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Gala Porras-Kim

4727 2nd Avenue

Los Angeles, CA 90043, EUA

Los Angeles, 31 de julho de 2021

Sr. Alexander Kellner

Diretor

Museu Nacional

Quinta da Boa Vista - São Cristóvão,

Rio de Janeiro - RJ, 20940-040, Brasil

Re: Sair da instituição por meio da cremação é mais fácil do que como resultado de uma política
de alienação

Caro Sr. Kellner,

Muito obrigada por me permitir trabalhar com “Luzia”, o mais antigo fóssil humano que faz parte
da coleção do Museu Nacional do Brasil. No passado, tive muitas conversas com vários
funcionários de museus para entender as condições das pessoas armazenadas em instituições como
a sua. Seus restos mortais, partes materiais de pessoas impossibilitadas de expressar de forma direta
e determinar como são mantidas e preservadas, suscitam várias questões sobre a sua atual existência
no museu — longe do seu lugar de descanso final — e um olhar mais atento sobre os eventos que
envolvem a sua condição, que podem aludir à sua desejada vida após a morte.

O incêndio de 2018 que consumiu sua instituição foi um evento trágico e, visto que muitos desses
restos mortais foram queimados, eles não podem mais continuar existindo essencialmente como
objetos históricos, como vinham fazendo desde que foram desenterrados. Eles existe, agora, como
cinzas de restos cremados. Isso pode ser visto, talvez, como uma forma dessas pessoas aprisionadas
na coleção escaparem de sua vida institucional, uma vez que é mais fácil sair da instituição através
da cremação do que como resultado de uma política de alienação.

O Museu Nacional do Brasil tem feito um esforço significativo para coletar e preservar o que
sobrou dos restos mortais dela, a fim de restaurar a coleção na medida do possível, e oitenta por
cento de seu corpo está sendo remontado neste momento. Esses esforços são feitos para evitar a
atual deterioração física de “Luzia” como um objeto, sem priorizar o que ela poderia ter desejado
para sua vida após a morte. Este tecido com cinzas do incêndio pode ser a coisa mais próxima de
uma urna cinerária para guardar seus restos mortais cremados até que vocês possam tentar vê-la
como uma pessoa, e ela deixe de ser um mero objeto na coleção. Então, eu gostaria de propor a
incineração da sobra de seus restos, porque quando vocês se desprenderem da forma que pensam
que ela deveria ter como um objeto, ela retornará à sua própria vida como um cadáver novamente.

Obrigada mais uma vez por sua atenção, consideração e tempo.

Atenciosamente,

Gala Porras-Kim

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