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UNIVERSIDADE POSITIVO

DESIGN VISUAL E DISTINÇÃO DE GÊNERO: análise de como cor,


tipografia, forma e textura são utilizadas pelas marcas Natura e Boticário

CURITIBA
2020
FERNANDA PEREIRA CORRÊA DA SILVA

DESIGN VISUAL E DISTINÇÃO DE GÊNERO: análise de como cor,


tipografia, forma e textura são utilizadas pelas marcas Natura e Boticário

Relatório apresentado à disciplina de


Trabalho de Conclusão de Curso, do
Curso de Graduação em Design Visual, da
Escola de Comunicação e Design da
Universidade Positivo.

CURITIBA
2020
Em memória de meu querido pai, Joaquim, que
mesmo após a partida desta vida se faz presente
através da minha busca pelo conhecimento.
AGRADECIMENTOS

À minha orientadora Ana Paula França, pela paciência, humildade e carinho


em compartilhar de seu repertório, atualizar a minha percepção sobre o Design e
incentivar o senso crítico.
À relatora do meu trabalho, Thyenne Vilela, pelos apontamentos sempre tão
pertinentes, buscando a excelência da pesquisa.
Ao professor Rafael Castro, como mestre e mentor profissional, pelas
oportunidades que me proporcionaram chegar ao final do curso e adquirir
experiência prática na área.
À professora Michelle, pelos momentos compartilhados e possibilidade de
aprofundamento nos temas de interesse e habilidades de pesquisa durante o
desenvolvimento da iniciação científica.
A todos os professores do curso, minha admiração pelo compromisso e
dedicação em transmitir o conhecimento, mesmo em um cenário delicado.
Aos meus amigos, pelo incentivo e suporte emocional.
Aos meus colegas do estúdio Pedro, Pastel & Besouro, pelas técnicas
compartilhadas, além das conversas e discussões colaborativas sobre Design e pelo
incentivo a acreditar mais em mim mesma, a desenhar e compartilhar sem
vergonha.
Ao meu marido Thomaz e à Mia, pelo amor, carinho, respeito e compreensão
em todos os momentos. Pelo suporte emocional nas situações difíceis, pelos
momentos de riso e por nunca me deixarem desistir.
"Nós nos perdemos no que lemos, apenas
para retornar a nós mesmos transformados e
parte de um mundo mais expansivo".
Judith Butler
RESUMO

Este trabalho de conclusão de curso possui como objetivo analisar como as marcas
Natura e Boticário articulam cor, tipografia, forma e textura para realizar distinção de
gênero. Produtos de higiene, de beleza e perfumes são artefatos presentes no dia a
dia dos indivíduos, e suas visualidades acompanham a construção de significados
sobre a expressão de cada um. Analisando frascos de perfumes das marcas Natura
e Boticário, o trabalho expõe a importância da cultura visual na formação de
artefatos inclusivos. As marcas foram escolhidas por serem amplamente divulgadas
e acessíveis. Sob a luz das teorias feministas e das teorias de gênero, o trabalho
articula que o conceito de gênero difere do sexo biológico, como as percepções
tradicionalistas postulam. Construção social, o gênero não é um fator associado à
materialidade. Ele se refere à percepção individual do ser e de suas expressões. A
partir dessa perspectiva, utiliza-se da leitura visual e da Gestalt para avaliar a
estrutura formal das embalagens. Com a análise de conteúdo, é possível desvelar o
discurso por trás das mensagens semânticas que ditam feminilidades e
masculinidades. Foram realizadas entrevistas qualitativas com o intuito de verificar o
repertório, as associações de significados às visualidades e o entendimento dos
usuários sobre gênero. A partir da perspectiva da cultura visual, é possível articular
as teorias e contextos, compreendendo o papel do designer na quebra do discurso
hegemônico. As análises formais revelam a articulação de matiz, saturação e valor
das cores, os aspectos de sensação visual de toque, as formas empregadas e a
anatomia das fontes presentes nas embalagens. As duas marcas utilizam esses
aspectos de maneira tradicionalista, reforçando em seus textos descritivos dos
portais a associação com adjetivos e comportamentos esperados. A percepção dos
entrevistados revela que essas significâncias estão engendradas no repertório da
sociedade, e que a aplicação de estereótipos como resumo de um público diverso
culmina na exclusão daqueles que não se identificam com a visão conservadora de
feminino e masculino. Além disso, a disseminação desses produtos e suas imagens
nos meios digitais repercute alterando a percepção do indivíduo sobre si e de seus
comportamentos, trabalhando como próteses de gênero. A atuação do designer no
sentido de mudar essa realidade em grandes empresas é irrisória, pois suas
estruturas burocráticas impõem que a alteração deve ser feita nos níveis
estratégicos superiores. As marcas, portanto, possuem o poder de quebrar com
discursos hegemônicos, e o usuário assume papel importante sobre suas escolhas
de consumo.

Palavras chave: Teorias de gênero, Cultura visual, Design, Natura, Boticário.


ABSTRACT

This conclusion work aims to analyze how the cosmetic brands Natura and Boticário
articulate color, typography, form and texture to distinguish gender. Hygiene and
beauty products are vastly used in the routine of most individuals. Their visualities
work along in the construction of meanings about one's expression. Analyzing
perfume bottles of the brands, the work exposes the importance of the visual culture
in developing inclusive artifacts. The brands were chosen for being publicized and
accessible to a large public. Under the light of feminist and gender theories, the work
articulates that the concept of gender differs from biological sex, such as postulated
by traditionalist perceptions. As a social construction, gender is not associated with
the material world by nature. It refers to the individual perception of oneself and its
expressions. From that perspective, the visual lexicon and Gestalt theory are used as
a tool to evaluate the formal structure of the packagings. Employing content analysis,
it is possible to unveil the speech behind semantic messages that dictate femininities
and masculinities. The qualitative interviews check the users' backgrounds and
meaning associations to the visualities, as well as their knowledge about gender.
Theories and contexts are articulated to understanding the role of the designer in
breaking hegemonic speeches. The formal analysis reveals hue, saturation and
value of the colors, the visual aspect to touch, the forms applied and the type
anatomy in the perfume bottles. Both brands use these aspects conservatively, an
aspect reinforced in the product descriptions through adjectives and behaviour
indications. Understanding the interviews, it is possible to assert that those meanings
are deeply infiltrated in society's repertoire. The use of stereotypes to epitomize a
diverse public culminates in the exclusion of those who don't relate to the
conservative concepts of feminine and masculine. The dissemination of those
products and images in the media alters the individual perception of oneself and
one's behaviours, working as gender prosthetics. The designer role to change that
reality in corporations is whimsy, for their bureaucratic structures impose a higher
level strategy. Therefore, brands have the power to break hegemonic speeches, and
the user takes an important role on their own consuming options

Keywords: Gender Studies, Visual culture, Design, Natura, Boticário.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES, QUADROS, TABELAS, FIGURAS

Figura 1: Marca Oficial Da Natura Desde 2001………………………………………..25


Figura 2: Seleção De Produtos…………………………………………………………..26
Figura 3: Marca O Boticário..……………………………………………………………..28
Figura 4: Seleção De Produtos Boticário.……………………………………………....29
Figura 05: Paleta De Cores Natura Ilía..……………………………………………......44
Figura 06: Paleta De Cores Natura Kriska..…………………………………………….45
Figura 07: Paleta De Cores Natura Sr. N.……………………………………………....45
Figura 08: Paleta De Cores Boticário Portinari..………………………………………..46
Figura 09: Paleta De Cores Boticário Uomini.………………………………………......46
Figura 10: Paleta De Cores Boticário Glamour..……………………………..………....47
Figura 11: Mecanismos De Busca Por Gênero No Site Natura..…………………......48
Figura 12: Mecanismos De Busca Por Gênero No Site Boticário.……………………49
Figura 13: Mecanismos De Busca Por Linhas No Site Natura.……………………….49
Figura 14: Mecanismos De Busca Por Linhas No Site Boticário.…………………….50
Figura 15: Descrições Das Linhas No Site Natura.…………………………………….51
Figura 16: Descrições Das Linhas No Site Boticário.………………………………….51
Figura 17: Ferramenta Seleção De Cor..……………………………………….............53
Figura 18: Ângulos De Matizes No Círculo Cromático.………………………….….....54
Figura 19: Anatomia Do Tipo………………………………………................................55
Figura 20: Mecanismo De Busca Por Fonte No Site Myfonts.………………………...56
Figura 21:Natura Ilía - Lançamento.……………………………………….....................57
Figura 22: Natura Ilía - Instagram Da Marca..………………………………………......58
Figura 23: Natura Ilía - Paleta De Cores..………………………………………............59
Figura 24: Natura Ilía - Tipografia………………………………………….....................61
Figura 25: Natura Kriska - Paleta De Cores...……………………………………….....62
Figura 26: Natura Kriska Versão Eau De Cologne..…………………………………....63
Figura 27: Natura Kriska - Tipografia..……………………………………….................66
Figura 28: Natura Sr. N - Paleta De Cores...………………………………………........66
Figura 29: Natura Sr. N Revista Edição Natal / 2019 - ...………………………………68
Figura 30: Natura Sr. N - Revista Edição Dia Dos Pais/2020...……………………….69
Figura 31: Catálogo Boticário, Ciclo 13, Agosto/2020...……………………………….71
Figura 32: Boticário Portinari - Embalagem Externa….………………………………..72
Figura 33: Boticário Portinari - Paleta De Cores….…………………………………….73
Figura 34: Boticário Portinari - Tipografia….…………………………………………….75
Figura 35: Boticário Uomini - Frasco E Caixa….……………………………………….76
Figura 36: Boticário Uomini - Paleta De Cores...……………………………………….77
Figura 37: Boticário Uomini - Banner Do Site….……………………………………….78
Figura 38: Boticário Uomini - Tipografia….………………………………………..........79
Figura 39: Boticário Glamour - Revista Ciclo 14/2020….……………………………..81
Figura 40: Boticário Glamour - Paleta De Cores...…………………………………..…82
Figura 41: Boticário Glamour, Frasco...………………………………………................83
Figura 42: Boticário Glamour - Tipografia...……………………………………….........84
Figura 43: Boticário Glamour - What The Font….……………………………………..84
Figura 44: Exemplo De Grid De Análise Para Estudar A Relação Simbólica
Indivíduo/Artefato….………………………………………....…………………………….88
Figura 45: Natura Ilía - Descrição Do Site ...………………………………………........90
Figura 46: Natura Ilía - Descrição Do Site - 2….………………………………………..92
Figura 47: Natura Kriska - Descrição Do Site - 1..……………………………………...94
Figura 48: Natura Kriska - Descrição Do Site - 2….……………………………………96
Figura 49: Natura Sr. N - Descrição Do Site - 1….……………………………………..98
Figura 50: Natura Sr. N - Descrição Do Site - 2….……………………………………..99
Figura 51: Boticário Portinari - Descrição Do Site - 1….……………………………..101
Figura 52: Boticário Uomini - Descrição Do Site ...…………………………………...103
Figura 53: Boticário Glamour - Descrição Do Site...…………………………………..104
Tabela 01: Comparativo De Qualificadores Por Gênero Pelas Marcas………….....106
Figura 54: Entrevistas - Tela Natura Ilía...………………………………………..........109
Figura 55: Entrevistas - Tela Natura Kriska...……………………………………….....109
Figura 56: Entrevistas - Tela Natura Sr. N….………………………………………......110
Figura 57: Entrevistas - Tela Boticário Portinari…..……………………………………110
Figura 58: Entrevistas - Tela Boticário Uomini…..……………………………………..111
Figura 59: Entrevistas - Tela Boticário Glamour…..…………………………………...111
Tabela 02 - Características Sintáticas Dos Perfumes...………………………………118
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

LEVANTAMENTO DE DADOS 12
A PERSPECTIVA DE GÊNERO 12
Feminismos 13
Estudos de Gênero 16
LEITURA DE IMAGENS E CULTURA VISUAL 20
MARCAS ESCOLHIDAS 24
Natura 24
Linhas de Produtos 25
Boticário 27
Linhas de Produtos 28
FORMA 30
Gestalt 30
COR E TEXTURA 34
Cor e Gestalt 34
Percepção fisiológica da cor e da textura 35
Teorias da Cor 36
Escalas Cromáticas 37
Matiz, Sombreado e Tonalidade 38
Harmonia e Contraste 38
Contraste de Tom 38
Psicologia das cores 39
TIPOGRAFIA 42

DIRETRIZES METODOLÓGICAS 43
PALETAS DE CORES DOS PRODUTOS 44
Natura 44
Boticário 46

DESENVOLVIMENTO 48
PROCESSO DE SELEÇÃO DAS AMOSTRAS 48
PROCEDIMENTO DE ANÁLISE DAS AMOSTRAS 52
ANÁLISE SINTÁTICA 57
Natura Ilía 57
Natura Kriska 62
Natura Sr. N 66
Boticário Portinari 71
Boticário Uomini 76
Boticário Glamour 81
DIAGNÓSTICO DE DADOS 85
METODOLOGIA DAS ANÁLISES 85
ANÁLISE DE CONTEÚDO 86
ANÁLISE DOS TEXTOS DESCRITIVOS DOS PORTAIS 89
Natura Ilía 90
Natura Kriska 94
Natura Sr. N 98
Boticário Portinari 101
Boticário Uomini 103
Boticário Glamour 104
ENTREVISTAS 107
Entrevista 01 112
Entrevista 02 114
Entrevista 03 116

CONSIDERAÇÕES FINAIS 121

REFERÊNCIAS 122
11

1. INTRODUÇÃO
Natura e Boticário são marcas brasileiras de cosméticos que utilizam
produção nacional e possuem público acessível e abrangente. Essas marcas
comunicam seu posicionamento oficial em reportes anuais, onde deixam claras as
progressões com relação a sustentabilidade e inclusão (NATURA, 2018),
(BOTICÁRIO, 2018).
Parte do processo de comunicação, as informações visuais também
produzem e transmitem significados, afetando a percepção do consumidor de
maneira inconsciente (DONDIS, 2003, p.20).
O léxico visual possui um papel importante na alfabetização, na interpretação
das informações visuais como forma, textura, cor e tipografia. Ao trabalhar com os
elementos de maneira isolada, os estudos da Gestalt auxiliam a análise das
mensagens que cada elemento pretende passar e perceber finalmente o todo
(DONDIS, 2003, p.22).
Produtos de higiene são amplamente utilizados na sociedade brasileira. As
marcas que veiculam esses produtos, também veiculam mensagens e bombardeiam
o consumidor com informações e significados. Parte de uma construção social,
essas empresas montam estratégias baseadas em seu público, e conferem a ele
características que acreditam fazer parte do indivíduo em sua natureza.
De acordo com Judith Butler, essas características são, na verdade,
construídas socialmente. O conceito da performatividade de gênero de Judith Butler
afirma que gênero é um conjunto das formas de expressão no qual o indivíduo se
apropria inconscientemente de significantes (BUTLER, 2004, p.1). O processo de
reflexão desses significantes é tão intenso nesses corpos falantes, que passam a
assumir as características como próteses.
O designer visual, no processo de formulação da informação sintática, a partir
de elementos como forma, cor, textura e tipografia, deve ter o cuidado de entender o
que cada um desses elementos transmite, e utilizá-los de maneira responsável.
O presente trabalho pretende analisar o posicionamento das marcas Natura e
Boticário para verificar como utilizam forma, cor, textura e tipografia, permitindo ao
consumidor entender se a mensagem que comunicam de maneira visual está de
acordo com a mensagem expressa, e com as evoluções da sociedade.
12

2. LEVANTAMENTO DE DADOS
2.1. A PERSPECTIVA DE GÊNERO
Os produtos comercializados pelas marcas apresentam características físicas
perceptíveis por seu público, consciente ou inconscientemente. A cada uma dessas
características são atribuídos socialmente significados e mensagens. Tomando
como base a dicotomia entre feminilidades e masculinidades (conceitos opostos pelo
contraste) deve-se compreender os efeitos que a exposição constante de seus
significados exercem sobre a sociedade. É necessário também entender como são
constituídas as relações entre gênero, objeto e suas características formais, além de
a maneira como o gênero é percebido dentro do campo das Ciências Sociais.
Os estudos de gênero no contexto atual passaram por um histórico de
transformações em diversas sociedades, não necessariamente na mesma ordem
cronológica. Inicialmente eles eram restritos aos estudos sobre a mulher
(feminismos), e posteriormente incluíram os estudos queer e os estudos sobre
masculinidades. A análise realizada utiliza um apanhado de tipos diversos de
feminismos e centraliza seu ponto de vista nos conceitos de gênero, sua
performatividade e suas próteses.
Existem ainda muitas tensões, pois algumas teóricas feministas reclamam
que a sobreposição do objeto de estudo (mulher e corpo feminino) pelos teóricos de
gênero (conceito como construção social) deixam de lado as compensações
históricas devidas às mulheres pelas relações de submissão, e minimizam as
reivindicações representativas nas esferas públicas.
O trabalho de conclusão de curso não possui a intenção de posicionar-se com
relação a essas tensões, mas de compreender as vertentes teóricas disponíveis em
sua riqueza para apropriar-se das ferramentas disponíveis para analisar criticamente
as relações de produção e consumo, tanto de imagens quanto de produtos, e suas
consequências na esfera pessoal e profissional. Além disso, é necessário
compreender o interesse do designer nos estudos de gênero, e as aplicabilidades
dos conceitos na área de atuação.
13

2.1.1. Feminismos
A definição de feminismo é uma tarefa complexa, pois não está limitada
geográfica ou temporalmente. Refere-se a um termo flexível e em constante
transformação, que possui diferentes pautas de acordo com cada cultura, sociedade,
período histórico, e percepção dos desafios que encontram em cada cenário
(CORREA, 2001 p. 15).
Existem diversas vertentes, cada qual com suas bases teóricas que podem
ou não aproveitar-se umas das outras para expressar uma análise crítica, adaptar-se
ao contexto sociohistórico e compreender sua adequabilidade, bem como suas
pautas centrais.
O feminismo conservadorista preocupa-se com as tensões relacionadas ao
sexo e com as relações hierárquicas de poder presentes entre homens e mulheres.
Ele é frequentemente referido como "feminismo burguês" porque não se preocupa
em questionar as origens políticas e culturais dessas desigualdades (CORREA,
2001 p. 16).
O chamado feminismo liberal tem suas bases nos ideais de liberdade,
igualdade e fraternidade da Revolução Francesa, e dá prioridade às ferramentas
legislativas e dispositivos legais para implantar a igualdade de direitos entre homens
e mulheres (CORREA, 2001 p. 16).
A vertente dogmático-marxista acredita que todos os fenômenos sociais estão
inseridos na lógica da luta de classes, e que a dinâmica de minimização da mulher
na sociedade está diretamente atrelada como parte dos problemas sociais gerais,
com base nas ideias de Marx e Engels (CORREA, 2001 p. 16).
O patriarcado é explorado pelo feminismo radical como um sistema de
dominação dos homens sobre as mulheres em todas as esferas da sociedade,
utilizando-se de diferenças biológicas para naturalizar as desigualdades. O cerne
dessas diferenças estaria no conceito tradicional de família e seus contratos
hierárquicos, que usam da psicologia do poder para legitimar suas bases (CORREA,
2001 p. 16).
Estudos feministas socialistas trabalham a formulação de novos conceitos
adequados para analisar diferentes realidades e a reformulação de categorias
conceituais consideradas inadequadas para analisar as classes sociais, o sexo e os
14

campos onde se relacionam, de acordo com a dialética marxista (CORREA, 2001 p.


16).
Existe ainda o anarcofeminismo, contrário a toda e qualquer relação de poder
sobre os indivíduos, e ancorado nos ideais de uma sociedade sem autoridades,
religiões ou preconceitos, abrindo portas para relações amorosas e sexuais livres. O
feminismo anarquista discute relações mais voltadas ao âmbito privado entre
homens e mulheres, como o amor, a maternidade, a sexualidade e a família, e
encontra na internet meios de veicular suas ideias (CORREA, 2001 p. 16).
O ecofeminismo está inserido na luta ambientalista e nas ideias do ser
humano como ser integrado ao meio ambiente. Faz crítica a todas as formas de
opressão de um ponto de vista abrangente e busca o convívio de complementação,
sem qualquer tipo de exploração e relação de dominação entre os seres (CORREA,
2001 p. 16).
Afastando-se das outras correntes, o feminismo da diferença acredita que o
problema da diferenciação entre homens e mulheres apóia-se na sobreposição do
masculino para com o feminino. Essa teoria afirma que o método de reconhecer as
diferenças tem o papel de libertar a mulher da dominação de uma cultura centrada
no masculino (CORREA, 2001 p. 16).
Por fim, o cyberfeminismo compreende os espaços tecnológicos como uma
porta de veiculação de estereótipos que pode ser manipulada para modificar
relações interpessoais e quebrar com os estigmas vigentes (CORREA, 2001 p. 16).
Na tentativa de abranger o conceito de feminismo em sua complexidade, com
as diversas abordagens e posicionamentos, surgem esforços de não mais referir-se
à palavra no singular, mas como "feminismos". A pluralidade encontrada no termo
valoriza a riqueza de contribuições, buscando concentrar forças em um radical
comum (CORREA, 2001 p. 17).
Nas Ciências Sociais, o feminismo é entendido como um movimento social
originado nas décadas de 1960 e 1970 que reivindica os direitos das mulheres. Essa
definição foca nas relações com esferas institucionalizadas do poder para pressionar
autoridades por mudanças à condição de vida, mas exclui a sua aplicação no âmbito
privado e relacional, da razão e do afeto, do trabalho e do prazer, da obrigação e do
desejo. Contemplar essas áreas de expressão é propor a desmobilização dos
15

conceitos excludentes enraizados nos espaços de poder cotidianos (CORREA, 2001


p. 17).
Aplicada ao contexto brasileiro, a produção científica sobre o assunto coloca
como principal característica do feminismo a permeabilidade dos ideais nos espaços
públicos e privados, coletivos e individuais.
"A forma como as relações interpessoais (homens e mulheres, pais e filhos,
brancos e negros, hetero e homossexuais, patrões e operários, etc.) estão
organizadas, diz respeito à organização social como um todo. A política, a religião, o
sistema jurídico, a vida intelectual e artística, etc., estão impregnadas de
concepções hierárquicas injustas e sexistas" (CORREA, 2001 p. 18).
A postura política do sujeito com relação à mulher torna-se também a postura
individual, comprometida ou não a combater a realidade de opressão, de
desigualdade de tratamento e de direitos para estabelecer novas crenças e práticas
político-sociais que modifiquem as relações humanas. Essas práticas se extendem
também ao fazer artístico, ao meio acadêmico e às relações de consumo (CORREA,
2001 p. 18).
Dentro da prática artística brasileira, a segunda metade do século XX foi
marcada pelo tema "identidade", colocado em discussão pelas mulheres que
reivindicavam a condição de sujeitos sociais pensantes e críticos e a derrubada dos
estereótipos de feminilidade, frequentemente associados à submissão (DE ABREU,
2015, P.3930).
Conforme as sociedades se transformam, os assuntos em pauta se
modificam e surge a necessidade de atualizar conceitos e preencher lacunas. Com o
avanço dos estudos feministas, núcleos de pesquisa contribuem para a pauta e
chegam à conclusão que é necessário pensar sobre o conceito de gênero
(CORREA, 2001 p. 19).
16

2.1.2. Estudos de Gênero


O conceito de gênero é influenciado por estudos pós-estruturalistas, que
enfatizam as origens sociais e as identidades subjetivas entre homens e mulheres.
Gênero deixa de se referir ao sexo biológico e passa a ser uma construção social
que pensa as expressões individuais e as relações humanas. Essas construções
são flexíveis e em constante ressignificação.
Os estudos pós estruturalistas são ramificados em diversas vertentes,
entretanto, o ponto em comum entre as abordagens está na importância que
conferem ao uso do discurso (PAECHTER, 2001, p.1).
Os discursos são formas de fala, pensamento e escrita particulares a
estruturas sociais organizadas para definir categorias e especificar domínios do que
pode ser dito e feito, a partir de verdades fabricadas como incontestáveis.
(PAECHTER, 2001, p.2).
A linguagem tem papel importante como definidora, contestadora e
construtora de subjetividades, pois desde a emissão de uma mensagem, até a sua
recepção e interpretação por parte do receptor, existem significados na linguagem
que muitas vezes não são percebidos (PAECHTER, 2001, p.2).
O discurso está intimamente ligado às relações de poder. Nesse sentido, os
estudos pós estruturalistas utilizam o conceito de poder de Foucault, que se refere a
uma rede que opera no mundo social, através das linguagens utilizadas no dia a dia
e na maneira como o ser humano é movido (PAECHTER, 2001, p.3).
Ele não emana de uma fonte, e não pode ser detido por um indivíduo ou
grupo, mas está em todos os lugares: nas instituições, formas de ser e nos espaços
habitados. Ele emana das micro camadas de interação entre indivíduos e grupos.
Dessa forma, é possível posicionar-se a favor dos discursos dominantes, ou
desconstruí-los para criar novos discursos de resistência (PAECHTER, 2001, p.4).
Os efeitos da linguagem e do discurso não abrangem somente a linguística,
mas afetam também comportamentos no modo físico através do corpo. Por
exemplo,
Como o corpo é experimentado é fundamentalmente afetado pelos discursos
que envolvem os aspectos físicos do gênero. Dessa maneira, o gênero é atribuído
17

em termos de formas físicas e signos, e vivido a partir de como inscrevemos esses


atributos aos corpos (PAECHTER, 2001, p.7).
Existem distinções entre sexo, atribuições de gênero, identidade e papéis de
gênero. Sexo é especificado como um fator biológico e manifestado em
configurações hormonais e partes do corpo. Atribuições de gênero levam em
consideração as características físicas percebidas e estão frequentemente
associadas a como o sexo é visto pelo outro. Identidade de gênero refere-se à
maneira como o indivíduo se sente sobre o próprio sexo, seja como masculino,
feminino, ambos ou nenhum, que pode diferir da atribuição. Refere-se à experiência
privada. Papel de gênero se refere ao conjunto de comportamentos de indivíduos
que determinam o gênero atribuído (PAECHTER, 2001, p.12).
De acordo com a filósofa Judith Butler, gênero é uma ação, uma atividade
performática incessante que vai além do ˜ser˜. O indivíduo apropria-se de uma forma
de expressão e atuação, inconscientemente, a partir das construções de
socialidades, do seu reconhecimento ou não reconhecimento perante a sociedade e
dentro das relações de poder. Dessa forma surge o conceito de ˜performatividade de
gênero˜ (BUTLER, 2004, p.1).
Como explicita a autora Cláudia Zacar sobre as ideias de Judith Butler, o
conceito de gênero envolve um conjunto de normas socialmente estabelecidas e
incorporadas (inscritas ao corpo) pela sua constante repetição. A partir dessas
construções binárias naturalizadas definiram-se padrões de feminilidade e
masculinidade (BUTLER, 2004 apud ZACAR, 2018, p.20).
Levando isso em consideração, a feminilidade e a masculinidade são
discursos construídos e mantidos socialmente, que agem sobre indivíduos em uma
determinada sociedade (PAECHTER, 2001, p.12).
A filósofa Beatriz Preciado vai além da ideia de construção e sugere que o
gênero, juntamente com a sexualidade, devem ser compreendidos como
˜tecnologias sociopolíticas complexas˜, e que entre elas é necessário estabelecer
conexões políticas e teóricas para desnaturalizar e desmistificar as noções
tradicionais estabelecidas pela análise biológica. (PRECIADO, 2004, p.25).
Teresa de Lauretis (1987) defende que o discurso das dicotomias entre
feminino e masculino como simples diferenças sexuais aprisiona a crítica feminista.
18

Deve-se adicionar a ele o caráter da linguagem e suas significações (códigos


linguísticos e representações culturais intrínsecas). Segundo Lauretis, o gênero é
fruto de tecnologias sociais, como os meios de comunicação, dos discursos e
críticas estabelecidos pelas instituições, e também das práticas cotidianas, que
quando providos de significações pela dicotomia, chama de ˜tecnologias sexuais˜.
(LAURETIS, 1987, p.210)
As normas construídas são atreladas pela sociedade aos sujeitos, corpos,
artefatos e usos de maneira artificial e são, entretanto, percebidas como parte da
sua natureza, surgindo como ˜próteses de gênero˜, fazendo parecer essenciais e
permanentes as diferenciações em termos de formas, cores, materiais e texturas
associados às feminilidades e às masculinidades (PRECIADO, 2004 apud ZACAR,
2018, p.20).
As normas de gênero, portanto, reduzem a multiplicidade do sujeito pela
sexualização de seu corpo e a naturalização de diferenças. Em outras palavras,
segundo Zacar, as normas incumbem aos sistemas, significados de valor associados
aos conceitos de feminino e masculino. Eles agem na construção de identidades das
pessoas que deles se apropriem (ZACAR, 2018, p.23).
No Brasil, os estudos de gênero tiveram um crescimento significativo a partir
dos anos 80, e quase todos os setores dedicados às causas feministas procuraram
fazer uso do termo, incluindo ONGs, sindicatos, partidos políticos e instituições do
governo, demonstrando a grande rede de apoio formada por diferentes gerações e
camadas sociais (CORREA, 2001 p. 21).
Ao final dos anos 80, o discurso social e a linguagem ganharam destaque
com os estudos de análise dos códigos ideológicos e símbolos das estruturas
culturais das imagens feministas.
Ao fim da década de 90, essas análises voltaram-se ao múltiplo,
compreendendo que as dualidades excludentes são modelos tradicionais que devem
ser superados, e o olhar deve voltar-se para fatores como etnia, gênero e classe
social (DE ABREU, 2015, P.3934)
A produção de design visual, como criadora de significados, atua na
construção, reiteração ou subversão das características ligadas a essas normas
19

excludentes de gênero, classe social e etnia e deve estar atenta aos marcadores
culturalmente definidos na constituição de subjetividades (ZACAR, 2018, p.23).
De acordo com Ana Paula Silva, os produtos de higiene pessoal são artefatos
amplamente utilizados pela população brasileira e estão incluídos no processo de
diferenciação de feminilidades e masculinidades. Essa escolha é realizada pelo
mercado, tomando como base o pensamento de que a necessidade desses
produtos é regida pelos fatores biológicos, utilizando-se de visualidades para
promover conceitos socialmente construídos. Por esse motivo, a maneira como os
produtos são apresentados reflete o posicionamento das marcas perante a
sociedade (SILVA, 2010)
A análise dos produtos das marcas Natura e Boticário auxilia na identificação
do discurso das duas marcas com relação às diferenciações citadas e permite
verificar se a sua produção de design gráfico atualmente disponibilizada caminha em
conjunto com os valores que as marcas comunicam de maneira verbal expressa.
Com o aumento do consumo de imagens no início do século XXI, os
processos de construção de feminilidades e masculinidades nas imagens e artefatos
consumidos diariamente torna-se problemática. Essas imagens realizam influência
significativa na compreensão das normas socioculturais, investigando também a
maneira como são concebidas, quem as produz e reproduz, levando em
consideração que podem ser articuladas como táticas de poder, empregadas na luta
por legitimação de valores e crenças (DE ABREU, 2015, P.3936).
20

2.2. LEITURA DE IMAGENS E CULTURA VISUAL


A autora Maria Emilia Sardelich comenta acerca do consumo exacerbado de
imagens. Estas, são veiculadas deliberadamente e muitas vezes sem crítica por
parte do expectador, para o entretenimento, a venda de produtos e criação de estilos
de vida. (SARDELICH, 2006, p.452)
Sardelich defende que as tecnologias podem ser utilizadas para construir
espaços em um sistema de dominação, e que para compreender essas construções,
é necessária a alfabetização visual através da leitura de imagens e cultura visual.
(SARDELICH, 2006, p.452)
A leitura de imagens remete ao final da década de 1970, quando começaram
a surgir teorias formalistas fundamentadas na Gestalt e na Semiótica. Essas teorias
são baseadas na ideia de que a imagem constitui a percepção através de signos,
códigos e compreensões (SARDELICH, 2006, p.453).
A autora Donis Dondis também trabalha o conceito de léxico visual a partir da
disposição de elementos básicos, como ponto, linha, forma, cor e luz, no sentido da
composição. Ela propõe um sistema de leitura básica acessível, atrelando a sintaxe
à semântica para abrir espaços de identificação e aprendizagem, sem necessidade
de formação específica em áreas artísticas. (SARDELICH, 2006, p.454).
De acordo com Dondis, analisar elementos de uma composição de maneira
isolada, como cor, tom, linha, textura e proporção é importante no desenvolvimento
do ˜alfabetismo visual˜. A capacidade de ver, reconhecer e compreender o aspecto
formal de um objeto supera o conhecimento tátil no processo de aprendizado
(DONDIS, 2003, p.1).
Durante este processo, busca-se no aspecto visual o reforço da informação,
pois seu caráter direto permite obter conexão mais próxima com o repertório
construído e com as experiências reais (DONDIS, 2003, p.6).
Durante a evolução humana, o próprio pensamento começou a ser traduzido
através de imagens e desenvolveu-se até chegar ao sistema complexo de alfabeto
que utilizamos. Ou seja, o mecanismo de linguagem que dominamos teve início em
percepções do objeto através de imagens (DONDIS, 2003, p.6).
Segundo Dondis, a mensagem visual possui três níveis distintos: o input
visual, que consiste no sistema de símbolos, o material representacional, utilizado a
21

partir do desenho, da pintura, escultura e do cinema, e a estrutura abstrata: a forma


de tudo aquilo que vemos (DONDIS, 2003, p.20).
Ott (1984), Housen (1992) e Parsons (1992) desenvolveram a metodologia
image watching de leitura visual para estruturar a relação do apreciador com obras
de arte, pela sensibilização, descrição e questionamento, análise formal,
interpretação das sensações, fundamentação em elementos de história da arte a
respeito do valor da obra, e prática do fazer a partir do processo vivenciado
(SARDELICH, 2006, p.455).
Abigail Housen e Michael Parsons defendem que a compreensão estética
evolui à medida que o visualizador se familiariza com as imagens, e que isso
depende do repertório individual. (SARDELICH, 2006, p.456).
O processo semiótico da leitura de imagens introduz os sentidos de
denotação e conotação. A primeira refere-se ao significado descritivo do que se
observa, e a segunda, às interpretações do leitor (SARDELICH, 2006, p.456).
Segundo a abordagem semiótica, a leitura da imagem pode ser realizada a
partir de códigos, espaciais, gestuais, lumínicos, simbólicos, gráficos e relacionais.
Esses códigos se referem ao ponto de vista, às sensações produzidas no
observador, à luminosidade que altera a percepção de volumes, aos significados
convencionais, à imagem gráfica em si e às relações espaciais às quais estão
submetidas. (SARDELICH, 2006, p.456).
Existe ainda um ponto de vista antropológico, sociológico e histórico,
interessado no uso das imagens como documentação, pesquisa e intervenção
político cultural. Essa vertente questiona a leitura formal quando aplicada sem um
contexto sociohistórico (SARDELICH, 2006, p.457).
Compreender o contexto histórico ajuda a entender as intenções e interesses
por trás da imagem, de apresentar ou tentar alterar a sua realidade. Para decifrar a
mensagem visual, é preciso entender como as imagens foram geradas, por quem,
para quem e por quê foram feitas, mais do que apenas entender como são
constituídas formalmente (SARDELICH, 2006, p.458).
A análise histórica de imagens requer competências iconográficas, narrativas,
estéticas, enciclopédicas, linguístico comunicativas e modais. Isto é, reconhecer se
as formas reproduzem algo real, estabelecer uma sequência, atribuir sentido
22

estético, identificar personagens, situações, contextos e conotações, atribuir temas e


interpretar o seu espaço tempo (SARDELICH, 2006, p.459).
O campo da pedagogia da imagem tem função de analisar as imagens como
forma de educação. Mecanismos educativos podem ser encontrados em diferentes
instâncias da sociedade, e podem estar inseridos em diferentes discursos que
estabeleçam regras sociais (SARDELICH, 2006, p.459).
Para compreender a mensagem nas imagens, é necessário observar,
interpretar e analisar tanto a forma como elas são construídas, como o conteúdo que
comunicam. (SARDELICH, 2006, p.460)
A leitura de imagens é traduzida nos termos do repertório do leitor, ao passo
que é afetada diretamente pelas suas emoções (SARDELICH, 2006, p.460).
A cultura visual propõe a compreensão da experiência cotidiana pela
interação do indivíduo com as visualidades e suas interpretações na busca por
informação, significado ou prazer (SARDELICH, 2006, p.462).
A cultura visual também possui variadas correntes. As mais restritivas
enfatizam a normatização do objeto de estudo como a arte, o design, as expressões
faciais, a moda, a tatuagem, e as menos restritivas analisam a cultura, os valores e
identidades comunicados nos mecanismos de inclusão e exclusão (SARDELICH,
2006, p.462).
Essa metodologia é mais abrangente do que a do léxico visual, pois não é
baseada somente na leitura formalista e semiótica, mas também na capacidade das
imagens de atuar nas experiências individuais e no contexto sociocultural de
produção (SARDELICH, 2006, p.462).
A visão e a visualidade são conceitos norteadores da cultura visual. A
primeira refere-se ao processo fisiológico de resposta dos olhos, e a segunda ao
olhar socializado. O processo de visão é comum em todas as culturas, dependendo
tão e somente da capacidade das estruturas físicas do sujeito, mas a visualidade
varia de acordo com a cultura e sociedade, em diferentes sistemas de representação
(SARDELICH, 2006, p.462).
A partir da narrativa das visualidades atrelada à cultura, é possível
aproximar-se dos artefatos que compreendem a perspectiva do visualizador, o
23

cenário histórico-cultural do artefato e a perspectiva do produtor (SARDELICH, 2006,


p.463).
Diariamente são veiculadas imagens com informações que ditam como
aparentar, comportar-se, como agir para ter sucesso. Essas informações chegam
carregadas de intenções e de discursos e visões socialmente construídas sobre o
que significa ser mulher, ser homem, ser belo, sexy. Essas delimitações não são
conhecimentos formalizados, mas se fazem presentes nas visualidades cotidianas
(DE ABREU, 2015, P.3936).
De Abreu comenta que os estereótipos são frequentemente utilizados para
ordenar o mundo, e o mundo está ordenado a partir de subjetividades hegemônicas.
As imagens reproduzem estereótipos, fortalecem preconceitos, separam o
que é diferente e naturalizam verdades que mantêm hegemonias e criam mundos
simbólicos cujas representações determinam desejos e modelos a serem seguidos
(DE ABREU, 2015, P.3938).
A perspectiva da cultura visual está comprometida com a criação de
estratégias que auxiliem na visualização, interpretação e desconstrução de
significados muitas vezes invisíveis nas imagens. Propõe reflexões sobre os
discursos engendrados que permeiam as visualidades. É importante desconstruir
políticas de representação baseadas na hegemonia masculina para entender como
a cultura visual ajuda a construir o gênero, como as práticas culturais constroem
sujeitos normativos em um sistema de valores e de significações.(DE ABREU, 2015,
P.3938).
Para isso, é necessário identificar as demarcações de diferenças nas
visualidades. A categoria gênero como socialmente construída permite o
posicionamento como sujeitos questionadores das instituições que postulam
feminilidades e masculinidades, e os valores e papéis a elas atribuídos, bem como
os significantes afetam as nossa percepção visual (DE ABREU, 2015, P.3938).
O presente trabalho pretende utilizar o nível de inteligência visual da estrutura
abstrata (mensagem visual pura) para analisar os objetos propostos. Esse nível é
considerado por Dondis a maneira mais robusta de aprendizagem visual, pois a
forma abstrata compõe a essência de tudo aquilo que vemos, e nela são criadas as
significações.
24

A leitura, no entanto, não se resume somente em termos formais. A


comparação paramétrica realizada entre as amostras e a sua inserção no contexto
social brasileiro de produção e consumo de imagens traz à luz as associações com
as feminilidade e masculinidades, e o discurso utilizado pelas marcas. Deixa de ser
apenas uma leitura formal, para tornar-se uma crítica da cultura visual (DONDIS,
2003, p.20).

2.3. MARCAS ESCOLHIDAS


2.3.1. Natura
A Natura é uma marca de cosméticos naturais que utiliza insumos nacionais,
fundada em 1969, por Luiz Seabra e Jean Pierre Berjeaut. Sua primeira loja foi
aberta em São Paulo, e fechou em 1974 para dar lugar à estratégia de vendas pelo
recrutamento de consultoras de beleza, que tinham como objetivo estabelecer suas
redes de contatos e conexão próxima com clientes, recebendo comissão pela venda
dos produtos. Esse método permitiu que ela expandisse sua rede a diversas regiões
do país e internacionalmente a partir de representantes comerciais diretos
(CONTADOR; STAL, 2011, p.63)
Em 2001, a empresa investiu na criação de um centro de pesquisas,
qualidade e tecnologia na produção de cosméticos em Cajamar (SP), e em 2004
abriu seu capital para investimentos externos, disponibilizando suas ações na Bolsa
de Valores (CONTADOR; STAL, 2011, p.66).
Em 2016 a marca começou a expandir e comprou a empresa australiana de
cosméticos Aesop. Em 2017, adquiriu a britânica The Body Shop e em 2018 passou
a se chamar Natura & Co., realizando a compra da concorrente direta Avon em
2020. A expansão fez com que a Natura&Co. se tornasse um dos quatro maiores
grupos do segmento de beleza do mundo, com mais de 50% de participação de
mercado (NATURA, 2020).
De acordo com os canais oficiais da marca e o seu reporte anual de 2018,
dentre os propósitos de existência da marca, sua visão e crenças estão a promoção
o bem estar do indivíduo consigo mesmo, com seu corpo, com o outro e com a
natureza, a interdependência, o compromisso com a verdade e a busca da beleza
liberta de preconceitos e manipulações. (NATURA, 2018)
25

A Natura assume como suas estratégias de responsabilidade social e com o


meio ambiente o compromisso com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
da ONU, a inclusão social através do modelo de negócio, o fomento à diversidade e
à multiculturalidade através de iniciativas internas com foco nos públicos: mulheres,
PCDs, LGBTI+ e negros (NATURA, 2018, p.53).
O presente trabalho dispõe-se a analisar os produtos referentes à submarca
Natura (marca explicitada na Fig. 1), e não abrange as outras submarcas do grupo.

FIGURA 1 - MARCA OFICIAL DA NATURA DESDE 2001

FONTE
https://www.gratispng.com/png-fna9i2/download.html
Acesso em 28 de abr. de 2020.

2.3.1.1. Linhas de Produtos


Com base no levantamento de dados disponíveis no site oficial da empresa,
as linhas de produtos Natura disponíveis para venda são: Todo dia, Kaiak, Essencial,
Ekos, Una, Mamãe e Bebê, Chronos, Homem, Plant, Sève, Aquarela, Humor,
Biografia, Naturé, Sou, Fotoequilíbrio, Faces, Sr. N, Luna, Águas, Erva Doce, Kriska,
Ilía, Urbano, Crer para Ver, Lumina, Sintonia. (NATURA, 2020).
A seleção das linhas para análise de cor, forma, textura e tipografia foi
realizada a partir dos seguintes critérios estabelecidos:
● Volume de vendas (o site disponibiliza a seleção de produtos por preferência
do consumidor) - o volume de vendas não indica somente a popularidade do
produto, mas a sua acessibilidade;
● Produtos categorizados no site da marca como masculinos ou femininos pelo
mecanismo de busca. A seleção recebeu novo filtro para selecionar produtos
com nomes de mulher ou de homens, e em seguida, aplicada à descrição da
linha;
26

● Promessa de atribuir adjetivos qualitativos ao uso dos produtos que estejam


atreladas às feminilidades e masculinidades, no sentido de definir o que é ser
mulher ou homem;

A partir dos critérios definidos, as linhas de produtos Natura selecionadas


foram: Ilía, Kriska e Sr. N, de acordo com a FIG-2.

FIGURA 2 - SELEÇÃO DE PRODUTOS

FONTE:
https://www.natura.com.br/
Acesso em 29 de abr. de 2020

Descrições dos produtos de acordo com o site:


"Ilía: Uma linha que traduz a intensidade e a sensibilidade femininas em
fragrâncias"(NATURA, 2020).
"Kriska: A linha tem fragrâncias desde as mais sensuais até as mais
refrescantes. Escolha a que mais combina com você e traga mais feminilidade para
seu dia" (NATURA, 2020)
"Sr N: Ideal para homens clássicos, SR N tem fragrâncias marcantes e
inconfundíveis de perfumaria e uma linha de produtos de cuidados pessoais"
(NATURA, 2020).
27

2.3.2. Boticário
O Boticário é uma marca de produtos cosméticos fundada em 1977 por
Miguel Krigsner que começou como uma farmácia de manipulação em Curitiba. À
época de sua abertura, estavam em processo na política brasileira, medidas de
restrições às importações, que valorizavam e favoreciam a venda de produtos
nacionais e dificultavam a utilização de insumos provenientes de fora do país
(MELO; RIBEIRO, 2007, p.303).
Em 1979, Miguel Krigsner comprou de Sílvio Santos as embalagens em
formato de ânfora que viraram a assinatura da marca, e no ano seguinte, o Boticário
iniciou a estratégia de abertura de franquias, crescendo significativamente até
construir sua própria fábrica em 1982 (BOTICÁRIO, 2020).
Em 1984, a divulgação por campanhas publicitárias direcionadas a revistas
femininas em rede nacional aumentou sua exposição ao público e estabeleceu uma
comunicação padronizada (MELO; RIBEIRO, 2007, p.304).
Para acompanhar os conceitos de sustentabilidade de mercado que tomaram
a pauta do cenário nos anos 1990 e buscar maior conexão com as questões
ambientais, o Boticário abriu uma organização sem fins lucrativos chamada
Fundação Boticário, voltada a ações para a conservação da natureza (BOTICÁRIO,
2020).
A marca acompanhou o cenário crescente do mercado brasileiro de
cosméticos nos anos 2000 e teve um aumento de quase 10% no faturamento líquido
entre os anos de 2000 a 2004, possibilitando sua expansão para outros países.
(ABIHPEC, 2005 apud MELO; RIBEIRO, 2007, p.304).
A empresa, que passou por reformulações na presidência em 2010, passou a
chamar-se ˜Grupo Boticário˜ e reuniu marcas como ˜O Boticário˜, ˜Eudora˜, ˜Quem
disse, Berenice?˜ e ˜The Beauty Box˜, agregando em 2020 a ˜Vult˜, a ˜Blz˜ e a ˜Multi
B.˜ (BOTICÁRIO, 2020).
O presente estudo pretende focar na análise das linhas de produto da marca
o Boticário.
28

FIGURA 3 - MARCA O BOTICÁRIO

FONTE:
https://logodownload.org/o-boticario-logo/
Acesso em 29 de abr. de 2020

2.3.2.1. Linhas de Produtos

Até 2003, o Boticário possuía em mix de produtos cerca de 580 itens divididos
em deocolônias, desodorantes, shampoos, sabonetes, cremes, loções,
bronzeadores, protetores solares, condicionadores e maquiagem. Para se
determinar o nome dos produtos, existe um processo de desenvolvimento com
pesquisas de marketing e comunicação, que são os responsáveis por sua
denominação comercial, levando-se em conta caracterısticas como fragrância,
público-alvo, mensagem social, entre outras (ALMEIDA; SILVA, 2003, p.7).
Através da pesquisa telematizada no site oficial da marca, foram identificadas
as seguintes linhas de produtos: Intense, Malbec, Make B., Egeo, Floratta, Nativa,
Nativa Spa, Glamour, Quasar, Linda, Capricho, Cuide-se Bem, Boti Baby, Men, Lily,
Accordes, Connexion, Coffee, Arbo, Portinari, Styletto, Zaad, Uomini, Sophie,
Elysée, Insensatez, Match., Boticollection, The Blend, Dr. Botica, Dream, Botica 214
(BOTICÁRIO, 2020).
A seleção das linhas para análise de cor, forma, textura e tipografia deve
realizada a partir dos seguintes critérios estabelecidos:
● Volume de vendas (o site disponibiliza a seleção de produtos por preferência
do consumidor) - o volume de vendas não indica somente a popularidade do
produto, mas a sua acessibilidade;
● Produtos categorizados no site da marca como masculinos ou femininos pelo
mecanismo de busca. A seleção recebeu novo filtro para selecionar produtos
com nomes de mulher ou de homens, e em seguida, aplicada à descrição da
linha;
● Promessa de atribuir adjetivos qualitativos ao uso dos produtos que estejam
atreladas às feminilidades e masculinidades, no sentido de definir o que é ser
mulher ou homem;
29

A partir dos critérios definidos, as linhas de produtos selecionadas foram:


Glamour, Portinari, Uomini.
Pelo volume de marcas disponíveis, a quantidade de linhas de produtos
selecionadas será novamente filtrada de acordo com os critérios estabelecidos e
disponibilidade de elementos presentes nos produtos para análise.
De acordo com o site oficial do Boticário as linhas de produtos apresentam as
seguintes descrições com relação a seu público:
"Glamour: Com detalhes na fragrância e curvas nas embalagens que
ressaltam a feminilidade, Glamour destaca o charme, a elegância e a sensualidade
da mulher brasileira" (BOTICÁRIO, 2020).
"Portinari: Feito especialmente para homens que gostam de viver
intensamente, mas também discretos e seguros de suas convicções. Na linguagem
das cores e das texturas, Portinari reflete o significado de ser brasileiro, exaltando o
lado artístico" (BOTICÁRIO, 2020).
"Uomini: é uma palavra italiana e a tradução já diz muito de sua essência:
HOMENS. Sua fragrância expressiva e elegante ressalta toda a versatilidade
masculina. Uomini, para homens de personalidade" (BOTICÁRIO, 2020).

FIGURA 4 - SELEÇÃO DE PRODUTOS BOTICÁRIO

FONTE:
https://www.boticario.com.br/
Acesso em 20 de abr. de 2020
30

2.4. FORMA
2.4.1. Gestalt
A Gestalt é uma escola alemã do ramo da psicologia experimental que atua
nos estudos da forma, e auxilia outras áreas, como da "percepção, linguagem,
inteligência, memória e aprendizagem, motivação e conduta dos grupos sociais". Ela
postula que o sistema nervoso central possui um mecanismo de busca pela
estabilidade, adaptando-se naturalmente aos diferentes estímulos produzidos pelo
meio externo. Os efeitos desse mecanismo de visualização do observador permitem
a análise de como essas informações visuais são percebidas, e como interpretam as
mensagens presentes (FILHO, 2008, p.15).
A fonte compositiva de toda mensagem visual está nos elementos básicos
catalogados pelo psicólogo Rudolf Arnheim (1904-2007) em seu trabalho "Art and
visual perception": o ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a textura e a
proporção (SARDELICH, 2006, p.454). Esses padrões visuais com qualidades
expressivas auxiliam a interpretação da imagem e, na criação, são manipulados de
acordo com o objetivo da mensagem. (DONDIS, 2003, p.23).
A forma pode ser definida em termos filosóficos e metafísicos, a partir do
conceito daquilo que determina matéria para ser algo. Ela se refere aos limites
exteriores da matéria, dos quais se constitui um corpo. É a configuração de seus
limites que podem ser vistos de fora. A forma pode ser constituída em ponto, linha,
plano ou volume (FILHO, 2008, p.34).
A visualização da forma depende da interação do olho humano com o objeto,
intermediado pela luz. Ela é manifestada pelos diferentes estímulos ao campo visual,
em função dos contrastes dos elementos que configuram um objeto.
Unidade básica da forma, o ponto é a sua menor redução, com geometria
circular e sem extensões. Dentro de uma composição, o ponto refere-se a qualquer
unidade que funcione como centro de atenção do visualizador, pois uma de suas
características é compelir o olho a visualizá-lo (FILHO, 2008, p.35).
Formada por sequências de pontos minimamente distantes entre si, a linha
pode também ser descrita como o movimento de um ponto em alta velocidade. A
velocidade é dada pela percepção em atraso do olho do movimento em sequência
como um rastro deixado por sua forma. A linha refere-se ao contorno da matéria e
31

pode ser classificada como Moderna, Orgânica, Geométrica, Aerodinâmica (FILHO,


2008, p.37).
A continuidade das linhas, indicada nas dimensões de comprimento, largura e
espessura (predominando as duas primeiras) forma o plano. Ele é definido em
termos de superfície (FILHO, 2008, p.38)
O volume é a projeção da forma em três dimensões no espaço, manifestada a
partir de suas propriedades táteis perceptíveis. Em um plano bidimensional, ela se
caracteriza pela sensação ou percepção do olho de partes ressaltadas do objeto.
Isso ocorre através dos contrastes entre luz e sombra, brilho e textura (FILHO, 2008,
p.39) .
Uma organização de formas representadas de maneira formal ou
esquemática conceitua a configuração. Na representação formal, a configuração é
indicada pelos limites de pontos, linhas, planos, volumes e massa. Na representação
esquemática, a partir da incorporação de variadas formas pela percepção,
contemplando o objeto como um todo ou como suas partes (FILHO, 2008, p.40-41).
A leitura da forma proposta pela Gestalt leva em consideração parâmetros de
visualização que podem ser dados em categorias conceituais. Elas envolvem:
harmonia (ordem ou regularidade), equilíbrio (peso, direção, simetria) e contraste
(luz, tom, cor, verticalidade/horizontalidade, movimento, dinamismo/ritmo, proporção,
escala e agudeza) (FILHO, 2008, p.43)..
A harmonia consiste na distribuição proporcional das partes ou do todo de um
objeto, de maneira ordenada e regular. Para que uma forma seja harmônica, deve
existir equilíbrio simétrico (distribuição igualitária dos pesos dentro dos eixos)
(FILHO, 2008, p.44).
Quando definida por ordem, apresenta-se pela linguagem compatível entre
formas, e também pela concordância do objeto ou partes que o constituem.
Harmonia por regularidade refere-se à ausência de desvios, desalinhamentos e
desproporções, de maneira que as formas constituem um padrão inalterado (FILHO,
2008, p.45).
O conceito de equilíbrio advém do peso que um corpo exerce em igual
proporção às laterais de um eixo estabelecido. Tanto no sentido físico como visual, o
32

equilíbrio significa que a soma das forças opostas exercidas ao objeto resulta em
zero (FILHO, 2008, p.45).
Uma forma pode ser equilibrada pelo movimento em direção a um centro de
atração. A direção pode ter sentido denotativo ou conotativo como índice, pois pode
ressaltar, apontar para aspectos menos evidentes e conferir diferentes significados à
composição (FILHO, 2008, p.51).
Quando simétrico, o equilíbrio define a semelhança ou igualdade de ambos
os lados da forma ou composição em relação a um ou mais eixos axiais (horizontal,
vertical ou diagonal), com a distribuição das forças e pesos homogêneos.
O contraste existe quando há jogos de oposição entre polaridades. Ele pode
ser definido em termos de linhas, direções, cores, tonalidades, contornos,
movimentos, proporção e escala. É manipulado para evidenciar um aspecto
específico da forma, intensifica o significado pela dramatização e simplifica a
comunicação (FILHO, 2008, p.56).
Sua função é quebrar o equilíbrio para atrair a atenção. Um exemplo seria o
posicionamento de duas esferas de tamanhos opostos, que faz com que elas
pareçam comparativamente muito grande e muito pequena (FILHO, 2008, p.56).
O contraste é trabalhado com jogos de presença e ausência de luz que geram
a noção de tom e volume. Entre a presença ou ausência total da luz, existe uma
gama de matizes. Em composições monocromáticas, essas tonalidades são obtidas
pela sobreposição da luz e da sombra (branco e preto) em escala com retículas,
ajustando sua intensidade (FILHO, 2008, p.57).
O destaque de cores, por sua vez, ressalta formas e partes específicas do
objeto que se deseja intensificar. Ele torna essas partes visíveis e legíveis, e desvela
os códigos sociais embutidos às cores por sistemas institucionais. Além disso, pode
causar as sensações de equilíbrio ou desequilíbrio, aproximação ou distanciamento,
suavidade ou agressividade (FILHO, 2008, p.58).
O contraste por direção pode culminar no equilíbrio ou desequilíbrio de uma
forma. Esses efeitos ocorrem na composição quando elementos são posicionados
acima ou abaixo de um eixo central. Aqueles acima do eixo tornam-se mais pesados
e aqueles abaixo, mais leves. Pela mesma lógica, formas horizontais transmitem
maior estabilidade e verticais, instabilidade e leveza (FILHO, 2008, p.59).
33

Fatores neuropsíquicos, as leis gravitacionais e da inércia explicam o


contraste por movimento. As associações da forma com posições do corpo humano
em movimento, como o caminhar, correr, dançar, fazem com que o cérebro perceba
a imagem com uma continuidade de ação. Também é possível observar que, como
as formas posicionadas acima do eixo são mais pesadas, e abaixo mais leves,
objetos no sentido oblíquo possuem a tendência à queda, e para a manutenção da
posição, é necessário criar movimento. Dentre as qualidades perceptivas de
movimento estão: superfície sombreada, linhas ou volumes ondulados, formas de
cunha e direção oblíqua (FILHO, 2008, p.59).
O dinamismo está relacionado ao movimento em alta velocidade. Ele pode
ser provocado utilizando as noções de movimento, associadas a contrastes de luz e
sombra, de formas, direções e pesos (FILHO, 2008, p.60).
Unidades sequenciais conectadas visualmente em movimento contínuo
definem o ritmo. Ele pode ter intensidades variadas quando os elementos alternam
de tamanho, e também aparece com a transição gradual de sombras, brilhos,
transparências, tamanhos, cores e texturas (FILHO, 2008, p.63).
Proporção é a relação de comparação entre os tamanhos de elementos em
relação de escala. Para essa comparação, pode-se utilizar parte ou o elemento
completo. O contraste por proporção fica evidente quando a medida do contorno do
campo visual e dos elementos que o ocupam são proporcionais. A escala traz a
comparação dimensional de elementos a uma realidade próxima para compreender
seu tamanho real. (FILHO, 2008, p.64).
A nitidez e expressão da forma são características evocadas pela categoria
conceitual do contraste pela agudeza das formas geométricas. Ele produz sensação
de tensão, agressividade e impacto visual, em oposição à suavidade, com contornos
retos, arestas precisas e formas pontiagudas. Além disso, é percebido como
significado de acuidade, precisão e espontaneidade.
34

2.5. COR E TEXTURA


As cores influenciam o ser humano fisiológica e psicologicamente através das
emoções, produzindo sensações e reflexos. Suas vibrações podem determinar
polaridades em termos de significações, com efeitos positivos ou negativos, alegres
ou tristes, e determinando impulsos e desejos. (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013,
p.2).
Elas estão em diversos produtos e comunicações visuais, utilizadas como
ferramenta para criar um contexto adequado e produzir prazer. A maneira como elas
são aplicadas e percebidas pelo visualizador pode retomar ou gerar novas
experiências, além de determinar a maneira como ele vê o mundo e formula seu
estilo de vida (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.10).
A cor de cada material deve ser aplicada em consonância com seu conteúdo,
e adequada às demandas de seu público. Ela possui qualidade de atuar no
subconsciente do produtor e do consumidor da informação, fazendo com que as
marcas se apossem dessa função sutil para comunicar discursos através da
construção de imagens que disseminem interesses. A atuação no cérebro humano é
mais eficaz em comunicar mensagens do que a própria forma, de maneira mais sutil
do que ela. (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.2).
Dentro das visualidades, a cor não é apenas decorativa, mas expressa
valores, culturas e espiritualidade pelas suas propriedades de constituir signos. Para
analisá-la, é necessário verificar os aspectos de sensibilidade óptica, expressividade
e simbolismo. O processo de recepção da cor leva em consideração a luz, e também
os elementos e cores à sua volta (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.7).

2.5.1. Cor e Gestalt


Aplicando a teoria da Gestalt, os efeitos da cor podem ser percebidos como
conjuntos de impressões, podendo aparentar sensação de proximidade ou distância,
abertura ou fechamento (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.11).
As leis que regem o uso da cor no contexto psicológico não são universais. A
leitura semântica das cores é modificada de acordo com a cultura, mas a sua sintaxe
deve ser conhecida para produzir comunicabilidade através das qualidades de
movimento, peso, equilíbrio e espaço. (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.15).
35

Cores escuras aproximam e diminuem o espaço, ao passo que cores claras


ampliam ambientes e aumentam superfícies. O vermelho vibra, o amarelo expande e
o azul fecha (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.16).

2.5.2. Percepção fisiológica da cor e da textura


A percepção da cor leva em consideração o comprimento de sua onda. No
olho humano, os estímulos diferem entre si pelo tamanho, proximidade, iluminação,
cor e anatomia.
As percepções de brilho e textura são explicadas pela reflexão e refração da
luz. Quando um objeto é iluminado, parte desses raios volta, e parte é absorvida
pela superfície. A luz refratada possui diferentes velocidades em cada meio e é
definida em função da inclinação dos seus raios. Cada ponto de luminosidade é
representado do outro lado da lente ocular por um ponto focal.
A textura é o aspecto visual e tátil de uma superfície, que pode ser descrita
como lisa, rugosa, fofa, macia, ondulada, brilhante, dura, mole, e ajuda a
caracterizar a forma (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.30).
Os raios que passam pelo centro da lente não são desviados, pois são
perpendiculares à sua superfície e não sofre o fenômeno da refração. Aqueles que
atingem a interface cada vez mais inclinada se desviam de tal modo que alcançam a
linha que passa pelo centro. Quando os raios ultrapassam a lente, continuam a se
desviar, convergindo para um único ponto, situado a uma determinada distância, que
vem a ser o foco. Cada ponto luminoso é representado do outro lado da lente por um
ponto focal (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.31).
O primeiro ponto de percepção da imagem é dado na retina, e em seguida ao
estímulo, a mensagem é transmitida ao cérebro para ser analisada e interpretada. O
cérebro humano tem um padrão de comportamento com relação a essa mensagem,
no sentido de evitar o caos mental e focar sua atenção em determinados conjuntos
de estímulos (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.39).
36

2.5.3. Teorias da Cor


Algumas teorias explicam a visão da cor, como a de Young-Helmholtz, que
procura explicar a percepção da cor por três cones sensíveis à luz, receptores de
estímulos de excitação, cada um para uma cor primária: azul-violeta, verde e
vermelho-alaranjada. As outras cores são percebidas pela reação simultânea de
dois ou mais receptores, com maior ou menor intensidade dentro de um espectro. A
diversidade na estimulação dos cones pode produzir até cem mil sensações de cor
no cérebro (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.51).
A teoria de Ewald Hering (1834-1918) defende que existem três grupos de
cones: um deles sensível à luz azul e amarela, outro à luz verde e vermelha e outro
ao preto e o branco, assim trabalhando com a noção de negativos. As cores
primárias seriam o vermelho e o amarelo. O preto e o branco atuariam no fator
luminosidade (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.52).
A teoria de Christine Ladd Franklin, afirma que a visão humana acompanha o
processo de evolução, e se dividem em dois tipos de cones: um sensível a ondas
longas, responsável pela sensação de ao amarelo, e outro sensível a ondas curtas,
pela sensação do azul (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.52).
A teoria de Küppers (1973) postula a existência de apenas um tipo de cones,
e todos eles seriam sensíveis a variações de comprimento e intensidade de onda, e
os bastonetes seriam responsáveis pela percepção de tonalidades (FARINA;
PEREZ; BASTOS, 2013, p.52).
Goethe também formulou uma teoria da cor, em que o processo perceptivo
seria vinculado a sombras cromáticas. A obtenção da cor seria dada pela mistura do
claro com o escuro, e o escurecimento seria dado pelos meios (FARINA; PEREZ;
BASTOS, 2013, p.53).
A partir dessas teorias e pela evolução da tecnologia, é possível concluir que
a luz branca seria a combinação de todos os comprimentos de onda do espectro, e
sua sensação poderia ser produzida pela combinação do verde, azul-violeta, e
vermelho-alaranjado. O preto seria, portanto, a ausência desses raios, e a escala de
cinza é determinada em termos de adição ou subtração de luminosidade (FARINA;
PEREZ; BASTOS, 2013, p.54).
37

A variação de cor é produzida dentro dos componentes de refração da luz, do


violeta, índigo, azul, verde, amarelo, laranja e vermelho. Existem mesclas aditivas e
subtrativas de cores. Nas aditivas, utiliza-se cores secundárias: azul-violeta, verde e
vermelho, que combinadas resultam em outras cores. As cores básicas subtrativas
(primárias) seriam o amarelo, o magenta e o ciano (FARINA; PEREZ; BASTOS,
2013, p.54).
Para a manipulação de imagens considerando meios de iluminação artificial,
é necessário considerar outros tipos de estímulos, e então as cores primárias e
secundárias, em termos mais voltados à Publicidade, seriam o vermelho, o amarelo
e o azul, e suas complementares, o laranja, o verde e o azul-violeta (FARINA;
PEREZ; BASTOS, 2013, p.54).

2.5.4. Escalas Cromáticas


Variações no tom, na saturação ou na luminosidade de uma cor, produzem
modulações que, quando intervaladas regular e continuamente são chamadas de
escala.
Elas podem ser monocromáticas ou policromáticas, ou seja, com módulos de
uma ou de várias cores. Nas monocromáticas, a cor é manipulada em termos de
luminosidade, saturação e valor. Nas escalas policromáticas, são utilizadas
modulações de cores, como no espectro solar (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013,
p.68).
Na escala de branco, utiliza-se a mistura de cor a partir do branco. Na escala
de luminosidade, adiciona-se o preto a uma cor saturada. Essas escalas podem ser
definidas em altas/maiores, médias e baixas/menores, visto que nas baixas
empregam-se valores escuros, e nas altas valores claros. Nas médias, a cor é
considerada pura (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.67). Nas escalas
policromáticas, são utilizadas modulações de cores, como no espectro solar
(FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.68).
O círculo cromático de Wundt organiza as cores do espectro solar em um
diagrama ordenado com cores básicas e seus compostos.
38

2.5.5. Matiz, Sombreado e Tonalidade


A cor possui características específicas que definem toda sensação de cor.
Elas são o tom, a saturação e a luminosidade.
O tom é a variação da cor de acordo com os comprimentos de onda. Dentro
de tom existem as noções de matiz, sombreado e tonalidade. Matiz é a cor
composta de branco, sombreado é a sua composição com preto, e tonalidade, a
composição com cinza (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.70).
Saturação é a densidade e concentração da cor em si mesma. Quando não é
adicionada de branco ou preto e ela está dentro de seu comprimento de onda
correspondente no espectro solar, a cor é considerada saturada (FARINA; PEREZ;
BASTOS, 2013, p.71).
A luminosidade também é chamada de valor e pode ser definida como a
capacidade da cor de refletir luz branca (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.72).

2.5.6. Harmonia e Contraste


Combinações harmônicas incluem cores que possuem em sua composição
uma parte básica em comum, em tonalidades iguais ou distintas. Um exemplo seria
a composição de amarelo, verde, azul e laranja. Aquelas contrastantes são as que,
em oposição, não possuem partes em comum. Tons saturados contrastam com o
branco, e a modulação pode ser feita através do preto (FARINA; PEREZ; BASTOS,
2013, p.74).
Contraste também pode ser definido em termo de brilho, pureza e calor do
tom, e os valores de uma cor são alterados quando ela está contextualizada com
outras cores à sua volta. Isso determina o fator da legibilidade e visibilidade
(FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.76).
O contraste por tom ocorre entre cores primárias sem modulação. Ele pode
ser suavizado pela adição de branco ou preto a uma das cores.

2.5.6.1. Contraste de Tom


O contraste de tom pode ser conseguido com a presença ou ausência de
modulações. O contraste com cores saturadas pode ser suavizado pela adição de
branco ou preto a uma delas (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.76).
39

Cores quentes ou frias são definidas em termos de significado psicológico e


ligado às experiências diárias do homem com a natureza. As quentes são: vermelho,
laranja e pequena parte do amarelo. As frias são: grande parte do amarelo, roxo,
verde e azul. (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.77).
Para criar sensação de volume, é possível utilizar também cores. Como o
olho humano trabalha em busca de fechamento e complementação, ao visualizar
uma cor, o cérebro automaticamente busca pela sua complementaridade.

2.5.7. Psicologia das cores


A escolha das cores leva em consideração a cultura e os costumes sociais.
Estudos envolvendo reações emocionais polares das pessoas às cores permitiram a
formulação de um compilado de significações comuns a elas.
O branco é a cor da paz e harmonia no ocidente, e tristeza e morte no
oriente. Expressa neutralidade e pureza, castidade, liberdade, criatividade, aumenta
os espaços e causa sensação de vazio e solidão. (FARINA; PEREZ; BASTOS,
2013, p.96).
É associada à limpeza, à ordem, inocência, dignidade, estabilidade e
divindade (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.96)
As qualidades associadas ao preto correspondem à sua propriedade de
ausência de cor. Associações realizadas indicam que o preto é a cor da morte,
destruição, miséria, tristeza, melancolia, angústia e dor, às vezes com sentidos de
nobreza, seriedade e elegância quando combinado.
O cinza representa tédio, tristeza, decadência, seriedade, sabedoria,
desânimo e falta de vitalidade (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.98).
O vermelho, como cor do nosso fluxo sanguíneo, representa acolhimento,
paixão e lascívia, energia e revolta, furor, intensidade, poder, violência, emoção e
agressividade. É uma cor que impulsiona a atenção e remete a festividades
(FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.99).
O laranja, como vermelho suave, é símbolo de fertilidade, sexualidade, força,
excitação, energia, alegria e senso de humor. No budismo, significa iluminação e
grau supremo de perfeição (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.100).
40

O amarelo sugere alegria, espontaneidade, criatividade, esperança, orgulho,


inveja, ódio, irritação e covardia. Por lembrar o dourado, ele também simboliza
prosperidade e riqueza (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.100)
Verde é uma cor que possui propriedades de relaxamento. Ele reduz a
pressão sanguínea e acalma dores. Passa a sensação de bem estar, tranquilidade,
saúde, equilíbrio, ecologia e natureza. Também pode significar crença, tolerância e
ciúme. (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.101).
Para simbolizar harmonia, simpatia, confiança e amizade, utiliza-se o azul.
Ele é a cor do espaço infinito, afeto, da intelectualidade e da verdade, e nas
variações escuras indica sobriedade, confiança, segurança e civilidade (FARINA;
PEREZ; BASTOS, 2013, p.102).
O violeta tem poder sonífero, é associado ao engano e à miséria, à violência,
furto e agressão (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.103).
O roxo simboliza fantasia, mistério, esoterismo, delicadeza, calma, egoísmo,
justiça e misticismo (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.103), e o púrpura é
responsável pela sensação de calma, dignidade, autocontrole, estima, valor, nobreza
e religiosidade. Ele era extraído a partir do corante de um polvo, num processo
artesanal que garantia resistência da cor aos efeitos de desgaste da luz. (FARINA;
PEREZ; BASTOS, 2013, p.103).
Marrom é a cor associada à terra e à fertilidade, portanto também à mulher.
Na antiguidade, era a cor das roupas populares, dos tecidos sem tingimento. É
associado à resistência, ao vigor e à melancolia. (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013,
p.104).
O rosa simboliza amabilidade, inocência e o encanto. Pode também significar
frivolidade. (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.105).
O salmão, ou pêssego, é usado para representar positividade e doçura
aveludada. (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.105).
Carregando sentidos de luxo e solenidade, o prata simboliza o valor material,
a sofisticação e a tecnologia. Pode significar também distanciamento e frieza
(FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.106).
41

O dourado é associado ao dinheiro, à nobreza e à sofisticação. No


cristianismo tem sentido do sagrado. Pode simbolizar fama e glamour, mas também
popularesco quando usado em excesso (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2013, p.107).
As cores, como elementos visuais, produzem significados a partir das
associações com o repertório existente, com sentimentos e vivências, e seu contexto
de aplicação determina as percepções geradas para cada combinação (HELLER,
2014, p. 31).
O significado atribuído às cores visa trazer um senso de realidade à
mensagem que se deseja passar. A sociedade possui padrões enraizados, e a
mudança de sentido a essas cores é um processo vagaroso, que pela quebra de
tradições fornece uma assimilação gradual até sua aceitação (FARINA; PEREZ;
BASTOS, 2013, p.116).
Dentro de um contexto, elas podem ser utilizadas para provocar
manipulações na percepção. Assim, as impressões são válidas somente enquanto
correspondam às experiências associadas (HELLER, 2014, p. 460).
Heller (2014) expõe os diversos significados disponíveis para cada uma das
cores, entretanto, na presente produção, não serão trabalhados todos os
significados de combinações, mas apresentados conforme sua presença nos
produtos.
42

2.6. TIPOGRAFIA
A tipografia pode ser utilizada como critério de análise da comunicação de
feminilidades e masculinidades pelas marcas, pois é através de sua criação que os
significados de um texto ou material podem ser ˜clarificados, honrados e
compartilhados, ou conscientemente disfarçados˜. De acordo com Robert Bringhurst,
a escolha das palavras tem uma relação de merecimento com a escolha da
tipografia. (BRINGHURST, 2018, p.28).
Ellen Lupton define as palavras como um mecanismo de expressão originado
do corpo. Da mesma maneira, os tipos iniciaram sua formação a partir da caligrafia e
evoluíram através da história, convergindo em imagens designadas a serem
infinitamente repetidas. Além do caráter constante da tipografia na comunicação
humana, ela pode ser utilizada como ferramenta para pensar em como emoldurar
conteúdos, dar voz e corpo à palavra, e capacitar o fluxo de mensagens (LUPTON,
2004, p.8).
Bringhurst compara a produção tipográfica com uma composição musical: as
vastas possibilidades de construção de arranjos tornam-na passível de
interpretações. Ela pode ser utilizada tanto para nutrir emoções quanto para
manipular comportamentos, e portanto deve ser utilizada com cautela
(BRINGHURST, 2018, p.29).
Além disso, os tipos possuem tom, timbre e caráter tanto quanto as palavras
possuem uma significação e devem combinar com o contexto em que estão
inseridas ou com a mensagem que se deseja passar (BRINGHURST, 2018, p.29).
Bringhurst comenta que existem diversos sistemas de classificação de
tipografia baseados na ciência, mas considera que, pelo fato de fazer parte do
âmbito da arte, a tipografia pode ser melhor analisada com sua abordagem histórica,
e relação com o momento e escolas artísticas de cada período (BRINGHURST,
2018, p.139).
O presente trabalho dedica-se a utilizar as diversas teorias dispostas sobre
tipografia como guia para verificação de significados pela presença de elementos
tipográficos distintos, podendo compreender seu momento histórico, mas mantendo
seu uso como ferramenta para análise comparativa.
43

3. DIRETRIZES METODOLÓGICAS
Para analisar as amostras selecionadas de cada uma das marcas em sua
linha de produtos, tanto de maneira individual, elencando os elementos, quanto em
forma de tabela paramétrica, são estabelecidas as diretrizes referentes à forma, cor,
textura e tipografia que se deseja analisar.
Essas diretrizes são conceituadas nas teorias da Gestalt, da Cor e nas teorias
de tipografia presentes no levantamento de dados. Através das teorias supracitadas,
é possível elencar os critérios:
Forma: a análise de forma das amostras pretende analisar as
conceitualizações propostas pela Gestalt com relação a: harmonia, equilíbrio e
contraste, em termos de regularidade/irregularidade, organicidade/geometria,
leveza/peso, verticalidade/horizontalidade, simetria/assimetria, dinamismo/ritmo,
proporção/desproporção, agudeza /suavidade.
Cor: as cores presentes nas amostras foram selecionadas e organizadas em
paletas RGB extraídas das fotografias dos produtos disponíveis online. Devido à
restrição do coronavírus e da dificuldade de encontrar fotografias das embalagens
externas que contém os perfumes, o termo "embalagens" refere-se aos frascos em
si. A decisão também foi tomada em função de que os frascos são a parte do
perfume que mais entram em contato com o consumidor, visto que a embalagem
externa por vezes é descartada.
As cores nas paletas apresentam variações tonais captadas em software
(Photoshop, illustrator), entretanto, pela simplicidade da análise, não foram
catalogadas todas as variações, e a tentativa realizada foi de captar a cor na maior
saturação apresentada.
As diretrizes metodológicas relacionadas à cor envolvem escala de
luminosidade, saturação, valor, matiz e tom, brilho, pureza, contraste e calor,
além das relações de cada cor ou combinação com o significado que podem
expressar.
As diretrizes de textura envolvem a aparência da textura na imagem digital e
as sensações produzidas ao olho, evidenciando qualidades como superfície
lisa/rugosa/ondulada, macia/rígida, mole/dura, brilhante/opaca.
44

A análise de tipografias será conduzida em termos de família tipográfica (sans


serif/serifada/monospace/display/handwriting/mesclada) caixa (alta/baixa/capitular),
altura de x (baixa/moderada/alta), peso da fonte, hastes (verticais/inclinadas), traço
não (modulado/modulado/hipermodulado), eixo (racionalista/humanista/variável),
serifas (presentes/ausentes), abertura (pequena/moderada/grande), aspecto dos
terminais (formato de pena/arredondados/afiados).
Além da leitura visual dos aspectos, as compreensões sobre gênero e cultura
visual dão aporte para contextualizar as análises no sentido de compreender o
discurso das marcas e verificar se elas se encontram em consonância ou
dissonância com os discursos vigentes de hegemonia masculinos, e se a sua
produção favorece a diversidade de possibilidades nas próteses de gênero.

3.1. PALETAS DE CORES DOS PRODUTOS


3.1.1. Natura
FIGURA 05 - PALETA DE CORES NATURA ILÍA

FONTE: A AUTORA
45

FIGURA 06 - PALETA DE CORES NATURA KRISKA

FONTE: A AUTORA

FIGURA 07 - PALETA DE CORES NATURA SR. N

FONTE: A AUTORA
46

3.1.2. Boticário

FIGURA 08: PALETA DE CORES BOTICÁRIO PORTINARI

FONTE: A AUTORA

FIGURA 09: PALETA DE CORES BOTICÁRIO UOMINI

FONTE: A AUTORA
47

FIGURA 10: PALETA DE CORES BOTICÁRIO GLAMOUR

FONTE: A AUTORA
48

4. DESENVOLVIMENTO
4.1. PROCESSO DE SELEÇÃO DAS AMOSTRAS
Dados os aportes teóricos, critérios estabelecidos e as diretrizes
metodológicas explicitadas, as amostras foram selecionadas dentre
aproximadamente 26 linhas da Natura e 31 linhas do Boticário. Elas estão
disponíveis no portal oficial das marcas entre janeiro e o presente momento.
Para realizar o mecanismo de busca nos portais, a seleção levou em
consideração: nome das linhas, faixa etária do público, direcionamento embasado
por gênero e descrição do produto.
Nos portais da Natura e do Boticário, existem diversos filtros para a busca de
seus produtos (figuras 11 e 12), nos quais são dispostas as opções de "perfumaria
feminina" e "perfumaria masculina".

FIGURA 11: MECANISMOS DE BUSCA POR GÊNERO NO SITE NATURA

FONTE:
https://www.natura.com.br/
ACESSO EM 14 AGO. 2020
49

FIGURA 12: MECANISMOS DE BUSCA POR GÊNERO NO SITE BOTICÁRIO

FONTE:
https://www.boticario.com.br/
ACESSO EM 14 AGO. 2020

Para delimitar a escolha das linhas de produtos, foi necessário compreender,


dentre aquelas disponíveis, quais trariam identificação imediata de gênero a partir de
seu nome (Figuras 13 e 14).

FIGURA 13: MECANISMOS DE BUSCA POR LINHAS NO SITE NATURA

FONTE:
https://www.natura.com.br/nossas-marcas
ACESSO EM 14 AGO. 2020
50

FIGURA 14: MECANISMOS DE BUSCA POR LINHAS NO SITE BOTICÁRIO

FONTE:
https://www.boticario.com.br/institucional/marcas/
ACESSO EM 14 AGO. 2020

Foram desconsiderados os produtos voltados para o público infantil por uma


questão estratégica. Apesar de reconhecer a enorme importância da abordagem da
pedagogia visual infantil, o foco deste estudo residiu na abrangência de um recorte
etário mais extenso.
A partir do primeiro filtro, foram escolhidas as linhas que focam
exclusivamente em um dos gêneros, e não apresentam versões femininas e
masculinas do mesmo produto.
Como um novo critério de seleção de amostra, o último passo foi verificar a
descrição de cada uma das linhas de produtos e salientar aquelas que indicam
qualidades a feminilidades ou masculinidades. Aquelas que, além de postular a
restrição de uso do produto a apenas um gênero, associam a ele adjetivos (Figuras
15 e 16).
51

FIGURA 15: DESCRIÇÕES DAS LINHAS NO SITE NATURA

FONTE:
https://www.natura.com.br/ilia
ACESSO EM 14 AGO. 2020

FIGURA 16: DESCRIÇÕES DAS LINHAS NO SITE BOTICÁRIO

FONTE:
https://www.boticario.com.br/glamour
ACESSO EM 14 AGO. 2020

Os produtos que resultaram dessa seleção foram todos referentes à


perfumaria, o que definiu um último critério de rótulos, visto que os outros produtos
como cremes, espumas de barbear e desodorantes dessas linhas são todos
derivados dos perfumes.
52

4.2. PROCEDIMENTO DE ANÁLISE DAS AMOSTRAS


Divididos igualmente entre as marcas, três masculinos e três femininos. Eles
devem ser analisados com relação aos critérios forma, cor, textura e tipografia,
procedendo às análises da seguinte maneira:
As figuras de análise foram retiradas dos portais oficiais das marcas. Algumas
delas não possuem resolução ideal para observar formas, texturas e tipografias com
clareza. Outras, não acompanham fotos dos cartuchos externos. Por estes motivos,
foram capturadas imagens de apoio disponíveis em fontes alternativas.
As cores das figuras não refletem fielmente aquelas visíveis nas embalagens
impressas e produtos finais. O fato ocorre pela divergência entre a calibragem das
ferramentas utilizadas para visualização online e aquelas para impressão e
produção. Os sistemas cor-luz RGB e de impressão CMYK/PANTONE funcionam a
partir de critérios distintos. Além disso, os visualizadores podem possuir limitações
fisiológicas quando se trata dos cones oculares que percebem cor e luminosidade.
Cada indivíduo enxerga cor à sua maneira.
A primeira análise, sobre Gestalt das formas, leva em consideração a silhueta
dos objetos em projeção, os sólidos que dão origem à forma e os volumes definidos
pela relação luz e sombra. As descrições visam traduzir aquilo que é visto,
categorizando aspectos como verticalidade ou horizontalidade, relações de
proporção altura x largura para ler sintaticamente, e relacionar com a teoria.
Foi utilizada a ajuda do software Adobe Illustrator para simular formas,
verificar proporções e compreender as estruturas.
Através do Adobe Photoshop, foi realizada a seleção das cores para compor
as paletas, posicionando o conta gotas sobre diferentes partes dos frascos e
embalagens externas, sempre que há variação de cor. Essas partes constituem:
tampa, frasco e cartucho. Também foram eleitas cores de um mesmo componente,
quando mais ou menos iluminadas pelos raios, pela dificuldade de definição da cor
exata.
53

FIGURA 17: FERRAMENTA SELEÇÃO DE COR

FONTE: ADOBE PHOTOSHOP

Como é possível observar na figura 17, o matiz é dado pela sigla H (do
Inglês, hue), medido em graus de acordo com o seu ângulo dentro do círculo
cromático (figura 18). A saturação (indicada pela sigla S) é medida em uma escala
percentual do 0 ao 100. Seus efeitos na cor estão diretamente relacionados com o
brilho. Quando ela for equivalente a zero, e o brilho for mínimo, produzirá preto. A
100%, e brilho máximo, produzirá a cor pura em sua pigmentação mais intensa. Isso
ocorre porque o brilho funciona em uma escala de cinza, e a saturação adiciona ou
reduz o pigmento. O valor, tom ou brilho é indicado pela sigla B, medido em escala
percentual, do 0 ao 100, onde 0 equivale à ausência completa de luminosidade
(preto), e 100% equivale à presença total de luz e mostra a cor em sua tonalidade
mais clara
54

FIGURA 18: ÂNGULOS DE MATIZES NO CÍRCULO CROMÁTICO

FONTE:
https://modelab.gitbooks.io/grasshopper-primer/content/1-foundations/1-3/4_domains-color.html
ACESSO EM: 18 AGO. 2020

A textura é verificada pela relação luz e sombra das imagens, gerando


sensação tátil e visual aparente dos materiais com os quais a embalagem foi
fabricada. De acordo com Ellen Lupton, ela ajuda a compreender a natureza das
coisas, pois as funções táteis e visuais estão interligadas. Pode servir como adorno,
ou também como metáfora e transmitir uma mensagem. As superfícies podem ser
ásperas ou lisas, grosso ou fino, brilhante ou fosco. Também podem ser lisas ou
espinhosas, pegajosas ou secas, rugosas ou macias. Em cada uma delas, a luz
solar emitida é refletida e/ou refratada de diferente modo (LUPTON, E; PHILLIPS, J.
C., p. 9)
As análises tipográficas levam em consideração a escolha de fonte para a
marca e a diagramação dos textos nas embalagens. A figura 19 funciona como
suporte para verificar a anatomia do tipo, localizando altura de "x", capitulares e
romanas, ascendentes e descendentes, posição das serifas, aspectos dos terminais,
aberturas, barras, ligaduras e barrigas.
55

FIGURA 19: ANATOMIA DO TIPO

FONTE: LUPTON, E. Pensar com tipos, 2004.

Além do aporte teórico, foi utilizada a ferramenta online chamada "What the
Font" do site My Fonts1, de acordo com a imagem 20.

1
https://www.myfonts.com/WhatTheFont
56

FIGURA 20: MECANISMO DE BUSCA POR FONTE NO SITE MYFONTS

FONTE:
https://www.myfonts.com/WhatTheFont
ACESSO EM 25 AGO. 2020

A partir do carregamento de uma fotografia da fonte, a ferramenta identifica e


sugere outras similares. Esse processo permite a pesquisa de informações
adicionais que somente seriam perceptíveis com o repertório de um especialista.
Os materiais das marcas divulgados em mídias sociais levam uma tipografia
padrão, dissociada à do produto. Em vista disso, esses materiais foram utilizados
como apoio, apenas para ressaltar as qualidades dos produtos. A maioria dos
perfumes apresenta texto reduzido, muitas vezes limitado à própria marca e à
descrição de quantidade e tipo de perfume. Por conseguinte, não apresentam
quantidade suficiente de letras do alfabeto para realizar uma análise precisa. Pela
dificuldade em encontrar imagens com alta resolução e demonstrando todas as
57

vistas em perspectiva dos produtos, uma análise tipográfica mais completa não é
possível.
Em função da pandemia do COVID-19 que tomou conta do cenário desde
março de 2020 até o presente momento, as leituras visuais foram feitas somente a
partir das reproduções fotográficas. Com elas foi possível traduzir as sensações
aparentes. O método utilizado não é, portanto, preciso, mas encaixa-se nas medidas
de segurança cabíveis à situação, de maneira a não apresentar riscos de saúde à
redatora.

4.3. ANÁLISE SINTÁTICA


4.3.1. Natura Ilía
FIGURA 21: NATURA ILÍA - LANÇAMENTO

FONTE:
https://www.instagram.com/naturabroficial/
ACESSO EM 28 AGO. 2020
58

FIGURA 22: NATURA ILÍA - INSTAGRAM DA MARCA

FONTE:
https://www.instagram.com/naturabroficial/
ACESSO EM 28 AGO. 2020

A Amostra 1 (Figura 2), Natura Ilía, tem a geometria de um hexaedro, com


arestas retas e os vértices arredondados, conferindo movimento e suavidade à sua
forma. Ao imaginarmos um eixo tanto vertical quanto horizontal passando pelo
centro da embalagem, determina-se que as metades por ele divididas são simétricas
e proporcionais. Sua aparência é regular, pois as linhas são contínuas, delineando o
vidro, conferindo sensação de fechamento. Pesado, o material que comporta o
perfume assemelha-se a uma barra de gelo, cuja frieza é compensada pelo
conteúdo e tampa em cores rosadas. Sua silhueta forma um retângulo de pontas
arredondadas quando o frasco é posicionado em vista frontal. Pelo fato de sua
largura ser menor que sua altura, ele é considerado vertical.
Sua tampa ocupa pouco menos da metade da altura do vidro e tem formato
complementar a ele, indicando semelhança, continuidade e proximidade.
59

FIGURA 23: NATURA ILÍA - PALETA DE CORES

FONTE:
A AUTORA

A paleta estabelecida apresenta cinco cores, que são aqui nomeadas pela
ordem em que aparecem na imagem 23. A COR 01 refere-se ao líquido interno e
constitui-se no que chamamos de "rosa claro". Quando definida nos termos técnicos
dos critérios estipulados, podemos informar que seu matiz a 2o compõe um vermelho
levemente amarelado, com ondas compridas, definindo a cor quente. Saturado a
15%, possui pouca pigmentação da cor pura. O seu tom é medido em termos de
brilho, e neste caso, a tonalidade clara é indicada a 99% de brilho.
A COR 02 e a COR 03 são variações da mesma cor presente na embalagem,
selecionadas de partes menos e mais iluminadas da fotografia para dar maior
precisão à análise. A primeira assemelha-se a um "marfim", e tem matiz amarelo
avermelhado, posicionada a 31 graus, pouco saturada, (apenas 16% de
pigmentação), a 98% de brilho - o que torna uma tonalidade clara. A cor 03, da
mesma maneira, compõe um matiz amarelo avermelhado, a 35 graus na escala
cromática, com baixa saturação (12%), e 99% de brilho. A COR 04 refere-se à
segunda cor da embalagem externa: um amarelo avermelhado a 28 graus, podendo
ser referido como um laranja, acinzentado pela sua baixa saturação a 17%
(lembrando que a saturação parte de uma escala de cinza). Composto por 78% de
brilho, ainda constitui uma tonalidade clara.
60

A COR 05 foi retirada da parte da tampa. Seu matiz amarelo avermelhado a


24 graus, tem saturação de 20% e 75% de brilho. Essa tonalidade é mais escura
que a da cor 04, porém menos acinzentada.
Para verificar as texturas envolvidas, percebe-se que a diferenciação de cores
que evidencia o espaço entre o frasco e o líquido interno indica o seu material
espesso. Seu brilho varia do claro ao escuro em diferentes partes da mesma
superfície, compondo uma transição em degradê suave. No material translúcido,
grande parte dos raios incididos é refratada. Ele deixa transparecer o conteúdo
interno, demonstrando o caráter liso e indicando que se refere a vidro. Não há
rugosidades ou saliências. Na tampa, por outro lado, há indicação de grânulos em
sua superfície, pois reflete a luz em angulações diversas à maneira que ela incide
nas partículas. A partir dessa informação, pode-se compreender que esses grânulos
brilhosos possuem tamanho muito pequeno e estão distribuídos de maneira
uniforme, conferindo caráter áspero e indicando a tinta com glitter. Ainda que ela
seja brilhosa e metálica, essa tinta é opaca, pois seu aspecto é seco. A superfície do
cartucho externo é lisa e uniforme, e possui um relevo horizontal no formato do
frasco, aplicado em extensão a pelo menos três de suas faces. O texto é aplicado
em hot stamping brilhoso na cor prata antigo.
A tipografia escolhida para a fonte da linha é uma Sans Serif leve, com
grande abertura, aspecto que pode ser percebido levando em consideração a lógica
de suas hastes verticais, finas e uniformes. Dita abertura acompanha a
proporcionalidade da fonte, cuja altura de "x" aproxima-se das capitulares. Ela não
apresenta terminais, o que pode ser observado pelo recorte geométrico abrupto no
início da escrita da letra "a". Seu eixo é oblíquo, conferindo suavidade, e associado
ao peso leve da fonte, compensa a aparente dureza da sua geometria. Seu traço é
modular, e o tipo pertence a uma categoria chamada "hot metal typeface", ou seja,
sua origem deriva dos processos de impressão em prensa tipográfica, nos quais as
letras são arranjadas em moldes de metal e impressas à superfície. O perfume
original leva a marca "Ilía" em caixa baixa e tipos romanos, ao passo que outras
edições apresentam, ao lado dela, o nome complementar (também em caixa baixa)
em tipos itálicos. Tais edições não foram analisadas, mas levadas em consideração
61

por auxiliarem na compreensão da tipografia, visto que o nome do perfume possui


somente três letras do alfabeto.

FIGURA 24: NATURA ILÍA - TIPOGRAFIA

FONTE:
https://www.instagram.com/naturabroficial/
ACESSO EM 28 AGO. 2020

A partir da análise da primeira amostra, é possível concluir que suas formas


são pesadas, suaves, contínuas, simétricas, proporcionais, com cores quentes (com
ondas longas), que variam entre o vermelho e o amarelo no círculo cromático.
Trabalhadas com pouca pigmentação, suas tonalidades são claras. Por trazerem o
mesmo conjunto de matizes, mesmo que a luminosidade seja variável entre elas, as
cores trazem pouco contraste caso transpostas. Ela é composta de matizes rosados,
62

sua paleta de cores transita nos significados da amabilidade, inocência, delicadeza e


encanto.
Suas texturas variam entre o liso e o áspero, de acordo com os materiais
vidro e metal, a tinta metálica opaca com glitter e o aspecto metálico do hot
stamping. A tipografia geométrica é dura no que se refere ao módulo geométrico
lembrando letterpress, porém leve com relação aos seus traços finos. As
características do produto constantemente se opõem, estabelecendo pesos e
contrapesos que culminam em uma embalagem harmônica e equilibrada.

4.3.2. Natura Kriska


FIGURA 25: NATURA KRISKA - PALETA DE CORES

FONTE:
A AUTORA
63

FIGURA 26: NATURA KRISKA VERSÃO EAU DE COLOGNE

FONTE
https://www.natura.com.br/
ACESSO EM 28. AGO 2020

Na amostra 02, Natura Kriska, a silhueta do frasco sem tampa em projeção


vertical caracteriza formas irregulares. Da projeção em vista frontal, é possível
constituir o frasco em uma base elíptica. Saindo da sua lateral esquerda, uma linha
levemente convexa percorre sua altura partindo de um ângulo de aproximadamente
80 graus. Após o terceiro quarto da altura do frasco, a linha torna-se côncava e
começa a afastar-se do centro da embalagem na angulação oposta. A parte
côncava, que ocupa o último quarto da embalagem, é menor que a convexa. A linha
que percorre a altura tem sua finalização na lateral esquerda de outra elipse - esta,
compõe o topo do frasco. A embalagem seria considerada simétrica quando dividida
à metade por uma linha reta central, entretanto, pelas fotografias, o frasco parece
ser retorcido. Essa distorção da forma é denunciada pela luz incidida nas fotografias
(imagens 25 e 26), que reflete desigualmente sobre a superfície, gerando linhas
irregulares de luminosidade. Um eixo horizontal dividindo o frasco em duas metades
denuncia sua assimetria. A base é mais larga que o topo e tal assimetria traz a
64

sensação de contraste. Isto porque o formato do frasco lembra o de uma ampulheta


irregular. A ampulheta, composta por dois triângulos invertidos, traz em suas formas
a sensação de firmeza por sua base larga e grande apoio, e de efemeridade com o
apoio do triângulo superior em apenas um vértice. O frasco do perfume, por sua vez,
difere da ampulheta em alguns aspectos, mas transmite essas mesmas sensações.
A silhueta da tampa é formada por elipses verticais (altura maior do que a largura),
cortadas no sentido horizontal por linhas que alternam entre o côncavo e o convexo,
em formatos ondulares. Tais elipses são sobrepostas, e as superiores possuem
altura e/ou largura menores do que as inferiores. Elas são percebidas, segundo as
leis da proximidade e da semelhança, como um mesmo elemento. A tampa é sólida,
e possui um recorte interno no formato do borrifador para permitir o encaixe. Ela
ocupa aproximadamente ⅙ do tamanho do frasco total em altura, mas sua
disformidade não permite que sejam estabelecidas relações proporcionais. Tanto ela
quanto a base contenedora do líquido são interpretados pela percepção visual como
um só, pelo princípio gestáltico da unidade. Pela sensação de fechamento, elas
tomam o formato de uma flor.
Em sua paleta, a COR 01, refere-se a um pêssego indicado pelo código R:
241, G: 130 e B: 107. Está presente na parte mais iluminada do frasco e seu matiz é
vermelho amarelado, a 10 graus no círculo cromático. Possui saturação
intermediária, a 56%, criando uma tonalidade que caracteriza a mistura com o
branco quase puro, pois é composta por 95% de brilho.
A COR 02 é um vermelho vivo, indicado pelo código R: 218, G: 62 e B: 38. O
matiz vermelho levemente amarelado é apontado por sua posição a 8 graus no
círculo de cores, com pigmentação intensa e saturada a 83%. Em tons claros, sua
luminosidade se faz presente em 85%.
A COR 03 define a parte mais escura, tanto do cartucho externo quanto da
embalagem. Com código R: 218, G: 62 e B: 38, está posicionada a 2 graus, em um
matiz quase totalmente vermelho. Sua alta saturação a 82% torna-a uma cor muito
intensa, por sua vez menos clara que as primeiras, com valor a 76%. Essas
informações revelam que existe uma mistura levemente acinzentada.
A COR 04 identifica a parte mais clara do frasco e cartucho. Seu matiz
representa a transição entre vermelho e magenta, mais próxima da primeira, a 342
65

graus. A saturação, a 89%, é a mais alta dentre as cores da paleta, manifestando


seu vigor. O brilho a 79% é considerado intenso.
A textura do frasco é fosca, pois uma vez composta de inúmeros e ínfimos
planos refletores, dispostos em ângulos diferentes, refletem a luz irregularmente e
provocam interferências entre os raios. A superfície, então, produz microscópicas
relações de luz e sombra. Como mencionado anteriormente, o padrão irregular de
reflexão reproduz linhas mais claras, diagonais às do formato do frasco. Isso
evidencia que a superfície áspera é retorcida, composta por relevos. A tampa, por
sua vez, é transparente, permite a visualização de outras camadas, e refrata os raios
solares. Seu material aparenta vidro, ou acetato.
A tipografia escolhida para o perfume é uma serifada que advém da família
Didot. Suas letras itálicas possuem serifas retangulares abruptas e bilaterais, e
terminais em formato de gota. A altura de "x" é grande, pois ultrapassa a altura
versal. As letras foram inseridas em caixa baixa. Suas hastes são inclinadas e
simétricas, além de finas, com espessura ainda menor nas traves. As letras "a" são
construídas em nível único, o que aumenta a legibilidade quando inseridas no texto
naturalmente inclinado pelo itálico. A cauda da letra "k" termina em curva, afinando
quanto mais próximo de seu fim. O terminal da letra "r" faz junção com o pingo do "i",
formando uma ligadura tipográfica. Seu eixo é humanista, ou oblíquo, e a abertura
grande. Pode ser considerada uma tipografia leve e com movimento, pois além das
características citadas, sua diagramação brinca com as posições das letras, que
oscilam sobre uma base imaginária.
66

FIGURA 27: NATURA KRISKA - TIPOGRAFIA

FONTE
https://www.myfonts.com/WhatTheFont/result
ACESSO EM 28. AGO 2020

4.3.3. Natura Sr. N

FIGURA 28: NATURA SR. N - PALETA DE CORES

FONTE:
A AUTORA
67

A amostra 03, do perfume Sr. N categorizada como masculina pela própria


marca, tem seu formato simples e geométrico, em frasco cilíndrico. Sua silhueta em
projeção vertical é composta de três retângulos, o primeiro e maior referente ao
recipiente do líquido e outros dois ao borrifador, que ocupa aproximadamente ¼ da
altura total. O último possui um mecanismo de abertura e fechamento rotacional que
esconde o orifício por onde é emitido o spray e dispensa o uso de tampa removível.
Composto de dois cilindros, o menor está contido no maior, que apresenta um
recorte circular em seu centro. A característica de anexação da tampa ao cilindro do
borrifador traduz-se em unidade, continuidade, proximidade e semelhança na
percepção visual. Além disso, esse mecanismo de rotação quebra minimamente a
rigidez do frasco pela sensação de movimento. Quando dividido ao meio por uma
linha reta, as metades do frasco se complementam em simetria e consistência. Suas
linhas são retas e contínuas, caracterizando peso, firmeza, dureza e constância. A
largura do frasco é menor que a altura, portanto a embalagem é considerada
vertical.
A paleta cromática é composta de cinco cores, que variam de verdes mais
claros até os mais escuros, além do branco e do preto.
A COR 01, R: 47, G: 143 e B: 110, obtida de uma das áreas iluminadas da
embalagem, está a 159 graus no círculo de cores. Seu matiz está entre o ciano e o
verde, mais próximo do primeiro. A saturação a 67% e o brilho intermediário a 56%
caracterizam sua tonalidade acinzentada. É considerada uma cor de intensidade e
brilho medianos e equilibrados.
A COR 02, também retirada de uma das partes de reflexos luminosos da
imagem, tem código RGB como R: 85, G: 117, e B: 103. Está a 154 graus, com
matiz ciano esverdeado. Sua baixa saturação, a 27% de pigmentação, combinada
ao tom intermediário (46%) de brilho, gera uma coloração composta de cinzas.
As cores 03 e 04 foram retiradas das partes menos iluminadas do frasco,
sendo que a cor 03, com código R: 17, G: 92 e B: 44, tem posição a 142 graus no
círculo cromático. Essa posição aponta o matiz verde com leves toques de ciano,
pigmentada intensamente a 82%, e com baixo valor, a 36%, considerando a
contaminação da cor com o cinza escuro, e resultando em um verde escuro.
68

A cor 04 é retirada da parte verde menos iluminada de todo o frasco, e tem


código R: 24 G: 49 B: 32. Ela constitui-se entre o verde e o ciano, mais próxima do
verde puro, a uma posição de 139 graus no círculo cromático. Sua saturação
intermediária e valor muito baixo caracterizam as tonalidades muito escuras. Poderia
ser comparada a um verde musgo.
As seleções de cor das áreas do borrifador, quando localizadas nas partes
menos iluminadas da figura, variam em matiz. Transitando pelo círculo cromático,
com pigmentação quase total das cores, tem brilhos que variam de 0 a 5%. A cor 05,
em específico, tem R: 2, G: 0 e B: 0. É um vermelho completamente saturado, e
valor 1. As áreas mais iluminadas, entretanto, possuem matizes entre magenta e
vermelho, com baixíssima saturação e brilho entre 30 e 40%. Todas elas
aproximam-se do preto, ou ausência total de luz.

FIGURA 29: NATURA SR. N - REVISTA EDIÇÃO NATAL / 2019

FONTE:
<https://sites.natura.com.br/revista/espaco-natura-c16-v1>
ACESSO EM 28 AGO. 2020
69

FIGURA 30: NATURA SR. N - REVISTA EDIÇÃO DIA DOS PAIS/2020

FONTE:
<https://sites.natura.com.br/revista/espaco-natura-c202012-v1>
ACESSO EM: 28 AGO. 2020

Com relação à textura dos materiais, o frasco evidencia parcialmente que


existem outros planos através de seu material. Este, reflete a luz de maneira
granular, em angulações diversas. Essa característica permite compreender que se
trata de um vidro fosco e levemente áspero. Pelo seu caráter fosco e sua cor, ao
olhar pelo vidro, o visualizador tem uma percepção turva do líquido em seu interior.
A barreira à luz preserva as qualidades do perfume. Em contrapartida, torna-se
impossível verificar alterações de cor ao líquido.
A textura da tampa é fosca, pois, de maneira similar ao frasco, reflete os raios
solares de maneira granular. Pela sua função de rosca para tapar o líquido, e
também de borrifador, pode-se indicar que o material é mais leve e flexível que o do
frasco.
70

A tipografia do perfume "Sr. N." é um lettering que combina a fonte


geométrica pesada com a estilização da letra "N" em hachuras. A fonte original é
uma "script" sem serifas, adequada para utilização em títulos e destaques. As hastes
das letras alternam entre regularidade e irregularidade. Apesar de terem a mesma
espessura, encontram sutis angulações, como se estivessem inclinadas, ora para
um lado, ora para outro. Esse movimento, por mínimo que seja, compensa o peso e
a rigidez exacerbados da fonte. Tais irregularidades podem ser observadas,
principalmente, na base das letras e terminação de "e"s. Possui corpo alongado,
traves altas e aberturas estreitas, porém longas. Seus braços também são curtos, o
que ajuda a evidenciar o tipo esguio. Não foi possível observar a altura de "x", pois a
fonte somente é apresentada em caixas altas.
O tipo estilizado da letra "N" apresenta serifas retangulares com junções
curvas (adnatas). Suas hastes são finas e regulares, e seus braços mais espessos.
Ela apresenta o contorno delineado, e preenchimento em hachuras horizontais
constantes e pouco espaçadas, com espessura de metade do traçado. A fonte
branca gera contraste com o vidro verde e borrifador preto, e apresenta boa leitura
quando relacionada com o fundo. O lettering é composto em um grid retangular,
onde a sigla "SR." ocupa aproximadamente metade da letra "N", e o espaço inferior
é reservado à legenda que data o surgimento do perfume. Junto às inscrições
centralizadas da legenda, há duas caixas com o mesmo estilo hachurado da letra
"N" para compor sua base e completar o espaço da largura do grid. Essas hachuras,
no entanto, são diagonais. Quando analisada em visualização conjunta das partes, a
marca apresenta contrastes entre preenchimento total e hachurado, harmonia de
pesos das fontes, e sensação de fechamento da letra N pela continuidade de hastes
com a letra "R", ainda que haja um respiro entre elas.
71

4.3.4. Boticário Portinari

FIGURA 31: CATÁLOGO BOTICÁRIO, CICLO 13, AGOSTO/2020

FONTE:
<https://catalogo.boticario.com.br/BR/#1>
ACESSO: 29 AGO. 2020

A amostra 04 (fig. 29) traz o perfume Portinari, da marca Boticário, em sua


paleta de cores. O frasco constitui-se a partir de formas geométricas assimétricas
em relevo. Em sua silhueta, é possível verificar que elas são angulares e com
vértices pontiagudos, e estão sobrepostas, percebidas em continuidade e passando
a sensação de fechamento. O perfume é dedicado à memória do pintor brasileiro
Portinari, e utiliza-se do mesmo grid cubista a partir do qual suas obras eram
realizadas. Ele também é inspirado na visualidade de suas pinceladas espessas,
retangulares e expressivas para constituir o relevo das formas. A altura do frasco é
72

maior que sua largura, compondo sua verticalidade. A base do borrifador possui o
formato de um prisma octogonal, e sua tampa compõe um cilindro, ocupando
aproximadamente ¼ do perfume.
Sua embalagem externa traz uma pintura de Portinari, com cores que variam
entre quentes e frias, pinceladas sujas e em diversas direções. Ao centro, um
retângulo ocupa a parte inferior, alinhado à base da caixa de mesmo formato. Ele
ocupa função de caixa de texto, fazendo contraste com a tipografia clara. Contém as
informações de nome do perfume, marca do Boticário e especificações.

FIGURA 32: BOTICÁRIO PORTINARI - EMBALAGEM EXTERNA

FONTE: ARQUIVO
73

FIGURA 33: BOTICÁRIO PORTINARI - PALETA DE CORES

FONTE:
A AUTORA

A paleta selecionada contém 5 cores, referidas numericamente em


sequência, e retiradas de partes diversas do perfume.
A COR 01 tem código R: 221, G: 224, B: 200, e foi retirada de uma das partes
menos iluminadas do vidro que contém o líquido. Refere-se a um matiz amarelo
esverdeado, a 67 graus no círculo cromático. Sua saturação é baixíssima, a apenas
11%, o que culmina em uma cor "lavada", com pouco pigmento. Com alto valor, a
88%, é uma tonalidade clara.
A COR 02 é identificada por seu código R: 243, G: 237 e B: 205. Aproxima-se
de um creme e tem seu matiz a 56 graus, compondo o amarelo levemente
avermelhado. A saturação a 16% expõe a baixa pigmentação de cor, e o brilho é
considerado alto, a 95%.
A COR 03 é uma combinação de amarelo e vermelho, com quantidades
similares das duas cores, aproximando-se pouco mais do amarelo. Ela lembra um
creme de papaya, e possui código R: 242 G: 200 e B: 141. Sua saturação é baixa a
intermediária, com 42% de pigmento e tonalidade clara, com 95% de brilho.
A COR 04 constitui a parte mais pigmentada da tampa, com código R: 150 G:
37 e B: 38. O vermelho em mistura com magenta está a 359 graus no círculo
cromático, mais próximo do vermelho puro, com 75% de saturação e 59% de brilho.
Ele tem pigmentação intermediária a alta em tons também intermediários.
74

A COR 05 foi selecionada a partir da área mais fosca da tampa. Seu código é
R: 140, G:57 e B:51. O matiz a 4 graus indica o vermelho quase puro. Com
saturação e brilho intermediários, a primeira a 64% e a segunda a 55%, demonstra a
interferência dos cinzas da escala.
O frasco translúcido deixa transparecer a coloração do líquido interior. Os
jogos de luzes e sombras não são granulados, indicando que o material é vítrico e
brilhante. Tais jogos permitem compreender a tridimensionalidade das formas em
relevo, e as linhas que constituem as sombras. Essas linhas são inclinadas, e
apesar de não serem contínuas, pelo princípio da continuidade da Gestalt, é
possível vislumbrar por onde passam e até onde chegam, entendendo que
caminham em pares e se cruzam. A inclinação confere ao frasco movimento e
dinamismo.
A parte prismática octavada que suporta o borrifador, em contrapartida, reflete
a iluminação em ângulos diferentes, com grânulos de tamanhos diminutos. Assim,
seu material é opaco. Pela coloração, é possível deduzir que se trata de metal
escovado, ou de plástico coberto em tinta fosca. A tampa também compartilha da
mesma qualidade fosca, agregada de transparência, pois pode-se verificar o
borrifador em seu interior. Como a função de abrir e fechar precisa ser performada
com segurança, entende-se que a matéria prima é leve e flexível. Por este motivo,
apesar de translúcida, ela não é vítrica, mas de plástico ou acetato.
A tipografia escolhida para o perfume Portinari é categorizada como Display.
É ideal para títulos e destaques por ser uma fonte pesada, não apresentando boa
legibilidade e leiturabilidade quando inserida em textos. A largura de suas hastes é
regular e simétrica em todas as letras, portanto, ela também se encaixa na categoria
Monospace. Apesar da regularidade apontada, seus traços são realizados em
diferentes angulações, e as aberturas variam entre grandes e pequenas no eixo
oblíquo.
As letras possuem tamanhos variados e estão desalinhadas, o que traz efeito
de movimento e desordem. Elas foram desenhadas manualmente com pincel
poroso, deixando pequenas falhas em seu traçado. Por ser uma tipografia
apresentada somente em caixa alta, e pela irregularidade de tamanhos, não é
75

possível determinar a altura de x. Não possui serifas ou esporas, e seus remates


variam entre: arredondados, quadrados ou pontiagudos.

FIGURA 34: BOTICÁRIO PORTINARI - TIPOGRAFIA

FONTE:
<https://www.myfonts.com/WhatTheFont/result>
ACESSO EM 07 SET 2020
76

4.3.5. Boticário Uomini


FIGURA 35: BOTICÁRIO UOMINI - FRASCO E CAIXA

FONTE:
<https://produto.mercadolivre.com.br/MLB-1073847173-2-perfumes-uomini-e-uomini-black-o-boticario-frete-gratis
-_JM>
ACESSO EM 22 SET 2020

A amostra 06 refere-se ao frasco do perfume Uomini, do Boticário. Ela possui


formas geométricas e sua silhueta em vista frontal é composta pela junção de três
retângulos e um quadrado. As linhas de junção são arredondadas, fazendo que o
delineado do perfume suavize seus vértices e confira sensação de continuidade e
proximidade. Os dois primeiros retângulos, de mesmo tamanho, possuem altura
diminuta em comparação com a largura, e são intercalados pelo quadrado. O último
retângulo constitui a tampa, e apresenta vértices pontudos. Em vista 3D, o perfume
é constituído por cilindros. Ao imaginar um eixo vertical passando pela metade do
perfume, suas divisões são consideradas simétricas e complementares, trazendo
harmonia. A alternância de altura e largura das formas confere ao frasco dinamismo
e ritmo. A tampa ocupa pouco menos de ⅓ do contenedor do líquido e não é
removível - seu borrifador fica acoplado. O frasco é considerado vertical por sua
77

altura ser maior que a largura em aproximadamente uma vez e meia. Seu aspecto
blocado, associado às suas cores, torna a embalagem pesada.

FIGURA 36: BOTICÁRIO UOMINI - PALETA DE CORES

FONTE:
A AUTORA

Com relação às cores do frasco, foram selecionadas 4 amostras de cor, tanto


da tampa quanto da fonte e do contenedor.
A cor 01, semelhante ao bege, foi retirada de partes mais iluminadas da
tampa. Ela possui matiz a 35o no círculo cromático, caracterizando o laranja com
maior pigmentação amarela. Sua saturação intermediária a 47% com brilho alto a
75%, faz dela uma tonalidade clara sutilmente acinzentada. O código RGB que
indica a cor é formado por R: 192, G: 155 e B: 102.
A cor 02, equivalente a um ocre, compartilha de um matiz muito similar à cor
anterior, variando em apenas 1 grau. Ela foi retirada de partes que recebem menos
luz da tampa. Sua posição a 34o no círculo compõe a mistura do amarelo com o
vermelho, com maior pigmentação amarela. Saturado a 69%, possui pigmentação
média a alta da cor pura, e valor em 65%, compondo também um tom médio a alto.
Seu código indica R: 167, G: 118 e B: 52.
A cor 03, que lembra a coloração de uma bebida achocolatada, tem seu matiz
a 24o e código R: 123, G: 93 e B:73. Refere-se a um laranja, ou vermelho
amarelado, com pigmentação maior da cor rubra. Sua saturação é média-baixa, com
78

apenas 41% de pigmento da cor pura, e brilho intermediário a 48%. Ela foi retirada
das partes menos iluminadas do frasco.
A cor 04, marrom, também traz um matiz vermelho amarelado, desta vez a
29o no círculo cromático. Com apenas 36% de saturação, a cor tem baixa
pigmentação, que unida ao baixo brilho resulta em uma tonalidade mais escura. Ela
foi retirada das partes menos iluminadas do frasco, e tem código R:109, G: 89 e B:
70.
As cores do perfume Uomini foram escolhidas dentro de matizes muito
próximos, variando pouco em seu brilho e saturação e criando transições sutis e
uniformes. Não há contrastes significativos, o que a torna uma embalagem neutra
em termos cromáticos.

FIGURA 37: BOTICÁRIO UOMINI - BANNER DO SITE

FONTE:
<https://www.boticario.com.br/uomini>
ACESSO EM 22 SET 2020

A sensação aparente de textura é de um vidro fosco, característica


evidenciada por seu brilho granular e difuso. O material é caracterizado como vidro
porque possui leve transparência, permitindo a visualização muito turva das
camadas anteriores. O frasco possui relevos e recortes em linhas horizontais
irregulares, que lembram um tecido enrugado. A união dos relevos com a
característica fosca confere textura aveludada, ainda que, ao toque, seu aspecto não
seja macio. O material da tampa pode ser de plástico ou metal, e é coberto por tinta
brilhosa metálica com glitter extra fino. A sensação de toque descrita pela sua
79

visualidade compõe um intermediário entre o liso e o granulado. Ela não deslizaria


às mãos, tampouco seria possível sentir os grânulos individualmente.

FIGURA 38: BOTICÁRIO UOMINI - TIPOGRAFIA

FONTE:
<https://www.myfonts.com/WhatTheFont/result>
ACESSO EM 25 SET 2020

A fonte escolhida para o perfume é uma Display, adequada para títulos e


informações maiores. O tipo possui características geométricas e retas, com
evidência em seus vértices pontiagudos, suavizados por linhas diagonais ainda retas
e bruscas. Possui grande abertura, evidenciada nas letras "u","o", "m" e "n". Sem
serifa, é considerada uma fonte simples, sem detalhes ou ornamentos. Suas arestas
são espessas e de mesmo tamanho em toda a sua extensão. Posicionada em caixa
alta para totalidade da marca do perfume, não é possível verificar sua altura de x e
tamanho das capitulares por falta de comparativo com sua caixa baixa.
80

FIGURA 38: BOTICÁRIO UOMINI, REVISTA CICLO 14/2020

FONTE:
<https://catalogo.boticario.com.br/BR/#59>
ACESSO EM 22 SET 2020
81

4.3.6. Boticário Glamour

FIGURA 39: BOTICÁRIO GLAMOUR - REVISTA CICLO 14/2020

FONTE:
< https://catalogo.boticario.com.br/BR/#16>
ACESSO EM 30 SET 2020

O perfume glamour, da marca Boticário, possui formas curvilíneas e linhas


orgânicas. Assim como o Natura Kriska, seu contenedor em projeção frontal lembra
o formato de uma ampulheta, compondo dois triângulos encaixados por seus
vértices em posições opostas, um acima do outro. O triângulo inferior é maior que o
superior. Apesar disso, o frasco não é geométrico: sua silhueta é curva. Em vista 3D,
é composto a partir de um cilindro, distorcido pela pressão aplicada ao centro, como
um corselet que aperta a cintura humana. Ele é assimétrico, suas laterais são
82

irregulares e de diferentes tamanhos, como se o frasco inclinasse para uma das


diagonais. A embalagem possui uma parte intermediária, composta de um pequeno
cilindro e acima, dois arcos - cujas pontas arredondadas se aproximam tanto que
quase se tocam. A tampa tem formato geóide, com um recorte horizontal reto em
sua parte inferior.
O frasco lembra os formatos do corpo humano, com cabeça, pescoço, busto e
cintura. Pela proximidade das partes, o frasco pode ser visualizado com unidade. Ele
é irregular e assimétrico, contrabalanceando a suavidade da maior parte de suas
formas, com a agressividade das pontas dos arcos.

FIGURA 40: BOTICÁRIO GLAMOUR - PALETA DE CORES

FONTE:
A AUTORA

A paleta do perfume foi dividida em apenas três cores: rosa, cinza (ou prata),
e preto. O frasco, em si, é transparente. A cor 01 refere-se ao líquido interno. Ela
será chamada de rosa bebê, e possui código R: 236, G: 192 e B: 183. Seu matiz a
10 graus compõe um vermelho levemente amarelado, pouco saturado (apenas 22%)
e de tonalidade muito clara, com valor de 93%.
A cor 02 foi retirada do cilindro intermediário do perfume, logo antes da
tampa. Ela tem código R: 125, G: 122 e B: 113. Com matiz a 45 graus, revela a
mistura entre o amarelo e o vermelho, com maior pigmentação do primeiro. Sua
saturação é baixíssima, a 10%, e brilho intermediário a 49%.
83

A cor 03, denominada de preto, foi retirada da tipografia, que em algumas


imagens revela ser prateada, e em outras, totalmente preta. Isso pode ocorrer pelo
fato de algumas fotografias não captarem a luz refletida. De todas as formas, devido
a essa incerteza, a cor será considerada como preta. Seu matiz a 0 graus revela o
vermelho com saturação baixíssima, a 0% e brilho 0%, um tom totalmente escuro
que revela a ausência completa de luz. R: 0, G:0 e B: 0.

FIGURA 41: BOTICÁRIO GLAMOUR - FRASCO

FONTE:
<https://www.boticario.com.br/glamour-desodorante-colonia-75ml/>
ACESSO EM 30 SET 2020

O material do contenedor é considerado vítrico e completamente liso, pois a


luz reflete de maneira uniforme nas partes mais iluminadas do frasco. Seu caráter
transparente permite que o líquido interno fique totalmente à mostra. O cilindro e os
arcos localizados na parte superior são metálicos, pois apresentam faixas onde a
luminosidade é mais evidente, sendo que no cilindro é possível verificar a cor do
perfume também em si refletida. A tampa superior é de material plástico
84

transparente e liso, pois reflete a luz de maneira similar ao contenedor do líquido,


entretanto, com uma granulação um pouco mais elevada. É possível visualizar o
borrifador por dentro da forma da tampa.

FIGURA 42: BOTICÁRIO GLAMOUR - TIPOGRAFIA

FONTE:
<https://www.boticario.com.br/glamour-desodorante-colonia-75ml/>
ACESSO EM 30 SET 2020

FIGURA 43: BOTICÁRIO GLAMOUR - WHAT THE FONT

FONTE:
<https://www.boticario.com.br/glamour-desodorante-colonia-75ml/>
ACESSO EM 30 SET 2020
85

A tipografia presente no perfume é uma Script, uma fonte construída com


base em letras manuscritas. O tipo eleito para compor a marca tem seu eixo muito
inclinado, ou está presente na versão itálica. As letras são alinhadas, e suas hastes
variam entre linhas mais espessas e mais finas. As terminações das letras "l" e "r"
possuem formato de gota, ao passo que a da letra "g" tem formato de bico, ou de
espora. Existe um contraste de tamanhos entre as ascendentes e as versais: as
primeiras são altas, ao passo que a altura de "x" é diminuta. O olho da letra "o" não é
visível e a finalização das letras "l"e "r" ultrapassam a linha das ascendentes. É uma
fonte com detalhes e rebuscados, visto que a descendente da letra "g" forma uma
cauda semelhante à metade de um laço. Ela se estende do início da tipografia até
seu fim. É uma fonte fina, leve, com ritmo e movimento.

5. DIAGNÓSTICO DE DADOS
5.1. METODOLOGIA DAS ANÁLISES
O presente trabalho pretende analisar como as marcas articulam a forma, cor,
textura e tipografia em suas embalagens para realizar distinção de gênero. Durante
as análises formais, levaram-se em consideração os aspectos sintáticos presentes
nos frascos dos perfumes para avaliar o viés do discurso visual.
Trazendo à tona o contexto dessas embalagens, foram selecionados os
textos descritivos presentes nos sites, relacionando-os com as análises prévias.
Desta forma, é possível correlacionar a mensagem textual e visual e compreender
se estão em sintonia.
Com intenção de analisar uma terceira percepção, externa ao design e ao
discurso das marcas, foram realizadas entrevistas qualitativas com três convidados
de perfis diferentes. O critério de seleção de pessoas foi, primeiramente, o fator
etário. Esta separação permite encontrar uma conexão de experiências históricas
vividas similares àquela da redatora do trabalho.
Como segundo e terceiro critérios, foram selecionados a diversidade de
gênero e a orientação sexual. Como o trabalho entrelaça as questões de gênero
com aspectos formais das embalagens, verificar a percepção e recepção da
comunidade diversa é de suma importância. Ademais, trabalhar conceitos de gênero
e excluir o público mais afetado pelos discursos hegemônicos significaria deixar de
86

lado o próprio propósito do trabalho. As entrevistas foram realizadas via conferência


online pela ferramenta Zoom, e posteriormente transcritas e analisadas.
Em uma última etapa, foi realizada a triangulação das análises produzidas
pela autora com os textos descritivos do site e as transcrições das entrevistas. Isso
traz três perspectivas: aquela da leitura visual, a semântica, e a social, trabalhando
com o contexto e totalizando a abordagem da cultura visual.
Como ferramenta de análise tanto para os textos descritivos das marcas
quanto da percepção do público entrevistado, foi utilizado o método de análise de
conteúdo de Laurence Bardin.

5.1.1. ANÁLISE DE CONTEÚDO


Após a Segunda Guerra Mundial, os países entraram em estado de vigilância,
monitorando os veículos de comunicação para encontrar e conter suspeitos de
propaganda nazista. Como forma de interpretar a mensagem por trás da mensagem,
departamentos de Ciência Política criaram processos de decodificação de linguagem
e conteúdo para desvelar a natureza do código e o suporte da mensagem (BARDIN,
1977, p.16).
O método de análise de conteúdo utiliza conceitos de áreas do conhecimento
como a Linguística, a Psicologia Comportamental e a Ciência Política e encontra
diversas oportunidades de aplicação, do nível pessoal até o coletivo. Isso significa
que ele pode ser utilizado em sessões de terapia comportamental, análise de
entrevistas, de notícias, de discursos políticos ou de qualquer material publicitário
(BARDIN, 1977, p. 34).
Os símbolos podem ser codificados a partir dos fins, objetivos, normas ou
pessoas envolvidas na comunicação. É necessário compreender "quem está por trás
dela?", "quais são as intenções envolvidas no posicionamento?", "a que normas
essa comunicação obedece?", e "quem são as partes envolvidas?". Só dessa
maneira, é possível obter clareza dos significados intrínsecos (BARDIN, 1977, p.
17).
Na década de 50, surgiram os modelos de comunicação instrumental, criado
por A. George e G. Mahl, e instrumental por G. E. Osgood. Dentro do primeiro
modelo, a composição lexical das palavras permite a obtenção de indicadores para
87

captar a mensagem que o analista observa. O segundo modelo diz respeito ao


conteúdo intrínseco da mensagem de acordo com seu contexto (BARDIN, 1977, p.
20).
Para analisar quantitativamente, a frequência com que as informações
aparecem sugere seu conteúdo. De forma qualitativa, a presença ou ausência de
certas características orienta o caráter da mensagem. Ou seja, a partir de escalas de
polarização, é possível mensurar e dimensionar o conteúdo pelas intenções e
orientações de valor de uma comunicação, independente da cultura de quem
comunica (BARDIN, 1977, p. 21).
O propósito da análise de conteúdo seria, então, evidenciar o tom da
comunicação e provar que a linguagem não se estende somente à comunicação
verbal e escrita, mas compreende uma série de signos que denunciam uma forma
de expressão (BARDIN, 1977, p. 22).
Para realizar as análises, é preciso descrever o conteúdo da mensagem,
tratando a informação de acordo com as ferramentas necessárias. O processo de
tratamento da informação é denominado de "inferência": a dedução lógica das
origens e partes envolvidas na comunicação, das suas intenções e consequências.
Faz-se necessário, ainda, utilizar da interpretação dos seus significantes e
significados (BARDIN, 1977, p. 39).
São estabelecidas unidades de contexto para compreender a apresentação
das informações. O universo a que pertencem é colocado em perspectiva,
juntamente com as possíveis significâncias que podem carregar. Dividir o conteúdo
em categorias permite aclarar informações pela sua ordenação e classificação,
tornando evidentes outras comparações. Além disso, pode-se tipificar e estruturar
conteúdos trazendo à luz associações, equivalências e exclusões entre estruturas
(BARDIN, 1977, p. 38).
Dentro da análise de conteúdo, a análise documental ocupa-se em reescrever
a mensagem de forma diferente à original para maximizar o potencial de informação
do receptor. Esse processo envolve o resumo e indexação do texto, sua
classificação e categorização. Uma de suas funções é evitar estereótipos, uma vez
que estes correspondem a uma composição de significados pré-existentes. Essas
composições possuem raízes no âmbito emocional e são reforçadas a partir de
88

imagens construídas ao redor de simplificações. O estereótipo é, portanto, uma


percepção limitada da realidade (BARDIN, 1977, p. 51).
Para verificar o conteúdo aplicado em questionários através de perguntas
abertas, existem ferramentas que auxiliam sua construção. Uma delas é estabelecer
categorizações e compreender as relações de comparação ao objeto, como na
imagem

FIGURA 44: EXEMPLO DE GRID DE ANÁLISE PARA ESTUDAR A RELAÇÃO SIMBÓLICA


INDIVÍDUO/ARTEFATO

FONTE:
BARDIN, 1977, p. 61

A interação de um indivíduo com um artefato não é realizada somente para


fins funcionais. Ela possui um propósito socioafetivo, que carrega relações
simbólicas de emoção e afetividade que variam de acordo com o perfil do
entrevistado (BARDIN, 1977, p. 51).
89

Algumas perguntas que podem auxiliar nessa descoberta de significantes


consistem em entender: a quê o artefato pode ser comparado? Da mesma maneira,
pode-se atribuir ao objeto qualidade humana e questionar o que ele diria se pudesse
falar (BARDIN, 1977, p. 60).
Outra maneira de analisar conteúdo é pelo método avaliativo. Similar ao
método instrumental, ela identifica a presença e ausência de termos específicos,
mas diferentemente do instrumental, intende avaliar a carga de juízo colocada sobre
eles (BARDIN, 1977, p. 158).
São ressaltados em letras maiúsculas os objetos de ação, geralmente
ocupando o lugar de sujeitos: pessoas, grupos, ideias, coisas, acontecimentos.
Reserva-se também um espaço aos termos avaliativos, evidenciados em itálico:
adjetivos, substantivos abstratos e advérbios, além de alguns verbos. Os
conectores verbais, que por sua vez, interligam objetos de atitude a termos
avaliativos (BARDIN, 1977, p. 158).
Após a segregação e classificação, procede-se à normalização de
enunciados. Essa fase implica a criação de frases afirmativas simples, de acordo
com estruturas sintáticas básicas: sujeito > verbo > predicado. Isso permite a
simplificação da informação de forma mais compreensível (BARDIN, 1977, p. 158).
Logo, procede-se à codificação, submetendo os conectores verbais e termos
avaliativos a uma escala de sete pontos, associando os pólos como negativo ou
positivo, de acordo com aquilo que se quer analisar (BARDIN, 1977, p. 159).
Tanto para a análise dos textos descritivos presentes no portal das marcas,
quanto para a análise das entrevistas, foi realizada uma combinação dos métodos,
excluindo-se o julgamento de intensidade pela complexidade do método em realizar
cálculos e códigos que restrinjam sua aplicação a fórmulas matemáticas e conceitos
pouco flexíveis.

5.2. ANÁLISE DOS TEXTOS DESCRITIVOS DOS PORTAIS


As marcas exibem em seus portais textos descritivos que definem,
categorizam e separam as impressões que o perfume deveria passar. A definição da
˜aura˜ das submarcas, do público ao qual são destinadas e até mesmo um texto
poético destinado a definir podem transmitir grande riqueza de significados,
90

conceitos e inclinações. Podem incluir ou excluir, e influenciar construções sociais do


que é o feminino ou o masculino.
O objetivo das análises de textos descritivos dos perfumes é verificar como
são realizadas as associações qualitativas às noções de feminilidade e
masculinidade, e compreender o que as marcas entendem como gênero. Levando
em consideração que as marcas ainda possuem seções de produtos femininos e
masculinos, este seria o primeiro fator de separação. O fato de os textos carregarem
associações de qualidades às visualidades dentro dessa separação define como a
marca vê o feminino e o masculino. Com algumas inferências, é possível evidenciar
a mensagem codificada para entender sua intenção.
Como comentado anteriormente, as análises a seguir procedem a parir de
uma combinação de métodos da análise do discurso de Laurence Bardin, com a
separação de objetos de ação (OA), expressos em letras maiúsculas, dos
conectores verbais (c) em caixa baixa, e dos termos avaliativos (cm), indicados em
letras itálicas. A lógica pode ser observada abaixo, e as frases podem ser resumidas
e reescritas em outra ordem para demonstrar o ponto de vista.
OA / c / cm
5.2.1. Natura Ilía

FIGURA 45: NATURA ILÍA - DESCRIÇÃO DO SITE

FONTE:
<https://www.natura.com.br/ilia>
ACESSO EM: 11 OUT 2020

A descrição de Natura Ilía traz os seguintes objetos de ação:


91

X = LINHA
Y = FRAGRÂNCIAS

1. LINHA / traduz / intensidade, sensibilidade, femininas


2. FRAGRÂNCIAS / da linha / são / intensas, sensíveis, femininas

Ainda dentro da descrição, é possível compreender que os substantivos


abstratos "intensidade" e "sensibilidade" podem tomar outra posição dentro da frase
quando reescritos, como por exemplo:
"A intensidade e a sensibilidade femininas são traduzidas pela linha em
fragrâncias".
Dentro dessa afirmação, é possível interpretar que as qualidades de
intensidade e sensibilidade são inerentes ao feminino.
Um segundo texto presente no site apresenta a descrição explicitada abaixo:
92

FIGURA 46: NATURA ILÍA - DESCRIÇÃO DO SITE - 2

FONTE:
<https://www.natura.com.br/ilia>
ACESSO EM: 11 OUT 2020

Com base neste texto, é possível apontar os seguintes objetos de ação:

X = DEO PARFUM
Y = ILÍA
Z = MULHER
α = FORMA e VOLUME
β = FRAGRÂNCIA

E são aplicadas as seguintes relações:


93

1. DEO PARFUM / possui / delicada fragrância


2. ILÍA / demonstra / graciosidade
3. / mantém / postura firme
4. SER MULHER / é / seguir seus sentidos
5. / saber se lançar sobre oportunidades
6. / ter os pés no chão
7. / ser firme na doçura
8. SER MULHER / não é / deixar a razão de lado
9. ILÍA / inspira / força e delicadeza da mulher
10. / traduz / contrastes das dualidades
11. / captura / intensidade e magnetismo da feminilidade
12. FORMA E VOLUME / retratam / solidez
13. / transparência e leveza de ser mulher
14. FRAGRÂNCIA / reflete / dualidade da mulher atual, forte e doce.

Dentro das frases expostas, a marca cria claras definições de ações


referentes à mulher, como o "seguir sentidos", "lançar-se sobre oportunidades", "ter
os pés no chão", "ser firme na doçura", bem como definições do que não é ser
mulher, como o ato de "deixar a razão de lado". Algumas definições ficam menos
explícitas quando citadas em forma de predicado, como na frase 14. Ao reescrever
as frases, é possível compreender a mensagem de forma mais clara:

A MULHER / é / forte e delicada, transparente e leve.


O FEMININO / é / intenso e magnético.

Tais definições afetam a percepção social de construção do que é "ser


mulher" e do conceito do feminino. Como a polaridade oposta da mulher é o homem,
e a do feminino é o masculino, é possível criar associações excludentes, como as
seguintes:

1. SER HOMEM / é / seguir a razão


2. / ter cautela e não apenas lançar-se sobre oportunidades
94

3. / não ter os pés no chão


4. / não ser doce
5. / deixar a razão de lado
6. / ser fraco e indelicado
7. / ser raso e repulsivo
8. / não ser transparente, e ser pesado

As interpretações acima, realizadas por exclusão, não são necessariamente


verdadeiras ou corretas. Apesar de a marca não explicitar se as qualidades citadas
são vistas como inerentes somente à mulher e ao feminino, é possível dizer que,
caso fossem percebidas como comuns a todos os sexos e gêneros, a comparação
com o feminino seria totalmente desnecessária, pois a publicidade busca sempre
ressaltar aquilo que diferencia um produto dos outros.

5.2.2. Natura Kriska


FIGURA 47: NATURA KRISKA - DESCRIÇÃO DO SITE - 1

FONTE:
<https://www.natura.com.br/kriska>
ACESSO EM: 15 OUT 2020

Dentro do textículo explicitado na fig. 47, são apontados os seguintes objetos de


ação:
1. LINHA (Kriska)
2. FRAGRÂNCIAS
3. VOCÊ
95

E realizadas as análises a seguir

1. LINHA / tem / fragrâncias desde sensuais a refrescantes.


2. FRAGRÂNCIAS (da linha) / são / de sensuais a refrescantes.
3. VOCÊ / escolhe / aquela que combina consigo.
4. VOCÊ / traz / feminilidade para o seu dia (através das fragrâncias).

Neste primeiro texto, a última frase ainda pode ser reescrita de uma nova
maneira:

5. FEMINILIDADE / é / trazida (por você) ao seu dia através das fragrâncias.

O substantivo "feminilidade" não toma o lugar de sujeito - este ficaria oculto,


evidenciado apenas entre parênteses - mas consegue maior destaque dentro da
frase para melhorar a percepção de como é articulado.
Kriska apresenta diversas possibilidades de fragrâncias, com notas
diferentes, para a escolha do cliente. É interessante notar, que a questão da escolha
é muito saliente no que diz respeito ao que combina com a personalidade de cada
um. Apesar disso, o conceito de feminilidade ainda é presente. Desta vez, ele toma
a forma de algo alheio ao ser. Atrelado às fragrâncias, é trazido para dentro de casa
como anexo a um objeto. O texto não menciona ou associa a mulher ao conceito de
feminino. Quiçá compreender este conceito como algo alheio permita entender que
não é necessário ser masculino ou ser feminino a todos os momentos. Por escolha,
o indivíduo assume uma dessas polaridades de acordo com o que sente. De outra
perspectiva, a associação a um objeto traz a seguinte problemática: é necessário
tomar posse de um artefato para sentir-se feminino ou masculino?
96

FIGURA 48: NATURA KRISKA - DESCRIÇÃO DO SITE - 2

FONTE:
<https://www.natura.com.br/kriska>
ACESSO EM: 15 OUT 2020

A segunda descrição explicita as relações abaixo:

1. KRISKA / combina / com você.


2. / valoriza / seu jeito especial.
3. SENSAÇÃO / de proteção e conforto / te acompanha.
4. VOCÊ / é / leve e por isso chama atenção.
5. VOCÊ / está / concentrada no trabalho e essa atitude inspira.
6. VOCÊ / está / reunida com amigas e de bom humor.
97

7. (seu) SORRISO / apaixona.


8. KRISKA / realça / força da feminilidade.
9. / valoriza / a essência que ninguém mais tem.
10. MULHER / que é / confiante, alegre, inteligente, merece algo especial.
11. KRISKA / é / a escolha ideal.

O texto descritivo da linha Kriska apresenta várias personas: coloca diferentes


situações, ambientes e reações com as quais o seu público pode criar uma
identificação. Ele não cria regras de como a mulher ou o homem devem se
comportar. Inclusive, ao apresentar os conceitos de "proteção" e "conforto", indica
que se referem a sensações, e que elas acompanham. Podem também
desacompanhar a qualquer momento, pois não são inerentes ao ser.
Na frase de número 8, entretanto, afirma-se que os produtos da linha realçam
a força da feminilidade. É possível extrair dessa frase a seguinte informação:

1. FEMINILIDADE / é / forte.

A marca, portanto, coloca seu julgamento de valor sobre o que é o feminino,


qualificando o substantivo com o adjetivo forte. Com atenção para as polarizações,
novamente é necessário perguntar-se: se o feminino e o masculino são conceitos
opostos, e o feminino está para a força, estaria a masculinidade para a fraqueza?
Caso esta qualidade estivesse compreendida nos dois conceitos, seria necessário
informar que ela é uma característica de uma ou de outra?
98

5.2.3. Natura Sr. N

FIGURA 49: NATURA SR. N - DESCRIÇÃO DO SITE - 1

FONTE:
<https://www.natura.com.br/sr-n>
ACESSO EM: 15 OUT 2020

A linha Sr. N da Natura apresenta também uma descrição mais curta, e outra
mais longa. Dentro do primeiro texto, é possível identificar os seguintes objetos de
ação:

1. SR. N;

e estabelecidas as conexões:

1. SR N / é / ideal para homens clássicos.


2. / tem / fragrâncias marcantes e inconfundíveis de perfumaria.
3. / tem / linha de produtos de cuidados pessoais.

Na descrição acima não há menção a qualidades exclusivas da


masculinidade. A marca volta seu produto ao público masculino, especificamente
aos homens que apresentam como qualidade sua personalidade clássica. Ela
compreende que existem tipos de personalidades, tanto para homens quanto
mulheres, mas indica que o perfume é ideal para homens, e homens clássicos.
99

O adjetivo "ideal" não expressa obrigatoriedade. Existe, nessa frase, a


possibilidade de que o perfume seja utilizado também pelos homens modernos, e
quaisquer outros tipos de homens que não sejam clássicos. Nas entrelinhas há
abertura para entender que ele também seria utilizado por mulheres, mas é melhor
adequado para aqueles homens clássicos. Mesmo com todas essas interpretações,
o produto ainda é encontrado na ala dos perfumes masculinos.

FIGURA 50: NATURA SR. N - DESCRIÇÃO DO SITE - 2

FONTE:
<https://www.natura.com.br/sr-n>
ACESSO EM: 15 OUT 2020

A segunda descrição do perfume Sr. N direciona todas as qualidades


presentes no discurso para o perfume. Ela cria um jogo de palavras, onde o sujeito
das frases pode ser tanto o perfume, quanto o pronome de tratamento "você". Nela,
têm-se os seguintes objetos de ação:
1. SR. N.
2. ELE / VOCÊ
3. FORÇA
4. ELE (aquele que vê seu exterior)
5. ELE (aquele que descobre seu interior)
100

A partir desses objetos de ação, podem ser criadas as seguintes relações:

1. SR. N. / tem / estrutura tradicional


2. / combina / conforto e notas cítricas misteriosas.
3. ELE (ou VOCÊ) / é / clássico, mas adaptável à modernidade.
4. / tem / personalidade forte.
5. / é / seguro de si.
6. / é / forte.
7. (sua) FORÇA / preenche / o ambiente.
8. / inspira e conquista.
9. ELE (que vê o externo) / encanta / a si mesmo.
10. ELE (que descobre o exterior) / apaixona / a si mesmo.

O material textual fala sobre as qualidades do perfume, suas notas olfativas e


as associa com significantes como conforto, mistério e tradição. Com a mesma
estrutura de frases do texto anterior, que conectam o produto ao seu consumidor,
apresenta adjetivos como forte, seguro de si, e verbos como conquistar, inspirar,
encantar e apaixonar. O texto, no entanto, não faz menção ao masculino ou ao
feminino. Apesar disso, é necessário reiterar que ele ainda se encontra na seção
masculina.
101

5.2.4. Boticário Portinari


FIGURA 51: BOTICÁRIO PORTINARI - DESCRIÇÃO DO SITE - 1

FONTE:
<https://www.boticario.com.br/portinari>
ACESSO EM: 17 OUT 2020

No portal do Boticário, pode ser encontrada uma descrição breve do perfume


Portinari. Nela, podem ser apontados os seguintes objetos de ação:

1. PORTINARI;

implicando nas seguintes associações:

1. PORTINARI / é / feito para homens que gostam de viver intensamente.


2. / é / feito para homens discretos e seguros.
3. / reflete / o significado de ser brasileiro na linguagem das cores e
texturas.
4. / exalta / o lado artístico.
102

A partir das afirmações acima, é possível compreender que o perfume


Portinari é voltado para homens discretos e seguros, que vivem intensamente.
Verifica-se que a intenção da marca é direcioná-lo para um público específico,
criando um perfil de homens que seriam compelidos a utilizar o produto.
Para além disso, o texto salienta que o perfume reflete o significado de "ser
brasileiro", ditando regras do que a empresa enxerga como tal. Um homem
brasileiro, portanto, deveria possuir um lado artístico que seria exaltado pelo
produto. É possível que, como ser humano, quase todos os indivíduos possuam um
lado artístico (salvo aqueles com limitações que impeçam essa função do cérebro).
Este lado pode ser mais, ou menos exaltado, pouco ou muito desenvolvido.
O perfume Portinari deveria (segundo as descrições) refletir a essência de
todos os brasileiros através de suas cores e texturas. Ora, se os significados
carregados pelas cores são socialmente construídos, a essência do brasileiro teria
como base o repertório de associações do indivíduo às cores da embalagem. Ao
formular um produto com suas cores, formas, texturas e tipografias, e descrever o
produto com qualificantes, a própria marca já estaria realizando essas associações.
A maneira como o perfume conecta suas cores às características afetivas de
personalidade definiria, portanto, o que é ser brasileiro.
Resume-se que o brasileiro, portanto, seria discreto, seguro, viveria
intensamente e possuiria um lado artístico (desenvolvido ou não).
103

5.2.5. Boticário Uomini

FIGURA 52: BOTICÁRIO UOMINI - DESCRIÇÃO DO SITE

FONTE:
<https://www.boticario.com.br/uomini>
ACESSO EM: 18 OUT 2020

A marca Boticário expõe o perfume Uomini como a essência dos homens.


Para entender o que essa essência carrega, colocam-se os objetos de ação:

1. UOMINI
2. TRADUÇÃO
3. FRAGRÂNCIA

Destes objetos, constroem-se as seguintes proposições:

1. UOMINI / é / uma palavra italiana.


2. TRADUÇÃO / diz / sua essência: homens.
3. FRAGRÂNCIA / é / expressiva e elegante.
4. / ressalta / versatilidade masculina.
5. UOMINI / é / para homens de personalidade.
104

Apesar de o perfume indicar um público específico para o qual foi feito - os


homens de personalidade - Uomini traz todos eles em sua essência, que é
expressiva, elegante e versátil. A segregação é iniciada pelo seu próprio nome,
determinando que mulheres não são bem vindas a usá-lo, pois foi feito para aqueles
que carregam a sua essência: homens. A partir do masculino são tecidos todos os
outros argumentos para dar significância. O próprio texto se refere muito literalmente
à versatilidade como uma das qualidades adjacentes a eles. O homem é versátil.
Sua polaridade inadaptável, dura e constante fica reservada ao sexo oposto.

5.2.6. Boticário Glamour

FIGURA 53: BOTICÁRIO GLAMOUR - DESCRIÇÃO DO SITE

FONTE:
<https://www.boticario.com.br/glamour>
ACESSO EM: 18 OUT 2020

A descrição do perfume Glamour, do Boticário, apresenta o seguinte objeto de


ação:
1. GLAMOUR
2. DETALHES E CURVAS
3. MULHER BRASILEIRA
105

Para esse objeto, são conectadas as seguintes proposições:

1. GLAMOUR / tem / detalhes e curvas.


2. / destaca / charme, elegância, sensualidade da mulher brasileira.
3. DETALHES E CURVAS / ressaltam / a feminilidade.
4. MULHER BRASILEIRA / é / charmosa, elegante, sensual.

A partir das inferências realizadas, entende-se que o feminino proposto pela


marca é o feminino das curvas e da atenção aos detalhes. Segundo a descrição, é
preciso ter um corpo voluptuoso para adentrar o espaço imaginário do feminino. Em
um país que abrange tantas culturas, etnias e corpos, seria possível definir apenas
um representante da feminilidade?
De acordo com reporte anual de 2018 emitido pela Sociedade Internacional
de Cirurgia Plástica Estética, o Brasil ocupa o segundo lugar mundial em quantidade
de cirurgias plásticas performadas, atrás somente dos Estados Unidos. As cirurgias
de prótese mamária tomam a frente no ranking geral dos procedimentos realizados
(ISAPS, 2018). As definições de corpos ideais invadem diariamente o espaço
midiático, alterando a percepção do que é aceitável e esteticamente agradável aos
olhos. Tomar como verdade absoluta a imposição de apenas um tipo de corpo para
representar o feminino é compactuar com as consequências da rejeição à
diversidade.
Quanto à definição da mulher brasileira, a marca define-a como a mulher
charmosa, elegante e sensual, deixando de lado todas aquelas que não se sentem
representadas por essa característica.
De acordo com as análises realizadas dos textos descritivos, formulou-se
uma tabela com os substantivos abstratos aparecem como qualificadores do
feminino e do masculino, de acordo com a visão da Natura e o Boticário.
106

TABELA 01: COMPARATIVO DE QUALIFICADORES POR GÊNERO PELAS MARCAS

Qualificadores Marcas
NATURA BOTICÁRIO
Feminino Masculino Feminino Masculino
adaptação X
atenção X
charme X
classe X
delicadeza X
discrição X
doçura X
dualidade X
elegância X X
encanto X
expressividade X
firmeza X
força X X
inspiração X
intensidade X X
leveza X
magnetismo X
paixão X
racionalidade X
segurança X X
sensibilidade
senso artístico X
sensualidade X
transparência X
versatilidade X
voluptuosidade X

FONTE:
A AUTORA
107

De acordo com a tabela 01, os qualificadores que mais aparecem dentre as


marcas são a força, a segurança e a elegância. Destes, o uso da palavra força é
resumido às descrições da Natura, e compartilhadas entre ambos gêneros. A
elegância é utilizada apenas pelo Boticário, tanto para o feminino quanto para o
masculino. A segurança, por sua vez, é ressaltada pelas duas marcas como uma
qualidade exclusivamente masculina. Outros termos diversos são utilizados pelas
duas marcas para atrelar significações às polaridades, e todos eles comprovam que
existe uma visão segregacionista associada ao gênero.
Visto que este é uma construção social, o indivíduo pode apropriar-se de
qualquer qualidade que combine consigo para expressar-se. Elas não estão
atreladas à feminilidade ou à masculinidade, mas ao repertório, à cultura, ao
contexto histórico e psicossocial de cada indivíduo.

5.3. ENTREVISTAS
Na etapa final do trabalho de conclusão, foram formuladas seis perguntas
para compor o questionário das entrevistas qualitativas. Com fim de avaliar a
percepção de um público diverso sobre as visualidades das embalagens
selecionadas dentre cada uma das marcas, as questões também deveriam
denunciar a construção de conceito dos entrevistados sobre "feminilidade",
"masculinidade" e "gênero".
As perguntas desenvolvidas buscam verificar as associações entre o
repertório dos entrevistados e os frascos de perfume, a compreensão das
construções de significado sobre forma, cor, textura e tipografia, e sua relação com o
gênero. Além disso, tentou-se avaliar as diferenças de vocabulário das descrições
léxicas dos entrevistados quando comparadas às da designer, no sentido de
entender como o Design Gráfico contribui na visualização formal dos artefatos e na
articulação das teorias e do senso crítico.
De início, os participantes foram alertados de que seu conhecimento sobre o
tema da entrevista seria mínimo, resumindo-se a "embalagens da Natura e do
Boticário". Foram solicitadadas breves apresentações pessoais, incluindo os dados
de nome, idade, sexo biológico, gênero, orientação sexual, estado civil, grau de
escolaridade e ocupação.
108

O perfil dos entrevistados pode ser definido como segue:


Perfil 01: Dani, 21 anos, homem, feminino, panssexual, solteira, ensino
superior incompleto, desempregada, possui um canal no Youtube sobre informações
relacionadas à comunidade LGBTQIAPN+.
Perfil 02: Roberto, 29 anos, homem, masculino, heterossexual, amasiado,
ensino superior completo (graduação), internacionalista e concurseiro (Instituto Rio
Branco).
Perfil 03: Aline, 30 anos, mulher, feminino, bissexual, solteira, ensino superior
completo (graduação), assessora parlamentar.
Todas as entrevistas foram realizadas pela ferramenta Zoom, e os
participantes concederam sua autorização por vídeo para a transcrição e uso de
suas falas.
Para cada entrevistado, foram apresentadas duas telas, cada uma contendo
de 3 a 4 imagens de um mesmo frasco de perfume. Buscou-se prezar pelo formato,
portanto a maior parte das fotos apresentava um fundo neutro. Das fotos retiradas
de materiais publicitários, houve um recorte muito próximo à embalagem na tentativa
de suprimir o fundo. A intenção era manter a visualidade das embalagens intacta,
pois qualquer indicação de outro material, cor ou textura poderia comprometer a
análise.
As telas foram apresentadas como segue:
109

FIGURA 54: ENTREVISTAS - TELA NATURA ILÍA

FONTE: A AUTORA

FIGURA 55: ENTREVISTAS - TELA NATURA KRISKA

FONTE: A AUTORA
110

FIGURA 56: ENTREVISTAS - TELA NATURA SR. N.

FONTE: A AUTORA

FIGURA 57: ENTREVISTAS - TELA BOTICÁRIO PORTINARI.

FONTE: A AUTORA
111

FIGURA 58: ENTREVISTAS - TELA BOTICÁRIO UOMINI.

FONTE: A AUTORA

FIGURA 59: ENTREVISTAS - TELA BOTICÁRIO GLAMOUR.

FONTE: A AUTORA
112

Após o compartilhamento de telas contendo fotografias do perfume, foram


realizadas as perguntas abaixo:

1) Observe, por favor, as fotografias do perfume X, da marca Y. A partir dessas


fotos, descreva o frasco como você vê, e aponte se ele se parece com algo
que você lembra.
2) Se você fosse definir apenas pela embalagem, deixando de lado o cheiro do
perfume, quem você acha que o usaria?
3) Você se identifica com essa embalagem? Por quê?
4) O que você define como feminilidade? E masculinidade?
5) Na sua opinião, o que deveria diferenciar uma embalagem feminina de uma
masculina?
6) O que você entende por gênero?

Ao final das perguntas, o assunto foi revelado para expandir sua


compreensão e permitir que os entrevistados refletissem sobre seu posicionamento
relacionado às visualidades associadas à distinção de gênero.
Os vídeos foram transcritos pela ferramenta de digitação por voz do Google
Docs, captando o áudio interno dos próprios vídeos. Posteriormente, quaisquer
equívocos da transcrição automática foram corrigidos e recortes da entrevista
captados para expor a visão dos entrevistados sobre o tema.

5.3.1. Entrevista 01
A primeira entrevista, realizada com o Perfil 01, apresenta as telas dos perfumes
Natura Kriska e Sr. N.
A percepção da entrevistada sobre o Natura Kriska é de um frasco rosa pink
metálico. Ela associa o formato da tampa a uma rosa (flor), e comenta sobre o seu
aspecto transparente. Sobre suas formas, aborda que lembram curvas femininas,
especialmente de pessoas cisgênero, mas que apesar disso, são mais retas do que
de costume. Em relação à fonte, aponta que agrada seu gosto pessoal, e que é
legível, delicada e sofisticada. Para a entrevistada, a sensação do frasco ao toque é
fosca, ainda que brilhante.
Suas considerações indicam que o perfume aborda o público do gênero
feminino, independente do sexo. A entrevistada corrige sua fala anterior, e aponta
113

que o fato de o perfume não ser tão curvilíneo abre margem para incluir mulheres
transsexuais, por não estar associado ao que a sociedade espera de uma mulher.
Ela comenta que se identifica com o frasco, e que dependendo somente da
embalagem poderia adquirir o perfume.
Quando apresentada às imagens do perfume Sr. N, a entrevistada aponta que
o frasco traz uma leitura mais masculina de acordo com o que a sociedade
dissemina. Comenta que a embalagem tem uma estrutura reta, quadrada e dura.
Sobre suas cores, ela comenta que o frasco é verde, aproximando-se de um "musgo
brilhante", e que sua tampa é preta. De acordo com Dani, o aspecto ao toque parece
duro, firme e fosco, e sua fonte é reta, característica do que a sociedade
compreende como masculino. Apesar disso, disse gostar das letras.
Em resposta à pergunta sobre as definições de feminino e masculino, Dani
se posiciona citando que a feminilidade nada tem a ver com a ideia tradicional de
delicadeza, e sim à força das mulheres. A partir disso, ela define seu conceito de
mulheres como pessoas que mudam a estrutura da sociedade, enquanto os
homens tentam deixá-la como está. Ser feminina, para ela, é saber que existem
erros que precisam ser mudados e quebrar com as estruturas de delicadeza e
fragilidade.
Ao ser questionada sobre a masculinidade, a primeira palavra que lhe vem à
cabeça é "tóxica". Esclarece que as pessoas vêem o masculino como algo que nada
tem a ver com o conceito da palavra, e que a masculinidade não é definida pelas
cores usadas nas vestimentas, pois essas significâncias são socialmente
construídas. Ela também comenta que o conceito está ligado com o poder de ação,
mas que este precisa ser mais fluido, e não tão separatista. Segundo Dani, o homem
nunca será completamente masculino, pois carrega em si também uma parte
feminina.
Acerca da distinção de gênero entre embalagens, ela acredita que as marcas
poderiam articular figuras e símbolos tradicionalmente associados pela sociedade
como feminino ou masculino, posicionando-os nas embalagens do gênero oposto.
"Isso não existe naturalmente, fomos nós que colocamos ali", cita Dani sobre
a associação de significantes de gênero às formas, cores, texturas e tipografias.
114

5.3.2. Entrevista 02
Para a segunda entrevista, com o Perfil 02, apresentaram-se as telas dos
perfumes Boticário Portinari e Natura Ilía.
Com relação ao perfume Portinari, Roberto articula que o frasco abstrato
constitui uma deformação do que seria um simples cilindro, agregado de formas e
protuberâncias. Ele comenta que por sua aparência, acredita ser um perfume doce e
feminino, com menos "notas fortes", como as amadeiradas tradicionalmente
carregadas pelos perfumes masculinos.
Comenta que as cores da caixa externa são alegres, e por esse motivo o
perfume se destaca entre outros. Para ele, Portinari possui um "ar de presente".
Como um paralelo, cita a loja Kopenhagen, onde o que é vendido não se resume ao
produto, mas ao ato de presentear chocolates. Ele adiciona que poderia facilmente
se tratar de uma linha especial, e cita que a tampa vermelha remete a uma touca de
natal.
Com relação às cores, Roberto cita que o frasco parece dourado. Ele também
traz sua perspectiva sobre a fonte utilizada, e dá o palpite de que possivelmente
seria a assinatura do pintor. Questionado sobre a sensação de toque, entende que
as formas do vidro são um tanto brutas, passando a sensação de robustez. "Não é
delicado", diz. Acredita que o vidro seja espesso, e que não há necessidade de
cuidado ao manejá-lo.
Roberto agrega que, de acordo com seu repertório, as obras de Portinari são
frequentemente exibidas em pares. Ele cita "Colheita de Arroz" e "Colheita de
Feijão" (pertencentes ao acervo do MASP), além de "Jangadas do Nordeste" e
"Cena Gaúcha" (expostos na sede do Itamaraty), e também o quadro "Guerra e Paz"
(posicionado na sede da ONU em Nova Iorque).
Apontando essa dualidade, o entrevistado afirma que o perfume poderia ser
unissex. Ainda que reconheça a possibilidade de compartilhamento do perfume, ele
acredita que o perfil de pessoas que o utilizaria seria de mulheres em torno de 30
anos de idade, que trabalham fora de casa e se importam com o perfume que usam.
Caso sua escolha dependesse somente da embalagem, o entrevistado afirma
que faria uso do perfume.
115

Ao descrever o frasco do perfume Natura Ilía, Roberto comenta que possui


aspecto quadrado, com arestas arredondadas. De acordo com ele, as cores são
douradas e rosadas, termo que descreve como "rosegold". Essa cor, associada com
o nome Ilía, que possivelmente seria de uma deusa grega, traz o aspecto feminino
da embalagem.
Associando-a a um cubo de gelo, o entrevistado descreve a textura como
grossa, mas diz que a tampa de metal na coloração mencionada quebra a frieza do
frasco. Cita também, que esse aspecto torna a sensação ao toque mais refinado e
com atenção aos detalhes (já que não possui arestas pontiagudas).
Sobre a embalagem externa, comenta que a caixa quadrada tem tom bege,
aproximando-se do dourado e seguindo a mesma linha das formas arredondadas do
frasco. Percebe-a como uma embalagem mais sofisticada, que traz o que o ele
chama de "um tom mais elegante" ao perfume.
Quando questionado sobre a fonte, ele afirma a sua delicadeza e elegância
pelo fato de as letras "i" e "l" estarem intercaladas, passando sensação de
alongamento.
Ao abordar o tema da feminilidade, o entrevistado acredita que não há
necessidade de atrelar comportamentos à mulher para definir o feminino. Ainda
assim, diz que automaticamente associa às cores vermelho e rosa, e que vê a
feminilidade como assertividade.
À masculinidade, faz conexão com os aspectos físicos que um homem pode
apresentar, como barba e músculos. Além disso, cita a fisiologia do suor. Ele diz que
não vê a masculinidade como um fator comportamental, pois um homem pode ser
masculino e delicado ao mesmo tempo. Em contraponto, diz que sente a
necessidade de compensação comportamental quando um homem cis
heterossexual utiliza-se de um artefato considerado feminino pela sociedade. Por
exemplo: o homem que escolhe vestir rosa precisaria agir impositivamente e
incorporar uma postura de "macho alfa" para não ser percebido como homossexual
(e somente caso não quisesse ser percebido como tal). Ele também cita "um pouco
de grosseria" e "dominância" como associações ao masculino.
Em resposta à pergunta 05, sobre as diferenciações de gênero em
embalagens, Roberto comenta que elas poderiam ser feitas a partir de objetos do
116

cotidiano do homem ou da mulher. Ele cita um pincel como feminino por ser um
artefato que considera delicado, e um carrinho como masculino. Comenta também
que não possui conhecimento sobre estudos de psicologia das cores, mas que
acredita que deveriam tomar lugar nessa distinção.
Sua percepção sobre feminino e masculino carrega um histórico de
associações cognitivas automáticas com base em postulações do mercado. Ele cita
algumas marcas internacionais, como Jean Paul Gaultier, com corpos suntuosos
esculpidos nas embalagens, e o frasco do perfume "Nina", por Nina Ricci, para
exemplificar formas arredondadas de outros perfumes. Além dessa característica,
cita ver formas alongadas como uma possibilidade de diferenciação do feminino.
Roberto confessa não compreender com propriedade o conceito de gênero.
Para responder à última pergunta, define-o como a opção de ser homem ou mulher,
ou os dois, ou nenhum.

5.3.3. Entrevista 03
Durante a terceira entrevista, Aline descreve os perfumes Glamour e Uomini,
ambos do Boticário.
Ao visualizar o frasco do primeiro perfume, diretamente o associa com o
feminino por suas cores e formas, além de seu nome. Ela conecta o formato do
perfume com o corpo de uma mulher e comenta que esse aspecto, combinado com
sua base achatada, torna o perfume anatômico e de fácil armazenamento.
Aline descreve as cores como rosa "bebê", rosa claro ou rosa antigo. Quando
questionada sobre tipografia, faz menção à sua configuração clássica e considera
estar alinhada ao conceito do nome: "É glamurosa", diz.
Sobre o público do perfume, a entrevistada alerta para a existência de
padrões de feminino que costumam atrelar imagens, cores, vestimentas e perfumes
a estereótipos. Ela supõe que a marca tenha um volume de vendas alto com estes
produtos, porque há um vasto número de pessoas buscando tais diferenciações.
Não obstante, ressalta que este não é o seu caso.
Em referência ao frasco de Uomini, Aline expõe que a combinação de cores
entre o marrom e o dourado busca satisfazer o estereótipo do masculino e remete
ao material "madeira". A embalagem não possui tampa. Por esse motivo, conta com
117

o spray "prático", característica que considera estar alinhada à visão conservadora


de masculinidade, que pressupõe o uso de poucos cosméticos, dando valor à
simplicidade e à facilidade.
Aline observa a fonte e faz um paralelo com o primeiro frasco: desta vez, o
tipo escolhido é quadrado, fechado e masculino, e vai contra o clássico e o
glamuroso do perfume anterior. Ela define o público como homens que querem
praticidade e também desejam passar o sentimento de masculinidade.
A entrevistada não obteve identificação com nenhuma das amostras. Ela
informa que não se sente compelida à compra, pois seu gosto pessoal foge do
padrão. Os perfumes que busca possuem conexão cultural com a regionalidade, e
não carregam informação de gênero. "Não é o tipo de perfume que eu compraria
para mim, ou para a minha família", diz.
Suas ideias sobre feminilidade estão ligadas à força de superação dos
desafios, independente de como os ciclos de seu corpo se adaptam aos anos.
Quanto à masculinidade, aponta que lhe remete a proteção, mesmo reconhecendo
que certos homens estimulam a insegurança nas mulheres. Apesar disso, ela opta
por este ponto de vista porque suas experiências familiares e de relacionamento
foram positivas.
Sobre diferenciação de gênero nos frascos, ela a considera desnecessária,
pois acredita que limita o alcance das marcas. Aline gostaria que todas as
embalagens fossem unissex.
Ao expressar-se sobre gênero, ela afirma que a sociedade impõe uma
determinação que o atrela ao corpo do momento do nascimento. Sua perspectiva é
de que as pessoas deveriam ser livres para sentir-se e escolher o que querem ser.

5.4. DIAGNÓSTICO DE RESULTADOS


De acordo com as análises sintáticas, observamos a organização dos
aspectos segundo a tabela abaixo:
118

TABELA 02 - CARACTERÍSTICAS SINTÁTICAS DOS PERFUMES

Critérios Marcas
NATURA BOTICÁRIO
Ilía Kriska Sr. N Portinari Uomini Glamour
COR
vermelho, vermelho, vermelho, vermelho, vermelho,
ciano, verde
matiz amarelo magenta amarelo amarelo amarelo
saturação baixa média média-alta alta média baixa
brilho alto alto médio-baixo médio médio alto
TIPO
classificação hot metal didot display display display script
peso leve leve pesada pesada pesada leve
serifa ausente presente ausente ausente ausente ausente
alinhamento alinhada desalinhada alinhada desalinhada alinhada alinhada
FORMA orgânica orgânica geométrica geométrica geométrica orgânica
lisa / fosca / fosca/
TEXTURA glitter glitter fosca lisa rugosa lisa

FONTE:
A AUTORA

Dentre os perfumes analisados, a parte majoritária utiliza matizes que variam


entre o amarelo e o vermelho, utilizando variações de saturação e brilho para fazer a
distinção entre o feminino e o masculino. O perfume Sr. N. utiliza matizes que variam
do ciano ao verde. Os frascos da seção feminina possuem saturação baixa a média,
e tons claros, enquanto que os da seção masculina possuem saturação alta a
média, e tonalidades médias a escuras.
Na escolha da tipografia, as fontes dos perfumes masculinos são pesadas, e
em sua maioria fazem parte da classificação Display. Às fontes dos frascos
femininos, são dedicados os tipos mais leves, frequentemente detalhados, com
exceção do perfume Natura Ilía, que carrega uma fonte simples, ainda que leve. O
uso de serifas foi observado somente no perfume Natura Kriska. Não foi encontrado
um padrão de alinhamento que apresente resultado significante quanto à distinção
de gênero.
119

As formas orgânicas aparecem em todos os frascos femininos. Da mesma


maneira, as geométricas são utilizadas em totalidade dos masculinos. Percebe-se
que há uma associação direta das formas orgânicas com a feminilidade, e das mais
retas com a masculinidade.
Com relação às texturas, os vidros dos perfumes femininos tendem a ser lisos
e os masculinos, foscos. Para complementar a informação da tabela, os textos
descritivos trazem a informação de que a textura pode variar nos perfumes, do
contenedor para a tampa. Isso ocorre em embalagens femininas quando a parte
fosca possui glitter ou tinta acetinada.
De acordo com os apontamentos, a distinção de gênero é realizada pelas
marcas Natura e Boticário utilizando cor, tipografia, forma e textura em padrões.
As características sintáticas das embalagens nada tem a ver com
significações, com exceção das percepções gestálticas, causadas por fisiologias do
olho e comprimento de onda das cores. Apesar disso, quando posicionadas junto a
um texto semântico, este tem a função de atrelá-las a características físicas e
comportamentais que determinam padrões de feminilidade e masculinidade.
Percebida pelo indivíduo como uma forma de identificação, a redução desses
aspectos a um padrão termina por segregar o público que não se define como
feminino ou masculino, ou aqueles que não se encaixam em estereótipos.
As duas marcas carregam em seus textos de definição qualidades
psicológicas de personalidade e ação que resumem o feminino e o masculino. O
Boticário vai mais além, e ainda relaciona a característica física. Enquanto a Natura
define feminilidade com adjetivos como: doce, dual, firme, forte, intensa, leve,
racional e transparente, o Boticário realiza essa distinção com os adjetivos: atenta,
charmosa, elegante, sensual e voluptuosa. A primeira marca define o masculino
como: adaptável, clássico, encantador, forte, inspirador, apaixonante e seguro. A
segunda, como: discreto, elegante, expressivo, intenso, seguro, versátil e artístico.
Ainda é possível apresentar a problemática de que a marca Boticário utilizou
qualidades para definir tanto o homem como a mulher brasileira, desconsiderando
diferenças sociais e regionais de um país composto de 26 estados e um distrito
federal, além de 8.516.000 km² de extensão, abrigando diversas etnias.
120

A percepção dos usuários demonstra uma diversidade de detalhes quanto à


sua percepção de cor, tipografia, forma e textura. Suas falas também denunciam a
percepção do gênero e de como isso fica atrelado às embalagens.
A entrevistada 01 fez poucas colocações sobre os aspectos sintáticos e
apresentou sua ideia de feminilidade como a força das mudanças estruturais.
Apesar dos poucos comentários sobre o aspecto formal, trouxe informações
disruptivas sobre gênero, que aproximam-se do aporte teórico do trabalho. Suas
indicações sobre diferenciação de embalagens masculinas e femininas aproxima-se
das abordagens de Beatriz Preciado quando menciona a inserção inversa das
características.
O entrevistado 02 possui vocabulário mais rico ao descrever as
características e tecer paralelos com a arte. Em suas descrições, aproxima-se
daquela realizada por uma pessoa técnica da área do Design. Entretanto, sua
percepção sobre gênero é menos preocupada e mais clássica, ainda engendrada
nas noções tradicionais sobre feminilidade e masculinidade disseminadas pelo
mercado. Isso fica mais evidente na descrição do masculino como autoafirmação,
imposição e dominância.
A entrevistada 03 também traz poucos detalhes sobre as formalidades, pois
sua atenção fica voltada para os aspectos mais evidentes de cor e forma. Ela vê a
feminilidade como a força da superação, e a masculinidade como proteção. Apesar
disso, apresenta uma percepção mais consciente em separar a visão tradicionalista
da sociedade das formalidades e do seu gosto pessoal.
121

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelas análises realizadas, pode-se compreender que as visualidades
possuem algumas funções semânticas percebidas de forma fisiológica, e outras
socialmente construídas. As últimas variam de acordo com o contexto histórico e
cultura do visualizador, principalmente com a cultura visual e material. Essas noções
podem ser invertidas, mantidas ou quebradas de acordo com a intenção do produtor
das informações. A publicidade utiliza do discurso para aumentar as vendas dos
produtos e por vezes utiliza-se de conceitos do marketing que reduzem o indivíduo a
estereótipos. Apesar de sua linguagem codificada, que pode ser explicitada através
de ferramentas como a análise do discurso, ela é mais acessível ao consciente do
que a linguagem visual. Através da educação visual, é possível entender como os
aspectos formais são lidos, percebidos e articulados. Assim também funciona com
os conceitos de gênero. Uma vez compreendido que se trata de um conceito
socialmente construído, é possível liberar amarras e aceitar que a expressão
individual é a reflexão do ser, que as pessoas são diversas e não redutíveis. Com o
uso dos elementos visuais e do discurso, as marcas são capazes de promover
mudanças de inclusão ou exclusão de gênero. O designer consciente sobre o uso
das visualidades pode trabalhar como uma ferramenta de alerta e sugestão de
mudança, entretanto sua atuação fica limitada às escolhas estratégicas das marcas.
Cabe a elas a escolha de alinhamento com a mudança que desejam promover.
Para compreender como as marcas Natura e Boticário utilizam cor, tipografia,
forma e textura ao distinguir gênero, o trabalho de conclusão foi realizado em três
etapas: a primeira apresentou as análises formais das embalagens com base na
teoria explicitada; a segunda ocupou-se em contextualizar a apresentação dos
produtos no portal e verificar a semântica trazida pelos textos descritivos, e a
terceira, trouxe à tona a percepção de um público diverso sobre as visualidades.
A todas elas foi dedicada grande atenção, entretanto, o maior rigor e enfoque
é reservado às descrições formais, pois estas ocupam um papel chave: ressaltam a
importância dos critérios citados e o seu impacto na expressão de gênero individual
através das visualidades e materialidades. Eles comunicam valores e prioridades
das marcas e afetam profundamente a percepção de seu público e as construções
sociais de gênero. A Análise de Conteúdo e as entrevistas de validação
122

apresentam-se como ferramentas auxiliares que comprovam a percepção indicada,


e podem ser futuramente exploradas em estudos aprofundados.
123

7. REFERÊNCIAS

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