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NA CONTRAMÃO

Leopoldo Pontes

Edição revista em 29maio2020.


Sumário

1. 2020

2. A AVENTURA DO LIVRO

3. BORG E A ANARQUIA

4. DIMENSÃO QUÂNTICA

5. JADZIA DAX

6. DOIS SONHOS

7. LENDO DE CABEÇA PARA BAIXO

8. FARMÁCIA LITERÁRIA

9. TANTA COISA

10. PACIÊNCIA COM LIVROS

11. LÍNGUAS ANTIGAS

12. TRADUÇÕES

13. PROFISSÕES ESTRESSANTES

14. FERNANDO PESSOA

15. AS PERGUNTAS

16. TODOS NÓS ADORÁVAMOS CAUBÓIS

17. DA IMORTALIDADE

18. CLAVICÓRDIO

19. ARGUMENTO PARA UM FILMINHO

20. O AMANHÃ NÃO ESTÁ À VENDA


21. LÁSMI, A DEUSA DA MONTANHA

22. CUIA NOVA

23. NA CONTRAMÃO

24. NOVO TEMPO

25. PICARD

26. ELEIÇÕES 2020

SOBRE O AUTOR

Livros de Leopoldo Pontes editados pela Amazon até maio de 2020

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À Fafí
2020

Estamos terminando uma década.

Muita gente comemorou dizendo que 2020 era o primeiro


ano da nova década. Não é.

Quando raiou o ano 2000, as comemorações foram


imensas! Diziam que era o início de um novo milênio. Na
verdade, só começou em 2001, mas os festejos não foram
tão grandes.

Parece que o ser humano tem uma atração irremediável


por datas redondas, como se fossem a salvação da
espécie. Não são.

25/1/2020.

Não são mesmo!

27/5/2020

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A AVENTURA DO LIVRO

A Aventura do Livro - do leitor ao navegador: esse é o livro


de Roger Chartier que terminei de ler anteontem, mas
estou com problemas no teclado. Em meu último livro -
ROCK NÃO SE APRENDE NA ESCOLA- falei que tinha lido o
primeiro capítulo em versão eletrônica, porém o incrível é
que na releitura do primeiro capítulo em versão física
notei que o autor fala sobre ler no computador, mas
desconhece o e-reader (leitor eletrônico), talvez pela
época em que tenha sido feita a entrevista. (É, esqueci de
dizer que se trata de uma entrevista conduzida por Jean
Lebrun.) No leitor eletrônico há o contato direto do dedo
na tela, virando as páginas, sublinhando, marcando
textos, anotando...

Na página 77, Chartier lembra que cada leitor dá ao texto


seu próprio sentido. Isso tem sido dito por muitos
semiólogos e é uma grande verdade. Nunca existe um
sentido exato, final, mas pessoal.

Na página 99, o livro levanta um problema: como


preservar os textos? O copista pode errar, o tipógrafo, o
revisor etc. Até mesmo uma cópia digital pode falhar.

Na página 118 ele fala sobre a biblioteca de Alexandria e


seus inúmeros rolos. Na verdade, caberiam todos hoje em
um pendrive, mas não teria o mesmo charme.

Na página 119 ele cita a biblioteca imaterial. Lembro-me


de quando estava na faculdade de Comunicação Social,
fiquei muito bravo com o fichamento dos livros, pois não
poderia mais manuseá-los para escolher.
Na página 138 Lebrun relata o fato de que o escrito no
papel vem sempre acompanhado de um contexto, o que
não acontece necessariamente na internet. Penso que,
por alguma razão, a escrita no papel é compreendida
diferente da digital. Noto pela própria leitura deste livro,
cuja edição física, inclusive com gravuras coloridas e
legendas, trouxe-me um novo entendimento.

Na página 142 vem aquela velha história de que não se


pode ler na cama com um computador. Velha história.

Nas páginas 146/149, Lebrun fala sobre a coleção de


livros. Ela é lúdica, impensável na forma digital. Pode, mas
não dá muito certo.

Por fim, quero lembrar que, os textos na internet, não são


eternos. Têm vida curta. Outro dia procurei uma
dissertação que lera dias antes e não achei mais, embora
as referências a ela ainda estejam lá.

25/1/2020.

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Borg e a Anarquia

Para quem é treker, como eu, sabe muito bem que os Borg
são uma espécie cibernética (orgânica misturada com
mecânica computadorizada) que aparecem na franquia
Star Trek (Jornada nas Estrelas), especialmente na série
A Nova Geração.

Só para explicar aos não-iniciados: são um povo com uma


mente unificada, feito uma colmeia. Mas eles não têm
uma rainha, como as abelhas, ou as formigas. Agem
coletivamente, pensam coletivamente, a vontade de um é
a vontade de todos, e vice-versa.

Tal característica os liga a uma forma política de pensar,


muito em voga no final do século dezenove, no ocidente, o
anarquismo. Afinal, o que pregava a anarquia? Que não
precisamos de líderes que nos guiem, podemos agir cada
qual por conta própria, respeitando os limites de seus
próximos.

A diferença é que, no anarquismo, prezava-se a liberdade


individual, o pensamento do indivíduo.

Mas que as ideias se parecem, ah, se parecem!

Toda essa ideologia acabou com o longa metragem O


Primeiro Contato, em que aparece a Rainha Borg, regente
da horda. E essa personagem segue na série Voyager. Da
mesma franquia.

25-1-2020
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Dimensão Quântica

É fácil pensar na dualidade das coisas. Sempre foi assim.


Positivo e negativo, yin e yang, o masculino e o feminino,
o zero e o um.

Mas agora temos mais que o espectro. Temos a dimensão


quântica. Podemos ser positivos ou negativos, mas
também os dois ao mesmo tempo ou nenhum. Ou ambos
em diferentes situações. Ou ser algo que esteja entre os
dois ou os envolva. Ou em lugares diferentes ao mesmo
tempo.

Isso não é insanidade. É o que aprendemos com o novo


conceito dos computadores quânticos.

11.3.2020.

Adendo

Podemos imaginar sobre o equilíbrio quântico. Não é um


pesar entre dois extremos.

Trata-se de algo mais dinâmico, em constante mudança.


Talvez, ao mesmo tempo, o equilíbrio possa estar em dois
ou mais lugares. Ou nenhum.

27/março/2020.

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Jadzia Dax

Em meu último livro, ROCK NÃO SE APRENDE NA ESCOLA,


falei sobre um episódio da série Deep Space Nine, em que
a alienígena Jadzia Dax dava uma geral em todas suas
vidas anteriores, suas personalidades que a compunham,
junto com a atual, qua deveria ser a dominante.

Carl Jung, no livro por ele organizado, O Homem e seus


Símbolos, no seu texto, ele escreve sobre tribos que
acreditam que o ser humano tem várias almas. E explica:

-"Isso significa que a psique do indivíduo está longe de ser


seguramente unificada. Ao contrário, ameaça fragmentar-
se muito facilmente sob o assalto de emoções
incontidas."-

25-1-2020.

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Dois Sonhos

Tive hoje o que chamo de sonho guiado. É um sono nada


repousante, que você pode a qualquer hora acordar e
voltar a sonhar o que estava sonhando antes. Você fecha
os olhos e sonha, sem ter controle algum sobre o sonho.

Primeiro sonhei com a Fafí, minha esposa. Não me lembro


o que era, mas era algo muito onírico, que tinha a ver com
sonhar acordado, quadros e uma mansão enorme.

Depois, sonhei com meu pai. Estávamos numa zona de


pequeno comércio. Em meio a esse sonho, sonhei que vi
um concerto de rock ao ar livre. Era um som de death
metal, em que o guitarrista não usava cordas, mas um
motor regulável. Saía muita fumaça do motor, em toda sua
volta, uma fumaça cinzenta. Havia também um baixista e
um baterista. Era uma banda instrumental, não tinha
vocalista. Assisti ao show com muito interesse, era um
som novo, que eu nunca ouvira antes.

Depois do show, fui conversar com os músicos. O


guitarrista tirou o motor de seu instrumento e os guardou.

Aí, um músico que eu conheço veio conversar comigo.


Não é um personagem da vida real, mas só aparece em
meus sonhos, como outras pessoas. São pessoas
recorrentes, que só vivem em meus sonhos. Se fosse
descrever agora cada uma, não saberia, mas reconheço
no sonho quando elas aparecem.

Eu estava de chapéu, um chapéu comum, de abas largas e


moles, de feltro. Quando voltei a estar com meu pai, ele
me comprou um copo de vidro com café e uma fatia de
pão francês fininha dentro do café. Fui com ele embora, e
no caminho entramos num teatro, onde perdi meu chapéu.

Abri meus olhos e decidi não dormir mais. Eram cinco e


meia da manhã, contei o sonho à Fafí, que estava
acordada, e decidi escrevê-lo. Dormi nesse estado por três
horas consecutivas. Estou com sono, mas muito excitado
com o que ocorreu. Estou tomando um chimarrão. Não
estou em meu estado normal.

28 de março de 2020. 6h23min.

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Lendo de Cabeça para Baixo

Esse livro de Jo Platt é muito aprazível de se ler.


Extremamente contemporâneo.

A autora escreve em primeira pessoa, mas não é um texto


exclusivamente feminino. Seu público são ambos os
sexos.

É um romance maduro. O único defeito é que o tempo todo


eles estão se servindo de bebidas alcoólicas, como se
isso fosse uma bengala para a autora.

Trata de mulheres traídas, mas não envolve nenhum


homem traído, como se isso não fosse possível.

Exemplo de um parágrafo típico: -"Ela balançou a cabeça


e sorriu de forma encorajadora. Retribuiu o sorriso, com a
sensação de que deveria saber o que dizer a seguir, mas
não havia decorado as minhas falas."-

Os capítulos são deliciosamente irregulares em tamanho,


mas todos são curtinhos.

Tudo vai indo muito bem, muito bom, até chegar no


capítulo 37 e cair na obviedade da historinha de amor
entre a narradora e o galã.

-"Lendo de Cabeça para Baixo"- é o livro de estreia da


autora inglesa, nascida em 1968.

29março2020.

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Farmácia Literária

Finalmente adquiri o livro Farmácia Literária. Ele existe,


sim, e é um livro de referência para vários males, físicos e
não físicos.

Suas autoras são Ella Berthoud e Susan Elderkin, de


acordo com o que está na capa. Seu subtítulo é: - mais de
400 livros para curar males diversos, de depressão e dor
de cabeça a coração partido.-

Ainda estou na letra A, mas já deu pra ver que tem


prescrição até para ansiedade e insatisfação.

É para se ler devagar, refletindo, voltando páginas, sem


pressa de chegar ao fim.

5.4.2020.

Adendo

Estou na letra C de Farmácia Literária. Notei uma


peculiaridade até aqui, o que me fez ir à lista de autores
citados no livro. Pois é. Não há sequer um que seja
brasileiro. Existem de diversas nacionalidades, mas
brasileira não há. Nenhum!

Fica no ar a questão: por quê?

7/4/2020.
Outro Adendo

Cheguei à letra D e encontrei dois autores brasileiros,


João Guimarães Rosa e Machado de Assis. Peço perdão
pela minha precipitação. Agora quero ver se aparece
alguma escritora brasileira. Vamos ver.

8,4,2020.

Mais um Adendo

Cheguei no fim do livro. Com vontade de ler mais.


Querendo que não tivesse acabado. Tem prescrição no
livro pra isso também: medo de terminar.

Tem autores brasileiros, mas não encontrei nenhuma


escritora tupiniquim. Talvez não tenha olhado com
atenção.

Um detalhe que as autoras colocam é sobre a dificuldade


de se guardar livros por ordem alfabética. Já tentei isso,
mas é justamente difícil porque ficam lado a lado títulos
que nada têm a ver um com o outro.

As autoras não usam de obviedades. Para curar vício em


jogo, não prescrevem -"O Jogador"-, de Dostoievsky. Por
exemplo.

Muitas vezes parece que o público alvo são as mulheres.


Porém, qualquer homem pode bem se servir desta
magnífica obra. É para quem ama livros, contudo serve
também para fazer alguém que não tenha o costume
passe a tê-lo.
Embora seja um livro de referência, eu o li de cabo a rabo,
em e-book. Recomendo-o na forma física, para sempre ser
consultado.

Caraguatatuba, sexta-feira à tardinha. 17/4/2020. Ainda na


quarentena do Covid-19, sem sair de casa.

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Tanta coisa!

A gente passa a vida querendo ler diversos livros, ouvir


diversos músicos, diversos instrumentos, e nunca basta!

A gente relê livros esquecidos na estante há anos, ou os


recompra em sebo depois de perdidos ou emprestados - e
não devolvidos -, compra livros novos em livrarias depois
de uma longa escolha entre um montão de variedades,
baixa pela internet uma porção, que fica entulhando nosso
leitor eletrônico...

A gente compra discos, cds, baixa música pela internet,


de vários estilos, guarda no spotfire, ou em pendrives...

A gente fica desesperado em querer ler tudo, ouvir tudo,


experimentar todas as comidas, todas as bebidas, todos
os perfumes, todas as paisagens, conhecer tudo que é
humanamente possível, que enlouquecemos por não
conseguir chegar a uma fração ínfima do todo.

Ou então escolhemos, no dia-a-dia, o que podemos fazer


sem nos chafurdar no esgotamento do demasiado.

Escolhemos um disco, compramos, ouvimos uma vez,


outra talvez, em outro dia novamente, sem nos
importarmos quantos existem para se ouvir.

Não precisamos ter a obra completa de um autor, a não


ser que leiamos também outros autores.

Às vezes podemos passar por fases. Mas isso não pode se


esticar muito, temos uma vida pela frente para aproveitar,
curtir.
Alguém está perguntando: e o tempo para trabalhar,
ganhar a vida, o pão de cada dia? Isso também faz parte
da vida, além do que já disse acima. Mas não pode nos
dominar.

6 de abril de 2020. Confinado em casa pelo coronavírus


que assola o planeta.

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Paciência com Livros

Existem pessoas que dizem não ter paciência para ler


livros. Só quando forem curtinhos. Ou porque dão sono.
Essas eu até perdoo.

O pior, o pior mesmo, é quando você pergunta se a pessoa


chegou a ler o livro X e ela comenta: -“Não li, mas vi o
filme”.

Gente! Não é a mesma coisa. São duas obras separadas,


que na maioria das vezes uma não tem nada – ou quase
nada – a ver com a outra.

Não existe nenhuma obrigação em se ler o livro X, ou Y,


ou Z. Aliás, se alguém não lê livro algum, está deixando de
desfrutar um prazer. Tão valendo os audio-livros, os e-
books, mas não valem as versões resumidas, ou em
quadrinhos. São também coisas diferentes.

Assistir a um filme, ou ler uma história em quadrinhos, que


seja baseado num livro, é uma boa. Mas não o substitui.

Ninguém é obrigado a ler tudo, assistir tudo, conhecer


tudo, gostar de tudo. Experimentar pode, mas não precisa.
E se não gostar, não precisa ir até o fim, embora às vezes
o final surpreenda.

Fica assim, então.

8 de abril de 2020, fim de tarde nublado.

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Línguas Antigas

Quando apareceram as primeiras ideias escritas, não


havia leitura exata e única. As inscrições não eram cópias
fieis das verbalizações.

Assim, CH poderia ser lido QE, HE (aspirando-se o H), SHE,


ou com qualquer outra vocalização.

Dessa forma, A poderia ser lido como Â. Ã, Á, E, AE, OE, I,


O, Õ, U, etc. Poderia apenas ser uma leve aspiração, ou
uma letra muda, sem som. Tal qual no português atual,
com vocábulos como Hera, Hóstia, Hora, Bahia.

As primeiras normatizações da escrita e da leitura devem


ter se baseado num cunho religioso, espiritual, mítico
talvez. Usava-se HE ou ALEPH de acordo com a ideia que
se quisesse dar ao sentido da palavra.

Quero dizer, se escrevesse MAGISTER, usaria HÊ. Se


escrevesse PRINCÍPIO (BERESHIT), usaria ALEPH. Isto é,
a palavra poderia até ser a mesma, porém cada forma
englobaria seus próprios atributos.

Campos do Jordão, 1988. Revisto em Caraguatatuba em


10/4/2020, numa bela tarde de sol.

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Traduções

Na primeira vez que tentei classificar e catalogar os livros


de nossa biblioteca caseira, criei um dístico: EX LIBRIS
BIBLIOTECAE LEOPOLDI ET FATMAE (“Este é um livro da
biblioteca de Leopoldo e Fátima”).

Na época, 1988/89, era já um trabalho hercúleo, fichar


cerca de cinco mil livros entulhados num quartinho e dar
um número a cada um. Sobre dar o número, segue o texto
que escrevi naqueles dias, num caderno. Revisto,
naturalmente.

-“Quando tentei traduzir para o latim o termo Livro de


Tombo, não achei em meus dicionários nada a respeito.
Encontrava a palavra Tombo apenas no sentido de cair
(cadere). Então, latinizei por conta própria, e ficou Liber
Tombi..., com o respectivo número no lugar das
reticências. Era o nome do caderno onde eu relacionava
os livros um a um, fora as fichas de nome, autor, coleção
etc.

Nas fichas, escrevia Tombo, ou apenas T.

Fichas várias passadas, cheguei numa solução melhor:


Tomvs..., já que esse vocábulo é utilizado no latim
clássico.”-

Tarde ensolarada, dez de abril de 2020.

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Profissões Estressantes

Ser um bom policial é um exemplo. Passar o dia entre


crimes e boletins de ocorrência não é tarefa fácil,
principalmente numa cidade como o Rio de Janeiro.

Jornalistas investigativos também têm seu estresse


diário, não só com relação a prazos para entregar as
matérias, como com relação às pressões que sofrem de
pessoas ou grupos que se sentem ameaçadas por seu
trabalho.

Advogados sofrem quando clientes rareiam, ou quando os


prazos para entregar suas contraditas estão terminando.
Eles também sofrem pressões de pessoas ou grupos que
se sentem ameaçados por seu trabalho.

Tudo que envolve prazo, risco de morte, ou abalos


emocionais pode levar o profissional a sofrer estresse.

Nem sempre o fim de semana, ou férias, são suficientes. E


a aposentadoria pode não ser a realização dos sonhos do
trabalhador. Principalmente se for compulsória.

19.4.2020.

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Fernando Pessoa

Os heterônimos desse poeta o completam como pessoa.


Cada qual revela um aspecto de sua personalidade.

É como se eu extraísse de mim as minhas próprias


diferentes faces. Uma multipolaridade não só emocional,
mas também intelectual, espiritual, social, até mesmo
física!

Tal multiplicidade talvez não sejam todas as suas faces,


mas revelam-nas uma a uma.

Lembra-me um episódio da série Voyager, da saga


Jornada nas Estrelas (Star Trek), em que B Ellana Torres,
de pai terrestre e mãe klingon, é dividida em duas
pessoas, uma com a personalidade terrestre e outra com
a klingon.

A terrestre é delicada e medrosa. A klingon, forte e


valente. B Ellana é, na verdade, uma mistura das duas.

O mesmo tema já fora usado na série clássica, em que o


capitão James Tiberius Kirk é dividido em dois, com
personalidades opostas, em um defeito do teletransporte.
No caso, eles se confrontam.

No livro O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson,


Dr. Jekyll é um ser completo, inserido na sociedade, com
todas as suas facetas, enquanto o Sr. Hyde é a
personificação do mal. Mas aqui, cada qual aparece num
momento diferente, pois é um só corpo.

19.4.2020.
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As Perguntas

Parece que esta quarentena de coronavirus está fazendo


a gente ler mais.

Pois As Perguntas é o nome do romance que acabei de ler,


do gaúcho Antônio Xerxenesky, radicado na cidade de São
Paulo.

Ele é dividido em duas partes: Dia e Noite, cada qual com


suas peculiaridades. Mas o que toma conta do livro inteiro
é a discussão que a personagem principal, Alina, faz
consigo mesma, sobre o espiritual e o corpóreo, sobre a fé
e o ceticismo. Sobre esoterismo, religiões, crenças e
ceticismo, cientificismo.

Eu o li em forma eletrônica. Na posição 427-429, ele diz: -É


possível mudar o mundo com o poder da mente, afirmava
Crowley, décadas antes de a autoajuda cooptar essa ideia
com milhares de livros e palestras sobre pensamento
positivo.-

Na posição 881: -O mundo, Alina pensou, sempre esteve


acabando.-

Na posição 1979-1981, é o pensamento de Alina que se


destaca: -Por outro lado, que espécie de vida é essa em
que a ironia e o cinismo bloqueiam qualquer experiência?
A vida de uma pessoa emocionalmente pobre?
Espiritualmente pobre? Ao investir na razão, não estamos
matando algo de essencial? Ao dizer que tudo é histórico,
tudo é político, não estamos aniquilando o individual?

Não vou contar a história, porque isso já deve estar


resenhado na internet. Muito bem escrito, dá para
considerá-lo um autor acima da média dos demais. Não
por causa de seu currículo ou prêmios, que qualquer um
pode ter, mas por sua qualidade. Ele é denso, exploratório,
um suspense que não chega a ser um suspense, que
termina com o ar na boca. Arrebatador.

25 de abril de 2020.

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Todos Nós Adorávamos Caubóis

Nas viagens de minha juventude, sempre carregava um


livro. Era o que eu chamava de meu livro de viagem.

Hoje em dia, são assim chamados os livros que se passam


numa viagem. É o caso de Todos Nós Adorávamos
Caubóis, da porto-alegrense, nascida em 1982, Carol
Bensimon. Ele conta sobre a trajetória feita por Cora e
Júlia, amigas e namoradas, pelo interior do Rio Grande do
Sul.

Ele é cheio de flashbacks, da época da faculdade de


Comunicação, em que ambas se conheceram, de suas
recordações de infância, do tempo de Júlia em Montreal,
de Cora em Paris, mas é centralizado na viagem.

Elas comentam que o melhor disco do Led Zeppelin é The


Song Remains The Same, mais de uma vez, e fazem
dezenas de referências a canções e livros. E ao mate,
como na posição 821-823: -Em uma manhã que tinha
nascido fresca e luminosa, nós compramos os apetrechos
necessários para o chimarrão, saco de erva-mate moída
grossa, cuia com faixa pampa na base, bomba prateada
sem ornamentos, e então partimos na direção dos
cânions.-

Às vezes o livro dá água na boca, como na posição 925-


926, quando a moça diz: -Porque o Beto tá preparando um
carreteiro de charque, e isso é uma das coisas que ele
realmente sabe fazer direito.-

Tem hora que a redação é meio estranha, mas a gente se


acostuma. Há momentos em que se tem que se conhecer
a linguagem gaudéria, como na posição 1761: -Mathias fez
a bomba roncar.-

Concordo com Cora, quando cogita que Castañeda era


pura lorota. Também nunca gostei dele. Sempre o achei
óbvio demais.

Enfim, neste tempo de confinamento pelo Covid19, nada


melhor para espairecer que um livro de viagem.

29/4/2020.

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Da Imortalidade

Fala-se dos corpos, humanos ou não, que ao morrer se


desfazem em pó. Sejam pessoas simples, sejam
celebridades, sejam Conquistadores, sejam políticos,
sejam artistas ou que quer que sejam, todos voltam ao pó.

Nada deixam, a não ser suas memórias na cabeça das


pessoas que sobrevivem, seus escritos, suas pinturas e
esculturas, suas obras beneméritas, mas tudo isso
também tem um fim.

Shakespeare era famoso em seu tempo. Suas peças eram


assistidas pelo mesmo povo que via circos e trupes que
passavam pela cidade. Viam sem pensar muito, chupando
laranja, pois a linguagem usada nas peças era popular
naqueles dias. Não precisavam fazer análises literárias ou
histórico-geográficas para entendê-las.

Machado de Assis era publicado em bordas de jornais,


como escritor de uma subliteratura. Ele também escrevia
numa linguagem totalmente acessível a um público pouco
letrado. E, no entanto, hoje é estudado em universidades e
tido como um dos maiores escritores do mundo.

O que fica disso tudo? Quem entende os antigos sábios?


Interpretações sobre interpretações são construídas
sobre traduções nem sempre corretas. E o que é uma
tradução correta? Ler os originais seria opção, se não
vivêssemos nos tempos atuais, com outro contexto.

Como saber interpretar corretamente o baixo contínuo da


era barroca? É preciso, inclusive, ter a certeza de que a
partitura esteja corretamente escrita, de acordo com que
o músico queria que fosse tocada, com ou sem
ornamentações.

Tudo passa, diz o Eclesiastes, nada sobra para o futuro.


Os registros, por menos que se degradem, são apenas
registros. A cabeça do ser humano muda, as
circunstâncias são sempre outras. Podemos tentar
guardar, mas nunca deixam de ser tentativas.

Primeiro de maio de 2020.

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Clavicórdio

Todos conhecem Mozart como um compositor para obras


pianísticas, orquestrais etc.

Poucos se recordam de que ele começou seus primeiros


aprendizados num clavicórdio, instrumento que, em seus
dias, já não era de tanto uso profissional.

Este, como o clavicímbalo e o cravo, foram grandes


destaques no período barroco, mas infelizmente
desapareceram com o advento do piano.

Hoje, para se ter um instrumento desses, só se consegue


por meio de um luthier, um exímio artesão. Sua
sonoridade peculiar tomava conta das casas e dos salões
e teve grandes compositores, como Couperin e Bach, este
último o seu maior gênio.

A grande desgraça de se não construir normalmente


cravos atualmente é que obras desses autores não são
mais tocadas como pensadas por eles, mas em
instrumentos que mal os substituem.

Dessa forma, por exemplo, o famoso Teclado Bem


Temperado, que servia tanto para órgão como para cravo,
é hoje lamentavelmente tocado e gravado em pianos.

Domingo, três de maio de 2020.

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Argumento para um filminho

A vítima leva um tiro que chega a um milímetro de seu


coração, de lado, com o braço levantado, quando vai
pegar algo que está no alto do armário de sua cozinha. Ela
mora numa fazenda.

A polícia é chamada para investigar. A vítima não tem


inimigos declarados.

Uma família vizinha passa mal ao comer uma carne de


caça. Descobre-se que a carne fora contaminada por
chumbo de revólver.

Por fim, o culpado é o chefe dessa família, que saíra para


caçar em sua fazenda e esquecera onde pôs sua
espingarda. Decidiu então levar seu revólver no lugar. O
primeiro tiro foi, sem querer, dar no distante vizinho. O
segundo, na caça.

4 de maio de 2020. 7h20’ da manhã.

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O Amanhã não está à Venda

Dois dias depois de saber que o último buraco da camada


de ozônio se fechou, devido ao confinamento em razão do
Covid19, li este pequeno livro, de Ailton Krenak.

Ele é um ativista indígena, que começou nos anos


1970/80, e graças ao qual conseguiu colocar na
Constituição de 1988 alguns importantes pontos para as
reservas.

Segundo ele, -O presidente da República disse outro dia


que brasileiros mergulham no esgoto e não acontece
nada. O que vemos nesse homem é o exercício da
necropolítica, uma decisão de morte. É uma mentalidade
doente que está dominando o mundo.-

Mais para a frente, Krenak escreve: Dizer que a economia


é mais importante é como dizer que o navio importa mais
que a tripulação.

Depois ele fala que quem adia compromissos como se


tudo fosse voltar ao normal, está vivendo no passado,
pode não haver o ano que vem.

Eis como Krenak termina o livro: Não podemos voltar


àquele ritmo, ligar todos os carros, todas as máquinas ao
mesmo tempo. Seria como se converter ao negacionismo,
aceitar que a Terra é plana e que devemos seguir nos
devorando. Aí, sim, teremos provado que a humanidade é
uma mentira.

Ler esse livro é como sentir uma brisa fresca em meio ao


calorão da epidemia.
6 de maio de 2020.

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Lásmi, a Deusa da Montanha

Adorada no norte da Índia, seu único templo tem o


formato de uma enorme montanha.

Há diversas entradas por onde se pode subir por escadas


longuíssimas.

Algumas dessas escadas, dizem os devotos, variando


entre elas, no final se encontram com o teto. É quando o
buscador acha uma pedrinha transparente.

Essa pedrinha é um presente da deusa, e traz proteção.


Não deve ser perfurada, mas levada ao peito amarrada e
pendurada no pescoço. Um furo será profanação e poderá
levar o efeito contrário a quem o fizer e a quem a
carregar.

Nada disso pode ser achado na internet ou qualquer outro


lugar. É pura ficção, fruto de um sonho que tive essa
noite. Qualquer semelhança será pura coincidência.

Nove de maio de 2020. Caraguatatuba, tarde de sol.

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Cuia Nova

Chegou anteontem pelo correio minha nova cuia para


tomar chimarrão, tipo coquinho, com base em couro.

Nós havíamos visto uma igual nas mãos do maestro


Rodrigo (Gael García Bernal), na série Mozart in the
Jungle, da Prime Vídeo Amazon. E tive vontade de ter uma
igual.

Ontem, às 14 horas, ela terminou de ser curtida. É porque


uma cuia nova tem sempre que ser curtida, antes de se
usar. E como curtir?

Faço assim: encho-a de erva até a boca, antes de chegar


no metal, sem socar. Aí, vagarosamente, coloco água
fervente e deixo descansar por 24 horas. Então, joga-se
fora a erva e limpa-se a cuia, lavando-a na água corrente
após. Agora pode ser usada.

Minha primeira experiência com a nova cuia não foi


agradável, ontem no final da tarde. Mas hoje pela manhã
preparei de forma diferente, pondo-a inclinada em 45
graus, com água quase fria na erva, e deixei descansar
enquanto esquentava a água na chaleira até chiar. Daí
coloquei a água quente na cuia, devagarinho, e a erva não
caiu até o final. Tomamos e foi uma experiência
maravilhosa.

Caraguatatuba, tarde ensolarada e fresca, 16maio2020.

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Na contramão
Sempre andei na contramão da História. Quando a moda
no Brasil era tocar MPB, eu tocava rock com minha
guitarra elétrica. Agora que todo mundo toca guitarra
elétrica, vendi a minha e comprei flautas doces.

Quando na época da ditadura militar, eu não fazia parte da


posição nem das esquerdas: era bicho-grilo, depois
anarquista... Hoje em dia não o sou mais, nem apolítico,
nem de direita, nem de esquerda, nem de centro. Não
tenho posicionamento visível, prefiro ser humano.

Não acreditei na Diretas-Já. Meu anarquismo achava que


a solução não eram as eleições, mas a destituição do
Poder, fosse ele qual fosse. Um psiquiatra amigo nosso,
quando contei isso, respondeu: -Pena, você perdeu a
emoção... Pode ser verdade o que ele disse, mas não me
arrependo. De maneira alguma. Para mim, as pessoas
foram enganadas pelo Poder. Seja ele de que
direcionamento for.

Nunca acreditei na moda. Prefiro ser eu mesmo, o que


sempre me fez ser rotulado de estranho pelas pessoas.
Mas sempre estive bem assim. E continuo estando.

Tarde de sol, dezoito de maio de 2020.

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NOVO TEMPO

No Pequeno Livro Sobre o Puerpério, Maria Barreto diz:


"Para a ciência ocidental, o puerpério se resume a um
momento de mudanças... em que o corpo feminino tenta
retornar ao seu estado 'pré-gravídico' - se é que isso
existe."

Pois ontem nossa filha e nosso genro disseram que este


período de coronavírus vai passar, e tudo voltará a ser o
que era antes.

Digo que não voltará.

Engana-se quem pensa isso. É como uma guerra. Nunca se


volta ao estado anterior. A pandemia vai transformar as
relações entre as pessoas, entre as empresas. Não vai
mais ter reuniões sociais sem máscaras, agrupamentos,
grandes bailes. As raves vão ser diferentes. Tudo vai ser
diferente.

Não se pode achar que as coisas não vão mudar. Já


mudaram. E não voltarão ao estado anterior.

Não existe retorno. Sempre há a experiência vivida.

Não podemos nos enganar.

25 de maio de 2020.

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Picard

Essa nova série da franquia Star Trek (Jornada nas


Estrelas), da Prime Vídeo, veio para ficar.

Ela é de uma qualidade excepcional, já pela atuação de


Sir Patrick Stewart como o almirante reformado Jean-Luc
Picard, aposentado, que desafia a Frota Estelar ao sair na
defesa dos androides, como seres com direito à vida.

A primeira temporada teve dez episódios e foi um


retumbante sucesso! A segunda já foi gravada, mas só
será lançada depois de um ano da primeira. Terá
participações de personagens já conhecidos de outras
séries, como na primeira.

A gravação da terceira está comprometida com a


disseminação do coronavírus.

29maio2020.

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Eleições 2020

Teremos eleições este ano, mesmo com a Covid19


ameaçando se alastrar até o final do ano?

Luciana Lóssio, advogada e ex-ministra do TSE, e Luciana


Nepomuceno, membro do Conselho Federal da OAB, no
programa ESP ao vivo / Reflexos da Pandemia nas
Eleições 2020, foram unânimes em concordar que uma
prorrogação dos mandatos, adiando as eleições, é
manifestamente inconstitucional.

Isso porque, numa democracia, o político é escolhido para


ficar no Poder exatamente por quatro anos, nem um dia a
mais ou a menos. É a vontade popular. Ninguém foi eleito
para ficar cinco ou seis anos. Segundo elas, o eleitor deu
o poder aos eleitos de apenas quatro anos. Não pensou
numa diminuição ou aumento desse tempo.

Da mesma forma, segundo ambas manifestaram, as


convenções podem ser feitas por meio virtual. E as
eleições durarem vários dias, separando os eleitores, por
exemplo, por faixas etárias.

De qualquer forma, tudo é especulação. Não sabemos o


que será decidido, por enquanto.

29maio2020.
SOBRE O AUTOR

Leopoldo Pontes é ariano de 1958.

Lançou livros de poemas no final dos anos 1970 e início


dos 80, mimeografados, em edições reduzidíssimas. Tem
outros livros editados pela Amazon.

Sua formação acadêmica inclui Comunicação Social e


Direito. E uma pós-graduação em Língua Portuguesa e
Literatura.

Contato: leopoldopontes21@gmail.com

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Livros de Leopoldo Pontes editados pela Amazon até maio de
2020:

Gabriel: a História do Roqueiro que virou o Grande Herói


Nacional

Asas para Teotino

O Gosto das Coisas - Trilogia:

1. E o Rock Não Morreu...

2. A Gorda vai Cantar

3. O Tempo e as Estações

4 COROS DA TERRA E DOS CÉUS E UMA CANÇÃO


INFLAMADA: Teatro

ROCK NÃO SE APRENDE NA ESCOLA

Poemas pars se Ler em Voz Alta

NA CONTRAMÃO

VMPM e Outros Contos

Dialética no Direito: O Estado Leigo

V.M.P.M.: Duas Histórias de Amor

Minha Experiência com o Kindle

ZEN SEM FRESCURA: O Livro da Anti-Autoajuda: Tudo o


que os livros de autoajuda não te deixam acreditar

Dialética sem Encher Linguiça

Análise de Matrix e outros filmes e textos

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