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LITANIA DA VELHA

(trecho)

O tempo consome o silêncio e mastiga vagaroso a feroz injustiça.


O campo se perde embebido em jenipapos para a manhã sufocada.
Os bois da infância ruminam sua paciência e espreitam essa audácia.
— O tempo dói na ferida aberta da recordação.
A velha cata os pertences no quarto que exibe a sua miséria.
A sacola esconde improvisos da vida e ganhos equivocados.
A rua se reserva precária aos passos vacilantes, entre lembranças.
A pobre mulher sai maltrapilha, sem pressa, carregando brio e saudade.

O QUINTAL
O quintal era tudo o que estava fora da casa:
espaço superlativo onde a vida acontecia.
Árvores eram sacudidas ao vento e o pássaro
expandia sua asa para coçar, com bico adunco,
as próprias penas, tecendo a agonia
que lhe estancara o voo, ao tronco do cajueiro.
Depois voou e pousou certeiro na minha mão
trazendo-me artilharias que acatei sem postergar.
Não havia muro de pedra em torno desse quintal,
o que havia era uma cerca com pés de mandacarus
presos uns aos outros, espinhos e beleza juntos
como idealização de proteção ao quintal da casa
que se desfez para a vivência do meu ser liberto.
Ganhei fôlego, asas e penas daquele pássaro,

moldei-os em mim e voei pelo quintal, e além.

Convicção

Aqui, onde uma mulher se curva


e se inventa,
é onde de uma dor imensa e turva
e alimenta.
Aqui, quando tonta e avulsa
se procura,
é onde viva a luta lenta pulsa
e transfigura.
Aqui, onde o que é e será retorna
ao berço,
é onde busca âncora, estrela, bigorna
e terço.
RUA DOS AFOGADOS

Rua de verdade e de sobrado onde um sol lhe cai em vertical onde um herói
quer-se afogado libertando sua ilha natural.
Rua que recolhe o moribundo sacrifício de quem por ser mortal mergulha e
eleva-se num mundo de mariscos, de algas e de sal, Rua que sobre rumo ao
porto desta ilha que se quer liberta rua que transformava o morto silêncio da
cidade — ó rua
de indormidas noites e aberta para o poeta descer a sua lua.

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