Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
2024
2
Adultério umbilical
Em verdade vos digo: antes me confundir com cizânia do que servir de trigo
insandecido.
Enigma da compaixão
3
Possa o naturalista me julgar, o calvinista me fugar, o vaticinio contra a barbárie
é o prejuízo de toda razão. Ela não é uma aposta - sequer uma proposta! - para os
dentes que mordem o impedimento.
Pois a razão é aquela vidente das coisas que estão supostas. Dentre todas, a
compaixão. Musa do incomestível, virgem vestal dos Santos anjos! Esta é o grande
enigma do querigma de nossa paixão, a imaculada moça que os brutos sonham
corromper.
Já que a verdadeira mácula se esconde onde a compaixão se enternece…
O fruto permitido
O crime de Adão não foi matar a fome, mas dar vida à gula,
chula irmã da luxúria,
vã partícipe do nada.
Barbarismo e ideia
4
Os antigos bárbaros foram homens que se chocaram com a fronteira limítrofe de seus
entendimentos. Não compreendiam o que estava lá, irrompendo na outra margem. Isto fez
com que as rusgas de sua situação presente se tornassem as sementes de todo futuro
subsequente - pois no embate, se tornaram o outro.
Isto significa que: é típico do bárbaro desconhecer sua situação concreta. Ser bárbaro
significa: não conhecer a sua situação identitária dentro de um contexto específico amplo.
Portanto, o barbarismo pode ser considerado uma questão de consciência, não de etnicidade.
É neste ínterim que o conceito bárbaro deixou de ser uma distinção e passou a ser
um mecanismo independente. Agindo sobre a massa homogênea da consciência
predominante e suspendendo os limites territoriais do justo olhar, o mecanismo
funciona como um vírus ideal que se reproduz na medida em que morre seu hospedeiro.
Trovas e troças
5
passou a ser cômica,
sinal de senelidade.
infinito binômio
de infelicidade.
no candor de um interstício
da inglória afasia.
6
Nossa civilização atual é a somatória de todos os acertos passados e de todos os
erros futuros - um monumento falaz das ruínas a muito desejadas.
Lance um olhar sobre a esperança: antiga lembrança de algo nunca visto. Ela
sobrevive incauta entre as sórdidas aparências de progresso. Sim, o mesmo progresso
que hoje é apenas um assalto do pensamento comum foi, a pouco tempo, um poder de
congregação universal. Sua transformação se deu na medida em que transformaram o
futuro em uma realização presente.
Ninguém mais pressente uma ausência vindoura, mas tão somente, uma presença
enaltecida da vitória sobre o pretérito. Esta convicção nos arrasta à decadência da
esperança, que anda de mãos dadas com a falência do objetivo. Enquanto nos ocupamos
com a vanglória no pináculo das realizações humanas, perdemos o interesse pelo
desígnio máximo de nossas existências: o fim de tudo.