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Itabirismo

By VILADEUTOPIA 28 de fevereiro de 2021

Por Cornélio Penna


Para muita gente a capital do Brasil é o Rio de Janeiro, ou São Paulo.

Para mim, a nossa metrópole, de onde tudo devia irradiar (e há de chegar esse dia), de onde
tudo lhe partir, é Itabira do Matto Dentro, com a sua prodigiosa cristalização da alma brasileira,
de consciência e de seu princípio essencial.

Sei que ela está ameaçada de destruição, mas, como a cidade divina, ela se erguerá acima da
terra, e, pairando em nosso espirito, nos guiará e esclarecerá, conduzindo os discutidores e
carregando os verdadeiros míticos, seus filhos
prediletos.

Quem melhor do que ela poderá ensinar a arte


complexa de ser infeliz, a alegre ciência da
renúncia e da humanidade?

Subindo ao alto do Pico de Itabira, a montanha de


ferro, a riqueza cobiçada pelo mundo, e
contemplando-se a cidade que corre lá em baixo,
como uma serpente entre as pedras negras,
compreende-se que é uma riqueza maior, que
ninguém cobiça, mas é o verdadeiro tesouro do
Brasil.

Compreende-se que daquele silêncio pobre,


daquela vida extremada, daquela alucinação de
ausência e obsessão de nada, deve sair um
espirito coletivo novo, de tal fortaleza e
austeridade que empolgará a nossa gente,
sempre a procura de sua própria alma, e que não
a achou porque está voltada para o mar,
esquecida de seu velho patrimônio de pobreza
taciturna, sadia e indestrutível, sempre a espera
Figura SEQ Figura \* ARABIC 1:Texto originalmente dos transviados, para empolgá-los de novo.

Os homens que vemos caminhar pelas ladeiras longínquas, cabisbaixos, com um sonho
confuso no olhar, aprenderam duramente a viver, souberam dia a dia a têmpera crua da
minuciosa miséria de seu pão e de suas casas, construídas voluntariamente no pior lugar da
pedra áspera, da grota desesperada.

Sobre esse vazio, sobre esse plano absoluto, constroem lares fecundos. Seus filhos, que
fogem à procura da felicidade, deslumbrados pelo rumor e pelo brilho cá de longe, esquecem
desde logo a lição rude que receberam e, vencendo, são derrotados por esse mesmo
esquecimento, que deixa em seu lugar uma incompreensível angústia.

Nada mais inquietante do que sondar o último desses vitoriosos.

Há qualquer coisa que os faz parar em pleno surto, com o coração oprimido, confuso,
humilhado, tateando medrosamente em torno de si, completamente fora de seu eixo.
É o sagrado ritmo de Itabira que, uma vez partido, inutiliza e inutilizará sempre os seus
trânsfugas.

Fonte: A Cigarra Magazine, dezembro de 1958


[Texto e ilustração de Cornélio Penna, em O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 9 de outubro
(aniversário de Itabira) de 1937]

Disponível em: https://viladeutopia.com.br/itabirismo/, acesso em 6 de março de 2023.

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