Você está na página 1de 15

2

3
4
Medo Paralisante
Por Cândida Carneiro

Escuridão tenebrosa
Noite misteriosa
Treva aterrorizante
Medo angustiante
Mente travada
Alma perturbada
Corpo tremulante
Espírito alucinante
Voz embargada
Desarmonia descontrolada
Temor constante
Desequilíbrio algoz
Preocupações
Inquietações
Reclamações
Distorções
Claridade

5
Suavidade
Esperança
Respiração amena
Corpo acena
Sorriso aberto
Medo liberto.

6
7
Embaçada... Embaraçada
Por Cristiane Mesquita

Encontrava-me uma vez mais diante de mim, diante dele. Objeto


robusto, imponente, o mais importante e incômodo do cômodo. Enve-
lhecido com seus rococós de cobre, uma múmia faraônica regressada do
túmulo, que agora seria meu por obrigação nos próximos meses. Ele sa-
bia o que eu sabia e, por isso, não gostava de olhar através de suas lentes
que, mesmo embaçadas pelo tempo, continuavam lúcidas para mim, ra-
zão pela qual não me atrevi a limpá-lo, enquanto podia.
Ele representava demais para ela, tanto que não quis deixá-lo com
os responsáveis pela mudança, enquanto iria à Espanha com o marido.
Podiam quebrá-lo, aquilo que era uma herança de família, e estava com
ela desde a morte da mãe. Voltaria a buscá-lo, quando retornasse ao Bra-
sil. Ela estava radiante. Os dias anteriores ao casamento foram sonhados
e deveriam ser perfeitos para ela. Planejou nos mínimos detalhes. Seria
perfeito, se não fosse por mim. Eu e ele sabíamos disso! Seríamos cúm-
plices de um incidente. Eu prefiro chamá-lo assim, sentiria muito menos
cruel.
Conviver com o cúmplice é atravessar a nado todos os dias o Estige
e não se incomodar com as almas na lama que foram expulsas por Ca-
ronte do barco para não chegar a outra margem do rio. É engessar com

8
as próprias mãos as fendas do subconsciente, evitando-se saber o que se
é. Foi assim nossa relação, desde o dia em que ele me viu agir. E passar
por ele, ali com aquela bocarra quadrada aberta, pronta para me engolir,
sufocava-me, quase me obrigando a ir a um confessionário para que ou-
tro ser também soubesse o que ele viu.
Coloquei um lençol branco sobre ele, depois que chegou a minha
casa. Porém, a ideia não foi feliz porque ele ficou mais fantasmagórico.
Eu podia perceber isso devido à atenção que ele chamava para si dos
transeuntes que passavam e miravam-se nele, ao descobri-lo. A super-
ficialidade dos outros não o incomodava. Ofuscava a imagem apenas de
quem conhecia.
Passados três meses de sua apoteose na sala que não ficou de bem-
estar, tirei a coberta dele. Parecia mais vívido do que nunca. Suas laterais
estavam mais brilhosas naquela manhã que Verônica viria para levá-lo.
Procurei limpá-lo com cuidado, evitando me olhar. Dobrei o lençol que
o aprisionou pelo período que ficou comigo. Ao retornar, não sei o por-
quê de ter olhado brevemente para ele. Vi o vestido de noiva de Verônica,
manchado pelo café que estava na xícara em minha mão, alguns poucos
minutos antes dela entrar na igreja, no dia de seu casamento, com seu
corpo, dentro de outra vestimenta, que não era o vestido de noiva tão
desejado por ela, devido a um pequeno descuido ... que deveria ser do-
méstico.
Assustada, procurei o vestido. Não estava lá! Olhei novamente para
mim, no espelho. Lá estava eu embaçada diante de seu límpido olhar. A
campainha tocou. Embaraçada, não havia mais jeito, eu me vi no espelho,
hora de confessar.

9
10
Convenção das Flores
Por Felipe Guimarães

À cova descia meu corpo teso,


De face amargurada pela nova solidão.
Desenhado por trinta flores
Que regavam o infindo escuro da sequidão.

Sob as pesadas pétalas de areia,


O adeus permanente me abocanhava.
E, ao som lírico ecoando,
A última fagulha renitente apagava.

11
“Pra onde vais?
O que tu tens?
Pra que tu vens?”

Sem alma, sem corpo, nem rosto


Deslanchei o passo irresoluto
À procura de um caminho menos denso
Que fizesse desmanchar meu próprio luto.

Havia dois caminhos


Ali na crosta efervescida da existência.
Tratava-se de uma escolha:
O constante gargalhar ou os anos de penitência.

Não sou o tal defunto autor.


Sou voz lírica calejada que desfalece.
Na sagrada e profana cena
O ar de esperança enrubesce.

Quebrei a dita promessa divina,


Ignorei os vários ardis do maligno.
Preferi o meu mundo ensandecido
Sem cobrar aquilo de que não era digno.

“Pra onde vais?


O que tu tens?
Pra que tu vens?”

Recato-me às flores,
Às transeuntes perfumadas da caixa preta.
Oblitero as opções:
Martirizo-me em minha funda vendetta.

Mastigo as migalhas lançadas ao escuro:


Doces fiapos, desnutridas alternativas.

12
E, enquanto os ponteiros pulsarem na tela,
Clamarei pela distância das escolhas malditas.

Entre Deus e Diabo, uma lei


Entre a ferida curada e a aberta, a grei
Entre nuvens e chão, eu falhei.
Lamentei, chorei,
Desertei.

“Não sei...
Não tenho...
Não vou...”

13
Para Onde Correm as
Lágrimas
Por Felipe Guimarães

Fugaz
de alma pesada eu sou,
por trás
da ligeireza que me empurra
para a senda de dias vis.

Eles escorrem por densas janelas


como artifícios sabotados
de meu penoso respirar.

O dia se esvai
cai
e vai.

Sob a penumbra liquefeita


que tilinta de meus olhos
como trilha desarmônica
afogada por um bruto adeus.

O dia se esvai
cai
e vai.

14
15

Você também pode gostar