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Àster Cielo de Piedade

“I sung of Chaos and Eternal Night,


Taught by the heav'nly Muse to venture down
The dark descent, and up to reascend...”

Diabolus Ut Vos. 997 d.C


“For the sweet and the dreaming there are no obligations! - none, never!
None at all!”

Meu irmão Lucius e eu crescemos da tenra idade com um falso senso de


auto-importância, acreditando piamente sermos milagres divinos na vida terrena
de nossos pais. Até hoje sou capaz de recordar o brilho comovido na face de minha
mãe, Pheobe, a cada pequena conquista infantil desde caminhar até usar talheres.
Aos seus olhos cada passo, cada aprendizado nosso era um presente… do brilho
vibrante de nossos cabelos até o bizarro amadurecimento das feições do rosto e do
corpo à perfeição geométrica.

Até a falha demoníaca de nossas orelhas deformadas não importava, para eles,
éramos um feito divino; um sonho que tomou forma na barriga dela após inúmeras
preces e sussurros angelicais em noites frias de inverno. O Senhor teria dito “Agora
você conceberá e dará à luz a dois filhos….”
Nossa pequena família viveu em doce letargia, fruindo das plantações e do amor por
muitos anos, nos mantendo longe da guerra que aproximava o rio de Vístula. Nós
vivíamos a oeste, no que hoje se concebe como o Reino da Prússia.

O pesadelo veio apenas no décimo quinto outono, foi o demônio (s. die fee p. feen)
trazendo uma rosa branca em mãos e uma maior diversidade de flores presas no
cabelo de caracóis dourados tão familiares que eu, vergonhosamente,
imediatamente me reconheci nele. Aquela dita fada se declarou um viajante de
nome Sídhe (s. sidh/si-th p. sídhen) e com harpa sob os dedos cantou um conto tão
maldito que nós todos imediatamente soubemos ser verdade.

“What now? You tremble, and look pale.


It is that you already know this is more than mere phantasy! What now?
What think you of it?”

Esta criatura veio à casa de Theophilus Amadeus Von Lahf, oculto sob um manto de
invisibilidade, para espionar e roubar de sua devoção, para fazer de sua fé e
casamento uma piada cruel. Nossa mãe foi violada sem conhecimento sobre sua
própria cama e lençóis, e dentro dela jorraram a semente maldita que gerou o par
de bastardos que ela tão erroneamente amou e alimentou no próprio seio.

Há pouco que eu possa descrever daquela noite sem que bile negra me escorra dos
olhos, embora cada detalhe queime os olhos da memória, como o inimaginável
frequentemente é capaz de fazer. Eu me pergunto, nas piores noites, que tipo de
banquete nós fomos. Permita-me deixar-lhe com o saldo:

Nossa mãe se estilhaçando, a mente em pedaços e o corpo tremendo como as asas


de uma borboleta em uma dança de morte, ela ria e chorava como se o mundo fosse
reduzido em dor.

Amadeo Von Lahf morto com o estômago aberto, faca em mãos.

Lucius gritando por ajuda, na minha frente, e subitamente não mais em lugar algum,
bem na minha frente. Eu tinha seu braço em minha mão e apertava tão forte que
tinha medo de quebrar-

E então nunca mais visto, assim como o Sídhe prometeu, com suas ameaças de
levar um dos filhos “de volta para Arcadia com o verdadeiro pai, por que não?” apesar de todos
os protestos.
Eu sei, profundamente, no fundo de minha alma… Ele levou o melhor de nós. Eu
soube disso no definhar de nossa mãe, na morte de seu sorriso, no rasgo aberto no
estômago do homem que nos criou e na dor dos anos que se seguiram.

Éramos sempre dois. Eu não tinha me criado na ideia de viver em solitude.

Apenas rogo a Deus que meu irmão tenha sido assassinado naquela noite. Que
Lucius tenha morrido jovem, ainda inocente e humano como acreditávamos ser. Eu
rogo que o inferno de Arcadia seja uma mentira e que ele tenha, ao menos,
encontrado o Paraíso junto aos nossos pais.

“Never can true reconcilement grow where wounds of deadly hate have pierced so
deep...”

A sociedade parecia sentir minha mancha. Rapidamente o Reino Teutônico


florescia, mas sem a proteção da mãe e o escudo do nome paterno, que não ousava
usar, fui rejeitado. Por alguns anos, tentei viver longe de todos. Sempre a natureza,
cujas chuvas caem igualmente sobre injustos e justos, terá fendas nas rochas onde
pessoas como eu se escondem, lugares para chorar em silêncio sem ser
perturbado… Paradoxalmente, eu desejava morrer, mas sabia que ainda não podia.

Assim vivi por três ciclos de estação neste estado de vagabundagem miserável,
aventurando-me nas cidades apenas no inverno para implorar alimento aos
caridosos. Eu vestia trapos, andava nas sombras e falava em soluços tímidos…
mesmo assim, havia ainda aqueles que buscavam explorar o meu estado de
desespero, seja pelo meu corpo ou na proposta de serviços ainda mais vis. Alguns
poucos até mesmo pareciam reconhecer em mim o flagelo do sangue fáerico, as
figuras das mais perigosas com as quais cruzei em vida, e com elas aprendi a
esconder minha natureza pecaminosa. Dentro de mim, restava ódio que queimava
mais forte a cada encontro infeliz.

A esta altura ele veio como um raio arrebatador, me cercando em seu frio abraço
sombrio. O homem santo deu-me pão e me alimentou com seu sangue como o
próprio Cristo. À época, fora o único que me tocou corretamente, como um pai à
uma criança perdida, nenhuma sugestão de impropriedade ou subterfúgio - Ele
sabia que sem ele estaria perdido em dor e amargura. através de Fernando, eu voltei
a sentir a infinitude abissal do amor divino.

“sorrow...is a wound that bleeds when any hand but that of love touches it”
À mim foi permitido caminhar ao lado dele, portanto refleti sua fé e presenciei a
ruína dos homens ao seu lado. Cidades magníficas são criadas por homens e
mulheres com sonhos grandiosos. Então vêm os cavaleiros do Norte ou do Leste e
eles pisoteiam e destroem a grandiosidade; tudo o que criaram já não existe mais,
restando à nós erguer os homens com mãos generosas. E em nenhum lugar isso é
mais visível do que nas ruínas do Sagrado Império, as bordas do qual chamei de
casa. Primeiro, Fernando me ensinou sobre o Amor. Assim reabilitado meu espírito,
ele encontrou em si mesmo piedade o bastante para me devolver o nome do pai. Eu
confesso… o Abraço me quebrou de maneiras mais profundas que qualquer Beijo,
foi como se o próprio amor primordial divino me absorvesse por completo. Corpo,
Alma, Coração.

Finalmente, eu fui visto. A marca da besta me varou da luz, oferecendo-me


propósito além da fome caso resistisse a voz monstruosa. Até para alguém como eu
há propósito no Reino de Deus.

Em segundo lugar, aprendi sobre o Abismo, as manifestações das vozes celestes e a


nossa sagrada vigília. A voz paciente de Lady Leonor unia-se aos sermões e
preocupações com pureza de meu Senhor com diretrizes precisas. Ambas figuras
dominantes em minha psique, alimentavam minha inteligência e consciência
respectivamente. À época, a docilidade que buscavam cultivar em mim batia
violentamente de encontro aos meus anseios pela vingança mais ardente. Agora,
sabia caminhar no vale da noite e a luz do dia já não me fazia falta.

Ao longo dos anos, a batalha entre homem e besta travou-se em meu coração até
Monsaraz, onde a revolução foi feita, caos em prol de ordem em um levante
magistral de furiosos contra tiranos. Lá, enfim, encontrei meu terceiro mestre nos
anos de paz do Reinado dos Irmãos da Noite. Fabio, o Inquisidor, tomou minha mão
na sua em um caminho de justiça divina contra o trabalho do adversário nesta terra.
Sob o toque de sua lâmina, ordenei-me na Sagrada Vingança e aprendi o significado
da diferença entre clemência e retribuição.

Pecados devem ser vingados. Crimes devem ser vingados. Feridas devem ser
vingadas. Assim fez Deus, desde o início dos tempos, pois o erro não deve ser
permitido. Há usos até mesmo para bestas e demônios. Eu não fui posto como uma
mancha nesta terra sem que o ato profano de nossa concepção seja retificado.
Viverei, então, em divina expiação ou simplesmente enquanto ainda não puder
garantir que o Sídhe já não caminha nos jardins de homens bons, perseguindo o
desfecho desta rapsódia terrível que vem sido minha existência maldita. Deus
misereatur.

“Into this wilde Abyss the warie fiend

Stood on the brink of Hell and look'd a while,

Pondering his Voyage; for no narrow frith

He had to cross.”

Gott Bei Uns. 1201 d.C

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