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OS CLÁSSICOS NA LITERATURA
Volume V
Presenças Clássicas
nas Literaturas de Língua Portuguesa
Coordenação Científica
Paula Morão e Cristina Pimentel
Edição
Rui Carlos Fonseca
Ricardo Nobre
Maria Luísa Resende
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OS Clássicos naLITERATURA
CLÁSSICOS NA Literatura
Volume V
Presenças Clássicas
nas Literaturas de Língua Portuguesa
Presenças Clássicas
nas Literaturas de Língua Portuguesa
Volume V
Coordenação Científica
Paula Morão e Cristina Pimentel
Coordenação
Edição
Científica
Paula Morão
Rui Carlos Fonseca
Ricardo Nobre
Cristina Pimentel
Maria Luísa Resende
Edição
Rui Carlos Fonseca
Ricardo Nobre
Maria Luísa Resende
A LITERATURA CLÁSSICA OU OS CLÁSSICOS NA LITERATURA.
PRESENÇAS CLÁSSICAS NAS LITERATURAS DE LÍNGUA PORTUGUESA - VOLUME V
Coordenação Científica: Paula Morão, Cristina Pimentel
Edição e revisão: Rui Carlos Fonseca, Ricardo Nobre, Maria Luísa Resende
Esta publicação é financiada por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a
Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projecto UIDB/00019/2020.
Índice
9 Prefácio
ENSAIOS
TESTEMUNHOS
Ave, n.º 162, 9-7-1916; A tua imagem, n.º 163, 16-7-1916; A canção duma mãe, n.º 164, 23-7-1916;
Serenata, n.º 165, 30-7-1916; Canção funérea, n.º 166, 6-8-1916; Canção da lua, n.º 167, 13-8-1916;
Nossa Senhora?!…, n.º 168, 20-8-1916; Amar sem ser amado!, n.º 169, 27-8-1916; Quadros negros,
n.º 170, 3-9-1916; O canto dum infeliz, n.º 171, 10-9-1916; Cantares dispersos, n.º 173, 24-9-1916;
Canto patriotico, n.º 174, 1-10-1916; O rosario que me deste, n.º 176, 15-10-1916; Ao mar, n.º 177,
22-10-1916; A profecia de Jesus, n.os 178 e 179, 29-10 e 5-11-1916; Lirios, n.º 179, 5-11-1916; A
canção dos ceguinhos, n.º 181, 19-11-1916; Nun’Alvares, n.º 182, 26-11-1916; A canção da saudade,
n.º 185, 17-12-1916; Versos a alguém, n.º 188, 7-1-1917; A elegia do mar, n.º 191, 28-1-1917; Sonho
morto, n.º 194, 18-2-1917; Aos soldados que partem, n.º 196, 4-3-1917; Sonêto, n.º 198, 18-3-1917;
A torre, n.º 198, 18-3-1917; Velhinha, n.º 198, 18-3-1917; Versos, n.º 200, 1-4-1917; Á luz do luar,
n.º 201, 8-4-1917; O meu sepulcro, n.º 202, 15-4-1917; Expansão, n.º 203, 22-4-1917; Cantigas, n.º
206, 13-5-1917; Momentos tristes, n.º 208, 27-5-1917; Mãe e Filho, n.º 209, 3-6-1917; Na rua, n.º 211,
17-6-1917; Lagrimas, n.º 212, 24-6-1917; Olhos verdes, n.º 222, 2-9-1917; Ela, n.º 225, 23-9-1917;
Chorar, cantar, n.º 226, 30-9-1917; A que eu adoro, n.º 227, 7-10-1917; Balada, n.º 229, 21-10-1917;
Morta, n.º 232, 11-11-1917; Aos ateus, n.º 236, 9-12-1917; Á noite, n.º 241, 13-1-1918; Oração a ela,
n.º 242, 20-1-1918. As transcrições destes poemas podem ser encontradas em Martines (2016: 67-136,
139-144, 146-149, 151-157).
A (rara) assimilação dos mitos clássicos no classicismo modernista da poesia de José Régio
de “Jomar” (do seu nome José Maria), demonstrou todas estas qualidades, 253
tendo ganhado vários prémios nos concursos que a revista promovia todos
os meses entre os colaboradores. Dentro destes sonetos há três que evocam
figuras ligadas à cultura clássica: no logogrifo publicado a 1 de março de
1918 (que lhe valeu um prémio), Jomar refere-se à Esfinge, embora não
àquela do célebre mito grego que assolava a cidade de Tebas, mas à egípcia
de Gizé, que, escreve o jovem charadista, “perde o olhar insondável […] Nas
amplidões sem fim desse deserto ardente” e dentro da qual vive, “ainda, o
velho Egypto, | Com todo o seu mysterio em que ella se incarnou” (Martines
2016: 160). Um elemento de inspiração greco-latina é invocado no soneto
publicado a 1 de agosto do mesmo ano, dedicado ao trágico amor entre o
romano Petrónio e a sua escrava grega Eunice, que se suicidou com o seu
amado senhor, de maneira que “O sangue d’elles corre confundido” (idem:
165). Trata-se, evidentemente, de um clássico postiço, já que apareceu no
romance Quo Vadis?, publicado pelo escritor polaco Henryk Sienkiewicz
no fim do século XIX (1895). Mais propriamente, o poema publicado a 1
de fevereiro de 1919 canta “Os ritos dos pagãos”, “Evoca uma era morta,
ha tanto”, “a aurora | De Beleza e d’Amor, morta p’ra nunca mais”; para
referir-se nos dois tercetos finais a uma ninfa que “escuta, embevecida |
A voz cantando, ao longe, o amor d’Hero e Leândro…” (ibidem), uma vez
mais, um tema centrado num sentimento irrealizável que acaba na morte
trágica dos dois amantes.
Trata-se, até aqui, de reminiscências escolares num autor que ainda não
atingiu plena consciência de si e dos seus percursos poéticos: o pseudónimo
José Régio “nasce” em finais de 1921 e afirma-se definitivamente em 1923,
depois de uma fase em que ele utiliza o seu nome civil, José Maria dos Reis
Pereira. Esta evocação um tanto académica, convencional e até lúdica de
elementos do classicismo aparece ligada, portanto, à juventude do poeta.
Talvez não seja casual que os dois mitos clássicos mais desenvolvidos
por José Régio – o de Narciso e o de Ícaro – sejam objeto de dois sonetos
publicados no primeiro volume de poesia, Poemas de Deus e do Diabo, de
1926. Observa-se no soneto Narciso uma apropriação muito pouco literal
do mito clássico: o poeta transforma e adapta ao seu caso alguns tópicos
da narrativa de Ovídio.
ENRICO MARTINES
254 NARCISO
256 METAPSÍQUICA
Pobre cabeça
Que debuxei a nanquim,
Grudei sobre cartolina,
Pespeguei ali no muro,
Tudo, isto a pensar em mim…!:
Que a minha angústia refina
Naquele traço,
E eu estou ali mais vivo,
E é ali que mais me sondo,
Do que no corpo cativo
Em que me escondo,
E embaraço… (idem: 25-26)
N’O Papão, o diálogo do sujeito com essa figura que o atrai e o perturba
termina com a revelação de que o eu lírico está mais uma vez a defrontar
uma imagem de si mesmo:
Ora se, por um lado, me atribuía eu uma humanidade alheia, por outro, e
mesmo quando tentando exprimir os sentimentos ou instintos mais pessoais,
tendia a tratá-los não como meus próprios, mas de qualquer homem. Assim,
perante mim mesmo assumia não tanto uma posição de Narciso encantado
ou horrorizado, (e apesar de também ser esta, às vezes, real em mim) como
a posição digamos científica, objectiva, superior, do psicólogo ou do filósofo.
Por que não do esteta? (Régio 1978a: 149)
A (rara) assimilação dos mitos clássicos no classicismo modernista da poesia de José Régio
Lucinda Maria Miranda Cachada fala com alguma razão de Narciso 259
como “mito pessoal” de José Régio, salientando, na sua postura de artista
e crítico,
ÍCARO
260 A relação do soneto regiano com o mito grego é aqui ainda mais afas-
tada e flébil. Protagonista da ascensão e da queda é aqui a Dor do poeta, ou
seja, uma parte dele que é objeto de excessiva exploração poética e que é aqui
entronizada, divinizada e personificada, em mais um desdobramento do
eu poético. O soneto tem função metapoética, já que reflete sobre a própria
versificação, metaforizando na divinização e na consequente derrocada da
Dor – escrita com maiúscula – o excesso de dramatismo e sentimentalismo
apontado por muitos na sua obra. Uma Dor vestida de brocado, cantada em
melopeia, adorada pelo poeta que se ajoelha e se prostra perante o trono
de oiro imaculado que lhe erguera. Uma Dor que sabe atrair as multidões
com o seu canto de sereia, mas cujo poder apelativo é destinado a ruir, tal
como o incauto atrevimento de Ícaro. Aqui, no primeiro verso do primeiro
terceto, temos a única referência literal ao mito grego nas asas que ruflam
alto: contudo, não são as mesmas asas de cera e penas que levaram o filho
de Dédalo demasiado perto do sol, derretendo-se por efeito do seu calor;
estas são as asas naturais dos pássaros cujo voo os adivinhos interpretavam
como sinal que pressagiava os acontecimentos vindouros. O agoiro prepara
a catástrofe, prenunciada por um silêncio que gela e faz tremer o eu lírico:
o trono de oiro rui em cinza e a Dor desce do seu pedestal para ajoelhar-se
ao lado do poeta sobre o lodo, elemento que indica o rebaixamento, mas
também a possibilidade de recriação, enquanto matéria primordial (cf.
Soares 2003: 4).
Mais próximas da imagem – ao mesmo tempo exaltante e perigosa – da
poesia como voo alto são duas composições poéticas publicadas no livro
Mas Deus é grande (1945), em que Régio se refere às “asas” como instru-
mento indispensável do seu voo poético. A primeira estrofe do primeiro
poema da recolha, Páscoa, que saúda o retorno da inspiração poética depois
de algum tempo, fala das asas que outrora ao alto o sustinham e que a falta
da Dor, personificada no soneto Ícaro, espoliara da sua capacidade de voar:
em que elenca todas as motivações da sua poesia e que se conclui com um 261
orgulhoso desafio à morte que poderíamos pôr na boca do Ícaro do mito:
Ah, que não penso eu como quem pensa Ha quanto tempo já, mysteriosamente
Que viver muito é atordoar-se bem! A Esphinge de Gizeh perde o olhar insondavel,
Pus-me a um cantinho, e achei a vida imensa. Olhar que nos encanta, immoto, indecifravel,
Pode um só passo andar bem mais que cem… Nas amplidões sem fim desse deserto ardente?
Fitei o sol de cara e a noite densa, Embora a areia hostil se erga, furiosamente,
Mas só a mim fixei — que a mais ninguém. E ajude, p’r’a vencer, o vento inexpugnavel,
Já não concebo angustia que me vença, Exhausta… outra vez ergue a cabeça admiravel,
Que até vencido vencerei também. E, de novo, sorri na areia incandescente…
Cruzei os braços sobre o peito. E quedo, Quantos seculos, já, ella perpassaram?
Passeio sobre a areia a arder parada Os seus olhos de pedra, immoveis, contemplaram
Nem sei que olhar subtil, vazio, mudo. A total perdição dum povo que a adorou…
Abrem-me… em vão! Sou oco e sem segredo. Mas no seio escondeu templos do antigo rito.
Falar?!… Por que falar, se não sei nada? E vive, dentro d’ella, ainda, o velho Egypto,
Contemplo, calo, fico… e entendo tudo. Com todo o seu mysterio em que ella se encarnou…
(Régio 1978b: 116) (Martines 2016: 160)
ENRICO MARTINES
No livro Filho do Homem (1961) há uma Ode a Eros em que são men-
cionadas várias figuras mitológicas: o deus do amor aí aparece menino,
“pequeno Deus travesso | Com quem todos brincamos!”; “Pequenino
gigante”, mais poderoso do que Hércules, cuja “clava | Não pesa como
pesa a tua mão de infante, | nem seu furor destrói | Como nos dói | Teu riso
de menino”; mais bem-sucedido que “os Ícaros” aos quais opõe “a mesma
astral parede”, referência ao facto de que o deus descansa dormindo ao ar
livre sob as estrelas.
Mas à Poesia como Poesia, ao alado Cavalo furta-cores que, para se atirar às
estrelas, escava as raízes e faz espinchar tanto a água das fontes como a dos
charcos, – não lhe ponham antolhos que lhe não pertencem! não lhe dêem
rédeas que não aceita. Porque o seu tempo próprio é a Eternidade, o seu espaço
a Imensidão, o seu fim o Absoluto. (Régio 1971a: 7)
Bibliografia
Cachada, Lucinda Maria Miranda (2000). Metamorfoses de Narciso na poesia de José Régio. Disser-
tação de Mestrado em Estudos Portugueses e Brasileiros apresentada à Faculdade de
Letras da Universidade do Porto. Disponível em https://repositorio-aberto.up.pt/bit
stream/10216/30140/2/3284TM01P000078377.pdf (acedido a 16-11-2019).
Martines, Enrico (2016). José Régio: versos esparsos e inacabados. Vila do Conde: Centro de Es-
tudos Regianos.
___ (2019). José Régio e os Mestres do Modernismo. Edição online com prefácio de Fernando Cabral
Martins, Vila do Conde: Centro de Estudos Regianos. Disponível em https://www.
joseregio.pt/wp-content/uploads/2019/08/EMartines_Jose%CC%81-Re%CC%81gio-
-e-os-Mestres-do-Modernismo.pdf (acedido a 22/09/2020).
A (rara) assimilação dos mitos clássicos no classicismo modernista da poesia de José Régio