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Histórias de uma fila

Camily - Maria - apressada


Isabela - Carmem - Atendente
Pedro - João - menino de rua
Duda - Deb - Narradora
Helena - Elisa - Velha
Thaylla - Rafa - Mulher de mal humor

Entra em cena Deb para no centro do palco.

Deb - Aqui estamos nós e vamos falar do Brasil. Mas, tem de ser algo que
represente esse lindo país de território lindo e com as matas mais bonitas do
mundo. Pais do carnaval, terra do futebol. Esse país de grandezas e riquezas. Mas,
esse país de praias perfeitas e bonito por natureza. Mas, tem algo que o povo
brasileiro por puro instinto ama. Algo que faz parte do dia a dia e o brasileiro
não resiste. Algo que se você é brasileiro você vai ter de viver, vai se acostumar
e sem perceber vai gostar. (Pausa) Filas. Isso. Ser brasileiro é gostar de filas.

Enquanto ela fala Elisa entra e passa na frente dela.

Elisa – Me de licença mocinha.

Deb – Nas, filas do Brasil tudo pode acontecer. Ou melhor. Tudo acontece. É onde
você encontra quem não vê a muito tempo, perde a calma, estuda, enrola e se mostra
brasileiro com aquele jeitinho de passar a frente. Que brasileiro nunca passou na
frente em uma fila? Tenho certeza de que você ai já fez isso. Se não fez, teve
vontade. Isso é ser brasileiro.

Ela volta pra fila atras da Elisa.

Deb – Com licença senhora. Eu já estava aqui.

Elisa – Não tinha ninguém na minha frente. Foi na roça perdeu a carroça.

Deb – Senhora, eu estava apenas falando com o publico.

Elisa – Que culpa eu tenho se você saiu? A fila é aqui. não lá.

Deb – Eu estava explicando algo serio importante senhora. Pode perguntar para eles.

Elisa – Você quer que eu pergunte para sair da fila e ficar no meu lugar. Respeite
os mais velhos mocinha.

Entra Carmem com uma prancheta nas mãos.

Carmem – Algum problema?

Deb – Ela entrou na minha frente.


Elisa – E ela tentou me agredir. Veja bem. Agredir uma senhora da minha idade
apenas para tentar furar fila. Onde esse país vai parar. Se fosse no japão eu seria
mais respeitada.

Deb – Então vai pra lá senhora.

Elisa – Outra agressão. Agora verbal. Esses jovens que não tem educação.

Carmem – Cuidado com o que fala com a senhora. Respeito aos mais velhos. Ainda mais
quando se é tão velho assim. Pode morrer a qualquer segundo.

Deb – Que morra.

Carmem – Se continuar assim, vou ter de chamar o Jorge para te tirar da fila. E
outra. Ela tem preferencia.

Sai.

Deb – Preferencia. Isso é injusto.

Elisa – Trabalhei a vida toda para fazer esse país ser como é e ainda escuto isso.

Deb – Por isso estamos em uma fila. Porque a senhora não trabalhou direito.

Entra João com uma caixa de balas na mão.

João – Com toda licença minhas lindas damas. Mas, quero um minuto da sua atenção.
Eu poderia estar roubando, matando ou virando politico. Mas, estou aqui apenas
vendendo uma balinha. Compra uma balinha para me ajudar?

Deb compra e elisa finge que nem escutou.

João – E a senhora?

Elisa – Não tenho dinheiro. Na minha época eu teria ido trabalhar e não ficar ai
vendendo balinhas.

João – Isso é meu trabalho senhora. Essas balas que levam comida para meus 12
irmãos e meus pais.

Deb – Velha e pão dura.

Elisa – Me da uma balinha aqui logo menino. Espero que seja balas mesmo e não
drogas.

João – Obrigado. Salvaram uma vida.

Sai de cena. Entrando Rafa logo atras da Deb.

Rafa – Já começaram a atender?

Deb – Ainda não. E olha que fui a primeira a chegar.


Elisa – E eu tenho prioridade. Já trabalhei muito por esse país. Algum direito
tenho de ter.

Deb – Não de furar fila.

Rafa – Espero que não demore muito. Meu chefe é um chato e nem vai acreditar que eu
fiquei parada em uma fila. Vai falar que estava enrolando. Só porque outro dia sai
para tomar um café e demorei três horas.

Deb – Você foi fazer o café?

Rafa – É que não tinha a marca que gosto. E ai, falei com uma amiga e ela me chamou
para ir no shopping tomar um café lá. E depois passamos pela praia e estava quente.
Não poderia deixar passar aquele sol maravilhoso.

Elisa – E o trabalho que é bom nada. Esses jovens. Tudo preguiçosos.


Rafa – A fila anda senhora. Não podemos ficar parados e deixar a vida passar. Mas,
ainda deu tempo de voltar.

Elisa – E trabalhar?

Rafa – Que nada. Bater o ponto e pegar minhas coisas, que tinha um pagode para ir.

Entra joão, agora com uns paninhos nas mãos.

João – Desculpe incomodar minhas lindas damas. Estou aqui vendendo o melhor paninho
de limpar celular. Por apenas dois reais. Eu poderia estar matando. Poderia estar
roubando. Mas, estou aqui trabalhando.

Rafa – Isso mesmo. Temos de trabalhar para fazer o Brasil andar. Pelo menos o
Brasil. Que essa fila não anda. Estou envelhecendo aqui.

João – Então. Vamos comprar um paninho? Vai me ajudar a levar comida para os meus
13 irmãos senhora.

Deb – Mas, não eram 12 irmãos?

João – Minha mãe teve mais um agora a pouco. O jonas. Lindinho com cara de joelho.

Entra carmem.

Carmem – Está novamente aqui joão. Vai pra casa, vai para uma escola garoto. Não
fique atrapalhando o pessoal da fila. Mas, depois deixa um paninho la dentro pra
mim, esse é dos bons.

João sai de cena.

Rafa – Ainda vai demorar moça? Tenho muito o que fazer. Acabei de saber que tem uma
promoção na loja perto do meu trabalho.
Carmem – Estamos tendo um probleminha no sistema. Mas, já estamos dando um jeito.
Não vai demorar muito.

Elisa – Estamos aqui a horas. Vou morrer na fila.

Deb – Pela idade não parece que seja algo que va demorar.

Elisa – Outra agressão aos mais velhos. Que país é esse.

Rafa – Estou filmando tudo senhora. Não pode falar assim com os mais velhos.

Carmem – Tenha calma. Já vamos atender a todos vocês. (Pausa) Eu nem queria estar
aqui. mas, o que não fazemos por esse salario de fome.

Elisa – Pelo menos esta trabalhando menina.

Carmem – Senhora eu sou formada. Isso aqui não é para mim. É apenas passageiro.

Rafa – Formada em que?

Carmem – Em educação física. E ainda irei montar uma rede de academias de cross
fit.

Entra nesse momento correndo maria.


Maria – Eu sou a ultima? Já começaram a atender?

Carmem – Ainda não. Estamos com um probleminha no sistema.

Maria – Sério? Não pode ser sempre comigo. Acabei de sair de uma fila de três horas
e agora essa. Logo hoje que estou com pressa. Isso só acontece comigo.

Carmem – Com todos né minha senhora.

Rafa – Sim. Outro dia fiquei duas horas para ir em uma fila do banheiro. E olha que
só queria arrumar a maquiagem.

Elisa – E eu que fui ao médico.

Deb – Sempre né? Pela idade deve ser o seu melhor amigo.

Elisa – Vou fingir que não escutei. Mas, é sim. E fiquei no postinho esperando por
quatro horas e o Jeferson não foi. Falou que teve um problema com o filho.

Maria – Eu fui pedir para a professora corrigir uma prova e a fila demorou uma hora
e meia. Ela acabou de corrigir online e ainda tinha fila.

Deb – E eu que fui ao cinema, a fila estava tão grande que acabei entrando três
sessões depois. E metade nem ia para o cinema. Era apenas para tirar fotos com o
poster do filme e colocar nos insta.

Entrando joão.

João – Isso não é nada. Já fiquei uma hora para apenas tomar um cafezinho. E olha
que isso era dentro da minha própria casa. E quando fui tomar um banho de mar.
Tinha fila até para furar a onda.

Carmem – É né? Tudo tem fila. Mas, eu garanto para vocês que a nossa fila vai andar
rapidinho. Esperem apenas mais um minuto.

Maria – Espero que não demore. Estou apressada. Ainda tenho de pegar um ônibus, um
trem, um metro e ir para casa. E depois ainda vou para a faculdade.

João – Enquanto estão na fila, poderiam comprar o fone de ouvidos mais incrível do
mundo. Ele nunca estraga. Ele nunca falha. Escuta as músicas já traduzidas.

Rafa – Ele é bom mesmo?

João – Eu mesmo tenho um.

Maria – Baratinho?

João – O mais barato da cidade senhora.

Elisa – Agora é um fone?

João – Senhora. Eu poderia estar matando. Poderia estar roubando. Mas, estou
trabalhando para levar comida para as 14 crianças da minha casa.

Deb – Não eram 13 da ultima vez?

João – Nasceu um sobrinho. Minha irmã mais velha tem três filhos.

Elisa – No meu tempo não era assim o Brasil era diferente.


Deb – Era antigo?

Rafa – Era campeão no futebol?

Carmem – Era mais feliz?

Maria – Era mais limpo?

João – Era mais honesto politicamente?

Todas – Isso nunca foi.

Elisa – O brasil era... Era.... Esqueci. Tem tanto tempo que esqueci. Mas, era
melhor. Sempre era melhor.

Carmem – Esperem. Estão me chamando correndo lá dentro. Podem ser boas noticias.
Deb – Espero que tenha voltado o sistema.

João – E o fone? Alguém vai querer?

Maria – Não tenho dinheiro. Apenas pix.

João – Aceito tudo senhora. Pix. Cartão de crédito e debito. Só não aceito dinheiro
vivo. Está tudo muito perigoso. Pode transferir para meu celular. (Mostrar um papel
com o número) .

Volta carmem

Carmem – Prontinho o sistema voltou. E poderemos atender vocês. E vamos por ordem.
A senhora sera a primeira a responder nossa pesquisa do IBGE.

Todos – Pesquisa?

Carmem – Sim. Pesquisas sobre tudo. Sobre politico, sobre quem é o melhor, nescau
ou toddy? Somos uma empresa de pesquisa.

Elisa – Eu achei que era a fila para idosos fazerem carteirinha pra andar de
graça.

Carmem – Essa é na outra esquina senhora.

Rafa – Não envia cartas aqui não?

Carmem – Nem sei o que é isso senhora. Mas pode perguntar ali no correios ao lado
que te informam.

Maria – Achei que era para fazer a matricula do curso de inglês gratuito.

Carmem – Esse eu sei que fica na rua de baixo.

Deb – Droga, achei que era para fazer teste de elenco do BBB.

Carmem – Esse é apenas online. E não temos wifi. E eu aqui achando que iria bater
minha meta.

Sai de cena.

Deb – É assim. Por isso o brasil não vai pra frente. Estamos parados na fila. Fila
para tudo. E até mesmo para saber que não é preciso enfrentar fila. Alguém já
enfrentou fila errada? Ou apenas por ver uma fila ficou curioso para saber o que
acontecia ali? Então. Isso é ser brasileiro. É estar sempre em uma fila.

Sai de cena.

João – Aproveitando que vocês estão aqui. eu poderia estar roubando, poderia estar
matando. Mas, estou vendendo esse fone para ajudar a alimentar a boca de 15
crianças da minha casa... alguém? (Sai de cena.)

Fim....

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