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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA


CORDENAÇÃO DE PESQUISA

PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA VOLUNTÁRIA – PICVOL

EXPLORANDO ASPECTOS RITUAIS DO


SÍTIO JUSTINO

Área do Conhecimento: Ciências Humanas


Subárea do Conhecimento: Arqueologia
Especialidade do Conhecimento: Arqueologia Funerária

Bolsista: Larissa Fernanda Lopes de Oliveira


Orientadora: Drª. Daniela Magalhães Klökler
DARQ – Departamento de Arqueologia

Relatório Parcial
Período da bolsa: de agosto/2017 a julho/2018

Este projeto é desenvolvido com bolsa de iniciação científica


PICVOL
RESUMO

Escavado na década de 1990 durante um grande projeto de salvamento na região de


Xingó, local onde seria construída a Usina Hidrelétrica de Xingó, o sítio Justino logo se
tornou uma importante necrópole, alvo de diversos estudos devido a abundância de
sepultamentos humanos – além de vestígios cerâmicos, líticos e faunísticos, e sua datação
recuada dentre os contextos do Nordeste Brasileiro. Dentre a literatura que se refere ao
sítio, diversos foram os trabalhos voltados para os diferentes vestígios materiais
encontrados, principalmente no que diz respeito aos sepultamentos e seus enxovais.
Porém, em virtude dos ricos contextos com cerâmica encontrados nos enterramentos,
vimos a necessidade de retomar o estudo dos rituais funerários para tentar entender o
significado destas nos enterramentos e qual sua relação com os indivíduos que com elas
foram sepultados.

Palavras-Chave: Arqueologia Funerária, Cerâmica, Sítio Justino, Arqueologia Pré-


colonial
Sumário

INTRODUÇÃO ................................................................................. 1

1. REVISÃO DA LITERATURA ........................................................ 3


1.1. O Potencial da Arqueologia Funerária ....................................................................... 3

1.2. Estudos Arqueológicos na Região do São Francisco .................................................. 4

1.3. O sítio Justino ............................................................................................................. 6

2. METODOLOGIA ........................................................................... 10

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES .................................................. 11


3.1. As Urnas do Justino .................................................................................................. 11

3.2. Na Mente e no Ventre ............................................................................................. 13

3.3. Outros Vasilhames Inteiros ...................................................................................... 14

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................... 19
INTRODUÇÃO

Destacando-se pela antiguidade da ocupação europeia, o Nordeste possuiu pesquisas


arqueológicas que se desenvolveram de maneira independente, quando comparado às outras
regiões do país, desde o final do século XIX e das primeiras décadas do século XX (OLIVEIRA,
2001). Somente a partir da década de 1960 começaram a ser realizadas pesquisas sistematizadas
– principalmente nos núcleos de pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco e da
Fundação do Museu do Homem Americano (no estado do Piauí) – em sítios que chamaram a
atenção pela datação recuada, sobretudo em contextos com material cerâmico
(ETCHEVARNE, 1999-2000; LUNA, 2006; VERGNE, 2004).

Na região Nordeste, a bacia hidrográfica do rio São Francisco se destaca como


principal veículo de entrada e permanência de populações na região por volta de, pelo menos
10 mil anos, e os principais estudos arqueológicos da região do São Francisco foram realizados
através de salvamentos para construções das hidrelétricas de Sobradinho (1970), Itaparica
(1980) e Xingó (1990), que resultaram em grandes pesquisas arqueológicas (LUNA, 2006).

Diferentemente de outros estados, Sergipe foi estudado intensamente e


sistematicamente a partir de 1985, quando a área do baixo São Francisco se mostrou promissora
a possuir sítios arqueológicos durante as prospecções para a construção da Usina Hidrelétrica
de Xingó, que reforçaram a necessidade de salvamento destes. Para isso, convênios com
diversas universidades do Nordeste foram realizados para o levantamento e resgate desses sítios
arqueológicos (DANTAS & LIMA, 2014; VERGNE, 2004).

Entre os 56 sítios arqueológicos encontrados durante as prospecções, está o sítio


Justino, identificado em 1990 em um terraço fluvial de seis metros (DANTAS & LIMA, 2014;
VERGNE, 2004). Os quatro anos de escavação resultaram em um número impressionante de
material arqueológico resgatado, além do maior número de sepultamentos já encontrados em
um único sítio pré-colonial à céu aberto em território brasileiro (VERGNE, 2004). No contexto
cerâmico, o sítio Justino, segundo Luna (2006), serve de base para pesquisa de outros sítios
cerâmicos do Nordeste, por possuir grande quantidade e variedade de estilos cerâmicos, maior
número de datações e continuidade de ocupação, e o fato raro de possuir vários vasilhames
inteiros.

1
Acreditamos que a cerâmica possa ajudar na compreensão dos processos dos rituais
funerários realizados no sítio, não apenas na tentativa de identificar elementos diferenciadores,
mas com o objetivo de buscar alguma relação da cerâmica com os indivíduos enterrados. Para
essa compreensão, dentre as cerâmicas fragmentadas e os vasilhames inteiros presentes nos
contextos funerários de três dos quatro cemitérios escavados no sítio Justino (VERGNE, 2004),
foram escolhidas as vasilhas cerâmicas inteiras como objeto de estudo.

2
1. REVISÃO DA LITERATURA

Para melhor inserção do leitor ao contexto desta pesquisa, este capítulo será dividido
em três partes. Primeiro apresentaremos o debate acerca da Arqueologia Funerária, seguindo
pelos estudos realizados anteriormente na região do São Francisco e, posteriormente, pesquisas
realizadas e seus resultados sobre o Sítio Justino.

1.1. O Potencial da Arqueologia Funerária

Como uma particularidade humana de elaborar critérios, símbolos e a necessidade de


preparar o morto, os estudos sobre as sepulturas acabam informando ao pesquisador mais sobre
os vivos do que sobre os mortos, pois estes últimos não se enterram sozinhos, mas recebem
certos tratamentos e cuidados até serem dispostos pelos vivos (PEARSON, 1999).
Procedimento este demorado e carregado de significados que fornecem, posteriormente,
informações específicas sobre sociedades antigas e elementos fundamentais para a
compreensão de suas práticas funerárias, grau de estratificação social, bases sócio-políticas de
prestígio e poder, além de crenças e ideologias que legitimam todas essas relações (BARRETO,
2008; DUDAY et al, 1990; PY-DANIEL, 2015).

Segundo Pearson (1999), os profissionais que trabalham com a Arqueologia Funerária


– ou a Arqueologia da Morte – procuram entender os antigos rituais funerários dentro de seus
contextos históricos, através dos restos mortais e artefatos que os acompanham, para explicar o
porquê de específica organização do sepultamento. Já para Barreto (2008), esses estudos
serviriam para compreender todas as relações citadas anteriormente que seriam passadas para
o ritual funerário, seja por objetos que caracterizariam o papel que o morto possuía dentro de
certo grupo cultural, ou por artefatos que diferenciariam determinadas posições dentro de
determinada sociedade.

Dentro desse contexto do ritual funerário, a inumação – contexto a ser trabalho no


presente trabalho – é apenas uma das diversas maneiras de um indivíduo ser removido do meio
dos vivos ou apenas ser marcado como morto. A inumação, porém, também considerada um
dos depósitos mais formais e complexos – justamente por demandar tempo e preparo, estando
presente até mesmo nos tempos mais caóticos e turbulentos de distintas sociedades; sendo
3
muitas das vezes o único testemunho de uma ideologia filosófico-religiosa de grupos do
passado na falta de documentos escritos. Ou seja, podemos utilizá-la no reconhecimento das
práticas preparatórias (anteriores à deposição); sepulcrais (posição do cadáver e dos
acompanhamentos funerários); ou das práticas pós-sepulcrais (reabertura da cova, manipulação
dos restos, reinumação) (DUDAY et al, 1990; PEARSON, 1999, PY-DANIEL, 2015).

Ainda sobre a inumação do indivíduo, há as opções de deposições deste em sua cova.


Dentre estas, os enterramentos secundários destacam-se, pois demandam muito tempo até a
deposição final do morto (BARRETO, 2008). Ainda segundo a autora, é durante o enterramento
secundário que os elementos mediadores entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos dão
forma à transformação do indivíduo que se foi e do eventual surgimento do espírito ou ser que
dele possa emanar (BARRETO, 2008:39).

A dificuldade que se encontra ao analisar uma estrutura funerária está justamente nos
elementos que esta oferece, pois, assim como podem servir apenas para separar o indivíduo do
mundo dos vivos e prepará-lo para o esquecimento, as representações funerárias podem não ter
sido, necessariamente, vividas por este em determinado grupo, pois durante a construção do
ritual, dá-se ao morto uma nova identidade (ancestral a ser relembrado e venerado ou ainda
presente entre os vivos de alguma maneira), e os materiais arqueológicos destas representações
são espelhos de diferentes relações sociais, sejam elas realizadas em vida, em morte ou
referente às relações com ancestrais (BARRETO, 2008; PEARSON, 1999).

1.2. Estudos Arqueológicos na Região do São Francisco

Desde a chegada dos europeus na região Nordeste, notou-se uma grande diversidade
de povos indígenas além dos Tupi que dominavam o litoral, porém os “Tapuias” (designação
para não-Tupi) não receberam a mesma atenção por serem andantes, possuírem uma
diversidade de línguas, e pelo fato destas se mostrarem muito difíceis para aprender e/ou
compreender (DANTAS et al, 1992). Pesquisadores acreditam que estes povos que ocupavam
o sertão teriam sido expulsos do litoral pelos Tupi e posteriormente limitados a Oeste por
populações do tronco linguístico Jê (MÉTRAUX, 1927 apud DANTAS et al, 1992).

Como já mencionado, as primeiras pesquisas realizadas na região Nordeste –


sobretudo sobre populações ceramistas – foram resultantes de salvamentos superficiais
4
divulgadas em revistas e jornais com interpretações que eram, na maioria das vezes, “fictícias”
(OLIVEIRA, 2001:11). Muitas coleções cerâmicas da região acabaram em coleções
particulares ou em museus sem informações sobre o contexto e proveniência (OLIVEIRA,
2001). Porém, as pesquisas serviram para identificação da localização de diversos sítios,
alavancando a realização de pesquisas arqueológicas posteriormente (ibidem).

No que se refere ao rio São Francisco, como já dito, a maioria dos dados arqueológicos
são provenientes dos salvamentos arqueológicos realizados para as construções das usinas
hidrelétricas de Sobradinho em 1970; Itaparica em1980, cujo as pesquisas resultaram no
estabelecimento e estudo da chamada Tradição (lítica) Itaparica; e, mais recentemente, de
Xingó na década de 1990 (LUNA, 2006). Estudos anteriores ao salvamento arqueológico da
década de 1980 foram realizados na Grupa do Padre, localizada em Itaparica na década de 1930
por Carlos Estevão e novamente em 1960 por Calderón, que, por sua vez, também estudou
diversos sítios cerâmicos no litoral, na região da mata e na região semiárida da Bahia e
Pernambuco que resultaram no estabelecimento da tradição Aratu, identificada em 24 sítios do
litoral Baiano, em Sergipe e Pernambuco (LUNA, 2006).

O salvamento que resultou no mapeamento e escavação do sítio Justino, dentre tantos


outros, teve início na localização de quatro sítios rupestres por pesquisadores do Departamento
de Sociologia e Psicologia da Universidade Federal de Sergipe (VERGNE, 2004). Esses quatro
sítios posteriormente ajudaram a reforçar a importância do salvamento arqueológico na área a
ser construída a usina da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF).

Em 1988 foi criado o PAX (Projeto Arqueológico de Xingó) a partir de um convênio


da CHESF com a Universidade Federal de Sergipe no objetivo “de resgatar os achados
arqueológicos encontrados na área que seria diretamente afetada pela construção da citada
hidrelétrica” (VERGNE, 2004:12). Esse grande projeto foi dividido em duas partes: a primeira
etapa, entre 1988 e 1994, consistiria no levantamento, cadastramento, sondagem e escavação
dos sítios identificados com o auxílio das Universidades Federais de Alagoas, Pernambuco e
Bahia; e a segunda etapa, entre 1995 e 2000, já com o convênio com a PETROBRÁS, consistiria
nas análises do material resgatado e continuidade das pesquisas (LUNA, 2006; VERGNE,
2004).

Dos 41 assentamentos pré-coloniais a céu aberto e 15 sítios de registros rupestres


encontrados na região, o sítio Justino com datação de 8950±70 AP se destaca pela antiguidade
e continuidade de ocupação (LUNA, 2006; VERGNE, 2004). Pesquisas neste e em outros sítios
5
resultaram em novas perspectivas para as ocupações da área semiárida do Nordeste, como dados
obtidos a partir da década de 1980 que mostram que grandes aldeias vinculadas à tradição
Tupiguarani encontradas na região semiárida, teriam sido fixadas num período anterior à
colonização (ibidem).

Como resultado desse grande salvamento, um dos trabalhos publicados foi de Carvalho
(2007), que apresentou sua tese de doutorado com os estudos realizados nos sepultamentos do
sítio Justino, bem como do sítio São José II, outra necrópole localizada na mesma região, para
compreender os aspectos das populações que ocuparam o local, utilizando métodos da
bioarqueologia – para determinação de sexo e idade, bem como identificação de patologias e
anomalias nos esqueletos – estudos tafonômicos e análise do mobiliário funerário.

1.3. O Sítio Justino

O Sítio Justino foi encontrado em 1990 pela equipe do PAX (Projeto Arqueológico de
Xingó) num terraço localizado na confluência de um riacho com o rio São Francisco, situado
na fazenda Cabeça de Nego, no município de Canindé de São Francisco, Sergipe (VERGNE,
2004) como mostra a figura 1. Entre os anos 1991 e 1994, o sítio foi escavado em sua totalidade.
As escavações chegaram a 6,40 metros de ocupações ininterruptas, até o embasamento rochoso,
sendo o sítio arqueológico com maior intervenção na área de Xingó (DANTAS & LIMA, 2014;
FAGUNDES, 2010; LUNA, 2006; VERGNE, 2004). Importante informar que atualmente,
devido à construção da barragem, o sítio Justino – como tantos outros – se encontra submerso.

Dentre os inúmeros vestígios encontrados nas escavações do Justino, foram resgatados


185 esqueletos em 167 sepultamentos separados em quatro cemitérios (identificados como A,
B, C e D) datados entre 8950 ± 70 AP (cemitério D) e 1280 ± 45 (cemitério A), associados com
material cerâmico – referente às ocupações ceramistas localizadas nos três primeiros metros –
além de material lítico, faunístico, entre outros (FAGUNDES, 2010; LUNA, 2006; VERGNE,
2004).

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Figura 1 Localização da área de Xingó com ênfase no sítio Justino (OLIVEIRA, 2017)

O conjunto de sepultamentos mais antigo, o cemitério D, está localizado entre as


decapagens 52 e 43, foi datado em 8950 ± 70 AP através de uma fogueira localizada na
decapagem 40 e possui cinco sepultamentos e duas concentrações de ossos (VERGNE, 2004,
2005). Ainda segundo a autora, esse conjunto estaria relacionado a um grupo – ou a grupos –
de caçadores-coletores, onde havia maior igualdade social, aparente nos acompanhamentos
funerários (caracterizados por material lítico) similares entre os sepultamentos, exceto ao fato
do sepultamento com enxoval funerário mais elaborado é pertencente à um indivíduo feminino.
Por se tratar de uma cultura não-ceramista, este conjunto não será abordado nas discussões do
presente trabalho. Entretanto em concomitância com esta pesquisa o discente Lucas Oliveira
está estudando todos os cemitérios do Justino, com vistas a compreender possíveis diferenças
no ritual funerário dispendidas em relação ao sexo e gênero dos indivíduos.

O conjunto seguinte é referente ao cemitério C, com datações entre 5570 ± 70 e 4790


± 80 AP, localizado entre as decapagens 28 e 15, ocupando quase toda a área do sítio com 37
enterramentos pertencentes (VERGNE, 2005). Segundo a autora, o cemitério corresponde a um
período de transição entre populações pré-ceramistas e ceramistas. Em relação à cerâmica
associada aos sepultamentos, foram encontrados fragmentos (divididos em bordas, bojos e
bases) alisados ou decorados em todos os sepultamentos, com exceção dos sepultamentos 162
e 135. Este último possuía em seu enxoval vários artefatos líticos chamados por Vergne de
“elementos diferenciadores”, como: batedores, mãos-de-pilão, choppers, raspadores, chopping
tools, entre outros (VERGNE, 2004). Neste conjunto, apenas os sepultamentos 149 e 127

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possuem vasilhames completos, sendo o primeiro de um indivíduo feminino com idade superior
a 35 anos e o segundo pertencente a um sepultamento duplo (VERGNE, 2004, 2005). Ambos
serão abordados posteriormente no decorrer deste trabalho.

O cemitério B possui 70 enterramentos distribuídos entre as decapagens 15 e 9, sendo


o maior conjunto dos quatro encontrados no sítio, com datação entre 3270 ± 135 a 2650 ± 150
AP (VERGNE, 2004). De acordo com a autora neste conjunto aparecem os enterramentos em
urnas, sendo dois infantis (164 e 165) e um adulto (167), porém Dantas e Lima (2014), em
análises das vasilhas cerâmicas, revelam um outro vasilhame também utilizado como urna
associado ao esqueleto 166, um indivíduo com idade superior a 35 anos de sexo indeterminado.
Além disso, quase todos os sepultamentos possuem cerâmicas fragmentadas, sendo elas
majoritariamente decoradas.

Ainda sobre o cemitério B, um dos sepultamentos, o de número 116, indivíduo


feminino com idade entre 18 e 19 anos encontrado na camada 13, destacou-se devido seu rico
enxoval funerário, possuindo uma grande vasilha cerâmica que cobre quase todo o esqueleto, a
única ponta de projétil encontrada nas escavações, um tembetá em amazonita (geralmente
associado aos sepultamentos masculinos), braceletes e tornozeleiras (VERGNE, 2004). Muitos
sepultamentos possuem enxovais com grande quantidade e diversidade de cultura material,
porém esse sepultamento se destaca por ter sido identificado como feminino e, portanto, estar
dentro de um grupo social que geralmente não possui grande diversidade e elementos
diferenciadores como e.g. indivíduos masculinos e indivíduos com idade superior a 35 anos.

O conjunto de sepultamentos mais recente corresponde ao cemitério A, que está


localizado entre as decapagens 8 e 4, é datado entre 2530 ± 70 e 1280 ± 45 AP e possui 40
sepultamentos (VERGNE, 2004). Neste cemitério há uma divisão, quase equitativa, entre
sepultamentos que possuem e os que não possuem cerâmica. Dos 21 sepultamentos que
possuem vasilhas cerâmicas, apenas 5 possuem vasilhames completos, sendo o restante
caracterizados por fragmentos. Outra diferenciação neste conjunto é o aparecimento de
sepultamentos com dois vasilhames: um sobre o crânio e outro na região do abdômen
(sepultamentos 31, 33 e 34), sendo dois destes pertencentes a indivíduos masculinos. Além
disso, outras características do cemitério A é que nesse conjunto há, aparentemente, uma maior
diferenciação social nos enterramentos. Este também possui um maior número de
enterramentos secundários, os quais possuem, juntamente com sepultamentos conjuntos

8
(sepultamentos com mais de um indivíduo enterrado), um mobiliário funerário mais simples e
pouco diversificado (VERGNE, 2004).

Sobre as características dos cemitérios escavados no sítio Justino, Vergne (2004)


conclui que, de acordo com observações dos mobiliários funerários encontrados nos
sepultamentos, nota-se que no cemitério D havia pouca ou nenhuma diferença entre os enxovais
preparados para os mortos e que, com o passar do tempo e, segundo a autora, com a inserção
de uma cultura ceramista, percebe-se evidência de uma maior diferenciação social, notado a
partir do cemitério C, onde só foi observado maior importância com os acompanhamentos
funerários de indivíduos com idade superior a 35 anos, sem distinção de sexo, exceto a
ocorrência de lâminas de machado polidas, atribuídas ao sexo masculino (VERGNE,
2004:148).

A partir do cemitério B, passa a haver também uma diferenciação entre sexo, sendo os
sepultamentos masculinos os possuidores de um mobiliário funerário mais rico do que os
sepultamentos femininos, mesmo entre indivíduos de mesma faixa etária, até entre indivíduos
com idade superior a 35 anos (VERGNE, 2004). Diferentemente do conjunto B, o cemitério A
apresenta uma diferenciação social mais relacionada à faixa etária dos indivíduos. Os
sepultamentos infantis apresentam enxovais muito simples quando comparados com os dos
adultos, que por sua vez, mesmo possuindo maior requinte e os chamados “elementos
diferenciadores”, possuem enxovais menos elaborados do que àqueles pertencentes a
indivíduos com mais de 35 anos (ibidem). Uma característica comum a todos os cemitérios é
que os sepultamentos conjuntos e os enterramentos secundários possuem mobiliário funerário
mais simples que os demais (VERGNE, 2004).

As questões de diferenciação presentes – ou não – nos cemitérios do Justino


observadas anteriormente resultaram em uma pesquisa de nova abordagem da Arqueologia de
Gênero feita por Oliveira (2017) que busca, através dos artefatos em associação com os
sepultamentos, a compreensão de gênero das populações que utilizaram o terraço por milênios
e, além disso, a tentativa de identificação de gêneros não-binários presentes no contexto
estudado.

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2. METODOLOGIA

Para a realização deste trabalho, foi necessária primeiramente a compreensão dos


estudos realizados pela Arqueologia Funerária, bem como a contextualização do sítio Justino
dentro das pesquisas realizadas na região de Xingó. Para tanto, busquei através da revisão
bibliográfica, a inserção sobre os estudos arqueológicos na região Nordeste e sobre as pesquisas
provenientes do sítio Justino, sobretudo referentes aos sepultamentos e seus acompanhamentos
funerários. Durante a leitura das características de cada sepultamento, principalmente àqueles
provenientes dos cemitérios A, B e C, os quais possuem contextos de vasilhames cerâmicos
acompanhando os sepultamentos, elaborei uma tabela, para melhor organização, dos dados que
podem permitir identificar os enterramentos que foram depositados com vasilhas cerâmicas
completas, alvos iniciais do presente trabalho, e de separá-los entre o tipo de enterramento, o
grupo referente a idade e sexo que os indivíduos pertenciam e o local de deposição do
vasilhame.

Em primeira instância, de acordo com discussões com minha orientadora, os


vasilhames completos identificados nos sepultamentos foram separados entre os que foram
utilizados como urna, os que foram depositados sobre o crânio e abdômen dos indivíduos, e
outros tipos, como os que foram colocados sobre quase todo o corpo, e aqueles que foram
encontrados ao lado dos esqueletos. Acreditamos que essas informações, somadas com outras,
podem viabilizar melhor compreensão dos rituais funerários realizados no sítio Justino.

Antes de iniciar o levantamento bibliográfico, tive contato com a documentação


primária do sítio localizada no Museu Arqueológico de Xingó (MAX), além de visitar a
exposição do museu. Além disso, trabalhei com os discentes Victhor Silva e Lucas Oliveira,
que também estudam os contextos funerários do sítio Justino, numa etapa de escavação dos
sepultamentos que trouxe maior aproximação e perspectiva do objeto do presente trabalho.

Para a continuidade da pesquisa, pretendo também analisar as características dos


vasilhames, bem como suas marcas de uso, técnica de manufatura e acabamento, para a
tentativa de associação destes e suas deposições com idade e/ou sexo dos indivíduos em que
são decorrentes, bem como a utilização de outros dados dos sepultamentos – como a posição
do esqueleto – para melhor interpretação dos contextos funerários e os rituais que foram
realizados anteriormente à deposição dos mortos.

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3. RESULTADOS PRELIMINARES E DISCUSSÃO

Através da revisão bibliográfica, percebi a dificuldade de acesso aos dados primários


do sítio Justino. Além de ser um sítio complexo, há uma grande problemática referente aos
dados publicados, sobretudo nas discrepâncias presentes em uma das principais obras referente
ao sítio, na qual os dados de quantidade de sepultamento em cada cemitério, suas identificações
e seus acompanhamentos funerários se divergem no decorrer do texto. Luna (2006) também
chama a atenção para a ausência de metodologias aplicadas nas práticas de campo que poderiam
ter otimizado, melhorado e assegurado as análises e os resultados obtidos nas pesquisas, porém
como o PAX foi essencialmente um trabalho de salvamento em que prazos foram diminutos
compreende-se os problemas para a equipe de campo. Há também dificuldades importantes no
que diz respeito à falta de acesso à totalidade da documentação e registros das prospecções e
escavações e incompletude dos mesmos. Por conta dessa situação, foi necessária uma redobrada
atenção e organização no que diz respeito a compilação dos dados, e reconfirmação destes em
anexos e croquis acondicionados na sessão de documentação do Museu de Arqueologia de
Xingó (MAX) para maior segurança em tratar do objetivo da pesquisa. 1

Uma das etapas deste trabalho, consistiu na separação da deposição dos vasilhames
cerâmicos completos nos sepultamentos. Primeiramente levamos em conta apenas suas
localizações em relação aos esqueletos, porém procuramos também levar em consideração
algumas características dessas vasilhas, como dimensões e acabamentos. As diferentes
deposições dos vasilhames serão abordadas a seguir, para que posteriormente possamos discutir
e interpretar os dados obtidos.

3.1. As Urnas do Sítio Justino

Quatro vasilhames cerâmicos foram utilizados como urnas funerárias para a deposição
individual de indivíduos no cemitério B: os esqueletos de números 164 e 165 de indivíduos
infantis, o esqueleto 166 de um indivíduo com mais de 35 anos de sexo indeterminado e o

1
Esse trabalho foi realizado em conjunto com outros discentes da graduação e pós-graduação que fazem parte
dos projetos de pesquisa dos profs. do DARQ Daniela Klökler e Fernando Almeida.
11
esqueleto 167 pertencente a um indivíduo adulto de sexo indeterminado (DANTAS & LIMA,
2014; VERGNE, 2004).

A primeira urna, referente ao sepultamento 164 foi confeccionada com a técnica de


acordelamento, possui uma forma semiesférica, “de contorno simples, borda direta e lábio
arredondado, base côncava, porém ligeiramente aplainada” (DANTAS & LIMA, 2014:101).
Mesmo para um enterramento infantil, se trata de um vasilhame grande, com 25 centímetros de
altura e diâmetro da boca de 41 centímetros. Seu acabamento é alisado e as marcas de uso
sugerem que a vasilha fora utilizada apenas duas vezes para o cozimento de alimentos em sua
capacidade média e máxima, sendo colocada diretamente ao fogo (ibidem).

A segunda urna encontrada no Justino, também referente a um enterramento infantil


está associada ao esqueleto 165 (VERGNE, 2004). As análises de Dantas e Lima (2014)
mostraram que esse vasilhame também fora confeccionado com a técnica de acordelamento,
possuindo um acabamento alisado e sem decorações e, a partir das marcas de uso, foi possível
saber que a vasilha foi utilizada bem próxima à fonte de calor para cozer alimentos uma vez,
quase em sua capacidade máxima, antes de ser utilizada como urna funerária. Assim como a
anterior, possui grandes dimensões, com 20 centímetros de altura e 29,5 centímetros de
diâmetro da boca (ibidem).

A terceira vasilha cerâmica utilizada como urna está relacionada a um indivíduo com
mais de 35 anos, o esqueleto 166 (VERGNE, 2004). O esqueleto encontra-se incompleto e
parcialmente articulado envolto em sedimento argiloso, dentro de um vasilhame semiesférico,
de contorno simples e de superfície alisada (DANTAS & LIMA, 2014:78). Essa, difere um
pouco das urnas associadas aos enterramentos infantis, pois possui altura um pouco menor -
com 13 centímetros – e 31 centímetros de diâmetro da boca, mas também sugere ter sido
utilizada para a cocção de alimentos com contato muito próximo do fogo (ibidem).

A última urna é referente ao sepultamento 167, um jovem adulto de sexo


indeterminado (VERGNE, 2004). Se trata de uma peça com técnica de confecção acordelada,
com tratamento de superfície alisado e sem decorações, possuindo 16 centímetros de altura e
38 centímetros de diâmetro da boca (DANTAS & LIMA, 2014). Suas marcas indicam que o
vasilhame foi usado uma vez para o cozimento de alimentos, porém não foi depositado
diretamente à fonte de calor como as outras urnas. O interior da vasilha se encontra preenchido
por sedimento argiloso, o qual envolve parte dos membros inferiores do indivíduo (ibidem).

12
Através de correlações dos dados obtidos por Dantas e Lima (2014), podemos inferir
que os vasilhames utilizados como urna funerária no cemitério B eram compostos por
características muito parecidas, sendo todos confeccionados com a mesma técnica, possuindo
mesma forma – com divergências apenas nas bordas e nos lábios, mesmo antiplástico (quartzo
e presença de mica) e tratamentos de superfície. Outrossim, todas as vasilhas foram utilizadas
para cozimento de alimentos, com contato intenso ou não à fonte de calor, no máximo duas
vezes antes de receberem os indivíduos a serem depositados nas covas.

3.2. Na Mente e no Ventre

O cemitério A possui três esqueletos que chamam a atenção em relação à organização


do mobiliário funerário, sobretudo no posicionamento dos vasilhames cerâmicos sobre estes:
um recipiente cobrindo o crânio e outro na região abdominal. O esqueleto de número 31, um
adulto de sexo indeterminado que, além dos vasilhames completos, também leva consigo alguns
fragmentos cerâmicos (alisados), duas lascas brutas em sílex e quartzo, e um raspador em
quartzo (VERGNE, 2004). Os esqueletos de número 33 e 34, ambos masculinos de idade
superior a 35 anos e, como os outros sepultamentos desse grupo social, possuem um enxoval
funerário abundante com elementos diferenciadores de material lítico e fragmentos cerâmicos,
sobretudo o esqueleto 34, que possui o mobiliário funerário com maior quantidade e diversidade
de acompanhamentos em todo o cemitério (ibidem).

Os vasilhames encontrados sobre o esqueleto 31 são relativamente pequenos se


comparado aos demais, principalmente o depositado sobre o abdômen. Este possui, segundo
Dantas e Lima (2014) uma altura de 13 centímetros e diâmetro da boca de 33 centímetros, foi
confeccionado com a técnica de acordelamento, possui a superfície apenas alisada, antiplástico
de quartzo com presença de mica na pasta e suas marcas de uso sugerem que o vasilhame foi
utilizado uma vez para preparo de alimentos com contato direto com a fonte de calor. A vasilha
encontrada sobre o crânio do indivíduo possui as mesmas características que a primeira, exceto
por suas dimensões (11 centímetros de altura e 32 centímetros de diâmetro) e pelo fato de haver
uma marca de adelgaçamento na base que corresponde a um segundo momento, onde houve
contato com o fogo (ibidem).

13
As vasilhas cerâmicas presentes no sepultamento do esqueleto 33 são ambas feitas com
a técnica do acordelamento, seus antiplásticos são de quartzo e mica, e possuem sua superfície
alisada e sem decorações (DANTAS & LIMA, 2014). O vasilhame pequeno (colocado sobre o
crânio, com 10 centímetros de altura e 31 centímetros de diâmetro) possui marcas de preparo
de alimentos em sua capacidade máxima, com contato direto com a fonte de calor, já a vasilha
maior (com 22 centímetros de altura e 38,5 centímetros de diâmetro da boca), além dessas
características, possui uma crosta de possíveis restos alimentares carbonizados em seu interior,
uma marca interna que indica que o vasilhame tenha sido utilizado para preparo ou
armazenamento de alimento ou bebida com a vasilha inclinada, e ainda há uma fratura em U na
borda que sugere ter sido feita intencionalmente (ibidem).

Por último, há as vasilhas cerâmicas referentes ao esqueleto 34. O vasilhame cerâmico


colocado sobre seu abdômen é maior que os citados anteriormente, possuindo 24 centímetros
de altura e 40 centímetros de diâmetro da boca (DANTAS & LIMA, 2014). Com exceção do
destaque referente às suas dimensões, o vasilhame maior, assim como o colocado sobre o crânio
do indivíduo, possui as mesmas características de confecção, acabamento e uso que os demais
já mencionados, sendo utilizado duas vezes, em sua capacidade média e máxima (ibidem). O
vasilhame menor, com 15 centímetros de altura e 26 centímetros de diâmetro, possui uma marca
em sua base feita com o intuito de adelgaçar a base da panela, semelhante ao encontrado no
vasilhame associado ao esqueleto 119 (DANTAS & LIMA, 2014:53).

A partir de todos esses dados, podemos inferir que, além das características
semelhantes das vasilhas, há a similaridade de perfil dos indivíduos em que foram encontradas.
Dois dos três enterramentos com essas características pertenciam a indivíduos masculinos com
idade superior a 35 anos, já o terceiro é adulto, porém seu sexo não pode ser determinado. Além
da possível relação com o sexo masculino, o que precisaria de uma confirmação a partir da
diagnose do sexo deste último, ainda não temos elementos suficientes a esta altura da pesquisa
para inferirmos quais outras características estão vinculadas a esse tipo de deposição.

3.3. Outros Vasilhames Inteiros

Os vasilhames cerâmicos que fazem parte do mobiliário funerário dos sepultamentos


do sítio Justino que não se encaixam nos contextos citados anteriormente, corresponde àqueles
14
que foram depositados, por exemplo, ao lado ou sobre o esqueleto. Esses somam 20 vasilhames
associados a 17 sepultamentos, presentes nos cemitérios A, B - em maior número – e C.

No cemitério A, segundo Vergne (2004), 2 sepultamentos estão associados a vasilhas


cerâmicas em seu enxoval funerário: o sepultamento 89, um indivíduo infantil acompanhado
de dois vasilhames, e o sepultamento 138, um enterramento secundário de um indivíduo de
sexo indeterminado associado a um recipiente. Porém, as vasilhas referentes ao sepultamento
89 não estão presentes nas análises de Dantas e Lima (2014).

O vasilhame associado ao esqueleto 138 possui as mesmas características de


confecção, acabamento e uso que os já mencionados anteriormente, tendo como característica
singular seu tamanho (22 centímetros de altura e 34,5 de diâmetro), já a vasilha de número
18.797, associada ao sepultamento 50, possui um diferencial: seu formato piriforme, com 31
centímetros de altura e 19 centímetros de diâmetro da boca, tendo sido utilizado para preparo
de alimento em contato com o fogo duas vezes (em sua capacidade média e máxima) e de
mesmas características de manufatura que as demais (DANTAS & LIMA, 2016). O esqueleto
com o qual a vasilha está associada pertence a um indivíduo de sexo feminino com idade
superior a 35 anos, que possui um enxoval funerário rico, com elementos diferenciadores em
material lítico e cerâmicas fragmentadas (VERGNE, 2004).

O cemitério B possui um número bem maior de sepultamentos associados a vasilhames


cerâmicos, totalizando 15 vasilhames referentes a 12 esqueletos, presentes em quase todas as
características de sexo e idade (estão presentes apenas nos sepultamentos masculinos de
indivíduos com idade superior a 35 anos, porém é importante lembra que alguns sepultamentos
dessa faixa etária não puderam ter seu sexo determinado). Um fato curioso é que nesse conjunto
há um sepultamento duplo em que há a presença de um vasilhame completo, porém geralmente
estes possuem poucos acompanhamentos (VERGNE, 2004). 2

Todos os vasilhames completos presentes no cemitério B, assim como nos demais


cemitérios, possuem características semelhantes já descritas de técnica de manufatura
(acordelado), acabamentos (majoritariamente alisados) e utilização (marcas de uso escassas),
com exceção à um dos vasilhames associados ao sepultamento 132, que possui marcas de uso
intensas, semelhantes às vasilhas de uso diário. Percebe-se, no entanto, variados tamanhos e

2
Vergne infere como sepultamentos de poucos acompanhamentos os que possuem menor diversidade e
quantidade de material, além daqueles que não possuem em seu mobiliário os considerados elementos
diferenciadores mencionados anteriormente.
15
pouca diversidade em formas (basicamente representadas por vasilhames semiesféricos, meia-
calota e globulares, apresentadas na figura 2) (DANTAS & LIMA, 2014). Porém alguns dos
vasilhames apresentam particularidades, como o pequeno vaso que está associado ao
sepultamento 131, de um indivíduo masculino, que possui forma globular e bordas
extrovertidas, possuindo 13 centímetros de altura e 15 centímetros de diâmetro (DANTAS &
LIMA, 2014). Outras particularidades são referentes ao vasilhame associado ao esqueleto 137,
indivíduo de sexo masculino, que possui dois apêndices para preensão em suas laterais, e a um
dos vasilhames relacionados ao esqueleto 119, indivíduo masculino com idade superior a 35
anos, que apresenta dois orifícios circulares para amarração em cada lado de uma rachadura
presente desde a base até sua borda, em uma tentativa de reutilização (DANTAS & LIMA,
2014; VERGNE, 2004).

Figura 2 Vasilhame nº 138 de formato semiesférico, forma recorrente entre os


vasilhames. Foto de Eduardo Santiago (2005) (DANTAS & LIMA, 2014).

Se continuarmos a pensar em vasilhames “diferenciados”, poderíamos adicionar o


vasilhame associado ao esqueleto 116, um indivíduo de sexo feminino com idade estimada
entre 18 e 19 anos. Um grande vasilhame cerâmico de 22,5 centímetros de altura e 43
centímetros de diâmetro depositado sobre quase todo o seu corpo (DANTAS & LIMA, 2014;
VERGNE, 2004). O sepultamento se destaca por seus acompanhamentos, que incluem vários
elementos diferenciadores em material lítico, um tembetá em amazonita3, fragmentos

3
Segundo Vergne (2004), foram encontrados em todo o sítio 6 tembetás em amazonita. No cemitério D, onde
2 foram encontrados, estes estavam associados a sepultamentos femininos (160 e 161). Os outros 4 foram
encontrados no cemitério B, associados a um sepultamento de idade e sexo não determinados (142), dois
sepultamentos de indivíduos masculinos (109 e 131) e ao sepultamento 116.
16
cerâmicos decorados, um colar de material ósseo, braceletes, tornozeleiras, a única ponta de
projétil encontrada em associação aos esqueletos em todo o sítio e um vasilhame cerâmico de
22,5 centímetros de altura e 43 centímetros de diâmetro sobre seu corpo (DANTAS & LIMA,
2014; VERGNE, 2004).

O cemitério C possui três sepultamentos (122, 127 e 149) com vasilhames cerâmicos
completos constatados por Vergne (2004), porém Dantas e Lima (2014) em suas análises,
descreveram e analisaram os vasilhames referentes aos sepultamentos 122, 127 e 147, este
último não sendo descrito com vasilha completa pela autora anteriormente citada.

O sepultamento 122 é composto por um indivíduo adulto do sexo masculino que


apresentou sinais de infecção óssea, e uma criança de até 5 anos de idade, ambos acompanhados
de um rico mobiliário funerário, no qual se encontra dois vasilhames cerâmicos, sendo um
descrito por Dantas e Lima como um vasilhame em meia-calota com 8 centímetros de altura e
19 centímetros de diâmetro (2014:106). O sepultamento 127 é composto por um indivíduo
masculino com idade entre 26 e 32 anos e outro indivíduo com sexo e idade indeterminados
(VERGNE, 2004:146). A vasilha associada a esse enterramento é de formato ovoide, constrito
e com dimensões de 29 centímetros (altura) e 9,5 centímetros (diâmetro da boca) (DANTAS &
LIMA, 2014: 104).

O sepultamento 147 é referente a uma criança com idade estimada entre 7 e 8 anos que
possui como acompanhamento funerário inúmeros artefatos considerados diferenciadores, além
de um vasilhame completo, chamando a atenção por estarem presentes em um enterramento
infantil, que geralmente são caracterizados por não possuírem muita diversidade de material no
sítio Justino (VERGNE, 2004). A vasilha cerâmica associada a este esqueleto possui 8
centímetros de altura e 19 centímetros de diâmetro, e possui em seu interior fragmentos de ossos
longos de ave e pontos de tinta verde no bojo (DANTAS & LIMA, 2014). Suas características
de produção é a mesma que as outras já mencionadas e, assim como tais, fora utilizada para
preparo de alimento com contato direto com a fonte de calor em sua capacidade máxima
(ibidem).

A partir dos dados analisados, Dantas e Lima (2014) concluíram que – com exceção
de uma – as vasilhas cerâmicas foram levadas ao fogo para preparar alimentos para um número
considerável de pessoas, haja vista suas dimensões e marcas que indicaram seus usos em
capacidade média e máxima. Este preparo provavelmente estaria ligado diretamente ao ritual
funerário, devido ao pouco uso dos recipientes indicado pelas escassas marcas de uso. Nos resta
17
saber, com base nestas informações se os vasilhames depositados juntos aos indivíduos foram
confeccionados especificamente para tal ocasião ou foram reaproveitados para adquirirem tal
função.

Com base nos dados processados até o momento, acreditamos que, além dos outros
artefatos presentes nos mobiliários funerários, as vasilhas presentes nos sepultamentos do sítio
Justino podem nos trazer informações sobre os indivíduos com elas enterrados. Vergne (2004),
não relaciona elementos de diferenciação no material cerâmico na maioria das vezes, porém
consideramos que em alguns casos essa distinção não estaria relacionada apenas com seu modo
de confecção, acabamento e/ou decoração, mas poderia estar associada à maneira como foram
posicionadas juntamente aos indivíduos, como os casos das urnas e das vasilhas depositadas
sobre o crânio e abdômen. Em relação às vasilhas que fogem ao “padrão” de forma e uso (e.g.
vasilhame associado ao sepultamento 50 de formato piriforme, vasilhame associado ao
sepultamento 132 que possui marcas de uso intensas), assim como Dantas e Lima (2014),
acreditamos que estas podem estar associadas a diferentes grupos, poderiam corresponder a
produtos adquiridos por trocas, inserção de oleiras de outros grupos e/ou mudanças incorporadas ao
longo do tempo por um mesmo grupo.

Terminada a primeira fase de produção da pesquisa, pretendemos continuar obtendo mais


informações sobre os contextos funerários do sítio a partir da documentação primária disponível e
continuidade no levantamento bibliográfico. Tentaremos também incluir recipientes fragmentados
que possam ser remontados, para que assim possamos correlacionar os dados adquiridos e, com uma
visão mais próxima da totalidade dos artefatos cerâmicos depositados como oferendas, continuar na
tentativa de compreender os rituais funerários utilizados pelas populações que fizeram uso do sítio
Justino.

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