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SOLA SCRIPTURA

Os reformadores queriam uma reforma e não uma revolução.


A ocasião dessa conferência é trazer à tona nossa identidade como presbiterianos
no Brasil e comemorar a Reforma Protestante, que teve seu estopim no dia 31 de
Outubro de 1517, quando Martinho Lutero coloca suas 95 teses, para ser discutida pelos
estudiosos.
Uma coisa que temos que carregar em nossa mente, para entendermos tudo o
que acontecia naquele momento é que o mundo na idade média se relacionava com o
céu, como se ele estivesse mais perto, como se pudessem sentir o cheiro do juízo final.
Havia um retalho do pano que envolveu o bebê Jesus, 13 pedaços do seu berço,
um fio de palha da manjedoura, uma peça de ouro de um dos magos, três pedaços de
mirra, um bocado do pão da Última Ceia, um espinho da coroa que Jesus tinha sobre a
cabeça quando crucificado e, a melhor de tudo isso, uma verdadeira lasca da pedra sobre
a qual Jesus estava antes de subir aos céus para colocar-se à direita do Pai. E fazendo jus
ao estilo católico, a virgem Maria não ficou de fora. Lá estavam três retalhos do tecido
do seu manto, “quatro do seu cinto”, quatro fios de cabelo da sua cabeça e, melhor ainda
sete pedaços do véu onde respingou o sangue de Cristo. Essas e muitas outras relíquias
(19 mil ossos dos santos!) ali estavam, dispostas de modo a serem admiradas pelos
peregrinos devotos. As relíquias faziam parte da estimada coleção de Frederico, o sábio,
eleitor da saxônia, príncipe de Lutero. E encontravam-se na igreja do castelo de
Wittenberg, prontas para serem exibidas em 1º de Novembro de 1516, o Dia de Todos
os Santos.1
Em meio a toda essa ostentação, havia um ingrediente essencial – a aquisição de
indulgências.
O que eram e são as indulgências conforme o catecismo católico romano?

1471. A doutrina e a prática das indulgências na Igreja estão estreitamente ligadas aos
efeitos do sacramento da Penitência.

“«A indulgência é a remissão, perante Deus, da pena temporal devida aos pecados
cuja culpa já foi apagada; remissão que o fiel devidamente disposto obtém em certas e
determinadas condições, pela ação da Igreja, a qual, enquanto dispensadora da
redenção, distribui e aplica por sua autoridade o tesouro das satisfações de Cristo e dos
santos» (79). «A indulgência é parcial ou plenária, consoante liberta parcialmente ou na
totalidade da pena temporal devida ao pecado» (80). «O fiel pode lucrar para si mesmo
as indulgências [...], ou aplicá-las aos defuntos» (81).”

1478. A indulgência obtém-se mediante a Igreja que, em virtude do poder de ligar e


desligar que lhe foi concedido por Jesus Cristo, intervém a favor dum cristão e lhe abre
o tesouro dos méritos de Cristo e dos santos, para obter do Pai das misericórdias o
perdão das penas temporais devidas pelos seus pecados. É assim que a Igreja não quer
somente vir em ajuda deste cristão, mas também incitá-lo a obras de piedade, penitência
e caridade» (88).
1
Baiton, Roland H. Here I Stand: A life of Martin Luther. Peabody, Ma: Hendrickson, 1950, p. 53, in:
Matthew Barrett, Somente a Escritura, Editora Cultura Cristã, ebook pg. 60.
1479. Uma vez que os fiéis defuntos, em vias de purificação, também são membros da
mesma comunhão dos santos, nós podemos ajudá-los, entre outros modos, obtendo para
eles indulgências, de modo que sejam libertos das penas temporais devidas pelos seus
pecados.

As indulgências tinham a ver com o sacramento da penitência, e somente com


uma parte desse sacramento: as obras de satisfação exigidas do pecador penitente como
pagamento pela punição do pecado. Os teólogos medievais faziam distinção entre a
culpa incorrida pelo pecado e a punição que deveria ser paga, visto que pecado algum
poderia ficar sem punição. Quando a culpa era perdoada por Deus por meio da
absolvição oferecida pelo sacerdote, a punição da condenação eterna era comutada em
obras de satisfação impostas pelo sacerdote ao pecador arrependido conforme a
seriedade do pecado cometido. Uma indulgência era uma prerrogativa adicional da
igreja de libertar penitentes dessas obras de satisfação. Desde o século 13, o poder de
permitir esse relaxamento ou “indulgência” da obrigação de penitência derivava-se do
“tesouro da igreja”. Esse tesouro continha os méritos acumulados de Cristo e dos santos,
e, por serem supérfluos aos que originalmente os haviam adquirido, eram
disponibilizados aos pecadores comuns da igreja. Uma indulgência
O que são os tesouros da igreja católica romana, conforme o seu catecismo?

“1476. A estes bens espirituais da comunhão dos santos, também lhes chamamos
o tesouro da Igreja, «que não é um somatório de bens, como quando se trata das
riquezas materiais acumuladas no decurso dos séculos, mas sim o preço infinito e
inesgotável que têm junto de Deus as expiações e méritos de Cristo, nosso Senhor,
oferecidos para que a humanidade seja liberta do pecado e chegue à comunhão com o
Pai. É em Cristo, nosso Redentor, que se encontram em abundância as satisfações e os
méritos da sua redenção (86)».

1477. «Pertencem igualmente a este tesouro o preço verdadeiramente imenso,


incomensurável e sempre novo que têm junto de Deus as orações e boas obras da
bem-aventurada Virgem Maria e de todos os santos, que se santificaram pela graça de
Cristo, seguindo as suas pegadas, e que realizaram uma obra agradável ao Pai; de modo
que, trabalhando pela sua própria salvação, igualmente cooperaram na salvação dos seus
irmãos na unidade do corpo Místico» (87).”

Lutero recordava seu temor ao passar pelos portões góticos e ser recebido por
um ameaçador baixo-relevo de Jesus no juízo final. Em contraste a essa imagem, os
santos eram amigos amáveis que cercavam a mais amada de todos: a Virgem Maria, que
podia ser convencida a tornar seu Filho mais favoravelmente inclinado aos pobres
pecadores. Os dias santos envolviam representações teatrais anuais dos acontecimentos
mais importantes do evangelho, mas a pessoa e a obra de Jesus estavam enterradas sob
um monte de dias de santos e miríades de superstições, relíquias e peregrinações.2

2
Sproul, R.C.; Nichols, Stephen. O Legado de Lutero . Editora Fiel. Edição do Kindle.
O papa Leão X utilizava a venda de indulgências para custear a conclusão da
Basílica de São Pedro, mas não era qualquer indulgência que serviria. O papa Leão X
emitiu uma indulgência plenária, que, aparentemente, levaria o pecador ao estado de
inocência que havia recebido no batismo.
Não havia ninguém mais experiente do que o dominicano Johann Tetzel para
comercializar essa oportunidade única na vida. O que exatamente o pecador recebia na
compra dessa indulgência? Vendedores inescrupulosos como Tetzel davam a impressão
de que a indulgência resultaria no perdão total de todos os pecados.[7] Nem mesmo o
pecado de violar a mãe de Deus seria suficiente para impedir a eficácia dessas
indulgências![8] Até mesmo os horrores de anos no purgatório poderiam ser evitados.
E, se isso não fosse bom o bastante, também havia a oportunidade de comprar uma
indulgência para algum ente querido no purgatório
Viajando de cidade em cidade com toda a pompa de Roma, Tetzel,
descaradamente, incutia nos seus ouvintes um profundo sentimento de culpa:
“Ouçam as vozes dos seus queridos familiares e amigos, suplicando e dizendo:
‘apiedem-se de nós, apiedem-se de nós. Estamos aqui em tormentos terríveis dos quais
vocês podem nos livrar por uma ninharia. Deixarão que fiquemos aqui, em chamas?
Adiarão nossa prometida glória? ” Então, Tetzel apresentava sua cativante rima: Assim
que a moeda tilintar no cofre, a alma é libertada do purgatório”
Ao final de 1517, Martinho Lutero não pôde mais tolerar. Um ano antes, ele
pregara contra as corrupções das indulgências. Dessa vez, registraria por escrito suas
objeções visando a um debate acadêmico. As famosas 95 teses de Lutero, expunham os
abusos das indulgências, negavam o poder e a autoridade do papa sobre o purgatório e
colocavam em dúvida se de fato o papa tinha em mente o bem do pecador. Quando
concluídas, as teses de Lutero foram afixadas na porta da igreja do castelo de
Wittenberg, em 31 de outubro de 1517.
Lutero não queria um cisma, queria uma reforma no pensamento da igreja, como
um bom católico queria que os líderes da igreja se arrependessem dos seus abusos. O
que talvez fosse mais chocante e intolerável nesse momento é que as Escrituras, para
Lutero estavam acima da tradição da igreja e do Papa e isso não podia ser perdoado ou
aceitado, essas ideias deveriam ser expurgadas.
O que é o verdadeiro tesouro da igreja nas teses de Lutero?

62 O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de


Deus.

63 Este tesouro, entretanto, é o mais odiado, e com razão, porque faz com que os
primeiros sejam os últimos.

76 Afirmamos, pelo contrário, que as indulgências papais não podem anular sequer o
menor dos pecados veniais no que se refere à sua culpa.

82 Por exemplo: por que o papa não evacua o purgatório por causa do santíssimo amor e
da extrema necessidade das almas - o que seria a mais justa de todas as causas -, se
redime um número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a
construção da basílica - que é uma causa tão insignificante?

Uma Luta de Autoridade

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