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Corpus Christi

A solenidade de Corpus Christi, que nos católicos celebramos todos os anos


na primeira quinta-feira após a Oitava de Pentecostes, não existiu na Igreja desde
sempre. “Na quinta-feira depois da festa da Santíssima Trindade celebra-se a
solenidade do Santíssimo Sacramento ou “Corpus Christi”. A Igreja celebra na
Quinta-feira Santa a instituição do Santíssimo Sacramento; mas como então está
ocupada principalmente em função do luto pela Paixão de Jesus Cristo, julgou
conveniente instituir outra festa particular para honrar este mistério em pleno
regozijo” (CMSPX 113-114). O marco de sua instituição é a bula Transiturus de hoc
mundo, do Papa Urbano IV, publicada a 11 de agosto de 1264, e que pode ser lida
com grande interesse no site do Vaticano.
Mais notável que esse decreto do Papa, no entanto, são seus antecedentes
espirituais. A literatura normalmente aponta dois eventos principais que culminaram
com a instituição da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo:
1º uma visão de Santa Juliana de Liège, religiosa agostiniana belga, e
2 º um milagre eucarístico ocorrido na cidade de Bolsena, na Itália.

As ligações não são fruto de especulação histórica. O Papa que


instituiu Corpus Christi conheceu pessoalmente ambos os acontecimentos. Daí a
importância de os repassarmos, para entendermos qual o sentido da festa que ora
celebramos e, ao mesmo tempo, colhermos disso abundantes frutos espirituais.
Primeiramente, Santa Juliana. O que viu essa mística para ensejar a instituição
de uma festa litúrgica para a Igreja universal? O Papa Bento XVI, em uma catequese
sobre essa santa, explica:
Com a idade de 16 anos [n.d.t.: por volta de 1209, portanto, ela] teve uma primeira
visão, que depois se repetiu várias vezes nas suas adorações eucarísticas. A visão apresentava
a lua no seu mais completo esplendor, com uma faixa escura que a atravessava
diametralmente. O Senhor levou-a a compreender o significado daquilo que lhe tinha
aparecido. A lua simbolizava a vida da Igreja na terra, a linha opaca representava, ao
contrário, a ausência de uma festa litúrgica, para cuja instituição se pedia a Juliana que
trabalhasse de maneira eficaz: ou seja, uma festa em que os fiéis pudessem adorar a
Eucaristia para aumentar a fé, prosperar na prática das virtudes e reparar as ofensas ao
Santíssimo Sacramento. […] (AG)

Pela boa causa da festa do Corpus Christi foi conquistado […] Tiago Pantaleão de
Troyes, que conhecera a santa durante o seu ministério de arquidiácono em Liège. Foi
precisamente ele que, tendo-se tornado Papa com o nome de Urbano IV, em 1264, instituiu a
solenidade do Corpus Christi como festa de preceito para a Igreja universal […]. (AG)
O chamado “Milagre de Bolsena-Orvieto”, por sua vez, foi realizado por Deus
com um sentido bem particular: firmar a fé vacilante de um sacerdote.
Em 1263 — um ano antes, portanto, da instituição de Corpus Christi —, um
padre alemão, chamado Pedro de Praga, parou na cidade de Bolsena depois de uma
peregrinação à Cidade Eterna. A crônica geralmente o descreve como um padre
piedoso, mas que tinha dificuldades para acreditar que Cristo estivesse realmente
presente na Hóstia consagrada. ”Jesus Cristo está presente na Eucaristia de um
modo único e incomparável. De facto, está presente de modo verdadeiro, real e
substancial: com o seu Corpo e o seu Sangue, com a sua Alma e a sua Divindade.
Nela está presente de modo sacramental, isto é, sob as espécies eucarísticas do pão e
do vinho, Cristo completo: Deus e homem” (CCIC 282). Eis então o que lhe
aconteceu:
Enquanto celebrava a Santa Missa sobre o túmulo de Santa Cristina, mal havia ele
pronunciado as palavras da consagração, quando sangue começou a escorrer da Hóstia
consagrada, gotejando em suas mãos e descendo sobre o altar e o corporal. O padre ficou
imediatamente perplexo. A princípio, ele tentou esconder o sangue, mas então interrompeu a
Missa e pediu para ser levado à cidade vizinha de Orvieto, onde o Papa Urbano IV então
residia. (EM)
O Papa ouviu o relato do padre e o absolveu. Mandou então emissários para uma
investigação imediata. Quando todos os fatos foram confirmados, ele ordenou ao bispo da
diocese que trouxesse a Orvieto a Hóstia e o pano de linho contendo as manchas de sangue.
Juntamente com arcebispos, cardeais e outros dignatários da Igreja, o Papa realizou uma
procissão e, com grande pompa, introduziu as relíquias na catedral. O corporal de linho
contendo as marcas de sangue ainda está reverentemente conservado e exposto na
Catedral de Orvieto. (EM). “O culto prestado à Eucaristia fora da Missa é de um
valor inestimável na vida da Igreja, e está ligado intimamente com a celebração do
sacrifício eucarístico. A presença de Cristo nas hóstias consagradas que se conservam
após a Missa” (CF. EEE 25).
Como se sabe, depois disso, o Papa pediu a ninguém menos que Santo Tomás
de Aquino para compor os textos litúrgicos referentes à Corpus Christi, de cuja pena
nasceram os mais belos hinos já escritos ao Santíssimo Sacramento, e que todos
cantamos ainda hoje.
Pange Lingua Glorioso - Tão sublime Sacramento (ouvir)
https://www.youtube.com/watch?v=tqtI1CgKjMM

Mas o que tudo isso tem a ver conosco?


Em primeiro lugar, lembremo-nos dos três fins com que Jesus pediu essa festa
a Santa Juliana: “aumentar a fé, prosperar na prática das virtudes e reparar as ofensas
ao Santíssimo Sacramento” (AG). Todos atualíssimos. Pois a fé católica no
sacramento da Eucaristia parece perder-se cada vez mais. Como consequência
disso, multiplicam-se as profanações e os sacrilégios. O que deveria ser, então,
alimento para fortalecer as almas, transforma-se em causa de sua própria condenação,
para usar as palavras de São Paulo (cf. 1Cor 11, 29); e as pessoas, ao invés de
melhorar, de crescer nas virtudes, só vão de mal a pior.
Por tudo isso, Corpus Christi é um dia de reparação. Reparação pela falta de
fé generalizada em que se encontram nossos católicos, participando da Missa de
qualquer modo e recebendo a Comunhão como se fosse um pedacinho qualquer
de pão, “talvez ocupados com o pensamento dos negócios mundana ou mais
comumente devido à negligência e fraqueza humanas” (BTHM). Reparação
porque, apesar de tantos milagres eucarísticos, como o de Bolsena, em que Deus
parece gritar aos nossos ouvidos a verdade de sua presença real na Eucaristia, nós,
ingratos, teimamos em não crer, não adorar, não esperar e não O amar.
Reparação porque, a um Deus que deseja ardentemente se unir a nós, a nossa resposta
tantas vezes é a frouxidão, a frieza, a indiferença.
“Corpus Christi” é uma festa “para aumentar a fé, prosperar na prática das
virtudes e reparar as ofensas ao Santíssimo Sacramento”.
Reparemos, portanto, o Coração Eucarístico de Nosso Senhor, mas com um
coração alegre e agradecido de nossa parte, porque é Ele mesmo quem nos torna
possível essa graça. Foi o próprio Jesus Cristo quem pediu à Igreja, quase um
milênio atrás, que fosse instituída a solenidade que hoje comemoramos a festa
litúrgica que faltava à “vida da Igreja na terra”.
E não nos espantemos que tenha demorado tanto tempo — 1200 anos! — para
que os fiéis católicos começassem a celebrá-la. A cada nova geração de cristãos, Deus
suscita coisas novas em sua Igreja. Do mesmo modo, a cada Santa Missa de que
participamos, Ele quer fazer coisas novas em nossa alma. Estejamos sempre
atentos!
Para honrar o mistério que se celebra no dia de Corpus Christi devemos;
1º Devemos aproximarmo-nos com particular devoção e fervor da Sagrada Comunhão e
dar graças com todo o afeto de nossa alma ao Senhor que se dignou dar-se a cada um de
nós neste sacramento;
2º Devemos assistir nessa solenidade aos ofícios divinos, e particularmente ao Santo
Sacrifício da Missa, e fazer frequentes visitas a Jesus, oculto sob as espécies
sacramentais.
“Em muitos lugares é dedicado amplo espaço à adoração do Santíssimo
Sacramento, tornando-se fonte inesgotável de santidade. A devota participação dos
fiéis na procissão eucarística da solenidade do Corpo e Sangue de Cristo é uma graça
do Senhor que anualmente enche de alegria quantos nela participam. E mais sinais
positivos de fé e de amor eucarístico se poderiam mencionar” (CF. EEE 10) Por que
na festa de Corpus Christi se leva solenemente a Santíssima Eucaristia em
procissão?
1º Para honrar a Humanidade de nosso Senhor;
2º Para avivar a fé e aumentar a devoção dos fiéis a este mistério;
3º Para celebrar a vitória que tem dado à sua Igreja contra todos os inimigos do
Sacramento;
4º Para reparar de algum modo as injúrias que recebe dos inimigos de nossa religião.
Como devemos assistir a procissão de Corpus Christi?
1º Com grande recolhimento e modéstia, não olhando para um lado e para outro, nem
falando sem necessidade;
2º Com intenção de honrar por meio de nossas adorações o triunfo de Jesus Cristo;
3º Pedindo-lhe humildemente perdão pelas comunhões indignas e as demais
profanações que se cometem contra este divino Sacramento;
4º Com sentimentos de fé, confiança, amor e reconhecimento a Jesus Cristo, presente
na hóstia consagrada.
“E, querendo incentivar os fiéis com dons espirituais a celebrar com
dignidade uma festa tão grande, concedemos a todos aqueles que realmente se
arrependem e confessam participar das matinas desta festa, na igreja em que é
celebrada, cem dias de indulgência; muitos outros para a missa e, da mesma
forma, para aqueles que participam da primeira véspera da mesma festa e da
segunda; e a todos os que participam do escritório de Prima, Tercia, Sexta, Nona
e Completas, quarenta dias por hora. Finalmente, a todos os que comparecem a
Matinas e Vésperas, à Missa e à recitação do Ofício durante a Oitava,
concedemos cem dias de indulgência por cada dia confiando na misericórdia de
Deus Todo-Poderoso e na autoridade de seus Santos Apóstolos Pedro e Paulo”
(CF.BTHM).

Pesquisar e fazer um pequeno resumo sobre 3 milagres


Eucarísticos: 1 Milagre de Lanciano – Século VIII; 2 O corporal de Bolsena –

Século XIII; 3 A hóstia de Siena, Itália – Século XVIII; 4 O milagre de Chirattakonam,

Índia – Século XXI; 5 O Milagre Eucarístico de Santarém – Século XIII; 6 Milagre

Eucarístico de Buenos Aires; 7 Milagre Eucarístico de Eten (Peru).


Siglas

AG - Papa Bento XVI,  Audiência Geral (17 de novembro de 2010)


http://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2010/documents/hf_ben-
xvi_aud_20101117.html

BTHM – BULLA TRANSITURUS DE HOC MUNDO


http://www.vatican.va/content/urbanus-iv/es/documents/bulla-transiturus-de-
mundo-11-aug-1264.html

CCIC -  Compêndio do Catecismo da Igreja Católica


CF – Conforme
EEE - Encíclica Ecclesia de Eucharistia
http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-
ii_enc_20030417_eccl-de-euch.html

EM - Joan Carroll Cruz, Eucharistic Miracles, Charlotte: Tan Books,


2010, p. 64 (tradução e adaptação nossa).

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