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Pelo menos sei que tem um monte de barraco cheio, monte de gente vivendo.
Ontem terminei mais uma letra, talvez o disco saia um dia, senão é melhor correr trecho.
Acorda preto.
O quê... o quê...
Acorda logo.
Mas o quê...
Mas eu...
Tô indo.
Tento pegar o chinelo, cutuco com o pé embaixo da cama, mas não acho. Todo mundo lá embaixo, o bar
da minha mãe tá fechado, cinco homens, é a Dona Zica, a Rota.
Ninguém responde, vou ficar calado também, não sei por que somos pretos, não escolhi.
Porque... porque...
Fala, macaca.
Penso em falar, sou do rap, sou guerreiro, mas não paro de olhar a pistola na mão dele.
Do bar, moço.
Sim, senhor.
E você, neguinho, o que tá olhando aí, decorando minha cara para me matar, é? Você pode até tentar,
mas a gente volta aqui, põe fogo em criança, queima os barracos e atira em todo mundo nessa porra.
Tô desempregado.
Ele talvez não saiba que todo mundo na minha rua é pedreiro agora, ele talvez não saiba.
Sabe o que você é?Não.Você é lixo, olha suas roupas, olha sua cara, magro que nem um preto da
Etiópia, vai roubar, caralho, sai dessa.
Sou trabalhador.
Eu canto rap, devia responder a ele nessas horas, falar de revolução, falar da divisão errada no país, falar
do preconceito, mas...
É o seguinte, seus montes de bosta, vou apagar a luz, e vou atirar em alguém.
Mas capitão...
Tem não.
Ah! Mas se eles te pegam na rua, comem sua mulher, roubam seus filhos sem dó.
Certo, capitão.
O tiro acontece, eu abraço minha mãe, ela é magra como eu, ela treme como eu.
Todo mundo grita, depois todo mundo fica parado, o ronco da viatura fica mais distante.