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DESAFIOS E OPORTUNIDADES
Rio de Janeiro
2020
DANIELA DA SILVA MENESES BORBA
Rio de Janeiro
Dezembro de 2020
ENSAIOS CLÍNICOS COM POPULAÇÃO PEDIÁTRICA NO BRASIL:
DESAFIOS E OPORTUNIDADES
__________________________________________________
Beatriz Kaippert
__________________________________________________
Arnaldo Cezar Couto
__________________________________________________
Bárbara da Silva e Souza Lorca
Dezembro de 2020
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus por me proporcionar perseverança durante toda a minha vida
e por ter me mantido na trilha certa durante este projeto com saúde e forças para chegar até o
final. Agradeço também a minha família, em especial, aos meus pais Sônia e Bil por terem me
incentivado e apoiado durante toda a minha vida e foram meus alicerces para que eu pudesse
realizar meus sonhos. Aos meus irmãos Gabriela e Carlos Eduardo por todo apoio, confiança e
incentivos que me deram desde que eu era pequena. Ao meu namorado e futuro marido, Thiago
Vitale, pelo seu amor incondicional e por compreender e ser paciente durante toda a minha
trajetória na faculdade e estágios, obrigada por tanta força proporcionada. A minha querida
orientadora, Beatriz Kaippert, por ter aceitado embarcar nesse trabalho comigo, por ter sido
paciente e amiga, por ter contribuído com muitas ideias e ter me auxiliado no desenvolvimento
do NOSSO trabalho (ele está lindo). A minha melhor amiga Yuanna, por estar comigo desde
pequena e me apoiar nos meus sonhos. A todos os meus amigos do curso de graduação, em
especial Tathiane, Ludmila e Pablo, vocês foram essenciais para o meu desenvolvimento na
faculdade, compartilhamos inúmeros desafios juntos e sempre com o espírito colaborativo.
Também quero agradecer à UEZO e o seu corpo docente que demonstrou estar comprometido
com a qualidade e excelência do ensino, muito orgulhosa de sair farmacêutica e representar a
UEZO. E por último, mas não menos importante, ao meu atual trabalho e última experiência de
estágio, Servier do Brasil e toda a minha equipe do departamento CIRT, graças a vocês eu
descobri o meu amor por pesquisa clínica e decidi o que quero para a minha vida profissional,
nesse estágio tive a oportunidade de aprender mais dessa área linda com grandes profissionais
e simultaneamente amadureci na minha vida pessoal também. Obrigada!
“Não existe revelação mais nítida da alma de uma sociedade do que a
forma como esta trata as suas crianças.”
Nelson Mandela
RESUMO
O presente trabalho teve por objetivo analisar o cenário dos ensaios clínicos pediátricos no
Brasil e no mundo, para discutir os desafios desse campo e buscar oportunidades de melhoria
para sua maior inserção no país. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica dividida
em cinco etapas. Primeiramente, foi realizada a busca nas bases de dados Scielo; PubMed;
Google acadêmico e sites das agências ético-regulatórias sobre as legislações e
regulamentações que marcaram o desenvolvimento da pesquisa clínica global e nacional.
Posteriormente nestas mesmas bases foi pesquisado as etapas, os atores que estão envolvidos
nessa área, assim como as especificidades dos ensaios clínicos pediátricos. A fim de analisar
quantitativamente o perfil dos ensaios clínicos pediátricos versus ensaios clínicos com
população adulta foi realizado um levantamento no Clinical Trials dos estudos registrados no
Brasil comparado aos EUA e Europa. Para entender a diferença de resultados destas três
regiões. foi realizado uma análise exploratória nos sites de agências ético-regulatórias de cada
local (FDA, EMA e ANVISA), uma vez que possivelmente as iniciativas regulamentares
poderiam influenciar no número de ensaios clínicos pediátricos realizados. Por fim, foi
realizado um levantamento bibliográfico no Pubmed e BVS para analisar as principais
dificuldades e propostas de melhoria para a condução de estudos clínicos pediátricos. Como
resultado foi compreendido o histórico da evolução da pesquisa clínica global e nacional, o
papel dos atores que estão envolvidos nessa área, assim como as especificidades dos estudos
clínicos pediátricos. Verificou-se que o número de estudos clínicos pediátricos no Brasil é
inferior quando comparado aos EUA e a Europa. Observou-se que as iniciativas regulamentares
destas regiões impactaram no crescimento dos ensaios clínicos pediátricos, enquanto o Brasil
não possui nenhuma legislação específica para estudos infantis, o que prejudica o
desenvolvimento dessa área da pesquisa. Foi visto que a questão financeira e questão ético-
regulatória são os maiores desafios para condução de ensaios clínicos pediátricos e foi sugerido
a criação de iniciativas regulamentares e simplificação dos trâmites éticos-regulatórios para
incentivar o crescimento desses estudos. Espera-se que as informações apresentadas neste
trabalho possam contribuir para o fortalecimento desses ensaios clínicos pediátricos a nível
nacional.
This study aimed to analyze the scenario of pediatric clinical trials in Brazil and in the world,
to discuss the challenges of this field and to seek opportunities for improvement for its greater
insertion in the country. The methodology used was a bibliographic review divided into five
stages. First, the search was carried out in the Scielo; PubMed; Google academic databases and
ethical-regulatory agency websites about the laws and regulations that have marked the
development of global and national clinical research. Later on these same bases, the stages, the
actors involved in this area, as well as the specifics of pediatric clinical trials were researched.
In order to quantitatively analyze the profile of pediatric clinical trials versus clinical trials with
an adult population, a survey was conducted in the Clinical Trials of studies registered in Brazil
compared to the USA and Europe. To understand the difference in results of these three regions.
an exploratory analysis was carried out on the websites of ethical-regulatory agencies in each
location (FDA, EMA and ANVISA), since possibly regulatory initiatives could influence the
number of pediatric clinical trials performed. Finally, a bibliographic research was conducted
at Pubmed and BVS to analyze the main difficulties and proposals for improvement in the
conduct of pediatric clinical studies. As a result, it was understood the history of the evolution
of global and national clinical research, the role of the actors involved in this area, as well as
the specificities of pediatric clinical studies. It was found that the number of pediatric clinical
studies in Brazil is lower when compared to the USA and Europe. It was observed that
regulatory initiatives in these regions had an impact on the growth of pediatric clinical trials,
while Brazil does not have any specific legislation for child studies, which hinders the
development of this area of research. It was seen that the financial issue and the ethical-
regulatory issue are the biggest challenges for conducting pediatric clinical trials and it was
suggested the creation of regulatory initiatives and simplification of the ethical-regulatory
procedures to encourage the growth of these studies. It is hoped that the information presented
in this work can contribute to the strengthening of these pediatric clinical trials at the national
level.
1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 13
2. OBJETIVOS ................................................................................................................... 15
2.1 Objetivo Geral................................................................................................................ 15
2.2 Objetivo Específico........................................................................................................ 15
3. METODOLOGIA........................................................................................................... 16
3.1 Escolha do método de pesquisa ..................................................................................... 16
3.2 Metodologia para a pesquisa bibliográfica .................................................................... 17
5. CONCLUSÃO................................................................................................................. 60
6. REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 62
ANEXO 1 ................................................................................................................................. 68
13
1. INTRODUÇÃO
2. OBJETIVOS
3. METODOLOGIA
Uma pesquisa se inicia ao identificar um problema e buscar respostas para tal, de forma
que as hipóteses possam, ou não, ser validadas por meio da pesquisa realizada. Assim, é
importante que a pesquisa seja estruturada e as técnicas utilizadas no processo sejam aplicadas
corretamente. Os fundamentos da pesquisa passam pela compreensão dos seguintes parâmetros
principais: abordagem, natureza, objetivos e procedimentos (GERHARDT e SILVEIRA,
2009).
Em relação ao tipo de abordagem, a pesquisa pode ser quantitativa ou qualitativa. A
quantitativa é aquela que quantifica, apresenta resultados que possam ser mensurados. Já a
qualitativa busca aprofundar a compreensão de um assunto ao descrever/explicar um
determinado tema, não importando a representatividade numérica (GERHARDT e SILVEIRA,
2009). O presente trabalho acadêmico, em relação à abordagem, adotou uma metodologia quali-
quantitativa, já que inicialmente foi realizada uma busca exploratória em sites de agências
reguladoras e revisão bibliográfica em bases de dados para aprimorar a compreensão do cenário
nacional e global da pesquisa clínica e as dificuldades da área pediátrica. Posteriormente, foi
necessário fazer um levantamento quantitativo de ensaios clínicos pediátricos nos países de
interesse através do clinicaltrials.gov para que uma análise desses dados fosse feita para auxiliar
na interpretação dos dados qualitativos pesquisados.
Relacionado a natureza ou finalidade, a pesquisa pode ser classificada em aplicada ou
básica. A pesquisa básica tem o objetivo de gerar mais conhecimento acerca de um determinado
tema, sem necessariamente ter alguma aplicação ou finalidade. Já a aplicada possui o objetivo
de adquirir novos conhecimentos e aplicá-los na prática, utilizar esses conhecimentos para
solucionar problemas (CODEMEC RJ, 2014). Considerando as definições acima, este trabalho
de conclusão de curso pode ser caracterizado como pesquisa básica, pois objetiva gerar novos
conhecimentos relacionados a dificuldade para se realizar estudos clínicos pediátricos e o
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impacto desta situação para a população infantil, não possuindo alguma finalidade imediata ou
de aplicação prática.
Quanto aos objetivos, há uma classificação em três tipos: exploratória, descritiva e
explicativa. A pesquisa exploratória busca conceder maior familiaridade com o problema,
torná-lo mais explícito, construir hipóteses acerca do tema. Já a descritiva exige muitas
informações sobre o que deseja pesquisar e busca descrever fatos de uma determinada
realidade. A explicativa busca identificar fatores que levam a ocorrência de um fenômeno, esse
tipo de pesquisa objetiva, por meio de resultados práticos e de uma metodologia experimental,
explicar o porquê de um evento ocorrer (GERHARDT; SILVEIRA, 2009). Este trabalho pode
ser classificado como uma pesquisa exploratória, pois através de pesquisas bibliográficas
proporciona uma proximidade com o tema desenvolvido, com objetivo de trazer uma visão
geral do assunto, coletar dados e informações através de uma revisão bibliográfica e, a partir
dos conhecimentos obtidos, apresentar questionamentos acerca do tema e propostas de melhoria
sobre o mesmo.
Em relação aos procedimentos, esse aspecto se refere ao método que será utilizado para
realização da pesquisa. Poderão ser escolhidas diferentes modalidades de pesquisa, alguns
exemplos são: pesquisa experimental (realização de experimentos); pesquisa de campo (coleta
de dados utilizando entrevistas e compartilhamento de relatos das pessoas) e a pesquisa
bibliográfica que realiza um levantamento de materiais já analisados e publicados, como artigos
e livros (GERHARDT e SILVEIRA, 2009). Para o presente trabalho foi adotada a pesquisa
bibliográfica, realizando um levantamento de artigos/trabalhos e livros em bases de dados
conhecidas, para auxiliar na construção de ideias e obtenção de novos conhecimentos sobre o
tema proposto.
A fim de conhecer e compreender o que é pesquisa clínica, foi realizada uma busca
bibliográfica introdutória sobre legislações e regulamentações que marcaram o
desenvolvimento deste tipo de pesquisa no cenário global e nacional. Assim, foi realizado um
levantamento de artigos e documentos que apresentavam combinação de pelo menos uma das
palavras-chave “pesquisa clínica”, “legislações da pesquisa clínica”, “regulamentações em
pesquisa clínica”, “ética em pesquisa”; e os mesmos termos em inglês “clinical research”,
“clinical trial”, “clinical research legislation”, “clinical research regulations”, “research
ethics”.
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(nascimento a 17 anos, com status “recrutando participantes”; “ainda não recrutando”; “ativo,
mas não recrutando”, ou seja, apenas ensaios com status em andamento). É importante destacar
que não foi possível realizar a estratificação entre diferentes faixas etárias dentro do público
pediátrico devido a limitação da própria base.
Após esta etapa, foi realizada uma busca bibliográfica para compreender as
particularidades de ensaios clínicos com crianças em sites de agências ético-regulatórias. Foi
feito uma análise exploratória sobre as iniciativas regulamentares relacionadas a pesquisa
clínica pediátrica nos sites da FDA, a agência reguladora ligada ao departamento de saúde dos
EUA; da EMA, agência reguladora ligada ao departamento de saúde da Europa; e ANVISA,
agência reguladora ligada ao departamento de saúde do Brasil.
Por fim, com o principal intuito de analisar as dificuldades de se realizar estudos clínicos
pediátricos no Brasil e propor melhorias para o incentivo de pesquisa, foi realizada uma
pesquisa bibliográfica nas seguintes bases de dados: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e
Pubmed, porque ambas oferecem um acesso amplo a artigos científicos de qualidade. Foram
utilizadas fórmulas para a realização da pesquisa em cada base de dados que estão descritas
abaixo:
• BVS: (tw:("protocolos clínicos" OR "participação dos interessados" OR "ensaios
clínicos como assunto" OR "aprovação de drogas")) AND (tw:(lactente OR "pré-
escolar" OR criança OR adolescente)) AND (tw:("preparações farmacêuticas" OR
"desenvolvimento de medicamentos" OR "ações farmacológicas"));
• Pubmed: (("clinical protocol"[All Fields] OR "stakeholder engagement"[All Fields]
OR "clinical trials"[All Fields] OR "drug approval"[All Fields]) AND (("infant"[MeSH
Terms] OR "infant"[All Fields] OR "infants"[All Fields]) OR "preschool child"[All
Fields] OR ("child"[MeSH Terms] OR "child"[All Fields]) OR ("adolescent"[MeSH
Terms] OR "adolescent"[All Fields]))) AND ("pharmaceutical preparations"[All
Fields] OR "pharmacologic actions"[All Fields]);
A figura 1 abaixo ilustra, de forma simplificada, como foi realizado o método de pesquisa
bibliográfico para este trabalho de conclusão de curso.
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4. REVISÃO DE LITERATURA
Esta seção possui o objetivo de apresentar os marcos temporais que foram fundamentais
para o desenvolvimento da pesquisa clínica. Ele apresenta inicialmente o cenário global do
progresso dos estudos clínicos e, em seguida, foca no crescimento desses estudos no Brasil.
a doença foi propagada e muitas pessoas morreram por uma enfermidade que já tinha um
tratamento (GOLDIM, 1999).
Durante esse período, em 1964, a Associação Médica Mundial (AMM) instituiu a
Declaração de Helsinque, que constitui princípios éticos que servem de orientação aos médicos
e outros atores envolvidos nas pesquisas clínicas (“Declaração de Helsinque”, 1964). Portanto,
possui o propósito de melhorar a regulamentação ética na pesquisa clínica, dar mais orientações
aos médicos que eram responsáveis em conduzir as pesquisas e proteger os participantes dos
estudos (DINIZ e CORRÊA, 2001).
Apesar desse documento ético ter sido desenvolvido, o mesmo não conseguiu
interromper o estudo de Tuskegee. Apenas após uma denúncia jornalística sobre esse estudo,
ocorreu o julgamento do caso e desenvolveram o Relatório de Belmont no ano de 1978
(KIPPER e DÉLIO, 2010). O Relatório de Belmont foi o primeiro a referenciar os princípios e
diretrizes éticas básicas, que envolvem o respeito pelas pessoas, a autonomia do participante
consentir sua participação na pesquisa, a segurança e o bem estar dos participantes, uma
avaliação criteriosa da relação risco-benefício de um estudo, tudo isso em prol de garantir a
resolução dos problemas éticos que ocorriam nas pesquisas com seres humanos (US
DEPARTMENT OF HEALTH EDUCATION AND WELFARE, 1979).
Apesar da importância histórica do Relatório de Belmont e do Código de Nuremberg, a
Declaração de Helsinque, até mesmo nos dias atuais, serve como um guia ético essencial para
todos os médicos pesquisadores. Desde a sua primeira formulação, a Declaração de Helsinque
sofreu sete revisões, dois esclarecimentos e a última revisão realizada foi em outubro de 2013
(DINIZ e CORRÊA, 2001). Algumas das mudanças principais incluem um texto de mais fácil
entendimento/compreensão e também ocorreu uma revisão dos parágrafos que abordam sobre
grupos vulneráveis, fornecimento de pós-estudo e a introdução de compensação de lesões
relacionadas à pesquisa. Mesmo com as revisões realizadas, o foco na defesa e proteção dos
direitos humanos dos participantes de pesquisas clínicas sempre se manteve (DHAI, 2014).
Outro marco importante no desenvolvimento da pesquisa clínica ocorreu em 1996,
quando aconteceu a reunião do comitê diretivo da Conferência Internacional de Harmonização
(ICH) e editoração do Manual Tripartite Harmonizado da ICH, que desenvolveu o Manual de
Boas Práticas Clínicas (LARANJEIRA et al., 2007). As Boas Práticas Clínicas (BPC em
português e do inglês Good Clinical Practices – GCP) objetiva padronizar o planejamento e
condução de um estudo clínico com qualidade ética e científica. Ao aderir a esse padrão, os
direitos, a segurança e o bem-estar dos participantes estariam garantidos, resultando, assim, na
credibilidade dos dados finais obtidos com o encerramento do estudo. Esse manual serviria
25
apenas para União Europeia (EU), Japão e Estados Unidos que foram os responsáveis por
organizar a conferência (“MANUAL PARA BOA PRÁTICA CLÍNICA (GCP)”, 1996).
Os países da América Latina, incluindo o Brasil, não participaram da ICH em que
criaram o manual de BPC, no ano de 1996. Entretanto, o número de estudos clínicos aumentava
cada vez mais ao decorrer dos anos nesses países, por esse motivo, também houve a necessidade
de padronizar os critérios de boas práticas clínicas. Em consequência disso, a harmonização foi
feita durante a IV Conferência Pan-Americana para a Harmonização da Regulamentação
Farmacêutica de 2005, com a criação do Documento das Américas (PETROW, 2013).
A criação do Documento das Américas foi fundamental para que os países da América
Latina pudessem seguir um padrão para conduzir um estudo clínico e assim garantir a segurança
e bem-estar do participante. Ele possui similaridades com o Manual de BPC, já que o mesmo
propôs normas para as boas práticas clínicas que serviram como fundamento para as agências
regulatórias, assim como para investigadores, comitês de ética, universidades e indústrias
farmacêuticas (“BOAS PRÁTICAS CLÍNICAS: Documento das Américas”, 2005).
No ano de 2016, o manual de BPC teve a integração de um adendo, com o propósito de
torná-lo mais eficiente para a execução dos estudos clínicos. Neste mesmo ano, a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) se tornou Membro Regulador do International
Council for Harmonisation of Technical Requirements for Pharmaceuticals for Human Use
(ICH). E conforme o Estatuto da Associação, o membro deve atender alguns critérios de
elegibilidade, como por exemplo a adoção do ICH Guideline E6, que trata sobre o manual de
Boas Práticas Clínicas (ANVISA, 2017).
Nessa seção foi possível observar como a pesquisa clínica teve o seu desenvolvimento
e avanço no cenário internacional. Na figura 3 abaixo, é possível observar a linha do tempo
com os principais pilares éticos da pesquisa apresentados nesta seção, os quais possuem
influência na pesquisa clínica até os dias atuais.
26
Após a criação da Resolução 196/96, surgiu uma outra complementar, que é a Resolução
Nº 251 de 07 de agosto de 1997, referente à pesquisa com novos fármacos, medicamentos,
vacinas e testes diagnósticos. Ela serviu para complementar a Resolução 196/96 ao aplicar todas
as informações contidas nela para essas áreas temáticas citadas anteriormente. Ela também
trouxe termos que a 196/96 não abordava como definição das fases de um ensaio clínico,
farmacocinética, margem terapêutica e todo um vocabulário específico de ensaios clínicos
(CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 1997).
Após 15 anos, iniciou-se o processo de revisão da Resolução CNS 196/96. A mesma foi
revogada pela Resolução CNS 466/12, aprovada em 12 de dezembro de 2012 que ainda
continua vigente. Esta resolução permanece levando em consideração os referenciais básicos
da bioética, para assegurar os direitos dos participantes de pesquisa, mas alguns outros pontos
relevantes foram acrescentados, como por exemplo, o direito do participante ter acesso
gratuitamente e por tempo indeterminado ao melhor método terapêutico eficaz para a sua
doença (NOVOA, 2014). A resolução também incorpora novas definições relacionadas aos
estudos clínicos e consolida o sistema CEP/CONEP, através de um trabalho cooperativo entre
os integrantes desse sistema, a fim de proteger os participantes de pesquisa no Brasil (GOUY;
PORTO; PENIDO, 2018).
O Sistema CEP/CONEP representa as autoridades éticas responsáveis pela revisão dos
aspectos éticos das pesquisas com seres humanos e devem preservar os direitos e a segurança
do participante. Porém, é importante ressaltar que mesmo com a existência dessas instâncias, a
equipe de pesquisadores, os trabalhadores dos serviços envolvidos e até os participantes de
pesquisa não estão isentos de trabalharem com ética (GOUY; PORTO; PENIDO, 2018). Dessa
forma, o trabalho dos CEPs/CONEP é de instruir e averiguar os estudos clínicos, para garantir
a manutenção dos direitos humanos e assegurar o bem-estar dos participantes (BATISTA;
ANDRADE; BEZERRA, 2012).
Apesar do sistema possuir o nome CEP/CONEP, cada instância tem a sua própria
função. O objetivo dos CEPs é avaliar todos os protocolos de estudos clínicos nos aspectos que
envolvem os participantes, e também os pontos que abordam a importância e relevância daquela
pesquisa (BATISTA; ANDRADE; BEZERRA, 2012). Eles possuem uma composição de
membros multidisciplinar e são organizados nas instituições onde as pesquisas se realizam. Os
mesmos possuem a responsabilidade pelas decisões de aprovação do projeto, a fim de garantir
a integridade e os direitos dos participantes de pesquisa (CONSELHO NACIONAL DE
SAÚDE, 2007).
28
também permite eleger novos membros, desenvolver e aprovar novos guias do ICH. A posição
alcançada pela ANVISA fortalece a legislação brasileira, pois garante que os medicamentos
registrados pela mesma, atendem ao mesmo padrão de qualidade dos medicamentos registrados
internacionalmente, o que traz segurança à sociedade e competitividade para o mercado
nacional (INVITARE, 2016).
A ANVISA tem até 2021 para se adequar ao conjunto de cinco guias do ICH,
relacionados as ações de Farmacovigilância, Pesquisa Clínica, implementação do Common
Technical Document (CTD), que é um modelo de apresentação de dossiês para registro de
medicamentos, e do MedDRA (dicionário internacional de terminologia médica). Como
resultado disso, a ANVISA implementou em 2017 duas normativas (Instrução Normativa (IN)
nº 20 e IN nº 21) relacionadas a pesquisa clínica, para iniciar sua adequação como membro do
ICH (ANVISA, 2016). A Instrução Normativa Nº 20, de 2 de outubro de 2017, objetiva
estabelecer procedimentos de inspeção para harmonizar, orientar e verificar o cumprimento das
BPC em estudos clínicos com medicamentos. Essa verificação dos ensaios clínicos é realizada
por membros da ANVISA, a fim de assegurar que o estudo ocorra de acordo o padrão unificado
de eficácia, segurança e ética (INSTRUÇÃO NORMATIVA No 20, 2017). Já a Instrução
Normativa Nº 21, de 2 de outubro de 2017, é similar a IN20 no quesito de inspeção dos estudos
clínicos para verificar o cumprimento das BPC, a diferença é que ela é aplicada para ensaios
clínicos com dispositivos médicos em investigação. A inspeção também é realizada por
membros da ANVISA (INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 21, 2017).
Nessa seção foi possível conhecer o desenvolvimento da pesquisa clínica no Brasil, as
instâncias ético-regulatórias e o avanço e fortalecimento da legislação brasileira com a entrada
da ANVISA como membro do ICH. Na figura 4 abaixo, é possível observar a linha do tempo
da evolução da pesquisa clínica no Brasil, a qual apresenta os pontos principais discutidos nesta
seção.
30
4.2 Ensaios Clínicos e seus principais atores envolvidos – uma análise focada em
estudos com população pediátrica e suas particularidades
Tal como as crianças diferem dos adultos, os grupos da população pediátrica possuem
diferenças entre si, por possuírem diferentes estágios de desenvolvimento e consequentemente
32
Em todas as fases dos estudos clínicos, seja ele pediátrico ou para adultos, há o
envolvimento de um conjunto diversificado de pessoas que trabalham para o desenvolvimento
34
da pesquisa. Os principais atores que estão envolvidos no progresso desses ensaios clínicos são:
o patrocinador, os centros de pesquisa, a equipe de investigação, as autoridades ético-
regulatórias (já citadas anteriormente na seção 4.1.2 - Cenário Nacional) e os participantes de
pesquisa (MATEUS, 2014).
O patrocinador pode ser um indivíduo, uma instituição pública ou privada, ou uma
organização, que é o responsável pelo apoio à pesquisa, por meio de financiamento e
gerenciamento dos ensaios clínicos, tornando possível a implementação da pesquisa clínica no
país. A instituição deve assegurar que o protocolo do estudo clínico seja adotado e realizar o
acompanhamento de todo o desenvolvimento da pesquisa no centro (trabalho realizado pelas
atividades de monitoria), de forma a garantir que o ensaio está seguindo os padrões de BPC
(RESOLUÇÃO CNS 466/12, 2012). Já os centros de pesquisa são organizações de saúde,
públicas ou privadas que apresentam um ambiente adequado e uma equipe qualificada para
realização dos ensaios clínicos. A equipe é constituída por um investigador principal, o qual é
um médico com qualificação científica e com experiência em pesquisa. Este ator assume a
responsabilidade pela condução adequada do estudo e supervisão da equipe, que são indivíduos
delegados no estudo para auxiliá-lo no recrutamento de participantes e na condução do ensaio
clínico, sendo eles o coordenador do estudo, farmacêuticos, enfermeiros, equipe regulatória e
administrativa, os mesmos são peças fundamentais para tornar possível o desenvolvimento da
pesquisa (JOURNAL OF ONCOLOGY PRACTICE, 2006).
Quando se trata de ensaios clínicos com crianças, o centro de pesquisa deve estar
capacitado e preparado para receber essa população do estudo. Primeiramente, o local da
realização da pesquisa deve ser um ambiente adaptado para a faixa etária que irá receber (por
exemplo, ter cadeiras de tamanho infantil disponíveis para utilização das crianças e para que o
pesquisador possa ficar no mesmo nível delas). Além disso, ser um lugar calmo, neutro e
privado, onde as crianças se sintam confortáveis e livres para falar (AGOSTINI e MOREIRA,
2019). Alguns centros de pesquisa utilizam equipamentos para uma melhor adaptação da
criança em algum exame, um exemplo é a utilização de venoscópio, que é uma tecnologia
desenvolvida para localizar com maior precisão a veia de participante que precisam fazer
procedimentos intravenosos. Esse aparelho traz diversos benefícios pois reduz a possibilidade
de danos às veias e formação de hematomas, o que minimiza o sofrimento do participante
(INSTITUTO ACQUA, 2018).
Outro fator importante é a equipe de investigação, a qual deve ser experiente e
capacitada para receber estudos clínicos pediátricos. A postura da equipe deve ser amigável,
transmitir confiança e segurança, para que essa faixa etária se sinta acolhida. A comunicação é
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outro ponto chave para pesquisa com a população infantil, a equipe do estudo deve aprender o
vocabulário da criança, usar frases curtas e de fácil entendimento, ser criativo ,brincar, evitar
linguagem complexa e adaptar palavras técnicas para facilitar a compreensão desse público (em
alguns casos se torna necessário contratar profissionais que lidam melhor com crianças, por
exemplo pedagogos e psicólogos pediátricos) (AGOSTINI e MOREIRA, 2019).
Os participantes de pesquisa clínica são os indivíduos que aceitaram participar e
atenderam aos critérios de seleção do estudo. Sua participação deve ser voluntária e o mesmo
deve concordar com a sua entrada no estudo (caso queira participar) após passar pelo processo
de consentimento, posteriormente a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE) (MATEUS, 2014). O TCLE é um documento que aborda todas as questões
relacionadas ao estudo clínico, escrito de maneira simples e clara para o total entendimento do
participante. É através do processo de consentimento, no qual um membro da equipe de
investigação explica como é o estudo e auxilia na leitura do TCLE; e da assinatura do
documento, que o participante garante sua participação voluntária no ensaio clínico. O
participante poderá tirar todas as dúvidas com o investigador principal e terá a livre escolha de
decidir a sua entrada ou não no estudo, sem pressão e sem ser coagido (KARINE e EDUARDO,
2013).
Entretanto, quando se trata de participantes pediátricos, o processo de consentimento se
torna mais complexo. Como as crianças caracterizam uma população mais vulnerável, há
necessidade do consentimento dos pais ou cuidadores, que são os seus responsáveis legais,
através de um TCLE destinado a eles, com a assinatura desse documento é possível a
participação do menor de idade no estudo. Mesmo assim, o participante pediátrico deve ter o
direito de autonomia assegurado, assim como qualquer pessoa, o que leva ao surgimento do
Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) (FILHO, 2016).
O TALE é um documento fundamental que respeita a autonomia da criança e do
adolescente. Ele é construído em uma linguagem bem mais acessível para os menores,
utilizando imagens/ilustrações, para informá-los sobre os aspectos do estudo e o que acontecerá
durante a pesquisa, tudo de uma maneira bem clara e de fácil entendimento. Por meio do TALE
que o participante exprimi a sua vontade de participar ou não do estudo (MIRANDA et al.,
2017). De acordo com a faixa etária dos participantes da pesquisa, será necessário adaptações
no TALE, por exemplo, podem ser elaborados um termo de assentimento para crianças de 6 a
8 anos, outro para crianças de 9 a 11 anos e outro para adolescentes de 12 a 15 anos em um
mesmo estudo, essa divisão ocorre devido ao nível intelectual dos participantes de acordo com
seu crescimento, em vista disso, esse documento consegue atender toda a população pediátrica
36
em uma linguagem clara e acessível para cada idade (CEP DO INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO SUL DE MINAS GERAIS, 2018).
Portanto, esta seção apresentou alguns aspectos importantes sobre os ensaios clínicos,
focando na pesquisa clínica pediátrica e suas particularidades. A partir desta seção, foi possível
conhecer a divisão da população pediátrica de acordo com a faixa etária da criança e do
adolescente, a importância dos estudos pediátricos, as fases da pesquisa, as pessoas envolvidas
nesse trabalho e, também, foi possível compreender a diferença entre o TCLE e o TALE, e a
importância desses documentos para um estudo clínico. Por fim foram abordados as
particularidades e os cuidados que um ensaio clínico pediátrico requere e que são diferentes em
relação a um ensaio clínico com população adulta.
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Qualquer ensaio clínico, antes de ser iniciado, deve ser notificado e registrado em bases
de dados. Segundo a RDC nº 9 de 2015 todo estudo clínico nacional deve ser registrado em
uma base de dado de registro; para âmbito internacional, as boas práticas clínicas (BPC) e a
Declaração de Helsinki também recomendam que toda pesquisa com seres humanos deve ser
registrada em bases de dados públicas antes de iniciar o recrutamento do estudo (IQBAL et al.,
2016). Isso permite identificar todos os ensaios clínicos e a etapa em que se encontram, seja em
andamento, recrutando ou finalizado. O registro dos estudos facilita que pacientes e
profissionais tenham acesso às informações sobre projetos em andamento, também permite o
conhecimento sobre os efeitos de um produto, e, além disso, fortalece a transparência na
pesquisa, o que minimiza repetições de estudos similares, auxiliando na cooperação entre
grupos de pesquisa e impulsionando o conhecimento da ciência com base nos valores éticos
(BRASIL, 2011; PECCIN, 2007).
O uso de medicamentos em crianças é uma temática que merece visibilidade, já que há
uma escassez na produção de fármacos voltados à pediatria. Portanto, para somar mais
informações a este trabalho de conclusão de curso, foi realizado um levantamento de dados na
plataforma Clinical Trials, o qual é um banco de dados na internet para registros de ensaios
clínicos, acessível ao público, gerenciado pelo US National Library of Medicine (ROSS et al.,
2009). A partir dos resultados obtidos com a pesquisa, gráficos foram gerados para a
apresentação do perfil dos ensaios clínicos pediátricos no Brasil, Estados Unidos da América
(EUA) e Europa.
Na primeira análise realizada no banco de dados Clinical Trials, apresentada no Gráfico
1 abaixo, avaliou-se o perfil dos ensaios clínicos pediátricos no Brasil em andamento, ou seja,
recrutando; não recrutando ainda e ativo. Os dados foram extraídos no mês de março de 2020.
O total de estudos clínicos no país é de 1438 ensaios, desse total apenas 256 são estudos
realizados em crianças (nascimento a 17 anos). Portanto, a pesquisa clínica pediátrica no Brasil
representa apenas 17,80% do total de estudos. Esse resultado pode indicar uma falta de
desenvolvimento de ensaios clínicos voltados para população pediátrica. Consequentemente,
as crianças são as mais prejudicadas nessa situação, já que muitos dos medicamentos receitados
não foram testados nessa classe, levando a uma farmacoterapia arriscada, com riscos de eventos
adversos (VIEIRA et al., 2017).
38
256
1438
54,69%
23,05%
SP RJ DF CE PR MG PE BA AL AM
ensaios clínicos (seja geral ou pediátrico). Isso se deve principalmente pela concentração de
empresas patrocinadoras de estudos clínicos no estado norte-americano e europeu, que fortalece
o investimento na área da pesquisa. Além disso, ao fazer uma análise histórica do
desenvolvimento da pesquisa clínica no cenário internacional (seção 4.1.1. Cenário global),
desde a 2ª guerra mundial diversas legislações, documentos e regulamentos foram criados para
incentivar e desenvolver os ensaios clínicos, o que contribuiu para o avanço da pesquisa clínica
nesses locais (VIEIRA et al., 2017).
25000
20000
16203
15000
10000
4738
5000
2602
1438
256
0
BRASIL EUA EUROPA¹
Nesta seção, o uso do clinical trials se mostrou efetivo para a visualização do perfil de
ensaios clínicos realizados à nível regional, nacional e global. Foi possível também realizar uma
análise sobre a quantidade de ensaios clínicos realizados para população adulta versus ensaios
clínicos pediátricos, da qual resultou na identificação de que todas as regiões analisadas
realizam poucos estudos clínicos pediátricos. Porém, ainda assim percebe-se que os Estados
41
Unidos e Europa se destacam na pesquisa clínica e estima-se que isso ocorra devido aos
investimentos financeiros de patrocinadores locais e questões éticas/regulatórias, que
continuam em constante desenvolvimento para aprimorar a área da pediatria.
42
relacionada a uma doença de alta prevalência em pacientes infantis, como por exemplo asma.
Os ensaios clínicos pediátricos também eram exigidos se o medicamento proporcionasse um
benefício terapêutico significativo em relação aos tratamentos existentes para esta população.
Além disso, se um medicamento estudado apenas em adultos apresentasse eventos adversos
graves, também poderia ser exigido a realização de ensaios clínicos pediátricos, para não pôr
em risco as crianças e adolescentes (BIO, 2008).
A “Pediatric Rule” não foi completamente aceita por alguns grupos farmacêuticos, que
entraram com uma ação contra a regra, na qual eles alegavam que a FDA havia ultrapassado
sua autoridade. Por este motivo, ela foi finalizada brevemente, em dezembro de 1998, logo, não
teve um aumento significativo de estudos pediátricos nesse período (ARSHAGOUNI, 2002).
Dessa forma, com a intenção de melhorar esse cenário da pesquisa clínica pediátrica, em 2002
foi aprovada a legislação “Best Pharmaceuticals for Children Act” (BPCA). Essa iniciativa
teve o objetivo de aprimorar e aumentar os dados relativos ao uso de medicamentos e vacinas
em crianças. Logo, a BPCA tem o papel de oferecer um incentivo financeiro às empresas que
realizarem estudos pediátricos voluntariamente, um exemplo de incentivo é a concessão de seis
meses adicionais de extensão de patente (FDA, 2019).
No ano seguinte, em 2003, foi aprovada a lei “Pediatric Research Equity Act” (PREA).
A PREA concede o direito à FDA de exigir a realização de estudos pediátricos para
determinados medicamentos e agentes biológicos. Como por exemplo para fármacos com novo
insumo farmacêutico ativo (IFA), uma nova indicação, um novo regime de dosagem ou nova
via de administração. Assim, é possível obter uma rotulagem pediátrica com informações
adequadas de uso da medicação em crianças (FDA, 2005).
Existem algumas diferenças entre PREA e BPCA, por exemplo, na BPCA os estudos
clínicos pediátricos são voluntários, essa norma é um incentivo para realização da pesquisa
clínica em pediatria, enquanto na PREA o estudo é obrigatório. Porém, ambas regulações atuam
juntas para orientar a rotulagem de indicações na população pediátrica, o que resulta em um
aumento significativo nos ensaios clínicos pediátricos, que proporciona o uso apropriado de
medicamentos para tratar esses pacientes (KARESH, 2015).
A expansão da pesquisa clínica pediátrica trouxe desafios para garantir que esses ensaios
clínicos sejam conduzidos de maneira ética e segura. Portanto, em 2007, a Food and Drug
Administration Amendments Act (FDAAA) estendeu os incentivos da BPCA e a autoridade
PREA. Adicionalmente, o FDAAA declarou a necessidade da transparência dos resultados dos
estudos, destacando a importância de ter esses resultados no resumo das características do
medicamento, mesmo sendo negativo ou inconclusivo, e introduziu o Pediatric Review
44
12,00%
Porcentagem de EC pediátrico
10,90% 11,60%
11,00%
10,10% 10,20%
10,60%
10,00%
10,40%
9,30% 9,90%
9%
9,00%
8,00% 8,30%
7,00%
6,00%
2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016 2018
Anos
Fonte: adaptado de Relatório Decenal de 2017 – “State of Paediatric Medicines in the EU - 10 years of the
EU Paediatric Regulation”.
Fonte: adaptado de Relatório Decenal de 2017 – “State of Paediatric Medicines in the EU - 10 years of the
EU Paediatric Regulation”.
No entanto, o relatório decenal também mostrou que pouco progresso foi feito em
doenças em que a prevalência é maior na população infantil ou onde a doença mostra diferenças
biológicas entre adultos e crianças. Essa situação sugere que o aumento de medicamentos para
pediatria está voltado para o mercado de fármacos desenvolvidos para adultos. Um exemplo é
o aumento de ensaios clínicos pediátricos na área da Diabetes tipo II que é uma doença
metabólica que possui alta prevalência em adultos e é relativamente rara em crianças
(EUROPEAN COMMISSION, 2017).
Devido a esses desafios abordados no relatório decenal, em outubro de 2018, a
Comissão Europeia e a EMA publicaram um plano de ação conjunto, o qual visava aumentar a
eficiência dos processos regulatórios pediátricos e aumentar a disponibilidade de medicamentos
para crianças. Esse plano contempla ações em 5 áreas principais, que são: identificar as
necessidades médicas pediátricas; fortalecimento da cooperação entre os tomadores de decisão;
garantir a conclusão oportuna dos PIPs; melhorar a utilização dos PIPs; aumentar a
transparência em torno dos medicamentos pediátricos. É um plano ainda recente e muitas ações
planejadas ainda não foram colocadas em prática, o que torna difícil analisar o impacto desse
documento nos estudos clínicos em crianças (EMA; EUROPEAN COMMISSION, 2018).
Portanto, após a análise das iniciativas regulamentares para estudos clínicos pediátricos
na Europa, é possível observar que as decisões regulatórias exerceram um grande impacto no
desenvolvimento de medicamentos para a classe infantil. A criação de regulamentos na área da
51
16
14
14
12 12
12
10 9 9
8
8
6 6 6
6 5
4 4 4
4 3
2 2 2
2 1
0 0 0 0 0 0
0
Esta seção abordará sobre o objetivo principal deste trabalho de conclusão de curso,
portanto, possui o propósito de apresentar mais detalhadamente quais são os principais desafios
para o desenvolvimento de estudos pediátricos e propor possíveis melhorias para essa área. Essa
seção foi desenvolvida após um levantamento bibliográfico nas plataformas Pubmed e BVS, a
lista dos artigos utilizados para a construção dessa seção encontra-se no ANEXO 1 deste
trabalho para facilitar visualização e também distribuídos nas referências bibliográficas.
Nos dias atuais, os prescritores possuem uma gama de fármacos com diversos
mecanismos de ação cada vez mais complexos. Uma consequência desse cenário é o aumento
na probabilidade de ocorrência de eventos adversos para os pacientes. Esta questão apesar de
ser difícil na medicina com pacientes adultos, é ainda mais crítica na área da pediatria, pois uma
grande quantidade de medicamentos utilizados nessa faixa etária não foram desenvolvidos
especialmente para essa classe, o que leva ao uso off-label de fármacos direcionados para o
público adulto (FERRO, 2015).
O uso off-label na área da pediatria e as adaptações nas preparações geram uma grande
preocupação, já que a possibilidade de ocorrer riscos de efeitos colaterais são altos. Todas essas
modificações podem ocasionar erros de dosagem que como resultado pode gerar eventos
adversos graves, que podem levar até a óbito. Além disso, os erros de medicação em crianças
que utilizam esses medicamentos têm um potencial maior de causar danos quando em
comparação com erros semelhantes em adultos, pelo fato do organismo da criança ainda estar
em desenvolvimento e possuir uma farmacocinética bem diferente do adulto (MUKATTASH
et al., 2008).
Entretanto, infelizmente, não há muito investimento na área da pesquisa clínica
pediátrica porque o financiamento nesse tipo de ensaio clínico é apontado como um dos
principais desafios para o desenvolvimento desses estudos, sem o recurso dos patrocinadores
torna-se impossível realizar a pesquisa clínica em crianças. Soma-se a este fato que o
investimento em ensaios clínicos pediátricos não traz lucro quando comparado a estudos
realizados com população adulta, porque são estudos mais dispendiosos e o mercado
farmacêutico de venda de produtos para criança é consideravelmente menor do que para o
adulto, portanto, isso não é atrativo financeiramente para os patrocinadores que em grande parte
são multinacionais/empresas privadas (CONROY et al., 2000). Outros motivos que
desestimulam a indústria de investir o dinheiro na realização de pesquisa clínica pediátrica são:
56
a questão ética e parte regulatória mais burocrática, população vulnerável e pequena, falta de
centros/equipes capacitadas e especializadas nessa área (TSANG et al., 2019).
Outro aspecto que dificulta a condução de um estudo pediátrico é a complexidade ética
na análise dos estudos pelos CEPs/CONEPs. Por ser uma população vulnerável, a avaliação
dos documentos do estudo é delicada. Isso torna a análise regulatória demorada e muitas vezes
não é aprovado na primeira submissão, gerando pendências que precisam de notificações
adicionais, o que acarreta um longo tempo de aprovação, que prejudica o início do estudo no
país. Uma das principais razões para os CEPs/CONEPs gerarem pendências é a elaboração de
TALEs demasiadamente longos e de difícil compreensão para o participante da pesquisa
(VIEIRA et al., 2017). Isso demonstra um despreparo e uma dificuldade da parte do
patrocinador em desenvolver esse documento de forma acessível para crianças.
Além da avaliação ética, existe uma outra dificuldade nessa área, que é a falta de
legislações específicas para esse tipo de estudo. Como informado na seção 4.4.3 Iniciativas
Regulamentares no Brasil, não há regulamentações específicas para orientar a condução de
estudos voltados para a população infantil no país, a única regulamentação voltada para guiar a
pesquisa clínica em geral é a Resolução nº 466, de 2012. Portanto, não há iniciativas
regulatórias esclarecedoras e específicas para estimular o desenvolvimento de estudos
pediátricos, consequentemente, não se produz fármacos apropriados para essa faixa etária
(VIEIRA et al., 2017).
A vulnerabilidade infantil é um fator que contribui para dificultar o desenvolvimento da
pesquisa clínica pediátrica, pois as crianças possuem o princípio ético de autonomia reduzido.
Logo, os responsáveis/cuidadores são essenciais e decisores na participação da
criança/adolescente em um estudo clínico. Por esse motivo, ao se projetar um protocolo de um
ensaio clínico o foco deve ser em minimizar os riscos enquanto se maximiza os benefícios para
os participantes (SAMPSON; BENJAMIN; COHEN-WOLKOWIEZ, 2012). Como os pais
visam proteger as crianças/adolescentes, há a preocupação relacionada aos efeitos dos
medicamentos experimentais, se irão afetar o crescimento ou o desenvolvimento de órgãos, se
irão causar dor, se o estudo envolve riscos graves, logo, caso essas variáveis ocorram, os
responsáveis/cuidadores irão optar por não permitir a participação dessas crianças/adolescentes
(TSANG et al., 2019; VIEIRA et al., 2017). Portanto, é importante que os profissionais que
trabalham diretamente com esses responsáveis/cuidadores sejam transparentes com todas as
informações do estudo e passem segurança ao informá-los os aspectos do ensaio clínico.
57
al., 2007). No Brasil, seria interessante implementar esses incentivos financeiros, pois serviria
de estímulo para patrocinadores desenvolverem mais ensaios clínicos pediátricos e também
ajudaria na estruturação de centros de referência (VIEIRA et al., 2017). Pois com isso, seria
possível amadurecer a pesquisa clínica pediátrica no Brasil e possibilitar o seu progresso no
país.
Também seria necessário implementar melhorias no sistema regulatório quanto a análise
dos estudos clínico, de modo a proporcionar menos atrasos para avaliar esses ensaios em
crianças e adolescentes. A lentidão e burocracia para aprovação de ensaios clínicos pediátricos
prejudicam a participação do Brasil em diversos projetos de pesquisas, consequentemente,
atrasa o avanço da ciência nacional (VEJA, 2016; VIEIRA et al., 2017). Uma possível solução
para agilizar este processo seria criar uma simplificação no trâmite para aprovação de estudos,
por exemplo, não ser mais necessário passar pela aprovação do CEP e CONEP, descentralizar
as ações da CONEP, tornando o CEP mais autônomo para aprovar os projetos, através de
capacitações realizadas pela própria CONEP, dessa forma, a CONEP só se envolveria em casos
que o CEP solicitasse sua participação ou outras exceções. A autonomia do CEP poderia ser
acompanhada por uma capacitação dos membros pela própria CONEP para que suas análises
não percam o rigor necessário para estudos com a população pediátrica
Outro ponto para melhoria é em relação ao engajamento dos familiares e das
crianças/adolescentes que participam de um estudo (MUKATTASH et al., 2008). É essencial
que haja transparência com os pais/responsáveis, que seja mostrado a importância da pesquisa,
pois muitos pais não têm conhecimento de que os medicamentos prescritos para seus filhos não
foram testados em crianças. Essa transparência possivelmente traria a confiança desses
pais/responsáveis, fazendo com que eles se sentissem mais seguros de consentir a participação
da criança e/ou adolescente.
Além do envolvimento dos pais/responsáveis, ouvir as crianças e adolescentes é
extremamente relevante. A ideia de envolver os participantes de estudos é conhecida como
“patient in”, sendo uma iniciativa que traz muitos benefícios e melhorias, já que as crianças e
adolescentes apreciam a oportunidade de ter a sua voz ouvida. Isso proporciona o direito de
autonomia da criança e adolescente, o que melhora o sucesso de ensaios clínicos pediátricos,
em particular em torno das áreas de recrutamento e retenção de participantes (TSANG et al.,
2019). Logo, o envolver a criança e demonstrar interesse em ouvi-la, se torna uma peça tão
importante quanto a dos pais para a realização do recrutamento e manutenção da taxa de
retenção do estudo.
59
5. CONCLUSÃO
específicas para desenvolver estudos em crianças e criar leis de incentivos, afim de aumentar o
número de ensaios clínicos em crianças e adolescentes.
As dificuldades para o desenvolvimento de ensaios clínicos pediátricos foram avaliadas
detalhadamente, dentre elas estão a questão financeira, questão ética e parte regulatória
burocrática, população vulnerável e pequena, falta de centros/equipes capacitadas e
especializadas nessa área. A partir dessa análise, propostas de melhorias foram sugeridas para
incentivar o crescimento dessa área da pesquisa clínica, portanto, algumas sugestões discutidas
foram criar legislações específicas para estudos pediátricos, simplificar o trâmite ético-
regulatório, treinamento da equipe dos centros de pesquisa. Assim, todos os objetivos desse
trabalho foram atendidos durante todo o desenvolvimento dele.
Por fim, espera-se que as informações apresentadas neste trabalho de conclusão de
curso possam contribuir para o debate sobre as questões que envolvam os estudos clínicos com
crianças no Brasil e para o fortalecimento desses ensaios a nível nacional. Também é esperado
que essas informações possam auxiliar outros pesquisadores a entender mais os desafios dessa
área e que esses possíveis pontos de melhorias sugeridos sejam aprofundados para que ocorra
uma maior implementação desses ensaios clínicos pediátricos no Brasil.
62
6. REFERÊNCIAS
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ANEXO 1