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Até a falha demoníaca de nossas orelhas deformadas não importava, para eles,
éramos um feito divino; um sonho que tomou forma na barriga dela após inúmeras
preces e sussurros angelicais em noites frias de inverno. O Senhor teria dito “Agora
você conceberá e dará à luz a dois filhos….”
Nossa pequena família viveu em doce letargia, fruindo das plantações e do amor por
muitos anos, nos mantendo longe da guerra que aproximava o rio de Vístula. Nós
vivíamos a oeste, no que hoje se concebe como o Reino da Prússia.
O pesadelo veio apenas no décimo quinto outono, foi o demônio (s. die fee p. feen)
trazendo uma rosa branca em mãos e uma maior diversidade de flores presas no
cabelo de caracóis dourados tão familiares que eu, vergonhosamente,
imediatamente me reconheci nele. Aquela dita fada se declarou um viajante de
nome Sídhe (s. sidh/si-th p. sídhen) e com harpa sob os dedos cantou um conto tão
maldito que nós todos imediatamente soubemos ser verdade.
Esta criatura veio à casa de Theophilus Amadeus Von Lahf, oculto sob um manto de
invisibilidade, para espionar e roubar de sua devoção, para fazer de sua fé e
casamento uma piada cruel. Nossa mãe foi violada sem conhecimento sobre sua
própria cama e lençóis, e dentro dela jorraram a semente maldita que gerou o par
de bastardos que ela tão erroneamente amou e alimentou no próprio seio.
Há pouco que eu possa descrever daquela noite sem que bile negra me escorra dos
olhos, embora cada detalhe queime os olhos da memória, como o inimaginável
frequentemente é capaz de fazer. Eu me pergunto, nas piores noites, que tipo de
banquete nós fomos. Permita-me deixar-lhe com o saldo:
Lucius gritando por ajuda, na minha frente, e subitamente não mais em lugar algum,
bem na minha frente. Eu tinha seu braço em minha mão e apertava tão forte que
tinha medo de quebrar-
E então nunca mais visto, assim como o Sídhe prometeu, com suas ameaças de
levar um dos filhos “de volta para Arcadia com o verdadeiro pai, por que não?” apesar de todos
os protestos.
Eu sei, profundamente, no fundo de minha alma… Ele levou o melhor de nós. Eu
soube disso no definhar de nossa mãe, na morte de seu sorriso, no rasgo aberto no
estômago do homem que nos criou e na dor dos anos que se seguiram.
Apenas rogo a Deus que meu irmão tenha sido assassinado naquela noite. Que
Lucius tenha morrido jovem, ainda inocente e humano como acreditávamos ser. Eu
rogo que o inferno de Arcadia seja uma mentira e que ele tenha, ao menos,
encontrado o Paraíso junto aos nossos pais.
“Never can true reconcilement grow where wounds of deadly hate have pierced so
deep...”
Assim vivi por três ciclos de estação neste estado de vagabundagem miserável,
aventurando-me nas cidades apenas no inverno para implorar alimento aos
caridosos. Eu vestia trapos, andava nas sombras e falava em soluços tímidos…
mesmo assim, havia ainda aqueles que buscavam explorar o meu estado de
desespero, seja pelo meu corpo ou na proposta de serviços ainda mais vis. Alguns
poucos até mesmo pareciam reconhecer em mim o flagelo do sangue fáerico, as
figuras das mais perigosas com as quais cruzei em vida, e com elas aprendi a
esconder minha natureza pecaminosa. Dentro de mim, restava ódio que queimava
mais forte a cada encontro infeliz.
A esta altura ele veio como um raio arrebatador, me cercando em seu frio abraço
sombrio. O homem santo deu-me pão e me alimentou com seu sangue como o
próprio Cristo. À época, fora o único que me tocou corretamente, como um pai à
uma criança perdida, nenhuma sugestão de impropriedade ou subterfúgio - Ele
sabia que sem ele estaria perdido em dor e amargura. através de Fernando, eu voltei
a sentir a infinitude abissal do amor divino.
“sorrow...is a wound that bleeds when any hand but that of love touches it”
À mim foi permitido caminhar ao lado dele, portanto refleti sua fé e presenciei a
ruína dos homens ao seu lado. Cidades magníficas são criadas por homens e
mulheres com sonhos grandiosos. Então vêm os cavaleiros do Norte ou do Leste e
eles pisoteiam e destroem a grandiosidade; tudo o que criaram já não existe mais,
restando à nós erguer os homens com mãos generosas. E em nenhum lugar isso é
mais visível do que nas ruínas do Sagrado Império, as bordas do qual chamei de
casa. Primeiro, Fernando me ensinou sobre o Amor. Assim reabilitado meu espírito,
ele encontrou em si mesmo piedade o bastante para me devolver o nome do pai. Eu
confesso… o Abraço me quebrou de maneiras mais profundas que qualquer Beijo,
foi como se o próprio amor primordial divino me absorvesse por completo. Corpo,
Alma, Coração.
Ao longo dos anos, a batalha entre homem e besta travou-se em meu coração até
Monsaraz, onde a revolução foi feita, caos em prol de ordem em um levante
magistral de furiosos contra tiranos. Lá, enfim, encontrei meu terceiro mestre nos
anos de paz do Reinado dos Irmãos da Noite. Fabio, o Inquisidor, tomou minha mão
na sua em um caminho de justiça divina contra o trabalho do adversário nesta terra.
Sob o toque de sua lâmina, ordenei-me na Sagrada Vingança e aprendi o significado
da diferença entre clemência e retribuição.
Pecados devem ser vingados. Crimes devem ser vingados. Feridas devem ser
vingadas. Assim fez Deus, desde o início dos tempos, pois o erro não deve ser
permitido. Há usos até mesmo para bestas e demônios. Eu não fui posto como uma
mancha nesta terra sem que o ato profano de nossa concepção seja retificado.
Viverei, então, em divina expiação ou simplesmente enquanto ainda não puder
garantir que o Sídhe já não caminha nos jardins de homens bons, perseguindo o
desfecho desta rapsódia terrível que vem sido minha existência maldita. Deus
misereatur.
He had to cross.”