornalista, fiz ainda alguns frilas e uma correspondência por três meses tórridos!
Noutra época, meus finais de semana eram tomados por uma galeria de arte de
Campos do Jordão.
Quando fui demitido da Rádio Emissora, comecei a trabalhar como advogado, e logo
fui chamado pela Sabesp, para a qual havia prestado concurso, em Caraguatatuba, onde
trabalhei como atendente a consumidores.
Moro atualmente no litoral norte do estado de São Paulo. Meus hobbies são: ouvir
discos de vinil, desenhar, pintar, fazer colagens, escrever, tocar violão, ler muito, e ver filmes e
séries. E fazer cursos e oficinas pela internet.
Alguns dias antes do Natal de 2021, tive um acidente doméstico em que quebrei o
ombro e o braço esquerdos. Soma-se a isso meus acidentes anteriores, no cotovelo e
tornozelo direitos, e uma danação na coluna. Fora isso, estou bem. Fazendo eventuais
fisioterapias, me alimentando, etc.
Só a cabeça não anda lá essas coisas. Por isso escrevo, para preservar minha memória
para o futuro. Sim. Eu acredito no futuro.
Contato: leopoldopontes21@gmail.com
Fim.