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CINZAS DA DITADURA
Documentos inéditos indicam que Crematório da Vila Alpina foi planejado para ocultar
cadáveres da ditadura
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31/07/2023 12:31 Ditadura: Crematório em SP foi criado para ocultar cadáveres
Sergio Barbo
25 de jul de 2022, 09h39
FAÇA PARTE
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 15-06-1977, 21h15: Manifestação estudantil na rua 25 de Março.
(Foto: Folhapress) Ilustração: The Intercept Brasil; Folhapress
A
ocultação de cadáveres foi apenas um entre tantos crimes
cometidos durante a ditadura militar. A prática já havia sido
abordada pela Comissão Nacional da Verdade e revelada pela CPI
da Vala de Perus, de 1990, realizada após a descoberta de mais de
mil ossadas no Cemitério Dom Bosco, em São Paulo. Um detalhe da
confissão de um dos agentes da repressão, no entanto, passou quase despercebido
pela comissão: o plano da ditadura para construir crematórios onde ocultar
cadáveres.
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Em seu depoimento, ele afirmou que “até 1975, havia um acerto entre o Exército
e o administrador do cemitério para que os corpos fossem enterrados
clandestinamente” em Perus – onde, já em 1990, 1.049 ossadas foram
encontradas em uma vala comum no cemitério local. Mas, segundo ele, devido à
opinião pública, esse “esquema” deveria ser alterado. Surgiu, assim, o projeto de
um crematório.
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Queima de arquivos
C
om o reconhecimento da cremação pelo Vaticano em 1963, a
cidade de São Paulo aprovou quatro anos depois uma lei municipal
para regulamentar a prática. Foi a deixa para que o então prefeito
Faria Lima estabelecesse a licitação e compra dos fornos,
inicialmente previstos para o Cemitério Municipal de Vila Nova
Cachoeirinha. O prefeito também anunciou em 1968 um incinerador de ossos no
cemitério de Vila Formosa.
Foi o sucessor de Faria Lima, Paulo Maluf, que tirou o projeto do papel. Prefeito
entre 1969 e 1971, ele iniciou a construção do Cemitério Municipal Dom Bosco,
em Perus. Nomeado pelo governador Abreu Sodré após determinação do
presidente Costa e Silva, Maluf foi o primeiro prefeito biônico de São Paulo e o
primeiro a governar sob o AI-5. Um de seus primeiros atos foi criar, em maio de
1969, a CMI, comissão municipal de investigação sobre “corrupção ou
subversão”, que atuou em mútuo entendimento com os órgãos de repressão.
Não por acaso, entre 1969 e 1970, foram fundadas a Operação Bandeirante, a
Oban, entidade semiclandestina que seria oficializada logo depois como DOI-
Codi , a Polícia Militar e a Rota, batalhão de elite da PM paulista. A possibilidade
de ter disponível um incinerador para eliminar vestígios de corpos indesejados,
especialmente num remoto cemitério destinado a indigentes, deve ter soado como
música para os ouvidos dos agentes da repressão.
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Parece não haver o Hall de Cerimônias nesse projeto e também muitas coisas
que, francamente, não entendemos, mesmo considerando estarmos
associados e trabalhando há 15 anos em projetos de crematórios em todo o
mundo.
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Praticamente sem menção nos jornais, os cemitérios de Vila Alpina e Perus foram
inaugurados em fevereiro e março de 1971, respectivamente. Maluf, ao final de
seu governo, autorizou a concorrência pública para a construção do prédio do
crematório. A obra, a cargo da Engeral S/A, empresa que tinha em seu quadro de
gerências um ex-estudante da Escola Superior de Guerra, deveria ficar pronta em
1972.
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Seis meses após a abertura dos cemitérios, foi aprovada uma alteração da lei de
exumação que permitia maior rotatividade nos terrenos, reduzindo de cinco para
três anos a permanência do corpo no sepulcro.
O
Cemitério Dom Bosco foi inaugurado em 2 de março de 1971 na
remota Estrada do Pinheirinho, em Perus, distante 32 quilômetros
da Praça da Sé, no extremo noroeste de São Paulo. Antiga
reivindicação dos moradores, o cemitério recebeu endereço
diferente do proposto pela associação do bairro, que queria sua
instalação no centro de Perus.
Antes que as primeiras famílias pudessem fazer uso das sepulturas, o local foi
destinado preferencialmente a mortos que chegassem ao IML sem identificação
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ou que não fossem reclamados por parentes em até 72 horas. Como o IML é
dedicado a necropsias de mortes violentas e não naturais, tais medidas tinham seu
propósito: a vala escavada ilegalmente ali tornou-se o mais importante
esconderijo de corpos da ditadura.
Conforme o jornalista Camilo Vannuchi detalha em seu livro Vala de Perus: Uma
Biografia, a descoberta de Caco surgiu a partir de pesquisas para seu livro Rota
66: A História da Polícia Que Mata. A pista despontou entre milhares de papéis
envelhecidos, sujos de sangue, numa sala no IML de São Paulo. Médicos legistas –
entre eles, Harry Shibata, notório pelo laudo de falso suicídio de Vladimir Herzog
– marcavam alguns laudos com uma letra “T”, em vermelho, uma designação para
“terrorista”, como a ditadura e imprensa classificavam militantes políticos. A
marca aparecia nas necropsias feitas entre 1971 e 1974.
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A
Lei Municipal 7017, de 1967, havia determinado que poderiam
ser cremados os cadáveres de pessoas que em vida tenham assinado
documento em cartório permitindo a cremação ou, em casos
especiais, quando as famílias dos mortos permitirem, mesmo nos
casos de exumação. Em casos de mortes violentas, a cremação só
poderia acontecer com autorização das autoridades policiais. A lei determinou
que a prefeitura também poderia autorizar a cremação de cadáveres de
indigentes e de desconhecidos, desde que respeitadas as regras previstas na lei.
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época, a imprensa noticiou que os fornos teriam como objetivo a cremação dos
indigentes.
Meses depois, o diretor do Cemit revelou que a lei que reduzia o prazo de
sepultamento para três anos em valas comuns era suficiente para resolver o
problema de vagas nas necrópoles. Resolvida a questão de exumação, Bueno,
pessoalmente, tentou buscar subsídios para que a lei municipal fosse adaptada a
permitir a construção de um crematório exclusivo para indigentes. Enquanto a
autorização para cremação devia ser dada pelo IML ou Secretaria de Saúde,
havia, entre seus planos, o projeto de câmaras de refrigeração para acondicionar
até 60 corpos.
Engenheiro civil, ele viajou em 1972 pela Argentina e Uruguai (nações envolvidas
na Operação Condor, a aliança militar do Cone Sul) para pesquisar os fornos ali
utilizados e sua legislação. No mesmo ano, outro engenheiro, Paulo Adiron
Ribeiro, viajou para a Inglaterra – o mesmo destino, dois anos depois, de Jayme
Augusto Lopes, superintendente do Serviço Funerário Municipal e advogado, a
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Naquele ano, o regime de repressão deixou de anotar a “T” nos laudos do IML,
guerrilhas de esquerda foram desmanteladas e a suposta distensão política
iniciou-se com o governo Geisel.
Após cinco anos da chegada dos dois fornos em Santos, o primeiro crematório do
país foi finalmente inaugurado em 12 de agosto de 1974 na Vila Alpina, ao lado
do cemitério São Pedro. Era, supostamente, destinado a classes mais abastadas.
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Uma das poucas notas informativas dadas após a inauguração, datada de 1976,
ano de abertura da vala, observou que o prefeito Olavo Setúbal considerou o
crematório deficitário por cremar menos de dois corpos, em média, por dia. Em
1988, o espaço foi oficialmente nomeado como Crematório Municipal Dr. Jayme
Augusto Lopes, em homenagem feita ao superintendente do SFM falecido em
1983. Atualmente, dispondo de seis fornos, ainda é o único crematório de São
Paulo.
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O Crematório Municipal Dr. Jayme Augusto Lopes foi viabilizado por um conluio entre
funcionários municipais e defensores do regime militar.
Foto: Wikimedia Commons
Esqueletos no armário
A
Comissão Parlamentar e a Comissão Nacional da Verdade
consideraram que o sistema de desaparecimento forçado e
ocultação de vítimas foi possível graças ao conluio entre órgãos de
repressão, sistema funerário e poder público. Enquanto o
monitoramento do sistema era feito pelo SNI, o órgão que
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promovia a principal conexão entre as várias esferas era o IML, entidade estadual
atrelada à Secretaria de Segurança Pública.
Por sua vez, o delegado da divisão de Ordem Política do DOPS, Alcides Cintra
Bueno, orientava os procedimentos ao IML e ao Serviço Funerário. O uso do “T”
seria uma ordem determinada por ele. Segundo o legista Jair Romeu, Cintra teria
telefonado diretamente a Jayme Lopes para requisitar um caixão para o ativista
Carlos Marighella, na ocasião de sua morte. A inter-relação se estendia inclusive
ao âmbito familiar: o filho do diretor do Cemit, Fábio Pereira Bueno Filho, era
investigador do DOPS, atuando sob as ordens de Tuma, enquanto Harry Shibata
Júnior e Romeu Tuma Júnior trabalhavam no Serviço Funerário .
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Em depoimento à CPI feito em sua mansão nos Jardins, em 1991, Paulo Maluf
responsabilizou o prefeito Faria Lima pelo projeto de construção do cemitério
Dom Bosco. Também negou conhecer Harry Shibata, diretor do IML durante
seus três anos como prefeito, e Sérgio Fleury – apesar de ter ido a seu velório. Ele
negou ainda ter determinado a construção de crematório em Perus. “Como
cristão, jamais permitiria a cremação de indigentes. Sempre soube que os mortos
têm de ser enterrados”, disse. Quanto às torturas no DOI-Codi, garantiu que
tomou conhecimento delas somente após as mortes do jornalista Vladimir Herzog
e do metalúrgico Manoel Fiel Filho, entre 1975 e 1976.
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Cabe lembrar que ele, como governador, cedeu uso de terreno para o DOI-Codi
no final dos anos 1970. Em 1993, quando reassumiu a prefeitura da cidade, pelo
voto, sucedendo Erundina, alguns de seus primeiros atos foram a extinção da
comissão de acompanhamento de familiares de desaparecidos políticos e a
exoneração de Antônio Eustáquio, administrador do Dom Bosco e responsável
por revelar a vala de Perus. O gradativo abandono do trabalho de investigações
sobre as ossadas foi outro passo. O descaso somente terminaria em 2014, quando
a análise forense foi retomada pela Unifesp.
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“Começo a crer que corpos possam ter sido levados para lá. Ouvíamos algumas
conversas nesse sentido”, conta ele.
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