Você está na página 1de 124

© 2009

parte desta publicação


Qualquer parte publicação pode ser reproduzida,
pode ser cilada a
reproduzida. desde que citada |o| Rev
a fonte,
Sumário
edição reservados a
Todos os direitos desta edição à editora.
editora,

Gravura da
Gravura da capa: Francisca Carolina
capa Francisca do Val
Carolina do Val

............................................................................. viii
cimentos .....
Agradeníl77er7tas.,
Agrade

Apresentação
Apre.- .................................................................................ix
Sene. Fábio de
Sene, de Melo
Melo
Prefá CNO .
Prefãcio ..........................................................................................xi
Caso. Um Caso...
Cada Caso, Caso , Puro Acaso: Os processos de lo 1
Capítulo
Capitu
ão biológica
evolução biológi a dos seres vivos
SP Sociedade Brasileira de Genética, 2009.
Preto — SP:
Sene
— Ribeirão
de Melo Sene.
vivo // Fábio de Ríbeirão
2009,
— Primeiras Palavras . ..
Primeiras Palavras ......................................................................... 7
Capitulo 22
Capítulo
2_ 2 p.
252 p,
Charles R.
Charles Darwin e Alfred
R, Darwin Alfred R, Wal/acc.......................................... 77
R. Wallace '.

97875578926571 1-9
ISBN 978—85—89265—11—9
Capmno 3
Capítulo 3
Conceitos Bá icms para
Concellvs Básicos da
,para oo Entendimento da
11._ Evolução biológica. 2. 2. Seres vivos.
vivos 3. Biologia Genética
Biologia Genética.
4. Biologia Evolutiva
4 Biologia Autor II.
Evolutiva. |. Autor. II, Título
Título. Uzoiúgiua
Evolução Biológica ..... ....................................................................... 31
,,

Capitulo 44
Capítulo
Teoria Sintética
Teoria Nevdarwinisrno,.............................................. 45
Sintéilca ou Neodarvvinisrno '

Capítulo 55
Diagramação e
Diagramação & capa:
capa:
Teoria Sintética
Revisão da Teoria Sintética” .......................................................... 53
ªri/cubo
ª? cubº
'

f Capítulo 6
6
Evolutivos .........
Fatores“ Evolutivos
Os Fatores .................................................................. 67
SEG
Edwtnrá SBG
Editora
»dadc Brasileira
Sociedade Brasilcwra de
(lc Genética
Capitulo 7
Capítulo
Ribe'rão Preto,
Ribeirão SP
Preto, SP
Gen..»uça
Adaptação .................................................................................... 77
& : dade-
St,)ctiednde Capítulo 8&
Brasileira
(: Wézlca
Genética
.h-
B..z»,.wu._. de
Interação entre as
os Fatores
FSÍCUVÉES Evolutivos
EV|)Í£Ill-V(7_Q,, .......................................... 95
_
Capítulo 9
Diferenciação entre PopL/façóes e
Origem das Espécies , ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, , ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,
103

Capitulo 1!)
Evolução dos Grandes Grupos ................................. , ,,,,,,,, ,,
. 129

Capítulo 11
O Documeníán'o FOSSA-l, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,

Ca ulo 12
O Cenário da Fun/ug: "

Capitulo 13
A Distribuição dos Seres Vivos na Terra ,,
161

Capítulo 14 Dadl'cató a (6/17 linha [ji/ªcta)


A Espécie llumana,.. ........................................................ 179
f 7 Palrí 'a e Fabiana, que—nuas ninas;
Capitulo 15 f2 Burma o Maiªíama, amadas nczas.
Ult/“rn 3- Palavras ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,
207 das ,c-ngénma ::UInpa/lllfrarja ::urnAluna Clê/la,
”unha.:- "nunc—fas urud/leiaà'
Índice rernissivo ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, 231

Referências bibliográficas ........................................................ 237

.-—
AgradeCImentos Apresentação
Soi. mi grato aos sagu iles eniigos e colegas por terem o total ou Escrever um livro—lexlu sobre evolução exige. de parte do oulor. ou
Darc simer-te a pruva deste livro e apresentado sugestões para corrlgirlo,
quer lessem erros ou emissoes, os biólogos Eliana Maria Boluzzo Des en
7

Fernando rarie Franco Luis Eduardo Mae“ trcl Bizzo, Maria Ãngela Niero como uma grande dose de nteresse nos eventuais Ieltorcs, A presente obra
M, Muralra. Maura Helena Manfrin. Rogerio Pincola Mateus Vera Nisaka não e um iivrotexto no sentido trad eional, mas as demais quali ieaçoes see
Soltenni- ::medico Renato Barroso Peire dc Caeiro, as professoras de DIO de Melo Serie e um professor com larga cxperlencia no
português e literatura Flisehete de Carvalho Spoeilo, Maria Marta Botelho rio, lanln nn nivel da graduação como do pósgraduaçao.
de sa cabe te Marine rerreira- as profe «— ulLe Reg wa Raquete )rrl() pesquisador
de genética e evolução das moscas do
Loures e Marisa Colherlnhss Alarcon pelo senso Crlll — ,e. pela rÚrITISÇãO - , sempre estiveramjuntas corn ;. ativiqaue didatica e sem
religioso. Ncnhulh deles e responsável pelos erros e pelas nm ões que
everilualmomo ainda persistirem no livro pois nao eoetei todas as sligeslnes
que me furam dadas e lalhbérn porque. depo do ser lido por eles, o vm a], onde os CDHCSIIOS, os metodos
re rev seria sem que eles pudessem opinar sobre o que foi alterado. de estudo da evolução. bem como suas impli ações, são tratados na
forma de uma 'longa conveisa , qual um "iongn argumento" da
Agradecimento especial a minha companheira Alzira celia Suaies notável a capacidade do autor de apresenier e disrutir tomas complexos,
Sene. educadora, escritora, pela leitura. correção, reorganização do lexlu como se eSÍiVCSSU a conversar cºm seu leitor ou [ ora Não há CItaÇÓeS
em todas as etapas .:vcrsõeº do trabalho, e nelas o eussees sobre pontos
bibliográficas que x(errurllpam esta sonversamarratlva. Certamente que foi
polêmicos que ajudaram mL to no ajuste das ide a Durante mais de um uma obra amadurecida uu ILH'Ig(J da tempº, com multa reflexão e naturalmente
ano, este !ivro ocupou principalmente meus finais de semana, quando aquei com a criatividade de quen] convive com o tema ea evolução, no campo
por mala de dez horas por dia. no escritório de casa, por ela apalldadn de e no Iaborató o. o IIVIU e lei qual ráhn Sene "vê“ a evolução ! TC. o
caverna.
privilégio de ler esta obia prev amenie me lembrou de outro inesquecivel
professor, escritor e evoluuiurllsla bras eirn- New—tori FroiroJVlaia. Ambos,
Fábio e Newton. se aproximem quanto en estiáo da narrativa, de fluência
argumentativa e do interesse em transm ir se le or(a) todo o entusiasmo
pelo torne da evoluçao,
Cada caso um caso,. puro acaso, trata dos problemas qua ssa usuamirnente
ria
apre enredos em disciplinas de evolução nos cursos de graduaç o da
dades brasileiras. E ma_, uni mérito do livro: qualquer estudante
te.xtn nsponiveis, É como
se ano as aulas ele fosse conversar com outro professor para ajuda7lo a
entender os padrões o os processos da evoluçâu, ruas com uma linguagem
diferente daquela que ele ouviu em sala de aula,
'
hin por disponibillzares aos! orcs brasdeírus um texto tão
ad() |:
pessoei, [ao rr:o e ]nformativo como este. Cre o quo
CIE] :» que le faltava
para completar o dito popular que fala de riso aç o pessoal atrav s
um fiihu uma arvore. um vro !

Aldo Met/ender de Araújo


Departamento de Genética, Imer/tuto do Bíuc ências, UFRGb
Prefácio
Geralrnenle e explanação sobre se ideias. que exp "earn o processo
evolutivo leiri sempre um caráter pessoal e varia muito de um autor para outro,
muito me de que em quelqiier outro assunto em Biologia, provavelmente
Deia Colhplexldade oes- releçoes e peles. implicações decorrentes das ideias.
Este iivro neo fugiu deste Gerente ee, Qi ento mais estudo o processo
evolutivo, mais dúvidas surgem e, s respe to dele. ter eonviecocs rígidas. ou
se achar eiitoridade no assunto mu to pe goso. Em relação a assuntos
que envolvem etica, morsl e rellglão. como no caso da origem da especie
humana, ev ei expor opin ões pessoais que oxtrapolas em o uurlhec mento
cientifico No entanto. foi impossivel evitei everlluaís ieririenr'nsinenes
provooadss pela minha formação o... gc (Karn especieiineee
em
genetica de populações.
oo emente não tive a intenção de esgotai todos os aspectos que
envolvem o assunto e procurei abordar os que fundalherltulrl as Ideias
o
sobre o processo evolutivo. pri 1cipoi interesse sobre si teor si de evolueee
ses e teorias que a compõem e. por isso, em tocos os
preeiire aprP<ehlár aº,
Prlmeiras Palavras
"so a dúvida seiva,"
Mim—,, reinante;-

rJa observação de lodos os seres vivos atua s. dois fatos se costaearn: a


incrivel varlsdade clas formas de vida de organisnius aceluleres, unicelulares
e e pluricelulares. todos representados pelos organismos atug' como
os virus, as algas, as bacter as, os plulu£() r ,, , os fungos, as plantas.

onde vivem, (:!)mn os organismos aquáticos. de água


doce ou saigada, os tei reslres, vlvendn em diferentes temperaturas altitudes.
LnTlidadeS. com mais luz ou menos luz e nos mais diversos an1bie|1tes da
Terre — das profundezas dos oceanos ao pico das cadeias de montanhas.
dos desertos as florestas úmidas, dos polos as regiões equatoriais — e,
ainda, os parasitas intracelulares.

igura _
1.1 Algumas rias milhares rls formas do mundm sriirnsi que vivem nos dlfcrurrluu siriuiuriies
teiiesties,

d

º
L
2 Cada caso, um caso. PuroAcªso

É cornpreerislvei que um observadoi, por não saber as causas e os As lnrorrr ações a respeito dos conhecimentos científicos referentes ao
processos que deram origem a toda essa complexa variedade e adaptação processo de evolução dos seres v vcs e que norteiam o trajeto deste texto
dos seres vivos atuais não aceite facilmente, a exp cacao clentirica de que portanto. a atençao do livro . vnHada para o que ja e conhecido.
tudo tenha sulg do sem intenção por puro acaso, neipalmente porque
nesse processo, um dos casos e a origem da especie humana, Urn conhecuncnio novo so iern sentido quando o novo saber é acrescentado
a um saber anierior (Juande ministro cursos, tenho uni-o ideia geraldo que
Supondo que a oien ia seja uma coisa seria, ou deveria ser, e que os estudantes ja ouviram ou sabem sobre o assunto e busco acrescentar
stas nao sejam bobos e nem totalmente loucos. e natural que
eonhec mentos ao saoer anterior, Quando sou palestrante ja e me s dit cil
haja curlosrdade em saoer em quais Informações cientificas eles estao se
apoiando para alirrnareni, na mais de 150 anos, que o processo evolutivo uurisegulr adequar o assunto por não saber o grau de Conhecimento de um
ocorre sem planejamento, publico mas amplo, Quanto à exposição em vrc, srnto que a situação e
intormedi aria, pos o fato de o texto ser escrlto permite ao le or a rele tura de
A dúvida subre a origem e a diversidade da vida deve ter sempre
que tiver diflcuidade para entender e, eventualmente, antes de pros-seguir,
acompanhado a humanidade sendo que os prime ros registros de tentativas
de explicação para a diversidade dos seres Vivos sao encontrados nos osqu ar algum conhecimento preu/ln em outras fontes,
gregos Porém, apenas em meados do s ,culo 15; o ar.urniilo de iirorrriac es Para assurltu ' [)(nlerrllnns há a tentativa de não ultrapassa" O Ilnllle do
i. entirio sperniitiuque o estudo na forma como entendemos atualmente,
cnnhaclmento e entifieo atual, ev tando espeeuiaç )es, A teoria evolucionista
tenha s do inicia
ja e interessante e impiexa em s e nao precisa de polêmicas especulativas
Com o eonhecmnento sientmco atual, estamos Vivendo, no miolo de para se tornar atraente.
secuto 21, um momento muito importante para o destino da vida humana na
d erença entre nossa geraçao e as gF- reçoe humana, Como o processo evolutivo e biocenmco, voltado para a vida. e não
'rerra, A
antropocenzrico, voltado para o Homem, a espec e humana e tratada
,
e que nos temos consCieneia do risco de exllnção e, portanto,
responsabil dade de tentar lex/[tariª i—ia séculos a e per. e humana tem como urna espeo e animal parte da cade a ar mentar.Algumas pessoas se
destruído o ambiente no qual evoluiu. Nao estou ral do apenas da de- Incomodam com essa designeeao, mas isso e apenas uma clas icaçao
das matas e da poluição dos rios e oceanos que sao questoes ma b ologica (taxonomiea), o decorre entre outras coisas, da óbvia constateçeo
Falo em termos do ambiente terrestre como um todo da temperatura, da de que a esper— humana não e vegetal. Quando na o curso primar o,

seis :llhões
conipos çáo atrnosférlca. da umidade do ar, Tambem me refre ao tamanho decada de 1950. fo me ensinado que os animais se dividiam em racionais
da populaçao humana atual, que ja passou de de individuos,
e frias/anais, sendo que a Única especie pertencente ao grupo dos racionais
Esse e o rnalor r'sco ,ela a sohreviv n a da e -p A dificuldade para o
era a espécie humana,As demais espec'es do reino animal perten am ao
eontiole do tamanho populaisienal. eue necessariamente passa pelo controle
da nata dade. e agravada pela falta de informaçao/conhecimento, pelafalta outro grupo. Este, para anrrl, e o melhor exemplo de taxonomia com visão
de ass stencia médica e pelas restriçoes impostas por muitas relig oes. sntroooc ntrica, Taxonom a (taxa do grego tássein sgiuoar. class near +
a

nomia do latim non1inare dar nomes) e a ela sifioação dos seres vlvos
e

Este livro em gruoos semelhantes de acordo com correlações evolutivas.


o objetivo deste livro e expor os dados e as informações nos duals os
cientistas baseiam se para eon
car a teora evolucionista. ou o processo A evolução dos seres v vos como um problema científico
evnlulivn dos seres vvi>S. Esvandn as dlsuussões aus Iln [sus du conhec.: TlellÉD
atual sobre O aSSurJKQ. para que a ciência ou um Cientista se preocupe com um a sumo e
preciso que haja duvidas sobre ele e que exlstªm perguntas para as quais
Não São dlscutldas as hipoteses Cientlficãs sobre os eventos que cu[minarsm nao existem respostas satisfatórias,
na origem da vida, quando uma prrimeira estrutura foi capaz de auloduplipiars
se, Essa estrutura, uma molécula de RNAou de DNA, tanto pode ter surg do Quanto a origem e a diversificaçao dos seres vivºs. ate o ll'uiu do seculo
espontaneamente na Terra corno pode ter vindo do espaço, Indopcndcntcmcntc 1B, havia urna explicação que satisfazia os estiid'osos e, portanto, nao era
d sso, fo'l aqu , naTerra, que ela evoluiu para os seres v vos qiie conhecemos um prublesrna que deveria ser Investigado, A explicação de que tudo teria
e e. esse proc—,e so de evoluçao o assunto deste livro. s do projeto e obra de um criador onipotente era perfeita e rnconiestavel
Serao expostas as provas cient ficas de que todos %os
seres vvos
da Terra surgem e se extinguem por processos natura , sem eventos
-
A teoria do foESIIiu da especies, dominante na epoca. propunha que as
esp ,r. es laríam sido criadas CDITI :; rnesn'iu forrila e estrutura atuais, e
sobrenatural S. seriam muta'veis, rixas.
:: Caos Casa. um osso Flii.)A. ,.en
Caclluln i , primeiras Palavras 5

Considerando o fixismo oas espec es nnrrtr) verdadelro, Llnneu (17077 e


segundo lalor; e momento hlstórch/Culnlrsl na epooa Era o fin] de inquisiçeu
1Tra) (, ou o codigo oe nomenclatura Sysrema Natur-as, pub! cado em 1735. religiosa e o aparecimento oe filosofos do mov monto conhecido como iluir sriiu,
somo uma mane' 'a de catalogar e organizar a o assmoaçao clas espécies. entre eles. Voltaire (169471770), Rousseau (1 71z71/ ra). Didelul (1713—1784),
A ele e atiibulda a frase "Deus oreavir. Linnaeus dieposuit“ (Deus orou, d Aiemosrt (171771783) A pesquisa eien isa. como nois e eurilieuda. teve
Linneu organizou). Chegoth e a imaginar na epoca que com certo esforço, ini na nossa épmoal baseada nas an... açoes de que o uso leigo cla razao. na
chegaria o momento em que todos as espécies existentes no mundo ter am oesq. sa nissofica e , en mea, [lllliu uolnu missao Comum:
sido descrita
a) oron ovei o saber antimetar's'eo, fundado no eu so do metouo
relaçao a vlda, Mesmo a iinooitante viagem de Charles Darwin iniciada em
cxpel' ieiital,
1531, a bordo do navio Beagle coletando amost as da fauna e flora por onde
o o) oeiiii os preuorlceilcs e as supers ,oes,
passava. tinha como objetivo inie al uma catalogação, lema da viagem
do Beagle oro: ad majorem Dei gloria". (para maior glória de Deus). i,) faser triunfar o espirito de toleram—..e
o) iurninar as consciências.
Em Biologia extatem os fatos, Os biologos tentam encontrar exp ioações
e) diluiiuir. em lodos os extratos sooiai ,a educaçao a a cultura;
para os fatos Ass n—i cialrnerite fazeiri hipóteses. as mais lá "cas
pussívciª. Se a hipótese for confirmada, vira uma teoria, Se a teoria for
r; reformar as Instituiçõ s
sempre uu ri. “ada. v ra uma lei. Quando uma teorra deixa de explicar os 9] limitar a influencia das areias nos Estados e ri.—. educaçao,

tato , prer -er revista e, eventua mente, alterada, lmpossive e mudar Daquele movimento fez pane o nie—todo Clellll' ro de Descartes (René
os fatos, Em pesquisa oiologioa, os fatos sao revelados polos dados tanto Descartes. 1596-1850) que, em h'nle e, di7 o segt te
os coletados na nature7a somo os resultantes de experimentos e, quando
não estao de acordo com a teoria, nunea devem ser alterados para serem a) janisgs aceitar couto cxutu cota-J alguma oa qual não se ronneoa
a evidencia
ooino [ , evitar-ue a oreoipitaçao e se fazendo o esp aeairar aquilo
ajustados a ela, A coleta ou o experimento deve ser refetto. Nunca -dcvc
descartar a possibilidade de a teoria estar errada, Foi o que aconteceu no
fiel do seculo 19 e durante o seculo 19, .
claro e uislirito. sobre o qual nao sairem dúvidas;
b) aivio uuuu r_lili —uloaue a ser examinada em quai—nas pai-res forem passive
e lleuessárlas para resolve-la;
A teoria do ris smo das especies começou a nao exp ear os fatos.
fazendo com que a origem dos seres vivos passasse a ser um problema e) por em ordern os pensamentos. comecando pelos mais_ moles e mais mar— a
de serem Conhecidos, para =Hng , aos poucos, os me complexos.
a ser investigado oientitioamerite, varios eventos foram resporisave s pela
a) fazer. para cada caso, uma enumeração tao exata e uma revi o tao :trrlplfi |?
daria-oraçao dos processos de contestação a entre elas, dn s fatores elevem
ser destacados geral para se ter a certeza da que nao se tenha a quem-lr. ni. om o algo,
s.
A partir do anel do século 1 naquela arntnenle oiiitiiral, a o sousa-io sobre
f'ltcir' n ampliação ter orial das coletas biologicas possível graças 5. u origem das espécies e ou origem da diversidade oiologioa mtensifirou se
Enquanto os taxonomistae trabalhavam apenas corn no irieio entirioo,
a
amp açao das coletas para a Asia e outros continentes, começou—SE a observar
que os seres VIVOS apresentavam oiterenças de lima regiao para outra, o que se
As primeiras hipóteses sobre a evolução dos seres VIVOS
convencionou onamar de vunuçdu geografica, A variaçan tanto not-lia ser gradual, Uma das primeiras publicações os textos sobre evolução foi Zoonomia
criando um graoiente oe variar,-eee cun nuas. oomo ser snr-ipva, com variaçao puolioaoo em 1795 por Erasmus Darwm (1731 1302). Embora nao meneionasse
descontínua, Começou a tioar oi .
I estabelecer ate' que ponto o diferenças a seleç o ! atuial, dãSUu a a questao das adaptações e espeoiilava sobre
entre os organismos dislantes geograficarn-z'rlle ei am suflcãcntcs para que eles a Dosslbllldsde de uma especie poder evoluir a partir de outra esueoie.
fossem olassif eaoos on.-rio espéc s diferentes. abalando o conceito de fixisino Embora sem muitos dados ou experimentos, o lraoalrio mostra que o
mites oa especie. com base l o lixismo, fiXismo ja estava sendo questionado e tem importância historica pelo fato
curneçuu 'ar a origem da variaeao oeogra ca. A de o autor ser avô paterno izle Charles DarWin.
enorme diversldade ue seres vivos encontrada a partir da amollaoao da area

ate entao indiscutiveis e alem do fixismo os o .


lenda
.
de observação para alem da Eurasia tomou oirie a manutenção ria nranças
os larnbén] foi abalada a
da area ale Noa, sao muitas as historias incriveis riaa'unle, a human daoo
Em 1808, o blólogo francês Jean Baptiste l_amaiek piopos uma n pote e
para explicar a incrível adaptaçao das esposo es aos diferentes ambientes,
kmhora essa hipotese seja tratada nos livros escolares como uma teoria
acredllou por fa ta os informaçao e de conheutrnunlu. evolutiva. o impacto neoon-al para a epoca ri o foi muito grande porque
s 7 Cada Caso. um casa PurºAcuso Capitulo 1 Primeiras palavras
e 7

propunha uma explicação para a adaptaçao das especles, mas nao puslulava. Wallace e Darwun
necessarlamente que, atraves das adaptações—, a espeoie poderia passar
a ser outra sspéue. Ou se a. a hipótese de Lamarck não questionava a
Tentar exdlicar por que so Wallace s Daru/in "veram, lndependentemente
e quase simultaneamente. a mesma ideia para explicar a origem de tanta
urlgetn das especies. As hipoteses sobre o t so e desuso e da transmissão divers dade e um exercir— o puramente especulativo, Dizer que eles eraln
dos caracteres adquiridos tiveram muito suoe so, tendo s do adotadas ate mais inte entes mais geniais ou mais espertos do que os outros tambeln
pelo proprio narWin a partir da sexta ediçao do livro Ongn? das Espécies, e uma afirmaçao leviana, Porém um fato mu o importante aconteceu
As principais raaoes p ra o sucesso que elas e
muito logioas, lntuitivas sao aos dois, depois de terem visto a grande dlversidade biologica em areas
r
e ce- s do Sºrel“ expl caldas e entendidas, É muito tacil SXpEICFlr a leona .
continentais sulaamer cana Darwin contornando o continente. e Wallace
de Lamarck até para uma criança e costumamos dizer que as pessoas Vtajando pela Arnaaonla, ambos entraram em contato com a fauna e flora
nascem lamarckisfas Para surpresa nossa. há alguns anos. estudantes de arquipélagos Darwin. em Ga apagos, Wallace. na Malásia.
do Último ano do curso de crer".- as Biológicas, embora tenham ouvido, E. o que d erenera os arquipelagns das áreas continentais? A
desde o ensino fundamental e medio, que a teoria de Lamarok e errada. descontinuidade das pnpulaçõ s. isoladas umas das outras pelos limites
ao serem instigados a resolver questões evolutivas. cerca de Gº“/o deles das ilhas, A diferenciação entre populações isoladas e molto maior do que
empregaram um raciocinio Ianvarckista Muito importante para a epoca, o se elas vessem uma dist uição geograficamente continua e, embora o
trabalho de Lamarok. elnbora muito log o. contém erros bioldgioos graves processo evolutivo atue igualmente nas ilhas ou nos contlnentes, o resultado
e fundamentais e deixou de ser considerado a partir do final do seco e 19. da difere-ic eu; D noa rnullo mais evldente nas ilhas.
me o pelo qual não sera discutido neste livro, Tanto as discussões anteriores sobre evolução. como as ideias de
na=lrwir1 e Wallace questionavam exclusivamente o fixlsrno e a origem das
A diversidade biológica especies Até então não era aventada pelos blologos a questao da origem
da vida portanto não se discutia a existência ou não de um criador
Quando os inglese (:hartes Robe t Daiw n (180931332) e Alfred Russel

grande diversidade o o Os criacionistas


la era conhecida. Antes deles. inúmeros pesqulsadores/nolstnres europeus Ja Embora a aja tenha explicacao bcrrl comprovada do processo
haviam estado aquí & proniov do verdadeiros arrastões. coletando espénímPs de evolução biologica. a maioria da human dado ainda acredita que tenha
da flora e da fauna, dandu inicio ao que se denomina. hoje, bloplralaria, Entre
dezenas e talvez centenas de nomes, eitsre Johann von Spix (175171 325);
Karl von Martius (17944 son); SaintsHllaire (1779-1553); Johann Nattorer qualquer ordem de poder etnico ou religioso.
(17874 843): Max von Braunsoerg (17824 se? Georg von l_arigsdorrl
Como ninguém nasce sabendo. tudo o que a humanidade ja descobriu
(1774n1852). W heim LLIdWÍg vorl Fahhwege (1777—1855): T'homas Ender
ou la fez tem de ser aprendido, Não adianta a pessoa nascer no set—,uln 21
(1xao-1375); Jean Agassiz (18074873 Robert Hermann Schomburgk (1804-
1tido); Peter Wilhelm l_urid (180171aaa), Ludwig R ecle! (179071561) porque, se ela nao estudar. sora tao ignorante quanto uma pessoa nascida
em qualquer época anterior, na Idade Media, na preahisforia, É norn1al que
Todos esses pesquisadores/coletores permaneceram eu por mais uma pe, soa sem conhecimento. ao se confrontar corn a dúvlda sobre a
tempo do que Darwlrl e Wallace e coleta am muito mais materiais do que origem da a. sobre a or gem das especies, pense exatamente corno
os doisjuntos, com uma agravante: a maior parte do maior al coletado por na idade Media. que tudo seja obra de um amador, que tenha seguido um
Wallace rn. perdida pelo naufrágio do navio a caminho da Europa, planejamento intel goi—ito perfeito.
por falta de uma teoria unineadore da diversidade dos seres vivos, N o e (leme to algum nao se ter conhecimento score alguma coisa que
todo material era coletado e catalogado como uma coleçao de selos, a nda nao se aprendeu, o problema da compreensão do processo evolu ivo
respeitando se a locallaaçao e data da coleta e o tipo de material coletado
e que existe resistência ao seu ensinamento e aprendizado, pois teme—se
Dol semelhanças e diferenças, que e se conhecimento possa abalar a fe re g osa das pessoas, Embora
essa resistencia seja bem conhecida como existindo nos Estados Unidos,
i Para subrc s "spt-rl ..» H» .ml r,anmlrsr a ];vro Episódios a.) nos, aq- no Brasil. não estamos livres dela, Em 1982, dando uma palestra
vªns—uh,“, mrbin ti
mais xnfurmaçõcs
em 10114 Pais Editºra llucchc. para mais de 80 professores de Biologia do ensino médio, da rede pública,
,

Zunlmgís Hl'slqlllra. dr ,..ilnr...


tit “uii. F.
iii me, eliminam tiiiiilu l Hrlrvleírss Palavras
:;
a

(uduL.

eonstate' que o processo evolutivo nao era tema em cursos de nenhum deles, a Fernando Henrique Cardoso, durante um debate com Janlo Quadros.
Se a teoria de evolucao e cons deraria ur cadera de todo o conhec mento candidatos a prefeitura de São Paulo, em isso: O senhor acredita em
e

biológ co, como pode um professor dar um curso de Biologia sem ensinar Deus? Ao inves de responder sim, pois com essa resposta encerraase
Evolução? As desculpas. ora trar—,as, ora se arraoadas. veneram entre a falta o assunto e ninguem pergunta por quê. a pr meire reacao
de Fernando
de tempo e a de interesse, Em minha opinião e falta de coritieciirienlo e/ou Henrique fo' -
Boris, voce nr preniez u que nao faria esta pergunla! e s

medo das eventuais reações dos estudantes e de suas farrll les, depois alegou que se tratava de questao de rolo irillrilo, sem umidade para
Estou usando e expressaorali-a ue conheclmenlo, pois e preciso ter
avaliar o desempenho d um pierc'to, Embora a iesposta lenha do dada
ao Vivo e pub cada na integra nos Jornais do dia seguinte foi interpretada
Eriibors o l mite entre o conhecimento e
como ele tendo enrolado paia responder. o que levou a < on ) de que
a ignorância sala o mesmo onde termina um. começo o outro a reação
e e

das pessoas e d terente quando dito que ela nao tem conhecimento sobre
ele nao aoredltava em Deus. Segundo os analisla,“ pol ( epoca foida
uma das causas- de ele ter perdido a ele çan, no at , aquele momento
tal assunto do que quando se di7 que ele e ignorante sobre tal assunto. Ou.
e

simplesmente, quando se diz você e um ignorante em vez de dizer o
que rena e voce e conhecimento, sao diferentes modos de diser a mesma
e
tinria ampla vantagem nas pesquisas de lntençao de voto

osa e que tem efeitos diferentes. Aprendi sobre o perigo do uso do termo Categoria de criaclonistas
ignorânc a bem no inie o de minha carreira como pa estrante, em 1967, em Embora a designaçao criacionic ta seja aplicada de forma geral a todos
Maringá PR, Depois de uma exposicao sobre a evolucao biológica, e primeira que acreditam que 05 seres vivos nao têni unia O ern natural, existen]
pergunta que ve o do prio co (só depois eu soube que a pessoa era freire) diferencas entre eles.
foi; onde está Deus ric seu processo») E eu, jovem. inexperiente. rapidamente
As p ncipa s categorias de criaciorl stas sao.
e

respondi. Tanto para o processo evolutivo, qtlSnfr) para a (. )) gera/,


Deus era onde sernpie esteve no limite da ignoram a riurrieris. Nao e
e

a) os que see tam literalmente o :nxlo biblico, acreditam em Adao a, Eva, no


preciso dizer que o que falei pegou muito mal, Por mais de mais hora tentei (I ivio e na Arca rio Noé; creem qlln os rosseis de ari mas extlntos, como
Curllullíal o lha! estar causado, mas, certamente não cor! sgul, Er" vão foral“ os dinossauros, por exemplo, neoon-em do tato de Nos ter d lxadn alguns
minhas tentativas de dizer que o mite do conher— mento era o mesmo de anlmals na fora da ar.—,a, rei—, isam os dados de datação geoiog ca e acreditam
gnur r,icia e que a medida que o conhecimento avança o apoio a Deus se que a Terra rei-lha no maximo 10 000 anos
afasta, ou seis, quando o Homem nao sabia por que chovia era Deus que
fã? a chover, quando aprendeu sobre a origem da chuva, passou a atripu r a e) ha os que acreditam na datação geológica e argumentam que os ta s seis dias
Deus a re ponsabilidade pela energia olar que fez a agua evaporar e formar
na crl-ação seriam s mpol cos e que cada e poderia durar m noes de anos,
as nuvens-, quando Soube que no Ur verso havia varios astros como o Sol, e) outros sem tem a mutaçao, a seleçao natural e admitem que uma espeo e possa
atribuiu a Deus a criaçao do Universo. N o adiantou dizer que o limite do darorloem a outra, Porem. o aparecimento dos grandes grupos taxonomicos,
conhecimento cientnlon estava na origem dos átomos. na or gem do Universo também chamada de "macroevclucao', teria origem d vina;
e, em tudo sobre ita or'gem ri o tem ainda uma expllcaçào pode se a) existem tambem os que aceitam todo o processo proposto pelos cientlstas.
imaginar a presença de um (:rldd()r Por rhiais exemplos que eu desse ficou mas o recusam no que se refere a ideia do acaso e postulam que ele saia
sempre no ar a ide de que se a rieoee ade de Deus esta sempre alem produto de uma intenção, de um proleto (intelligent design) Embora alguns
do limite do conhecimento, ele estara sempre no ârnbllu do desconhecido, desses adeptos aflrrnem que isso nao tenha eonoiaçan religiosa, e proieii (.=
ou seja, dentro da zona da gnorancia. e de origem sobrenatural
Apos outra palestra. anos depo ia iii-a s expo lento. diante da pergunta: De mahelrª geral, a ma orla das pessoas ape ar de ter estudado
o acaso. dentro do processo evolutivo, nao pode ser Deus? Respondi sem sobre evolução nas escolas, não entende Cientificamente como O processo
pestanejar: Poole, E passe para a pergunta segu iiie. Tudo ficou tranqu o. funciona, e esse entendimento tem importância muito grande no debate
pelo rato de eu ter dito que podia, ACaImDu—SE e apa4tguuu— e o anime de entre evolução .: criacion smo,
todos, Ao responder. pode, eu nao afirme que era, e nem expus a minha
Existe um outro grupo formado por cientlstas, alguns oiologos, que sabem
speito, porque se a pergunta tives e sido não e Deus?, a
e

tudo sobre E] teo a cntl'l'lca da evolução. nin.) acredltaln llu fix 5


.rn e aigo que incornoda porque. como um oie-nr sra diz que nao péClP/S E não se CIIZBI'TI criacionistas No entanto. acredltam na existência
sabe alguma coisa? se ele fala
assim, e porque não acredita,,, e esta do Cr ador. E um paradoxo interessante; acreditar no CJF-adore nao acrodi ar
tamb ,rri e uma situacao difícil E famosa a pergunta feita por Boris que ele

[:E
iu Gal.!!! caso um su acaso
VHL“ u Atas“ capiiiiin 1 Prlmell'ãn palavras
espiiuln e
,
Palavras 11

questionadas aqui no Brasil até bem pouco tempo, quando a polémica


polêmica pressão da seleção natural e
De fato, quando, por algum motivo, a pressao
sobre
sopre cr
(:r
emo e evolucao
aciori smo
aeion outros pa ses, como
revoluçao ocorria em oulrus oorrio nos Estados atenuada sobre uma populaçao.
populaçao, estruturas complexas. como por exemplo
Unidos., e nao fazia parte das nossas discussões e elas podiam permanecer a pigmentação da epiderme ou o olho de animais de caverna, degenersm
pigmentaçao cla degeneram
irideniudas.
"idem-idas. erri
err. cima do [Iru/(J Cor"
cirria da Curu a expanaau das religioes no Brasil
e expansao Brasil, a lentamente por mutações e deriva genet ca
ea
aqu, o que cada vez rna s
questao passou a ex 5 por aqu s passa a exig r um As açoes c.: consequencias dos fatores evolutivos como seleção natural.
pusioienaniento dos L'cniistas
posicionamento e assumo.
L'cntistas sobre o assunto. ve genetica, m graçao e os padrões de cruzamento
iriuiaçao geniea. der va
iriutaçso
Penso que a explicação para essa postura seia decorrente decurreiite oa
da rrianeira
rriarieirra são tratados extens'vamente nos prhxlmns oap'iulos
oap'iuios visando —ihi itar,
Visando pos *ibi
com que adquirimos conhecimento ao longo da vida. a medida que historias com as informações deste livro, e acesso aos mecanismos propostos pelospeles
vao ndo lido contadas desde a ir rência. De vez veL em quer do a gente ouve (Juve entistas, Pretendo mostrar que ex ste exp cacao
<— entislas, (.ao-ao para a evolucao
evoluçae e a
hlstól'ia que e conflitante
uma historia oonflitante com alguma história ouvlda ouvida anteriormente Crlaclonlsmo nao e a Únlca
diversidade da vida e. portanto. acreditar no criacionismo
e () r:()nflil() si! se reStxlve, se () (Jal) (ias frís'itãrlas
frís'iKBrlas f(xr rernexidn & o
o embate possihilidade ou opçao existente
possihilidaoe
cnt'c as históras for resolv do. E, geralmente, quando o corlFI to envolve
pe, -oa
Qualquer po, “na optar ,, eum
corri mais segurança
segurança, por uma explicaçao
explicação ou
historias religiosas. nem sempre a rewséo revisão e feita,
outro. sobre qualquer assunto se puder confrontar
outia, por uma questao ou outra.
eutia
E
E por falar na importancia
irnporªtârlcia das histórias, conto aqui um episodio certa fontes rj ersas diª. lnfnrma ,
,
Lonuar como referência
(:unlrérlu, seni LDnuai
lnfnrl'rla .")e (East.) (:ulllrérlu
ocasião, eu estava fazendo compras em uma feira livre, vestindo
ocâslâo, vestlndo uma camiseta outras fontes de conhecilhento, tende a acreditar na primeira historia que
daAs—sociaeao
uuA-aauulaçàu Nacional dos Cr odores de Sac Duas senhoras. provavelmente contaram para ela,
mae
mais. e filha, mostraram ar de espanto ao lerem o que nela estava escrito
*

Associacao Nacional dos Criadores


Giradores de Sacie e eu aproveitei paia falar; É, () desenvolvimento do senso critico só ocorre a partir de informaçoes e a
influência tanto na
e

eu crio saci As duas se entreelhsram olharam de volta para mim, olhªram olhªrem consciência critica decorre de constantes análises e tem influencia
formaçao
formação da v da
de pameularde
particulares cada um, como na peru
parti peçª de nu
paç— o do (luo na
rid duo
para a camiseta e eu perguntei Voces nao sabem como corno se cria saci?
sac/? Com
Corn
Um individuo sem e sem sen
sem o critico
nrlricn ser mais
informação
e

.a resposta negativa, dada pelo balançar da cabeça, eu falei


a É simples sociedade, pode
histórias
a
e

mente
rrieiita lua
lud do
de ide as leadas ao de muitas poli ieaa.
,,

por longo lcas.


basta contar uma historia
história de saci para uma criança e. neste momento, um lar;
Senti ne as um certo ar de allvto,
cnaorni senil
sem esfera cnadnl
saci alivro, e a mais nova perguntou
ro
re g osas,
esas, terarias. lendárias, cient
oienl
serr mdo' Mas, você acredita em saci? Ao que respondi de promo
sorr pronto' Claro
__
e e

que siml A A mais velha não se conteve e pergunlo


pergunto Mas. ve ,a viu um
Mas, A conselência e o medo da finitude
A canseiência
sociº.» Ao que ou tamoem
saci"? lan1bón1 respondi. Claro que naoi não! Diante do
de sorriso meio A
A morte apavora a humanldade, provavelmente, desde o rnoirieiilu
rrioirieiilo em
decepcionado das duas, eu perguntei a mais velha — Você acredita em !Esusº que os primeiros humanos tornaram ns ienoia
lencia dela, É normal que as
Ao que ela respondeu de p ;- onto:
onto; Ciano que sim, Em seguida perguntei.
Claro nao se
pessoas não ao conformam ide a de que tudo acaba no momento ea
eonformem com a ido da
Ma você ja wu t)szjs?
l)szj<? I louva
louve um lncõmodn, elas começaram a
lim silencio incomodo, mone. E ineonfermaçae e a fonte geral da origem de todas as spam
E a ineonformaçao spect ações
pegar as compras para ir embora
embora, mas ainda pude acrescentar; Am Ah! E
E que sobre a vida após a mone.
morte. sobre a existence
existence. de uma alma imortal. sobre
confiaram uma historia para voce;
um ('I/F) conferem voa—e; a reericarnoc o e tantas outras especulações. incluindo a existencia de um
reeriearneç o
Ciência não e uma coleção
Ao contrario do que se possa pensar, a ciência ser superior, Corno o Homem nao consegue ver Ver seri idoldU na sua finitude
de fatos e teorias, mas sim um processo de reflexao oe entendimento do com a morte. e normal que tenha imaginado uma mente superior capaz Capa;
fenomenos naturais, o que exige regularmente, uma reorga zaçao mental de evitásEa. No entanto, por maior que seja a fé ra de um indimdito,
lndlvldun, no fundo,
diante de novos conhccimcnto
conhecimento quando pensa sobre sua existencia retiet neo
existenoia e morte, reflst ndo sohre sua condição
cêneio e de corpo fisico. sempre existe a duvida sera que
autocun cência
de aulucvn
lJm dos principais ar umentos dos stas contra
sias Contra o acaso no
e

onaoion
oriaoion
ulgul ia coisa depois da morte? Essa dúv da talvez seja a
realmente exlsle ulgui
processo r. o do nao pode oroduzii
de que o acaso não produzir estruturas complexas. Poiem,
Porém, raspe ta a uma ou
raspa actio que desde criança
qu stao que eu tenho, acho Porque.
Porque,
e
7

a eiene
pleno a dia o segu diz que nao acredita em Deus,
ite;
ile;
quando alguém ai; .De-us, a rnaion'a
rnai'on's das pessoas se
e estruturas complexas se Fixar" eue e um processo
learn por seleção natural. oue incomoda? Sempre pensei ser essa crença uma que, o e pessoal e que nao
deterministieo
oeterminlstloo, deveria afetar os outros Mas, por que afeta? Tªlve7
Talvez porque, quando alguemalguénn
os fatores casuais,
casuais. ou estecasticos,
estecastieos. no processo são a mutaçao e a deriva nega tal insri'gue a dúvlda
ter crença. insrigue dúvida do outro que gera medo, mer—ln, insegurança,
uma vez que Deus.
a
e

gene a e eles nao sao os responsáveis pela aval“


avoiu ao
,ao de comp
Camp exida
oxide Deus, segundo a ideia de sua oniscíóncís
onisciencia pode descobrquiie o
12 cada caso, um Caso, PumAcaso
capiiuig 1 Primeiras Palavras.
,

divx-duo esta questionando a propria crença Lembrosme, da minha época de que Deus existe condiçao necessária para que a premi
e —
primeira curnunhao, do padre perqunlanclo para mim no confessionario; Teve verdade a, Corno ainda não foi encontrada essa prova direta
misus- psrlsarrrerllth') isso me aterrori7ava, pois se ter maus pensamentos tentam, invertendo a lógica do s ogismo comprovara existo 1cia ao Deus- a
ere peeado, eu eslava perdido, embora nunca soubesse ao certo qua s dos Dallll da Culvulu e , d ersidarie e complexidade dos seres Vivos
meus pensamentos sr.-ani rrieus, Uma anedota sobre um padre, durante seria uma prova cla
,
eXistenCie de Deus.
uma rn ssa, exemplifica bem essa dúvida sobre a crença, Durante a missa, ulra tentativa e a de transferir a responsªbilidade para o ouvinte, ou
iglcj'd lotada. o padre, com voz pausada e solene, fala do pt'ilpito- Quem, ao para o interlocuto , :; quen ,a. uma estrategia de
morrer, quer ir para O neu, levante a mao, Houve um certo alvoroço o todos no açao e verdadeira, caso
os presentes, :eríl exeeçao, acompanhando o gesto do padre. levantaram nao possa ser comprovada como falsa
_
& m u, Algurl , *entfrldn se rria s perto da morte. pela idade. Ievanlaraln os
duas rr aos, pride-m abaixare disse o padre, para. em segutda. mas. novu Quanto aos boiogos evolucionistas, como de resto e..
o coletivo e sempre provar ou demonstra. o exista (,l'sl dos fenômenos, dos
pergunta Quem quer irpara o ceu agora. levante a mao. sue. isio prufun<1(z,,,
e

iates e enquanto so nao e Feito, não se pode af rmar que existam,


ninguem evantou a mão, nem mesmo o padre.
A c ência pane da premissa da luau existen a e lenta exp
paiª qL a] o processo evolutivo ocorre independentemerile de um criador um me
,

As premlssas para o entendlmento da evolução um projeto preconcebido por uma mente ente (intelligent design).
,

Adivcrg 'ncia bus Ca elllre os (: acionistas e Os cientistas a respe m do O fall) de os clentlstas partlrem dª premissa de que De ª. não existe,
processo de evolução organica dos seres vivus e “la na premissa a partir embora não ari monique ele neo ex ste e, nlentiflcamenle, nem poderiam,
da qual nada gr po desenvolve as ideias, e que as e os que temem a rnurie, Para e e , shelrgr
a termo evolucionista e aceitar que Deus não exlsle, e isso para eles e
Premissa Sign fica segundo f osoro reges falo eu —
ru— pio que
negaç (: ds principio a, consequentement, pecado, se nao me falha a
serve de base a cnrlc san de um racioclnlo,Assin1. um silogismo e ulu
one. pecado Capital.
argumento dedu vo rori lado pc)-rir
s propos _õPes sendo. as. duas primeiras.
mori
as premissas o. ;: Úllll'il'sl, a conclusao. Exemplo om frequencia, durante os cursos ou palestras. sou instado pu os
esiudalllcs uu uuvirlles a dar minha np W ãn sobre a existênc da aima ou
e Todos os rien-lens. srie mor—tara e
(premissa in:-.o. ;, de Deus, sempre Corri El pergunta: você acredita? No E.,-a “(> da exlsfêrlc ; da
7

e soererss e hnmgm , (premissa menor), e Bima ou de Deus, a ÚH resposta possível é Nao se]. Logicaníente esla
7

e
(logo; Sócrates e morta;
(conclusão) resposta nao sat staz e, na sequeneia. sempre vem outra pergunta; Mas, o
qu':- vor. achu? E a lradlçãl) de querer saber () dspo mento pessoal, Adúv da
e

Em Sintese podemos dizer que o silogismo (: um argumento pelo qual,


de um antecedente que liga dois termos a um tense ro, arse uma conclusão
central desta questão e se a alma ou Deus exlSleln, Como eu posso achar
alguma coisa sobre algo que eu não so'? E quem sabe? Suponha que Deus
que une esses dois tei mos entre l -ta e eu diga que acho que ele nao existe, Ele deixara de exist r por causa
No caso do cr'a onisrno o, ng'smo e o segt nte: o? Suponha que r o ex la e eu diga que achn que existe, Ele passara a
_ Deus exisre
ex stirªso porque acho? Ou seia, o que eu acho e irrelevenle para responder
(premissa mai ).
,
a pergunta central, uma vez que a minha primeira resposta foi Neo ser.
DOMS (: onipoteule (pÍeÍVHSSd rneriur);e
,

O livro (. uíilu em 1968. por Erich vorl D'arllken, com o titulo em portugues
(logo) se Deus sxrsm e e Drvlpotante, efe eo eu.—Joe, du todas; as cºisas e

Eram os deuses astronautas? e exemplo (1 oaeoes o-"Jes- '()bre o que


(conclusãº). nao se sabe Por exemplo, na época em qu ' ro fo eserto não se seuie
e
A partir ciesse ras ooinio o problema e prúv i que a prerr ssa maior
o rir-us da prova isso e, a responsabilidade de comprovar unl
e origem das famosas pedras das mas de Paºsooa, no Pacifico Sul e nom
—orreia CUIIIU elas haviam sido eoloeaoas nas posições em que se encantram. A
enunc15du,e erripre (fe quem fz? a afirmação, Eis a dificuldade: provar
, partir dessa falta do Eunheuilrlenltj, () livrt) (:()nnlu a que elas. haviam SIGO
colocadas la por seres extraterrestres.
uim- .
“i— me « pesquisa sobre Song""; < Aali<ír15. que Tive um e 'luda le CIIELILJII la que rio da do exame me prncurou
r :. r. se.“ ,. ra<iocíl1ícs .; (onciusoes dizendo que não pode a fazer EI prova porque nao aureuilava IIH avulug.do,
elztulv. avr. Ing/3, as guias púcxn
Foi um imp—ae e. Eu so Li ma intenç' o de ensinar oologis mas ele estava
nm,.

.sii-rsi.1m...rrym pm..“an pr,—mmm m


as “ºs pne-n :u_u. ª[Jucu] salvar-udg a própria alma. o dosnivol das lnlcliçuuºs; era enorme. A Soluçel
fnl propor que. ao responder as questões, ele as n' iasse escrevendo. o
(ivos.
wc; luas não sao rtl-reas < A “maus so. os galús “(.t. i,...sr.
14 GndafG-àsn, um osso ,,rumAcaso Capllulu 1e

primeiras Faiavras

prof ssor falou que nu no livro esta escrito que — ou ainda — de acordo e concessão de auxílios financeiros para as pesquisas Científicas, como ja

e e

com fulano a, e f nal da prova, ele escrevesse mas eu n o acredito em ocorre nos Estados Unidos.
nada disso, Deu certo. Ele fez a prova, tirou nota alta, e o que vai aconteoei
Deve icar claro que a BIQÍDgla,G|71bUra uma ciência que possa ser desc ta,
com as nossas armas, eu nao se.
quantlficada, comprovada, nao c uma » oe exata como a Malemàllca

Sobre esea questão de anrmar que acredita ou nao na existência _cle nu soa e mentes tem repetib dade baixa, decorrente,
principalmente, de cada caso ser um caso, A Geneilcz e :. Évolução também
I, não sao ciências exatas porque a quant dade de varláve s que interferem
simetria na punição por errarno palpite, portanto, e melhor acreditar em nos processos e muito grande e nao constanteª.
Deus porque. se o e estiver certo, voce podera ganhar o seu e. se Aquantidade de lacunas no conhecimento aiuel nao e evldéncla de que
estiver errado, não fere nenhuma diferença, Porem, se voce disser que nao como o o processo evolutivo. E que o processo
acredita em Deus, e estiver errado. a chance de ir para o inferno e enorme nao e simples, e nem seria esperado que Fosse simples explicar algo tão
e, se es Ver ceriu. : o fara diferença. complexo como a o vers dade da vida, a o entendimento do processo, em
todos os aspectos, exige conhecrnrerito biologi —o de rnuila amplitude,
As lacunas no conhecimento
Evidentemente ainda existem muitas lacunas e serem preenchidas no Desv os no entend mento
cont-ec mente sobre e oi uem do Universo, a origem da a, e sobre e A evolucao biolog ra e um processo complexo e, davtdo a mmpzsxiclaos,
prosa temente as lacunas do conhecimento que os e muitas vezes inal nterpretsdo, Provavelmente, por desconhecer o
criacionistas tentem preencher. Essa e uma maneira de pensar perigosa processo muita gente penso que poderia ser mais simpies. Os mais graves
para os Objetivos deles, porque a historia mostra que a maioria das lacunas desvios de interpretação são feitos por profissionais da ar ologica que,
dr) cmnheclmento do seculo 19 ÍDI preerluiildu no seculo 20, asslm carne por dever de prprisseo e por lerem shinenn io biologia, iulgam-se em
em toda a ti tória de hurrienidade, o que indica que as lacunas de hoje con o obrigaçao de em ir opin ao rc—po o. Esses comportamentos
poderao ser preenct das a medida que o conhec nento avançar. Sabemos, sen encontrados entre biólogos, medicos, dentistas psicólogos Estudar-tes.
Tluje, inu o mais do que sabiam os gregos, os ilum n stas, os bic-logos da Daclentes, fsm lares dos mesmos, costumam Consideràelns nemo pessoas
década de 1930. Geralmente, o conhecimento cientifico avanca de forma informados sobre problemas biologicos e. quando ques ionados, mesmo
dendr os com a vanguarda do conhecimento se assemelhando as pontas nao sabendo a resposta, fazem exposições sobre o assunto começando,
dos dedos de mao, deixando espaços que serao preenchidos por trabalhos geralmente ess rn: Eu acho que I:, seguem com explicações geralmente
incorretas, preconceituosas, ou com afirmações infundadas —- o dente do
e

posteriores, equivalentes a palma da ineo siso vai desaparecere as pessoas que têm o dente do siso inc/uso sao mais
Como tudo em c eric a, toda vez que uma h potese e cien avoluldas do que as que se apresentam com o dente normal, Falam tembem
ou uma teoria cleritíf'lca e demonstradacomo sendo errada. () entendimento sobre o futuio desaperso rnontp do spend oe intost nal e ass rn por diante
sobre e problema e alterado, Muitos assuntos que expus na (1 .cada de 1960
c 1970 foram demonstrados posteriormente que estavam incorretos devido As interpretações errôneas ma comuns ocorrem em reação a origem
ao avanço do oohherirnento. especialmente na area de Genet pa Molecular. das variaooes e a aoso da seleção natural, ou Seja. as questões que) Darwm
Passei a informar as novas versões, sempre atento aos pontos polemicos, começou a responder ha 150 anos.
os quais sempre poderao ser alterados por novos conneeimentns, Exern flco tambem como invenceo de explicação a ideia de que
ex ste compensação no processo evolutivo, Recentemente, ouvi
Portanto, o que incomoda os CrldLlU iistas, e tem ação corrosiva sobre o
que e proposto por eles, e o rato de a c no e apresentar alternat va sonda.
argiimentacan da um médico Segundo ele, a medula nervosa espinshal
-
comprovada por rniihare de pesquisas, para a origem do Universo. da
no. cangurus. quando lesionada, regerase em semanas e o canguru volta
a viver normalmente, enquanto na espécie humana a ir.—sao de medula e
evolui,—.ao do. sere v vos, eirieacendu uu enfraquecendo a idea de que
nn teria sido ohra de um cr ador. que e o principal argumento para se irreparável, acarretando paral sia permanente a partir da reg ao lesionado.
mar que Deus sx ste

.,
Pelos mot vos apontados, observo que os evolucionistas incomodam muito ;. A ostenta vales: se uma tit-"tra “...s porque _. province"
mars < de “genes i.e. de Mznde] respectivamente. me p
mais os cri-e ionistas do que os criacionistas incomodam os evolucionistas lxdªdz aos san zxc=ç()=5- POIS ;distªl] ;cn:): A açao da com <: nªl-anlfest-Isàa da feno-inc, as
o criacionismo se incomoda quando, atraves de lobby poli ico ou pressao dx)minân()as, .;apossªr. e; :aracrcrcs Folígcnicos. tornain :Generica mais sujeita A variável:
popular, tonta barrar o ensino do processo evolutivo nas escoias ou barrar du que mªt—mm as Lcls' de M
16
is casa caso
Cada Caso um caso
casa puro Acaso
FuroAcaso

Estes estudos buscam lruturais entre a medula


Charles R. DarWIn e
niiscam decifrar as diferenças e truturais

iºlndo
do canguru e a do Homem numa tentativa de encontrar uma soluçao para
dn
a falta de regeneração da medula humana, Enquanto a exposlção sobre o
estudo lim avaese
avaase a esse aspecto, estava tudo bem e muito claro Porem, a
complicação Começou precisava dar uma explicaçao
começou quando ele achou que preoisava explicação
Alfred R. Wallace
para essa diferença, sempre na velha tentativa de querer encontrar um
motivo para o prnr seo evolu
proi— sso evolti evo! itivo deu
?, seg ndo e e, o processo evol
ao l lcmem um cerebro mais
lomem tim mais. desenvolvido, mas, em compensaçao, tirou a iunca sei eu
iunce men/no de duvidas ou um
ao (.Bllu se sou um mei-imo
napacmlade de regeneracao
capacidade regenerªçãn da medula cede—<a> o:; venta
homem de fé cerleaes Ipva so
vento leva so duvidas continuam de pe"
Peu/o
Peti/o L:“rnlnskl
L:“rnlnski
O uso da especte humana como exemplo
espéc'le humana e
com menos de 500 rn anos, & espec'le é muito recente se
especues de milhoes de anos Pode ser afirmado: o
comparada a outras especies o processo de evolução dos seres vivus
o vivos atreve da oa seleçao
seleção natural
Homem acabou de chegar, Ate chegar a espécie Homo sapiens, o processo fo" 'maginado
'maginedo por Wallace e Darwin ooase rnuitanearnente, Dzese
quase , muitaneamente,
,
Dzase que
evolutivo dos hnrnírlídens
hnrnírlídF-ns & (ie
(ii—— Seus HRKeskrais
SEUS ari: (xrlgerYl da vida fui
astrais, desde a ()rlgerYl simultaneamente porque pode haver uma d srença
quase srmultaneamente erença temporal entre
dem-ais- organismos A especie tornou-
igual ao dos dem-als
igual ternou--se diferente das demais a ocorrência da formuleç
formulaç outro Darw n estava na inglaterra;
por um e oiilro
'
'

Quando adquiriu
adquirlu a uapecldadede falar e
& capacidade &! llverarll rl Wall—acc. na Malásia,
Wallace. Malásia, e o contato entre eles era procárl'o
cultutais
culturais que levaram o l—lo Con1eçar a controlar as condlções condições
hipótese evolutiva tornou—se pública através da apresentaçao
A hipotese apresentação em 1= 1=
s e armas dominando o fogo, fogo usando
'allrnenlcs Eru daugrrênpd dissº, rnu [as veLes
(:()zinhandn) 'allrnanlcs dejulho
dejtilho de 1858,
1858, na Lynnean Society, em Londre
Loiidre com o titulo "Sobre a
pode parecer dÍÍlL I estabelecer
eslabelecer os Us (Illleã entre 'cl evoluS. () blolÚgiU e as
'o! evoluç
Tendêncta Especies de Formare.“ Variedades; e -ohre
Tendênc1a das Espécies -abre a perpetuaçao
perpettiaçao
alteraçoes cultur onanto. e pr
ortanto. o cuidado usar a espécie humana das variedades e Especies por Meios
Meios Nslulale
Natuials de Ssleg fhe T
Sslag o" (On the
como exemplo nas explicações sobre evolução biologloa, fonn Var «res;
of Species to form 'Ues; and on thezhe fºsrpstljstlorl
fºsrpsnjstiorl nf Van,
biológica,
.Species cy Namie-1 Means
by Natural orSeiec—tiori), A apr
Means ofSeleCtiUrl), api—
Outra confusão cornurn é a tentativa de ap car conce tos éticos e morais. dos dois num único texto fOl lida
loxlo foi Ilda por colegas da |)arwn, que nao estava
de Darwn
de bondade e de maldade a evolução biológica E uma visão do processo presente por rnotivos part ulares e tambem na ausenc
aiisênc a de Wallace, que
que ap a critérios próprios da cultura humana aos outros organismos. estava na Mal
MalIásla.
Iásla.
exposiçao da teoria nao eausou
A exposição causou nenhum impacto
impacto, talvez pela Forrrla
pola forma
Linguagem fina lsta eum ldeias novadoras cujos _.igii
corn que foi feita ou por apresentar ideias sign "Caldas e
a
Um recurso muito comum na tentatlva de tornar a teoria evolutiva mais importancia nao
não foram compreendidos, tsso:sso
ja aconteceu varias veaes
veses na
fácil de ser entendida e o uso de linguagem finalista
facil finallsla A linguagem finalista h tons de ciencia com
teria da nnr'rl trabalhos tambem importantes. como o de Mendel,
Mendel,
natur dando para eles uma conotação determin sta
explica os fenomenos rlatur a, cerimõn a de encerramento do ano acadêmico da Lynneari
No discurso da cerimon Lynneaii
lntenclonals direcionados para, Embora generalizada
como se Fossem todos lntenclonals, presidente lamentou que o ano do 7858 tivesse se encerrado sem
Society, seu presldente
nao oioiogos.
entre pao bioiogos. a I nguagcm Finalista e muito empregada, mesmo por
nguagem finalista nada de muito interessante houvesse sido descuberlu em Biologia.
que nada
professores de Biologia,
Histor camente, é Darwlrl ser mul
nwulto diSCuLlLID U ÍHlK) de Darwin
é ntulto mui o mais
Exemplos de linguagem finalista: as árvores do Cerrado têm casca conhecido Wallace, uma vez que a hipótese
como autor da hipótese do que Wallªce,
conhccldo eorrio

e
e

grossa para se protegerem do fogo a lagarta da borboleta enrnlas


enrnlae —e em enviada em art-aarte a Darwin era praticamente giial a,a dele e. tanto quanto
uma folha para se proteger do mariposas ficaram escuras para
para saDDWaI13celá
se sabe nawa publicado parte da ideia antes de enviar a carta
Wallace la navia
bcijaafiorcs tem pico comprido para penetrar
escapar dos predadores. os bcijasfiorcs a Derw
Darvv i,i, Portanto, sob prloridade e
snb o ponto de vista formal. a prioridade o de Wallace
nas flores Todos os refe dos exemplos passam a idcla de que ter casca
grossa. enrolarnsc nas folhas, ficar escura, aumentar o tamanho do bico,
tenham decisoee conscientes dos organis
o decisoes organismos, dade.
mos, quando. na real dado, DaiWin, uma vez que, em Correspondênclas particulares a colegas, desde
Darwm,
eSSHS estruturas surgir-cult pelrnancccrarrl nas populações
surgir-snr" por lrlulações e peirnancccrarrl 1840, Darwin já expunha a idcla
a decada de 1840, ideia do scieçao
seieçeo natural como
por serem adaptativas e. consequentemente
consequentemente, eunioritarc prosa ade
auniontarc n a pzoba ado responsavel pela d
(1 eren ação das populações e anger" das espécies.
especies.
doa idiv duos que
sobrevwerie a dos
de sobrevivenc uem ta s oaracteris
qui.- pos uom coracteris cas.
18 Cada Caso. um Caso...Puro Acaso Capitulo 2 Charles R. Darwin e Alfred R. Wallace
,
19

Se foi assim, por que Darwin ficou mais conhecido e a ele é atribuído o A teoria causa impacto ao falar da evolução do Homem
papel principal como autor da ideia? Não entrarei profundamente no mérito
dessa polêmica, mas o fato é que Darwin já era mais conhecido do que Em 1871 , doze anos após a publicação da Origem das Espécies, Darwin
Wailace no meio acadêmico e, a partir da apresentação de 1858, Darwin publicou o livro que realmente levantou a polêmica sobre a teoria, uma
publicou vários livros sobre o assunto, e sobre biologia em geral, resultado vez que ele estendeu, explicitamente, para a espécie humana, todos os
de décadas de trabalho, e essas publicações provavelmente tenham conceitos que havia postulado para os demais seres vivos, em 1858 e 1859,
auxiliado na ampla divulgação das ideias evolutivas e na consolidação A publicação do livro A Descendência do Homem e Seleção em Relação
de seu nome. Os biógrafos consideram uma possível inibição de Wallace ao Sexo (The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex, 1871 ), por
em publicar detalhes dos seus dados e ideias, uma vez que Darwin ja o ter inserido o Homem no restante do mundo animal, e considerada uma
havia feito. O primeiro livro de Darwin foi publicado em 1859 com o título: das ideias que produziram os três maiores traumas pelos quais passou a
"Origem das Espécies” (do original, em inglês, On the Origin of Species humanidade. Os outros dois traumas teriam sido infringidos por Copérnico,
by Means of Natural Selection, or The Preservation of Favoured Races in ao afirmar que a Terra não era o centro do Universo, e por Freud, ao postular
the Struggle for Life). Segundo a história, esse livro teve a primeira edição, que o ego estava sujeito a determinismos internos cuja verdadeira natureza
de 1250 exemplares, esgotada rapidamente. Todos os conceitos e bases permanecia inconsciente.
da teoria proposta estão expostos nessa edição. O impacto do livro, na A reação a publicação de 1871, nos meios científicos e na sociedade,
época, limitou—se ao ambiente científico. Nos anos seguintes, ele publicou foi imediata. Afirmar que a espécie humana teria surgido a partir de outra
outros livros sobre biologia e entre eles destaca—se “A Variação de Animais espécie e, portanto, não seria obra direta de uma criação, abalou a sociedade.
e Plantas sob Domesticação (The Variation of Animals and Plants under Historicamente, consta que Darwin, ao ser pressionado, teria procurado
Domestication). Wallace como um aliado, porém Wallace não concordou com a extensão
da teoria da seleção natural a espécie humana. Segundo Wallace, a teoria
só se aplicaria aos demais seres vivos e a origem do Homem seria mais
transcendental. Assim, Wallace afastou—se da polêmica e diminuiu sua
responsabilidade pelas consequências da teoria e, praticamente, abriu mão,
em vida, de assumir a polêmica sobre a teoria que propunha a evolução
dos seres vivos através da seleção natural. A meu ver, essa foi a principal
razão de ele ter sido colocado, historicamente, em um segundo plano como
autor da ideia.
Poucos tiveram acesso ao livro escrito por Darwin, embora muitos tenham
lido e ouvido opiniões sobre ele. Em decorrência, muitas ideias não formuladas
por Darwin foram atribuídas a ele e muitas outras, estabelecidas por ele,
ficaram negligenciadas. Apenas como exemplo, cito o fato de Darwin ter
proposto uma teoria para o surgimento de novas espécies a partir de outras
e não para a origem da primeira espécie (ou seja, para a origem da vida).
O não entendimento e extrapolação de ideias e informações novas é
problema comum. Com frequência em cursos ou palestras sobre evolução,
após a exposição ou apresentação de uma nova ideia ou raciocínio, ocorre
a intervenção de algum estudante ou ouvinte começando uma pergunta da
seguinte maneira: então quer dizer que... e, na maioria dos casos, o que é
dito é um viés sobre o que foi falado ou, algumas vezes, não tem nada a ver
com o assunto. No entanto, se não tivesse sido feita a pergunta, a pessoa
sairia dizendo que o professor, ou o palestrante, teria dito alguma coisa que
na realidade ele não disse. Corno a maioria dos ouvintes não faz perguntas,
esses mal—entendidos devem acontecer muitas vezes, especialmente sobre
Figura 2.1 — Seleção artificial em pombos selvagens (1), resulta linhagens com estruturas bizarras, assuntos polêmicos, sobre os quais cada um tem a tendência a filtrar o
como as expostas em (2), (3) e (4).
20 Cada Caso, um Caso.,.Puro Acaso Capítulo 2 Charles R, Darwin e Alfred R, Wallace
,
21

que escuta, ajustando as ideias a conhecimentos anteriores aos próprios . O interesse pela evolução biológica decorre do fato de discutir problemas
interesses e emoções. Certa ocasião, numa palestra para um público basicos e por apresentar explicações que se chocam com dogmas de fé
diverso, falando sobre o conceito de população, afirmei que nos organismos sobre a origem dos seres vivos na Terra. E, se questiona os dogmas sobre
de reprodução sexuada um indivíduo sempre depende de outro para poder a origem, também mexe com o conceito de fim da vida de cada indivíduo
se reproduzir. No final da palestra, uma senhora procurou—me dizendo que e esse é o ponto mais crítico. No entanto, ela e simplesmente uma teoria
tinha adorado quando eu disse que as pessoas não podem viver sozinhas, científica que tenta explicar os fatos com o conhecimento que se tem e, como
que dependem sempre umas das outras. Demorei alguns segundos para tal, sujeita a alterações e ajustes decorrentes do avanço do conhecimento.
entender o que eu teria falado que dera a ela tal interpretação. Embora ela possa abalar dogmas de fé, não foi feita para isso e nem pode
ser responsabilizada por tal. Em nenhum momento Darwin aborda questões
Toda vez que uma pessoa recebe uma informação nova, ela tenta
conectar a informação ao que já sabia ou pensava sobre o assunto. Por religiosas em seus livros. Se um dogma e abalado por uma explicação
outro lado, se ela nada sabia, a informação é recebida de forma mais científica, e o dogma que deve ser revisto e não a explicação científica. A
teoria da evolução, como de resto toda a ciência, também não pretende ser
passiva, aceita ou não, mas passiva. Tal situação é muito comum em relação
uma filosofia de vida nem materialista nem espiritualista, ou seja, não foi
às informações científicas que são passadas a sociedade. Poderiam ser
citados muitos casos para mostrar essa realidade, mas cito apenas a teoria
feita para orientar o comportamento e nem a filosofia de vida das pessoas.
da relatividade proposta por Einsten (1 879—1955). Embora importante para
Na informalidade familiar, eu já ouvi o seguinte comentário: — Nossa, apesar
a Física, de enorme divulgação e aparente facilidade de entendimento, não de ser evolucionista, você é uma pessoa legal, tanto no convívio familiar
comoveu os leigos. Por quê? Talvez porque pareça uma informação distante corno social. Ou seja, para quem fez esse comentário, um evolucionista
da realidade do cotidiano e em nada interfira em conceitos ou modos de deveria ser um sujeito meio perigoso, sem ética ou moral, que usaria a luta
viver de cada um. pela vida ao pé da letra, eliminando seus concorrentes e assim por diante.
Foi o que supus após tal comentário.
O mesmo não aconteceu com a teoria evolutiva. É difícil encontrar
alguem, em qualquer nível de escolaridade, que já não tenha pensado
sobre o assunto elou já não tenha tornado uma posição pessoal a respeito, Premissas e conclusões da teoria
geralmente começando com as palavras: Eu acredito que, eu acho que, Voltando à teoria de Wallace e Darvvin, é evidente que 150 anos depois,
na minha opinião, e assim por diante. Observo isso em reuniões sociais, embora confirmada em sua quase totalidade e em sua essência, elajá tenha
quando alguém descobre que sou biólogo e que trabalho na área de sido alterada em alguns aspectos e corrigida em outros. Nesses 150 anos,
Evolução e procura me dizer o que acha a respeito, mesmo que eu não milhares de pesquisadores estudaram o assunto realizando pesquisas em
tenha perguntado. Escuto, simplesmente escuto, mesmo que não concorde. laboratório e/ou na natureza. É importante notar que há mais de 100 anos
Não interfiro porque do contrário terei de dar explicações e a conversa não é publicado nenhum trabalho que conteste a ideia de que os seres
pode se prolongar e geralmente o momento não é adequado. Só respondo vivos evoluem, apesar do enorme volume de pesquisa sobre o assunto
quando questionado e de forma rápida, Reajo quando, na empolgação da durante o período.
argumentação, o interlocutor dispara — Você não acha? Ao que respondo:
Eu não acho nada... você fala e eu escuto. Outra tática e levantar polêmica Como a ideia desta publicação é apresentar o pensamento atual, comento
sobre o problema proposto para deslocar o foco da questão. Urna ocasião, rapidamente alguns fatos históricos. Antes porém, apresento, de forma
abordado por um psicólogo que insistia em expor suas ideias evolutivas, esquemática, a ideia básica da teoria de Darwin e de Wallace e discuto os
em um estacionamento do campus, tive de ouvir um discurso racista por problemas não resolvidos por ela, na época, e que fizeram com que ficasse
uns 5 minutos, tempo no qual fiquei tentando encontrar uma maneira para quase ignorada durante uns 50 anos, de 1880 a 1930 aproximadamente.
sair da conversa sem rebater ou contra—argumentar sobre o que ele falava. Não há dúvidas históricas de que tanto Darwin como Wallace tinham
Na quinta vez que ele usou a expressão a espécie humana atual, achei a conhecimento dos livros publicados por Thomas Robert Malthus (1766—
brecha que eu esperava, interrompi e perguntei: — De que espécie humana
1834).- Há alguma controvérsia sobre o impacto que isso tenha causado
atual você está falando? Dos esquimós, dos aborígines da Austrália, dos em ambos e a real influência deles na formulação da teoria evolutiva, mas
índios Yanomamis, dos pigmeus, dos bosquímanos, dos negros nilóticos? essa é uma questão especulativa.
Surpreso com a pergunta, balbuciou: — Estou falando de nós... Ao que eu
prontamente completei: — Ah! De nós, descendentes de europeus, indios, O primeiro livro de Malthus foi publicado em 1798 com o título Um ensaio
africanos, asiáticos... Aconversa acabou e provavelmente ele tenha ficado sobre o princípio da população na medida em que afeta o melhoramento
pensando sobre a diversidade da espécie humana atual. futuro da sociedade (An Essay on the Principle of Population, as lt affects
22 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capitulo 2 Charles R. Darwin e Alfred R. Wallace
e 23

the Future Improvement of Society) e o segundo, quase uma reedição do 3. Os indivíduos de populações naturais apresentam variações entre si,
primeiro, foi publicado em 1803 com um título que mais parece um resumo: Deduções que servem de base à teoria:
Um ensaio sobre o principio da população ou uma visão de seus efeitos
1, Como em geral as populações permanecem sem grandes alterações de
passados e presentes na felicidade humana, com uma investigação das
tamanho populacional ao longo das gerações, deve ocorrer sempre grande
nossas expectativas quanto a remoção ou mitigação futura dos males que
mortalidade.
ocasiona (An Essay on the Principle of Population; or a View of lts Past
and Present Effects on Human Happines; With an inquiry into our Prospects 2. As mortes, responsáveis pela manutenção do tamanho populacional, não
Respecting the Future Removal of Mitigations of the Evils which lt Occasions). ocorrer/am ao acaso. Os indivíduos que possuissem qualquer variação que

Esses livros, com enfoque maior em sociologia econômica e não em fosse vantajosa teriam mais chances de sobrevivência.
biologia, tratavam principalmente da questão do tamanho populacional e do . A grande novidade da teoria é o fato 3 e a dedução 2, ou seja, as
crescimento da população humana e suas consequências na sobrevivência d_|ferenças encontradas entre os indivíduos da população poderiam
da humanidade. Significar diferença na capacidade de sobrevivência e, em decorrência, a
A postulação básica diz que potencialmente as populações tendem probabilidade de morrer ou sobreviver não seria ao acaso, mas dependeria
naturalmente a crescer numa progressão geométrica (2, 4, 8, 16, 32, das características de cada um.
64, 128, 256, 512, 1024) enquanto os alimentos tendem a crescer em
uma progressão aritmética (2, 4, 6, 8, 10, 12, 14, 16, 18, 20). Assim, a Textos de Darwin
capacidade potencial de a população crescer e muitas vezes maior do que
A seguir, transcrevo trechos do texto original de Darwin para mostrar
a capacidade da Terra de produzir alimentos, o que previa a ocorrência
de uma crise de alimentos capaz de comprometer a sobrevivência das a maneira pela qual as ideias sobre variação e seleção natural foram
apresentadas por ele:
populações. Segundo Malthus, essa crise só não havia ocorrido ainda em
decorrência da alta mortalidade de população por outras causas como, (._.) Como nascem mais indivíduos do que o número dos que poderiam
as doenças, as epidemias, as guerras. Esse é o ponto principal que deve sobreviver, sempre haverá uma luta pela existência, seja entre os da mesma
ter causado impacto em Darwin e Wallace, embora os livros de Malthus espécie, seja entre eles e os de outras espécies distintas, ou seja, os indivíduos
enfoquern outros pontos muito interessantes sob o ponto de vista social, e as condições de vida existentes em seu habitat. Trata—se da doutrina de
discutindo, já em 1803, o problema do controle da natalidade e os impactos Malthus aplicada com redobrada força a todo o reino vegetal e animal, uma
econômicos, sociais e de sobrevivência causados por uma superpopulação vez que nesse caso não pode acontecer o aumento artificial dos alimentos
humana do planeta. ou a restrição prudente dos acasalamentos, (...)
Na natureza, essa progressão de crescimento populacional estudado (...) A esse princípio atraves do qual toda variação, por menor que seja, deve
por Malthus é, na absoluta maioria das espécies, ainda mais intensa, porque preservar—se, desde que apresente utilidade para o indivíduo, denominei “princípio
a base da progressão não e 2. Por exemplo, um casal de moscas, ou de de seleção natural", a fim de frisar sua relação com a capacidade humana
peixes, sapos, ratos, baratas podem potencialmente gerar dezenas, centenas de seleção. A seleção natural é uma força que se encontra incessantemente
ou milhares de filhos. Se a mortalidade dos filhotes não fosse enorme, pronta a atuar, sendo incomensuravelrnente superior aos frágeis esforços do
cada casal seria capaz de atingir cifras astronômicas de descendentes em Homem nesse mesmo sentido. (...)
poucas gerações. (___) O Homem pode agir apenas sobre os caracteres externos e visíveis,
Assim, a teoria proposta por Darwin e Wallace considerou, como fenômeno enquanto que a natureza não cuida das aparências, salvo naqueles aspectos
fundamental na estrutura biológica das populações e espécies, o equilíbrio que se possam revelar úteis a cada ser vivo. Ela pode agir sobre qualquer órgão
entre a potencialidade reprodutiva e o fato de as populações não explodiram interno, modificando qualquer característica estrutural, por mais insignificante
em tamanho populacional em decorrência da alta mortalidade por geração. que seja, do complexo mecanismo vital do indivíduo. A seleção dirigida pelo
A teoria pode ser simplificada em fatos e deduções, como se segue: Homem visa apenas seu próprio bem; a da natureza se volta exclusivamente
para o bem do indivíduo modificado. (...)
Fatos observados na natureza:
(...) Como será que a luta pela existência age com respeito a variação? Sera
1. A potencialidade reprodutiva das espécies faz com que elas cresçam em que o princípio de seleção, que vimos ser tão potente quando dirigido pela
progressão geométrica," mão do Homem, poderia ser aplicado na natureza ? Os indivíduos dotados de
2. O aumento da produção de alimento cresce em progressão aritmética; alguma vantagem, mínima que seja, teriam maiorprobabilidade de sobreviver
24 Cada Caso. um Caso._.Pur0 Acaso Capítulo 2 — Charles R. Darwin e Alfred R. Wallace 25

e reproduzir seu tipo? Por outro lado, podemos estar certos de que qualquer e, pesada, atrapalha o animal ao correr, aumentando sua vulnerabilidade
variação que se mostre nociva, por menor que seja, acarretaria inflexívelmente aos predadores. A essas críticas Darwin respondeu, escrevendo:
a destruição do individuo, É a essa preservação das variações favoráveis e
(:..) Devo estabelecer como premissa que emprego a expressão luta pela
eliminação das variações nocivas que dou o nome de seleção natural, (...)
existência em sentido amplo e metafórico, incluindo nesse conceito a ideia de
(...) Pode—se dizer que a seleção natural, onde quer que ocorra, está passando interdependência dos seres vivos, e também — o que e mais importante não —
por seu crivo, dia a dia e a cada hora que passa, toda variação surgida, mesmo só a vida de um indivíduo, mas sua capacidade de deixar descendentes. (._.)
a mais insignificante, rejeitando a nociva, preservando e ampliando a que for
útil, trabalhando de maneira silenciosa e imperceptível, quando e onde se
oferece a oportunidade, no sentido de aprimorar os seres vivos no tocante Seleção sexual
às suas condições de vida orgânicas e inorgânicas. Não somos capazes Como um componente, ou caso particular, da seleção natural, Darwin
de perceber essas modificações tão lentas, ate que a mão do tempo tenha apresentou, no livro de 1871 , a hipótese da seleção sexual, através da qual
marcado os longos lapsos das eras, (...) a vantagem adaptativa de um indivíduo para sobreviver so tem importância
(“.) Sementes do mesmo fruto e filhotes da mesma ninhada eventualmente evolutiva se essa vantagem redundar em maior capacidade reprodutiva,
diferem consideravelrnente entre si, ainda que tanto pais como filhos tenham ou seja, maior capacidade de deixar descendentes. Por essa hipótese, a
sido aparentemente expostos às mesmas condições de vida. (___) eventual desvantagem física provocada pela cauda do pavão ou pelo chifre
dos alces, seria compensada pelo sucesso reprodutivo se as fêmeas, de
(...) Há muitas leis que regulam a variação, mas somente algumas são conhecidas,
cada uma dessas espécies, cruzassem preferencialmente com os machos
e mesmo assim obscuramente.., As leis que regulam a hereditariedade são
com tais estruturas maiores; assim, ao longo das gerações aumentaria a
inteiramente desconhecidas. (..,)
chance de que machos com caudas ou chifres maiores tivessem maior
número de descendentes, e seus descendentes machos, por terem herdado
Afinal, o que significa seleção natural? a característica, também teriam mais sucesso e assim por diante. A ideia
A seleção natural e a eliminação, em cada geração, de indivíduos mal foi generalizada para explicar o dimorfismo sexual (diferenças físicas entre
adaptados ao ambiente. O complementar dessa ideia e que a seleção os machos e as fêmeas de uma mesma espécie). O dimorfismo sexual,
natural é a maior probabilidade de sobrevivência, em cada geração, de comum em diversas espécies de aves que apresentam machos mais vistosos
indivíduos melhores adaptados ao ambiente. Seja qual for a razão da melhor que as fêmeas, como o pavão, o galo, e também encontrado em algumas
adaptação, ela só tem consequência adaptativa/evolutiva se, em decorrência espécies de mamíferos, como no alce e no leão, em répteis, anfíbios, insetos.
dela, o indivíduo apresentar maior capacidade reprodutiva. Enfim, a seleção
Geralmente é encontrado dimorfismo sexual em espécies nas quais não
natural pode ser inferida atraves de frequência de sobrevivência de uma existe monogamia (casais fixos) e que as fêmeas são cortejadas pelos
geração para outra. machos e o sucesso da cópula depende da escolha feita pela fêmea.

A ideia de seleção natural, por ser aparentemente simples e intuitiva, foi Ateoria da seleção sexual como uma das formas de atuação da seleção
aceita com facilidade, embora tenha havido várias extrapolações equivocadas natural também é aceita até hoje. E, como a ciência procura trabalhar sem
principalmente quando tentaram explicar, através dela, problemas sociais da tabus, ou dogmas, está sendo questionada, atualmente, a explicação dada
humanidade no que se convencionou chamar Darwinismo Social. Embora tanto por Lamarck como por Darwin para justificar a estrutura bizarra que
o nome de Darwin esteja contido nessa discussão, em nenhum dos livros e o tamanho do pescoço da girafa. A explicação darwiniana diz que uma
dele consta qualquer menção a essa hipótese. girafa corn pescoço maior tem mais chance de se alimentar de folhas de
árvores, por isso tem mais chance de sobreviver em relação as girafas de
Acrítica mais recorrente sobre a ideia de seleção natural também surgiu pescoço menor e, ao longo das gerações, são selecionados sempre os
na epoca de Darwin: — Como explicar, pela seleção natural, a existência indivíduos de pescoço maior, resultando nesse enorme pescoço atual. A
de estruturas bizarras de alguns animais, que além de aparentemente não explicação darwiniana pode ser encontrada em todos os livros de Evolução
conferirem nenhuma vantagem adaptativa aos seus portadores na luta pela como exemplo clássico de seleção natural. Pois não é que isso está sendo
sobrevivência, ainda pareciam ser desvantajosas? A lista dessas estrutu ras questionado? E, por que está sendo questionado? O questionamento está
e enorme. Cito duas como exemplos: — a cauda do pavão, aparentemente sendo feito porque a premissa básica da hipótese parece não ser verdadeira,
sem função, atrapalha o rnacho para correr e voar e o torna presa fácil ou seja, as girafas não dependem das árvores para se alimentarem e são
de seu maior predador em condições naturais que e o tigre; —— o enorme capazes de comer muito bem pastando gramíneas ou comendo arbustos.
chifre dos alces, em que a galhada enrosca com facilidade na vegetação Eventualmente, por terem pescoço maior, podem ter a oportunidade de comer
26 Cada Caso. um Caso,,Fªuro Acaso —
Capituio 2 Charles R. Darwin eAIfred R. Wallace 27

folhas de árvores, mas elas não são sua dieta principal e/ou obrigatória. E, A teoria hereditária de Galton
como teria sido selecionado pescoço tão grande? A hipótese 1 é que seja
pela mesma razão pela quai foi selecionado o chifre do aloe e o rabo do Na época, a teoria de maior aceitação sobre a transmissão hereditária
dos caracteres era a proposta por Francis Galton (1822—1911), primo de

pavão: seleção sexual — entre as girafas, as fêmeas teriam preferência
Darwin. Galton, que foi um dos grandes cientistas do século 19, publicou,
pelos machos com pescoço maior no momento da corte sexual e do
em 1869, o iivro Hereditary Genius que é considerado o início da Genética
acasalamento; a hipótese 2 é que o tamanho do pescoço seja importante
Quantitativa atual. Vinte e cinco anos antes da redescoberta dos trabalhos
nas disputas entre os machos para acasalar com as fêmeas. de Mendel, Francis Galton, responsável pelas bases da Biometria, ja
participara a Anthropological Society of London que os gêmeos podem ser
0 ponto fraco da teoria: a origem da variação estudados corn a finalidade de avaliar a contribuição do que ele chamou de
nature e nur-tura na determinação fenotípica dos caracteres quantitativos
A teoria evolucionista, apesar de ter tido razoável aceitação entre os
(Galton, 1876). Esse binômio passou, mais tarde, a ser designado por
cientistas, não ficou imune a críticas. A parte mais vulnerável da teoria, na
genótipo e ambiente, respectivamente, O princípio lógico estabelecido
época, era a origem da variação. Darvvin reconhecia isso e, no livro, afirma: por Galton para o estudo de gêmeos, com a finalidade de investigar a
As leis que regulam a hereditariedade são inteiramente desconhecidas, participação do genótipo e do ambiente na variação fenotípica, permanece
ou seja, na época não eram conhecidos os mecanismos que regem a basicamente o mesmo até hoje.
transmissão hereditária dos pais para os filhos e nem a natureza do material
hereditário. O desconhecimento disso não contrariava e nem negava o Galton pesquisava a transmissão hereditária de caracteres que
fato de haver variação entre os indivíduos. O que a teoria previa era a apresentam variação contínua. Urn caráter e considerado de variação
ocorrência de seleção sobre variantes. Toda vez que temos uma amostra, contínua quando os indivíduos em uma população apresentam variação,
só podemos fazer uma seleção, se houver variação dentro da amostra. Se mas não podem ser agrupados em classes distintas porque a diferença
todos os componentes da amostra forem idênticos, como selecionar? Por
entre os indivíduos e gradual. Por exemplo, a variação em tamanho (altura),
esse motivo o conhecimento sobre a origem das variantes foi considerado
em peso, em cor (da pele), em número (número de grãos em espigas de
milho). A esmagadora maioria dos caracteres varia de forma contínua nas
importante. No entanto, as críticas da epoca, quanto ao desconhecimento
populações. Embora sejam qualidades dos indivíduos, estas características
da origem das variações, apesar de exageradas e apaixonadas, não
variam quantitativamente e hoje a área da Genética que estuda tais caracteres
desqualificavam ou invalidavam a hipótese de seleção natural, uma vez e a Genetica Quantitativa.
que a variação é fácil de ser observada. Porém, como era um ponto fraco
da teoria evolucionista, sofreu críticas exacerbadas. Analisando caracteres de variação contínua, Galton propôs que toda
variação tendia a um valor médio nas populações e isso significava que,
se um indivíduo de tamanho grande cruzasse com um outro de tamanho
Darwin tenta explicar a origem das variações: os pangeneses pequeno, o descendente teria tamanho médio. Essa ideia, na época, parecia
Sob pressão das críticas, que exigiam uma explicação para a variação, ser antagônica a ideia de seleção natural, e foi muito usada para criticar
Darwin tentou formular alguma hipótese que explicasse a hereditariedade e o trabalho de Darwin, o qual prevê que a pressão de seleção pode fazer
a origem das variações e, no livro sobre domesticação, publicado em 1868, com que a altura dos indivíduos de uma população possa aumentar ao
propôs a hipótese dos pangeneses. Segundo esta hipótese, no momento da longo das gerações. Essa polêmica foi parcialmente resolvida em 1910, e
reprodução, unidades de todas as partes do corpo, os pangeneses, migram plenamente resolvida em 1930.
para as células sexuais e são passadas aos descendentes. A hipótese, Crítico explícito da teoria de Lamarck, Galton testou também a teoria
alem de rudimentar, não estava embasada em qualquer experimento que dos pangeneses de Darwin e, numa longa série de experimentos, fez
mostrasse a existência destes pangeneses e, ao invés de resolver problemas, transfusões de sangue entre diferentes linhagens de coelhos brancos e
só complicou a questão, pois tinha grandes falhas conceituais. Entre as negros, examinando as consequências do experimento nos descendentes
falhas estava o fato de ter que aceitar a ideia de modificação dos órgãos dos coelhos. A hipótese do experimento era: se os pangeneses migrassem
pelo uso e/ou desuso e a transmissão hereditária de caracteres adquiridos, de todas as partes do corpo para formar os gametas, essa migração seria
uma vez que qualquer alteração no corpo do organismo, ao longo da vida, feita através da circulação sanguínea. Ao misturar o sangue dos coelhos,
seria passada ao descendente através dos pangeneses. Esta afirmação ele estaria misturando os pangeneses. Seus experimentos não encontraram
aproximou a teoria de Darwin a teoria de Lamarck. evidência alguma de que as gêmuias ou pangeneses existissem no sangue
28 Cada Caso, um Caso._.Puro Acaso 29
Capitulo 2 Charles R. Darwin e Alfred R. Wallace
,

dos organismos no momento da reprodução, gerando polêmica entre transmitem de uma geração para a outra. Weismann cortou a cauda de
eles. Darwin alegou que em momento algum afirmara que os pangeneses ratos ao nascer e verificou que, quando adultos, os ratos sem rabo deram
migrariam pelo sangue, mesmo porque sua hipótese se aplicaria também origem a descendentes com rabo. Repetiu a operação durante dezenas de
as plantas. Apesar da contestação, o trabalho de Galton foi mais um revés gerações de ratos e todos os ratos, cujos rabos haviam sido cortados ao
para a teoria evolutiva de Darwin. nascer, tinham descendentes com rabo. Como poderia um rato sem rabo
Galton esteve próximo de redescobrir o trabalho de Mendel publicado transmitir pangeneses de rabo aos descendentes?
em 1866 e um dos motivos de não tê—lo feito e que ele só acreditava em Outra descoberta importante de Weismann foi estabelecer diferenças
caracteres contínuos e Mendel trabalhara com caracteres discretos. Um entre as células do corpo dos organismos. Ele as dividiu em dois grupos:
caráter e considerado de variação discreta quando os indivíduos de uma
1. as células germinativas, localizadas nas gônadas, e que se diferenciam das
população apresentam variação e podem ser agrupados em classes distintas.
Ou o indivíduo e de um tipo ou e do outro., Por exemplo, grupo sanguíneo, demais células do corpo no início do desenvolvimento embrionário e, a partir
na espécie humana: o indivíduo e A ou B ou O ou AB, sem intermediários; delas, são formadas as células sexuais (ou gametas) que transportam o
material genético para os descendentes;
as ervilhas de Mendel — lisas ou rugosas — verde ou amarelas — também
sem intermediários. Embora muito estudados, esses caracteres de variação 2. as células somáticas compõem todos os tecidos do corpo dos organismos, e
discreta são raros em populações naturais. Essa questão sobre variações não são passadas aos descendentes.
discretas e contínuas prolongou—se até 1910. Weismann demonstrou, corn a diferenciação, que qualquer alteração
sofrida pelo corpo de um organismo, durante sua vida, afeta apenas as
Uma das injustiças históricas cometidas contra Galton aparece na
células somáticas e não as células germinativas que são as transmitidas
grande maioria dos livros didáticos de nível médio sobre Genética. Atribui—
aos descendentes.
se a ele a hipótese de que o sangue seria o responsável pela transmissão
hereditária, embora ele tenha afirmado apenas que os caracteres eram Essas descobertas, somadas as experiências de cortar o rabo dos ratos
contínuos e que sua mistura nos descendentes seguia o padrão de fusão e o da transfusão de sangue dos coelhos (de Galton), levaram a hipótese
de líquidos. Galton nunca afirmou nada sobre o sangue estar envolvido dos pangeneses a um descrédito total e fizeram com que toda a teoria
na transmissão hereditária. A ideia de que o sangue é o responsável pela evolutiva de Darwin fosse considerada suspeita.
transmissão hereditária sempre acompanhou a humanidade. Há mais Assim, o século 19 terminou sem uma explicação aceitável para a
de 40 anos, sempre que tenho oportunidade, pergunto a pessoas com
evolução dos seres vivos e, embora. um grupo significante de pesquisadores,
pouca escolaridade: — Como você acha que os caracteres hereditários são os selecionistas, continuasse a defender a teoria de Darwin, ela permaneceu

transmitidos dos pais para os filhos? A resposta Pelo sangue — apresenta
uma porcentagem entre 30 e 40%. Aos que respondem não saber, pergunto
marginalizada até aproximadamente 1930.


a seguir: Você acha que e pelo sangue? A resposta afirmativa, então,
chega a quase 100%. Pelo menos era assim até bem pouco tempo, porque
Ateoria evolutiva proposta por Darwin não foi bem recebida, desde o início,
pela sociedade e nem mesmo pela comunidade científica que se esforçou
agora, quando pergunto, a maioria das pessoas responde: — Pelo DNA. em encontrar falhas que pudessem destruí—Ia. O ponto nevrálgico e polêmico
Embora as pessoas geralmente não saibam o que é DNA e nem onde ele da teoria e a evolução da espécie humana. Ao propor o mesmo mecanismo,
está e continuem não entendendo bem como, elas agora sabem que o ou seja, a seleção natural para a evolução de todas as espécies, incluindo
DNA traz informações relativas a paternidade. Devido às informações e as o Homem, a teoria abalou a crença da criação divina da espécie humana
discussões mantidas pela mídia, o DNA tornou—se mais conhecido, embora a imagem e semelhança de seu criador, negando sua dimensão espiritual
a expressão sangue do meu sangue, quando alguns pais se referem aos pois ela, segundo a crença, seria dotada de algo imaterial e imortal, com
filhos, continue comum. Ainda não ouvi alguém dizer: DNA do meu DNA. perspectivas de eternidade. Nunca a ciência e os dogmas religiosos haviam
colidido tão frontalmente. A questão ia além da afirmação de que Homem
e macacos tinham ancestrais comuns e esse foi o ponto que gerou atritos
0 descrédito da teoria de Wallace e Darwin com a comunidade científica, com Wallace e corn a maioria das religiões
Ateoria proposta por Wallace e Darwin ficou desacreditada por quase incluindo a católica, a protestante, o islamismo, o judaísmo.
50 anos.
Por volta de 1880, experimentos em laboratório, especialmente os de
Weismann (1834—1914) demonstraram que caracteres adquiridos não se
Conceitos Básicos
para o Entendimento da
Evolução Biológica sºlnudo
“Quando, durante uma pesquisa biológica, tiver alguma
dúvida, procure a resposta nas plantas ou nos animais. "
Hampton L. Carson

A compreensão da complexa interação dos diversos fenômenos biológicos


responsáveis pela enorme diversidade da vida é fundamental para que se
possa entender o processo evolutivo.
Assim, apresento alguns fatos e conceitos básicos para o entendimento
do processo evolutivo e para possíveis inferências a respeito do mesmo.
Vários dos termos, temas e assuntos listados são retomados em outras
etapas da discussão, em diversos capítulos.

86 variações hereditárias têm importância evolutiva


As únicas alterações e características que têm significado evolutivo
são as que podem ser transmitidas hereditariamente. Todas as outras
modificações que os indivíduos sofrem, ao longo da vida, e que afetam suas
células somáticas e não afetam o material genético hereditário das suas
células germinativas, não são transmitidas às gerações seguintes.

Os cromossomos
O número e a forma dos cromossomos de uma célula recebe o nome
de cariótipo (cario = núcleo). Todos os indivíduos de uma mesma espécie
e todas as células de um mesmo indivíduo têm o mesmo cariótipo. Os
cromossomos formam pares e os cromossomos de um mesmo par recebem
o nome de homólogos. Por exemplo, a espécie humana tem 23 tipos de
cromossomos (que formam o conjunto haplóide, n, chamado genoma) e
no núcleo de cada célula somática dos indivíduos existem 23 pares de
cromossomos homólogos, ou seja, 46 cromossomos (que formam o conjunto
diplóide, 2n, genótipo). Nas drosófilas, o número n e 6 e o Zn e 12.
32 Cada Caso, um Caso..,Puro Acaso Capítulo 3 — Conceitos Básicos para o Entendimento da Evolução Biológica 33

Os organismos pluricelulares de reprodução sexuada são formados Durante a meiose, os principais eventos que ocorrem no núcleo das
a partir de uma célula—ovo resultado da fusão dos gametas masculinos e células germinativas são:
femininos dos pais.
— duplicação — cada filamento cromossômico se duplica, resultando num filamento
Os gametas são haplóides, n e, ao se juntarem no ovo, formam celulas original e num filamento cópia, que permanecem ligados pelo centrômero.
diplóides, Zn. Assim, a partir do desenvolvimento da celula—ovo, todo o
organismo será 2h.
— separação dos cromossomos homólogos — neste momento ocorre a primeira
diferença em relação a mitose porque, ao se dividir em duas células, os
cromossomos homólogos se separam e cada um vai para uma célula nova.
Os genes estão nos cromossomos Assim, cada célula nova tern apenas um cromossomo de cada par, duplicado
Os genes são as unidades do material genético e estão localizados, ao (original e cópia):
longo dos cromossomos e, consequentemente, não se encontram soltos, _ separação entre os originais e as cópias —— a segunda diferença em relação a
como particulas, dentro do núcleo das células. Não se sabe exatamente rnitose é que, em seguida, cada célula nova entra novamente em processo de
o número de genes de cada espécie, mas, com certeza, e da ordem divisão celular sem que ocorra, previamente, duplicação cromossômica, e os
dos milhares. Com o sequenciamento dos genomas a estimativa atual
filamentos originais de cada cromossomo se separam das cópias e cada um vai
para moscas do gênero Drosophila é em torno de 13.600 genes, para os
para uma célula nova. Assim, o processo inicia—se com uma célula 2h, na qual
camundongos 20.200 e, para a espécie humana, 19.000.
Como as espécies do gênero Drosophila tem 6 pares de cromossomos ocorre duplicação, sofre uma divisão, que separa os pares de cromossomos
homólogos e sofre mais uma divisão que separa os filamentos originais de cada '

e o Homem tern 23, e evidente que cada filamento cromossomlco possul


cromossomo de suas cópias, dando origem a quatro gametas 17, cada um com
milhares de genes.
um filamento cromossômico de cada par.

Divisões celulares: mitose e meiose Fenótipo e genótipo


Após a fecundação, a célula—ovo passa por um processo de seguidas O termo fenótipo refere—se a aparência estrutural ou a constituição
divisões celulares, chamadas mitose, dando origem as milhares ou milhões
metabólica de um organismo, resultante da interação entre a ação do
de células do organismo, as células somáticas.
genótipo e do ambiente em que o organismo viva ou tenha se desenvolvido.
Os principais eventos que ocorrem no núcleo das células durante a Entende—se como ação do ambiente tudo que não seja decorrente da ação
mitose são: do genótipo. Exemplos: duas estacas de uma mesma planta dão origem a
— duplicação — cada filamento cromossômico se duplica, resultando um filamento duas plantas idênticas sob o ponto de vista genético (clones). Porém, se
original e um filamento cópia, que permanecem ligados por uma região uma for plantada em condições favoráveis de solo, água, luz, temperatura
chamada centrómero, e a outra, em condições adversas, certamente elas darão origem a plantas

separação a seguir o filamento Cópia de cada cromossomo se separa do com fenótipos diferentes. Esse conceito vale tanto para plantas como para
filamento original e cada um deles segue para o núcleo das duas células animais e uma enorme quantidade de casos podem ser citados: — por exemplo,
resultantes da divisão. Como isso ocorre com todos os cromossomos, os o fato de uma criança, durante o crescimento, ser bem alimentada ou não,
dois núcleos resultantes recebem o mesmo número e tipo de cromossomos e ter doenças graves ou não, certamente refletirá no seu fenótipo quando
cada um contem Zn, iguais a célula inicial da qual são originários, O processo adulto. Essas alterações fenotípicas causadas pelo ambiente não alteram
é iniciado com uma célula 2h e termina com duas células 2n.
o material genético que os indivíduos passam para os descendentes, pois
Os gametas, espermatozóides e óvulos, são formados a partir das esse material está nas células germinativas e não é afetado diretamente
células germinativas, localizadas, respectivamente, nos testículos dos pelo ambiente.
machos e nos ovários das fêmeas.
Genótipo, o conjunto diplóide, ou 2h, de material genético de um
As células germinativas são 2n, ou seja, possuem os filamentos
cromossômicos aos pares e os gametas, a que dão origem, são n, ou indivíduo, é formado por metade de cromossomos herdados do pai (n) e
seja, têm apenas um filamento cromossômico de cada par. O processo de a outra metade, da mãe (n), os quais formam os pares de cromossomos
divisão celular que resulta na formação dos gametas e a rneiose. homólogos.
34 Cada Caso, um Caso..,Puro Acaso Capítulo 3 — Conceitos Básicos para o Entendimento da Evolução Biológica 35

;
lnterfase I da meiose
um gene novo que, ao ser copiado na duplicação, ocupa o mesmo loco do
gene original no cromossomo. Assim, passam a existir cromossomos com
Par de cromossomos homólogos em uma célula parental diplóide o gene original e cromossomos corn a cópia mutante, Genes diferentes (em
decorrência de mutações) e que ocupam o mesmo loco de cromossomos
homólogos são chamados de genes alelos.
Exemplifico com o loco do gene para forma externa da semente de
ervilha. Mendel demonstrou que a superfície lisa (designada como “A") e a
superfície rugosa (designada como “a”) das sementes eram determinadas
por alelos diferentes do mesmo loco.
Em relação a um loco, usando o exemplo do caráter da superfície das

__
Duplicação cromossômica
Par de cromossomos homólogos duplicados sementes da ervilha, a célula—ovo pode receber:
- e "AA”, homozigoto,
— duas cópias do mesmo alelo para liso; neste caso, o genótipo
e o fenótipo e liso;

Cromatides
— uma cópia do alelo para liso de um dos pais e uma cópia do alelo para
irmãs A rugoso do outro; neste caso, o genótipo é “Aa” e o indivíduo é chamado de
Célula diplóide com os heterozigoto (por ter dois genes alelos diferentes no mesmo loco) e tem o
cromossomos duplicados fenótipo liso, porque a presença e ação do alelo “”A sobrepõem—se a ação do
Meiose 1 alelo “a" na determinação da forma externa da semente. Neste caso, o alelo
para liso é dominante e o alelo para rugoso é recessivo e só se manifesta
fenotípicamente nos homozigotos. Mesmo não tendo manifestação na cor do
fenótipo, o alelo “a” permanece em todas as células do indivíduo heterozigoto
©
Separação dos
e pode ser transmitido aos seus descendentes.
cromossomos homólogos — duas cópias do mesmo alelo para rugosa, uma do pai e a outra da mãe; neste
caso, o genótipo é "aa”, e o indivíduo é chamado homozigoto (por ter os dois
Células haplóides com os genes alelos iguais) e terá o fenótipo rugoso.
cromossomos duplicados

Meiose II © Cruzamento
parental
Cromátides irmãs
se separam

|:»! Lisas
Gametas = celulas haplóides com os cromossomos não duplicados

Figura 3.1 — Neste esquema simplificado de meiose observa-se que: —ocorrem uma duplicação e duas
— os cromossomos
Proporção de
divisões; homólogos separam—se no final daprimeira divisão; —
as F2 genótipos 1: 2: 1
cromatides irmãs separam—se no 1Hnal da segunda divisão, dando origem aos gametas. proporção de
fenótipos 3: 1

Locos, genes e alelos Lisas Rugosas

A região do cromossomo onde se localiza um gene recebe o nome de —


Figura 3.2 — Primeira Lei de Mendel no esquema. a semelhança entre o comportamento dos alelos
e o comportamento dos cromossomos mostrado na Figura 3.1.
loco. Numa célula, quando o gene de um loco sofre uma mutação, surge
36 Cada Caso, um Caso..,PurorAçaso Capitulo 3 — Conceitos Básicos para o Entendimento da Evolução Biológica 37

ou estruturas novas e isso e válido para qualquer outro segmento de DNA


O material genético ou caráter que se considere.
O material genético está contido nos cromossomos. Sob o ponto de vista
quimico, os cromossomos são formados basicamente por proteínas e ácidos
nucleicos. O ácido nucleico chamado DNA (ácido desoxirribonucleico) é a Reprodução sexuada
substância química que contém todas as informações genéticas da maioria Em algum momento do processo evolutivo surgiu a reprodução sexuada.
dos seres vivos (em alguns vírus é o RNA— ácido ribonuc/eico — que executa Por este tipo de reprodução, cada indivíduo precisa interagir com outro
essa função). Essas moléculas codificam, na sequência e organização indivíduo para se reproduzir. A reprodução sexuada depende do processo
das suas bases nitrogenadas, todas as informações hereditárias de cada de divisão celular chamado meiose.
indivíduo. São essas informações que organizam o arranjo dos aminoácidos
para a síntese de todas as proteínas em cada organismo. Pelo fato de o processo da meiose, que produz os gametas, ser
basicamente o mesmo no reino animal, no reino vegetal e nos fungos,
Cada segmento do DNA, responsável pela síntese de uma proteína, é
pode ser afirmado que a reprodução sexuada surgiu antes da separação
chamado gene ou cistron . Dependendo da função que a proteína sintetizada
evolutiva desses grupos de organismos, ou seja, no inicio da diversificação
venha a exercer no organismo, o gene é chamado de estrutura/, quando
da vida.
afeta a estrutura ou a forma de um caráter, ou regulador, quando afeta a
manifestação de outros genes.
Antes de cada divisão celular, ocorre a duplicação das fitas de DNA
Casos particulares de reprodução sexuada
(com o mesmo resultado de uma cópia por contato), e uma das duas A partir da reprodução sexuada, certamente por pressões adaptativas
novas celulas recebe o DNA original e a outra célula recebe a cópia. de sobrevivência, algumas poucas espécies de animais e muitas vegetais
Assim, sucessivamente, a capacidade de autoduplicação permite que passaram por diferenciação e mudaram para um processo de partenogênese
cópias do DNA do ovo no momento da fecundação, metade recebido da e outras mudaram para autofecundação. Na maioria desses casos ocorre a
mãe e metade recebido do pai, estejam presentes em todas as células do formação de gametas, porém o indivíduo fica autônomo para reprodução, Não
individuo adulto. discuto extensivamente tais casos porque, embora tenham sido desenvolvidos
sistemas interessantes e esses organismos tenham sobrevivido até hoje,
Mutações gênicas eles podem ser considerados como casos particulares de reprodução
sexuada. Fica apenas como mais um exemplo da enorme variabilidade de
As mutações gênicas são alterações no DNA decorrentes de alterações
nas bases nucleotídicas que contêm toda a informação do material genético opções que surgiram ao longo do processo evolutivo, variabilidade que é
e fazem parte do código genético. Mudança de uma base ou da ordem das consequência de um processo que não tem direção nem um projeto para
bases altera o produto final do gene. Na maioria dos casos, as mutações chegar a algum objetivo preestabelecido.
ocorrem naturalmente no momento da duplicação do DNA. A mutação
gênica só pode ser passada aos descendentes se ela ocorrer em células Reprodução assexuada
germinativas,
O outro tipo de reprodução, a assexuada, ocorre por duplicação do DNA
ou RNA, como nos vírus, ou por simples divisão celular (corno na maioria
Mutações ocorrem sobre sequências preexistentes de DNA dos micro—organismos).
e
Um dos fatores que torna o processo evolutivo conservador o fato de
as mutações gênicas ocorrerem ern urna sequência de DNA preexistente
e, por isso, fica afastada a possibilidade de aparecimento de uma estrutura
Reprodução sexuada versus assexuada
totalmente nova devido a um evento mutacional único. Uma mutação Os dois processos reprodutivos, sexuada e assexuada, por sobreviverem
nurn segmento codificante de DNA (um gene), que seja, por exemplo, ate hoje, são igualmente evoluídos. Porem, Observando a natureza, é inegável
responsável pela produção de melanina, que determina a cor da pele do o fato de que os organismos com reprodução sexuada atingiram um grau
indivíduo, afeta, exclusivamente, a cor da pele de seu portador, ou seja, de diversificação muito maior, o que sugere que a reprodução sexuada
não é possível que mudanças nesse gene deem origem a órgãos novos aumenta as possibilidades de diversificação e adaptação.
38 Cada Caso, um Caso.._Puro Acaso —
Capítulo 3 Conceitos Básicos para o Entendimento da Evolução Biológica 39

Os organismos de reprodução sexuada são o tema central deste livro, que morrem. Para que seu material genético não desapareça com a sua
concentrando—se na discussão dos mecanismos e processos biológicos que morte, o indivíduo precisa reproduzir—se.
permitiram a eles atingir essa enorme adaptabilidade e diferenciação. Para se reproduzir, os indivíduos têm de viver em populações que se
perpetuam pela reprodução, ao longo das gerações e, por isso, a população
O genótipo não é transmitido ao descendente é considerada a unidade evolutiva. Portanto, deve ficar claro que e a
população que evolui e não os indivíduos.
Em decorrência da reprodução sexuada, um indivíduo não consegue
passar ao descendente o seu genótipo completo. Quais as implicações decorrentes? São várias. Uma das fundamentais
Esse e um fenômeno complicador do processo evolutivo porque o
e o fato de que toda diferenciação entre espécies tem que ser um evento
populacional. Por exemplo, quando se diz que os peixes deram origem
sucesso adaptativo de um individuo depende da capacidade do seu genótipo aos anfíbios, na realidade, o que se quer dizer, é que uma determinada
gerar um fenótipo adaptado e essa capacidade depende da interação dos população de peixes, por pressão ambiental e por possuir características
seus genes alelos localizados nos seus cromossomos homólogos. Mesmo
genéticas pré—adaptativas, evoluiu para algum organismo diferente de peixes
que a interação seja boa e o indivíduo tenha um fenótipo ótimo do ponto e adquiriu as características que hoje identificam os anfíbios.
de vista adaptativo, esta qualidade não é transmitida ao descendente, pois
o genótipo é dividido durante a meiose em decorrência da separação dos O fato de as mudanças evolutivas ocorrerem nas populações, e não
cromossomos homólogos. nos indivíduos, torna o processo evolutivo conservador.

Os indivíduos não evoluem A população evolui


Todo indivíduo nasce e morre com o mesmo genótipo, isto e, com o As mudanças das frequências das características genéticas, em cada
mesmo conjunto de genes que cada indivíduo possui e que, no caso da geração, decorrem da atuação dos fatores evolutivos sobre os indivíduos,
reprodução sexuada, e formado pelos genes recebidos do pai e pelos genes aumentando ou diminuindo sua capacidade reprodutiva. A diferenciação
recebidos da mãe. Portanto, o indivíduo não evolui. Eventuais alterações da população decorrente de mudança na frequência das características
que venha a sofrer em seu corpo, ao longo da vida, atingem apenas suas genéticas, ao longo das gerações, resulta na evolução da população. Assim,
células somáticas e não são passadas aos descendentes. embora pareça um paradoxo, a população genética e a unidade do processo
evolutivo mesmo sendo formada por indivíduos que não evoluem.
Mutações genéticas que ele sofra nas células germinativas não afetam
seu corpo e só podem afetar os descendentes, se transmitidas a eles. Este assunto, por sua importância para o entendimento do processo,
é retomado varias vezes ao longo da discussão.

As populações genéticas ou demes


O ciclo de vida de todos os organismos envolve o nascimento e a
Amostra dos gametas
morte. A vida, em decorrência da reprodução, continua após a morte do Apenas uma amostra dos gametas, produzidos pelos indivíduos de
indivíduo, nos seus descendentes, ao longo das gerações. Se um indivíduo uma geração, passa para a geração seguinte.
morre, sem ter deixado descendentes, nele se interrompe uma das linhas A capacidade reprodutiva, de qualquer organismo e muito maior do que
ancestral/descendente que Vinha se mantendo desde a origem da vida. o número de descendentes que chegam sidade adulta, significando que a
Em organismos de reprodução sexuada é preciso que dois indivíduos amostra de gametas que consegue passar para a geração seguinte é muitas
semelhantes, mas de sexos opostos, se cruzem para que nasça descendente. vezes menor que o número de gametas produzidos. Como exemplo, oito
Portanto, para a sobrevivência de organismos de reprodução sexuada, os a grande capacidade de procriação dos ratos, das baratas, das moscas.
indivíduos não podem viver sempre isolados. Pelo menos em alguma etapa Uma fêmea de Drosophila pode botar milhares de ovos; uma fêmea do
da vida precisam ter contato com outro de sexo oposto para se reproduzir. peixe bacalhau (Gao/us Galleries) chega a produzir mais de cinco milhões
de Óvulos.
A esse conjunto de indivíduos, de ambos os sexos, que estão se
cruzando, estabelecendo uma relação ancestral/descendentes entre seus Para que uma população se mantenha, ao longo das gerações, com
ascendentes e descendentes, dá—se o nome de população genética ou um tamanho (número de indivíduos da população) constante, e preciso
deme. Em outras palavras, o que existe, de concreto, são os indivíduos que, em media, cada casal tenha apenas dois filhos. Esse número e muitas
40 Cada Caso, um CaseMPuro Acaso

Capitulo 3 Conceitos Básicos para o Entendimento da Evolução Biológica 41
vezes menor que a potencialidade reprodutiva de qualquer organismo, ele estava dando em garantia do que estava falando. Tudo são prognósticos
evidenciando que a mortalidade e muito grande e apenas uma pequena de médio e longo prazo, sem possibilidades de serem testados antes e nem
fração dos indivíduos gerados consegue chegar a idade adulta. de serem simulados, de forma garantida, com antecedência, pelo tempo
envolvido e por falta de répiica.
A representatividade da amostra
A composição genética de qualquer geração só será igual a composição Todos os seres vivos atuais têm uma origem única
genética da geração anterior (parental) se a amostra de genes, que passa
Todos os indivíduos de todas as populações e colônias de seres vivos
de uma geração para outra, for representativa. Se a amostra de genes,
existentes atualmente têm uma relação ancestral descendente com a
que passa de uma geração para outra, não for representativa da geração
origem da vida. Por hipótese, mesmo que se admita que no inicio possam
ancestral, a população tem sua composição genética alterada.
ter surgido várias linhas de vida independentes, certamente apenas uma
delas deu origem a todos os seres vivos atuais.
Cada evento evolutivo é único A afirmação é possível porque entre a origem de uma primeira estrutura,
A irrepetibilidade dos fenômenos evolutivos é uma das características capaz de se autodupiicar, e a origem de uma célula, decorreram 2 a 3
que torna esse estudo mais complexo. Todos os seres vivos atuais são bilhões de anos.
resultado de um processo casual e adaptativo. O processo e casual quanto
a origem e, adaptativo, quanto a sobrevivência. Da mesma forma que não A primeira estrutura, provavelmente uma molécula de RNA, não tinha
existem indivíduos iguais, não existem ambientes iguais, nem no espaço e metabolismo próprio e dependia de elementos do meio ambiente para
nem no tempo. Não existem duas Amazônias, nem dois Pantanais e nem so breviver.
a Amazônia de hoje é igual a Amazônia de 15,000 anos atrás, o mesmo A célula, por sua vez, alem de ser capaz de se reproduzir, já apresentava
valendo para o Pantanal e para todos os ambientes da Terra. um núcleo com membrana envolvendo o material hereditário, e uma outra
A sobrevivência de uma população depende de muitas variáveis, dentre membrana externa envolvendo estruturas metabólicas capazes de atividades
elas, da sua capacidade de adaptação e do ambiente ao qual ela se adapta. básicas, como: gerar energia através da respiração, digerir materias orgânicas
A capacidade de adaptação de uma população depende de seu patrimônio num processo de digestão, eliminar os resíduos através de excreção,
genético, das suas características e da estabilidade do ambiente, onde a absorver a energia solar num processo de fotossíntese.
população deve se adaptar para sobreviver. Alem do grande número de É evidente que, durante e depois desse quase inimaginável período de
variáveis que interferem na adaptação, elas são variáveis independentes.
tempo, só sobreviveu a estrutura que deu certo e que deve ter sido uma, em
As variáveis são consideradas independentes quando a ocorrência de milhões de tentativas. E, foi essa uma, também depois de varias prováveis
uma variável não interfere, nem condiciona a ocorrência de outra. Como
estruturas que não sobreviveram, que deu origem a organismos pluricelulares,
consequência, a mesma situação não ocorre duas vezes, ou seja, não
após aproximadamente 1 bilhão de anos. O fato de todos os seres vivos
acontece de duas populações terem o mesmo patrimônio genético e serem atuais terem o mesmo material genético formado pela complexa estrutura
expostas as mesmas condições ambientais. Como consequência, ao longo
dos ácidos nucleicos (DNA e RNA) e mais uma evidência da origem comum
da história dos seres vivos, cada indivíduo, cada população, cada espécie,
de todos eles. Todos os recentes avanços da Genetica do Desenvolvimento
cada grupo de espécies, desde a origem da vida, é um acontecimento
e da Genetica Molecular, com o sequenciamento de genomas de diversas
Único, ou seja, cada caso, um caso,
espécies de diferentes grupos de organismos têm corroborado a ideia de
Da mesma forma que não temos réplicas de ambientes da Terra, origem única para os seres vivos.
não temos réplica da Terra. Em termos de preservação, essa situação e
uma temeridade porque não podemos usar nada como parâmetro. Não Pelos motivos já expostos, essa estrutura, que levou 2 bilhões de anos
para se organizar, numa sequência altamente improvável de eventos casuais,
podemos dizer: — Não façam isso com a Amazônia—2 porque isto foi feito na
Amazônia—1 e não deu certo. Recentemente num debate, via televisão, um não surgiria mais de uma vez, a partir de eventos independentes.
senhor de uns 70 anos de idade, defendendo o agronegócio, contestava No período entre a origem da vida e os primeiros organismos pluricelulares
a afirmação de que há risco de que o desmatamento da Amazônia possa já havia começado a diversidade da vida porque nem todas as estruturas

transforma—Ia em um deserto, afirmando, categoricamente: Eu garanto
que, em 80 anos, a Amazônia não vai virar deserto, Não entendi bem o que
capazes de se reproduzir evoluíram para células e nem todas as células
evoluíram para seres pluricelulares. Os organismos que não se tornaram
42 Cada Caso, um Casa.,APuro Acaso —
Capítulo 3 Conceitos Básicos para o Entendimento da Evolução Biológica 43

celulares ou pluricelulares compõem, até hoje, o grupo dos micro—organismos ser chamado de evolução. A palavra evolução, alem da ideia de mudança,
e, como exemplo dos que não se tornaram celulares, existem os vírus, sugere uma mudança para melhor, Talvez, no século 19, quando esse
tanto de RNA como de DNA; e, como exemplo dos que permaneceram termo foi usado para denominar a mudança dos seres vivos, ele até tenha
tido tal conotação.
unicelulares, existem as bactérias, as leveduras, os protozoários e várias
espécies de algas e de fungos. Porém, hoje, quando se fala em evolução biológica não se pensa
em progresso e sim na capacidade de sobrevivência da população, da
Vamos seguir a linhagem dos pluricelulares, cujas vantagens adaptativas espécie ou do grupo de espécies. Nessa avaliação, todos os organismos
certamente deram a eles possibilidade de aumentar a complexidade e a vivos atuais são igualmente evoluídos: os micro—organismos, todas as
especialização. Enquanto alguns grupos permaneceram dependentes do plantas, insetos, vermes, peixes, répteis, aves, mamíferos, embora não
meio ambiente para obtenção de alimentos, e evoluíram como animais, signifique que eles sejam todos iguais, biologicamente. É evidente que
outros grupos adquiriram a capacidade de, a partir de matéria inorgânica, cada um tem suas peculiaridades e complexidades, mas todos têm em
produzir matéria orgânica adquirindo a capacidade de usar a energia solar comum o fato de estabelecerem uma relação ancestral/descendente com
para esse fim, e evoluíram como vegetais. a origem da vida.

Evolução biológica: não tem por quê e nem direção A regra é a extinção
Embora a maneira mais comum de se perguntar alguma coisa seja Como consequência do processo evolutivo uma população pode, ao longo
usando a expressão: — Por quê? — No caso do processo evolutivo a pergunta das gerações: permanecer adaptada ao ambiente, especiar ou extinguir.
adequada deve ser: —— Como? Por adaptação entendem—se boas condições de sobrevivência no ambiente
e, por especiação, quando as mudanças produzem uma diferenciação a
Pelo fato de o processo ser casual quanto a origem das variações e, ponto de a população vir a ser considerada uma nova espécie.
deterministico, quanto a sobrevivência delas, não existe uma razão, a não
ser o acaso e a capacidade de sobrevivência para justificar a origem de Num ambiente estável, as populações tendem a permanecer adaptadas
e inalteradas ao longo do tempo. Quando o ambiente muda, na esmagadora
cada estrutura,
maioria das vezes, a população e extinta. A extinção de uma população
O que pode ser discutido e como uma estrutura surgiu, conseguiu não significa necessariamente a extinção da espécie pois, para que uma
ser selecionada favoravelmente, sobreviveu e se fixou na população. Por espécie se extinga, e preciso que todas as suas populações se extingam.
exemplo, não existe resposta para a pergunta: — Por que temos cinco dedos A adaptação e evento raro e a especiação, extremamente raro. Assim, a

em cada mão? — no entanto, podemos responder a pergunta: Como ter
cinco dedos em cada mão deu vantagens adaptativas aos seus portadores
regra e a extinção. Ao observarmos a natureza, estamos olhando para os
sobreviventes e isso nos dá a falsa impressão de que todos se adaptam ou
a ponto de eles terem sobrevivido e fixado esta estrutura? Podemos até especiam. Não é o que observamos no documentário fóssil, cujo registro
discutir por que não são três, ou quatro ou seis, mas estaremos discutindo mostra que a maioria das espécies extinguiu—se.
a origem, que e casual. Aseleção natural não atua sobre variação possível,
mas sim sobre as existentes, de maneira que cinco dedos era o número
existente.
Numa expansão deste raciocínio, é impossível prever o futuro. Qualquer
observadorque olhasse a Terra há 50 milhões de anos, não teria a menor
condição de prever o que está acontecendo hoje. Da mesma maneira, hoje
não temos nenhuma condição de prever como estará a Terra daqui a 50
milhões de anos, nem daqui a mil anos e talvez nem daqui a cem anos.

Evolução não significa progresso


Evolução biológica não é sinônimo de progresso. Uma das causas do
mau entendimento desse assunto e uma questão semântica de o processo
Teoria Sintética ou
Neodarwinismo
“Nada em Biologia faz sentido a não ser à luz da Evolução”
Theodosius Dobzhansky
vºlnudo
Ao propor que a seleção natural atua sobre as diferenças entre os
indivíduos de uma população, a teoria evolutiva dependeu, desde o início,
do conhecimento sobre a origem da variação. Essa dependência continua
e a teoria evolutiva é revista, a todo momento, para que se entenda o
impacto provocado a cada nova descoberta da Genética no entendimento
da variação. Assim, as lacunas do conhecimento vão sendo preenchidas.

As leis de Mendel
Muitos tentam especular a respeito do trabalho de Gregor Johann
Mendel (1822—1884) e sobre qual teria sido a consequência caso Darwin
tivesse tomado conhecimento a respeito das leis de Mendel que explicavam
os mecanismos de transmissão dos caracteres de pais para filhos e,
consequentemente, a hereditariedade das variações.
Na realidade, publicado em 1866, e redescoberto em 1900, o trabalho de
Mendel só foi totalmente aceito em 1 910 e só foi ligado à teoria de Darwin
entre as décadas de 1 930 e 1 940, quando seus princípios foram aplicados
as populações e associados a ideia de seleção natural, com centenas de
pesquisadores no mundo todo se dedicando ao assunto. Imaginar que
Darwin, sozinho, pudesse ter entendido as leis de Mendel e feito a correlação
delas com sua teoria, e exigir demais de sua genialidade.

O surgimento da Genética
A redescoberta do trabalho de Mendel em 1 900 e sua ampla aceitação, em
1 910, marca o início de uma ciência, a Genetica. Embora já decorridos mais
de 1 00 anos, a Genética e considerada uma ciência recente se comparada
a outras áreas da Biologia como a Botânica, a Zoologia, a Fisiologia.
A redescoberta das Leis de Mendel foi feita, de modo independente e
quase simultâneo, por três pesquisadores: — o holandês Hugo Marie de Vries
(1848—1935); o austríaco Erich von Tschermak—Seysenegg (1871—1962); o
alemão Carl Erich Correns (1864—1933). A este Últirno é atribuído o fato
46 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capítulo 4 eTeoría Sintética ou Neodarwinismo 47

de ter sido o primeiro a reconhecer a prioridade do trabalho de Mendel. a descrição das estruturas da célula e as do núcleo;
Correns tinha sido orientado cientificamente por Karl Wilhelm von Nãgeli o entendimento da fecundação e a descrição da união dos gametas (óvulos
(1 81 7—1 891) que, em 1 866, trocou correspondência com Mendel por ocasião e espermatozóides);
da publicação do trabalho e tinha o trabalho de Mendel em sua biblioteca. a descrição dos cromossomos;
Correns herdou a biblioteca de Nãgeli pois, alem de ex—aluno, ele era casado
a descoberta de que os gametas contêm metade dos cromossomos das
corn sua sobrinha—neta. Portanto, a ideia de que ninguém sabia do trabalho
células somáticas;
de Mendel até 1900 é, no mínimo, discutível.
_ a sugestão da correlação entre cromossomos, núcleo e hereditariedade
O fato de o trabalho ter sido ignorado ou negligenciado por 34 anos e a (transmissão das características hereditárias de pais para filhos);
maior evidência do conservadorismo científico. Todo conhecimento novo deve
ser acrescentado a conhecimentos já existentes e estar neles embasado. — a descrição da mitose e meiose.
Mendel, que além de monge era naturalista e matemático, havia proposto que Mesmo assim, só em 1902, dois anos após a redescoberta dos trabalhos
toda característica física dos indivíduos fosse determinada por dois fatores, de Mendel, é que foi publicado o trabalho de Walter Sutton e Theodor Boveri,
um herdado do pai e o outro da mãe, os quais se separariarn na formação estabelecendo a correlação entre meiose e a hipótese de Mendel.
dos gametas e se uniriam ao acaso, para a formação do descendente. A A polêmica sobre a validade ou extensão do trabalho de Mendel, criticado
hipótese foi proposta porque, matematicamente, ela resolvia a questão da pelos adeptos das ideias de Galton, sobre se os caracteres tinham variação
proporção de 75% para 2570, ou 3:1 , encontrada na segunda geração de contínua ou discreta e, se o material genético era composto por fatores ou
cruzamentos entre indivíduos com caracteres diferentes. O trabalho de era diluído, só foi resolvida com os trabalhos de Nilsson—Ehle em 1 909 e de
Mendel, embora revolucionário para a época, também surgiu a partir de E.M.East em 1 910. Estes dois pesquisadores propuseram que um mesmo
conhecimentos prévios, isto é, baseou—se em trabalhos anteriores. caráter poderia ser determinado por mais de um par de fatores (ou genes),
Kõlreuter, em 1760, realizou cruzamentos entre plantas de tabaco o que faria com que o caráter variasse na população de forma contínua.
de flores com cores diferentes, obtendo resultados que, se interpretados Assim, houve a conciliação entre a Genética Quantitativa ou Herança
corretamente, teriam levado a conclusões semelhantes às de Mendel. O Poligênica, proposta por Galton, e o trabalho de Mendel.
mesmo aconteceu com Knight, Seton e Goss, botânicos ingleses, por volta Nas primeiras décadas do século 20 foram estabelecidas todas as
de 1820, cruzando ervilhas de sementes amarelas e verdes (a mesma bases da transmissão das características hereditárias, principalmente em
espécie usada por Mendel, 40 anos depois). Gartner, na mesma época, decorrência dos resultados obtidos pelo grupo de pesquisa de Thomas
obteve resultados semelhantes trabalhando com tabaco e milho. Charles Hunt Morgan, trabalhando com a mosca Drosophila melanogaster. A partir
Naudin, por volta de 1850, realizou uma série de cruzamentos com várias do primeiro mutante de cor de olho encontrado no laboratório, o mutante
espécies de plantas e encontrou resultados muito semelhantes aos de “white”, foram descobertos centenas de outros, muitos deles gerados em
Mendel, propondo unidades que chamou de essências. As essências seriam laboratório por radiação e a mutação passou a ser considerada a origem
responsáveis pela determinação das características hereditárias. Encontrou ou a fonte das variações genéticas das populações.
também a proporção de 3:1 na segunda geração dos descendentes dos

Fenótipo = genótipo + meio ambiente


cruzamentos e só não chegou a completar o trabalho porque não analisou
matematicamente os dados. Mesmo assim, embora o modelo matemático
proposto por Mendel explicasse a proporção de 311 , não havia nenhuma Foi Wilhelm Johannsen (1 857—1 927) que, nos primeiros anos do século
base biológica para a hipótese, com a agravante de que ela propunha um 20, propôs o uso do termo gene, derivando o nome do termo pangeneses
modelo para a transmissão de caracteres de variação discreta, quando usado por Darwin, para os fatores mendelíanos. Dele também e a criação
toda a comunidade científica estava voltada para caracteres de variação dos termos genótipo e fenótipo. Fazendo seleção e cruzamentos com feijão,
contínua, proposta por Galton. por várias gerações, Johannsen mostrou que genótipos diferentes poderiam
manifestar fenótipos iguais e genótipos iguais manifestar fenótipos diferentes,
Nos 34 anos que se seguiram a 1866, até o trabalho ser redescoberto,
colocando em dúvida a relação entre genótipo e fenótipo. O trabalho foi
vários conhecimentos biológicos novos convergiram para a hipótese matemática
usado como um importante argumento contra o conceito de seleção natural,
de Mendel. Entre as mais diretamente correlacionadas, temos:
pois se não existisse correlação entre genótipo e fenótipo, como a seleção
— a descrição da diferença entre células somáticas e germinativas, ficando natural poderia, atuando sobre o fenótipo, afetar o genótipo? Tal dúvida
resolvida a questão da origem dos gametas; só foi resolvida plenamente mais tarde com o entendimento da norma de
48 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capítulo 4 — Teoria Sintética ou Neodarwinismo 49

reação (que discuto mais adiante) e que o fenótipo de um indivíduo é o ideia de seleção natural de Darwin, completando—a com a informação que
resultado da interação do genótipo com o meio ambiente. faltava: a origem da variação.
Embora historicamente seja dito que a teoria sintetica foi estabelecida
Mutacionistas versus selecionistas em 1930, essa afirmação e uma aproximação simplificada. A partir de
1937, cientistas, corno Theodosius Dobzhansky, Ernst Mayr, Gailord |_.
O termo mutação já havia sido usado por DeVries ao descrever as
Simpson, .Julian Huxley, organizaram as ideias expostas nos trabalhos de
alterações que ele encontrou no cultivo de Oenothera Iamarckiana, uma
Sergei S. Chetverikov (1926), R.A.l=isher (1930), Sewall Wright (1931) e
planta de jardim conhecida por prímula. Como as variações que surgiam
nas prírnulas em seu jardim, a partir da forma original da planta, eram muito J.B.S.Haldane (1 932), e apenas no final da década de 40 e que os conceitos
grandes e surgiam de uma geração para outra, de forma abrupta, DeVries foram razoavelmente estabelecidos e correlacionados.
propôs uma nova teoria evolutiva. Segundo a teoria, a evolução se daria
aos saltos, de uma geração para outra, em decorrência das mutações que Premissas da teoria sintética
seriam as únicas responsáveis por provocar alterações nos organismos,
A teoria sintética, ou o neodarwinismo, foi estabelecida baseada em
as variações.
premissas e as principais são:
Nas três primeiras décadas do século 20, com a denominação geral de
1 _ o processo evolutivo é resultado do equilíbrio das forças geradas pela taxa
mutacionista, foi a teoria evolutiva predominante, apoiada pelos principais
de mutação e pela pressão de seleção;
geneticistas da época, incluindo Morgan e seu grupo. '

A hipótese de saltos, proposta por DeVries, e conceito fundamental


para os mutacionistas, não considerava a seleção natural proposta por
Seleção
Darwin como fator evolutivo, uma vez que, por seleção natural, o processo
de mudanças seria lento e gradual. forte

Nessas primeiras três décadas, os mutacionistas só foram contestados Va ria bilidade


pelos ditos selecionistas que continuavam defendendo a ideia da seleção
natural como responsável pelo processo evolutivo e, a medida que foram
sendo acumulados exemplos da ação da seleção natural, ficava cada vez
mais dificil ignora—Ia. Mais uma vez os dados mostravam o caminho para
Seleção Seleção
a explicação dos fenômenos. Entre os exemplos da época, sugerindo a
ação da seleção, destacam—se: frªcª Variabilidade frªcª

— o melanisrno industrial das mariposas inglesas;


— o mimetismo em borboletas, especialmente envolvendo as espécies monarca Figura 4.1 — variabilidade
Representação da Teoria Sintética. As mutações gênicas são responsáveis pela origem da
e vice—rei; daspopulações; e sobrevivência dessa variabilidade napopulação depende
— os pássaros de Galápagos; da ação da seleção natural. Quando o ambiente é restrito — seleção forte —, sobrevivem
— a anemia falciforme; poucos mutantes e a variabilidade é menor; quando o ambiente é favorável — seleção
fraca —, sobrevive maior número de mutantes e a variabilidade é maior.
— diversas doenças da espécie humana e de outros animais.

Teoria sintética ou neodarwinismo 2. as mutações gênicas ocorrem ao acaso e são responsáveis por toda variação
genética encontrada nas populações;
Após 3 décadas, foi possível conciliar as discussões dos selecionistas
3. a seleção natural molda as populações as condições ambientais através
e dos mutacionístas e o resultado dessa junção convencionou—se chamar
de moderna síntese ou teoria sintética, porque se procurava acomodar em de um processo de eliminação das variáveis (mutações) não adaptadas e
uma síntese todo o conhecimento dos mutacionistas e dos selecionistas. favorecimento das variáveis que aumentam a adaptação dos indivíduos ao
E também chamada de neodarwinismo, uma vez que aceita plenamente a e
ambiente. Toda variabilidade genética seletiva, ou seja, se para um dado
50 ,

Cada Caso, um Caso,..Puro Acaso Capilªlc 4 — Teoria Sintética ou Neodarwinismo 51

Caráter existirem duas formas diferentes na mesma população, uma e melhor


Polimorfismos genéticos
que a outra e acaba por elimina—Ia ao longo das gerações;
Urna população e polimórfica quando, para um mesmo carater, pode ser
4. a variabilidade genética nas populações e pequena em decorrência da ação encontrada mais de uma forma na população. O polimorfismo é chamado
da seleção natural; gen_et|co quando as dlferentes formas são decorrentes de mutações
5. todas as populações são infinitamente grandes. Estatisticamente, para uma genicas.
população ser considerada como infinitamente grande ela deve ter, no mínimo, Quando ocorre uma mutação e ela é passada às gerações seguintes,
1.000 indivíduos; a população inicialmente e polimórfica em relação aquela característica, ou
6. a migração e o sistema de acasalamento são fatores complementares. Entende— seja, contém mais de uma forma da mesma característica porque convivem
se por migração a ocorrência de fluxo gênico entre populações. O sistema de Indivíduos que possuem alelos mutados e outros que são portadores do
acasalamento pode ser ao acaso ou preferencial. Ao acaso, quando a frequência alelo original. Nem sempre é possível saber, numa população polimórfica,
de cruzamentos entre indivíduos com características fenotípicas diferentes qual e o alelo original e qual o alelo mutante.
depende exclusivamente das frequências destas características. Quando em Para a teoria sintetica, todo polimorfismo é transitório, ou seja, toda vez
uma população os cruzamentos ocorrem ao acaso, ela é considerada panmítica. que num mesmo loco existam dois ou mais alelos diferentes, um deles dará
O acasalamento é considerado preferencial, quando diferentes características maior capacidade adaptativa a seu portador e será favorecido pela seleção
genéticas dos indivíduos de uma população interferem na formação de casais natural que, nesse caso, atua de forma purifcadora. Assim, o polimorfismo
e tipos semelhantes preferem cruzar entre si e os cruzamentos deixam de ser e transitório e perdurará pelo número de gerações necessario para que os
alelos menos adaptados sejam eliminados.
ao acaso. Nesse caso a população e não panmítica,
Ficava também definido que a unidade do processo evolutivo é a A partir da década de 1950, a questão dos polimorfismos serem transitórios
população genética, também chamada de dame, e a área da Genetica que passou a ser questionada à medida que mais locos polimórficos eram
detectados nas populações e essa questão é debatida até hoje. Retorno
estuda a questão foi denominada Genética de Populações.
ao mesmo assunto quando abordo a teoria neutralista.
O fato de a população ser a unidade do processo evolutivo significa que
o processo não ocorre em outro nível taxonômico a não ser na população. A teoria sintética é questionada a partir de 1970
Portanto, mesmo diferenças grandes como as encontradas entre populações
A teoria sintetica permaneceu sem grandes contestações ate o final
pertencentes a famílias diferentes, como os Felideo e os Canideo, por exemplo,
da década de 1960, quando alguns pontos passaram a ser questionados.
são decorrentes de alterações sofridas pela população ancestral dos dois
Embora o conceito de seleção natural proposto por Darwin e Wallace não
grupos e acumuladas, apos a diferenciação, ao longo das gerações. Todas tenha se alterado de forma significativa ate hoje, o conhecimento a respeito
as populações atuais destes animais têm uma relação ancestral/descendente da variação, sobre a qual a seleção atua, sofreu profundas alterações a
corn a população de carnívoros, ancestral das duas famílias. partir da década de 1970. O primeiro abalo ocorreu em decorrência do uso
Tomando como base as premissas, foi considerado que: da técnica de eletroforese de proteínas que mostrou que a variabilidade
genética das populações era algumas vezes maior do que se supunha. O
1, como as populações eram infinitamente grandes, a evolução teria como fator outro abalo veio da Genética Molecular, a partir da decada de 1980, com
casual apenas a mutação, uma vez que a ocorrência de erro amostral (deriva técnicas que permitiram acessar de forma direta o DNA.
genética) seria desprezível;
Até antes da Genetica Molecular, a Genética de Populações inferia
2. as populações seriam moldadas, ajustadas ao ambiente pela ação da seleção _a composição genotípica das populações pela análise fenotípica dos
natural; Indlvíduos. A partir da Genética Molecular, passou a ser possível o acesso
3. como as populações eram infinitamente grandes, o processo de substituição gênica direto ao genótipo.
ocorreria de forma lenta e gradual, sem deriva genética e, consequentemente,
o processo de diferenciação de populações seria lento e gradual. Em
decorrência, algumas das questões eram: o quanto a população precisaria
mudar geneticamente para que surgisse urna espécie nova, e quanto tempo
demoraria?
Revisão da Teoria Sintética
Sobre o processo evolutivo:
survival of the firtest” (sobrevivência do mais adaptado).
Herbert Spencer

survival of the Iuckiest” (sobrevivência do mais sortudo).


sºlnudo
Motoo Kimura

De acordo com a teoria sintética, o processo evolutivo, por ação da


seleção natural, e lento e gradual, uma vez que depende da substituição
aléiica, loco a loco, ao longo das gerações.

Quando a teoria não consegue explicar os dados ou os fatos


Na segunda metade do século 20, o aumento e a melhora dos estudos
dos fósseis e, principalmente, o aprimoramento das técnicas de datação das
rochas e fósseis, atraves da vida média dos elementos radioativos, mostrou
que as mudanças evolutivas, em alguns casos, eram muito mais rápidas
do que se supunha e aparentemente abruptas, contrariando frontalmente
a ideia de que o processo fosse lento e gradual.

Teoria do equilíbrio pontuado


Proposta em 1972 por Niles Eldredge e Stephen Jay Gould, a teoria do
equilíbrio pontuado propõe que o processo evolutivo consiste de alternâncias
entre períodos de estases e períodos pontuados. Nos períodos de estase,
as populações permanecem sem alterações significantes. Nos períodos
pontuados, as populações sofrem modificações rápidas que alteram a
espécie ou provocam o aparecimento de novas espécies.
Por questionar o neodarwinismo, a teoria do equilíbrio pontuado
teve mais evidência entre os cientistas, e na mídia em geral, do que ela
eventualmente merecesse. Dizer que Darwin está errado ou criticar a teoria
sintética sempre tem mais impacto do que falar favoravelmente.
Após o aparecimento da teoria do equilíbrio pontuado, uma grande
quantidade de publicações, científicas ou não, entraram no vácuo das críticas,
nas lacunas surgidas no conhecimento, e muito foi comentado a respeito.
Varios conceitos que já estavam enterrados foram ressuscitados.
54 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso —
Capítulo 5 Revisão da Teoria Sintética 55

É importante dizer que a teoria do equilíbrio pontuado foi proposta


por paleontólogos, baseada em dados de fósseis. O documentário fóssil
e extremamente importante como prova da ocorrência da evolução para
o estabelecimento de padrões evolutivos e para estudos de relação de
parentesco (filogenias) dos diversos grupos de seres vivos. Porém, ele é
limitado pelo tamanho e pela qualidade das amostras e, dificilmente, pode
dar informação sobre o processo ou documentar como a mudança ocorreu,
Assim, a teoria do equilíbrio pontuado descreve o padrão encontrado, mas
não propõe uma maneira para explicar como as mudanças ocorrem.

|_,, Inconsistências da teoria do equilíbrio pontuado


Como acontece frequentemente na ciência, especialmente com assuntos
Divergência morfológica empolgantes como o entendimento do processo evolutivo dos seres vivos,
uma vez passado o momento da polêmica, quando a emoção às vezes
Figura 5.1 — Afigura A representa divergência gradual, ou gradualismo filético. Afigura B representa suplanta a razão, estudos mais aprimorados colocam, tanto quanto possível,
mudanças propostas pelo equilíbrio pontuado. quando as populações teriam períodos as explicações nos seus devidos lugares. E, no caso, não foi diferente.
de estase e períodos de mudanças rapidas quando ocorrem especiações.
Como todas as teorias, a do equilíbrio pontuado também tinha suas
premissas e conclusões e, a partir delas, foram feitas muitas deduções.
Os principais argumentos dos críticos eram: Toda teoria começa a apresentar problemas quando as premissas são
1. se o documentário fóssil mostra que as mudanças são rápidas, elas não questionáveis ou falsas, ou quando as deduções contêm erros conceituais
ou extrapolam os dados.
podem ser explicadas por seleção natural;
2. se as alterações são grandes e os tipos intermediários não são encontrados A teoria do equilíbrio pontuado, que também ficou conhecida como
nos fósseis, e porque as mutações gênicas, como foram propostas, não são saltacionismo, tinha como premissa básica que as mudanças eram rápidas
a única fonte primária de variabilidade.
e aos saltos. A premissa mostrou—se falsa, pois uma análise mais detalhada
mostrou que, embora mais rápidas do que o previsto eventualmente pela
Aocorrência de micromutações e de macromutações voltou a ser proposta. teoria sintética, as mudanças demoravam milhares ou milhões de anos.
Micromutações seriam alterações pequenas na sequência de DNA com Embora geologicamente rápidos, os períodos eram suficientemente
pequeno impacto fenotípico. Em decorrência, teriam pequena consequência longos para permitir alterações populacionais dentro do previsto pelo
evolutiva e explicariam a existência de polimorfismos para caracteres neodarwinismo. Em decorrência, foi restabelecido o conceito de que não
responsáveis por pequenas alterações adaptativas das populações e, por existem possibilidades de alterações que não sejam populacionais e que
isso, desimportantes sob o ponto de vista taxonômico. Macromutações seriam todas as populações guardam, obrigatoriamente, uma relação de ascendência
mutações capazes de afetar toda uma estrutura orgânica, todo um órgão, e com as populações ancestrais.
provocariam profundas mudanças fenotípicas, com importância taxonômica, Como todos os indivíduos morrem a cada geração, não existe
pois poderiam dar origem a novos grupos. As mutações que teriam provocado possibilidade de ocorrer uma falha ou um salto de gerações, pois quando
o aparecimento das penas e dos bicos nas aves, ou a evolução do coração todos os indivíduos de uma geração morrem, sem deixar descendentes,
dos vertebrados superiores a partir de um coração de duas câmaras nos e população é extinta.
peixes, para os de três câmaras nos anfíbios e répteis, e de 4 câmaras nos
crocodilos, nas aves e mamíferos, e muitos outros exemplos de estruturas O apelo às macromutações para explicar o aparecimento de estruturas
desse tipo, teriam sido causadas por macromutações. diferentes e complexas, de forma aparentemente abrupta, já foi feito várias
vezes ao longo da história da Biologia. Como tal fenômeno nunca foi
A partir dessas ideias, adaptações populacionais voltaram a ser chamadas observado em populações naturais, a hipótese sobre sua ocorrência sempre
de microevolução, e mudanças maiores, responsáveis pelo aparecimento de foi uma inferência feita a partir de observações a posteriore. Um processo
grupos diferentes, voltaram a ser chamadas de macroevolução. Esses conceitos, evolutivo baseado em macromutações é biologicamente impossível. A única
que já não eram mais discutidos há décadas, voltaram a ser lembrados. alternativa para seus adeptos e defender a ideia de um fator extraordinário.

o
p
m
e
T
56 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso
Capítulo 5 e Revisão da Teoria Sintética 577
E, para os criacionistas, as macromutações são explicadas como parte de que sabiamos tudo. Até aquela década a teoria sintetica estava totalmente
um projeto preconcebido, como obra de um ser superior, como propõem aceita e explicava todos os mecanismos de adaptação; — Ernst Mayr havia
os defensores do intelligent design. resolvido o problema de especiação baseada numa hipotética revolução
genética que ocorria nos complexos gênicos coadaptados, embora ninguém
Macroevolução causada por macromutações e biologicamente inviável soubesse exatamente o que isso significava; M.J.D. White em seu livro
pelos seguintes motivos: “Modes of Speciation”, publicado em 1968, dera nome e colocara em ordem
todos os tipos de especiação.
1. baixo valor adaptativo dos mutantes. Valor adaptativo (fitness) foi definido como
a medida da capacidade de sobrevivência de um alelo ou de um genótipo
de uma geração para outra. Toda mutação ocorre sobre um DNA altamente Os novos dados genéticos
organizado, resultado de milhões de gerações de seleção. A probabilidade de No final da decada de 1960, surgiram as primeiras informações de
que uma mutação nova destrua essa organização é muitas vezes maior do que a que a variabilidade genética nas populações era muito maior do que se
probabilidade de que ela aumente ou melhore a organização; e essa estimativa supunha. Esses dados surgiram na mesma época em que foi proposta a
é feita para mutações de ponto, ou mutações pequenas (micromutações). teoria do equilíbrio pontuado.
Eventualmente podem ocorrer alterações grandes no DNAe que poderiam ser
Assim, no início da decada de 1970, a teoria do equilíbrio pontuado e as
chamadas macromutações. Ocorrer elas podem, porem, difícil é o indivíduo
novas descobertas feitas pelos geneticistas colocaram a teoria sintética em
portador das mesmas sobreviver, dado o estrago que elas produzem em seus
cheque. Como os fatos não podem ser alterados para ajusta—los a teoria,
portadores ao quebrarem o equilíbrio genômico da espécie. Em um sistema a teoria teve de ser revista.
complexo e dinâmico como o corpo de um ser vivo, uma mudança profunda
só sobrevive se junto com ela ocorrer um rearranjo geral nos órgãos afetados,
o que exige muito mais do que uma única macromutação; As premissas da teoria sintética são contestadas
2. vamos supor que ocorresse uma macromutação que causasse uma alteração A primeira premissa a ser contestada foi a que afirmava: — a variabilidade
muito grande. Para que essa alteração pudesse ser passada a gerações genética das populações e' pequena.
seguintes, como o processo é populacional, seu portador: —teria de sobreviver; Com o desenvolvimento da técnica de eletroforese no final da decada de
teria de encontrar um parceiro sexual que o aceitasse com a alteração; 1960, que permitiu detectar variações genéticas em proteínas, foi estimado,
o descendente híbrido do cruzamento teria de ser viável e fértil; ao longo inicialmente, que entre 30 a 40ªVo dos [ocos gênicos eram polimórficos em
das gerações, a alteração teria de aumentar de frequência até se fixar na populações naturais. Nos anos seguintes, esse número revelou—se como uma
população. Não existem dados que mostrem que alguma vez essa sequência subestimativa porque, com o aprimoramento das técnicas de eletroforese,
tenha acontecido em condições naturais. foi verificado que muitos dos locos que inicialmente foram considerados
Como o processo de ocorrência de mutações e de sua sobrevivência é monomórficos eram, na realidade, polimórficos. Apesar de os dados aumentarem
bem documentado, só o acúmulo de mutações em populações, ao longo de em muitas vezes a estimativa de variabilidade,das populações, prevista na
gerações, e responsável pelo aparecimento e fixação de diferenças entre teoria sintética, o valor ainda seria aumentado outras tantas vezes a partir
os organismos e a hipótese de macromutações, para explicar mudanças da decada de 1980 com o inicio das análises moleculares do DNA.
evolutivas, não resiste as evidências dos fatos. Avariabilidade genetica das populações e muitas vezes maior do que o
previsto pela teoria sintética e a constatação abalou a outra premissa que
dizia: — toda variabilidade genética é seletiva.
Importância das críticas
Ateoria do equilíbrio pontuado, ao descrever um padrão evolutivo mais
A variabilidade genética, por ser muito maior do que a prevista, colocou
em dúvida tambem a afirmação de que a seleção é puriâ'cadora, pois como
rapido, e que aparentemente não poderia ser explicado pela teoria sintética,
teve importância muito grande nas pesquisas pois suas críticas forçaram a população acumularia tantos locos polimórficos?
a comunidade científica, apoiada nas bases do neodarwinismo, a sair da Verificou—se que, para a maioria dos caracteres, as populações eram
comodidade em que se encontrava. polimórficas, ou seja, sempre existia mais do que uma forma convivendo
Comentando esse período de acomodação dos cientistas em relação na população. Teoricamente, era impossível explicar que tamanha variação
a teoria sintética, o pesquisador e historiador da ciência Willian Provine, fosse seletiva, uma vez que, dificilmente, um indivíduo deixaria de ter, em
seu genótipo, genes alelos deletérios, o que diminuiria a viabilidade média
da Universidade de Cornell, USA, disse, em uma palestra em 1996: Na — da população pelo aumento da carga genética. Essa grande variabilidade só
década de 1960 nós éramos felizes, porque naquela época pensávamos
58 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capitulo 5 — Revisão da Teoria Sintética ,
59

seria possível se os diferentes fenótipos, expressos pelo diferentes alelos, efetivo populacional, os jovens fora da idade reprodutiva e os velhos que
tivessem a mesma viabilidade ou viabilidade muito próxima. jápassaram da idade reprodutiva. O tamanho efetivo da população,—(Ne) e,
O conjunto de genes deletérios de um indivíduo ou de uma população é portanto, menor que N, o que reduz ainda mais o número de populaçoes que
chamado de carga genética (tradução do termo genetic load) e o conjunto tem um tamanho efetivo acima de 1.000 indivíduos. Por exemplo, suponha
de genes, uns melhores, outros piores, constitui a variabilidade genética que a população possua N indivíduos e que apenas metade desses indivíduos
populacional. (
se reproduza: — o tamanho efetivo da população será Ne = N/2.
Para tentar resolver o impasse, em 1969, Motoo Kimura (1924—1994) A razão sexual (número de machos/número de fêmeas) e a estrutura
propôs que a variabilidade genética seria seletivamente neutra e esta hipótese reprodutiva da população também pode afetar o Ne. Por exemplo, suponha
passou a ser Chamada de neutralismo. De acordo com a hipótese de Kimura, 100 tribos de camundongos com estrutura de harém, cada tribo com 5
os diferentes genótipos de um loco polimórfico teriam a mesma viabilidade. indivíduos, um macho e quatro fêmeas. Embora o total de indivíduos
Por afirmar que a variabilidade seria neutra, ou não seletiva, foi chamada das 100 tribos seja 500, de acordo com a fórmula — Ne = 4 (100.400)l
também de evolução não darwiniana (non Darwinian evolution). A maioria dos
(1 00 + 400) = 160000/500 = 320 — o tamanho efetivo 320. e
pesquisadores da area sabia, desde o início, que a afirmação era exagerada,
embora a polêmica tenha sido mantida por algumas décadas. Por outro lado, caso a população sofra redução de tamanho em uma
Após quase 30 anos de muita discussão entre os selecionistas e os geração e seja reduzida a poucos indivíduos e, nas gerações seguintes,
neutralistas, foi reconhecido que muitas das substituições que ocorrem se recupere e volte a ser grande, a partir desse gargalo populaCIOnal, ela
no DNA são seletivamente neutras e, para explicar esses casos, a teoria será considerada geneticamente pequena durante várias gerações póls,
neutralista é muito útil. Demonstrou—se também que um mesmo caráter mesmo sendo grande, todos os seus indivíduos serão descendentes de um
pode ser seletivamente neutro em algumas condições ambientais e se pequeno número de indivíduos que sobreviveram à redução de tamanho
tornar seletivo em outras condições. em gerações anteriores.
Hoje, a ideia predominante é a de que realmente existem polimorfismos Tais fatos revelaram que as populações não são infinitamente grandes e
neutros e que também existem polimorfismos seletivos e que, sobre estes que, na maioria dos casos, as populações são pequenas, ou porque passaram
últimos, a seleção natural continua tendo efeito evolutivo. por afunilamento recente, ou por serem fragmentadas em subpopulaçoes
Também foi abalada a premissa que dizia: — todas as populações são dentro da área de distribuição geográfica da espécie a qual pertencem.
infinitamente grandes.
Constatou—se que dentro da área geográfica de distribuição da maioria Ajustes na teoria sintética ou neodarwinismo
das espécies, os indivíduos não estão distribuídos de forma homogênea e,
sim, de forma disjunta, formando conglomerados, as populações. Para que Podemos afirmar que, apesar das turbulências por que passaram, tanto
um conglomerado de indivíduos seja chamado de população tem de haver o darwinismo, quanto a teoria sintética chegaram, com alguns ajustes,
fluxo gênico entre os indivíduos que o formam. Porém, mesmo havendo fluxo como sobreviventes aos dias atuais. A afirmação procede porque, apesar
gênico entre os indivíduos, a população dificilmente é panrnítica, porque a dos ajustes:
tendência e que cada indivíduo cruze com outro que esteja geograficamente
mais próximo a ele. A este conjunto de indivíduos que se cruzam com
—— a população continua como a unidade do processo evolutivo:
os fatores evolutivos também continuam os mesmos propostos pela teoria sintética:
mais frequência, dentro da população, por razões geográficas, e dado o
nenhuma exclusão aconteceu e nenhum novo fator evolutivo foi proposto.
nome de subpopulação e, embora exista a possibilidade de cruzamentos
entre indivíduos de subpopulações diferentes, o fluxo gênico entre as Então, o que mudou em relação ao processo? A mudança esta no peso ou
subpopulações é restringido pela distância. valor atribuído a cada um dos fatores. Não houve alteraçao quanto a orlgeym
da variabilidade das populações. A mutação genetica e a recombinação
Estatisticamente, para ser infinitamente grande, a população precisa ter,
no mínimo, 1.000 indivíduos. Análises populacionais revelaram que poucas continuam como fonte primária da variação.
espécies possuem populações que atingem tal número. Além do mais, sob o Foi dada à migração com fluxo gênico e a hibridação uma importância
ponto de vista genético, a estimativa sobre o tamanho populacional (N) leva rnaior pelo fato de ter sido reconhecido que as especies sao fragmentadas
em consideração apenas os indivíduos sexualmente ativos naquele momento, em populações e estas, em subpopulações menores, isoladas. Entendeu—se
pois são os indivíduos em tais condições que passarão genes para a geração que o fluxo gênico eventual entre as unidades evolutivas e que permite a
seguinte. Consequentemente, não se considera, na estimativa do tamanho passagem de características fixadas em algumas populações para outras.
60 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso

Compreendeu—se também que a diferenciação entre as populações e o


cruzamento entre elas, a hibridação, aumentam muito a probabilidade do
aparecimento de novidades evolutivas.
Os Fatores Evolutivos
Foi entendido também que novidades evolutivas têm menor probabilidade
de se fixar, se a espécie for formada por uma única população grande.
O reconhecimento de que as populações são fragmentadas e, na maioria
dos casos não são infinitamente grandes, levou a aceitação do aumento da
probabilidade de ocorrência de erros amostrais, a deriva genética.
“É ilusão crer que algo é conhecido quando
possuímos uma fórmula matemática para o evento:
ele foi apenas designado, descrito, nada mais. "
Nietzsche
gºlnudo
A seleção natural continuou a ser considerada a única força capaz de
explicar o ajuste da variabilidade ao ambiente, adaptando as populações.
No entanto, em alguns eventos, notou—se que ela não era tão fundamental. Os processos biológicos capazes de provocar alteração na composição
A importância da seleção natural foi minimizada pela teoria neutralista e genética de uma população, de uma geração para outra, são denominados
pela deriva genética. O neutralísmo demonstrou que nem toda variabilidade fatores evolutivos. Numa frase reducionista, vários geneticistas afirmam
e seletiva. A deriva genetica também foi reconhecida corno uma força que a evolução é simplesmente mudança nas frequências gênicas de uma
importante na alteração da composição genética das populações, podendo população, ao longo das gerações.
afetar o resultado do processo seletivo.

Alteração da composição genética das populações


O conceito de seleção natural sofreu pequenas alterações
Se a unidade evolutiva é a população, para que se possa compreender o
Permanece inalterado o conceito de seleção natural proposto por Darwin
processo evolutivo é fundamental que se entenda a dinâmica das mudanças
e Wallace: o ajuste das populações ao ambiente por meio da eliminação dos
do material genético nas populações, isto e, quais são as mudanças e como
fenótipos mal adaptados, por morte diferencial dos indivíduos portadores
atuam os fatores evolutivos responsáveis pelas alterações genéticas ao
dos seus genótipos. Foram desenvolvidos estudos e modelos matemáticos
para quantificar sua atuação e seu efeito, e modelos para estimar o valor longo das gerações. Essas alterações são responsáveis pelas adaptações,
adaptativo (fitness) dos genótipos, mas em nada mudou a ideia inicial de especiações e extinções.
Darwin e Wallace. Para explicar os fatores evolutivos que alteram geneticamente as
Corrigiu—se o exagero dos selecionistas que, ao defenderem as ideias populações cito, como exemplo, uma pesquisa feita na Islândia e na
de Darwin, atribuíram a seleção natural a capacidade de ser purificadora, Groenlândia na década de 1 950. O estudo estimou a frequência dos alelos
de ser criadora, no sentido de que tudo que sobrevivesse a seleção seria e dos genótipos do grupo sanguíneo MN nas duas populações humanas
bom e perfeitamente ajustado ao ambiente. dessas regiões para avaliar a diferença genetica entre os habitantes dos
dois locais.
Darwin propôs que a seleção natural atuava sobre a variação da qual
desconhecia tanto a origem corno a maneira de transmissão hereditária. O caráter MN e determinado por um par de genes alelos e não há
As questões sobre variação foram estudadas e, na maioria dos casos, dominância entre eles. Portanto, o indivíduo homozigoto, portador do
resolvidas pela Genética a partir de 1 900. Ateoria evolucionista, a partir dessa e
genótipo mm, classificado como pertencente ao grupo sanguíneo M, o
data, tem sofrido impactos decorrentes dos avanços dos conhecimentos e indivíduo homozigoto nn, ao grupo sanguíneo N, e o indivíduo heterozigoto mn,
técnicas da Genetica, sendo que os últimos deles, decorrentes da Genetica ao grupo sanguíneo MN. No experimento foram analisados 569 indivíduos
Molecular, ainda não foram totalmente assimilados pela Genética de da Groenlândia e 747 da Islândia, e o resultado foi o seguinte:
População, principalmente devido aos problemas decorrentes de tamanho
das amostras analisadas. Frequência fenotípica Frequência gênica
Localidade em porcentag em Amostra
Portanto, as eventuais mudanças na teoria, nos 1 50 anos subsequentes M MN N alelo m alelo n
aos trabalhos de Darwin e Wallace, decorrem do conhecimento a respeito Groenlândia 83,5 15,6 0,9 0,913 0,087 569
da variação sobre a qual a seleção natural atua, conhecimento este que
Islândia 31 ,2 51 ,5 17,3 0.569 0.431 747
ainda não afetou o conceito original de seleção natural.
62 Cada Caso, um Caso...l=ªuro Acaso —
Capítufo 6 Os Fatores Evolutivos 63

Os dados sobre as populações da Groenlândia e da Islândia foram A comparação estatística entre o que seria esperado e o que é observado
obtidos a partir de amostras colhidas ha mais de 50 anos. A pergunta é: — Se na populaçao em estudo permite estimar a ação dos fatores evolutivos.
hoje forem colhidas novas amostras nas duas localidades, as frequências Assim, mutação gênica, migração, deriva genética, seleção natural e
gênicas e genotípicas serão as mesmas? padrões de cruzamentos são os únicos fatores evolutivos. Ao longo das
Para tentar responder à pergunta, imaginaremos o que precisaria ter gerações, todas as populações estão sujeitas a sofrer alteração na sua
ocorrido naquelas populações, durante os últirnos 50 anos, para que elas composnção genética, em maior ou menor escala, dependendo da atuação
permanecessem sem alteração quanto a frequência dos alelos do sistema de cada um desses fatores. Da atuação dos fatores evolutivos resulta o
sanguíneo MN: processo evolutivo.

1. não poderia ter ocorrido mutação no loco MN;


Os fatores evolutivos
2. não poderia ter havido migração com fluxo gênico, ou seja, ninguém poderia
ter saído ou entrado nas populações. intercruzando com seus membros. Normalmente ocorre interação entre os fatores evolutivos e pode
Caso isso tivesse ocorrido, a amostra dos migrantes deveria ter as mesmas também haver variação de intensidade e de importância para cada um. Essa
Interação e intensidade também podem variar de uma geração para outra
frequências gênicas e genotípicas da população em relação a esse loco;
3. não poderia haver seleção, ou seja, não poderia ter ocorrido nenhuma relação
da rnesmapopulação, ou seja, além da variação da composição genética
dos Indivíduos de cada população, há variação também na atuação dos
entre a capacidade de sobrevivência ou de reprodução dos indivíduos e o fatores evolutivos em decorrência das condições ambientais onde vive a
grupo sanguíneo ao qual ele pertencia; população.
4. as amostras de gametas de uma geração para outra teriam de ter os alelos
Por uma simplificação didática apresento, a seguir, a ação independente
na mesma frequência da população e, portanto, não poderia ter ocorrido erro
de cada um dos fatores.
amostral, denominado deriva genética, na passagem dos gametas de uma
geração para outra. Uma vez que amostras pequenas aumentam o risco de
erro, as populações precisariam ter permanecido sempre grandes durante o Fontes da variabilidade populacional
período; A A variabilidade genética de uma população pode decorrer de mutação
5, os Cruzamentos deveriam ter ocorrido ao acaso entre os indivíduos, ou seja, genlca, de recombinação cromossômica (também conhecida corno
a frequência do cruzamento entre pessoas de diferentes genótipos deve ter recombinação genética) e de migração.
sido função da frequência dos genótipos na população.
Mutação gênica
O teorema de Hardy-Weinberg A mutação gênica, desde a origem da vida, é a única fonte primária
Enfim, se não ocorrer mutação, se não ocorrer migração, se não ocorrer de surglrnento de material genético novo. E resultado de alteração na
seleção, os cruzamentos forem ao acaso e a população permanecer grande, estrutura do DNA e sera passada aos descendentes se ela ocorrer em
as frequências gênicas e genotípicas permanecerão constantes ao longo celulas germinativas,
das gerações. Este e o enunciado do Teorema proposto por Hardy e por Na maioria dos casos, a mutação gênica ocorre no momento da duplicação
Weinberg em 1908, considerado a base teórica da Genética de Populações. do DNA, decorrente de um erro de cópia. Embora cada segmento de DNA
Para os autores do teorema, uma população que obedeça a todas as tenha uma taxa previsível de mutação (um número aproximado para esta
condições citadas e uma população em equilíbrio. Resumindo, podemos taxa é de 1 em cada 100.000 cópias), a taxa pode ser afetada por fatores
dizer: — se nada acontecer; nada acontecerá. externos como substâncias químicas ou radiações ionizantes. Se o alelo
Como na natureza não existem populações em equilíbrio, a importancia mutante for passado às gerações seguintes, a população inicialmente será
do teorema é fornecer a possibilidade de se calcular uma frequência esperada polimórfica em relação àquela característica, ou seja, conterá mais de uma
forma da mesma caracteristica porque conviverão indivíduos que possuem
hipotética, a qual, ao se analisar uma população, serve como hipótese zero
o alelo mutante e outros que possuem o alelo original,
para estudos de alterações genéticas populacionais. Ou seja, a partir de
dados sobre a frequência gênica dos alelos de um loco, pode ser calculada A mutação gênica e um evento considerado ao acaso, quanto ao
a frequência genotípica esperada, se a população estivesse em equilíbrio. momento de ocorrência.
64 Cada Caso. um Caso...F'uro Acaso Capítulo 6 Os Fatores Evolutivos
e 65

O fato de ser um evento ao acaso, quanto ao momento, significa que a


ocorrência de uma mutação gênica independe de qualquer previsão ou de O efeito carona
qualquer objetivo adaptativo em resposta a uma pressão ambiental. Corno mencionei, as espécies têm dezenas de cromossomos e milhares
de genes, ou seja, existem milhares de genes ligados em cada um dos
O efeito, ou consequência fenotípica, causado pelo novo alelo, varia
cromossomos. Uma das consequências dessa ligação (“linkage") e que
dentro de um conjunto fechado de possibilidades, ou seja, quando um
um alelo ao ser selecionado, favorável ou desfavoravelmente, envolve
segmento de DNA, responsável por uma característica rnuta, o alelo mutante
alterara' a manifestação fenotípica do alelo original e, consequentemente, o cromossomo inteiro em que estiver localizado. Para que um alelo pior
afetará a manifestação do caráter que ele determina. de um gene seja eliminado por seleção natural, tera que ser eliminado o
cromossomo onde ele estiver localizado. Consequentemente, junto com
Por ocorrer ao acaso, como um erro de cópia, em uma estrutura altamente ele, poderão ser eliminados outros genes alelos melhores de um outro loco
organizada como e o DNA, a maioria das mutações gera uma estrutura pior gênico, localizados no mesmo cromossomo.
que a original, as chamadas mutações deletérias (a estimativa é que, de cada
10.000 mutações, 9,999 sejam deletérias) e, geralmente, são eliminadas da Como ressalva, os termos melhores e piores estão sendo usados no
população por seleção. Mesmo a mutação que não e deletéria, geralmente sentido do alelo ser mais ou menos adaptado ao ambiente em que vive a
é recessiva e só se manifesta no fenótipo, quando em homozigose. Assim, população. É importante lembrar também que, ao se afirmar que um alelo
um novo alelo rnutante recessivo, ao surgir numa população, mesmo que é melhor que o outro sob o ponto de vista adaptativo, não se quer dizer
seja vantajoso, poderá demorar muitas gerações para atingir uma frequência que o alelo melhor seja bom. Ele e o melhor em tais condições ambientais
que permita a ele entrar em hornozigose e assim sempre haverá risco alto e, ser melhorou ser pior, são conceitos relativos. Ele e melhor em relação
de ser eliminado, por acaso, antes que isso aconteça. ao pior. A mesma relação existirá se ele for ruim e o outro for pessimo. A
implicação decorrente: o resultado final da seleção natural, por sobreviver
A mutação gênica e fundamental e imprescindível para o processo
o melhor, não significa que o alelo seja necessariamente bom.
evolutivo. Se o DNA fosse uma molécula absolutamente estável, na qual
nunca ocorresse erro no momento da duplicação, ele estaria hoje idêntico Por outro lado, em um cromossomo, ao ser favorecido um alelo melhor,
ao DNA de ha 4 bilhões de anos, quando da origem da vida. A pequena haverá a possibilidade de ser beneficiado outro pior, de outro loco. É o que
instabilidade química do DNA e os raros e eventuais erros de cópia geram se convencionou chamar de efeito carona. Em condições naturais, por
as alterações que são a fonte primária da variabilidade das populações. seleção, por mais violenta que seja a pressão ambiental, e quase impossível
Embora fundamental, por ser a responsável pela origem da materia— que uma população fique livre de todos os alelos deletérios, e fique apenas
prima, a mutação gênica não e a única responsável pelo processo e nem com os alelos adaptados e, nesse processo, o efeito carona desempenha
é responsável pelo caminho ou destino adaptativo das populações. um papel importante.
Por ser rara (0,001º/o ou 1/100_OOO duplicações do DNA), por ser
deletéria (apenas 0,01% ou 1/“10.000 não são deletérias), e por ser ao A recombinação na meiose
e
acaso, quanto à ocorrência, compreensível que existam dúvidas entre Outra fonte de variabilidade nos indivíduos das populações e a
os não biólogos e ate mesmo entre alguns biólogos, de outras áreas da recombinação genetica. Recombínação genética e o nome dado ao fenômeno
Biologia, de que ela seja tão importante. Porém, quando se estuda a origem de reorganização das variáveis genéticas existentes nos cromossomos. O
delas e se leva em conta o tempo evolutivo e a quantidade de gerações material genético de um indivíduo, formado pelo conjunto de locos gênicos,
pelas quais já passaram os seres vivos nos últimos bilhões de anos, tudo está organizado ou arranjado ou combinado nos cromossomos. A meiose
se torna plenamente possível.
e as mudanças cromossômicas podem fazer com que a combinação seja
Dizer que a mutação é a única fonte primária de variação genética das alterada, gerando nova combinação. Uma nova combinação, de material
populações, e uma afirmação corroborada por milhares de pesquisas na genético já existente, e uma recombinação.
área.
A recombinação provocada pela meiose e pela fecundação, corn a
Quanto maior a alteração no DNA, mais a mutação afetará seus quebra do genótipo 2h, para a formação dos gametas n, e a união de dois
portadores, e maior será a probabilidade de ela ser deletéria. Ao ocorrer e
gametas n para formar um novo genótipo Zn, responsável por si só, pelo
sobre estrutura pré—existente e por reduzir a probabilidade de sobrevivência fato de não existir e nunca terem existido dois indivíduos geneticamente
de alterações grandes, o processo evolutivo torna—se ainda mais conservador iguais, nascidos de fecundações diferentes e, consequentemente, e uma
e gradual. fonte de variabilidade intrapopulacional.
66 Cada Caso, um Caso..,Puro Acaso Capítulo 6 — Os Fatores Evolutivos 67

Cada indivíduo é único recombinação cromossômica durante as meioses dos pais que darão origem
aos gametas, o que tornaria esta probabilidade ainda menor.
Como resultado da recombinação decorrente da meiose, cada indivíduo
e único sob o ponto de vista genético. No sentido de tornar mais concreta Se a probabilidade de um mesmo casal gerar dois indivíduos iguais
a ideia de que cada indivíduo e único, faço o cálculo da probabilidade de e desta ordern de valor,
pode ser afirmado que não existe e nem nunca
um casal da espécie humana passar, para um segundo filho, exatamente o existiu, na história da humanidade, dois indivíduos geneticamente iguais,
mesmo material genético que tenha passado para um primeiro Fulho, gerando exceto os gêmeos idênticos.
dois indivíduos geneticamente iguais em duas fecundações independentes,
Quando apresento estes números, percebo em alguns estudantes certo
portanto, sem serem gêmeos idênticos.
desconforto e apreensão pela responsabilidade de se conscientizarem de
Aespecie humana tem 46 cromossomos, ou 23 pares de cromossomos que cada um representa um evento único na história dos seres vivos. A
homólogos, e cada membro do casal passa ao descendente, através dos baixíssima probabilidade de ocorrência de um determinado genótipo serve
gametas, urn cromossomo de cada par. Assim, para que o segundo filho também, como conforto para quem acha que e azarado, pois, afinal, com
receba o mesmo material genético do primeiro filho, e preciso que: o pai essa probabilidade tão pequena, foi sorteado para a vida.
passe a ele os mesmos 23 cromossomos que passou para o primeiro;
simultaneamente, a mãe também passe os mesmos 23 que passou Os Cálculos são válidos para todos os indivíduos de populações com
para o primeiro. Qual a probabilidade desta ocorrência? Considerando reprodução sexuada, tanto plantas quanto animais, sendo que o valor
mudará em função do número de cromossomos de cada espécie. Assim, se
separadamente1 cada cromossomo dos 23 pares, a probabilidade do pai,
que tem dois cromossomos número 1 (um que ele herdou do pai e o outro as populações são formadas por indivíduos e se eles são sempre diferentes
que herdou da mãe), passar para o segundo filho o mesmo cromossomo uns dos outros, não existem duas populações iguais e, como consequência,
1 que passou para o primeiro é 1/2; e a mesma coisa tem de ocorrer com cada evento evolutivo é único, cada caso... um caso.
o cromossomo 2 e a probabilidade também é 1/2; e com o cromossomo 3,
que também é 1/2; enfim, é necessário que o mesmo mecanismo ocorra Recombinações cromossômicas na meiose
com cada um dos 23 cromossomos com probabilidade 1/2 para cada um.
A probabilidade da ocorrência simultânea, com os 23 cromossomos, por Alem da segregação dos cromossomos homólogos, a recombinação
serem eventos independentes, e (1/2)23 (meio, elevado a vigésima terceira cromossômica (crossing over), que ocorre na fase I da meiose, promove a
potência) o que resulta no valor de: (1/2)23=1/8_388.608, ou seja, um gameta troca entre pedaços de cromossomos homólogos no momento do pareamento
em oito milhões, trezentos e oitenta e oito mil, seiscentos e oito gametas. entre eles. A consequência é o surgimento de um cromossomo novo,
resultado da troca de material genético que o indivíduo recebeu do pai com
Porém, não basta que o pai passe os mesmos cromossomos para o o material genético que recebeu da mãe, constituindo um cromossomo com
segundo filho, e preciso que o mesmo aconteça com os gametas da mãe, arranjo gênico inédito. Essa ocorrência quebra e altera a ligação entre genes
cuja probabilidade também é (1 /2)23; como esses dois eventos têm que ser e tanto pode colocar num mesmo cromossomo dois alelos melhores, que
simultâneos, a probabilidade total disso ocorrer é: (1/2)23 >< (1/2)23 = ('I/2)46 estavam separados, aumentando a probabilidade de eles terem sucesso
(1/2 elevado a quadragésima sexta potência), cujo resultado e: evolutivo, como podejuntar dois alelos piores, aumentando a probabilidade
(“!/2)23 >< (1/2)23= (1 !2)46 = 1/70.368.744.177.664 de serem eliminados.
isto é, uma chance em setenta trilhões, trezentos e sessenta e oito bilhões, Outras alterações que podem ocorrer com os cromossomos durante a
setecentos e quarenta e quatro milhões, cento e setenta e sete mil, seiscentos meiose, embora mais raras, são:
e sessenta e quatro fecundações.
— inversão, quando um cromossomo sofre duas quebras simultâneas e,
Assim, a probabilidade de um casal ter dois filhos idênticos, nascidos de antes de se ligar novamente aos pontos de quebra, o pedaço que fica solto
fecundações independentes, e uma dentre mais de 70 trilhões de possibilidades. sofre uma rotação de 1800, invertendo a ordem gênica daquele trecho do
Na realidade, a probabilidade, embora muito pequena, ainda está superestimada cromossomo;
porque não foi considerada a possibilidade de ocorrência de mutação e de
— translocação
diferentes;
(troca de pedaços) entre cromossomos não homólogos de pares

'I . Cada par de cronuossomos segrega independcxitcmente na Meiose, conforme postulado na 2" fusão ou quebra cêntrica, que ao ligar ou separar cromossomos pelo centrôrnero,
Lei de Mendel, pode diminuir ou aumentar o número de cromossomos da célula;
68 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso —
Capítulo 6 Os Fatores Evolutivos 69

— duplicação ou deleção de um pedaço do cromossomo. meados da decada de 1970, e sua função foi reconhecida como importante
Dessas alterações cromossômicas, as mais comumente encontradas em e fundamental a partir de 1980.
populações naturais são as inversões e as duplicações. As que provocam e
Deriva genética tradução do termo genetic drift e pode ser encontrado
perda de pedaços de cromossomos (deleção) ou podem interferir na meiose, também traduzido para o Português como oscilação genética em textos
afetando a formação dos gametas (translocação, fusão ou quebra cêntrica) mais antigos. Este processo ocorre quando o patrimônio genético de uma
são mais raras provavelmente porque, além de ocorrência rara, a maioria e
população ou espécie é alterado, de uma geração para outra, por fatores
delete-ria. Pela raridade, quando sobrevivem e se fixam na população, são casuais, independentemente de seleção, significando que tanto pode
normalmente usados como importantes marcadores taxonômicos. aumentar a frequência de indivíduos melhores adaptados como a dos piores
Enfim, embora não seja fonte primária de variação (por não gerar material adaptados. O processo é considerado ao acaso, pois a sobrevivência de um
genético novo) a recombinação genética e importante porque gera: — conjuntos caráter dependerá de eventos casuais, independente de sua capacidade
genotipicos e arranjos cromossômicos novos; — muda a estrutura dos adaptativa. A deriva genética e erro amostral, decorrente do fato de um

cromossomos; embaralha os genomas em novos genótipos criando novos conjunto de zigotos que dará origem a geração seguinte, não conter o
mesmo patrimônio genético da geração anterior. Quanto menor a população,
arranjos que passam a compor a variabilidade genética das populações.
maior o risco de ocorrer deriva genetica.

Migração Embora erros amostrais possam ocorrer em todas as gerações, eles


serão mais prováveis e de consequências maiores quando o tamanho
Migração de indivíduos para dentro ou para fora da população também
populacional é reduzido por algum acidente, o que geralmente torna a deriva
pode afetar a composição genetica populacional.
genética um evento rápido, em termos de gerações. Quando a população
Por uma questão de quantidade, a migração pode ter um impacto sobrevive a essa redução diz—se que a população passou por um funil ou
muito maior do que a mutação em termos de introdução de material gargalo de garrafa (“bottle neck“). Ao se recompor, em termos de tamanho,
genético novo numa população, se os migrantes forem geneticamente todos os indivíduos serão descendentes dos sobreviventes do funil os quais,
diferentes da população. A importância da migração e realçada pelo fato se sobreviveram à redução por acaso, têm enorme probabilidade de serem
de a maioria das espécies serem formadas por várias populações e estas diferentes da população antes da redução, fazendo corn que a população
por subpopulações parcialmente isoladas umas das outras e conectadas resultante seja diferente da anterior à deriva genética.
por migrações ocasionais de indivíduos. Os migrantes geram fluxo gênico
entre as subpopulações diluindo eventuais diferenças genéticas que tenham Deriva Genética
surgido durante o isolamento entre elas. Estudos mostraram que o uso da
bicicleta aumentou muito o fluxo gênico entre as populações dos povoados
europeus, no final do século 19, por ter facilitado o deslocamento dos
indivíduos, especialmente dos homens.
Além do efeito de diluição das diferenças, o fluxo gêníco pode juntar,
em uma mesma população, características vantajosas que tenham surgido
independentemente em populações distintas. Como veremos no capítulo
da espécie humana, o processo de hibridação de subpopulações e de
populações, decorrente de migração, corn consequente fluxo gênico, e
muito importante no aparecimento de novidades evolutivas e certamente
desempenhou um papel decisivo na evolução da espécie humana.

Deriva genética .

Ocorre deriva genética quando a composição genética de uma geração


é diferente da geração anterior por erro amostral na passagem de gametas
de uma geração para outra. Embora tenha sido descrito em 1932, por
Sewal Wright, a importância evolutiva deste fenômeno foi negligenciada até
Figura 6.1 — Representação da deriva genética resultado de uma amostra pequena e não
representativa ,
70 Cada Caso, um Caso.,.Puro Acaso —
Capítulo 6 Os Fatores Evolutivos 71

e
Um caso particular de deriva genética o chamado efeito do fundador, “14 seleção natural, embora bastante simples em princípio, pode ser diversificada
descrito por Ernst Mayr. Ocorre quando um pequeno número de indivíduos, em suas operações. Embora seja um conceito elementar, muitas vezes é mal
não representativos da população, isola—se e funda uma nova população entendida e grande quantidade de afirmações sem sentido tem sido feitas em
que, por erro amostral, é diferente da população de origem. Neste caso, a seu nome, É vista por alguns como uma força obscura, ação inexorável de
original não precisa sofrer redução de tamanho. Quando poucos indivíduos um universo descuidado e insensível, e por outros como um agente criativo
ou apenas um casa], de uma dada população, migra para uma área que da natureza, instilando progresso dentro da história. Tem sido invocada
não era habitada pela sua espécie, por exemplo, uma ilha, ocorre o caso como uma lei natural, com a força moral de preceito ético, do qual mesmo a
extremo de efeito do fundador. Se deram origem a uma nova população, sociedade humana não é e não deve ser eximida. Tem sido argumentado que
ela poderá ser bem diferente da população da qual vieram os indivíduos, “enquanto a lei pode algumas vezes ser dura para o indivíduo, ela e melhor
uma vez que, dificilmente, os poucos indivíduos migrantes, teriam toda a para a raça, porque assegura a sobrevivência do mais adaptado em todos
variabilidade da população inicial. A diferença poderá ser maior, ainda, no os segmentos”. Essas concepções errôneas têm origem principalmente na
caso deles possuírem algumas características que eram raras na população maneira metafórica pela qual o conceito tem sido enunciado. Expressões
inicial e que se tornaram frequentes na nova população pelo fato de estarem poéticas, entretanto, corno notou Darwin, podem levar—nos a visualizar a
presentes nos fundadores. seleção natural como um poder ativo ou Divindade, onisciente, onipotente e,
Em 1972, o grupo de pesquisa do Prof. Newton Freire—Maia, da dependendo do ponto de vista de cada um, benéfico, moldando as espécies
Universidade Federal de Curitiba, publicou uma série de trabalhos sobre a em forma perfeita, ou maléfico, com dentes ensanguentados e garras afiadas.
frequência de casos de albinismo na Ilha dos Lençóis no litoral maranhenseº. Entretanto, a seleção natural não possui nenhuma dessas qualidades. Não
A frequência de pessoas com este fenótipo, na maioria das populações é providencial, nem moral, nem imoral, não contém preceitos e'ticos — ela
e
humanas, de cerca de "E para cada 20.000 pessoas. Na Ilha dos Lençóis, não é um agente ativo com propriedades físicas, muito menos uma mente.
foi relatada a ocorrência de um caso de albinismo em cada 17 pessoas; Nada mais e' que uma avaliação estatistica da diferença na sobrevivência ou
nesta ilha, essas pessoas eram chamadas de filhos—da—lua. O levantamento reprodução entre entidades que divergem em uma ou mais caracteristicas,
histórico revelou que a ilha foi povoada por poucas famílias portadoras do A seleção não é causada pela sobrevivência e reprodução diferenciais; ela e
alelo para albinismo. Este e um dos casos mais bem documentados de sobrevivência e reprodução diferenciais e nada mais."
efeito do fundador na espécie humana.
Valor adaptativo
Seleção natural Para que seja possível medir a taxa diferencial de sobrevivência e
A seleção natural proposta por Darwin e Wallace como sendo o principal reprodução, a Genética de Populações desenvolveu muitos modelos e
fator evolutivo, embora seja o mais estudado e discutido e o que acumula fórmulas matemáticas no intuito de para tentar entender como se comportam
maior número de trabalhos e pesquisa, é o mais polêmico dos fatores. os locos gênicos polimórficos. Por definição, para ser considerado polimórfico,
Quando tal acontece, e porque o fenômeno ou processo estudado complexo
e a frequência do alelo não pode ser abaixo de 1%. Por exemplo, o loco
cientificamente, pois, quando o problema e simples, quanto mais se estuda, ABO, de grupo sanguíneo e considerado polimórfico porque cada alelo
quanto mais se acumula conhecimento, menos dúvidas permanecem. Porém, tem frequência superior a 1º/o na população, Por outro lado, embora na
no caso da seleção natural, estudada ha 150 anos, a polêmica continua. A população humana existam indivíduos normais e indivíduos albinos, ela
principal questão atual e que ela foi concebida, desde Darwin até a década não e considerada polimórfica para albinismo, porque a frequência do alelo
de 70, como um agente selecionador, eliminando as variáveis indesejáveis, para albinismo é menor que 1º/a.
o que, ao longo das gerações, deveria purificar as populações. Porém, Tendo como base tais modelos teóricos, foi possível quantificar o valor
com o avanço das técnicas moleculares, demonstrou—se que a variação
adaptativo (fitness) dos diferentes genótipos formados pelos alelos de um
das populações era muitas vezes maior do que a prevista por Darwin, ou loco polimórfico. O valor adaptativo foi definido como o número médio de
o que seria esperado se a seleção natural fosse purificadora.
gametas de um genótipo que contribuem para a próxima geração, 0 que
Transcrevo um texto, que sempre uso em minhas palestras, do livro depende, entre outras coisas, da capacidade de sobrevivência do organismo,
Evolutionary Biology, D.J.l=utuyma, 1986, que fala sobre a dificuldade de da sua fertilidade e da capacidade reprodutiva. O valor adaptativo de cada
entendimento deste fator evolutivo: indivíduo depende da ação e interação de todos os genes do genótipo,
e o valor adaptativo medio de um genótipo é calculado a partir do valor
2. Ciência (.) Cultura, 25(S) : 229—230, 1973. adaptativo dos indivíduos portadores do genótipo.
72 Cada Caso, um Caso...Puro Acasow Capítulo 6 — Os Fatores Evolutivos 73
O valor adaptativo de um genótipo permite, por exemplo, que sejam A seleção natural não cria genótipos bons. Ela atua sobre os genótipos
estimadas quantas gerações são necessárias para que um alelo favoravel existentes na população e, eventualmente, em alguma geração e possível
seja fixado na população ou quantas gerações são necessárias para que a existência de apenas genótipos ruins e péssimos.
um alelo deletério seja eliminado. Os cálculos mostraram que, analisada
de forma isolada dos outros fatores, a seleção atua muito lentamente na Quando ocorre mudança ambiental, a sobrevivência da população
modificação da estrutura genética de uma população, principalmente porque, dependerá da existência de genótipos que se adaptem as novas condições,
na maioria dos casos, as variáveis genéticas são recessivas e só manifestam genótipos esses que eventualmente eram mal adaptados ao ambiente
o caráter a ser selecionado, quando em homozigose. A consequência disso anterior. Os indivíduos portadores dessas características são chamados de
é que os alelos recessivos deletérios, por não se expressarem no fenótipo e
pre—adaptados ao novo ambiente. Avariabilidade genética muito importante
quando em heterozigose, embora presentes no genótipo, não são atingidos para a sobrevivência de uma população pois, se na população houver uma
pela seleção. grande variabilidade, ela terá maiores possibilidades de possuir indivíduos
pre—adaptados para sobreviverem a mudanças ambientais. Populações
Corno exemplo desta lentidão dou um exemplo numérico do efeito da sem indivíduos pre—adaptados correm maior risco de extinção quando o
seleção atuando sobre albinismo, uma característica fenotípica recessiva. ambiente muda.
Na Europa, a frequência de indivíduos albinos é 1/20.000 (um em cada
20.000), Vamos supor, como hipótese, que, numa medida eugênicaª,
fosse decidido que o albinismo teria de ser eliminado da população e, para Seleção natural é igual a luta pela sobrevivência?
elimina—Io, ficasse decidido que todos os indivíduos albinos seriam mortos Embora a seleção natural tenha sido definida e entendida como
ou esterilizados em cada geração, fazendo com que o valor adaptativo luta pela sobrevivência, dificilmente envolve combates físicos entre os
dos indivíduos albinos fosse igual a zero. Por ser recessivo, o gene alelo competidores. Por exemplo, a velocidade de aproximadamente 100 km/h
do albinismo não é detectado nos heterozigotos e, portanto, os indivíduos que um guepardo, Cheetah em inglês (Acinonixjubatus, da família Felidae),
heterozigotos não seriam selecionados. e
atinge para perseguir uma presa fundamental para seu sucesso na caça

A pergunta é: Durante quantas gerações os indivíduos albinos teriam
que ser eliminados ou esterilizados para que a frequência de albinos fosse
e, consequentemente, para sua sobrevivência. Qualquer mutação que
reduza a velocidade do guepardo será desvantajosa. Os animais mais
reduzida a metade, de 1/20,000 para 1/40_OOO? Os cálculos mostram que, velozes caçarão melhor, alimentarão melhor os seus filhotes, o que fará
mesmo com valor adaptativo zero, seriam necessárias 49 gerações para com que, dentro de uma população de guepardos, os mais velozes se
que a frequência de albinos caísse à metade, uma vez que, ao eliminar reproduzam mais do que os menos velozes. A seleção favoravel dos mais
velozes contra os mais lentos se processa sem que haja luta direta entre
apenas os homozigotos albinos, o alelo seria mantido na população pelos
indivíduos heterozigotos não albinos. Supondo, na espécie humana, um eles. Por questões de limitações biológicas não é esperado que a seleção
período medio de 25 anos por geração, a obtenção do resultado pretendido produza sempre animais mais rápidos a cada geração e, provavelmente,
a velocidade atual do guepardo é a maior possível com a estrutura física
demoraria 1.200 anos. Estes cálculos desmoralizaram todas as políticas
que a espécie possui. Quando isso ocorre, diz—se que a população atingiu
de purificação de populações ou eugenia, através da eliminação dos tipos
um pico adaptativo para a característica selecionada e, se a pressão de
indesejados, que foram propostas no século 20, por diversas vezes, em
seleção permanecer, em todas as gerações, os indivíduos que estiverem
diferentes países.
fora desse pico terão menor probabilidade de sobrevivência. Apesar dessa
Os cálculos colocaram em dúvida também a capacidade purificadora especialização, ou por causa dela, os guepardos estão, no momento,
da seleção natural e foram usados para justificar a enorme variabilidade seriamente ameaçados de extinção, pois a seleção para velocidade, que
das populações naturais. aumentou sua capacidade de caça, tornou—os mais leves e diminuiu sua
Para esses cálculos, o efeito da seleção é considerado de forma isolada força física para evitar que as presas, depois de abatidas, sejam roubadas
por outros animais, especialmente as hienas.
dos demais fatores evolutivos e a população é considerada grande, o que
evita erros amostrais. Quando a ação da seleção ocorre interagindo com Da mesma forma, a seleção atuará numa população de animais que
os outros fatores evolutivos, a situação de velocidade muda drasticamente seja presa de guepardo. Não só a velocidade e importante para escapar a
tornando—se muito mais rápida. um predador: o olfato e a visão também desempenham papel importante e,
conforme o caso, estão sujeitos a constante seleção, Nessa mesma linha
de pensamento, uma infinidade de situações teóricas possíveis pode ser
3. Eugenia é a ciência que busca rnelhorar geneticamente as gerações futurasl enumerada.
74 Cada Caso. um Caso...Puro Acaso Capítulo 6 — Os Fatorestvolutivos 75

Um caso em que a seleção pode ser considerada como uma luta fisica longo das gerações. Por exemplo, se numa população os indivíduos maiores
e aquele em que alguns grupos de animais vivem em estrutura de harém tiverem vantagem adaptativa, a cada geração eles deixarão mais descendentes
tendo um Único macho para várias fêmeas, as quais não têm possibilidade do que os indivíduos menores e, ao longo das gerações, a altura média da
de discriminar ou escolher os machos para acasalamento. Geralmente, população aumentará. O resultado da seleção é direcional, pois está ocorrendo
os machos lutam com outros machos para conquistar as fêmeas. E, do um aumento na altura média dos indivíduos, ao longo das gerações. Esse e o
resultado da luta, dependerá tanto o número de fêmeas como o número modo de seleção mais fácil de ser entendido por quem estuda ou pensa em
de descendentes que um macho terá. evolução porque, aparentemente, da' uma direção ao processo.
Outro tipo e a seleção sexual, quando as fêmeas discriminam e escolhem Aseleção também e direcional quando o ambiente muda em uma dada
os machos com os quais irão cruzar. Se os critérios de escolha das fêmeas
direção, por certo período de tempo e, por isso, favorece uma determinada
forern baseados em características físicas, morfológicas, podem resultar
caracteristica. Por morte diferencial, a população sofrerá uma seleção no
em machos com caracteres bizarros, exagerados e aparentemente não
sentido de aumentar a frequência da característica favorecida. Este é um
adaptativos por atrapalharem o animal no seu dia—a—dia, como ocorre com
a cauda do pavão ou o enorme chifre de algumas espécies de alces. dos pontos confusos no entendimento da seleção porque, muitas vezes,
entende—se que a adaptação ocorre nos indivíduos e não populacionalmente.
Uma ocasião, um ex—prefeito da cidade de São Paulo, em uma entrevista,
O resultado da seleção natural não é casual afirmou que a solução do problema de saúde decorrente da poluição da cidade
Quando se diz que a Evolução um processo ao acaso, e no sentido
e era uma questão de tempo pois, como mostra a Biologia, os indivíduos se
de que ela não tem direção nem objetivo. No entanto, a seleção natural não
adaptam ao ambiente e, quando ocorresse a adaptação, a poluição deixaria
e considerada um fator casual (ou estocástico). Na realidade, e um fator
de ser um problema de saúde na cidade. Certamente ele estava pensando na
deterministico resultando ou na extinção, ou na maior adaptação da população
ao ambiente, pois sobrevivem os mais adaptados a cada geração. adaptação dos indivíduos e não na adaptação da população. Para ocorrer a
adaptação da população, embora seja difícil imaginar adaptação a monóxido
A alteração da composição do conjunto gênico das populações, em de carbono, seria necessário que existissem indivíduos geneticamente pré—
cada geração, favorecendo a sobrevivência dos mais adaptados a um
adaptados a poluição e que todos os demais morressem em decorrência
determinado ambiente, é o resultado da seleção.
dela. Assim, as gerações seguintes seriam descendentes dos sobreviventes
A seleção natural não cria estruturas novas ou materiais genéticos resistentes. Este exemplo mostra que, mesmo pessoas com alto grau de
novos, ela interfere na frequência dos existentes. De maneira que, ao escolaridade, como e o caso do ex—prefeito, interpretam de modo incorreto
permanecerem os melhores, não necessariamente estarão sobrevivendo o conceito de seleção natural.
tipos ideais.
A seleção é estabilizadora sobre um caráter quando, na população, os
O processo como um todo e casual em decorrência da incerteza sobre
tipos intermediários têm maior valor adaptativo, Isso acontece, na maioria
a qualidade e a quantidade da variabilidade que estará sob seleção, e essa
dos casos, quando o meio ambiente permanece constante por um longo
seleção ainda poderá variar de acordo com mudanças ambientais.
período de tempo.
Como já foi comentado, a seleção natural, considerada o principal fator
evolutivo, e por isso mesmo muito discutida e estudada, continua, na maioria A seleção e disruptiva quando favorece tipos extremos para um dado
das vezes, rnal interpretada. O próprio Darwin observou que, ao chama—Ia, caráter, em detrimento do tipo medio. E o contrario da seleção estabilizadora
em sentido figurado, de luta pela vida, ele havia aberto a possibilidade de e o mesmo que seleção direcional, agindo simultaneamente em sentidos
interpretações errôneas. opostos, favorecendo os dois extremos de uma distribuição normal. Ela
pode ocorrer em duas situações:
Padrões de seleção — primeira, se a area de distribuição da população for muito ampla ou diversificada
Aseleção natural tem três modos básicos de expressão: como seleção e os indivíduos estiverem expostos a diferentes pressões de seleção em locais
direcional, estabilizadora ou disruptiva. diferentes;

Ela é direcional quando os favorecidos são os fenótipos extremos de uma e


segunda, se houver polimorfismo para um caráter na população e os cruzamentos
forem preferenciais entre indivíduos semelhantes.
distribuição normal da variável, resultando em aumento da frequência deles ao
76 Cada Caso, um Caso,..Puro Acaso

Padrões de cruzamentos
Adaptação

zºlnudo
Uma população e considerada panmítica quando a probabilidade de
cruzamento entre os diferentes tipos de indivíduos e função da frequência de
cada tipo. Embora as populações possam ser panmíticas para alguns caracteres,
como os do grupo sanguíneo MN, da espécie humana, dificilmente encontramos “(...) É a essa preservação das variações favoraVeis e eliminação
uma população que seja panmítica para todos os caracteres. Tanto no caso das variações nocivas que dou o nome de Seleção Natural.”
do grupo sanguineo MN, como nos demais grupos sanguíneos, isso ocorre “(...) As variações indiferentes ao meio ambiente não seriam afetadas
porque são caracteres que não afetam a aparência externa dos fenótipos e pela seleção natural e seriam deixadas como um elemento
ninguem escolhe um parceiro sexual baseado no grupo sanguíneo. flutuante, como vemos talvez em algumas espécies polimórficas,
Mesmo no caso dos cruzamentos ocorrerem ao acaso, a distribuição ou acabariam por se tornar fixas, ”
geográfica dos indivíduos pode afetar a probabilidade. No caso de plantas Charles Darwin
e
em que o pólen levado pelo vento, caso da polinização do milho, embora
não haja preferência para cruzamento entre as plantas, a probabilidade de
cruzamento não será igual para todas as plantas de urna determinada área A adaptação das populações ao ambiente é um dos fenômenos mais
em função da distância entre elas. interessantes que ocorrem na natureza e serviram de base para a teoria
Os cruzamentos são considerados preferenciais quando os casais são evolutiva de Wallace e Darwin. Só têm importância evolutiva as variações
formados por escolha a partir de alguma característica, e não se formam de origem genética (hereditárias), ou seja, as que podem ser passadas aos
ao acaso, por exemplo: um indivíduo alto prefere cruzar com outro alto; descendentes, pois elas e que serão selecionadas.
baixo corn baixo, de olhos azuis com outro de olhos azuis; loiros com loiros. Variações fenotípicas encontradas nas populações e que resultaram
Cruzamentos preferenciais não afetam diretamente a frequência dos alelos da ação do ambiente sobre o indivíduo, ou seja, que afetaram suas células
na população, porem afetarn a frequência dos genótipos, pois aumentam a somáticas, não serão passadas aos descendentes pois, para os descendentes,
frequência de indivíduos homozigotos em detrimento dos heterozigotos, o só passam as células germinativas. Como exemplo de alterações somáticas
que poderá acelerar a velocidade de atuação da seleção natural, uma vez que não passam aos descendentes, podemos citar: o raquitismo, provocado
que e maior a probabilidade de alelos gênicos recessivos se manifestarem por fome no período de crescimento, as mutilações e os traumas fisicos
nos fenótipos. decorrentes de acidentes.
Os cruzamentos também deixarão de ser ao acaso se a probabilidade
de cruzamentos endogãmicos, na população, for maior do que a esperada. Norma de reação dos genótipos
Cruzamentos endogâmicos são aqueles que ocorrem entre indivíduos
aparentados. O fato de indivíduos aparentados terem ancestrais comuns, É considerado fenótipo todo formato, aparência ou qualquer constituição
avós, bisavós, aumenta a probabilidade de eles terem herdado dos ancestrais física de um indivíduo. O fenótipo é resultado da interação do genótipo
com o meio ambiente. Consequentemente, genótipos iguais podem
cópias dos mesmos alelos. A consequência dos cruzamentos endogãmicos
é o aumento da probabilidade de cópias dos mesmos alelos entrarem em expressar diferentes fenótipos quando submetidos a condições ambientais
homozigose nos descendentes, o que os exporá a seleção. diversas.

Se uma população permanecer pequena por muitas gerações, a maioria Norma de reação de um genótipo e o intervalo entre os extremos da
dos seus membros, senão todos, tornam—se aparentados, e mesmo com os variação da expressão fenotípica possível do genótipo, ao ser exposto a
cruzamentos ocorrendo ao acaso, haverá aumento da endogamia. diferentes ambientes.

As primeiras populações de hominídeos sempre foram pequenas por Quando se observa fenotipicamente uma amostra populacional, pode ser
centenas de milhares de anos, de maneira que a endogamia teve um papel detectada variação entre os indivíduos. Avariação pode ter causa ambiental
importante na evolução da espécie humana. ou genética. Avariação, decorrente de causa ambiental, também pode ser
resultado de urna adaptação individual reversível ou de uma adaptação
individual irreversível.
78 Cada Caso. um Caso...Puro Acaso Capítulo 7 Adaptação
# 79

Exemplo de variações fenotípicas reversíveis, por causas ambientais: O que esses dados revelam? Mostram que o ambiente afeta a manifestação
do genótipo, alterando o fenótipo. Entre as causas do aumento médio de
— supondo que, de um grupo de 40 pessoas, metade passe um final de semana tamanho no século 20, pode ser citada a melhora do conhecimento sobre
tomando sol (sem protetor solar) e, a outra metade, sem tomar sol; na segunda—
feira haverá urna variação dentro do grupo e eles poderão ser separados em alimentação, especialmente das crianças, com consequentes mudanças
dois grupos: os bronzeados e os não bronzeados. Passado certo período de de hábitos alimentares: pode ser citada a disseminação do uso das vacinas
tempo, se ninguém mais do grupo tomar sol, a variação desaparecerá. Da contra as doenças mais comuns na infância, como sarampo, catapora,
mesma forma, se uma parte do grupo fizer um trabalho braçal como trabalhar coqueluche as quais, ao afetarern as crianças na idade de crescimento,
com enxada, por um mês, posteriormente o grupo poderá ser dividido entre alem de várias outras consequências, ocasionavam a perda de apetite o
os que tem calos nas mãos e os que não tem. que, por vezes, durava meses ou anos, especialmente a coqueluche. Como
A capacidade de ficar bronzeado, ou de criar calos nas mãos e hereditária. consequência, indivíduos bem alimentados e com menos doenças na fase
Porém, o caráter só se manifestará por ação ambiental e, passada a ação de crescimento tiveram maior possibilidade de expressão genotípica. A
ambiental, o fenótipo volta ao estágio anterior. É a potencialidade de ter a mesma explicação pode ser dada para o aumento do tamanho médio dos
pele escurecida ao tomar sol ou de formar calos sob atrito que é passada japoneses. Não necessariamente os japoneses estavam passando fome
aos descendentes e não o bronzeado ou os calos adquiridos pelos pais. O no Japão, mas houve uma mudança de hábitos alimentares ao mudarem
fato de cada indivíduo diferir dos demais pela capacidade de se bronzear para o Havaí. Os filhos ainda foram criados por pais nascidos no Japão,
e
e de formar calos genética. que podem ainda ter mantido os costumes alimentares originais, mas os
netos já foram criados por pais nascidos no Havaí e a mudança de hábitos
Um indivíduo branco podera tornar quanto sol quiser que não se tornara alimentares já foi mais acentuada. No caso dos ingleses, a situação de
negro, assim como um negro pode ficar sem tomar sol, por um longo período guerra certamente afetou o suprimento alimentar, além de outras eventuais
de tempo, que não se tornara branco, pois os limites da norma de reação consequências na saúde. Em todos esses casos, a variação produzida pelo
de cada um será diferente. Portanto, nesse exemplo, a norma de reação ambiente é irreversível, pois urna vez passado o período de crescimento,
da capacidade de mudar a cor da pele e o intervalo entre o limite máximo os indivíduos não crescem mais.
em que um indivíduo tem a pele escurecida ao tornar sol e o limite máximo
de clareamento da pele, caso não tome sol. Pode—se afirmar que, ao nascer, o indivíduo tem uma potencialidade
para ter certa estatura, mas se for rnal alimentado ou ficar doente durante a
A seguir, exemplos de variações fenotípicas irreversíveis, por causas fase de crescimento, essa potencialidade não se manifestará. Também não
ambientais, dentro da norma de reação: e quanto menos corner, menor será e quanto mais corner, maior será. Existe
—— ao nascer, todo indivíduo tem, genotipicamente, potencialidade de atingir certa um intervalo de variação possivel nesta manifestação, que é a norma de
altura quando adulto. Porem, variações ambientais podem afetar a altura que reação do genótipo. Os escoceses têm fama de serem muito sovinas e os
realmente atingira, como no caso da estatura dos indivíduos da espécie humana. ingleses inventaram uma anedota sobre um escocês que estava treinando o
É fato notório que, na maioria das famílias, durante o século 20, os indivíduos próprio cavalo, por economia, para sobreviver sem precisar comer e quando
o cavalo já estava quase aprendendo a não corner, morreu de fome.
foram, em média, maiores do que os pais e, mais ainda, que os avós. Será
que esses dados mostram que a espécie humana aumentou em tamanho? A população humana está evoluindo e aumentando de estatura?
Para responder a questão vamos citar o resultado de estudos feitos no Havaí, Certamente não. Não houve mudanças genéticas nos japoneses para que
em 1970. A altura média dos japoneses que migraram para lá em 1908 era seus filhos e netos crescessem. Eles já tinham genótipo potencial para
menor do que a altura média dos seus filhos criados no Havaí e menor ainda isso e tal genótipo, ao ser passado aos descendentes, que cresceram em
do que a de seus netos, também criados no Havaí. Tal situação também se ambiente diferente dos pais, pôde se manifestar.
e
observou no Brasil, mas como o Havaí uma ilha, e a migração foi menor, Ia
esse estudo pôde ser feito com mais controle. Outro estudo foi realizado na
Inglaterra. Ao se apresentar para o serviço militar obrigatório, os jovens de 18 Atuação da seleção natural
anos têm anotada a sua estatura. Análise desses dados mostra que houve Ern populações naturais o processo de seleção ocorre ao longo das
um aumento gradual e contínuo, ao longo do século 20, da estatura média gerações, o que o torna aparentemente lento e difícil de ser detectado
dos jovens de 18 anos. Porém, embora o grafico mostre aumento constante no momento em que está ocorrendo, São poucos os casos em que, num
da altura média, ao longo do século, em dois períodos, a altura diminuiu. Os período de vida de um ser humano, são possíveis as observações sobre as
dois períodos analisados correspondem exatamente a Primeira e a Segunda mudanças. Alguns casos documentados de seleção natural são relatados
Guerra Mundial, entre 1914 e 1918 e entre 1939 e 1945, respectivamente. a seguur.
80 Cada Caso, um Caso..,Éuro Acaso —
Capitulo 7 Adaptação 81

de infecções bacterianas. A medida que seu uso foi sendo disseminado,


A resistência das moscas (Musea domestica) a inseticidas foi verificado que seu efeito benéfico foi diminuindo. Uma das razões da
Quando surgiu na década de 1940, o DDT era mortaf para a maioria diminuição do efeito dos antibióticos, principalmente a partir da década de
dos insetos, inclusive para as moscas. Atualmente, as populações de 1950, foi o uso disseminado, sem critério, sem controle das doses, e muitas
moscas que habitam áreas onde o DDT e ou foi aplicado, regularmente, vezes utilizados em casos de infecções virais, como a gripe, para os quais
são resistentes a ele. A resistência evoluiu da seguinte forma: eles são ineficientes.
1. quando o veneno e aplicado, sua dosagem e mais concentrada no local onde ocorre Os laboratórios passaram a produzir antibióticos mais fortes, e quase
a aplicação e diluída a medida que fica distante do ponto de aplicação; 70 anos depois do início do uso da penicilina, ha' antibióticos fortíssimos,
2. dentro da variação genética normal da população de moscas, existem moscas sempre ditos de última geração, cujas fórmulas são mudadas continuamente.
corn alelos que conferem maior ou menor resistência ao inseticida e, no ponto de Também são usados coquetéis de diferentes antibióticos ou a alternância
aplicação, todas as moscas morrem independentemente dessa variação; deles para tentar tornar os tratamentos mais eficientes. É difícil dizer
quem está ganhando essa corrida, se as bactérias ou os antibióticos. Se
3. porém, a medida que aumenta a distância do ponto de aplicação, as populações
tivesse que apostar, como biólogo, apostaria nas bactérias, pois os casos
de moscas dessas áreas são atingidas pelo veneno diluído. Só morrerão
de infecções hospitalares por superbactérias dão uma pista sobre quem
as moscas portadoras de alelos mais sensíveis e, como consequência, a
geração seguinte será formada por descendentes das portadoras de alelos
pode estar ganhando.
resistentes. As poucas sobreviventes, ao se reproduzirern, transmitirão os Vários experimentos feitos no sentido de descobrir a origem das
alelos resistentes aos descendentes, os quais também poderão ter variação resistências bacterianas mostraram que o processo básico e o mesmo do
quanto a resistência devido a novas mutações, só que, agora, partindo de um desenvolvimento de resistência dos insetos ao DDT, ou seja:
nível mais alto de resistência;
1,toda colônia de bactérias apresenta variabilidade, provocada por mutações
4. a população das moscas mais resistentes poderá expandir—se e ocupar a area
de aplicação do inseticida que estava vazia de moscas; espontâneas quanto à resistência ao medicamento;
5. nova aplicação do inseticida, no mesmo ponto e na mesma dosagem anterior, 2. numa colônia de bactérias, se for colocada uma dose baixa de medicamento,
incidirá sobre indivíduos mais resistentes que sobreviverão a dosagens maiores. morrera a rnaioria das bactérias e a morte não se dará ao acaso — morrerão
portanto, mais próximos do ponto de aplicação; as bactérias mais sensíveis, sobrevivendo as mais resistentes;
6. se isso ocorrer, ao longo de várias aplicações, todos os indivíduos poderão 3. consequentemente, as descendentes das bactérias sobreviventes herdam a
ser resistentes a partir de uma dada geração de moscas. ' característica de resistência, por ser hereditária; se a dose for aumentada um
pouco, de novo algumas sobrevivem, e assim por diante;
Fatos como esse aconteceram com varias populações de moscas e
também com outras espécies de insetos consideradas pragas agrícolas. 4. alterando—se em doses mínimas o medicamento, ao longo das gerações,
obtém—se, no final, bactérias que resistem a altas doses do medicamento.
Uma das linhagens dessas moscas resistentes ao DDT, analisadas e
Nesse processo, cada vez que a dose aumentada, acelera—se a seleção no
em laboratório, mostrou que a adaptação da população a inseticidas foi sentido de só sobreviverem as colônias portadoras de alelos que conferem
muito prejudicial para os indivíduos, pois eles tiveram sua capacidade de resistência a elas.
sobrevivência e reprodução muito afetada. Todo o sistema excretor (tubos de
Depois que este processo de evolução da resistência foi conhecido, os
Malpighi) foi hipertrofiado, houve uma redução dos ovários, com consequente
médicos passaram a receitar antibióticos com mais cautela e recomendam
redução em sua capacidade reprodutiva, enfim, do ponto de vista das
ao paciente que tomem o remédio por certo número de dias, sempre em
moscas, elas ficaram péssimas e certamente seriam eliminadas por seleção
torno de seis, mesmo que o paciente melhore da doença. Qual é a ideia?
caso tivessem que competir com moscas normais.Acontece que as moscas
Nas primeiras doses do remédio, morrem as bactérias mais sensíveis; nas
normais, embora moscamente falando sejam boas, morrem com inseticida.
doses seguintes, começam a morrer as resistentes e, com o aumento da
Qual das duas é melhor? Pelo criterio evolutivo, a sobrevivente.
dosagem, espera—se que nenhuma bactéria sobreviva. Porém, na maioria
dos casos, mesmo com a recomendação médica, quando o paciente começa
Resistência de bactérias a antibióticos a tornar o antibiótico e sente urna melhora significativa, porque a maioria
das bactérias foi eliminada, ele para de tomar o remédio e deixa de matar
O fato de algumas bactérias, responsáveis por doenças, terern se
as bactérias resistentes, as quais, se provocarem nova infecção, exigirão
tornado resistentes a medicamentos é bem conhecido. Quando a penicilina
doses mais fortes de medicamentos para serem eliminadas.
surgiu no inicio da decada de 1940, era muito eficaz para tratamentos
82 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso

Capítulo 7 Adaptação , ,
83

O caso dos coelhos na Austrália Este e um exemplo de evolução conjunta de um agente causador de
doença, que teve sua virulência reduzida, e dos afetados pela doença, que
AAustrália, conhecida como ilha—continente, não era habitada por tiveram a resistência aumentada.
mamífero placentário até a chegada do Homem há cerca de 50,000 mil anos.
Depois de ter sido descoberta pela civilização ocidental, por volta de 1560 Normalmente, os vírus ou bactérias que provocam mortes imediatas são
(pelos portugueses que erravam o caminho para as Índias) e, oficialmente, raros (como o vírus da encefalite, da Ieptospirose), enquanto os que não
necessariamente provocam rnorte são mais comuns (como o vírus da gripe)
pelos ingleses em 1770, muitas espécies de animais foram introduzidas na
porque, quando o parasita mata o hospedeiro, ele morre junto e, quando
ilha, o que provocou uma série de desequilíbrios ecológicos. Um desses
não mata o hospedeiro, aumenta a probabilidade de disseminação.
casos ocorreu com os coelhos (lebres inglesas) que foram introduzidos
nesse território. Devido à ausência de predadores naturais, aumentaram No caso da gripe, cujo vírus sofre constantes mutações, as pessoas
rapidamente em número e se transformaram numa séria praga para a afetadas desenvolvem resistências específicas a cada vírus. Por exemplo, a
agricultura. Na tentativa de reduzir a população de coelhos, em 1950 foi população humana atual é descendente dos resistentes da gripe espanhola
introduzido o vírus da mixoma que causava doença nas criações de coelhos que, em torno de 1918, dizimou cerca de 40 milhões de pessoas, ou seja,
na Inglaterra. A introdução desse vírus causou uma grande mortalidade quase o dobro das mortes da Primeira e da Segunda Guerra Mundial (cerca
de coelhos na Austrália. O número de coelhos foi drasticamente reduzido, de 24 milhões de pessoas, somadas as duas guerras). Estes dados justificam
o medo geral quando do aparecimento no Oriente de uma gripe nova, a
porem eles não foram eliminados totalmente. Em 1955, a população de
coelhos estava grande novamente. Estudos em laboratório revelaram que gripe aviária, no início deste século, porque a gripe espanhola, apesar do
nome, também surgiu lã, e pelo surgimento da gripe influenza A H1N1 em
a maioria dos coelhos sobreviventes estava contaminada pelo vírus, porem
abril de 2009 no México. Considerando todas as epidemias que assolaram
não contraía a doença 'de forma letal. As linhagens de virus, isolados dos o velho continente, como peste negra, peste bubônica, varíola, sarampo,
coelhos australianos e aplicados em coelhos das criações na Inglaterra, catapora, os descendentes atuais desses povos são todos descendentes dos
provocavam uma manifestação fraca da doença. Linhagens de vírus mantidas sobreviventes das referidas doenças, 0 que explica a extrema sensibilidade
na Inglaterra, quando aplicados aos coelhos australianos, continuavam dos índios americanos às mesmas doenças, pois seus ancestrais não foram
a provocar mortalidade alta, porém em taxas menores que as de 1950. selecionados por epidemias.
Demonstrou—se que, naqueles cinco anos decorridos após a introdução
do vírus na Austrália, ao mesmo tempo que os coelhos tinham se tornado
resistentes ao vírus, o virus estava com o seu efeito atenuado. Seleção estabilizadora: os pardais na França
Após uma forte tempestade em Paris, muitos pardais morreram em
Aseleção sobre os coelhos ocorreu da seguinte forma: ao ser introduzido decorrência do mau tempo e a análise do tamanho das asas dos pardais
na Austrália, o vírus era muito letal e a mortalidade era enorme e, sob essa mortos revelou que a maioria deles tinha asas ou maiores ou menores que o
pressão seletiva, qualquer coelho que fosse portador de alguma resistência tamanho médio das asas da população, o que os tornara mais vulneráveis ao
ao vírus teria maior possibilidade de sobrevivência e, consequentemente, de vento. Numa população que esteja sob ação de uma seleção estabilizadora,
transmitir esta resistência às gerações seguintes. As gerações seguintes, a média das variáveis permanece constante após a seleção, ou seja, no caso
expostas à mesma pressão de seleção, continuaram a ter apenas os dos pardais, a morte diferencial dos tipos extremos diminuiu a variabilidade
descendentes mais resistentes como sobreviventes, de tal forma que a da população, porém, não alterou o valor médio do tamanho das asas dos
geração seguinte era toda formada de resistentes, e assim por diante. indivíduos, ou seja, a população não se alterou.
Quanto a diminuição de virulência, podemos dar a seguinte explicação:
o vírus violento mata rapidamente o hospedeiro, morrendo junto com ele; Peso ao nascer
se aparecesse, por mutação espontânea, uma linhagem de virus atenuado,
Peso ao nascer de indivíduos da espécie humana é outro exemplo de
haveria mais demora em matar o hospedeiro, tendo maior probabilidade
seleção estabilizadora. Dados populacionais mostram que o peso pode variar
de se difundir, através de contágio, entre os coelhos. Assim, quanto menor em torno de ”l a 7 quilos, com valor médio ao redor de 3 quilos. Quando é
a virulência, maior seu poder de dispersão, e, consequentemente, de avaliada a taxa de sobrevivência dos indivíduos, o resultado mostra que o
reprodução. Em decorrência desse processo seletivo, cinco anos depois, maior valor de sobrevivência também está em torno de 3 quilos e esta taxa
o vírus presente na população de coelhos da Austrália era mais atenuado diminui a medida que o peso, ao nascer aumenta ou diminui, em relação
em relação a linhagem que havia sido introduzida cinco anos antes. a esta média. Assim, o peso ao nascer é uma característica hereditária e
84 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capltulo 7 — Adaptação 85

a mortalidade e maior entre os que nascem com peso abaixo ou acima A vantagem dos heterozigotos (chamada de heterose ou vigor do
da média, eliminando os genes alelos que determinam pesos extremos, híbrido) e responsável pela manutenção do polimorfismo do alelo da anemia
aumentando na população, em decorrência, a frequência dos alelos que falciforme nestas populações. O fenômeno da heterose, ou vigor do híbrido,
determinam pesos intermediários. Estão sendo considerados, nos cálculos é muito empregado em melhoramento vegetal ou animal. Ern pesquisas
de risco, os partos em condições naturais, que predominaram na espécie de melhoramento, e usado o princípio biológico da heterose, segundo o
humana até há pouco tempo. Logicamente, se considerarmos assistência qual, o híbrido, resultado de duas linhagens diferentes, e heterozigoto para
médica, com partos atraves de cirurgias e os recursos de berçários corn grande número de locos gênicos, reunindo nele vantagens das linhagens
UTI neonatais, estes números poderão se alterar e outros fatores vão que lhe deram origem.
determinar a sobrevivência ou não do recém—nascido em sociedades mais
desenvolvidas tecnológica e economicamente. Esse tipo de seleção é muito usado em plantas (rnilho, por exemplo)
e animais (bois). A descendência dos híbridos, no entanto, não apresenta
a mesma qualidade dos pais, pois na formação dos gametas dos híbridos
O caso da anemia falciforme (ou ciclemia) os genes alelos, por estarem no mesmo loco de cromossomos homólogos,
Na espécie humana existe uma mutação gênica que produz um alelo segregarn, provocando uma grande recombinação que quebra o equilíbrio
recessivo cuja presença, em dose dupla, provoca um defeito nos glóbulos“ genético que havia no híbrido. No caso do milho, o produtor não pode
vermelhos fazendo com que eles sejam eliminados do sangue, provocando plantar sementes do milho que ele colheu na safra anterior. Ele sempre terá
profunda anernia; normalmente, tal deficiência leva o individuo a morte. de comprar as sementes híbridas para plantar, em cada safra, para obter
Por sua vez, os indivíduos heterozigotos sofrem de uma anemia fraca e o mesmo resultado. No caso dos bois, os descendentes do cruzamento
crônica. Suas hemácias são normais, mas sob qualquer esforço físico ou entre duas raças são destinados ao abate ou a produção de leite e nunca
deficiência respiratória que cause baixa pressão de oxigênio nos alvéolos a reprodução.
pulmonares, o defeito nas hemácias se manifesta e elas são eliminadas.
É evidente que há uma forte pressão de seleção contra esse alelo, que
mata em dose dupla (alelo letal recessivo) e diminui a viabilidade dos
Exemplos de seleção disruptiva
heterozigotos. Por isso, o mutante existe em frequencias muito baixas É considerado seleção disruptiva a divisão dos indivíduos da população
nas populações humanas, sendo mantido quase que exclusivamente por em dois grupos em relação a um dado caráter. Urna das maneiras disso
mutações novas. No entanto, foi detectado que esse alelo ocorre com alta acontecer é quando os cruzamentos não ocorrem ao acaso, ou seja, os
frequência em algumas populações africanas e populações ao redor do cruzamentos são preferenciais. Na espécie humana, a população da cidade
Mediterrâneo. Depois de vários estudos para determinar a causa da alta de Johannesburg, na África do Sul, é exemplo deste tipo de seleção. Pela
frequência de um gene alelo de baixa viabilidade nestas populações, tão frequência dos alelos para cor da pele da população, se os cruzamentos
raro em outras áreas, foi verificado que: ocorressem ao acaso em relação a este caráter, seria esperado encontrar
— nesta área, a malária e muito frequente. provocando muitas mortes; pouquíssimos brancos, poucos negros puros e urna grande variedade
de indivíduos mulatos formando a maioria da população. Porém, o que
os indivíduos heterozigotos para anemia falciforme são resistentes a malaria,
se encontra e uma maioria negra, uma minoria branca e a frequência de
e

pois quando o plasmódio penetra nas hemácias. elas se alteram, e são


mulatos é muitas vezes menor do que seria esperado se os ”cruzamentos
eliminadas do organismo antes que o plasmódio se reproduza, impedindo que
fossem ao acaso. Ou seja, a população é decomposta em dois grupos.
o indivíduo contraía a malária. O plasmódio e um protozoário causador da
malária e e transmitido ao Homem pelos pernilongos do gênero Anopheles, Outro exemplo de seleção disruptiva é encontrado nas moscas—das—
constituído por cerca de 400 espécies, incluindo 40 que transmitem o plasmódio. frutas (Rhagoletis pomonella), em algumas plantações nos Estados Unidos.
A espécie transmissora mais comum no Brasil e Anopheles darlingi e na África, Neste caso teria ocorrido uma adaptação destas moscas, permitindo que
Anopheles gambiae, elas usassem frutos diferentes corno hospedeiros de Suas larvas, como
Nestas áreas, os indivíduos heterozigotos levam vantagem, pois os maçã e ameixas. Enquanto o conjunto gênico de uma parte da população
homozigotos normais correm o alto risco de morrerem de malária, enquanto adaptou—se a maçã, por pressão de seleção, a outra parte adaptou—se a
os homozigotos recessivos morrem de anemia. Este é um exemplo de que ameixa, resultando em diferenciação entre eles, Híbridos entre os dois
ser um genótipo melhor não significa ser bom. Neste caso, os portadores do tipos não se adaptam bem em nenhuma das duas frutas e tem mortalidade
genótipo heterozigoto só são melhores, embora anêrnicos, porque os portadores alta, por isso a população se decompôs em duas, por pressão de seleção
de genótipos homozigotos morrem, ou de anemia ou de malária. oposta, disruptiva.
86 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso —
Capitulo 7 Adaptação 87

antes comuns, ficaram raras. Aexplicação para esse fenômeno e que a fuligem
Mimetismo, homocromia e homotipia das fábricas matou os líquens, tornando os prédios e os troncos das árvores
Outros exemplos de atuação da seleção, faceis de serem observados, mais escuros no período em que a Inglaterra viveu forte industrialização no
são as adaptações dos indivíduos a fatores externos ao seu corpo, presentes final do século 19 e início do século 20. Assim, as mariposas mais escuras da
no ambiente em que vivem. Lembrando que, para todos os exemplos que população polimorfica passaram a ser menos vistas e, consequentemente,
serão citados, qualquer alteração na morfologia externa dos indivíduos menos atacadas pelos pássaros, enquanto ocorria o inverso com as mariposas
decorre de mutações gênicas e que as mudançahs.ocor_rewm
por seleção claras. Ao longo das gerações, a menor mortalidade das escuras fez com que
das variáveis dentro das populações.
"“
*:*/"“f'ªº'ª a frequência delas aumentasse na população. Uso este exemplo para mostrar
a inadequação do uso de linguagem finalista pois é comum ser encontrado, em
Os exemplos de adaptação ambiental, mais faceis de serem observados, textos didáticos do ensino médio, a frase: — as mariposas tornaram—se escuras
são os casos em que, dentro de uma população, existem organismos cujos
para parecer com a cor do ambiente e assim escapar dos pássaros. — Esta
tipos têm maior capacidade de sobrevivência devido a sua aparência externa. frase passa a ideia de que uma mariposa nasce clara, vê que o ambiente e
Essa adaptação pode ser do tipo mimetismo, homotipia ou homocromia: escuro e, deliberadamente, escurece suas asas. Na verdade, mariposas que
nascem claras morrem claras, o mesmo acontecendo com as escuras. Como
as alterações teriam ocorrido por seleção natural, a população é que mudou.
Por terem probabilidade de sobrevivência maior que as claras, ocorreu aumento
da frequência das escuras, ao longo das gerações.
Embora classico, este caso das mariposas permanece sob investigação
científica porque existem muitas populações dessa espécie de mariposa
e como cada população tem uma história evolutiva independente, o que
está ocorrendo em uma população não necessariamente está ocorrendo
em outra, pelo menos no mesmo intervalo de tempo... cada caso...
As adaptações as cores do ambiente não são exclusividade das
Figura 7.1 —- Exemplos de mimetismo e homotipia. mariposas e podem facilmente serem observadas em grande número de
espécies animais, nos diversos grupos, como: peixes, sapos, lagartos,
insetos em geral, aves e mamíferos,
— mimetismo — indivíduos de uma espécie adquirem formas, cor ou comportamento
que os tornam semelhantes a indivíduos de outras espécies que habitam a Em todos os casos, a adaptação surge por seleção natural pela maior
mesma área, e essa semelhança os favorece em termos de sobrevivência. sobrevivência na população de indivíduos portadores de características
Na natureza existem muitos exemplos de mimetismo, como moscas que se genéticas que permitam que a manifestação do seu fenótipo se assemelhe
parecem com a forma de abelhas e por isso ficam livres de predadores.Algumas mais ao modelo que pode ser o ambiente ou outro organismo e pode envolver
borboletas têm a forma e a cor de outras borboletas de gosto desagradável alterações morfológicas ou comportamentais.
e são confundidas pelos predadores e não são atacadas;
— homotipia — indivíduos de uma população apresentam—se sob formas que Atração fatal
podem confundi—los com o ambiente, como galhos secos (algumas espécies
de Iouva—a—deus), ou se parecem com coisas não comestíveis como fezes de Uma das adaptações mais impressionantes ocorre em algumas espécies
pássaros (algumas lagartas de borboleta);
animais nas quais a fêmea devora o macho após a cópula. Como pode
um processo tão estranho (sob o ponto de vista humano, tão antietico
— homocromia — indivíduos de uma população têm uma coloração que os mascara e sob o ponto de vista masculino, tão abominável) ter sido selecionado
no ambiente em que vivem. Um exemplo de homocromia, encontrado na favoravelmente a ponto de praticamente se fixar em algumas espécies?
maioria dos livros didáticos, são as mariposas inglesas (Bistum betularia), cujas
Qual a vantagem disso? Por que o macho cede a atração sexual e por
populações mudaram de uma cor clara para uma cor escura, em menos de 50
que não foge a tempo? Se é vantajoso, por que não se generalizou para
anos, em função de mudanças ambientais. Pelo curto espaço de tempo em que todas as espécies?
as alterações ocorreram, este e um exemplo clássico por ter sido detectado por
colecionadores de insetos, ao perceberem que as formas escuras (melãnicas), O processo seletivo que levou a esta adaptação segue o mesmo padrão
antes raras, gradualmente tornaram—se comuns, enquanto as formas claras, de todos os demais, ou seja, e uma característica genetica, selecionada
88 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capítulo ? —Adaptação 89

na população e resulta em aumento da capacidade de seus portadores em


deixar maior número de descendentes. A complexidade adaptativa decorre Seleção de grupo: altruísmo
do fato de ser um caráter que afeta componentes comportamentais atingindo Outro tipo de seleção, bem menos dramático que o anterior, ocorre
os dois sexos de forma diferente, quando o caráter selecionado aparentemente é prejudicial ao indivíduo,
embora seja adaptativo para a população. Esse modelo é também chamado
Comecemos pela seleção sobre os machos: de altruísmo porque parece que o individuo deliberadamente sacrifica—se
— terá mais sucesso adaptativo os machos da população que tiverem maior habilidade para salvar a população.
em diferenciar, através de feromônios (atração química) ou comportamento, Um exemplo hipotético: imaginemos um grupo familiar de aves ou
uma fêmea receptiva para a cópula. Machos que não têm essa habilidade de mamíferos que tenha como característica o fato de que o primeiro indivíduo
diferenciação correm o risco de se aproximarem de fêmeas não receptivas e do grupo a perceber a presença de um predador emite um som de alerta
serem devorados por elas antes de fecunda—las. Assim, a cada geração, os que permite que o grupo se salve, embora ele corra um risco muito alto de
alelos responsáveis por esta habilidade são selecionados favoravelmente; ser pego, pois o predador ficara sabendo exatamente onde ele está. Como
*

uma vez reconhecida a fêmea receptiva e ocorrida a cópula, os machos que não pode ser adaptativo dar o alarme e com isso aumentar o risco de morrer?
tiverem a habilidade de fugir a tempo terão mais chances de passar seus genes Embora tenha sido dado o nome de altruísmo a esse comportamento, é
para a geração seguinte, pois, ao servirem de alimento para a fêmea, aumentam evidente que o animal que atua como um sentinela reage gritando por
a probabilidade de ela produzir maior numero de ovos, mais viáveis. Assim, a instinto (uma característica genética hereditária) e não tem consciência
menor habilidade de fuga dos machos, naturalmente, é selecionada. nem do risco que corre e nem do eventual bem que faz para o grupo. Para
entendermos a seleção, nesse caso, vamos imaginar um grupo cujos
A seleção sobre as fêmeas:
individuos tenham a característica genética de dar o alarme e outro grupo
— embora sempre muito agressivas, só serão fecundadas as fêmeas que, quando da mesma espécie que não tenha essa característica. Qual grupo terá maior
sexualmente receptivas, permitirem a aproximação dos machos, sem devora— chance de sobreviver? Certamente o que tem o caráter de dar o alarme.
Ios antes da cópula. Assim, a seleção natural atua na população e as fêmeas e
Assim, embora pondo em risco o indivíduo, o caráter favoravelmente
que tenham esta habilidade prevalecem; selecionado pelo fato de ser bom para o grupo.
— uma vez iniciada ou finalizada a cópula, terão mais sucesso reprodutivo as Os exemplos de altruísmo geralmente são permeados de interpretações
fêmeas capazes de capturar os machos antes que eles se afastam, pois ao e emoções humanas e devem ser analisados com cautela. Por exemplo:
se alimentarem deles, terão mais alimento para desenvolver os ovos. suponha a situação de um filhote em perigo e que, para tentar salva—Io os
adultos corram risco de vida. Sera que o adulto enfrenta o risco com mais
Assim, ao longo das gerações, em algumas espécies de aranhas,
coragem se o filhote for seu filho ou da sua família? Nos animais em geral,
sendo a viúva—negra a mais conhecida, algumas espécies de louva—a—deus,
há inúmeras evidências de que os pais tentam proteger instintivamente as
algumas espécies de cobras, terão maior sucesso reprodutivo os casais crias e esse e um comportamento que aumenta a capacidade reprodutiva
formados por machos hábeis para localizar as fêmeas receptivas e com dos seus portadores. Porém, não ha exemplo de que isso chegue ao suicídio.
dificuldade de fuga após a cópula e por fêmeas que, ao serem cortejadas, É o caso de pássaros, por exemplo, tentando proteger os filhotes do ninho
têm o comportamento agressivo abrandado, e após a cópula, rapidamente de ataques de animais muito maiores que eles.
recuperam a agressividade a tempo de capturar o macho.
Há quem afirme que, ao proteger os membros da família, o indivíduo
Parece improvável todo este processo ter se fixado por seleção natural estaria protegendo cópias dos seus genes e isso seria adaptativo. Esse
atuando sobre mutações casuais? Sim, é altamente improvável e é por isso assunto e interessante, mas de discussão inesgotável por falta de experimentos
que nas milhões de espécies existentes no mundo animal apenas algumas que comprovem as hipóteses e por suscitar interpretações recheadas de
apresentam este padrão. E, como são eventos independentes, embora os emoções humanas.
processos gerais sejam os descritos, cada espécie tem suas peculiaridades.
No caso de uma espécie de Iouva—a—deus, por exemplo, iniciada a cópula, Seleção feita pelo Homem: seleção artificial
a fêmea se vira para trás e decepa a cabeça do macho que continua a O termo seleção artificial refere—se a seleção feita pelo Homem sobre
copuIa—la, enquanto ela mastiga e ingere a cabeça e, terminada a cópula, outros organismos e se contrapõe ao termo seleção natural decorrente da
termina a refeição devorando o resto do corpo. ação do ambiente.
91
90 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capítulo ? —Adaptação

No caso de seleção em animais domésticos, conforme observou Darwin, A seleção feita pelo Homem e mais rápida do que a seleção natural,
basicamente, por dois motivos:
a decisão sobre quais individuos deve sobreviver e feita pelo Homem e não
pelas condições ambientais, ou seja, a seleção não resulta, necessariamente, 1. a decisão dos cruzamentos é direcionada e, geralmente, são cruzamentos
em maior capacidade biológica de adaptação dos indivíduos selecionados. E endogãrnicos;
decidido, na seleção de tipos de animais ou plantas, aqueles ou aquelas que 2. por não ter limitações éticas ou morais, pois não está sendo realizada
sobreviverão para a reprodução. Aseleção geralmente é feita com o objetivo seleção com a espécie humana, os tipos não desejados são sumariamente
de aumentar ou melhorar a produção, a qualidade do organismo, aspectos eliminados, juntamente com seus pais, irmãos, tios e avós. Ao eliminar a família
morfológico/estéticos, tudo de acordo com interesses humanos de beleza toda, garante—se a eliminação de todas as cópias do alelo responsavel pela
ou economia. Assim, temos seleção para raças de cachorro, de pombos, de manifestação dos tipos não desejados, mesmo que ele seja recessivo e não
plantas ornamentais ou seleção para aumento de produção de leite, produção tenha se manifestado por estar nos heterozigotos.
de carne ou para um determinado tipo de fruta, e assim por diante. Na maioria Cruzamentos entre variedades diferentes da mesma espécie, ou de
das vezes, a seleção altera tanto a composição genotípica dos indivíduos, espeCIes dlferentes, também é uma técnica usada para gerar novos tipos
que eles se tornam totalmente dependentes do Homem para sobreviverem. de animais e plantas.
Passam a não ter mais condição de viverem na natureza. Vãriosanimais estão Com estas metodologias, mesmo sem conhecer genética, o Homem
nesta condição como, por exemplo: — as vacas selecionadas para produzir conseguiu, desde a pré—história, domesticar alguns animais e plantas.
mais de 50 litros deleite por dia; galinhas que botam ovos a vida inteira sem e
Considera—se que um animal ou planta doméstico quando as alterações
ficarem chocas; cachorros que engasgarn com osso de frango. feitas pelo Homem afeta'rn de tal ordem sua constituição genética e física,
que as raças domésticas não existem e nunca existiram na natureza,
Os métodos usados para alterar as características de um organismo, corno a maioria das raças de cachorro, de bois e muitas plantas como o
atraves de seleção feita pelo Homem, são, basicamente, os seguintes: milho, 0 repolho, a nectarina, o limão taiti, as uvas sem sementes. Assim,
1. atraves de endocruzamentos (cruzamentos entre indivíduos aparentados) o Homem por definição, os animais e plantas domesticos diferem dos simplesmente
consegue expor os genes alelos recessivos e fica mais fácil escolher, dentre os amansados. Por exemplo, os elefantes e os camelos usados pelo Homem
descendentes dos cruzamentos, os melhores tipos para a característica que se para transporte na Índia, Oriente Médio e África são animais amansados
deseja selecionar. Este tipo de seleção artificial simula a seleção direcional, ou que, se soltos na natureza, em uma ou duas gerações estariam totalmente
seja, os tipos não desejados são eliminados ou impedidos de se reproduzir; independentes do Homem para sobreviver.
2. através de cruzamentos de tipos selecionados e mantendo o mesmo tipo de Sobre as técnicas usadas pelo Homem para domesticação de animais
seleção nas gerações seguintes, os alelos que fazem com que os organismos Darwin escreveu:
se ajustem ao padrão desejado pelo criador vão sendo selecionados e entrando
“(...) os pombos formam casais fixos e... se multiplicam em grande número
em homozigose. Os indivíduos descendentes desses cruzamentos sucessivos e muito rapidamente e os exemplares inferiores podem ser sacrificados sem
vão ficando cada vez mais parecidos uns corn os outros pelo fato de a população problemas. .. "
selecionada perder a variabilidade genética. Este tipo de seleção leva a formação
“Por outro lado, os gatos, em razão de seus hábitos noturnos perambulantes,
de linhagens ou raças denominadas puro—sangue e suas bases técnicas e
não formam casais fixos. Assim... é difícil verificar a formação de uma raça
teóricas foram estudadas inicialmente por Galton e seu grupo, por volta de
distinta. As raças felinas que vemos são quase sempre importadas de outros
1870, embora o Homem já fizesse este tipo de seleção desde a pré—história.
países e muitas vezes de países insulares”. (...)
Devido à seleção obedecer muitas vezes a um padrão estético, os indivíduos Quem tem ou teve animais domésticos sabe muito bem que é muito
dos organismos selecionados ficam fisicamente muito parecidos. A dificuldade mais fácil controlar cruzamentos de cães, para a manutenção das raças,
por que passou uma amiga ilustra esta situação: — ela deixou seu cachorro do que controlar os gatos, sejam ou não de raça.
de raça maltês em um “pet shop” para banho e corte da pelagem. Ao retirar
o animal, após o tratamento de beleza, entregaram a ela um outro animal da
mesma raça, que havia sido deixado por outra cliente. A semelhança entre
A domesticação do trigo
os dois era tão grande que nossa amiga demorou um dia para perceber a O trigo, historicamente, e uma das primeiras plantas domesticadas
troca. Pelo comportamento diferente, ela desconfiou; enquanto isso a outra pelo Homem. A lista atual de plantas domesticadas (tão diferenciadas que
dona, por não ter muito contato com o animal, nada havia percebido. não são encontradas na natureza) é enorme, destacando—se os diferentes
92 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capítulo 7 — Adaptação 93

tipos de milho, batatas, hortaliças. Quanto ao trigo, domesticado ha 10 clareamento geral da pelagem para um cinza mais claro; despigmentação nas
mil anos, teve grande importância na mudança de hábito das primeiras extremidades do corpo com a pelagem tendo ficado branca na extremidade
populações humanas que deixaram de ser caçadores coletores para se da cauda e das patas e, surpreendenternente, surgiu uma mancha branca
transformarem em agricultores sedentários. A semente do trigo selvagem na cabeça, entre as orelhas e os olhos, que é típica de animais domésticos
e selecionada, na natureza, para cair com facilidade das espigas, pois isso (popularmente chamado de estrela quando aparece em cavalos ou bois),
facilita a germinação. No trigo domesticado, no entanto, as sementes são a cauda se tornou curva e levantada e passou a ser abanada na presença
firmemente presas nas espigas e têm que ser batidas para se soltarem. A
do tratador; as orelhas se abaixaram; as pernas diminuíram de tarnanho;
hipótese é que essa seleção para maior resistência a queda tenha sido feita
as gengivas ficaram rosadas.
de maneira não intencional pelos primeiros agricultores. O trigo colhido era
transportado para os abrigos. Nesse transporte, as sementes rnais soltas
caíam e só chegavam aos abrigos as mais resistentes a queda e eram
exatamente estas que eram armazenadas e plantadas para a próxima
safra. Esse processo, executado durante muitos anos, selecionou plantas
corn sementes mais resistentes a queda.

As raposas do Ártico
Um exemplo recente e bem controlado de seleção ocorreu na Sibéria a
partir de 1959, sob a coordenação do pesquisador Dmitry K. Belyaev“. Neste
experimento, 30 machos e 100 fêmeas da espécie de raposa prateada do
ártico Vu/pes vulpes (“silver fox”), obtidos a partir de um cativeiro, onde as
linhagens eram mantidas desde o início do século 20, foram submetidos a
seleção para redução de agressividade.
Em cada geração, apenas 5% dos machos e 20%: das fêmeas eram
escolhidos para cruzar e dar origem a próxima geração. O critério de
escolha era o comportamento de agressividade, e, de cada geração, eram
escolhidos os indivíduos menos agressivos. No período de 40 anos, o
experimento envolveu cerca de 35 gerações de raposas, e os resultados
foram muito interessantes.
De extremamente agressivos no início do experimento, apesar de virem
de cativeiro, após 35 gerações, os descendentes da seleção nasceram
absolutamente mansos, com comportamento totalmente alterado, muito
próximo de raças de cachorros bem mansas. Porém, o mais surpreendente
foi que, ao serem submetidos a seleção para comportamento menos Figura 7.2 — Acima, & raposa do ártico selvagem e, abaixo, alguns fenótipos obtidos após 35 gerações

agressivo, durante 40 gerações, os descendentes mudaram vários outros de seleção para mansidão.
comportamentos e caracteres morfológicos passando a exibir características
fenotipicas comumente encontradas em outras espécies de mamíferos Ao selecionaram as raposas que dariam descendentes a geração seguinte,
domesticadas ao longo da história humana. o único critério foi comportamental, sem que os pesquisadores tivessem
As raposas selvagens têm: pelagem preta acinzentada em todo o corpo, ideia de quantos genes estavam envolvidos e nem em que cromossomos
de forma homogênea; têm a cauda reta e abaixada; orelhas em pé; pernas eles estavam. O fato da seleção para comportamento manso ter provocado
longas; gengivas escuras. Após 35 gerações, as raposas selecionadas também alterações morfológicas e um exemplo da complexidade genética
para serem menos agressivas, além de mansidão passaram a apresentar: do desenvolvimento dos organismos e do resultado do efeito carona. Ao
selecionar para um caráter, outros podem ser selecionados juntos, mesmo
l, flinericgn Scienfist, 87 : 160: 169. 1999, que esse não fosse o objetivo inicial.
94 ,
Cada Caso, um Caso...Puro Acaso

Conversando com um veterinário sobre este experimento, ele confirmou


que e de conhecimento popular a existência de correlação entre cor da gengiva
e agressividade de cachorros e que esta é a primeira característica que ele
Interação entre os
procura observar quando tem de lidar, pela primeira vez, com um animal.
Os resultados mostram também que fenômenos semelhantes devem
Fatores Evolutivos
acontecer na natureza, e a adaptação de um organismo pelo processo de
seleção natural sobre um caráter, em decorrência do efeito carona, pode
resultar em aiterações de estruturas de outros que, não necessariamente, “Se o conhecimento pode criar problemas,
estavam sob seleção e, eventualmente. podem até ser mal adaptadas. não é através da ignorância que podemos soluciona—los, ”
IsaacAsimov

Os porcos domésticos
Selecionadas pelo Homem, durante séculos, para produzir gordura, as Para facilitar o entendimento dos efeitos dos fatores evolutivos sobre as
raças de porcos domésticos tiveram de ser alteradas quando, no século populações, eles geralmente são analisados individualmente, como visto
passado, a gordura de porco passou a ser um dos vilões dos problemas nos últimos dois capítulos. Porém, em populações naturais, eles atuam
cardiovasculares da humanidade. Lembro—me, quando criança, de ver os sempre simultaneamente.
porcos confinados, castrados e superalimentados para acumularem a maior
quantidade de gordura possível. A intensidade com que cada fator atua, interferindo na composição
genética da população, depende das características genéticas de cada
Inicialmente foi tentado mudar a dieta e submeter os porcos a exercícios população e das condições ambientais a que ela esteja submetida.
(corn esteiras e escadas) para reduzir a gordura, mas isso se mostrou
ineficiente. A solução para obter linhagens com estrutura genética para
maior quantidade de carne e menor porcentagem de gordura foi abandonar Revendo os conceitos sobre os fatores evolutivos
as raças tradicionais e buscar as existentes em comunidades humanas A mutação gênica é sempre a fonte primária de aparecimento de material
isoladas e cruza—las com porcos selvagens. Esses cruzamentos deram genético novo e a recombinação é sempre a responsável pela reorganização
origem as linhagens atuais. desse material gerando cromossomos e genótipos novos.
As mutações gênicas e as recombinações não surgem como respostas
Considerações gerais do organismo a alguma situação ambiental e por isso é fundamental o
Toda exemplificação apresentada refere—se a casos de mudanças na entendimento desses dois fatores. A mutação gênica, que faz com que um
composição genética de uma população, mudanças estas provocadas por indivíduo seja considerado mutante, ocorre nos seus ancestrais, pois para
alterações conhecidas no meio ambiente. Entendendo, por influência do que a mutação altere o fenótipo do indivíduo, ela deve estar presente em
meio ambiente, tudo o que afeta o fenótipo ao interferir na manifestação todas as suas células e, portanto, precisa necessariamente já estar presente
do genótipo (fenótipo = genótipo + meio ambiente). na sua celula—ovo. A mutação só pode estar na celula—ovo se estiver presente
no gameta que a formou. Portanto, se em função da presença de uma
As referidas alterações genéticas afetaram apenas algumas características
mutação, um indivíduo passa a ser mais bem adaptado a uma determinada
fenotípicas e servem para mostrar que as espécies não são fixas, ou seja, mudança ambiental, significa que ele já era pré—adaptado, e não que se
alteram—se ao longo das gerações, ao longo do tempo, dependendo de alterações tornou adaptado por causa do ambiente. Tanto as mutações gênicas como
ambientais que mudem a capacidade de adaptação de cada tipo. as recombinações cromossômicas ocorrem espontaneamente, Fatores
Estudando os casos citados e entendendo os processos de alterações ambientais, chamados de agentes mutagênicos, podem alterar a taxa de
para características isoladas, podem ser feitas generalizações para as demais mutação em todos os locos, indiscriminadamente.
características e tambem para o grande número de diferenças existentes
A deriva genética decorre de erros amostrais que ocorrem na passagem
entre populações isoladas geograficamente. Podem ser de tal ordern essas dos gametas e podem alterar a composição genética de uma população,
diferenças, que elas acabam por diferenciar uma população da outra a ponto
de uma geração para outra. Por ser um processo totalmente ao acaso,
de, em alguns casos, tornarem—se especies biológicas distintas.

d
lºn
96 Cada Caso, um Caso.A.Puro Acaso Capítulo 8 — interação entre os Fatores Evolutivos 97

os efeitos da deriva genetica se acentuam a medida que o tamanho da e muda a relação entre o indivíduo e o ambiente. A mudança pode causar
população ou o tamanho da amostra diminui. alterações na composição genética da população. As alterações podem
provocar mudanças na morfologia dos indivíduos ou não, conforme o caso, mas
A migração terá maior ou menor influência dependendo da taxa de fiuxo certamente afetam a probabilidade de sobrevivência de cada genótipo.
genico que houver entre as populações.
A importância do sistema de cruzamento poderá variar em função Plasticidade genética adaptativa e extinção
da taxa de cruzamentos ao acaso, de cruzamentos preferenciais ou de
endogamia. Quando o ambiente se altera e a população não tem plasticidade genética
e, além disso, se nenhum indivíduo da população tiver boas condições de
A seleção natural é a capacidade de sobrevivência e reprodução de sobrevivência, a população pode ser levada à extinção. Extinção e o que
cada genótipo, em relação aos demais genótipos, ao longo das gerações acontece na maioria dos casos em que ocorrem mudanças ambientais,
e, do processo, resulta ou um maior ajuste ao ambiente, ou a extinção da haja vista a grande quantidade de espécies atuais que estão se extinguindo
população. A intensidade da atuação da seleção dependerá da variabilidade em decorrência da rápida alteração do ambiente provocada pela espécie
genética presente em cada geração da população e do ambiente em que humana.
ela vive. A variabilidade genética da população e causada e afetada pela
ação da mutação, da deriva genética, da migração e pelos padrões de A plasticidade genética e dada pelo conjunto de pré—adaptações presentes
cruzamento. Variabilidade genetica intrapopulacional e a variação, conforme em uma população que possibilita a existência de indivíduos sobreviventes
postulado por Darwin e Wallace. depois de uma mudança ambiental.
Ambiente estavel por longo período de tempo tende a fazer com que a
seleção seja estabilizadora; ambiente que esteja se alterando gradualmente, A importância da variabilidade genética
num dado sentido, tende a fazer com que a seleção seja direcional; ambientes De maneira geral, a plasticidade genética adaptativa de uma população
que se fragmentarn, em diversos nichos diferentes, tendem a fazer com depende da variabilidade genética e a maioria das populações atuais,
que a seleção seja disruptiva. sobrevivente desde a origem da vida, possui mecanismos de manutenção
A velocidade da ocorrência de mudanças, medida em números de dessa variabilidade. Assim, podemos afirmar que, quanto à alimentação,
gerações, dependerá da existência de pre—adaptações na população e da espécies generalistas, como o gamba, que são onívoras (comem de tudo),
intensidade das mudanças ambientais. têm muito maior probabilidade de sobrevivência a longo prazo que as
especialistas, como o urso panda, que só comem broto de bambu. Portanto,
embora a seleção natural tenha tendência a ser purificadora, reduzindo a
Mudanças ambientais quebram o equilíbrio populacional variabilidade das populações, as variações ambientais, a estrutura dos
Caso ocorra uma mudança ambiental, a maior capacidade de sobrevivência cromossomos e a atuação simultânea dos outros fatores evolutivos têm
dos indivíduos pre—adaptados aumenta a frequência deles na população em como resultado a manutenção da variabilidade.
decorrência da maior mortalidade dos não adaptados e, consequentemente,
muda a composição genética da população e esta, como um todo, fica em As populações são adaptadas às condições
melhores condições de sobrevivência. Quando ocorre mudança ambiental,
e na população não existem indivíduos pré—adaptados aquela mudança, ambientais em que vivem
a população corre enorrne risco de extinção. Portanto, a variabilidade Ao vermos os pinguins e ursos polares, no rigor do clima polar, ou os
genética é muito importante para a sobrevivência de uma população pois, cactos na escassez de água da caatinga e dos desertos, e possível que
se a população tiver grande variabilidade, é maior a possibilidade de haver tenhamos dó. Porem, por possuírem adaptações biológicas resultantes
indivíduos pre—adaptados para sobreviverem as mudanças ambientais. de seleção por milhares de geração, por estarem adaptados a corner os
Em outras palavras, em uma população, o patrimônio genético, isto é, alimentos disponíveis naquelas condições, pela ausência de predadores,
os genes alelos que a compõem e as respectivas frequências estão em ou por armazenarern água em suas células e tecidos, e apenas em tais
equilíbrio dinâmico, gerado pelo embate das forças evolutivas. Quando o condições que essas espécies conseguem sobreviver em condições
equilíbrio é quebrado e as frequências gênicas mudam numa dada direção, naturais. É, pelo tamanho das populações de pinguins em algumas áreas da
tem—se a evolução. Geralmente é uma mudança no ambiente que, afetando Antártida, ou pela quantidade de flores dos cactos na caatinga, certamente
a capacidade de sobrevivência dos indivíduos, altera as forças seletivas essas espécies estão vivendo bem.
98 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capítulo 8 — Interação entre os Fatores Evolutivos 99

cresça, fazendo com que as populações pequenas estejam sempre sob


Os fatores evolutivos interagem estresse adaptativo.
A atuação simultânea de todos os fatores, cada um variando de
Uma população está sob estresse adaptativo quando a maioria dos
intensidade conforme as características da população e do ambiente, da
indivíduos que a compõe está mal adaptada ao ambiente e apresenta,
uma ideia da teia de interações entre os fatores evolutivos que têm, como
em decorrência, baixa viabilidade media. Populações nessa situação são
produto final, alterações na população. Mostra também quão baixa é a
probabilidade de que, durante muitas gerações, a população seja exposta passíveis de sofrerem rearranjos gênicos importantes, embora corram
as mesmas pressões evolutivas, uma vez que isso exige estabilidade grande risco de extinção.
ambiental e que todos os fatores atuem com a mesma intensidade a cada Acidentes esporádicos também podem reduzir o tamanho populacional.
geração. Mesmo que, hipoteticamente, essa estabilidade venha a ocorrer, A redução pode ocorrer em poucas gerações (eventualmente, em apenas
os fatores evolutivos atuam sobre individuos diferentes a cada geração. uma) e, nas gerações seguintes, o tamanho da população dependerá das
Ao calcular a probabilidade de dois irmãos, não gêmeos idênticos, serem condições ambientais:
idênticos, tem—se que a probabilidade de arranjos genotípicos diferentes
1_ a população pode voltar a crescer, se a pressão ambiental mudar, ou se seus
em uma população e praticamente infinita. Como as populações são finitas,
indivíduos se adaptarem as novas condições;
nunca ocorrem, por geração, todos os arranjos genotípicos possíveis, e os
que ocorrem, são sempre diferentes. 2. a população pode continuar pequena, se a adaptação dos indivíduos não
ocorrer de forma satisfatória e, neste caso, ela está sujeita à deriva genética
enquanto permanecer pequena;
Características de uma população grande
3. a extinção pode ocorrer.
Numa população grande, os eventos casuais têm menor influência
A redução do tamanho populacional pode ocorrer sob pressão de seleção
na composição genética da população. A mutação sempre contribui
ou não. Quando a redução ocorre sob pressão de seleção, por uma mudança
proporcionalrnente pouco, por geração, para mudanças no conjunto gênico
da população. A deriva genética, por ser um erro amostral, tem menor no ambiente, a sobrevivência não ocorre por acaso, pois os sobreviventes
são os que resistiram a mudança ambiental. Se essa resistência decorrer
probabilidade de ocorrer, pois sendo grande a população, também sera
de uma característica que tenha base genética, a geração seguinte tera
grande a amostra de gametas que passam de uma geração para outra.
aumentada a frequência dessa caracteristica. Tera' ocorrido, então, uma
A migração tern pequeno impacto uma vez que os imigrantes diluern—se.
Por outro lado, os emigrantes não fazem falta no contexto genético da seleção direcional, como no caso da resistência das moscas ao DDT.
população. A probabilidade de que uma população grande seja panmítica Quando a redução ocorre por acidente, sem que haja pressão de
e não endogâmica também é enorme, uma vez que as possibilidades de seleção, a sobrevivência ocorre por acaso, significando que a sobrevivência
encontrar parceiros sexuais diferentes e não aparentados e maior do que não decorreu de nenhuma característica que tenha dado vantagem aos
se a população fosse pequena. sobreviventes. Se a geração formada por essa amostra de sobreviventes
Geralmente, para que uma população seja grande, seus indivíduos precisam casuais, não contiver, por acaso, a mesma composição genética da geração
estar bem adaptados ao ambiente e a adaptação geralmente é conseguida ancestral, a variação é devida à deriva genética.
se a estabilidade ambiental permanecer por várias gerações, o que submete Exemplos clássicos dessa situação ocorrem nas ilhas do Havaí, devido
a população a uma seleção estabilizadora que tem, como consequência, ao derramamento de lava vulcânica, quase líquida. No trajeto montanha
urn favorecimento dos indivíduos com caracteres intermediários. abaixo, a lava pode atingir uma área florestada e, em decorrência de
Todas essas condições fazem com que as populações grandes sejam variações no relevo, simplesmente corta—Ia ao meio ou destrui—Ia em até, por
mais estáveis evolutivarnente. exemplo, 990/0 de seu total. Como a lava é rápida e passa a uma temperatura
acima de 5.0000C, todos os organismos vivos, da área atingida, morrem.
Os organismos que estavam fora do trajeto ou no espaço de 1% da área
Características de uma população pequena não atingida sobrevivem por acaso. Kipuka e o nome dado às ilhas de
Populações pequenas têm maior probabilidade de se tornarem instáveis vegetação que sobrevivem a lava vulcânica. Supondo que na área original
sob o ponto de vista evolutivo e de sobrevivência. Como a potencialidade existisse uma população grande de algum organismo, um inseto do gênero
e
reprodutiva dos organismos sempre muito grande, geralmente uma Drosophila, por exemplo, os indivíduos que sobrevivessem nos kipukas
população e pequena por restrições ambientais que impedem que ela dificilmente teriam a mesma composição genética da geração ancestral e
100 Cada Caso, um Casompuro Acaso Capítulo 8
*

Interação entre os Fatores Evolutivos 101

todas as gerações seguintes seriarn descendentes deles. Também no Havaí 1 932 Como as populações eram consideradas infinitamente grandes, esses .
existem provas de ocorrência do efeito do fundador, um caso particular de fatores foram negligenciados. %
deriva genética que ocorre quando uma população é fundada por poucos i
Aampliação dos estudos em ambientes tropicais contribuiu muito para
indivíduos que não possuem a mesma composição da geração ancestral.
o entendimento de que as populações não são infinitamente grandes, f
Quando alguns poucos indivíduos ,(por exemplo: uma fêmea de inseto uma vez que nos ambientes temperados do hemisfério norte, até então os ]
inseminada, ou algumas sementes) pertencentes a uma população, são mais estudados, ha' menor diversidade de espécies e as populações são
levadas acidentalmente pela água ou pelo vento para uma outra ilha, ou malores.
outra área de uma mesma ilha, e dão origem a uma nova população, ocorre
o evento do fundador. Neste caso, a população ancestral continua inalterada, As minhas observações a partir da literatura e em conversas que tive
mas a população nova é diferente, por deriva genética. com os primeiros geneticistas de populações, como Theodosius Dobzhansky,
George l_. Stebbins, Hampton l_. Carson, Newton Morton, Diether Sperlich,
As populações pequenas continuam tendo potencialidade para gerar Newton Freire—Maia e também com os mais atuais como Alan Templeton,
infinitos arranjos genotípicos. Porém, quanto menor a população, menor é William Provine deixaram claro que houve uma resistência, até a década
o número de arranjos gerados por geração, fazendo com que urna geração de 1960, em se admitir a importância da deriva genética no processo
seja diferente da outra e aumentando a probabilidade de quebra do equilíbrio evolutivo. Para a maioria deles e também para mim, havia resistência em
genômico dos indivíduos. aceitar e, principalmente, em divulgar que, além da mutação, outro fator
Alem da grande variação genotípica entre as gerações, aumenta também casual atua no processo evolutivo. Com a preocupação de tornar o processo
o erro amostral nos gametas que passam de uma geração para outra. evolutivo pea/afável, tanto para o meio científico como para a comunidade
geral, houve sempre a tentativa de dar ao processo um sentido, uma lógica
Asequência de eventos do efeito do fundadorteve importância fundamental adaptativa. A intenção era passar a ideia de que, embora a mutação fosse
na evolução da espécie humana uma vez que as expansões iniciais dos ao acaso, a atuação posterior da seleção natural ajeitava tudo e o resultado
humanos foram sempre feitas a partir de poucos indivíduos. final era born.
A resistência em aceitar a importância da deriva genética era tão
Deriva genética + endogamia + seleção = processo rápido grande, mesmo entre os geneticistas evolucionistas que, durante minha
e
Nas populações pequenas, a interação da deriva genética, da endogamia defesa de livre—docência em 1981, houve muitas discussões a respeito
e da seleção natural que torna o processo evolutivo mais rápido. O fato com a banca. No meu concurso para professor titular, em 1990, foi—me
de a população ser formada por poucos indivíduos faz com que neles não atribuído pelo Dr_Warwick E. Kerr, atualmente na Universidade Federal de
ocorram todas as possibilidades genotípicas potenciais de cada geração e Uberlândia, membro da banca, em tom enfático e aparentemente pejorativo,
e sobre esses poucos indivíduos que a seleção natural atua. o adjetivo de kimurista, por ter defendido a importância da deriva genética e
do neutralismo no processo evolutivo. O fato tern rnais relevância histórica
Em decorrência, mesmo que potencialmente a população possa em virtude do Dr.Kerr ter feito estagio de pós—doutoramento, em 1952,
formar genótipos que sobrevivam a seleção natural, ela pode ser extinta com Sewall Wright e publicado, naquela época, um trabalho, que hoje é
se esses arranjos genotípicos não ocorrerem numa dada geração, por um clássico, sobre o efeito da deriva genética em populações pequenas.
acaso, pelo fato de ser pequena. A deriva genetica reduz a variabilidade Segundo Dr.Kerr, o próprio Wright entendia que a deriva genetica era um fator
genética populacional. A endogamia aumenta a homozigose fazendo com de importancia secundária no processo, uma vez que ela só teria influência
que a variabilidade oculta nos genes alelos recessivos, por se manifestar em populações pequenas e, na época, as populações eram consideradas
fenotipicamente, se exponha a seleção natural. Se o alelo for mais adaptado, como infinitamente grandes. Como Wright viveu até 1 988, houve tempo para
o homozigoto, portador de dois alelos iguais, e favorecido e a frequência do que ele acompanhasse e contribuísse muito para que fosse dada à deriva
alelo tende a aumentar na população. Se for deletério, o alelo é eliminado genética a importância que ela realmente tem no processo, principalmente
mais rapidamente. em relação a origem das espécies.

Resistências históricas à importância da deriva genética Apenas os genótipos existentes são expostos à seleção natural *

Tanto a deriva genética quanto a endogamia, que ocorrem principalmente Está claro que em cada momento, em cada geração, apenas os
em populações pequenas, foram fatores estudados por Sewall Wright, em genótipos existentes são selecionados. A ideia parece óbvia, mas ela só
102 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso

se tornou clara a partir do momento em que se admitiu que as populações


Diferenciação entre Populações

sºlnudo
não são infinitamente grandes, pois pelo fato de terem tamanhos finitos
e o número de arranjos genotípicos em cada geração ser praticamente
infinito, pode—se concluir que, em cada geração, não se formam todos os
arranjos genotípicos possíveis. Se, ao sofrer pressão de seleção, em uma
dada geração, não existir na população genótipos resistentes a seleção,
e
a população pode ser extinta pela morte de todos os seus indivíduos,
mesmo que, eventualmente, a população tenha potencialidade para ter
genótipos resistentes. Em consequência, quanto menor a população, mais
Origem das Espécies
casual a probabilidade de não serem formados genótipos adaptados e,
consequentemente, maior a probabilidade da população sofrer profundas
”A fina subdivisão de uma espécie em populações locais
alterações adaptativas ou ser extinta. Da mesma forma, também por acaso,
se a população for pequena, aumenta a probabilidade de serem formados parcialmente isoladas fornece o mecanismo mais efetivo
e
arranjos adaptados, cuja probabilidade de ocorrência muito menor se a de tentativa—e—erro no campo das combinações gênicas e,
população for grande. portanto, de progresso evolutivo por seleção intergrupai. ”
Sewall Wright
Portanto, numa população pequena, tanto a extinção como a adaptação
podem ser mais rápidas do que numa população grande.
Deve ser enfatizado que, embora a seleção natural não seja um fator
casual, o resultado da seleção depende das variáveis fenotipicas existentes A evolução biológica decorre da atuação dos fatores evolutivos e
nas populações sobre as quais ela atua a cada geração. As variáveis resulta em adaptação, especiação ou extinção das populações naturais.
fenotípicas, por sua vez, independem dos genótipos serem neutros ou não, Em capítulos anteriores expus as mudanças genéticas intrapopulacionais
e as ocorrências, em cada geração, dependem também da migração e de responsáveis pelas adaptações das populações aos ambientes naturais.
fatores casuais como a mutação gênica e a deriva genética. A diferenciação interpopulacional responsável pela origem das espécies,
a especiação, e o próximo tópico.

A distribuição geográfica das populações


O que caracteriza uma população é o fato de seus individuos estarem
isolados reprodutivamente de indivíduos de outras populações_ O isolamento
pode ser de dois tipos:
1. Isolamento geográfico entre duas populações — decorre de distribuição no
espaço, e territorial, não existe contato físico entre os indivíduos de diferentes
populações, impossibifitando o fluxo gênico interpopulacional. Populações de
uma mesma espécie, isoladas geograficamente, são chamadas populações
alopátricas (do grego: allo = diferente; patris = patria, território).
Se indivíduos de populações diferentes quebrarem o isolamento
geográfico e passarem a conviver em um mesmo território, as populações
são consideradas simpátricas (syrn = compartilhar).
Se após a fusão territorial, ocorrer fluxo gênico entre as populações,
decorrente de cruzamentos entre seus indivíduos, as duas populações
serão consideradas uma única população.
104 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capítulo 9 Diferenciação entre Populações 9 Origem das Espécies
=
105


2. Iso/amento reprodutivo entre populações diferentes quando existem barreiras simultaneamente. Embora o padrão final de distribuição fragmentada seja
o mesmo, existe sempre polêmica sobre as causas da fragmentação. Corno
biológicas efetivas entre elas. Essas barreiras impedem que, em simpatria,
ocorram cruzamentos interpopulacionais bloqueando o fluxo gênico livre entre exemplo, podemos afirmar que a fauna e flora do arquipélago do Havaí é
os indivíduos das diferentes populações. originária por dispersão, enquanto a fauna de Galápagos ou da Malásia
e
pode ser decorrente de dispersão ou vicariãncia: dispersão se a espécie
Etapas mais comuns para o surgimento de uma espécie chegou depois que a ilha foi isolada, o que geralmente ocorre com espécies
de aves; e vicariãncia se a espécie já ocupasse a area toda e a fragmentação
Há um consenso de que a especiação, na maioria das vezes, senão
do território isolou individuos, formando novas populações.
sempre, e uma especiação alopa'trica, isto e, só ocorre se a população estiver
isolada geograficamente de outras populações. O isolamento geográfico de
uma população geralmente é decorrente de eventos históricos, podendo Uma espécie nova surge por
ser causado por dispersão e/ou vicariáncia.
diferenciação de uma população
Entende—se por dispersão quando uma
espécie está bem adaptada Cada população de uma especie, uma vez fragmentada e isolada
numa área e cresce mais do que permitem as condições de manutenção geograficamente, tende a se diferenciar das demais pelo fato de elas serem
da area, ocasionando superpopulação. Nessa situação, ou a espécie entra
alopátricas e de não haver fluxo gênico entre elas. Enquanto alopatricas,
em colapso, ou parte dela se desloca para fora da area de distribuição tudo o que ocorre, que resulte em alteração de sua composição genetica,
original num processo migratório de dispersão. O grupo migrante pode fica restrito aos indivíduos que a compõem. Devido a essas características
simplesmente ampliar a area de distribuição da população, ocupando um as populações são consideradas a unidade do processo evolutivo. Em
local adjacente a região original, ou pode deslocar—se para uma área mais
função dessa independência evolutiva, ao longo das gerações, a tendência
distante, fundando novas populações, isoladas geograficamente entre si
e o aumento da diferenciação genetica entre as populações.
e isoladas da primeira.
A velocidade com que a diferenciação ocorre, medida em números
Vicariãncia ocorre quando uma população ocupa uma ampla área
de gerações, pode variar muito e depende de características específicas
geográfica, num ambiente contínuo e, por qualquer razão, o ambiente torna—
populacionais, como tamanho e variabilidade genética, e das caracteristicas
se descontinuo, fragmentado, e tal fragmentação também acontece com a
do ambiente em que a população vive, como disponibilidade de alimentos,
população. A população, que era geograficamente continua, subdivide—se
predadores, temperatura, umidade, pressão atmosférica, entre outros
em duas ou mais populações isoladas. Exemplo de vicariãncia pode ser
fatores. -
observado no litoral norte do Estado de São Paulo, onde muitas das ilhas
próximas ao litoral estavam ligadas ao continente ha 100 mil anos quando o Avelocidade e maior se as populações:
nível dos oceanos era cerca de 100 rn abaixo do atual. Como consequência, =
forem diferentes entre sí desde a formação, devido à deriva genetica (efeito
quando o nível dos oceanos subiu, muitas populações de espécies que do fundador);
hoje habitam essas ilhas foram isoladas das populações continentais por
=
ocuparem áreas que são diferentes e disso decorrer diferentes pressões de
fragmentação do território.
seleção;
Quando o pesquisador encontra, hoje, uma população alopãtrica =
possuirem alta variabilidade genética, fornecendo maior número de opções
(isolada), ele só poderá saber se o padrão de distribuição atual da a seleção;
população é decorrente de dispersão ou de vicariãncia atraves de estudos — forem pequenas ou tenham passado recentemente por períodos de redução
geomorfológicos, paleoclimáticos e/ou filogeograficosª. drástica de tamanho (afunilamento) aumentando a probabilidade de ocorrência
Certamente, na natureza, são encontrados exemplos que podem ser de endogamia e de alterações genéticas casuais (deriva genética).
explicados por dispersão e outros, por vicariãncia e alguns, pelos dois
Hibridação
Hibridação e o cruzamento entre duas populações com conjuntos gênicos
1. Filogeografia é o ternuo proposto por ]'ohn Avise, l987, para o estudo da história de linhagens
genéticas, corn o uso de marcadores rnoleculares, & integra os conhecimentos de genética, evolução diferentes, fazendo com que e as diferenças entre elas se misturam nos
e biogeografia, sendo a ciência que esLuda a distribuição das espécies no espaço e no tonlpo. descendentes.
106 Cada Caso. um Caso...Puro Acaso Capítulo 9 — Diferenciação entre Populações e Origem das Espécies 107

O efeito da hibridação é importante porque os dados mostram que


uma especie fragmentada em diversas populações pequenas tem sempre ªlº Estagio
maior variabilidade genética do que uma especie formada por uma única Uma população em um
ambiente homogênio
população grande. Assim, a variabilidade genética de uma espécie, em
um dado momento, será a soma de todas as variáveis de cada uma das
suas populações.
Na maioria das vezes, o que ocorre nas espécies fragmentadas em
populações alopátricas, dependendo de situações ambientais, é a expansão 2º Estágio
da população em sua área de ocorrência e a sua sobreposição ao território de Mudança ambiental e
migração da população
outra, tornando—se simpatrica a ela. Caso não exista isolamento reprodutivo com diferenciação genetica
entre os indivíduos das duas populações, há cruzamentos entre eles, com
consequente fluxo gênico, que promove, ao longo das gerações, uma fusão
dos conjuntos gênicos das duas populações. O resultado da hibridação e
o surgimento de uma nova população, mais variável do que cada uma das
ancestrais, por conter a variação das duas. 3ª Estagio
Isolamento de algumas
A hibridação foi um fator importantíssimo na evolução da espécie populações
humana,

A extinção
Outra ocorrência possível numa população alopãtrica é a extinção.
40 Estágio
Ela e mais provavel caso não exista variabilidade genética suficiente para Diferenciação gentetica
resistir a mudanças ambientais, ou se a população for tão pequena que e isolamento reprodutivo
um evento de deriva genética a elimine. Sob estresse adaptativo, sob forte entre as populações
pressão de seleção, geralmente as populações se extinguem.

Especiação alopátrica
Quando a população de uma espécie de reprodução sexuada diferencia— 50 Estágio
se tanto, em alopatria, que, ao se tornar simpãtrica de outras da própria Algumas populações voltam
a conviver numa mesma área
espécie não ocorrem mais cruzamentos, surge uma nova espécie, decorrente
mas não se misturam devido
de um processo denominado especiação aiopãtrica.
ao isolamento reprodutivo
A especiação alopãtrica só acontece quando uma série de diferenciações
ocorre, afetando as caracteristicas reprodutivas dos indivíduos, fazendo Figura 9.1 — Especiação alopátrica.
com que eles não reconheçam mais os membros de outras populações
como parceiros sexuais para fins reprodutivos; assim o fluxo gênico entre Recapitulando, a sequência de uma especiação alopatrica:
elas se interrompe, mesmo em simpatria, e a população passa a ser uma '1 , uma dada população alopatrica tende a se diferenciar das demais;
nova espécie.
2. a diferenciação pode afetar até suas caracteristicas reprodutivas, o que faz com
Um novo ciclo pode ocorrer se a nova espécie tiver sucesso adaptativo, que seus indivíduos sejam incapazes de cruzar com indivíduos de qualquer
pois a tendência e que ela aumente sua distribuição geográfica e se fragmenta outra população, mesmo que ocupem o mesmo território, ou seja, vivam em
em populações alopãtricas. simpatria. Nessa condição, a população é considerada uma espécie nova;
108 Cada Caso, um Caso,..Puro Acaso —
Capitulo 9 Diferenciação entre Populações e Origem das Espécies 109

_
e ªt
3. se os indivíduos dessa única população da espécie nova tiverem sucesso Se as populações isoladas se diferenciarem, ao longo_ I t ntoa
do tempo,
ponto de um observador (biologo) ser capaz de dlferenCLa—laS, ªs
. .
A

adaptativo, a tendência e o crescimento da população, a dispersão dos

_
indivíduos, formando novas populações alopatrícas; podem ser consideradas como subespeCIes ou como especuesãlferenles.
,
4. neste ponto, volto ao Item 1: uma dada população alopátnca, tende a se
diferenciar das demais.
Se a populªçªº,, » ' -
e alopatrica,
'
dºº'd'r
'
'
se ela e uma
ancestral, ou se ela e espeCIe diferente, depende do
écue a es ecle
d'f _p ão
e | erenCIaç ,
SUbeSã
gdrau
E -
assum, . -
a diverSIdade atual dos seres .
VIVOS, desde a .
orlgem da .
Vida, mas sempre e um Julgamento SUD]"ativo do pesquisa or.
' '

principalmente a partir do surgimento da reprodução sexuada, é decorrente


de sucessuvos processos populacronais de espeCIaçoes alopatrlcas. C'adºgênese
Anagênese

Anagênese e cladogênese “*:-e


Anagênese e a ocorrência de mudança em numa única linhagem
populacional, ao longo das gerações em decorrência de seleção direcional.
A partir de um dado momento, a diferença entre a linhagem original e a
derivada se torna tão grande, que elas podem ser consideradas espécies
diferentes. No início do processo existia uma espécie e, no final, continua
também existindo apenas uma. Não é possível, nesses casos, saber se
a população derivada seria capaz de cruzar com a ancestral porque elas
estão isoladas no tempo, ou seja, a existência delas não é simultânea.
Por exemplo: sera que indivíduos atuais da espécie Homo sapiens seriam
capazes de cruzar com indivíduos da espécie Horno erectus?
A cladogênese ocorre quando populações alopátricas de uma especie
diferenciam—se ao longo das gerações e, ao se tornarem simpátricas, não
se cruzam, pois no processo de diferenciação evoluiu um mecanismo
de isolamento reprodutivo. Nesse caso, diferentemente da anagênese,
inicialmente existia uma espécie e, no final do processo, passam a existir
duas.
Há polêmica, especialmente entre os zoólogos, sobre qual desses
processos, anagênese ou cladogênese, seria mais importante e/ou mais
frequente na história da evolução dos seres vivos. Para os geneticistas de
populações, a polêmica não tem muito sentido, uma vez que, embora se
possa representar que uma espécie deu origem a duas, usando o esquema de
L &

uma árvore de relação de parentesco (esquema da sistemática filogenética),


na natureza a ocorrência não e assim, de modo simples e nem mágico. Figura 9.2 — Anagênese — no início uma espécie e, no final
_ . _ diferente;
do processo, uma espécie .
Como o processo evolutivo ocorre dentro de populações, sempre há uma Cladogênese = no início uma espécie e, no flnal do processo, duas especnes dlferentes
entre si, mas uma delas não necessariamente diferente da original.
relação ancestral/descendente entre a população ancestral e a derivada
e, para que uma população se diferencie da outra (cladogênese), ela deve
passar por uma diferenciação interna (anagênese). Assim, a cladogênese De maneira geral, o isolamento geográfico e o processo mais simples
é decorrente da anagênese. de ser explicado. As populações vivem em áreas diferentes, sao alopatncas,
Portanto, não tem sentido insistir no questionamento sobre qual dos dois o que impede que machos de uma população tenham contato com femeas
fenômenos e mais importante. Quando Darwin propôs mudanças graduais da outra.
numa população, a proposição era para o fenômeno de anagênese, que Quando duas populações alopatricas, ou subespécies, tornam—se
eventualmente poderia resultar em cladogênese. simpãtricas, por quebra do isolamento geograflco e os lnleldUOS das
1710 Cada Caso, um Casoulªuro Acaso

Capítulo 9 Diferenciação entre Populações e Origem das Espécies 111
duas subespécies não mais se cruzam devido as diferenças acumuladas (_,.)“Certamente ainda não se estabeleceu uma linha de demarcação n-itida
durante o período de isolamento, considera—se, definitivamente, que os
indivíduos das duas subespécies pertencem, na realidade, a duas espécies
entre as espécies e as subespécies — isso e, aquelas formas
que, na opiniao
de alguns naturalistas, estariam perto de se alçar a categoria de espectes, —
biológicas distintas. Configura—se o isolamento reprodutivo entre as duas
assim como não se estabeleceu o limite preciso entre as subespecves.e as
populações.
variedades bem características, ou entre as variedades menos pronuncvadas
e as diferenças individuais. Essas diferenças se interpenetram em gradaçoes
Conceito de espécie imperceptíveis, podendo levar—nos a imaginar que se trate de genurnas
Embora o termo espécie seja plenamente empregado pelos biólogos, a transições, ”(. ,.)
conceituação do que seja uma espécie biológica é sempre polêmica. Existem (...)“É por essa razão que as diferenças individuais, no meu modd
de pensar,
mais de vinte conceitos, e para cada um são adotados diferentes critérios. embora apresentem pequeno interesse para os taxonomistas,
sao para nos
Como não há consenso, caso contrário haveria apenas uma conceituação, altamente importantes, uma vez que constituem o primeiro passo parapa
as controvérsias e divergências persistem. formação de variedades incipientes, passo este tão curto que .sua
mençao
não e considerada necessaria senão nos trabalhos de Historia Natural. E
E preciso que fique claro que espécies existem independentemente da eypermanentes,
capacidade dos biólogos em reconhece—las. A dificuldade em se chegar a
quanto as variedades dotadas de características mais distintas
um acordo sobre um conceito que sirva para todas as espécies decorre do encaro estas como os passos que levarão às variedades mais.
marcadas e
fato de cada uma estar num estágio de diferenciação, o mesmo ocorrendo fixas, e estas, por sua vez, como gradações para as subespecres e para as
com as populações. Adificuldade para estabelecer um conceito que englobe especiesªT,.)
todas as situações possíveis e devido ao fato do processo evolutivo ser (...)“Pelo exposto, vê—se que considero o termo “especie” corno
uma palavra
dinâmico. Porém, conceituação de espécie é problemática para os biólogos muito conveniente, aplicada arbitrariamente a um grupo de lndll/ldUOSlfJBStânte
e não para os animais ou para as plantas. parecidos entre si. “Espécie"não difere essencialmente "variedade palavra
de ,
Desde que Linneu, no final do século 18, estabeleceu critérios morfológicos aplicada às formas menos distintas e mais instáveis. Tambem-esseultimo
para a definição de espécies, os critérios, embora muito práticos, têm se termo, em relação às meras diferenças individuais, e aplicado arbitrariamente,
mostrado falhos nas mais diversas situações. Os biólogos descrevem em razão de simples conveniência pratica”(.,.)
as espécies tendo como base as diferenças morfológicas. Por definição,
espécies diferentes não se cruzam. Muitas vezes, quando duas populações A origem das espécies é resultante de seleção natural?
alopátricas, descritas por critérios morfológicos, como diferentes, tornam—se Desde o trabalho de Darwin e da teoria sintética, os fenômençs
simpatricas, ocorrem cruzamentos entre seus indivíduos. Se são espécies
— adaptação e especiação eram considerados
como decorrentes da aNtuaçao
diferentes, como se cruzam? É verdade, espécies diferentes não se cruzam.
similar dos mesmos fatores evolutivos. Aceltava—se
que as populaçoes, ao
Porém, nesses casos, a classificação como espécie diferente foi feita por
se adaptarem a diferentes ambientes, iam se diferenCIando
a ponto dg???
biólogo e, se de fato elas se cruzam em condições naturais, a classificação
pode estar errada. Em decorrência de casos como esses, e que existem
transformarem em espécies novas. A partir de meados da decada , de 1.
tantas definições evidenciando a complexidade da conceituação. Por essa afirmação passou a ser questionada e o que prçcesso
a leva otrigtedm
essas e outras razões é que a população, e não a espécie, é considerada de uma espécie, na grande maioria dos casos, nao e necessarlamen e |o
a unidade do processo evolutivo. como adaptativo.

Em vários capítulos desse livro cito trechos de textos de Darwin com Não há dúvida de que a seleção natural é o principal fator responsavel
a intenção de mostrar a amplitude de sua visão biológica há 150 anos, pelas adaptações aos ambientes e pelo ajuste genomlco dos IndIVIduos
visão essa que levantou e ainda levanta tanta polêmica. Sobre a questão das populações. Sewal Wright propôs Numa-
imagem para esse prªcesrsnoá
na qual o valor adaptativo das populaçoes e comparado ao e _u r a relevo
do conceito de espécie, ele escreveu:
superfície e, nesse relevo, quanto mals adaptada a populaçao, "1311?:;
(. ..)"A. investigação cuidadosa, Via de regra, leva os naturalistas a um consenso
quanto a classificação das formas duvidosas. Devo confessar, contudo, que
altura do pico adaptativo alcançado. Pela
das diferentes populações de uma mesma
proposta,
os picos adap
especre,
por estarem_|so a
os
aI tas
e nos países mais estudados que encontramos o maior número de formas de geograficamente umas das outras, poderlam atingir alturas dlferen es
classificação duvidosas. ”(. ..)
dependendo do grau de ajuste adaptativo que atlnglssem.
112 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso

Capítulo 9 Diferenciação entre Populações e Origem das Espécies 113
O processo de especiação, ou origem das espécies, não é considerado 3. a especiação: — submetida a um estresse adaptativo, tem seu equilíbrio de
atualmente como um processo adaptativo uma vez que o equilíbrio genômico genes coadaptados alterado, tem a coesão específica quebrada, atinge um
da população deve ser quebrado em algum momento para que a especiação novo pico adaptativo e se transforma em uma nova espécie.
ocorra. Pela imagem proposta por Wright, para que urna população especie,
Portanto, uma espécie nova surge quando os indivíduos componentes
ela tem que mudar de pico adaptativo e a única maneira disso ocorrer é se
de uma população estão diferenciados a ponto de surgirem dificuldades
seu valor adaptativo sofrer redução, o que faz com que a população passe
para cruzarem com indivíduos de outras populações, e passam, a partir
por um vale adaptativo, quando os indivíduos estariam desequilibrados
desse evento, a ter história evolutiva independente. Este conceito é geral
genomicamente e isso não ocorre como resultado da seleção natural.
e é decorrente do fato de a unidade evolutiva ser a população.
Para que ela atinja um novo pico adaptativo, teria que ocorrer, por seleção
natural, uma reorganização genômica e, dessa reorganização, uma nova
espécie pode ter origem. Tipos de mecanismos de isolamento
_ _ _A constatação de que uma especiação dificilmente ocorre sem que Deve ficar claro que isolamento reprodutivo ocorre também em plantas,
|n|0|alrnente a população se desorganize geneticamente, o que é um processo mas por envolverem mais isolamentos químicos que comportamentais, ou
não adaptativo, criou uma situação paradoxal em relação ao título do livro morfológicos, os mecanismos das plantas são diferentes da dos animais.
de Darwin Sobre a Origem das Espécies através da Seleção Natural- “ On Por essa razão, apresento quase exclusivamente exemplos de isolamento
The Origin of Species by Means of Natural Selection” —, pois, em condições reprodutivo em animais.
populacionais normais, a manutenção da coesão das espécies e feita pela Tenho consciência de que estarei apresentando aqui apenas exemplos
seleção natural estabilizadora e uma população com forte coesão não é de casos mais comuns. Por mais que tentemos imaginar várias situações
alterada em suas características essenciais a ponto de especiar, ou seja, possiveis, certamente não estaremos cobrindo todas as ocorrências da
transformar—se em nova espécie. natureza. Entre as populações de animais em processo de diferenciação
_O_fato de o processo de especiação, ou seja, a origem das espécies, na na natureza, o isolamento reprodutivo pode ser encontrado em diversos
maioria dos casos, não ser um processo adaptativo também foi motivo para estágios e padrões de atuação e de eficácia.
que muitos se apressassem a afirmar que se o título do livro era inadequado, Quando os indivíduos de duas espécies são reprodutivamente isolados,
o livro todo, as ideias e Darwin deveriam ser esquecidos. Essa opinião é o isolamento pode ser de dois tipos:
radical e nunca foi levada a sério e sempre que alguém ainda a defende
a defesa é feita de forma mais emocional do que racional e quase sempre pré—zigótico (antes da fecundação que da origem ao ovo ou zigoto.) — o
isolamento impede que ocorra fecundação entre os gametas masculinos e
com a intenção de causar impacto.
os gametas femininos;
pós—Zigótico (após a fecundação, da qual se origina o ovo ou zigoto) a *

Especiação: como é o processo fecundação ocorre, mas o descendente é inviável ou estéril e não passa seus
. Quando o ambiente de uma população é alterado, as adaptações dos genes para as gerações seguintes.
Indivíduos ao ambiente anterior podem não se ajustar ao novo ambiente Os processos pré—zigóticos podem ser classificados em:
e, além de ocorrer redução no tamanho populacional, ocorre uma redução
do valor adaptativo da população, ou seja, diminui a altura do seu pico mecânico: a fecundação não é possível, devido a diferenças morfológicas
entre as espécies, impedindo, fisicamente, a relação sexual entre elas;
adaptativo , e ela entra em num vale adaptativo, e a frequência de indivíduos
rnal adaptados, com desequilíbrio genômico aumenta muito em relação à comportamental: embora possível sob o ponto de vista mecânico, a relação
Situação anterior a mudança do ambiente. Os fatores evolutivos, atuando sexual não ocorre porque os indivíduos de urna espécie rejeitam o contato
nessas condições, podem provocar as seguintes consequências sobre a com os indivíduos da outra;
população: temporal (ou sazonal): os indivíduos de uma espécie têm o amadurecimento
sexual (período de cio) em época diferente a da outra espécie. Esse mecanismo
1. a extinção;
ocorre com frequência em animais de fecundação externa (peixes e anfíbios) e
2. a readaptação: — por ter pré—adaptações genéticas, adapta—se ao novo em animais de região temperada, quando uma espécie atinge a maturidade no
ambiente, sem necessariamente especiar. É um evento raro, também chamado outono e a outra, na primavera. Esse mecanismo é também muito comum em
de anagênese;
plantas, quando uma espécie tem florada em época diferente da outra. Em todos
114 Cada Caso, um Caso,..Puro Acaso Capítulo 9 Diferenciação entre Populações 9 Origem das Espécies
,
115

os casos relatados, embora as espécies habitem a mesma área, encontram—se


Isoladas, reprodutivamente, no tempo; Como se fixa um isolamento reprodutivo
— morte dos gametas: a cópula ocorre, mas, por urna reação fisiológica, os Uma observação também interessante: quando duas populações tem
gametas masculinos não conseguem sobreviver dentro do organismo feminino isolamento reprodutivo, na grande maioria dos casos, se elas forem alopatricas,
sendo eliminados antes que consigam fecundar o óvulo. Evidentemente, esse o isolamento e pós—zigótico e, se elas forem simpátricas, e pre—zigótico.
mecanismo só ocorre em espécies que apresentam fecundação interna. A explicação é a seguinte: quando populações alopatricas, que
Os mecanismos pós—zigóticos também podem ser de varios tipos: apresentam isolamento pós—zigotico, tornam—se simpátricas, por pressão
de seleção, como vimos no caso de esterilidade do híbrido, em poucas
— Invia-bilidade ou fraqueza do híbrido: devido à incompatibilidade entre os genomas
gerações ha evolução para isolamento pre—zigótico e as diferenças entre
parentais, o hibrido pode morrer durante o desenvolvimento embrionário ou as populações se acentuam, Assim, quando duas populações alopátricas
nas primeiras fases da vida; se tornam simpatricas, há duas possibilidades:
: esterilidade do híbrido: o híbrido nasce, atinge o estado adulto, mas é incapaz
de se reproduzir, por ser estéril. Há o impedimento de troca gênica entre as
— na primeira possibilidade, não ocorre cruzamento porque os indivíduos de uma
população não reconhecem os da outra como sendo da mesma espécie; assim,
espécies. Um dos exemplos mais conhecidos: — o cruzamento dejumento com diz—se que existe um isolamento reprodutivo pré—zigotico e cada população e
agua, do qual nasce o burro ou a mula. Jumento e água pertencem a espécies uma espécie diferente;
diferentes, e o burro e a mula, embora viáveis, são estéreis;
— na segunda possibilidade, ocorre cruzamento porque a diferenciação, adquirida
_ deterioração de F2: nesse caso, embora os híbridos sejam viáveis e férteis, durante o isolamento geográfico, não foi suficiente, e nas duas populações
seus gametas nao são balanceados, provocando baixa viabilidade de seus existem indivíduos que não fazem distinção entre os indivíduos da própria
descendentes, ou FZ. população e os da outra; assim, através desses indivíduos, ha cruzamento
entre as populações.
Importância do isolamento reprodutivo No caso de haver cruzamentos, duas podem ser as consequências:
O isolamento reprodutivo e fundamental para que se possa explicar a — consequência 1 os híbridos têm viabilidade igual a dos pais, fundindo as duas
enorme diversidade e o grande número de espécies diferentes de seres
e

populações numa só e a resultante da fusão tem alta variabilidade genética;


VIVOS.Ao longo do tempo, e de muitas gerações, o patrimônio genético de
uma espécie se diferencia em relação as demais, uma vez que as reações
:


consequência 2 os híbridos, devido a grande diferença gênica dos pais,
são mal adaptados ou estéreis e tendem a desaparecer. A situação resultante
dessa_ espécie às variações ambientais, que dependem da sua variabilidade é: os indivíduos geneticamente não discriminantes de uma população (os
genetica, acentuam ainda mais as diferenças, com intensidade maior ou promíscuos) e que ainda consideram os indivíduos da outra população como
menor, conforme o tipo e a intensidade das variações ambientais. parceiros sexuais, não deixarão descendentes. No caso, também se abrem
duas possibilidades. A primeira delas é quando não há qualquer isolamento
Supondo que não existisse isolamento reprodutivo, todas as vezes que
pré—zigotico e o cruzamento entre os indivíduos das duas populações ocorre
populações diferentes se encontrassem, ocorreriam cruzamentos entre os livremente, pois todos são promiscuos. Como os híbridos têm baixa viabilidade,
lnd'IVÍdUOS e as diferenças se diluiriam nos descendentes. Em decorrência
teriamos hoje uma Única especie, desde a origem da vida até agora, uma a população maior (com maior número de indivíduos) elimina a população
menor (corn menor número de indivíduos) em poucas geraçõesº. A segunda
vez que o fluxo gênico entre todos os indivíduos não permitiria a fixação
de diferenças.
2. Urn cxenªiplo numérico de coino essa eliminação ocorre: se após a fusão territorial, o con—
O processo, através do qual, uma população adquire isolamento reprodutivo junto de indivíduos resultantes for de 0,80 da população A e 0,20 da população E, e se os
ern relação as demais populações, embora crucial para o processo evolutivo crLizamenlos se dererri ao acaso, as probabilidades de ocorrência dos cruzarneritos serão:

alnda e uma questão controversa entre os pesquisadores. Sempre que A >< A:0,80 >< 0,80:0,64; A >< B Ou B >< A :2 (0,80 >< 0,20) :0,32; E >< B:0,20 >< 0,20:0,04.
(Íon1o só os cruzamentos homogâmicos darão descendcnles, na geração seguinte as Frequên—
permanece controvérsia sobre um assunto, apesar da enorme quantidade cias dos indivíduos de cada população serão proporcionais aos cruzamentos, ou seja, A = 0,64
de estudos, fica evidente que o problema e complexo e que, provavelmente e B:0,04, cujos valores, norrrializados para 1,0, clarão: A :0,94 e B = 0,06. Ou seja, como a
nao exrsta uma única hipótese que explique todos os casos. É interessante maioria dos indivíduos B cruzararn com] A, e não deixaram descendentes, a frequência dos
indivíduos B, de Lima geração para outra, caiu de 20% para 6%. Se as rnesmas condições per—
que, embora essa questão tenha sido o título do livro de Darwin “Origem sistirem, na próxima geração cairá para 0,5% e, nesta proporção, os indivíduos da população
das Espécies”, ainda e' discutida. E serão eliminados cn] poucas gerações,
Cada Caso, um Caso..,Puro Acaso Capítulo 9 — Diferenciação entre Populações e Origem das Espécies 117

possibilidade ocorre quando dentro da variabilidade das populações existem Na maioria das vezes cabe ao pesquisador decidir se as diferenças
alguns indivíduos que têm um isolamento pré—zigótico e não se cruzam entre populações alopátricas são suficientes para que elas sejam descritas
com indivíduos da outra espécie por serem capazes de discrimina—los. Em como espécies diferentes. No entanto, sempre permanecerá a dúvida: — o
decorrência dessa capacidade de discriminação, esses indivíduos terão maior que aconteceria se elas se tornassem simpátricas? Portanto, o teste de
probabilidade de terem descendentes normais do que os que não discriminam; simpatria é fundamental para que se afirme, com certeza, que populações
isso faz com que os indivíduos discriminantes aumentem de frequência a cada estão realmente isoladas reprodutivamente, pois esse e o critério mais
geração, fazendo com que o isolamento reprodutivo pré—zigótico se acentue geral para o estabelecimento de espécies diferentes. Porem, enquanto a
cada vez mais, até ser total. O processo de fixação do isolamento pré—zigótico simpatria não ocorrer para que os próprios animais ou plantas decidam se
são espécies diferentes ou não, os biólogos continuarão a trata—las, ora
normalmente tambem é muito rápido e ocorre em poucas gerações.
como populações da mesma espécie, ora como espécies distintas.

Intrcgressão
A descrição de uma espécie nova
Um fenômeno importante que pode acontecer durante o estágio de
transição, tanto no caso em que os híbridos são viáveis como nos casos que Quando o pesquisador resolve descrever uma espécie nova, seguindo
as formalidades da taxonomia, começam as dificuldades. A distinção entre
são estéreis, e o seguinte: eventualmente os híbridos AB, que se formam de
as muito diferentes é fácil. Não e preciso ser um expert para distinguir um
cruzamentos heterogãmicos entre indivíduos da populaçãer da população-
pardal de uma andorinha, de uma pomba, de um beija—flor. A diferença
E, embora com viabilidade baixa, podem cruzar e até ter descendentes. entre essas espécies e muito grande. Fazer distinção entre as diferentes
Por uma questão de frequência, eles têm maior probabilidade de fazerem
espécies de andorinhas, ou de pombas, ou de beija—flores já exige um
um retrocruzamento com indivíduos parentais ou A ou B e, assim, seus pouco mais de capacidade de observação. Por exemplo, no Brasil só existe
descendentes já serão mais normais por possuírem 3/4 do genoma parental; uma especie de pardal, Passar domesticus, introduzida pelo Homem a
na próxima geração, se de novo ocorrer retrocruzarnento, os descendentes partir da Europa, provavelmente de Portugal, nas primeiras décadas do
são 7/8 parental e assim por diante. A consequência, por exemplo, será: se século 20. No entanto, um brasileiro que tentasse reconhecer esse pássaro
os cruzamentos do híbrido AB e dos seus descendentes ocorrerem com na Europa e Ásia, seu local de origem, teria dificuldade em distinguir as
indivíduos A, embora as populações estejam parcialmente isoladas, genes dezenas de espécies diferentes em diferentes regiões geográficas, entre
da população B passam a fazer parte do conjunto gênico da população A. elas Passer hispaniolensis, Passer pyrrhonotus, Passar castanopterus,
Passe-r ammodendri.
Esse fenômeno de passagem de material genético de uma espécie para
outra através dos híbridos, recebe o nome de introgressão. A consequência A maior ou menor diferença entre as espécies, normalmente, e em
da introgressão e que eventuais novidades evolutivas importantes, que função do tempo em que o isolamento reprodutivo surgiu entre os grupos,
normalmente estariam com sua passagem bloqueada de uma população pois, após tal ocorrência, a tendência é acumular diferenças ao longo das
para outra, por isolamento reprodutivo, podem passar por introgressão. A gerações. Outro fator que acentua a diferença entre elas e a extinção de
população que recebe esse material pode se beneficiar de uma mutação populações ou especies intermediárias.
ou de alterações que haviam sido selecionadas em outra população. A Quando um pesquisador encontra uma população diferente, animal ou
introgressão é um fenômeno frequente no processo evolutivo e desempenhou vegetal, a tendência e que ele a descreva como uma especie nova. Para saber
papel importante na evolução da espécie humana. se ela e diferente, é preciso que seus indivíduos sejam comparados com
indivíduos de outras espécies já descritas e isso é tarefa para especialistas
que tenham, alem de conhecimento e experiência, acesso às coleções
Dificuldades para a caracterização de uma dos museus. Uma vez descrita, seguindo os rituais taxonômicos, esse
população como sendo uma espécie nova organismo passa a ter um nome específico e a compor um novo Gênero ou
e agrupado a um Gênero já descrito do qual façam parte outras espécies
Uma população se torna alopátrica por limitação da área de ocorrência semelhantes. E, assim permanecerá enquanto sua classificação não for
(por exemplo, uma ilha) ou por limitações ecológicas (por exemplo, o topo de questionada. A decisão de descrever uma especie nova e do pesquisador
uma montanha). Se a população permanecer sempre isolada geograficamente e a probabilidade de ele estar correto depende, entre outras coisas, das
da população da qual se originou, é difícil e subjetivo afirmar que ela possa, técnicas usadas no trabalho, da qualidade das amostras coletadas e também
realmente, ser considerada como uma nova espécie. de fatores subjetivos, como a experiência do pesquisador.
118 Cada Caso, um Caso,..Puro Acaso —
Capitulo 9 Diferenciação entre Populações e Origem das Espécies 119

É aconselhável que, antes de se averiguar a veracidade sobre a divino pois, após o nascimento de Jesus, a família migrou para o Egito,
classificação de urna espécie, seja feita a verificação de quem a classificou. fugindo do rei Herodes. Maria, para viajar, com .Jesus no colo, montou em
Quando o pesquisador tem experiência a respeito daquele grupo de uma mula e essa os derrubou. Aseguir, Maria montou um jumento, que os
organismo, a probabilidade de que ele esteja cometendo um engano não levou ao Egito. Pobre mula... além de estéril, ainda ficou com a fama de
é zero, mas é menor. Digo isso porque, por melhor que seja o trabalho, ter derrubado Maria e Jesus.
sempre existe a subjetividade do pesquisador e o organismo estudado
nunca poderá dar sua opinião a respeito. Na realidade, certeza mesmo, O cruzamento de leão africano com tigre asiático, que produz descendentes
só existe quando as populações das diferentes espécies são sirnpátricas e férteis, é um dos casos espetaculares de cruzamentos em cativeiro. As duas
não se cruzam. Quando duas populações filogeneticarnente próximas são espécies são muito diferentes tanto física quanto comportamentalrnente.
O tigre e solitário, de hábitos noturnos, enquanto o leão vive em grupo, em
alopátricas, mesmo que haja diferenças suficientes para que elas sejam
facilmente identificadas, existe sempre a dúvida sobre o que ocorreria ou sistema de harém e tem hábitos predominantemente diurnos. Vivem em
ocorrerá, em termos de isolamento reprodutivo, caso elas se tornem ou continentes diferentes e, caso se tornassem simpatricos, em condições
naturais, provavelmente não se cruzariam. Populações de leões habitavam
venham a se tornar simpátricas.
a Europa e Ásia até há alguns séculos, tendo sido classificados como
São inúmeros os casos na literatura científica de populações que eram uma subespécie (Panthera leo persica), sendo que as últimas populações
consideradas espécies diferentes e que, por razões de mudanças ambientais naturais desta subespécie foram extintas no final do século 19 e início do
ou expansão de área ou por dispersão, tornaram—se simpátricas e se cruzaram, 20 e, hoje, existem apenas poucos indivíduos vivendo em uma reserva,
misturando nos descendentes as características que as distinguiam como na Índia. Não há registro de híbridos entre esses leões e os tigres em
diferentes. Como ja foi comentado, espécies diferentes não se cruzam, e áreas em que ocorria simpatria. Porém, o cativeiro quebra as diferenças
essas populações que se cruzaram haviam se diferenciado ern alopatria e comportamentais, principalmente de corte sexual e, embora isolados
a diferenciação não envolveu isolamento reprodutivo; é imprevisível o que evolutivamente há milhões de anos, não se diferenciaram no essencial da
poderá ocorrer nas gerações seguintes. As possibilidades são: reprodução e, em cativeiro, não só ocorre a cópula, como ocorre a união das
células sexuais, a formação do ovo (zigoto), o desenvolvimento embrionário
— elas podem se fundir em uma Única espécie;
e o nascimento de um indivíduo hibrido sexualmente fértil. Cruzamentos
— uma espécie pode eliminar a outra; entre esses híbridos e retrocruzamento desses híbridos com qualquer das
— evolução de isolamento reprodutivo pré—zigótico fixando o isolamento. espécies parentais também resultam em descendentes férteis, o que mostra
Em casos assim, deve—se considerar que as plantas, ou os animais, que não existe isolamento reprodutivo nem pré, nem pos—zigótico, Esses
sempre estão certos, sempre tem razão. resultados são possíveis porque o leão e o tigre não sofreram diferenciação
nos cromossomos, na fisiologia geral, nos hormônios, apesar da enorme
A dúvida permanecerá, no entanto, se o cruzamento entre indivíduos de diferença comportamental e fenotípica entre eles. A ciência continua
populações alopatricas, consideradas como sendo de espécies diferentes, classificando o leão (Panthera leo) e o tigre (Panthera tigris) como espécies
ocorrer em cativeiro, ou em laboratório, ou em estufas, pois nunca se terá diferentes pelo fato de o cruzamento entre eles ocorrer em cativeiro.
certeza de que esses cruzamentos ocorreriam em condições naturais.
Esses exemplos mostram a dificuldade dos taxonomistas ao tentarem
organizar o universo dos seres vivos dentro dos seus sistemas de
Cruzamentos em cativeiro classificação.
A literatura científica está repleta de casos de cruzamentos em cativeiro,
de espécies consideradas diferentes, principalmente na tentativa do Homem A seleção é estabilizadora para características
de domestica—las ou modifica—las. Nessa condição são comuns cruzamentos
entre diferentes espécies de porcos, de lobos, de aves, de plantas. Alguns envolvidas na reprodução
casos são bem conhecidos como o cruzamento de jumento com égua, Voltando a questão da origem do isolamento reprodutivo, consideremos
embora, no caso, os descendentes, burro e mula, sejam estéreis. O fato uma população que esteja sofrendo pressão seletiva direcional, em
de o cariótipo do jumento e da égua serem diferentes, causa problemas decorrência de mudanças ambientais. Essa população só sobrevive se tiver
na meiose do burro e da rnula no momento da formação dos gametas, o variabilidade genética suficiente, composta principalmente por alelos pré—
que os torna estéreis. Existe uma história que me foi contada quando fiz adaptados, que permita a seus portadores, num processo de anagênese,
catecismo, início da década de 1950, que diz que a mula é estéril por castigo irern se adaptando, geração após geração, pela sobrevivência dos mais
120 Cada Caso, um Caso...l=ªuro Acaso
Capítulo 9 Diferenciação entre Populações e Origem das Espécies
,
121

adaptados e extinção dos menos adaptados. Essa anagênese normalmente movimentos que promovem o deslocamento sem o qual o contato com os
altera as características genéticas e fenotipicas dos indivíduos ao longo óvulos não ocorre. Em decorrência da baixa probabilidade de encontro, ocorre
das gerações. uma perda enorme de gametas e, por seleção, sobrevivem os organismos em
O fato, porém, é que essas modificações na aparência fenotípica geralmente que os machos produzem um número muito maior de espermatozóides do
não atingem as características reprodutivas, conforme visto no exemplo do que seriam necessários, se não houvesse perda. Assim, no caso de peixes
tigre e do leão. A explicação para o fato: a seleção é sempre estabilizadora e anfíbios, enquanto as fêrneas produzem óvulos na ordem de centenas,
para as características reprodutivas, em qualquer condição ambiental. os machos produzem espermatozóides na ordem de milhões.
Quando surgiram os répteis, organismos com fecundação interna,
Como atua a seleção estabilizadora sobre situação em que o macho coloca os espermatozóides diretamente dentro
do organismo das fêmeas, diminuiu radicalmente o risco de perda de
características reprodutivas espermatozóides, pois, para encontrar os óvulos, caminham por dutos e
Nos animais de reprodução sexuada, a cópula só ocorre se o macho e não mais por um ambiente aberto. Portanto, por uma lógica de economia
a fêmea se reconhecerem como sendo da mesma espécie. E, mesmo que de energia, é esperado que a seleção favoreça os indivíduos que produzam
a cópula ocorra, o sucesso da mesma, em termos de gerar descendentes, menor quantidade de gametas. De fato, essa seleção atingiu as fêmeas,
depende da fisiologia da fecundação ser compatível, do desenvolvimento sem reduzir sua capacidade reprodutiva. Talvez pela imobilidade dos
embrionário ser possível, do descendente ser sexualmente fértil. óvulos, a eventual redução do seu número não tenha afetado a capacidade
reprodutiva das fêmeas.
Ao longo das gerações, qualquer alteração nesse sistema complexo
só_poderã ocorrer se a mudança envolver pelo menos parte da população, O mesmo não aconteceu com os machos e, trezentos e quarenta
pons se ocorrer apenas num indivíduo e alterar seu padrão reprodutivo, milhões de anos depois de terem surgido os répteis ancestrais das aves
provavelmente ele será eliminado pela seleção natural pelo fato de não e dos mamíferos, todos com fecundação interna, os machos de todas as
encontrar parceiro sexual. espécies atuais, dos referidos organismos, continuam a produzir milhões
de espermatozóides.
A seleção estabilizadora atua sobre os indivíduos a cada geração e o
resultado é a manutenção dos complexos gênicos coadaptados responsáveis Por que não houve redução? Como já foi comentado, em evolução
pelas características específicas, ou seja, mantém os indivíduos da população
não existe resposta para a pergunta por quê? O que se sabe é que uma
coesos em relação a reprodução. Esse equilíbrio é também chamado das causas de infertilidade masculina, na espécie humana, é a redução
coesão específica. do número de espermatozóides por crnª. O fato nos da uma pista sobre o
fenômeno. Embora teoricamente a redução pareça melhor, os fatos mostram
Poderiam ser dadas inúmeras exemplificações dessa estabilidade que qualquer mutação que cause a redução desse número, como qualquer
no sistema reprodutivo de organismos bissexuados, mas cito apenas o mutação que altere o comportamento ou a fisiologia da reprodução, aumenta
exemplo da quantidade de espermatozóides contidos em um mililitro (1 cmª) o risco de o individuo, portador da mutação, não ter capacidade de se
de esperma do homem: em torno de 70 milhões de espermatozóides. reproduzir. De uma maneira geral, a incapacidade reprodutiva pode ocorrer
Como explicar essa enorme quantidade de gametas (espermatozóides) por dificuldade de acasalamento ou por esterilidade e, em decorrência,
nos indivíduos de um dos sexos, e apenas um gameta (um óvulo) a cada o alelo mutante, responsável pela nova característica, não passa para a
28 dias, nos do outro sexo? geração seguinte.
Para responder a questão, teremos de voltar para o periodo Carbonífero Portanto, como consequência da atuação dos fatores evolutivos, a adaptação
quando, há cerca de 340 milhões de anos, surgiram os répteis, os primeiros das populações a mudanças ambientais é muitas vezes mais frequente do
vertebrados corn fecundação interna. que a especiação, ou seja, na maioria das vezes que ocorre adaptação, não
ocorre especiação. Por outro lado, existem poucos exemplos de ocorrência
Os vertebrados ancestrais dos répteis, peixes e anfíbios, apresentam de especiação sem a ocorrência de alterações adaptativas.
fecundação externa e dependem de um ambiente líquido para que a
fecundação ocorra. Na fecundação externa, as fêmeas e os machos liberam
na água seus óvulos e espermatozóides, respectivamente. Nesse ambiente A quebra da coesão específica
aberto, tridimensional, os gametas têm que se encontrar para que ocorra a Retomando o modelo proposto por Dan/vin e Wallace, é adotado pela
fecundação. Apenas os espermatozóides tem mobilidade e eles executam teoria sintética, temos: em vários casos, o acúmulo de diferenciação que
122 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso —
Capítulo 9 Diferenciação entre Populações e Origem das Espécies 123

ocorre em populações alopatricas, geralmente resultante da ação da seleção gênicos coadaptados e, como consequência, com padrões reprodutivos
natural, pode resultar em isolamento reprodutivo, caso as populações se diferentes das gerações anteriores, o que permitira que ela atinja outro
tornem simpatricas. pico adaptativo,
O processo é previsto para ser lento, gradual e, por consequência, Embora a seleção natural continue como principal fator geradorda
não conseguiu explicar, sozinho, o fato de o documentário fóssil mostrar
que a evolução, em alguns momentos, ocorreu de forma rápida, conforme
adaptação das populações ao ambiente, em relação origem a espeCIes, das
ela atualmente divide essa participação com a deriva genetica. Por este
postula a teoria do equilíbrio pontuado e também não foi capaz de explicar a motivo, no capítulo anterior, afirmou—se que, na maioria das vezes eãm que
incrível explosão evolutiva ocorrida no arquipélago do Havai, com centenas ocorrem eventos de especiação, as populações que especiam estao mal
de espécies novas de diferentes grupos animais e vegetais surgindo em adaptadas e sob um estresse adaptativo. Esses conceitos
contrariam a
curto espaço de tempo. ideia generalizada de que a evolução ocorra sempre no sentido de melhorar
Na revisão da teoria sintética a partir da década de 1970, para ajustar cada vez mais as populações boas.
a teoria evolutiva às novas evidências dos fósseis e às novas informações Todos os processos de isolamento e diferenciação de populações
genéticas, foi reavaliada a importância e atuação de cada um dos fatores são válidos para populações naturais, ou seja, para as que nao sofrem a
evolutivos, tanto no processo de adaptação como no de especiação, intervenção das atividades da espécie humana.
sobretudo no tocante ao surgimento do isolamento reprodutivo.
É preciso levar em conta, entretanto, que a espécie e humana recente
A partir da reavaliação, foi considerado que só pela ação única da dentro do quadro histórico da evolução, tendo passado a.interferir_mais
seleção natural dificilmente ocorre a quebra da coesão específica e, ativamente somente nos últimos 10.000 anos, enquanto a origem da Vida e,
consequentemente, não se desenvolve o isolamento reprodutivo, o que portanto, o processo evolutivo, remonta a milhões de anos. A interferência
explicaria a enorme ocorrência, em cativeiro, de cruzamentos entre espécies humana no processo evolutivo e mais acentuada no caso de domesticaçao
classificadas como diferentes. de animais ou plantas, na dispersão de espécies pelos continentes e nas
Considerou—se também que a maioria das quebras de coesão específica, recentes alterações provocadas ao meio ambiente.
com a consequente evolução de isolamento reprodutivo e um evento que
ocorre contra a ação da seleção estabilizadora por ser, a princípio, não O que é causa ou consequenCia
adaptativo.
A população especia porque diferencia ou diferencia porque especie?
Certamente as duas situações ocorrem, porem permanece a questao: — qual
A deriva genética tem papel fundamental na especiação delas é a mais frequente? No caso de especiação por seleção natural, a
A partir dessas considerações, e com base em enorme quantidade de população especia porque se diferencia; no caso de deriva genetica, a
experimentos em populações naturais e em laboratório, ficou estabelecido causa da diferenciação e a especiação.
que o fator evolutivo deriva genetica tem um papel fundamental na maioria
dos eventos de especiação. Assim, a quebra da coesão específica é muito Especiação por poliplºidia
mais provável em uma população pequena, cujo tamanho tenha se reduzido
pelo efeito do fundador, ou por passar por um funil (ou “bottle neck"). A especiação por poliploidia, em condições naturais, pode ocorrer
Numa população pequena, por ação da endogamia e da deriva genética, principalmente em plantas. Por um erro de divisão celular, uma planta
sobrevivem, por acaso e não por seleção, genótipos desbalanceados, pode ser originada de um ovo tetraplóide (4h), possuindo 4 genomas ao
desequilibrados. Como as consequências dos eventos de deriva genética invés de 2. Por isso, passa a ter o dobro do número de cromossomos da
podem se manifestar em poucas gerações, ou até em apenas uma, será espécie original. Um individuo nessas condições não consegue com cruzar
sobre os genótipos sobreviventes que a seleção natural atuará nas gerações nenhuma outra planta da população, pois ela e a única com esse numero
seguintes. Normalmente essa população se extingue, dependendo do nível de cromossomos.
de desequilíbrio, mas, eventualmente, a recombinação gênica faz surgir Para um organismo de reprodução sexuada, a tetraploidia norrrialmente
genótipos novos, fruto da desorganização, com novo balanceamento. Em tem como consequência, além da dificuldade de sobrevivênCia, a dificuldade
decorrência da seleção natural, a partir dessa etapa, a população poderá para cruzamento, ou seja, de ter descendentes, ou por erros na separação
passar a ter indivíduos com adaptações diferentes daquelas que existiam dos cromossomos durante a meiose, ou por não encontrarem parceiros
antes dos eventos de deriva genética, possuidores de novos arranjos semelhantes. No entanto, na maioria das plantas pode ocorrer autofecundaçãoz—
124 Cada Caso, um Caso...l='uro Acaso Capitulo 9 Diferenciação entre Populações 9 Origem das Espécies
,
125

os gametas masculinos fecundam os gametas femininos da mesma planta, que constituirá a sua história, depende das variações do ambiente em que
originando um conjunto de plantas descendentes, todos tetraplóides e que ela vive e da maneira como ela se adapta a essas variações. A adaptação
só cruzam entre si estando isoladas reprodutivamente das demais plantas. da população, por sua vez, depende do conjunto gênico (variabilidade
da população, ou seja, constituem uma nova espécie. Esses casos são os genética) que possua em dado momento.
únicos descritos nos quais a especiação ocorre em condições naturais, de '.
uma geração para outra, sem processos intermediários. Existe na natureza' Com tantas variáveis, e evidente que dificilmente duas populações terão
um grande número de espécies de plantas naturalmente tetraplóides, sendo ' a mesma história evolutiva ou reagirão da mesma maneira as variações
uma delas o café, da espécie Coffea arabica. ambientais, significando que é impossível se estabelecer um conceito que
englobe todas as espécies vivas.
A propriedade das plantas de sobreviver ao processo de poliploidia
é muito usada em pesquisas de melhoramento vegetal, quando tanto a O isolamento reprodutivo, ao bloquear a troca de material genético entre
tetraploidia como a triploidia são induzidas com o objetivo de gerar plantas um organismo e outro, fixa as diferenças decorrentes da açao da seleçao
diferentes e/ou mais produtivas. Um exemplo é o limão—tai”, planta que não natural. Sem isolamento reprodutivo, a biodiversidade seria mUltO menor.
existe na natureza e foi criada pelo Homem, resultante do cruzamento entre
lima—da—pérsia e limão—cravo. O Iimão—taiti e uma planta triplóide, estéril,
motivo pelo qual não tem sementes. Sua reprodução e feita por estaquia A diferenciação dos idiomas como comparação
ou enxertia dos galhos, portanto por regeneração, o que faz com que as entre evolução biológica e a cultural
plantas resultantes sejam clones da doadora das estacas. Triplóide é um
organismo Sri, formado por 3 genomas, diferindo dos organismos normais,
Após a divulgação das ideias de Darwin, muitos pensadores de outras
áreas tentaram explicar e ajustar fenômenos culturais, sociais, econômicos,
2n —diplóides—, formados por um genoma herdado do pai e o outro herdado
da mãe. As plantas triplóides, por terem meiose irregular, são estéreis. sob a ótica da visão biológica da seleção natural. Nem sempre deu certo
porque as premissas da seleção natural são muito específicas e próprias
A autofecundação e a regeneração são propriedades das plantas que para as características biológicas dos seres vivos e a maioria das premissas
são muito utilizadas pelo Homem nos melhoramentos. A capacidade de dessas interpretações não se ajustam a teoria de Darwin, tornando as
regeneração permite que a partir de um segmento do caule de uma planta comparações inadequadas. Geralmente as hipóteses começam com a
se obtenha um novo individuo, num processo simples de clonagem. Permite frase: — De acordo com a teoria de Darwin... e na grande maioria das vezes,
também que o segmento seja inserido no caule de uma outra planta, num o que se segue não tem nada a ver com a teoria biológica.
processo de enxertia.
Dessas ideias, a que mais perdurou e que por vezes ainda é citada
e o chamado darwinismo social por ter sido usado por muitos teóricos
Síntese do capítulo socialistas no final do século 19 e inicio do século 20, incluindo o socialista
O processo de especiação em organismos de reprodução sexuada Karl Marx.
envolve, simultaneamente, toda a população, a não ser no caso da Não sou favorável a comparações entre a evolução biológica_e as
especiação por poliploidia. Qualquer mutação gênica relacionada a caráter
reprodutivo e que promova mudança significativa, atingindo um único
transformações culturais pelas razões já expostas, embora considere
que a diferenciação dos idiomas, dos diferentes falares da humanidade,
indivíduo, torna—o diferente dos demais membros da população, dificulta
seu cruzamento e, consequentemente, a transmissão dessa mutação para
e o exemplo que mais se aproxima da evolução biológica. O processo de
diferenciação dos idiomas também é assunto que desperta interesse geral
a geração seguinte.
tendo sobre ele várias teorias e varias lendas. Dentre elas a mais conheCIda
É difícil estabelecer o momento exato da origem de uma especie, pois é a da Torre de Babel. Comentarei rapidamente os pontos comuns e os
o processo e populacional e pode ser tanto rápido quanto gradual, mas discordantes entre os dois processos.
sempre ocorrendo ao longo das gerações, por alterações sucessivas que
envolvam os indivíduos dos dois sexos. Na diferenciação dos idiomas são encontrados casos que podem ser
comparados aos processos biológicos de especiação, de hibridação, de efeito
A dificuldade em se definir, conceitualmente, uma determinada espécie do fundador, de deriva genética, de migração, de mutação, de endogamia.
deve—se ao fato de que o processo evolutivo e contínuo. A espécie e uma Por essas semelhanças, algumas vezes, uso a diferenciação das línguas
entidade dinamica, formada por indivíduos que se reproduzem a cada como exemplo, principalmente para mostrar as semelhanças e _dar enfase
geração. O que acontece com uma população, ao longo das gerações, e as diferenças entre os processos, diferenças'essas responsáveis pelo fato
126 Cada Caso, um Caso,,Fºuro Acaso Capítulo 9 — Diferenciação entre Populações e Origem das Espécies 127

de o processo de diferenciação das línguas ocorrer geralmente de forma — a frequência de uso de um vocábulo é seu valor adaptativo;
muito mais rápida do que a evolução biológica. — o conjunto de palavras que compõe o vocabulário da população seja o conjunto
Apresento corno exemplo a diferenciação das línguas consideradas gênico da população; e
latinas. No século 4, antes de Cristo, o Latim era falado apenas em uma — a estrutura gramatical corresponda ao conjunto de genes coadaptados que
pequena região central da península itálica, o Lácio. Com a expansão do caracterizam os indivíduos de uma população.
Império Romano, esse falar expandiu—se e num período de 2.000 anos A partir dessas comparações, procurarei mostrar por que e como a
diferenciou—se em diversas línguas, a saber: francês (primeiros registros evolução da língua é mais rápida do que a biológica:
escritos aparecem no século 9 dC), espanhol e italiano (primeiros registros
no século 10), catalão e português (século 13) e romeno (século 16). No 1. os indivíduos não nascem e morrem com o mesmo vocabulário;
início, nenhuma dessas linguas era homogênea ao longo do território 2. o vocabulário de um indivíduo não e aprendido apenas a partir de dois indivíduos,
no qual elas eram faladas e, mesmo dentro de Portugal, cujo território pai e rriãe, nurria transmissão vertical de uma geração para outra. Passa de um
é pequeno, vários falares e dialetos são reconhecidos pelos estudiosos indivíduo para outro, nurria transmissão horizontal e muda constantemente ao
do assunto. Comparando com a evolução biológica, esses dialetos em longo da vida dos indivíduos: em decorrência, rapidamente um vocábulo novo
diferentes agrupamentos correspondem a subpopulações com fluxo restrito (um mutante) pode passar a fazer parte do vocabulário da população. sem
entre eles. depender de seleção favoravel por várias gerações; e
A velocidade com que, a partir de uma língua ancestral, ocorreu essa 3. as palavras, embora usadas nas frases, podem ser embaralhadas e podem
diversificação é extremamente maior do que ocorre normalmente com os se reunir em arranjos infinitos, formando as frases, as orações, os períodos
grupos animais e vegetais. Deve—se considerar que uma língua que só existe e não estão ligadas fisicamente como os genes nos cromossomos.
na forma oral diferencia—se mais rapidamente do que uma língua falada e O que é mais difícil de ser mudado:
escrita, como no caso das línguas indígenas sulamericanas. Para discutir
Numa língua, o mais dificil de ser mudado é tanto sua estrutura gramatical
o assunto faço comparações entre a estrutura da linguagem e a estrutura
como a classe das palavras, como substantivo, verbo, adjetivo. Por esse
genética dos seres vivos.
motivo a estrutura gramatical das frases e muito semelhante em todas as
Semelhanças corn a evolução biológica: línguas latinas. Da mesma forma, biologicamente é mais dificil mudar as
características específicas de uma determinada população, seus genes
— a diferenciação de urna língua é um processo populacional porque, se um
coadaptados, seu comportamento sexual.
único indivíduo começar a falar uma língua que ninguém entende, ele não se
comunica;
— populações isoladas (alopatricas) tendem a se diferenciar quanto ao falar;
— quando duas populações corri falares diferentes sejuntam, ocorre um processo
semelhante a hibridação, resultando uma língua misturada com elementos das
duas. No Havaí, embora a língua oficial seja o inglês, existe um falar popular,
chamado de pidgin que reúne principalmente palavras do havaiano de origem
polinésia, inglesas, japonesas e, em muitas frases, e usada a sintaxe latina
por influência de migrantes portugueses vindos de Macau. Em Cabo Verde
também existe um falar popular, o crio/o que mistura línguas africanas corn o
português e o francês. Na Galicia, provincia espanhola divisa com Portugal,
é falado um portunhol.
Considerarei, numa comparação aproximada, que:
— uma palavra (um vocábulo) corresponda a um gene;
— um sinônimo corresponda a um alelo mutante;
— uma frase corresponda a um cromossomo;
— o conjunto de palavras que compõe o vocabulário de uma pessoa corresponda
ao seu genótipo;
Evolução dos Grandes Grupos
(,,,) A gente examinava a rachadura das lage/Tikes
Só para brincar de ciência. (...)
(,“) Não era mister de ser versado em Kant pra se saber que os
passarinhos da mesma piumagem voamjuntos.
Nem era preciso ser versado em Darwin pra se
saber que os carrapichos não pregam no vento.
Que, apois:
Sábio não é o homem que inventou a primeira bomba atómica.
Sábio e' o menino que inventou a primeira lagartixa.
Manoel de Barros

A origem dos grandes grupos taxonômicos decorre da somatória de


eventos que ocorrem nas populações das espécies. O tempo decorrido
e o desaparecimento dos tipos intermediários são os responsáveis pelo
aumento das diferenças entre os grandes grupos.
É muito difícil imaginar que exista qualquer tipo de direção no processo
evolutivo uma vez que todo ele e baseado nos processos de especiação e
adaptação que ocorrem sempre nas populações das espécies.

Os grandes grupos
A espécie, formada pelo conjunto de suas populações, a única e
categoria sistemática zoologica que tem existência concreta. O agrupamento
de indivíduos numa espécie não e artificial, pois entre os indivíduos de
uma especie existe uma ligação natural que é a reprodução. As demais
categorias sistemáticas, inventadas pelo Homem (Gênero, Família, Ordem,
Classe e Filo) são agrupamentos de espécies. Quanto mais natural for a
classificação, ou seja, quanto mais próxima estiver da história evolutiva
das espécies, mais esses agrupamentos refletem a real história do grupo.
Assim sendo, é esperado que todas as espécies que formam um Gênero
sejam descendentes de uma única espécie ancestral comum. Este raciocínio
é válido para todas as categorias sistemáticas superiores como Família,
Ordern, Classe, Filo e Reino.
O conjunto de espécies de um Gênero é escolhido pela semelhança entre
elas e, na grande maioria das vezes, não é possível estabelecer, na pratica,
a relação filogenética (ou relação de parentesco) que decorre da relação
ancestral/descendente entre essas espécies. Por criterios semelhantes,

º
d
u
m
w
o
1730 ,
Cada Caso, um Caso.,.Puro Acaso Capítulo 10 — Evolução dos Grandes Grupos 131

como um conjunto de espécies forma um Gênero, um conjunto de Géneros


forma uma Família e assim por diante.
O desaparecimento dos tipos intermediários
Outro fator que acentua as diferenças entre as categorias sistemáticas
superiores é a extinção das espécies portadoras de características
intermediárias. Os indivíduos das primeiras populações de répteis certamente
eram muito semelhantes aos indivíduos da população de anfíbios que lhes
deu origem. Com a grande diversificação sofrida e o desaparecimento das
primeiras espécies de répteis, as diferenças entre répteis e anfíbios se
acentuaram. No entanto, ainda existe muita semelhança aparente entre
eles quando consideramos as populações de anfíbios classificados como
salamandras. Da mesma maneira, a distinção entre aves e mamíferos não
seria tão nítida se existisse uma grande quantidade de espécies semelhantes
ao Ornitorrinco e se entre répteis e aves ainda existissem muitas espécies
de Pteroo'actilus. O ornitorrinco (Ornithorhynchus anatinus), encontrado
A -— Peixes na Austrália e Tasmânia, põe ovos, tem pés e bico semelhantes aos do
— Mamíferos pato, porém tem o corpo coberto de pelos e produz leite para amamentar
JUOÚ ——
Répteis
«

E Anfíbios
Aves os filhotes. Estudos recentes sobre o genoma desta espécie aumentaram
as informações sobre as semelhanças dela com aves e mamíferos. O
ornitorrinco é mais um exemplo da diversidade resultante da casualidade
do processo evolutivo.
É bem conhecido entre os taxonomistas o fato de a classificação de
espécies pertencentes a grupos antigos ser mais fácil do que a de grupos
modernos, pelo desaparecimento dos intermediários. Assim, as espécies
da Ordem Xenarthra, ou Edentata (preguiças, tatus, tamanduás), cuja
diferenciação ocorreu há cerca de 80 milhões de anos, são muito mais
faceis de serem classificadas do que as da Ordem Rodentia (capivaras,
cotias e ratos em geral), cuja diferenciação e mais recente.
Figura 10.1 — Grandes grupos de vertebrados.

Durante muito tempo, alguns cientistas defenderam a ideia de que Irradiação adaptativa
as micromutações seriam responsáveis pelo aparecimento de pequenas A irradiação adaptativa é o processo pelo qual dentro de um grupo a
diferenças que, acumuladas, acabariam por separar uma população da taxa de diversificação e especiação é muitas vezes maior que a de extinção
outra, enquanto as macromutações seriam mutações com grandes efeitos, em um certo período de tempo. A irradiação pode ocorrer quando o grupo
que tornariam seus portadores diferentes a ponto de serem classificados de organismo adquire uma característica nova que lhe permite explorar
como outra Espécie, outro Género, outra Família e Ordem. de forma diferente o ambiente em que vive ou quando o grupo invade um
território novo e desocupado. Corn a expansão do grupo, serão formadas
Na realidade, a conceituação está errada, pois, normalmente, as mutações
novas populações, as quais poderão dar origem a novas espécies, das
que causam grandes alterações são deletérias, reduzindo a viabilidade de
quais surgirão outras novas populações, de tal forma que, num intervalo
seus portadores. Num período longo de tempo é o acúmulo de mutações que
de tempo relativamente curto, numerosas espécies passam a ter diferentes
causam pequenas alterações, as responsáveis por criar as grandes diferenças
características adaptativas. Pelo documentário fóssil, constata—se que esse
entre as categorias superiores. Portanto, o mesmo processo que da origem
processo repetiu—se inúmeras vezes.
às espécies, atuando sobre um grupo de espécies por um longo período de
tempo, acaba por diferencia—Io dos demais em suas características básicas. Pelo
documentário fóssil, répteis, mamíferos e aves estão isolados reprodutivamente
Exemplo de urna irradiação decorrente de uma novidade adaptativa:
quando o primeiro vertebrado passou a ter fecundação interna e a pôr ovos,

há pelo menos 200 milhões de anos, tempo suficiente para que as diferenças tendo sido liberado da agua para fins reprodutivos; — essa nova espécie
atuais entre eles tenham surgido pelo acúmulo de pequenas modificações. irradiou—se e, a partir daí, deu origem às espécies com fecundação interna
132 Cada Caso. um Caso...Éuro Acaso Capítulo 10 — Evolução dos Grandes Grupos 133

e poncio ovos as quais deram origem aos répteis. As primeiras populações Invasão de um território novo é outra situação favorável a ocorrência de
de répteis também evoluíram para as espécies atuais de tartarugas, cobras, irradiação adaptativa, a qual se torna mais provavel quando uma espécie
lagartos, jacarés e crocodilos. O mesmo aconteceu com o aparecimento da atinge um território ou uma área totalmente desabitada por organismos
placenta. A placenta, ao permitir que o desenvolvimento embrionário ocorra semelhantes a ela, ou com ausência de predadores, onde exista uma
dentro do corpo da mãe, e alimentado diretamente por ela, substituiu o ovo. variedade de ambientes passíveis de serem explorados. Nesses casos,
Aparentemente, por ser altamente adaptativa, essa característica propagou— as diferenciações populacionais, que resultam em uma irradiação, são
se dando origem aos mamíferos placentários. Esses são apenas alguns aceleradas, se na variabilidade genética da espécie invasora existirem
exemplos, entre os muitos existentes, de casos em que o aparecimento genes pré—adaptados ao novo ambiente. Um exemplo clássico desse tipo
de uma característica nova deu condições para que os seus portadores de irradiação é o de pássaros que vivem nas ilhas Galápagos, onde ocorreu
passassem a ter grande vantagem adaptativa sobre os demais organismos intensa adaptação dos bicos aos tipos de alimentos disponíveis nas ilhas.
concorrentes. Neste caso específico, diferentes tipos de ambientes, aliados a forças
seletivas diversas, atuando sobre os alelos reguladores da expressão da
forma dos bicos, geraram uma série de seleções direcionais nas populações
isoladas, acabando por dar origem a uma série de espécies muito próximas
e em tempo relativamente curto.
Os casos referidos de irradiação adaptativa servem para mostrar que
a velocidade com que surgem espécies novas ou com que as espécies se
modificam não é constante. Podem existir períodos de intensa atividade
evolutiva e períodos totalmente estacionários. O fator que determina se os
organismos estão em uma fase ou em outra é o ambiente onde eles se
encontram. Ambientes estáveis, por longos períodos de tempo, provocam
baixa ação evolutiva, pois nesse período as populações devem ser grandes e
prevalece a seleção estabilizadora. Por outro lado, se o ambiente permanece
em constantes mudanças, as populações são pequenas e prevalecem seleções
direcionais, o que pode causar intensas mudanças evolutivas. Foram essas
características dos organismos e suas populações, em relação ao ambiente,
Ancestral
Comum
que sugeriram a proposta da teoria do equilíbrio pontuado.

Constância evolutiva
Algumas espécies ou grupo de espécies atravessam longos períodos
de tempo sem se alterarem de forma substancial, configurando o que é
chamado de constância evolutiva. Alguns organismos chegam até a receber
a denominação de fóssil vivo. Um exemplo conhecido de constância evolutiva
é o do gamba, Didelphis marsupialis, um marsupial1 que atualmente ocorre
desde aArgentina até o Canadá e permanece com, praticamente, a mesma
constituição física durante os últimos 80 milhões de anos.

1. Marsupial é o grupo de rnanlíferos cuja placenta e' reduzida ou inexistente. Os embriões, nos
primeiros estágios de desenvolvimento, deslocarnese de dentro do corpo da lllãe para unia
bolsa localizada na região abdolninal onde cornpletarn o dosenvolvirncnto. Dentro da bolsa
existen“ rnarnilos cona leito, através dos quais os ernbriões se alilnentam. Embora a Austrália,


Figura 10.2 Adaptação da forma do bico dos pássaros de Galápagos em função do alimento
disponível em cada ilha.
Nova Zelândia e Tasrnânia sejarn rnais conhecidas pela fauna abundante de inarsupiais (corn
destaque para os cangurus), existem marsupiais ein todos os continentes, Luna vez que o grupo
surgiu antes da deriva continental.
1:34 Cada Caso, um Oaso...Fªuro Acaso

Capítulo 1O Evolução dos Grandes Grupos 135

Mg,-Wawmn—(s
,

Os chamados fósseis vivos apresentam algumas características Outro exemplo de convergência evolutiva é a dos animais que adquiriram
comuns: a capacidade de voar. Todos eles desenvolveram asas, embora, às vezes,
— o ambiente em que vivem (nicho específico) não se alterou muito; de forma e origens embrionárias diferentes. Tanto os insetos, quanto
— têm grande capacidade de escapar a predadores; os morcegos e as aves têm origem evolutiva distinta, de maneira que o
desenvolvimento de asas nesses organismos e um caso de convergência
— têm diversidade alimentar; evolutiva.
— têm elevada taxa de reprodução.
A existência desses organismos mostra que a diferenciação morfológica
não ocorre necessariamente como resultado do processo evolutivo. Analogia e homologia
Quando organismos diferentes apresentam estruturas com forma e função
iguais, porém com origens embrionárias diferentes, essas estruturas são
Convergência evolutiva chamadas análogas. Assim, as asas dos insetos e as asas dos pássaros
Denomina—se convergência evolutiva a situação em que organismos com são órgãos análogos.
diferentes origens filogenéticas e diferentes estruturas, quando submetidos
a um mesmo ambiente com o mesmo problema adaptativo, evoluem para Quando organismos diferentes apresentam estruturas com forma e
formas ou soluções semelhantes. Ocorre uma convergência quanto à forma do função diferentes, porém com a mesma origem embrionária, essas estruturas
organismo. São exemplos clássicos de convergência evolutiva os mamíferos são chamadas homólogas. Os braços do Homem, as patas dianteiras dos
aquáticos, como as baleias e os golfinhos, que adquiriram a forma externa mamíferos quadrúpedes, as nadadeiras das baleias e a asa das aves, são
semelhante à de peixes, embora originários de ancestrais terrestres. órgãos homólogos. Por esse motivo o cavalo Pégaso, da mitologia grega,
nunca poderia existir evolutivamente porque suas asas são estruturas novas,
A distância filogenética/evolutiva entre mamíferos e peixes muito e uma vez que ele permaneceu com as duas patas dianteiras.
grande, A volta de um mamífero terrestre para a vida aquática, adquirindo
um aspecto externo de peixe, a chamada convergência evolutiva, não
significa que necessariamente todo vertebrado de origem terrestre, que
passe a viver na agua, tenha de adquirir a forma de peixe; basta observar,
© Humano © Gato © Morcego
por exemplo, o caso das tartarugas marinhas.


Figura 10.3 Convergência evolutiva: os golfinhos, cujos ancestrais eram mamíferos terrestres,
apresentam forma geral de peixes ao se adaptarem a ambientes aquáticos.
Figura 10.4 — Ademesma estrutura óssea básica, adaptada a diferentes funções, em diferentes grupos
vertebrados.
13? 7 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capitulo 10 Evolução dos Grandes Grupos
,
137

A maioria de exemplos de homologia envolve ossos, não significando, no ancestrais. O osso quadrado e a junta articular da mandíbula dos répteis
entanto, que haja uma preferência por ossos para estudo de homologia. O deram origem ao martelo e a bigorna, respectivamente, e o osso hiomandibular
que acontece e que essas estruturas têm maior probabilidade de se fossilizar, dos peixes deu origem ao estribo. O caso da postura bípede está discutido
tornando possível o conhecimento e estudo das formas intermediárias no capítulo sobre evolução da espécie humana.
da transição evolutiva. Para a evolução de órgãos e partes moles, cuja
fossilização e mais difícil, falta documentação das formas intermediárias no Além dos ossos do ouvido médio dos mamíferos e da coluna vertebral
registro fóssil. Exemplo disso, a evolução do coração dos vertebrados que, da espécie humana, outro exemplo que demonstra que as novas formas
nos peixes, apresenta 2 câmaras; nos anfíbios e répteis, 3 camaras; nos anatômicas evoluem a partir de estruturas preexistentes e o caso do nervo
crocodilos, mamíferos e aves, 4 camaras. Num coração de 2 câmaras (uma laringeo recorrente dos mamíferos. Anatomicamente, o nervo Iaringeo
aurícula e um ventrículo), ou 3 câmaras (duas aurículas e um ventrículo), e
recorrente o quarto nervo vago, um dos nervos cranianos. Nos primeiros
a eficiência respiratória e menor, pois o sangue venoso, proveniente dos vertebrados, os peixes, ramos sucessivos do nervo vago passam por
tecidos e com maior quantidade de gás carbônico, mistura—se com o sangue trás dos arcos arteriais sucessivos que correm em direção às brânquias.
arterial, proveniente dos órgãos respiratórios, guelras ou brânquias nos Durante a evolução dos vertebrados, os arcos branquiais transformaram—
peixes, e pulmão em anfíbios, antes de voltar aos tecidos. Em um coração se e, nos mamíferos, o sexto arco branquial evoluiu para ducto arterial
de 4 câmaras (duas aurículas e dois ventrículos) essa mistura de sangue que, anatomicamente, fica próximo ao coração. Porém, o nervo laríngeo
arterial e venoso não ocorre, tornando a respiração mais eficiente. recorrente ainda continua passando por trás do arco branquial, completamente
É evidente que a evolução dessas estruturas moles seguiu os modificado, nos mamíferos, para um ducto arterial, a aorta dorsal. Em
mesmos processos das estruturas ósseas, evoluindo por modificações decorrência dessa origem, ligada ao desenvolvimento embrionário, num
das preexistentes, mas a falta de documentação fóssil da transição abre mamífero atual, o nervo sai da caixa craniana, vai até o tórax passando
espaço para a ideia de que elas possam ter surgido aos saltos, ou por pelo pescoço, contorna a aorta dorsal, próxima ao coração, e retorna para
um fenômeno sobrenatural, A mesma explicação evolutiva pode ser dada a laringe, logo atrás da cavidade bucal.
para a origem dos pulmões, dos olhos, e de todos os demais órgãos moles
Em humanos, esse desvio já parece absurdo, pois essa volta representa
dos vertebrados. Logicamente, cada um com uma história própria por se
tratar de eventos independentes. A falta de documentação das transições um aumento de 30 a 60 cm no tamanho do nervo, alem do percurso ser
evoiutivas das partes moles dos organismos, no registro fóssil, é uma das aparentemente desnecessário sob o ponto de vista anatômico. Porém, é
lacunas do conhecimento. nas girafas atuais que essa história fica mais estranha.
O pescoço dos mamíferos é constituído de sete vértebras cervicais. 0 das
Conservação de estruturas girafas, apesar do tamanho, também apresenta ? vértebras. Evolutivamente,
e muito mais provavel um osso aumentar em tamanho do que surgirem
Existe um número enorme de exemplos de que as alterações ou novidades
novos ossos. E, foi isso que aconteceu com o aumento de tamanho do
evolutivas ocorrem sobre as estruturas e formas já existentes. Vários ciclos
pescoço da girafa: ficou mantido o número de vértebras e houve aumento
metabólicos como digestão, respiração, excreção, mostram claramente isso
de seu tamanho. A medida que o pescoço apresentava—se mais comprido,
quando são comparados nos diferentes grupos de organismos.
na linhagem evolutiva da girafa, o nervo foi levado a um crescimento cada
Alguns casos clássicos de alterações na morfologia dos vertebrados vez maior, perfazendo o mesmo trajeto dos demais mamíferos, saindo do
também podem ser citados como exemplo: a evolução do ouvido médio crânio em direção ao tórax, percorrendo todo o pescoço, dando a volta no
dos mamíferos; a postura bípede da espécie humana; o nervo Iaríngeo ducto arterial próximo ao coração, e voltando, pescoço acima, até a laringe.
recorrente dos mamíferos. E quase certo que tal desvio é desnecessário. Esse e um exemplo de que
e
Quanto ao ouvido médio, o dos mamíferos diferente dos demais a sobrevivência de uma estrutura não significa que ela seja boa. Significa
vertebrados, possuindo tres pequenos ossos, interligados, que têm a função apenas que ela foi a melhor que apareceu e foi sobre ela que a seleção
de transmitir as vibrações sonoras captadas pelo tímpano para o ouvido natural atuou. Se surgisse um mutante em que o nervo fosse diretamente

interno: ligado ao tímpano esta' o martelo, que e ligado ao bigorna, que
e ligado ao estribo, o qual e ligado a janela oval do ouvido interno. Os três
do cérebro para a laringe, provavelmente ele seria favorecido, embora
essa mutação seja improvável por exigir reorganização embriológica; a
pequenos ossos do ouvido médio são novidades evolutivas dos mamíferos, imperfeição persiste porque não surgiu uma mutação assim, ou surgiu e
e são resultados de transformações sofridas por ossos já existentes nos foi perdida por acaso.
138 Cada Caso, um Caso.,.Puro Acaso

Geração a geração, o material genético existente nas populações


sofre a ação da seleção natural e cada passo ou etapa ocorre como uma
modificação do que já existe. Esse processo pode levar facilmente a
0 Documentário Fóssil
imperfeições devidas a restrições históricas, embora nem todas sejam tão
drásticas como a do nervo laringeo recorrente nas girafas, ou a da coluna
vertebral dos humanos. “Sem ácidos nucleicos, as proteínas não têm futuro.
Sem proteínas, os ácidos nucleiccs permanecem inertes.
Esses são apenas alguns exemplos que servem como argumento contra Qual é a galinha e qual é o ovo?”
o suposto planejamento evolutivo, ou pelo menos, contra a inteligência do François Jacob
responsável por ele.
No último capítulo discuto as novas informações da Genética do
Desenvolvimento que, ao estudar a sequência dos genes responsáveis pela A área da ciência que estuda os fósseis e a Paleontologia. Fósseis (do
origem embrionária de diversos órgãos e metabolismos, tem contribuído termo latino “fossile” que significa ª'desenterrado'ª) são quaisquer restos
para um melhor entendimento da convergência evolutiva, da analogia, ou vestígios preservados de plantas, animais, ou de qualquer outro ser
homologia e da conservação de estruturas. vivo. As características dos restos podem ser: um organismo inteiro, como
no caso dos mamutes congelados da Sibéria; esqueletos ou parte deles;
troncos de plantas petrificados, ou ainda impressões deixadas nas rochas
por pegadas ou por folhas. Qualquer vestígio de vida passada, como por
exemplo, os coprólitos, que são fezes de animais preservadas naturalmente
pela dessecação ou por mineralização, é considerado fossil.
O registro fóssil e uma evidência direta, concreta, da história evolutiva
dos seres vivos cuja validade e aceitação dependem muito de evidências
desse registro. Estudos de parentescos entre os grupos, atraves de análises
filogenéticas, com o uso de marcadores morfológicos ou genéticos, são
evidencias indiretas da história evolutiva.
Por exemplo, se considerarmos as espécies atuais de gato domestico,
dejaguatirica, de leão, de tigre, de lince, de cachorro, de lobo, de coiote e de
raposa, poderemos agrupa—las por varios criterios, usando diferentes técnicas
e diferentes marcadores, desde morfológicos/anatômicos ate moleculares:
enzimas ou DNA. O resultado seria a conclusão de que todos pertencem a
classe Mammalia e, como mamíferos, pertencem a ordem Carnívora, É possível
observar tambem que: gato, jaguatirica, leão e tigre são mais semelhantes entre
si, enquanto cachorro, lobo, coiote e raposa também são mais semelhantes
entre si. Por esse motivo, as espécies do primeiro grupo foram classificadas
como pertencentes a família Felidae e, as do segundo, a família Canidae e,
assim, conforme o critério adotado, cada grupo foi classificado em diferentes
gêneros, como é mostrado na tabela a seguir.
Na base dessa classificação taxonômica esta subentendida uma
filogenia evolutiva, uma arvore de parentesco que supõe que gato, leão
e tigre tiveram um ancestral comum, diferente do ancestral de jaguatirica
e lince. Por outro lado, e suposto que todos tiveram um ancestral comum
que deu a eles as características que permitiram o agrupamento deles
como Felidae. Na mesma linha de raciocínio, Felidae e Canidae tiveram um

o
d
u
iºn
L
140 Cada Caso, um Caso.,.Puro Acaso Capítulo 11 e 0 Documentário Fóssil 141

ancestral comum do qual herdaram as características que os unem como


Carnívora, e assim por diante. Embora tudo isso pareça lógico, a situação
fica muito mais clara quando são encontrados os elos da transição, fósseis
que comprovam a existência desses ancestrais. Reside nesse suporte, para
as inferências filogenéticas, uma das principais importâncias do registro
fóssil para o estudo evolutivo.
Irradiação
Ordem Família Gênero Espécie Hipparion da América do Sul
!=. catus (gato)
Felia I:. leo (leão)
Felidae l:. tigris (tigre) _“
Irradiação
Leopardus L, parda/is (jaguatirica)
Carnívora Lynx [_ canadensis (lince)
C. familiaris (cachorro)
_ Canis C. lupus (lobo)

ªçãº/I
Canldae C. iatrans (coiote)
Vulpes X/_ fulva (raposa)

O documentário fóssil Meryhippus

Não é sempre que os ancestrais são encontrados e, em certas filogenias,


.!
[A
quando não há registros ancestrais diz—se que existem elos perdidos. Urna Miohippus
exceção, em termos da existência de todos os elos é a espécie atual do cavalo
(Equus cabal/us), da qual se conhece praticamente todos os ancestrais,
desde o Eoceno (60 milhões), quando, chamado de Hyracotherium, o
Irradiaçao X
ancestral apresentava 40 cm de altura, pés com 4 dedos e dentes baixos.
Daquela época até agora é conhecida uma sequência de fósseis que permite
E ““Nas
thippus
estabelecer exatamente a trajetória evolutiva da espécie, até atingir a forma
Figura 11.1 — intermediários
No entendimento da evolução do cavalo são conhecidos praticamente todos os
atual com mais de 150 cm de altura, pés com um só dedo e dentes altos,
entre tantas outras características. A fossilização dos ancestrais do cavalo —
a partir do thipus que viveu há cerca de 75 milhões de anos — ate
o cavalo atual. Não há elos perdidos.
foi facilitada pelo fato de a espécie possuir populações grandes e ser um
animal de planície, cujo solo é formado por rochas sedimentares.
A maioria dos fósseis é encontrada em rochas sedimentares, embora
existam exceções como, por exemplo, fósseis no gelo ou âmbar. O âmbar
é uma resina vegetal e tem cor amarela semitransparente. Dentro dessa
resina têm sido encontrados fósseis de pólens, cianobactérias e outros
organismos unicelulares, embora os mais conhecidos sejam os fósseis de
invertebrados, corno besouros, mosquitos, vespas, aranhas, e pequenos
vertebrados como anfíbios. A importância do âmbar e que nele estão seres
que normalmente se desintegram depois da morte e, além disso, os fósseis
preservados no âmbar são os melhores porque normalmente o organismo Figura 11 .2 — Fóssil de aranha em âmbar. Organismos que geralmente não fossilizarn são preservados
e preservado por inteiro. integralmente,
142 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capítulo 11 — O Documentário Fóssil 143

Os processos de fossilização Dificuldades para a localização de fósseis


Embora a preservação de matéria orgânica como fóssil não seja um evento O registro fóssil cobre um período de tempo quase inimaginável, durante
raro na natureza, a preservação de restos delicados e mais rara porque pode o qual muitos fatos aconteceram, corn o aparecimento e a extinção de
ocorrer a destruição do fóssil por decomposição. Em decorrência, fósseis comunidades inteiras de organismos, muito diferentes daquelas que vivem
das partes moles dos organismos são raros. No entanto, a preservação de hoje. O principai responsável por esses eventos de extinção e o ambiente ser
partes esqueléticas biomineraiizadas, mais duras e resistentes a erosão e inconstante e ter sofrido grandes variações que submeteram os organismos
a decomposição, como os dentes, as conchas, as carapaças e os ossos a diferentes pressões de seleção. Alem disso, os continentes deslocaram—
são muito mais comuns e, consequentemente, a maior parte do registro se, o nível dos oceanos subiu e abaixou, os climas mudaram, geleiras
fóssil é constituída por fósseis desse tipo. Biomineralização é o processo recobriram os continentes, ocorreu muita erosão e sedimentação.
chamado histornetabase pelo qual a matéria orgânica se transforma em Alem da fossilização e preservação serem eventos raros, para que se
matéria mineral. As matérias orgânicas são substituídas por mineral, mais possa ter conhecimento dos fósseis, eles ainda têm que ser encontrados.
frequentemente calcita, molécula por molécula, resultando numa reprodução E, a localização de um campo fossilífero, na maioria das vezes, ocorre por
perfeita do organismo, nos mínimos pormenores celulares. acaso. Entre os eventos naturais que facilitam o achado está a erosão do
solo. O Grand Kenyon, no estado do Arizona, USA, e um bom exemplo,
De qualquer forma, para que os restos de qualquer organismo sejam uma vez que o vale, cavado pela erosão, expôs, em suas paredes, fósseis
fossilizados, é imprescindível que sejam recobertos por sedimentos logo de diferentes períodos. A erosão também foi importante para que os
após a morte e permaneçam enterrados durante todo o processo de pesquisadores ingleses encontrassem, as margens do lago Turkana, no
fossilização. Assim, tiveram muito mais chances de se tornarem fósseis Kenya, o fóssil de Australopithecus afarensis, ao qual foi dado o nome de
os animais e plantas que viveram em ambientes aquáticos, de planícies Lucy. A partir do século 20, o aumento da população humana, que significou
alagadas e mesmo animais terrestres de planícies não alagadas, formadoras um avanço das áreas cultivadas, e as grandes obras de terraplanagem,
e formadas por rochas sedimentares, que, alem de ambiente favorável à principalmente para construções de estradas e barragens, propiciaram o
fossilização, ainda são compostos por populações maiores em decorrência achado de uma enorme quantidade de sítios fossilíferos e arqueológicos,
do ambiente em que viveram ter sido mais homogêneo. incrementando o documentário do registro fóssil.
Por outro lado, levando em consideração a situação descrita anteriormente,
são muito mais raros fósseis de organismos de vida arbórea como os dos O tempo geológico
Primata (esta Ordem inclui o Homem e todas as espécies de macacos) e A dificuldade normal das pessoas imaginarem a escala do tempo
as aves, ou de organismos que habitam áreas montanhosas formadas por evolutivo é um dos entraves para que aceitem que o processo evolutivo
rochas ígneas, pois, alem de habitarem ambiente não propício à fossilização, possa ter ocorrido sem direção. A nossa escala de tempo está ligada ao
ainda são formados por populações pequenas, devido ao ambiente ser nosso período de vida de algumas dezenas de anos e, portanto, já é difícil
fragmentado. imaginar que tempo é o de 500 anos desde que os europeus chegaram
as Américas. Por isso, o tamanho da dificuldade para o entendimento do
que são 500 mil anos, 1 milhão de anos, 200 milhões de anos, 1 bilhão
A representatividade do documentário fóssil de anos.
O documentário fóssil não reflete com fidelidade a diversidade em todas
as eras passadas. Nele estão bem representadas as espécies formadas
por populações grandes e também as espécies aquáticas e de planície.
A escala do tempo evolutivo
Esse e um dos motivos pelo qual o documentário fóssil não representa, de Na literatura existem várias tentativas de representar a escala de tempo
forma adequada, o processo evolutivo. Ao representar populações grandes geológico para que ela possa ser visualizada. Um exemplo: a comparação
e de planície, aumenta a probabilidade de estar representando populações que se faz entre todo período evolutivo com o período de um ano, ou 365
bem sucedidas adaptativamente e que se encontravam na fase de estase dias. Para essa comparação, vamos assumir que 1 minuto de relógio
no momento da fossilização, e não as populações pequenas, instáveis, que corresponda a 10.000 anos no tempo geológico e, nessa escala, vamos
se encontravam na fase pontuada, fase em que as alterações evolutivas calcular o tempo geológico em relação ao período de um ano:
têm maiores chances de ocorrência. 1 minuto = 10.000 anos
,
144 Cada Caso, um Caso,..Puro Acaso Capítulo 11 =
O Documentário Fóssil 14757

.l_i
hora (60 minutos) = 600.000 anos
Novembro
dia (24 horas) = 14.400.000 anos
= 20 de novembro — (há 600 milhões de anos) =Animais multicelulares Inicio =

mês (30 dias) = 432_OOO_000 anos


do período Cambriano da era Paleozóica (paleo = antigo + zoica = vida). No
ano (12 meses) = 5,184.000.000 anos Cambriano, que é o primeiro período do Paleozóico, a maioria dos grupos
A simulação, baseada nessa escala de tempo, supõe que o presente animais, como os primeiros peixes, esponjas, corais e moluscos, já estava
momento seja meia—noite do dia 31 de dezembro. Então, oiharernos para presente. As marcas da existência desses organismos são as primeiras a
o ano que passou para ver em que momento do ano ocorreram alguns permanecerem até hoje, marcando o início ao registro fóssil.
dos principais eventos da evolução biológica e da evolução geológica do _ 23 de novembro — (ha 550 milhões de anos) — Surgiram as primeiras plantas
planeta Terra, Supondo que a Terra formou—se a zero hora do dia 01 de terrestres.
janeiro, corno ocorreu há uns 5 bilhões de anos, o calendario apresenta—se
aproximadamente assim: Dezembro

Janeiro — 03 de dezembro (ha' 400 milhões de anos) origem e diversificação dos


Grande número
=

anfíbios. de artrópodes.
= dia 1 — ha' 5 bilhões de anos atrás — origem do planeta Terra. = 07 de dezembro — 10 horas — (ha 340 milhões de anos) — origem dos répteis.
16 de dezembro (há 21 5 milhões de anos) origem dos mamíferos placentários.
Fevereiro
= =

As aves já estavam presentes. Ocorreu a diversificação dos répteis.


25 de dezembro — 4 horas (ha 85 milhões de anos) — origem dos Primata.
Março
= =

=

10 de março (há 4 bilhões de anos) Os primeiros 70 dias (aproximadamente
=
— —
30 de dezembro 5 horas =(há 25,5 milhões de anos) origem dos Hominóides,
sendo um dos representantes o Aegyptopithecus zeuxis.
=

1 bilhão de anos) foram de resfriamento da massa disforme, em ebulição,


formada a partir de poeira e gás. Naquele período, uma grande colisão corn
— 31 de dezembro — (há 14 milhões de anos).
um planetóide errante arrancou milhares de pedaços do planeta. Os pedaços =
11 hOOrnin — (há 7,5 milhões de anos) nascimento de Toumai — considerado
foram lançados ao espaço e muitos ficaram girando em torno da Terra. A o primeiro antropóide, classificado como Sahelantropus tchadensis.
aglomeração de alguns deles deu origem à Lua, que desde então passou — 18h00min (há 3,5 milhões de anos) nascimento de Lucy
= = o mais famoso
a girar em órbita, ao redor da Terra, afetando com sua mudança cíclica de fóssil de Australopithecus afarensis.
posição, entre outras coisas, a gravidade da superfície da Terra, — 21h00min =(hã 1,8 milhões de anos) — As primeiras populações de Homo
— 24 de março — (há 3,8 bilhões de anos) — Com o resfriamento, o vapor de agua
que saiu dos vulcões formou as primeiras chuvas e os oceanos começaram
erectus sairam da Africa e entraram na Asia.
— 23h30min — (há 300 mil anos) — surgiram na África populações com características
a ser formados. de Homo sapiens.
=
31 de março — (há 3,7 bilhões de anos) — Origem da vida. Surgiram as primeiras — 23h50min — (há 100 mil anos) — Populações de Homo sapiens saíram da
moléculas capazes de se reproduzir a partir de elementos do ambiente. África e iniciaram a jornada que levou a espécie a ocupar todo o planeta.

Abril
— 23h59min48seg — (há 12 mil anos) = Início da era histórica, A dispersão da
espécie humana ja' havia atingido todos os continentes.
Asimulação expõe e organiza cronologicamente os principais eventos dos
Maio Últimos 5bilhões de anos e mostra de forma clara que, em relação a evolução
=
25 de maio (há 2,5 bilhões de anos)
=
— Surgiram os primeiros organismos dos seres vivos, quase todos os acontecimentos foram anteriores a existência
formados por células. da espécie humana e, consequentemente, independentes de sua ação.
As explicações sobre a origem ao acaso das adaptações populacionais
J unholJulhoIAgostolSetembro/Outubro
e das espécies que, à primeira vista parecem forçadas, tornam—se mais
=
Neste período (600 milhões a 2,5 bilhões de anos) não há registro fóssil. plausíveis a partir do entendimento da escala de tempo geológico.
146 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capitulo 11 — O Documentário Fóssil 147

Os biólogos evolucionistas preocupam—se em falar sempre sobre original no momento da origem da rocha ou enquanto o organismo estava
mudanças ambientais para explicar a extinção ou a origem de adaptações, vivo. Adatação radioativa só pode ser feita em rochas ígneas que são rochas
aparentemente desconhecidas, por não terem sido testemunhadas pelo oriundas do esfriamento de lavas vulcânicas originadas do magma terrestre e
Homem. No entanto, os documentarios geológico e fóssil mostram, claramente, que ainda não sofreram alterações químicas chamadas metamorfoses. Rochas
que tanto no ambiente físico quanto no biótico ocorreram continuamente ígneas queja' sofreram metamorfose são chamadas rochas metamórficas. A
mudanças enormes, por milhões de anos. Assim, o tempo dispon ível para a idade de uma rocha sedimentar pode ser medida pela datação relativa com
evolução foi suficientemente grande para a reiterada ocorrência dos eventos formações ígneas entre as quais ela está contida. As rochas mais antigas
mais improváveis, tais como mutações raras terem ocorrido, sobrevivido reconhecidas na Terra foram datadas radiometricamente como tendo 3,8
e sido selecionadas. bilhões de anos. Entretanto, a datação de meteoritos e de rochas da Lua,
Tomemos, como exemplo, o tempo evolutivo da espécie humana, junto com outras evidências astronômicas, indica que a Terra e o sistema
lembrando sempre que a unidade do tempo evolutivo é o número de solar passaram a existir há, no mínimo, 4,6 bilhões de anos.
gerações. Considerando o período médio de 20 anos para cada geração das
populações iniciais, em 100 anos temos 5 gerações, ou seja, um indivíduo
pode ter filhos, netos, bisnetos, tataranetos e tetranetos. Nessa escala, em Mudanças na diversidade ao longo do tempo
1.000 anos são 50 gerações; em 100.000 anos, 5.000 gerações; em 300.000 É difícil determinar se a diversidade dos seres vivos tem aumentado
anos, 15.000 gerações. O número de gerações, em cada período de tempo desde o Cambriano até o presente. As rochas jovens devem estar mais
considerado, é mais do que suficiente para que tudo tenha ocorrido. preservadas que as rochas antigas e, consequentemente, a cobertura
geográfica de rochas jovens também deve ser maior. Por esse motivo, as
A qualidade do documentário fóssil formas mais recentes têrn maior probabilidade de serem encontradas do
que as mais antigas e isso deve ser levado em conta quando se analisam
Dada a quantidade de fatores que interferem na preservação dos quantitativamente as mudanças na diversidade ao longo do tempo geológico.
organismos é impressionante a qualidade do documentário fóssil. Mesmo O viés da amostra pode resultar em uma ilusão de aumento na diversidade,
assim, ele ainda é muito incompleto, pois o registro nas rochas e extremamente
do mais antigo para o mais recente, mesmo que a diversidade tenha
descontínuo e varia muito de uma região para outra. Muitas espécies
fósseis são conhecidas por restos de um único indivíduo, o que dificulta a permanecido constante, ou até diminuído.
determinação de seu nível taxonômico e dá uma ideia do vasto número de Afalha no documentário fóssil pode gerar um efeito chamado arrasto do
espécies que existiram e não deixaram registro. recente, quando se tenta quantificar a diversidade passada. Por exemplo,
Muito antes de Darwin e Wallace terem proposto a teoria de evolução todo organismo atual, do qual não se tem registro fóssil, é considerado
dos seres vivos, geólogos já haviam estabelecido a cronologia relativa dos recente. Se um grupo atual é conhecido atraves de um único fóssil, sua
períodos geológicos, com base no princípio da superposição — rochas mais amplitude geológica vem desde aquela época até o presente.
jovens são depositadas sobre rochas mais antigas. Somente em meados Decisões sobre a taxonomia também interferem na estimativa da
do século 20, quando a desintegração radioativa foi descoberta, tornou-se diversidade. Espécies, em paleontologia, são os fósseis reconhecidos como
possível obter a idade absoluta das rochas, o que contribuiu muito para a diferentes. Uma decisão subjetiva pode fazer corn que uma anagênese
melhoria das informações obtidas a partir dos fósseis.
seja interpretada como se uma espécie nominal (espécie para a qual foi
A datação radioativa baseia—se na meia vida do elemento estudado1 e a designado um nome científico) tenha se tornado extinta e outra tenha se
porcentagem dos elementos encontrados na rocha mede a idade da rocha. originado. Nesse caso, teríamos registros de eventos de pseudo—extinção
Para esta datação considera—se que é conhecida a frequência do elemento e pseudo—especiação, que não são o mesmo que extinção verdadeira,
aniquilação de uma linhagem, ou especiação. Por isso, em muitas análises
paleontológicas de diversidade há preferência pelo uso de gêneros ou outros
1. Cada elernento radioativo tra11snluta—sc a Luna Velocidade própria e característica. Meíafvida táxons superiores ao inves de espécies. Tal procedimento não elimina
é o tempo necessário para que a atividade radioativa seja reduzida à lllctadc da atividade os problemas porque os critérios para designação de gêneros e famílias
inicial. A meia vida do Carbonuf14 é de 5.730 anos; do Potássiof40, de 1,25 bilhões de anos;
distintos também são arbitrários e diferem de um grupo para outro, apesar
do Urânio—238 de 4,5 bilhões de anos. O Potássi0740 e () Urâniof-238 são muito usados para
datação de rochas. O Carbono-l4 (% mtlito usado para niatcrial orgânico, errlbora pelo período de os critérios frequentemente serern razoavelmente consistentes entre
da sua meiafvida ele não possa ser usado em Fósseis corn mais de 50 nail anos. pesquisadores de um mesmo grupo de organismo.
148 Cada Caso, Lim Caso..,Puro Acaso

Portanto, as taxas de origem e extinção calculadas a partir de ocorrências


fósseis dependem do nível taxonômico considerado e, geralmente, as taxas
de extinção flutuam menos, atraves do tempo, para táxons superiores que
0 Cenário da Evolução
para táxons inferiores. O termo táxon é usado no sentido de uma unidade
taxonômica indefinida, e pode se referir a qualquer grupo de espécies,
generos ou outra categoria sistemática qualquer. Galápagos1
"Não um Éden fundamentalista
A estimativa atual mostra que o número médio de espécies de Uma paisagem rude de rocha vulcânica/feita dela mesma e/rodeada pelo mar.
invertebrados marinhos no Paleozóico e Mesozóico era cerca de 40 mil e, Não um devaneio de moderada sombra,/regado por rios e murmurantes testamentos/
no Cenozóico, teria chegado a 240 mil. Além das ressalvas feitas sobre perfumado por flores de laranjeira/cheio de frutas, /para o homem só.
a maior probabilidade de preservação de organismos mais recentes em Muito mais velho que a lenda,/suas criaturas são únicas e maravilhosasj
relação aos mais antigos e sobre os critérios que a paleontologia considera assentadas não por comando,/mas porjulgamenro de gerações.
para descrever espécies fósseis, parece não haver dúvidas de que houve Escolhe suas próprias formas de vida,/admitidas pela sobrevivência,/'
um aumento do número de espécies nos últimos 100 milhões de anos. banidas pela morte, não pela desobediência.
No entanto, o fato de o número de espécie ter aumentado em seis Seus habitantes nunca foram assentados/perfeitos como Adão os entendeu!
vezes, talvez não signifique que tenha havido aumento de diversidade mas vieram de toda a parte e continuarão a vir/reconhecidos em todas suas alterações.
biológica nesse período pois, antes da extinção em massa do final da era Não como sonhado oásis/de um jardim oriental,/é um Éden diferente."

Paleozóica (período Permiano entre 280 a 240 milhões de anos atrás),
o número de filos era maior.
Meredith Carson

O estudo dos fósseis, apresenta-se como um enorme quebra—cabeça pois


cada fóssil novo, como uma peça do jogo, depois de colocado no que seria A vida se desenvolveu na Terra em condições ambientais e climáticas
o seu lugar, pode mudar a visualização do quadro. Ás vezes confirmando muito especiais, entre limites muito estreitos se comparados com o resto do
previsões e, às vezes, contrariando hipóteses. Universo. Quando se especula sobre a existência de vida em outro planeta,
devemos ter em mente que a vida, como a conhecemos, adaptada ao e
ambiente da Terra.
De uma maneira bem simplificada, pode—se afirmar que a evolução e
diversificação dos seres vivos sempre dependeram, a cada momento, das
modificações e das condições gerais do ambiente terrestre. As peculiaridades
ambientais de cada região e as alterações desses ambientes ao longo
do tempo, desde a origem do planeta, são os principais responsáveis
pela enorme diversidade biológica. Assim pensando, apresento algumas
características ambientais da Terra.

Agua em estado líquido


Tanto quanto se saiba, a Terra continua sendo o único local do Universo
onde existe água em estado líquido. A água fica em estado líquido entre

1. Galapagos/Not & fundamentalist's Eden./A rough landscape ()(/lava rock/miado otlt of itself:
and/stlrrounded by sea./l Not an idyll of tempered shadeJ watered by rivers and murmuring
testaments,/ fragrant with orange blossnms,/hanging with fruit,! for rnan alone./l Much older
than legend,/ its creatures are unique and woliderful,/ placed not by corn lnand,/ but by orde—
als of generationJ/ lt choses its own life foruns,/admitted by survival,/ cast out by death, not
disobedience.// its inhabitants were ncvcr placed/perfect as Adam] understood them/but carne
from everywhere and rriay still “be/named in all their Changingjl Not like the dreanied oasís/
of an Eastern garde11,/ it is a different Edcxi.

!d
ºln
L
Z
150 Cada Caso, um Caso.._Puro Acaso Capítulo 12 — O Cenário da Evolução 151

as temperaturas de OºC e 'ÍOOºC. Abaixo de OºC ela se solidifica e, acima


de “IOODC, evapora (esses limites podem variar um pouco, dependendo da Gravidade
pressão atmosférica). Como se sabe, a vida na Terra originou—se na agua No que se refere à gravidade terrestre, ela varia dependendo da
e nenhuma forma de vida sobrevive sem ela. altitude, pois é resultado da aceleração produzida em um corpo em queda
e diminui de maneira inversamente proporcional ao quadrado da distãncia
ao centro da Terra. Ao nível do mar, próximo a linha do Equador, 0 valor
Atmosfera e
da aceleração da gravidade de aproximadamente 9,816 mlsº. Como a
A atmosfera, que e a camada gasosa que envolve a Terra, dissipa—se força da gravidade e função do tamanho do planeta, na superfície lunar a
gradualmente a medida que nos afastamos da superfície da Terra, tornando gravidade e 1/6 da gravidade na Terra, Portanto, so planetas do tamanho
quase impossível estabelecer sua espessura e seu limite exato. Aestimativa
de seu
peso é em torno de 5 bilhões de toneladas, aproximadamente
da Terra têm gravidade aproximadamente iguais a ela.

um mllionesimo do peso da Terra. A densidade da atmosfera diminui


proporcionalmente em função da altitude: a 6.000m de altura é a metade Pressão atmosférica
da existente ao nível do mar; a 95.000m é um milionesimo da existente ao Pressão atmosférica e a força gerada pela força da gravidade que atua
nível do mar. sobre a atmosfera, em decorrência do seu peso e da sua densidade. O corpo
de todo organismo vivo, imerso na atmosfera, sofre a pressão atmosférica
Composição dos gases de fora para dentro e só não e esmagado porque há uma pressão de
dentro para fora que se iguala a ela. Assim, numa pressão atmosférica
, A atmosfera terrestre tem uma composição específica de gases que,
muito menor para a qual esta adaptado, qualquer organismo explode em
ate 25.000m de altitude,'é a seguinte:
decorrência da sua pressão interna. Os astronautas, quando saem de
Nitrogênio (NZ) 78,08ºÁ: suas naves espaciais, ou quando passeiam pela Lua, vestem uma roupa
Oxigênio O2 20.9570 hiperbárica que simula a pressão atmosférica exercendo pressão de fora
— Água H;,O 0 a 4%* para dentro. Pequenas variações na pressão atmosférica são suficientes
para gerar desconforto no organismo. Uma pessoa que viva a 1_000 m de
— Argônio Ar 0.93%
altitude tem problema de pressão arterial baixa quando se desloca para o
— Dióxido de carbono CO2 0.0360º/o* nivel do mar e, de pressão arterial alta, ao se deslocar para 2.000 m, em
Neon Ne 0.0018º/o decorrência da variação na pressão atmosférica.
Helio He O_OOOSº/o Os valores da pressão atmosférica nas diferentes altitudes, medidas
Metano (Dl—l4 0.00017º/o* pela altura de uma coluna de mercúrio (Hg) são os seguintes: a nível do mar,
Hidrogênio H2 O_OOOOS% ou O rn = 760 mm Hg; a 1.000 rn = 674 mm Hg; a 2.000 rn = 598 mm Hg;
a 3.000 m = 527 mm Hg.
Óxido nitroso N?O 013000371?“
Ozônio O3 O_OOOOO4%* Não é sem motivo que as equipes de futebol de regiões mais baixas
têm problemas quando jogam em maior altitude, principalmente acima de
*gases cujas quantidades são variáveis.
3.000 m, pois o ar é rarefeito, a bola fica mais leve, a pressão atmosférica
Temperatura e menor.
Em relação ã_ variação da temperatura ambiente, os lugares extremos Mas, o que representam 3.000 m, de altitude, em comparação com as
da Terra, onde eXIste vida, são: na Líbia, onde a temperatura máxima atinge distâncias do Universo?
58ºC e na Antártica, onde a mínima chega a ——89ºC_
Avariação de 147ºC entre a máxima, 58fªC, e a minima, —89ºC, e muito Composição química dos seres vivos
pequena se considerarmos a variação da temperatura no Universo, onde o Sol Os seres vivos são formados pelos elementos químicos que estavam
chega a 10.000_OO0.000ºC, e a temperatura média do Universo gira em torno de presentes na Terra ou chegaram aqui com os meteoritos, Todos os seres
—270ºC, muito perto do zero absoluto que é aproximadamente —273ºC. vivos têm a molécula da água como substância mais abundante em seus
152 Cada Caso, um Caso.,.Puro Acaso —
Capitulo 12 0 Cenário da Evolução 153

organismos. Ela corresponde a 70º/o do corpo humano, 75% das bactérias, os organismos tendem a ficar mais complexos, mais organizados e nesse
95% da folha de alface. processo consomem energia.
A composição atômica dos seres vivos também é admiravelrnente Aaparente ordern que encontramos na natureza é fruto da ação de forças
simples. Apenas quatro elementos químicos — carbono, hidrogênio, oxigênio fundamentais que, ao interagirem corn a matéria, permitem a organização da
e nitrogênio (CHON) — somam 99,9% da matéria viva. Estes elementos mesma. Avida somente conseguiu se desenvolver, há cerca de 3,8 bilhões
estão entre os cinco mais abundantes no Universo. O quinto elemento em de anos, a partir do momento que adquiriu a capacidade de transformar a
abundância é o hélio, que não faz ligações químicas. A bioquímica da vida energia do Sol em energia química, capaz de manter a organização vital.
é composta por combinações destes átomos, formando água (HZO), metano Há um consenso entre os pesquisadores de que desde a formação
(CH4), amônia (NH3), dióxido de carbono (CCZ), açúcares, proteínas, ácidos das primeiras moléculas orgânicas, das primeiras proteinas, das primeiras
graxos. Mesmo considerando a presença do fósforo e do enxofre e mesmo moléculas de RNA e de DNA, das primeiras células, essa tendência de
que muitas proteinas também tenham elementos metálicos e requeiram aumento de complexidade teve a influência de um processo muito semelhante
certos íons para funcionar, os elementos mais abundantes são, sem dúvida, ao da seleção natural que atua sobre as populações.
os mencionados anteriormente,
O fato de a vida ser composta pelos átomos mais amplamente Alimentação
encontrados no Universo é mais uma indicação de que ela é simplesmente
uma expressão da oportunidade e não um evento excepcional, e nem um A necessidade de alimento, como fonte de matéria—prima e de energia,
caso extraordinário feito com materiais raros. existiu desde as primeiras moléculas que se autoduplicaram. Os primeiros
seres vivos eram heterotróficos e só bem mais tarde evoluíram os autotróficos.
Heterotróficos são os organismos incapazes de transformar a energia do Sol

Tabela 12.1 Abundância de elementos químicos no Sol e estrelas, em meteoritos, bactérias e
mamíferos (em% de massa),
em energia química e, consequentemente, alimentam—se de matéria orgânica
na qual essa transformação já foi feita. Autotróficos são os organismos
Elernento Sol/Estrelas Cometas/meteoritos Bactérias Mamiferos capazes de transformar a energia solar em energia química, processo
qulmlco característico da maioria dos vegetais e de algumas bactérias.
Hidrogênio 73,4 56,00 63,00 61 ,00
Oxigênio 0,8 31 ,00 29,00 26,00 Os alimentos
Carbono 0,2 10,00 6,40 1 0,40
Podemos simplificar dizendo que existem 3 tipos de alimentos: os
Nitrogênio 0,09 2,65 1,40 2,30
Enxofre 0,05 0,25 0,06 0,13
plásticos ou estruturais, os energéticos e os reguladores. Alimentos plásticos
ou estruturais são as proteínas, tanto de origem animal como vegetal. As
Fósforo 0,0007 0,08 0,12 0,13
proteínas são sintetizadas pelos seres vivos, a partir de codificação contida
Total 74,54 99,98 99,98 99,96
no DNA de cada indivíduo. São macromoléculas formadas por agrupamento
de aminoácidos e nos organismos exercem várias funções vitais importantes,
O conceito de entropia como: estrutural, enzimática, hormonal, defensiva, nutritiva, de coagulação
Há um conceito da termodinâmica segundo o qual quanto mais organizado sanguínea e de transporte. Embora quimicamente existam mais de 500
um sistema, mais instável ele se torna e maior quantidade de energia é tipos de aminoácidos possíveis, apenas 20 são encontrados nos seres
necessária para manter a organização. Assim, a medida que o sistema vivos, E a possibilidade de arranjos desses 20 aminoácidos, que geram
se desorganize, libera energia e se torna mais estável. Essa tendência à infinitos tipos de proteínas.
desorganização é um fenômeno geral na Física e recebe a denominação Todo ser vivo necessita dos alimentos para nascer e para se manter
de entropia. Assim, quanto mais organizado for o sistema, menor será a vivo_Chamo a atenção apenas para os alimentos plasticos devido a sua
entropia e, complementarmente, quanto maior a desorganização, maior a função estrutural. É importante destacar que, desde a origem da vida, os
entropia. alimentos utilizados pelos seres vivos eram os que estavam disponíveis no
A manutenção da vida é um embate constante contra a entropia. ambiente corno, por exemplo, os aminoácidos, formadores das proteínas, que
A luta contra a desorganização e travada a cada momento pelos seres são encontrados em meteoritos. Todos os aminoácidos têm, basicamente,
Vlvos. Desde o momento do nascimento, e durante o desenvolvimento, a seguinte constituição química: um grupo carboxila (COOH) e um grupo
154 Cada Caso. um Caso_,.Puro Acaso —
Capítulo 12 O Cenário de Evolução 155

amina (NHZ), ligados a um átomo de carbono. Nesse mesmo carbono As exemplificações a seguir, embora simplificadas, podem expandidas ser
ficam ligados ainda um átomo de hidrogênio e um radical (R) orgânico que para todas as adaptações dos seres vivos, vegetais ou animais, ao ambiente
diferencia cada molécula dos vinte diferentes aminoácidos encontrados da Terra.
na matéria viva.
O código genético, contido no DNA de cada organismo, e que determina Os sentidos
quais os aminoácidos, em que ordem, e em que quantidade, darão origem as É através dos sentidos que o cérebro é informado sobre o mundo
proteínas de cada indivíduo. Assim, as células precisam de aminoácidos para exterior ao corpo. Desde o desenvolvimento embrionário_o cerebro recebe
sintetizar as proteínas. Os primeiros seres vivos obtiveram os aminoácidos
diretamente do meio ambiente,
estímulos que dão ao indivíduo a noção do mundo A estimulaçãoexterior:
se acentua após o nascimento, quando principalmente a Visao, as variaçoes
de temperatura, o olfato e o paladar também passam a atuar. O lnd'IVIduO
A digestão nasce sem informação externa e o cérebro tern de aprender,_ dos atraves
sentidos, sobre o ambiente qUe o cerca. Supondo que um individuo nasça
Quando uma célula, ao inves de obter aminoácidos do ambiente, ingere
outro organismo, recebe proteínas do outro organismo. Essas proteinas sem os sentidos, será impossível acessarseu cerebro. Como exemplo, Cito
os indivíduos da espécie humana que nascem surdos, que embora tenham
precisam ser decompostas para liberarem os aminoácidos para que a
célula possa produzir as próprias proteínas. A quebra das proteínas, nos a capacidade de emitir sons, portanto falar, são naturalmente mudos pelo
aminoácidos que a constituem, é o processo chamado digestão. O processo fato de não ouvirem.
de digestão está presente em todos os organismos; a maneira e os órgãos
responsáveis por essa função variam muito de um grupo para outro. Nos ºndas eletromagnéticas: a luz
vertebrados, o aparelho digestivo (boca, estômago, intestino e órgãos As ondas eletromagnéticas são uma forma de energia que se propaga
acessórios) realiza tal função. em ondas. Estamos imersos nessas ondas, tanto as naturais geradas no
Assim, quando um indivíduo ingere proteínas, a função da digestão espaço pelo Sol, pelas estrelas, pelos gases da atmosfera, pelas fontes
e' quebra—las nos aminoácidos que a compõem para que os aminoácidos terrestres (como as dos corpos aquecidos), quanto nas geradas pelo
possam ser reorganizados nas suas proteínas de acordo com o seu código Homem através das lâmpadas, estações de rádio e de TV, Sistemas de
telecomunicações a base de micro—ondas, telefonia celular.
'

genético. Quando um animal ingere proteínas vegetais, após a digestão


ele será capaz de sintetizar proteínas animais. É o que acontece com os As ondas eletromagnéticas têm uma velocidade aproximada de 300.000l<m
animais exclusivamente herbívoros ou vegetarianos. No caso do Homem, por segundo, propagam—se em linha reta num homogeneo e meio tarnbem
quando come carne de frango, por exemplo, as proteínas são quebradas e no vácuo, Elas podem variar quanto à frequênCia, que e a medida do
ele sintetiza proteínas humanas, 0 que vale para qualquer proteina ingerida
de origem animal ou vegetal. Por mais carne de frango ou carne de vaca
intervalo de tempo em que uma onda passa duas vezes
pelo_r_nesrn_o ponto
do espectro, e quanto ao comprimento, que pode variar de milionesn'nos de
ou proteína vegetal que seja ingerida por um individuo, ele não ficará com milímetros ate muitos metros, dependendo da fonte que as gera.
aspecto de frango, ou de vaca, nem verde.
Comprimentos de onda do espectro de radiação eletromagnética:
Portanto, mesmo bilhões de anos após a origem da vida, com toda a
evolução dos seres vivos, geradora da diversidade que se conhece, com — Ondas de rádio = > que 10 cm.
toda a complexidade e diferenciação celular dos organismos pluricelulares, — Micro—ondas = 10 cm a 0,1 mm.
a alimentação continua baseada nos mesmos elementos disponiveis desde Infravermelho = 0,1 mm a 780 mp2.
a origem da Terra e presentes nos meteoritos.
A

l_uz visível = 780 a 380 mp.


_
=

Uãtravioleta = 380 rnp a 10 A.


Percepção do ambiente — Raios X 10 Aa 0,1 A.
Além do exemplo de adaptação na Terra, dado sobre alimentação,
— Raios Gama < que 0,1 A.
apresento também como exemplo os sentidos dos animais em geral, e do
Homem, em particular. Visão, tato, olfato, paladar e audição são os principais
2. 1 nuicrômetro (p), antigarnente chamado de nuicron, é igual a 0,001 de 1 milímetro (Iru—An); ].—
sentidos dos animais que se diferenciararn e se adaptaram em função das nanômetro (IDH ) é igual a 0,001 (uln rnilésimo) de 1 mícrôxiletro; ] Angstron] (Á) c Igual a
=

características físico/químicas dos ambientes existentes na Terra. 0,1 (UIT) décimo) de 1 nanôrnetro. Assim, 7800 A é igual a 780 rnp e 3800 Á c lgual :] 380 mg..

I
156 Cada Caso, um Caso._.Puro Acaso Capítulo 12 0 Cenário da Evolução
= 157

Dentro do intervalo desse espectro, os seres vivos são capazes de recebem e refletem; a convenção foi feita considerando—se que eles são
perceber, através de estruturas sensoriais, as ondas com escala entre o iluminados pela espectro da luz solar. Um objeto que pareça branco sob
infravermelho e o ultravioleta. As ondas eletromagnéticas dentro dessa faixa luz solar, pode parecer vermelho sob uma luz vermelha. Animais que não
de comprimento de onda são chamadas de luz. A capacidade de percepção têm capacidade de distinguir cores, têm uma visão dos objetos em preto
é diferente de organismo para organismo, variando nos seres vivos desde e branco, com as nuances do cinza. Vários grupos de insetos, como as
simplesmente distinguir claro de escuro até ver as imagens através das ondas abelhas do gênero Apis, por exemplo, conseguem Ver as ondas ultravioleta
refletidas nos objetos. Os diversos organismos desenvolveram diferentes e outros conseguem ver as ondas infravermelhas.
estruturas para percepção dessas ondas de luz, entre elas a capacidade das
plantas terrestres ern crescerem em direção a luz (fototropismo positivo), A capacidade de ver a luz é uma adaptação a radiação solar e, da forma
os olhos facetados dos insetos, os olhos dos vertebrados, especialmente como a vida evoluiu, perceber a luz sempre foi um fator altamente adaptativo.
das aves e dos primatas. A pressão de seleção para o aprimoramento da visão depende muito do tipo
de vida e do ambiente em que o organismo vive, sendo muito mais forte
As fontes mais importantes de luz são os corpos incandescentes, sendo
o principal deles o Sol, cuja superfície emite radiação através de todo o
entre animais arbóreos ou que voam, como as aves, do que em animais
espectro eletromagnético, porém sua radiação mais intensa está na região terrestres, como os tatus. Problemas visuais, que para algumas espécies
que definimos como luz, sendo o pico do espectro proximo a 550mp.
são banais, podem ser letais para outras por dificultarern a sobrevivência
na natureza, como um chimpanzé míope, por exemplo. Portanto, mutações
O fato de o pico do espectro solar estar dentro da faixa eletromagnética para miopia, em chimpanzés, podem ser fatais e, como consequência, os
chamada de luz, sugere que os organismos em geral e, especialmente os chimpanzés, que sobrevivem, têm visão muito boa. No caso da espécie
olhos dos insetos e dos vertebrados, incluindo os do Homem, adaptaram— humana, em decorrência do aprendizado cultural que tornou possível o
se para perceber o espectro de radiação das ondas eletromagnéticas mais desenvolvimento de lentes corretivas, a miopia deixou de sofrer pressão de
frequentes emitidas pelo Sol. seleção e, como consequência, houve um grande aumento da variabilidade
Dentro do espectro de luz visível, alguns animais, inclusive o Homem, desse caráter nas populações.
conseguem distinguir as diferentes frequências, as quais, por convenção,
são chamadas de cores e, conforme o comprimento da onda, é a cor que
enxergamos. Comprimentos entre:
A percepção de ruídos
As ondas sonoras propagam—se no ar e em outros meios materiais,
380 a 440 mp = violeta;
sendo transmitidas através de vibrações moleculares, fazendo corn que
=

— 440 a 490 rnp = azul; elas se propaguem mais rapidamente em sólidos do que em líquidos e, em
— 490 a 565 mp = verde; líquidos, mais rapidamente do que nos gases. Corno as ondas se propagam
— 565 a 590 rnp = amarelo; por vibrações moleculares, não se propagam no vácuo. Diferentes da luz
— 590 a 6130 mp = laranja; que se propaga em linha reta, as ondas sonoras propagam—se pelas três
dimensões conhecidas, são tridimensionais.
— 630 a 780 mp = vermelho.
Éevidente que, embora tenham sido estabelecidos limites para cada As ondas sonoras podem variar de frequência e a audição dos humanos
cor, a variação é contínua e a percepção dos limites não é igual para todos é capaz de captar ondas que variam de 20 a 20.000 Hz. Sons abaixo disso
os indivíduos. Desde criança aprendemos o nome das cores observadas são chamados infrassons e, acima disso, ultrassons. Varios animais ouvern
nos objetos embora não seja possível saber se, a cor que um individuo sons além do limite humano, como os cachorros e os morcegos que ouvem
vê, é a mesma que o outro vê. A diferença de percepção se acentua nas o ultrassom. Entre indivíduos da espécie humana existe variabilidade quanto
cores situadas no limite de transição, como um verde azulado, ou um verde a sensibilidade ao espectro de som.
amarelado, ou um laranja avermelhado.
As ondas sonoras certamente existiarn nessas frequências desde
Um objeto é visto como preto quando absorve todas as ondas do a origern da Terra e a capacidade de percebê—Ias evoluiu de diferentes
espectro; é visto como verde quando absorve todas as ondas, menos forrnas nos diversos grupos animais, sendo uma característica adaptativa
o verde, que é refletido; é visto como vermelho quando só não absorve importante. Vários grupos animais não tem um órgão específico como o
o vermelho; quando o objeto reflete todas as ondas do espectro, é visto ouvido para captar as ondas sonoras, como os insetos, por exemplo, que
como branco. Todas as cores de objetos dependem da radiação de luz que captam o som através da vibração de cerdas.
158 Cada Caso, um Caso,.lªuro Acaso Capítulo 12 O Cenário de Evolução
, ,
159

A percepção do som, assim como a da luz, ajuda os organismos a


entenderem o que está acontecendo ao seu redor, mesmo não sendo Percepção táctil
tocados fisicamente. O tato informa ao cérebro sobre o que esta' em contato com o corpo
como a temperatura ambiente, as superfícies que estão sendo tocadas,—a
O olfato pressão da gravidade, as dores. Ao contrário dos sentidos anteriores, nao
existe um órgão específico para o tato e seus terminais nervosos
estao
e
O sentido do olfato chamado de sentido químico porque seus receptores espalhados por todo o corpo, principalmente próximos a epiderme: Fielas
nervosos são excitados por estimulantes químicos voláteis existentes no funções básicas exercidas, está claro que e importante paraa sobreVIvenCIa
ar. Corno ja foi comentado, o olfato não e muito desenvolvido nos Primata, dos indivíduos e também está ajustado as condições ambientals da Terra.
porém, nos animais que vivem sobre o solo, o olfato complementa a visão e Porém, sua importância e sua função podem variar de organis—mo para
a audição na percepção do ambiente, ao permitir que se perceba o cheiro de organismo, como nas cobras, que têm sensores de calor
para local_|zar suas
substâncias voláteis. A capacidade de sentir e distinguir cheiros varia muito presas. É também um sentido importante em organismos nos quals a Visao
não só entre indivíduos de uma mesma espécie, mas, principalmente, entre não é eficiente, como em animais que vivem sob a terra, em cavernas, ou
espécies diferentes e grupos diferentes, sempre em função do ambiente em em animais aquáticos, substituindo ou complementando a audição.
que vivem. Por exemplo, substâncias que para o Homem são consideradas
inodoras, como a água é percebida pelo olfato dos cachorros, ou o gás A vida está adaptada ao planeta Terra
carbônico (COZ) percebido por pernilongos hematófagos,
De acordo com as informações deste capítulo, pode—se deduzir que,
Para a sobrevivência de um animal terrestre, a audição e o olfato são desde a origem da vida, todos os organismos e todas as populações de
tão ou mais importantes que a visão, seja ele predador ou presa e, portanto, organismos foram e estão sendo selecionados para sobreVIverem nas
estão sempre sob forte pressão de seleção. condições ambientais da sua área de ocorrência. Fica claro, porta_nto, que
toda a vida na Terra está adaptada às condições ambientais atuais dessa
fina camada da superfície da Terra onde, na existência de ãgua,_tanto a
O paladar composição química da atmosfera, quanto a temperatura, a graVIdade e
Ligado a ingestão dos alimentos, o paladar também é um sentido químico a pressão atmosférica variam dentro de urna escala
munto pequena, se
porque os receptores gustativos localizados na língua são excitados por comparados com as variações encontradas no Universo.
substâncias químicas existentes nos alimentos e informam ao cérebro o
Conclusão: a vida, na forma que conhecemos no planeta Terra, está
sabor do que está sendo ingerido. Os três sabores básicos são doce, azedo
restrita a esse ambiente.
e salgado, mas a combinação deles permite uma enorme gama de percepção
de diferentes sabores. No cérebro, o sabor do alimento se completa com
a combinação dos estímulos do paladar e do olfato.
Da mesma forma que para os demais sentidos, os indivíduos aprendem
sobre o sabor das substâncias depois que nascem e, embora existam
diferenças genéticas individuais sobre preferências, elas são muito
influenciadas pelo condicionamento. Diferentes hábitos alimentares, nas
diversas culturas humanas, estão muito mais ligados à disponibilidade de
alimentos do que por opção de sabor.
O prazer da alimentação é um forte estímulo para que o animal busque
alimentos fundamentais para a sobrevivência. E, tanto a capacidade de
buscar alimentos quanto a de distinguir o sabor de um alimento inadequado
são fatores importantes para a sobrevivência dos indivíduos.
Tudo o que os animais ingerem, salvo raras exceções como o sal, tem
origem orgânica e certamente o paladar dos animais foi selecionado e
ajustado para gostar de comer o que existe como alimento na Terra.
A Distribuição dos
Seres Vivos na Terra
A pergunta: — Analisando o mundo biológico, o que pode
ser aprendido acerca de um Criador? —
J.B.S Haldane respondeu: “— Ele tem um enorme gosto por besouros."

Biogeografia e o estudo do padrão de distribuição dos seres vivos na


Terra. Para a maioria das pessoas, ao pensar sobre esse assunto, a primeira
e
lembrança a da distribuição geográfica dos organismos terrestres, e
dentre eles a dos animais; dentre os animais, a dos vertebrados e dentre
estes, os mamíferos, provavelmente por sua maior visibilidade. No entanto,
ao pensarmos nos mamíferos, estamos pensando numa ínfima parte das
espécies que existem na Terra. Só entre os animais de ambiente terrestre,
a quantidade de invertebrados, como os artrópodes (insetos, aracnídeos,
crustáceos), os vermes (anelídeos, nernatelrnintes), os moluscos (lesmas,
caramujos), e muitas vezes maior do que a dos vertebrados.
No grupo dos artrópodes, só a classe dos insetos, o grupo animal mais
diversificado existente na Terra, possui mais de 800 mil espécies descritas,
o quejá é um número maior do que o de todos os outros grupos de animais
juntos. Existem estimativas de que esse número de espécies descritas
ainda não representem nem '1/4 de todas as espécies existentes. Dentro
da classe dos insetos, a ordem Coleoptera (besouros e afins) a maior,e
com cerca de 350 mil espécies descritas.
Ern ambientes terrestres, alem dos animais, existem os vegetais, divididos
em plantas superiores e plantas inferiores, os fungos, os micro—organismos,
as bactérias. Vivendo em áreas continentais, existem ainda os organismos
aquáticos, de rios e lagos e cuja distribuição geográfica está limitada aos
continentes, por dependerern da água doce.
Além da vida em áreas terrestres, existem as de area marinha e, diante
da enorme diversidade de vida dos oceanos, a presença de animais e plantas
que evoluíram em ambientes terrestres como os insetos, os anfíbios, os
répteis e os mamíferos é insignificante. Todas as areas oceânicas do planeta
se intercomunicam, de maneira que, teoricamente, ao contrário dos animais
terrestres, os organismos marinhos deveriam ter o poder de deslocamento
para todas as regiões da Terra. No entanto, são poucas as espécies que
se deslocam por todos os oceanos pois, embora a distribuição das águas
seja contínua, os continentes constituem barreiras físicas que, para serem

d
lm
º
H
162 Cada Caso, um Caso,.,Puro Acaso Capitulo 'I 3 A Distribuição dos Seres Vivos na Terra
a 163

contornadas, exigem que os organismos enfrentem situações ecológicas de vida também são monofileticas, ou seja, todos os vertebrados terrestres
muito adversas, especialmente de temperatura. Por exemplo, a distribuição
% atuais são descendentes da população dos primeiros vertebrados que
'

norte—sul das Américas faz com que um organismo marinho, para migrar do conseguiram sobreviver fora da água como anfíbios primitivos. Da mesma
Oceano Atlântico para o Oceano Pacífico, tenha de contornar as Américas forma, todos os insetos atuais, das primeiras populações de artrópodos
pelos polos, onde as temperaturas são extremamente baixas, A abertura que sobreviveram fora da água; assim, segue—se o mesmo raciocínio para
do canal de Panamá no início do século 20 permitiu que muitos organismos os demais organismos terrestres, animais ou vegetais.
marinhos migrassem entre os oceanos Atlântico e Pacífico, quebrando um
A afirmação de que os grupos são monofiléticos significa que, pelo fato
isolamento de mais de 3 milhões de anos.
de os ambientes terrestres serem descontínuos, uma espécie que evolua
num continente, sÓ estará presente noutro continente, se migrar ou for
A vida em ambientes terrestres levada de alguma forma para lá. Ou seja, o fato de uma espécie, ou um
Apesar de a maior diversidade da vida estar nos oceanos, falo da grupo taxonômico, estar em dois continentes diferentes não é decorrente
do fato de terem surgido duas vezes, de forma independente, em cada um
Biogeografia terrestre por ser mais visível e ainda apresento apenas alguns
dos continentes.
outros aspectos, os que fazem conexão direta entre a Biogeografia e o
estudo da evolução biológica. Considerando essas premissas, discuto a distribuição dos seres vivos
atuais nos continentes.
O ambiente da Terra sofreu mudanças muito grandes desde sua origem,
em decorrência de influências astronômicas e da dinâmica da própria Terra.
Devem ser destacadas também as alterações decorrentes das atividades dos Padrões de distribuição geográfica de fauna e flora
organismos vivos. Antes da origem da vida e, provavelmente, por um tempo
Aos padrões biológicos de uma área geográfica, da—se o nome de fauna,
posterior considerável, a Terra apresentava uma atmosfera reducional, sem
ou de flora, que significa um conjunto de linhagens evolutivas vivendo em
oxigênio livre e essa condição só mudou após a evolução dos organismos
uma determinada região. A determinação de área pode receber o nome
fotossintetizadores, há cerca de 3,2 bilhões de anos, cujos resíduos
de ecossistema, que é uma paisagem determinada por características
metabólicos transformaram a atmosfera de reducional a oxidante. Nos
geoclimáticas conhecidas. Existe também o termo bioma, que se refere a
continentes, como produto de comunidades de vegetação terrestre, os solos
um ecossistema que tenha nome próprio.
orgânicos surgiram no Siluriano, há cerca de 438 milhões de anos. Também
a distribuição dos mares e das massas continentais mudou drasticamente Conjuntos paisagísticos relativamente homogêneos são considerados
durante o tempo geológico por efeito da tectônica de placas. biomas. São fisionomias ocupando áreas relativamente contínuas, regionais
e são unidades úteis como foco de políticas conservacionistas. Podemos ter
ecossistema de floresta pluvial tropical, corno, por exemplo, os biomas: — da
Relação ancestral/descendente dos seres vivos Floresta Atlântica, da Floresta Amazônica, da Floresta do Congo.
Quando se pensa nos seres vivos atuais, deve—se lembrar que a
Os domínios morfoclimáticos são representações de biomas. São
atual distribuição geográfica deles depende de razões históricas, como a
unidades definidas pela superposição de variáveis geográficas, como
posição, a forma e o isolamento entre os continentes, que foram alterados
vegetação, geomorfologia, hidrologia, paisagem. Para o Brasil foram
ao longo do tempo geológico, alem do clima quejá sofreu várias e grandes
definidos os domínios do Cerrado, da Caatinga, da Amazônia, da Mata
mudanças desde a origem da Terra. Como exemplo, só no Plioceno Superior,
Atlântica, entre outros.
aproximadamente há 3,5 milhões de anos, e que a America do Sul foi ligada
a América do Norte, pela formação da America Central. Em geral, o que determina a distribuição e os limites de um ecossistema,
ou de um bioma, e o clima e considerando—se todas as áreas continentais,
A seguir, será tomada como base de raciocínio a premissa de que
a ocorrência dos biomas e previsível porque eles localizam—se por zonas
a origem da vida é monofiletica, ou seja, todos os seres vivos atuais
de latitudes diferentes que se sucedem à medida que nos afastamos da
descendem do primeiro organismo que adquiriu a condição de ser vivo, e
linha do Equador em direção aos polos. A principal causa dessas zonas,
que, em decorrência, existe uma relação ancestral/descendente entre os
alem da temperatura, é o padrão de circulação dos ventos, os quais
seres vivos atuais e a primeira forma de vida.
determinam, a grosso modo, em todo o planeta, onde chove, quando chove
Como a vida surgiu na agua, todas as diferentes formas de vida terrestre e o quanto chove. A ocorrência de biomas em locais não previstos pela
descendem e evoluiram a partir de ancestrais aquáticos e todas essas formas localização geográfica planetária pode ser devida a solos diferenciados por
164 Cada Caso. um Caso...F'uro Acaso Capítulo 13 —A Distribuição dos Seres Vivos na Terra 165

permeabilidade de água; por deficiência de nutrientes vegetais; por padrões (Hemidactylus mabuia), a ratazana (Rattus norvegicus), o rato (Rattus
anormais e locais de circulação dos ventos; por diferenças de altitude; por rattus), o camundongo (Mus museu/us), a barata (Periplaneta americana).
proximidade com oceanos. Existem outros exemplos de dispersão feita de modo não intencional pelo
Homem bem como muitos exemplos de dispersão intencional envolvendo
Como cada bioma e único em suas características físicas e em sua origem
histórica, cada fauna e cada flora que habita os diferentes biomas é também plantas e animais, a maioria deles com objetivos alimentares, econômicos
e decorativos. Muitas das minhas conversas com um amigo indiano eram
única. Não existem réplicas dos biomas, Não existem réplicas de fauna e flora.
Porém, dada a proximidade geográfica e aos isolamentos, a fauna terrestre
sobre as plantas (árvores, legumes, frutas, ervas) que os portugueses
trouxeram da Índia para aAmérica do Sul e que levaram daqui para a Índia.
apresenta alguns grandes padrões de estrutura que foram observados pelos
pesquisadores desde o início das grandes navegações. Foi um trafico intenso.
Este tráfico de espécies, introduzindo organismos de uma região
Endemismo e dispersão biogeográfica para outra, e considerado uma das piores alterações e
ingerências feitas pela espécie humana nos ambientes naturais da Terra.
Quando uma espécie ocorre apenas em uma região da Terra, diz—se As consequências dessa atividade para o equilíbrio biológico da natureza
que é endémica daquela area. Por exemplo, os cangurus são endêmicos variam desde inócuos até muito grandes, embora, muitas vezes, os prejuízos
da Austrália, os pinguins são endêmicos da Antártica, ajabuticabeira e uma tanto financeiros como ambientais sejam difíceis de serem avaiiados por se
árvore endêmica do Centro—Oeste e Leste do Brasil. Toda espécie inicialmente tratarem de eventos únicos. Por esse motivo as introduções são chamadas
e endêmica no seu local de origem, mas, se seus indivíduos conseguirem por alguns de invasões e de acordo com dados da União Internacional para
dispersar, podem passar a habitar outras áreas, ampliando o território de a Conservação da Natureza (IUCN), as espécies invasoras representam a
distribuição. Se essa dispersão levar a espécie a ocupar mais de uma zona segunda maior ameaça a biodiversidade em todo o planeta, só perdendo
biogeográfica ou mais de um continente, podera ser considerada como
para os desmatamentos. Conto rnais algurnas histórias para ilustrar melhor
semicosmopo/ita e, ao passar a habitar a maioria dos continentes, atinge o problema causado ao ambiente natural pela espécie humana.
o estagio máximo de dispersão, tornando—se cosmopolita. São poucas as
espécies que se tornaram cosmopolitas por dispersão ativa. Uma delas e Amosca—do—chifre (Haematobia irritans), de origem africana, foi introduzida
a espécie humana. no Brasil na década de 1970, provavelmente junto com vários outros
organismos, que foram trazidos acidentalmente corn a grande migração
Um caso recente e muito interessante de dispersão ativa foi a da pequena
de familias que fugiram por causa das guerras e revoluções em Angola e
garça—do—gado (Bulbucus ibis), originária da África. Essa garça alimenta—se
principalmente de ectoparasitas (principalmente carrapatos) de ungulados Moçambique. A partir da década de 1980, a mosca—do—chifre passou a ser
considerada problema para a pecuária bovina a qual, por sua vez, também
(denominação para os mamíferos corn casco, como búfalos, zebra, veado,
gnu). Por isso, adaptou—se muito bem ao gado bovino doméstico. Sua e introduzida no Brasil. Esta mosca é hematófaga e, como o nome científico
dispersão já atingiu o Oriente e a Austrália. A ocorrência nas Américas foi sugere, produz, além de risco de infecções secundárias ao causar lesões
nas picadas, muita irritação no gado, causando uma redução na produção
registrada, pela primeira vez, em 1880 na Guiana Inglesa; em 1917 na
Colômbia; em 1948, na America do Norte, onde, em 30 anos, tornou—se de leite ou de crescimento e engorda dos animais. Os ovos da mosca são
a garça mais frequente, tendo atingido o Canadá em 1962. No Brasil, o depositados nas fezes do gado, onde se desenvolvem até adultos. Para
primeiro registro foi em 1964, na ilha de Marajó, entre os búfalos, de onde tentar controlar essa praga, foi introduzido, intencionalmente, no Brasil um
ela se dispersou por todo o Brasil, tornando—se abundante, já tendo chegado besouro (Coleoptera: Onthophagus gaze/Ia ou Digitonthophagus gaze/la)
a Patagônia. Na minha infância e adolescência essa garça não existia no cujo nome popular é rola—bosta. Este besouro, de origem africana, retira
interior do Estado de São Paulo. Gosto de contar que acompanhei a sua pequenas porções das fezes e as [eva, rolando, até um buraco previamente
chegada na região porque não e sempre que se testemunha um evento cavado, deposita a porção de fezes, bota seus ovos e cobre com terra.
biológico dessa natureza e proporção. Essa atividade é importante no processo de decomposição das fezes de
bovinos e há muito tempo o besouro tem sido introduzido para ajudar na
decomposição das fezes, em áreas onde os bovinos foram introduzidos.
A invasão de espécies exóticas A atividade do besouro afeta a reprodução da mosca—do—chifre e tem bom
A maioria das espécies cosmopolitas atuais sofreu dispersão passiva, efeito no controle da praga. Porem, recentemente foi detectado que, quando
ou seja, foram levadas pelo Homem para outros lugares. Como exemplo excretados pelas fezes, alguns biocidas usados nos bovinos, para combater
temos as que viajaram nos navios, sem serem convidadas, como: a lagartixa outros parasitas, ainda têm atividade letal contra o rola—bosta, o que está
166 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capítulo 13 —-A Distribuição dos Seres Vivos na Terra 167

complicando o controle da mosca—do—chifre. Na Austrália, onde os bovinos como a da cana—de—açúcar, de soja, de frutas, de café, com custo de
também foram introduzidos, a decomposição das fezes também virou combate muito alto.
problema e o rola—bosta também foi introduzido para ajudar na solução. Não são apenas os organismos africanos que são introduzidos aqui. A
mosca varejeira, ou mosca da bicheira (Cochliomyia homnivorax), originaria
das Américas também foi introduzida acidentalmente na África, mais
precisamente na Líbia, onde passou a ser uma praga grave.
Peixes de água doce — na prática, os peixes, restritos a ambientes
aquáticos, não têm capacidade de migrar de uma bacia hidrográfica para
outra. No entanto, cito apenas alguns exemplos do que foi feito com os
peixes no Brasil: introdução de Tilapias de origem africana na década de
1950; introdução de espécies de uma bacia hidrográfica para a outra,
especialmente para *os lagos artificiais das hidrelétricas, sendo o mais
conhecido o tucunaré. As consequências são conhecidas.
O caramujo africano (Achatina fuiica): — introduzido em 1988, sem
Figura 13.1 — Rola—bosta. autorização formal, em uma feira agropecuaria no estado do Parana.
Naquela ocasião foram vendidos kits contendo matrizes dos caramujos com
instruções de criação e promessa de lucro fácil e imediato, pois podendo
Alguns anos depois, foi verificado que o sapo Bufo marinus, originário da
atingir 15 cm de comprimento e 8 cm de largura, e já ser consumido como
Amazônia (onde é conhecido pelo nome de sapo—cururu, mede de 10 a 20 cm alimento na África, substituiria o scargot. Como a previsão de lucro não
de comprimento e chega a pesar 2 kg) e que foi introduzido intencionalmente se concretizou, os criadores soltaram os animais. Vinte anos depois, este
na Austrália para comer um besouro (Dermo/epida aibohirtum) praga de
caramujo é considerado praga agrícola em 23 dos 26 estados brasileiros
cana—de—açúcar, está ameaçando os rola—bostas. e e um risco potencial para transmissão de algumas doenças parasitárias
A introdução do Bufo marinus em território australiano é outra história graves, cujos agentes usam o caramujo como estágio intermediário de
incrível pois, tendo sido introduzido em '1 935, atualmente é um problema sério desenvolvimento. Na África, local de origem, ele não é praga porque existem
na Austrália. Além de não ter resolvido o problema para o qual foi introduzido, patógenos, como bactérias, fungos e parasitos, que realizam o controle
adaptou—se muito bem ao ambiente australiano e, sem predadores naturais, natural dessa população.
sua população continua crescendo incrivelmente. Por ser onivoro (come de As consequências para a natureza, da introdução de minhocas, feitas
tudo) se alimenta de insetos, plantas, algas, pequenos vertebrados, ração de a partir da decada de 1980, ainda não foram avaliadas. O objetivo da
cachorro, e se transformou em ameaça, como predador, para várias espécies introdução e a produção de húmus fertilizantes e para servir de isca para
locais. Não tem inimigos naturais na Austrália e possui glândulas venenosas, pescadores, e elas são soltas, frequentemente, em ambientes naturais. As
para cujo veneno os organismos australianos não estão adaptados. Terri espécies introduzidas são: l_umbricus rubellus (“California—red”) e Eudrilus
causado a morte de muitos indivíduos de espécies endêmicas australianas eugeniae (“african nightcrawler").
que tentam ataca—lo, tais como várias espécies de cobra, crocodilos de água O principal problema de introdução de espécies exóticas é que toda espécie,
doce, lagartos e o marsupial carnívoro Western quo” (Dasyurus geofãfroii). em seu lugar de origem, e resultado de milhares de gerações de adaptações
Alem de tudo isso, este sapo ainda está acabando com o rola—bosta. que envolveram sua sobrevivência, o que supõe certa harmonia entre ela e
Outra historia e a da introdução de plantas africanas para servirem de suas fontes de alimento, entre ela e seus predadores e parasitas, Os exemplos
pastagem no Brasil, como o capim elefante (Pennisetum purpureum) e a dados mostram que, quando da introdução de uma especie, esse equilíbrio e
braquia'ria (Brachiaria decumbens). A braquiãria, semeada inicialmente quebrado no local de introdução e as consequências, na maioria das vezes,
em pastos, adaptou—se muito bem ao nosso ambiente e e hoje a gramínea são imprevisíveis. Sobre introduções, costumo comentar que introduziram o
eucalipto aqui e esqueceram de introduzir o koala para comê—lo... introduziram
predominante nas pastagens do país. Mas, sempre existem porens quando
o capim—elefante e esqueceram de introduzir o elefante...
são introduzidos organismos exóticos. A braquiãria escapou do controle dos
pastos e hoje é uma das ameaças aos ambientes naturais, principalmente A lista de espécies introduzidas e que viraram problemas e enorme. Há
do cerrado e campos de altitude (campos rupestres) e praga em culturas registro de introduções intencionais feitas por turistas, migrantes, produtores
168 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capítulo 13 —A Distribuição dos Seres Vivos na Terra 169

particulares, por razões diversas, e por agrônomos ou biólogos, com a [ “&


justificativa de tentar resolver a fome no mundo.
As mesmas preocupações dos ambientalistas em relação às
espécies invasoras se estendem a introdução, na natureza, de plantas
transgênicas.1

Regiões biogeográficas
Alfred Russel Wallace foi quem primeiro definiu as regiões biogeográficas
da Terra. A diferenciação das populações ao longo da distribuição geográfica
tem muito a ver com o processo evolutivo dos seres vivos e não e de
se estranhar que o primeiro a definir as regiões tenha sido exatamente
o pesquisador que propôs a teoria da evolução, pela seleção natural,
juntamente com Darwin.
Wallace, em 1876, definiu seis regiões bíogeográficas, as quais, a grosso
modo, são aceitas até hoje. As regiões são: —
Figura 13.2 Regiões biogeográficas da Terra estabelecidas por Wallace: I. Paleártica; ll. Etiópica;
III, Oriental; IV. Australiana; V. Neártica; VI.NeotropicaI.
! Paleãrtica (Europa, Ásia — rnenos a região sul, da Índia até a China — e o norte
da África);
Il Etiópica (toda a África, menos a sua região norte);
Ill Oriental (sul da Ásia, incluindo a Índia, e parte da Malásia e indonésia): aº]? ;+A
IV Australiana (parte de Bornéu, Nova Guiné, Austrália e Nova Zelandia);
V Neãrtica (norte do México, Estados Unidos, Canadá e Groenlândia);
Vl Neotropical (América Central e do Sul).
Na época em que tal divisão foi proposta, a ideia dominante era a de que
os continentes terrestres erarn fixos e que, desde a origem da Terra, teriam
a mesma posição atual. Assim, os critérios para a determinação dos limites
de cada região biogeográfica da Terra Ievararn em consideração apenas
a composição faunística e florística de cada região, com muita dificuldade
para tentar explicar a origem dos padrões.
Considerando os continentes como fixos em suas posições atuais, havia
dificuldade para explicar uma enorme série de distribuições geográficas
complexas de grupos de organismos. Por exemplo, como explicar a fauna
exótica da Austrália, bem como a ocorrência de animais filogeneticamente
muito próximos, localizados em continentes muito distantes? É o caso da
distribuição geográfica da anta sul—americana (Tapirus terrestris) e o tapir
malaio (Tapirus indicus); das aves ratitas, como a avestruz (África), o emu
(Austrália), o casuar (Austrália e Nova Guiné), o kiwi (Nova Zelândia), a
ema e o inhambu (America do Sul); o inharnbu e o único com capacidade
de voar, embora sejam voos de curta distãncia.

1. Para Jªmais irxforn-iações sobre espécies invasoras no Brasil, consultar os excelentes artigos
publicados na revista (Íiência & (Cultura, 61 (1) 2009 (http:/Ícícnciaecultura.bvs.br). Figura 13.3 —Aves ratitas atuais: 1: avestruz; 2; ema; 3: inhambu; 4: emu; 5: casuar; 6: kiwi.

,'
Capítulo 13 —A Distribuição dos Seres Vivos na Terra
170 Cada Caso, um Caso.,.l=uro Acaso

Deriva continental O deslocamento histórico dos continentes atuais


Ao fenômeno de deslocamento dos continentes foi dado o nome de
A hipótese de que os continentes não são fixos em suas posições foi
deriva continental que, em essência, e o seguinte:
formalmente proposta, pela primeira vez, porAlfred Wegener, pesquisador
alemão, em 1912. Muito contestada na época, a hipótese só foi retomada = há aproximadamente 250 milhões de anos (no final do Triássico), em
na década de 50 e, confirmada, a partir de 1962. decorrência de deslocamentos anteriores, todas as terras acima do nível das
aguas formavam uma Única massa continental, chamada Pangeia (pan do
O ponto crucial para o desenvolvimento da teoria da Deriva Continental grego = amplo, extenso + geo do grego = terra), circundadas por um único
que, em sua essência, significa movimentação dos continentes, ou ainda oceano chamado Pantalassa (do grego tha/asso = mar);
que as placas se movem, é que a Terra não e estática. Uma das primeiras — aproximadamente 115 milhões de anos depois, há 135 milhões de anos (no
observações de Wegener foi que a costa da África possuía contorno que se inicio do Cretáceo), a fragmentação desse bloco deu origem a dois grandes
encaixava na costa da América do Sul, A partir daí foram sendo acumuladas continentes chamados de Laurásia, ao norte, e Gondwana, ao sul;
evidências de que os dois continentes já haviam permanecido ligados no — em torno de 65 milhões de anos atras (fim do Cretáceo e início do Terciário), a
passado. Urna delas foi a descoberta de fósseis de animais da mesma l_aurásia rompeu—se no sentido norte/sul, formando dois continentes os quais
espécie nos dois continentes, cuja única explicação é a de que, no passado, originariam, miíhões de anos depois, a America do Norte e a Eurásia;
os dois continentes se encontravam juntos, pois seria impossível esses — a Gondwana também se fragmentou, dando origem a África, a America do
animais terem atravessado o Oceano Atlântico se os continentes tivessem Sul, Austrália, Antártica e Índia. As separações não foram todas simultâneas,
permanecido sempre na posição atual. Estudos sobre a formação geológica sendo que as últimas aconteceram entre a América do Sul e a Antártica e,
mostraram, também, uma incrível coincidência dos mesmos tipos de rochas, finalmente, a Antártica se separou da Austrália. Tambem sobrou, isolada, perto
exatamente nas mesmas regiões da África e da América do Sul, quando da África, a ilha de Madagascar, isolamento esse responsável pelo fato de a
se acoplam os mapas dos dois continentes na posição em que se supõe ilha ter uma fauna diferenciada, com muitas espécies e grupos endêmicos, dos
ter existido a ligação entre eles. quais o exemplo mais conhecido são os Iêmures, da ordem Primata. A Índia,
que inicialmente era muito próxima de Madagascar, teve deslocamento em
Para estudar a deriva continental e a expansão dos fundos oceânicos, surgiu
direção ao norte até colidir com a Ásia, nurn impacto tão grande que levantou
uma linha de pesquisa, por volta de 1960, chamada tectônica de placas. os montes do Himalaia e afetou vários pontos do relevo da Eurásia. O impacto
=
A litosfera (do grego [ito pedra + sphaira = esfera) é a camada mais ocorreu há aproximadamente 40 milhões de anos, no Terciário médio, sendo
externa da Terra e pode ser definida como fria, móvel e rigida. A camada considerado, geologicamente, como um evento recente;
imediatamente mais interna em relação a litosfera e a astenosfera (do grego —— em um movimento constante, os continentes atingiram a posição e a forma
asthenes = mole, maleável) e a interface entre elas e definida como uma que têm hoje. Há 5 milhões de anos, aproximadamente, no Plioceno Superior
superfície de temperatura constante (uma isoterma), de aproximadamente (final do Terciário), na America do Sul, ocorreu o aparecimento dos Andes. O
movimento da crosta terrestre estendeu—se para o norte, alem dos limites do
1.ZOOºC. As rochas externas a essa isoterma são frias o suficiente para
então continente e, ao aflorar, deu origem ao istmo do Panamá, na America
se comportarem corno rígidas, enquanto as que são mais internas que
Central, ligando a America do Sul a América do Norte por volta de 3,5 milhões
a isoterma, por terem temperaturas mais "altas, apresentam deformação
de anos atrás. A ponte entre os dois continentes, que estavam isolados há
plástica. A espessura da litosfera varia. Abaixo das bacias oceânicas chega 130 milhões de anos, permitiu a ocorrência de um dos maiores fenômenos de
até a 100 km, enquanto que abaixo de regiões continentais pode atingir o dispersão de espécies de um continente para o outro na história da Terra.
dobro desse valor. Com sua espessura correspondendo entre 2 a 4º/o do
A velocidade de deslocamento das placas não é constante pelo fato
raio da Terra, a litosfera e considerada como uma fina casca do planeta.
de as placas estarem flutuando e o deslocamento poder ser afetado por
De acordo com esses estudos, a litosfera é dividida por placas tectônicas obstáculos. Urna estimativa da velocidade de deslocamento da placa da
que se movimentam sobre a astenosfera em decorrência das correntes America do Sul, afastando—se da África, é de 1,2 a 2 cm por ano, cerca de
de convecção de calor no interior da Terra. A astenosfera, por apresentar 40 km a cada milhão de anos. Avelocidade de deslocamento da placa indiana,
no entanto, foi bem maior, de 10 a 12 cm por ano; a maior velocidade nesse
temperaturas mais elevadas, possui menor rigidez que a litosfera e pode
deslocamento pode ser devida a inexistência de obstáculos no trajeto.
sofrer deformações quando submetida a esforços.
172 Cada Caso, um Caso...l='uro Acaso Capitulo 13 —— A Distribuição dos Seres Vivos na Terra 173

É importante lembrar que os continentes sempre estiveram e ainda Na litosfera existem várias placas tectônicas, de diferentes tamanhos
estão em movimentação continua. A divisão em datas ou em principais e localização, e as mais importantes são:
eventos é meramente didática,
— Placa Africana: abrange todo o continente africano e através de sua colisão
corn a placa euroasiática surgiu o Mar Mediterrâneo e o Vale do Rift;
— Placa da Antártica: abrange toda a Antártica e a região austral dos
oceanos;
_ Placa Euroasiática: abrange o continente europeu e asiático e parte da Sibéria,
incluindo também a parte oriental do Oceano Atlântico norte;
=
Placa Norte—americana: abrange a America do Norte, parte ocidental do Oceano
Atlântico norte, uma parte do Oceano Glacial Ártico e parte da Sibéria;
— Placa Sul—americana: abrange a América do Sul e o leste da Crista Oceânica
do Atlântico.
Permiano = Placa do Pacífico: abrange a maior parte do Oceano Pacífico e em decorrência
250 milhões de anos atrás 200 milhões de anos atrás
da colisão com a Placa da Antártica formou a Placa Pacífico—Antártica;
— Placa Indo—Australiana: abrange a Placa Australiana e a Placa Indiana. Também
abrange grande parte do Oceano Índico e parte do Himalaia;

lj,-f- — Arábia, Filipinas, Nova Guiné e uma parte do Sul do Oceano Pacífico próximo
a America do Sul, estão localizados sobre placas menores.

Consequências dos deslocamentos das placas


Ao se deslocarem, pode haver contato entre as placas. Os contatos
criam situações de atritos nos limites de cada uma. A consequência dos
Jurássico Cretáceo atritos entre as placas depende do tipo e da intensidade do contato. As
135 milhões de anos atrás 65 milhões de anos atrás consequências mais comuns são os terremotos, a erupção de vulcões e o
dobramento da crosta terrestre dando origem a montanhas.
Ilhas e arquipélagos atuais, na maioria dos casos, foram ligados em
alguma época a uma área continental maior e a peculiaridade de cada
um deles, em termos de fauna e flora, depende, entre outros fatores, do
tempo de isolamento e da distância entre eles e os continentes. Em termos
biológicos, os isolamentos mais famosos são o arquipélago de Galápagos e
o arquipélago da Malásia, cujas faunas peculiares impressionararn Darwin
e Wallace, respectivamente, a ponto de os dois terem simultaneamente
a ideia de propor a evolução dos seres Vivos pela seleção natural. Outro
Atualmente
isolamento famoso é o da Austrália, Tasmânia e Nova Zelândia em cujos

Figura 13.4 Deriva continental. territórios não existiam mamíferos placentários ate a chegada da espécie
humana há 40 mil anos. A ilha de Madagascar também é uma área rica de
fauna e flora endêmicas.
As placas tectônicas
As placas que se encontram submersas pelos oceanos são chamadas O arquipélago do Havaí
placas oceânicas, enquanto placa continental e o nome dado para designar As ilhas do Havaí, único arquipélago do Pacífico Norte, localizado a
as placas localizadas sob os continentes. 7,000 km do Japão e a 3,500 Km da costa oeste da América do Norte, tem,
174 Cada Caso, um Caso.._Puro Acaso

Capítulo 13 A Distribuição dos Seres Vivos na Terra 175

porem, urna história geológica diferente. Surgiu a partir de acúmulos de


lavas das erupções vulcânicas da placa do Pacífico e nunca foi conectado Os ambientes da Terra ao longo do tempo geológico
a qualquer área continental. A placa do Pacífico se desloca no sentido Da rnesrna forma que a estrutura física da Terra é dinâmica, e não
sudeste/noroeste e existe nela um ponto quente (hot spot) em constante estática, devido 'a constantes mudanças das paisagens provocadas pelo
atividade eruptiva. Assim, a medida que a placa se desloca, e o ponto deslocamento das placas tectônicas, pelos terremotos e erupções vulcânicas
quente permanece parado, vão surgindo as ilhas. As ilhas maiores, Kauai e pela variação do nível dos oceanos, o clima tambem e dinâmico e já
(com 5 milhões de anos), Oahu (com 3 milhões de anos), o complexo Maui sofreu muitas alterações.
(formado por Molokai, Maui e I_anai, com 2,5 milhões de anos) e Havaí (ou
Resumindo, podemos dizer que o clima da Terra sempre foi mais quente
Big Island, com 750 mil anos) estão dispostas no sentido noroeste/sudeste.
e com menor diferença de temperatura entre as áreas equatoriais e as
Atualmente o ponto—quente está no sudeste da Big Island, com o vulcão
polares do que atualmente. Períodos mais frios, que incluíam glaciações,
Kilauea, considerado o vulcão mais ativo da Terra nos últimos 10.000 anos,
parecem ter ocorrido em períodos curtos e de forma intermitente no Pre—
despejando uma quantidade enorme de lava, o que está provocando um
Cambriano Superior (542 milhões de anos), no Carbonífero (320milhões
aumento do tamanho da ilha na direção sudeste. Em 1975, um mês após
de anos), no Permiano (270 milhões de anos) e no Pleistoceno (de 2
eu ter estado numa praia, nessa região sudeste da Big Island, onde a
milhões a 100 mil anos). Atendência para o esfriamento atual começou no
areia era preta, formada por lava vulcânica pulverizada pelas ondas, um
Terciário Superior (por volta de 2 a 3 milhões de anos). No Oligoceno (35
derramamento de lava do vulcão Kilauea interrompeu a estrada de acesso
a 23 milhões de anos), as latitudes mais ao norte eram consideravelmente
e a praia cresceu uns cem metros oceano a dentro.
mais frias e secas do que haviam sido, e pastagens e florestas decíduas
Voltando à origem das ilhas, à medida que as lavas esfriaram, as ilhas tornaram—se amplamente distribuídas.
do arquipélago, na sequência da idade geológica de cada uma, foram se
tornando habitáveis. Porém, não havia vida. Não se sabe ao certo quais
organismos terrestres chegaram primeiro, mas, certamente, aves migratórias As glaciações do pleistoceno
estavam entre eles, trazendo em seu trato intestinal sementes, esporos No Pleistoceno, que se iniciou há cerca de 2 milhões de anos, o clima
de fungos, bactérias, ecto e endoparasitas. Não chegaram anfíbios, nem mudou drasticamente com o congelamento dos polos, corn a formação
répteis e nern mamíferos. A chegada de insetos, pelo mar ou pelo vento, das calotas e com o repetido avanço e recuo de geleiras sobre as porções
também deve ter sido evento muito raro. continentais próximas ao polo Norte e ao polo Sul, embora a maioria dos
estudos até agora tenha sido feito no hemisfério Norte. Ocorreram numerosos
A historia biológica deste arquipelago e fascinante e poderia ser narrado
episódios de glaciações (no mínimo, quatro grandes), dos quais, o mais
longamente. Neste ponto só quero destacar o fato de que os primeiros
recente, chamado de Wisconsin, recuou para o polo Norte há, pelo menos,
organismos que lá chegaram encontraram um ambiente totalmente novo
10 mil anos.
e praticamente vazio de vida. Todas as poucas e pioneiras formas de vida
tiveram uma diferenciação explosiva, apresentando seguidas irradiações Durante todos os episódios de glaciação, o nível do mar baixou por
adaptativas independentes, à medida que os diferentes nichos de cada quase 100 rn, em relação ao atual nível, em todo o mundo, em decorrência
nova ilha tornaram—se habitáveis. Esse processo propiciou ao arquipélago da solidificação da água nas calotas de gelo. Por outro lado, o clima nas
un-la fauna e flora exclusivas e muito diversificadas. Para se ter uma ideia áreas tropicais e subtropicais tornou—se mais frio e mais seco; durante os
dessa diversificação, aproximadamente das 1.500 espécies do gênero episódios interglaciais, os climas tornaram—se mais quentes e úmidos e o
Drosophila descritas até hoje, do mundo todo, mais de 25º/o são endêmicas nível do mar elevou—se,
das minúsculas ilhas do Havaí.
Mudanças no clima afetam principalmente a quantidade de chuvas e a
temperatura. A sobrevivência de populações dos seres vivos depende da
Geologicamente a Terra não é estável adaptação ao meio ambiente e, se o ambiente muda, uma adaptação que
A história geológica da Terra, a deriva continental e a tectônica de placas era boa no ambiente anterior pode deixar de ser boa para o novo ambiente
e o organismo, se não se adaptar, e extinto.
são assuntos fascinantes e muita informação ainda poderia ser acrescentada
sobre elas. O objetivo de tratar de tais assuntos, embora superficialmente, Essas alterações climáticas causaram mudanças profundas na composição
é apenas para mostrar que a Terra não foi sempre da forma que a vemos da fauna e da flora terrestre. Após cada uma das várias extinções em
hoje, e também para analisar as consequências desses fatos na evolução massa na história da vida, ocorreu um aumento rápido da diversidade e
dos seres vivos. sucessivos novos níveis de equilíbrio foram alcançados. Muito do aumento
176 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso —
Capítulo 13 A Distribuição dos Seres Vivos na Terra 177

da diversidade, a longo prazo, pode ser consequência da exploração de


uma maior variedade de recursos, em parte talvez porque algumas espécies
eventualmente tenham passado a constituir recurso alimentar para outras
espécies. Evolução rápida e diversificação têm ocorrido tipicamente quando
uma linhagem desenvolve adaptações para a utilização de novos recursos.
Frequentemente os novos recursos ficam disponíveis pela extinção anterior
de outros táxons. A extinção, uma característica proeminente da história
evolutiva, as vezes resulta em condições para novos eventos evolucionários.
Dada a dificuldade de estudos paleoclimáticos dos períodos mais antigos,
as reais causas e consequências das extinções de fundo (extinções que
ocorrem regularmente), quanto para as extinções em massa (quando muitos
grupos desaparecem num curto espaço de tempo), não são totalmente
compreendidas.
Tendências a longo prazo na evolução de características fenotípicas
são menos proeminentes na história da vida que a irradiação adaptativa. As
tendências que podem ser documentadas podem ser atribuídas à seleção
natural dentro de linhagens. Por sua vez, a irradiação adaptativa aparece
com mais evidência no documentário fossil.
É preciso estar atento ao fato de que essa questão de tendências no
processo evolutivo são hipóteses formuladas sempre a posteriori, ou seja,
olhando o que ocorreu, o que facilita ser traçado o caminho seguido. Pelo
que já foi mostrado, em cada momento do processo, em cada ponto de
diversificação, o resultado não foi orientado por nenhuma tendência e era —
Figura 13.5 Diferenciação dos mamíferos.

imprevisível.
Como todos os habitantes da Terra, nos últimos 20 milhões de anos, os
mamíferos foram submetidos ao esfriamento do planeta, com significativas
A história dos mamíferos consequências sobre eles. Em decorrência das secas e do frio ocorreu
Os mamíferos formam um grupo monofiletico a partir dos Synapsida, expansão das gramíneas, em detrimento das áreas cobertas por dicotiledôneas
com origem no Carbonífero, há cerca de 320 milhões de anos, sendo que arbustivas e arbóreas, o que causou importantes mudanças no tipo de
os mamíferos placentários, conhecidos corno mamíferos verdadeiros, herbivoria, e grupos de mamíferos pastadores passaram a predominar,
surgiram há aproximadamente 215 milhões de anos. Apesar de toda essa com mudança na altura (tamanho) dos dentes.
idade, somente a partir de 60 milhões de anos até o período atual e que Nos últimos milhões de anos ocorreu um surpreendente declínio de
eles se tornaram as formas de vertebrados terrestres predominantes nos diversidade dos herbívoros e a medida que o planeta esfriou, a proporção
ecossistemas do planeta. O acontecimento deu—se após o declínio dos entre o núrnero de famílias de grandes herbívoros diminuiu e o de famílias
grandes répteis, o que sugere que a expansão tenha sido facilitada, em de roedores aumentou, indicando que a seleção natural favoreceu grupos
termos competitivos, por essa extinção. com reprodução precoce e crescimento rápido em detrimento de grupos
A dispersão dos mamíferos pelo planeta ocorreu ainda durante o período de reprodução tardia e crescimento lento.
em que os continentes estavam ligados, mas a grande diversificação foi A fauna de mamíferos da America do Sul foi particularmente afetada
posterior a separação. O fato de a fauna de mamíferos endêmicos da por essas mudanças climáticas, pois até o Mioceno (de 5 a 20 milhões de
Austrália e Nova Zelândia ser composta apenas de espécies de marsupiais anos), o registro fóssil indica faunas semelhantes, em latitudes similares,
ilustra bem o fato de as faunas continentais serem decorrentes de acidentes entre a América do Sul e a África, sendo que na América do Sul existiam
históricos. grandes herbívoros e seus predadores, como na África, hoje.
178 Cada Caso, um Caso.._Puro Acaso

As diferenças atuais não se limitam ao tamanho das populações que,


na maioria das espécies da África, são representadas por quantidades
enormes de indivíduos, enquanto na America do Sul predominam grupos
A Espécie Humana
pequenos e indivíduos ou casais solitários, sendo que tambem, atualmente,
o número de espécies e menor e o porte físico dos indivíduos também,
“Sobre o viver:
conforme mostra a tabela:
(...)Viver é muito perigoso. (...)”
Peso em Kg Número de espécies ,
João Guimarães Rosa
América do Sul Africa
5 a 25 55 85 “(...) Morrer é facil, viver é que é o difícil (...)
25 a 50 5 25 Moacyr Félix
50 a 100 8 25
100 a 300 5 27
> 300 1 15 A espécie humana ocupa praticamente todos os biomas do planeta,
formando quase uma só população, subdividida em muitas subpopulações
Em decorrência dos assuntos abordados neste capítulo,? podemos numa distribuição cosmopolita.
concluir que:
A análise e o enfoque a respeito da evolução da espécie humana e
,
existe explicação para a distribuição geográfica dos seres vivos na Terra, biológico. Faço a ressalva porque, embora animal, a espécie tem muitas
especialmente para os grupos terrestres com relação de parentesco e que características peculiares, dentre as quais deve ser destacada a capacidade
hoje apresentam distribuição disjunta nos diferentes continentes; de falar. Muitos animais emitem sons e até se comunicam através deles. Dizer
,
os seres vivos existentes hoje são os sobreviventes de adaptações sucessivas vocábulos algumas outras espécies também conseguem, especialmente
ao longo da história geológica da Terra, as quais afetaram sua distribuição algumas aves como o papagaio e o maina, pássaro do sudeste da Ásia.
geográfica e sua capacidade de sobrevivência; Ambos têm a capacidade de repetir palavras que ouvem. Afala da espécie
todas as adaptações e diversificações ocorridas nos seres vivos, desde a e
humana, porém, sofisticada. Além de produzir sons, articular vocábulos,
os indivíduos têm a capacidade de transmitir ideias tanto concretas como
,

origem da vida, dependem e dependeram, em última instância, da interação dos


fatores evolutivos e do ambiente com a variabilidade genética dos organismos abstratas. Ao falar, uma pessoa consegue transmitir o pensamento. A
e das populações. capacidade de transmitir o pensamento fez com que, a partir do momento
em que a espécie começou a comunicar ideias, paralelamente e/ou
concomitantemente a evolução biológica, também tenha sido iniciado o
desenvolvimento cultura/,
As mudanças culturais ocorrem num processo muito mais rápido do
que a evolução biológica, de maneira que, biologicamente, um indivíduo
que nasça hoje não difere de um que nasceu há 100 mil anos: nasce
pelado, banguela, analfabeto, sem saber falar, sem saber controlar urina
e fezes, como há 100 mil anos. Nasce também sem saber nada do que a
humanidade já descobriu e inventou. Além do aprendizado familiar terá de
permanecer por anos ou décadas em escolas para ter uma ideia dos limites
do conhecimento acumulado pela humanidade. Não precisa reinventar a
roda, nem a pólvora, nem o telefone, nem o computador, porque a herança
cultural da humanidade será transmitida a ele por varias vias.
Diferentemente da maioria dos animais, que ao invadir um novo ambiente
se adapta biologicamente, a espécie humana tende a ajustar as diferenças
do novo ambiente às suas necessidades e não precisa, na maioria dos
casos, adaptar—se a ele para sobreviver. Neste momento, discuto apenas a

o
ª
d
u
ln
º
w
180 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capítulo 14 —A Espécie l—lumana 181

evolução biológica, e deixo as eventuais implicações entre o desenvolvimento Macacos do Macacos do Grandes macacos
cultural e a evolução biológica para outras etapas da discussão. Lêrnuras LÓFÍS Társios Novo Mundo Velho Mundo e humanos

As relações de parentesco da espécie humana


A classificação taxonômica da espécie humana é a seguinte:
Dominio Eucarioto
Reino Animalia Primeiros
macacos
Filo Chordata
Subfilo Vertebrata
Mais antigos fósseis
Classe Mammalia de primatas
Ordem Primata
Família Hominidea
Gênero Homo
Ancestral cc murn
Especie H. sapiens mals antigo

A ordem Primata é composta por 168 espécies descritas, entre elas


a espécie humana, agrupadas em 51 Gêneros, reunidos nos seguintes —
Figura 14.1 Os primatas.
grupos:
— Prossimios: Iêmures (Madagascar); Apesar de o chimpanzé e de o gorila serem nossos parentes atuais
mais próximos, estamos isolados deles há mais de 8 milhões de anos,
— Cebóides: macacos (do Novo Mundo); A extinção de todas as populações e espécies intermediárias, entre a
— Cercopitecoides: macacos (do Velho Mundo): espécie humana e os macacos, torna a espécie humana atual peculiar por
— Hominoidea: Homem (cosmopolita), Chimpanzé (África, com duas espécies: acentuar as diferenças. Essa distinção não seria tão fácil ha 2 milhões de
Pan troglodytes e os bonobos, Pan paniscus), Gorila (África), Orangotango anos. Mesmo ha' uns 200 mil anos ainda seria difícil, pois existiam diversos
(Bornéu e Sumatra) e Gibão (Birmânia e Tailândia). grupos humanos, tais como diversas populações de Homo sapiens, de
Nas ramificações da arvore filogenética dos Primata não e facil descobrir Horno erectus e de Homo sapiens neander'thalensis.
nossas origens. Houve muitos humanos, no passado, alguns dos quais Apesar das dificuldades para determinar exatamente o caminho
viveram contemporaneamente, isto e, não descenderam uns dos outros. evolutivo percorrido, continua válida a afirmação de Darwin de que a
Os macacos não se transformaram em homens. Desde sua origem, os espécie humana se diferenciou na Africa e teve a mesma origem comum
primatas dividiram—se em diversos grupos e de um desses grupos surgiram os dos grandes macacos.
Antropóides e desses últimos, surgiu a linhagem genética que se diferenciou
em inúmeras espécies, com muitas delas se extinguindo e uma delas deu
origem ao gênero Homo, da qual descende o Homo sapiens. Desde a
Os Primata têm características de vida arbórea
origem da diversificação, ha 8 milhões de anos, tanto a linhagem humana, As 168 espécies da Ordem Primata têm várias características físicas,
quanto as demais linhagens de Antropóides continuam a se diferenciar anatômicas e comportamentais comuns, decorrentes do ancestral ter
como entidades evolutivamente independentes, sendo representados pelas origem arbórea. A vida sobre arvores expõe os indivíduos a situações
especies atuais. Assim, a espécie humana atual não é descendente das que são muito diferentes das que estariam expostos se vivessem no solo.
espécies atuais de Antropóides. Todos os marcadores genéticos utilizados em Enquanto no solo os animais exploram um ambiente bidimensional, com
análises das espécies atuais apontam uma maior proximidade filogenética pequeno risco de acidentes, em caso de queda, por estarem próximos ao
entre o Homem e o chimpanzé. Em segundo lugar, aparece o gorila. O chão, nas árvores o ambiente explorado e tridimensional, irregular e, em
orangotango e o gibão são parentes mais distantes. caso de queda, as consequências podem ser graves.
182 Cada Caso, um Caso.,.Puro Acaso Capítulo 14 A Espécie Humana
,
183

Entre as características semelhantes dos primatas, decorrentes da importância. Se ele pular para agarrar um galho, achando que o galho esta
origem arbórea, podemos citar: a 2 rn de distãncia, e o galho estiver a 2,2 rn, o erro pode ser fatal;

1. desenvolvimento de extremidades preênseis: — oposição do polegar, em 6. desenvolvimento cerebral: — para um animal que se desloca num ambiente
relação aos outros dedos; coxins plantares; cauda preênsil (presente apenas bidimensional, a coordenação dos movimentos para andar ou correr e muito
nos cebóides). Esse tipo de oposição de dedos também ocorreu nas aves, e mais simples do que para um animal que vive sobre as arvores, num ambiente
e um exemplo de convergência evolutiva; complexo e tridimensional. Assim, sobreviveram os indivíduos corn maior
coordenação motora, obtida em decorrência de mutações genéticas que
membros superiores (ou anteriores): a clavícula, presente nos primatas, permite
afetaram o cérebro dos primatas elevaram a um aumento de tamanho da área
a abertura completa dos braços, numa posição de cristo redentor (o que é
do córtex. Alem disso, houve também aumento do controle do córtex sobre ()
impossível para animais de solo, como o cachorro, por exemplo). Os membros
cerebelo. Nos primatas, o cerebelo continua sendo o responsável pelo tônus
superiores também podem sofrer rotação, num movimento de pronação (palma
muscular e pelos movimentos básicos, embora movimentos mais sofisticados
da mão voltada para baixo) e supinação (palma da mão voltada para cima).
tenham sido assumidos pelo córtex. O caminhar bípede do Homem é um
Esses movimentos, juntamente com a capacidade de abertura dos braços,
exemplo de controle do cerebelo. A movimentação dos braços, balançando,
permitem que o animal posicione o braço e a mão para agarrar um galho ou
é exatamente igual à de um mamífero quadrúpede quando o pé esquerdo é
um aiimento em qualquer posição em que ele esteja em relação aos galhos.
,

posto a frente, o braço direito se move para a frente e, quando é o pé direito


Os membros superiores deixaram de ter função apenas de locomoção e
que vai a frente, e o braço esquerdo que se adianta. O aumento do tamanho
essa liberdade possibilitou a eles a execução de outras funções corno a de
do cérebro, com um aumento do córtex, decorrente da pressão seletiva do
obtenção e coleta de alimentos, A possibilidade de trazer alimentos a boca,
ambiente arbóreo, resultou em movimentos mais sofisticados, precisos,
com o uso das mãos, e considerada etapa importante da diferenciação da
premeditados, e um aumento geral das capacidades cerebrais, incluindo a
forma do crânio com redução do focinho nos primatas;
inteligência;
aparelho digestivo herbívoro: decorrente de uma alimentação predominantemente
?. postura pronograda: — diferentemente dos animais que vivem no solo, os
vegetariana. Mesmo aqueles primatas que se tornaram onívoros (ingerem
animais arbóreos assumem preponderantemente a postura sentada, o que faz
alimentos tanto de origem vegetal quanto animal, como o Homem, por exemplo)
com que o tronco fique numa posição mais próxima da vertical. Esta postura
mantiveram esse tipo de aparelho digestivo;
favoreceu, seletivamente, uma rotação de 90º da caixa craniana, fazendo
redução do olfato: — os primatas tem menor capacidade olfativa do que os com que a face se alinhasse paralelamente ao tronco, Nos animais que vivem
animais de solo como os cachorros. Para um animal de vida arbórea, o no solo, a face voltada para frente está posicionada perpendicularrnente ao
olfato não e um órgão vital, sendo possível a sobrevivência de indivíduos tronco. Essa rotação nos primatas alterou várias proporções cranianas, com
com capacidade olfativa reduzida. .Já para um animal que vive no solo e que redução do focinho, aumento da caixa craniana e tornou frontal a posição das
pode ter a amplitude de visão obstruída pela vegetação baixa, o olfato bern órbitas oculares;
desenvolvido é vital;
8. redução de concepções múltiplas: —— mamíferos de solo, como cão, gato, porco,
acuidade visual: a acuidade visual dos primatas e uma das melhores do
,

possuem ninhadas com numerosos filhotes. Nos primatas ocorreu redução do


reino animal, só comparável, em grupo, a das aves. Alem de distinguir cores, tamanho de ninhada, passando para um filhote de cada vez. Pode parecer um
os primatas têm visão frontal, enquanto a maioria dos mamíferos tem visão
paradoxo dizer que concepção de apenas um indivíduo de cada vez tenha sido
lateral. Possuem também uma área de maior sensibilidade na retina, chamada
selecionada em detrimento de concepções múltiplas, uma vez que, de uma
fóvea ou mácula iútea, para onde converge a luz para a formação da imagem maneira geral, e favorecido quem deixa maior número de descendentes para a
com alta resolução pela ação do cristalino, que atua como uma lente. Como
geração seguinte. Provavelmente, o nascimento de um descendente de cada
e
a visão frontal, 0 campo de visão de um olho se sobrepõe ao campo de vez aumente a chance de ele chegar a idade adulta, enquanto muitos filhos
visão do outro e um ajuste na convergência dos globos oculares faz com
possa significar a morte prematura de todos por diversas razões decorrentes
que a imagem de um objeto observado incida, simultaneamente, na fóvea da complexidade do ambiente arbóreo, inclusive quedas.
dos dois olhos. Corn a imagem de um objeto, incidindo simultaneamente no
mesmo ponto, nos dois olhos, todas as imagens dos objetos que estiverem, A redução das concepções múltiplas teve um efeito secundário muito
mais próximos ou mais longe, em relação ao observador, ficarão duplicadas importante: a redução, ou eliminação, da competição entre embriões por
e fora de foco. A duplicação e a desfocalização permitem que seja inferida velocidade de desenvolvimento embrionário. Quem ja viu uma ninhada
a distância em que esta o objeto. Para um animal de vida arbórea, que tem recem—nascida de cachorro, gato ou porco, já deve ter observado que entre
de saltar de um galho para outro, essa noção exata de distância e de vital os filhotes existem os mais e os menos ativos. O sucesso em mamar, nos
184 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso —
Capítulo 14 A Espécie Humana 185

primeiros dias de vida, e fundamental para a sobrevivência do filhote e adaptassem os membros superiores a novas funções, resultando na forma
os menos ativos são os que correm maiores riscos de não sobreviverem, atual dos braços e, especialmente, das mãos.
especialmente se o número de filhotes for superior ao número de tetas
da mãe que disponham de leite, enquanto os mais ativos, não têm essa A postura bípede
dificuldade. Supondo que a maior ou menor atividade ao nascer tenha causas
Existem algumas discussões sobre a relação entre a mudança da
genéticas, são sempre favorecidos, seletivamente, os alelos dos genes que
aumentem a velocidade do desenvolvimento embrionário, velocidade essa postura quadrúpede para a bípede e o desenvolvimento cerebral dos
Horninidae: — o que teria sido causa e o que teria sido consequência nesse
que resulte em maior capacidade ativa ao nascer. De forma complementar,
processo de adaptação? O registro fóssil mostra que o primeiro hominídeo
terá menor valor adaptativo alelos gênicos que retardem o desenvolvimento
bípede (Australopithecus) possuía um cérebro pequeno, fazendo supor
embrionário. No caso dos Primata, a ausência de competição entre os que o andar bípede antecedeu o crescimento cerebral dos humanos. Há
embriões eliminou a seieção contra os mais lentos e passou a permitir a várias evidências fósseis indicadoras de que o andar bípede, por libertar
sobrevivência de mutações que, mesmo reduzindo o nível de atividade ao os membros anteriores da função de locomoção, foi a chave inicial para
nascer, aumentam a complexidade do adulto. Logicamente isso dependeu o maior desenvolvimento cerebral encontrado nos humanos, crescimento
também da capacidade dos pais, especialmente da mãe, de tornar conta esse, responsável pela evolução dos movimentos da língua, que teria
de um filhote mais dependente de cuidados especiais ao nascer. E preciso sido uma pre—adaptação para a evolução da capacidade de falar. A área
lembrar que estão em questão os animais em condições naturais, pois em cerebral, controladora das atividades complexas das mãos, está muito
animais domésticos ou em cativeiro, a intervenção humana pode alterar o próxima, anatomicamente, da area cerebral que controla os movimentos da
resultado do processo. língua. Isso explicaria o fato de muitas pessoas, quando executam alguma
atividade delicada com as mãos, como colocar linha numa agulha, por
exemplo, fazerem movimentos tensos com a língua e, em alguns casos,
Diferenças biológicas entre a espécie humana e os Primata até a colocarem para fora da boca.
As semelhanças entre os Primata, por terem tido um ancestral de Na espécie humana, a postura bípede evoluiu a partir de uma postura
vida arbórea, ja foram estabelecidas. Mas, o que torna a espécie humana quadrúpede, e as adaptações sofridas pelo esqueleto o deixaram bastante
diferente? Anatomicamente as principais diferenças entre o Homo sapiens vulnerável, especialmente no que se refere à coluna vertebral, aos joeihos,
e os macacos atuais estão nos membros, nos maxilares e no cérebro. ao quadril e ao pescoço. Essas são as partes do corpo que apresentam
muitos problemas e que mais necessitam de tratamentos ortopédicos,
A dependência do filhote em relação aos pais se prolonga por alguns
fisioterapêuticos entre outros, Num organismo quadrúpede, o peso do
anos na espécie humana, pois a criança só começa a se locomover após 6 corpo incide em dois pontos: a cintura pélvica (quadril) e a cintura escapular
meses de idade, a andar ao redor de 1 ano, e tem o cérebro em crescimento (ombros). Entre as duas cinturas, uma série de ossos não muito resistentes,
anatômico até os 3 anos. Certamente esse é um dos rnaiores períodos sem função de carga de peso, corno as costelas e as vértebras, dão proteção
de desenvolvimento entre os animais atuais. Como consequência, houve aos órgãos internos do tronco e protegem a medula nervosa.
aumento da infância, do período em que o filhote permanece sob a guarda
dos pais, aumentando a probabilidade de sobrevivência. A demora em Com as adaptações da estrutura esquelética de quadrúpede para
bípede, todo o peso que incidia sobre a cintura escapular foi transmitido
atingir a puberdade também aumenta o período de contato com os pais
com significativa consequência na aprendizagem cultural.
atraves da coluna vertebral e passou a incidir sobre a cintura pélvica. O
resultado dessas alterações de postura: sobrecarga na coluna vertebral,
Em decorrência da postura pronograda, o tórax deixou de ter a forma nos quadris, nos joelhos, nos pés. A postura e o maior peso da cabeça
de quilha, para ter uma forma antero—posterior achatada, o que já é uma também sobrecarregaram as vértebras do pescoço.
tendência nos demais primatas e acentuou—se na espécie humana.
Os membros do corpo dos humanos sofreram alterações que os Como sobrevivemos com todas estas fraquezas físicas?
adaptaram para voltarem a viver no solo, com diferenciação de função entre A espécie humana sobreviveu com todas as fraquezas físicas, tornou—se a
os membros inferiores e os superiores, corn a incumbência da locomoção espécie dominante do planeta e atingiu um domínio sem precedentes na historia
ficando totalmente para os membros inferiores. Por terem sido desincumbidos da Terra. Discussões sobre as maneiras pelas quais esse domínio ocorreu
da função de locomoção, foi possível a sobrevivência de mutações que são muito amplas, cheias de possibilidades e controvérsias, principalmente
186 Cada Caso, um Casompuro Acaso Capítulo 14 — A Espécie Humana 187

quando se tenta definir o que foi causa e o que foi consequência em cada de Pequim, inicialmente descrito corno Sinantropus pekinensis. Atualmente,
uma das adaptações. tanto o Homem de .Java como o Homem de Pequim são considerados como
pertencentes a uma mesma espécie, Homo erectus.
Consensualmente, a respeito, ternos: só sobreviver-nos por sermos uma
espécie social, que atua em grupo. A vulnerabilidade do esqueleto, a falta Até 1 960, os fósseis de nossos ancestrais praticamente se limitavam a
de armas físicas foram problemas contornados pela atuação dos indivíduos estes três achados, apesar da intensa busca pelo elo perdido, desencadeada
em grupo e pela fabricação de artefatos de defesa e de ataque. a partir do momento em que Darwin propôs, em 1870, que o Homem era
parente do macaco. Existe ainda a agravante de que o crânio do Homem
Diferentemente da maioria dos Primata em que a estrutura social é de Pequim desapareceu no final da Segunda Guerra Mundial, sobrando
de harém (um macho e várias fêmeas), a estrutura social dos nossos dele apenas moldes em gesso em alguns museus. Havia, portanto, um
ancestrais mais próximos (Australopithecus afarensis e Homo erectus) hiato entre 2 a 22 milhões de anos no registro fóssil sobre a evolução do
comportava grupos maiores com varios machos convivendo no mesmo Homem.
território. A convivência permitiu a cooperação entre eles com um objetivo
comum que era aumentar a segurança e, consequentemente, a chance de A situação começou a mudar a partir da década de 1960:
sobrevivência do grupo, tanto em termos de resistir a agressões externas — 1 964 — foram descobertos, por membros da família l_eakey, fósseis chamados
como para obtenção de alimento. de Homo frabi/is, na Suazilândia, um pequeno país localizado entre Moçambique
Por outro lado, a convivência entre os machos dentro de um mesmo grupo e África do Sul, datados como tendo 1 ,8 milhões de anos. Fósseis classificados
só foi possível por mudanças sociais e culturais que resultou na monogamia, como Homo habilis também foram encontrados na Tanzânia (1 ,8 milhões de anos)
substituindo o sistema de harém. Uma das consequências secundárias dessa e no Kenya (1,9 milhões de anos). Há um consenso de que o Homo habilis
mudança: aumentou a variabilidade genética das populações, pois não só tenha sido um fim de linha evolutivo e não esteja na linha direta dos ancestrais
os machos fisicamente mais fortes tinham fêmeas e deixavam descendentes do Homo sapiens, embora não possa ser descartada a possibilidade de ter
para a próxima geração. Corn machos fisicamente mais fracos tendo acesso hibridado com outros grupos humanos contemporâneos a ele;
as fêmeas e, consequentemente, tendo descendentes, a seleção natural A 1974 — foi descoberto, na Etiópia, África, o fóssil chamado de Lucy —
deixou de favorecer exclusivamente a força física, o que aumentou o valor Australopithecus afarensis — com aproximadamente 3,2 milhões de anos. O
adaptativo de outras características com componentes genéticos como: a mais completo fóssil deste grupo e o apelidado de Salam. Foi encontrado no
cooperação, o altruísmo, a inteligência, ano 2000, a 4 Krn do local onde Lucy foi encontrada em 1974. Por ser o fóssil
Acrescente—se ainda que a monogamia e a consequente diminuição de urna criança, foi também apelidado de Lucyjs baby, apesar de ter sido
da competição por fêmeas, entre os machos, também possibilitou que os datado corno tendo 3,3 milhões de anos, ou seja, 120 mil anos mais antigo
descendentes do sexo masculino permanecessem no grupo mesmo após a que Lucy;
puberdade, aumentando o período de contato entre filhos e pais com mais — em 1990 foi descoberto, também na Etiópia, um fóssil classificado como
tempo para a aprendizagem cultural. Nos animais sociais, com estrutura Ardipithecus ramidus com aproximadamente 5 milhões de anos. Alguns
de harém, os descendentes machos são geralmente expulsos do grupo ao pesquisadores sugerem que a classificação deste fóssil seja revista e ele seja
atingirem a puberdade. classificado como urna nova espécie do gênero Australopithecus;
—— Em 1 997, no Chade, República da África Central, foi achado o fóssil classificado
Registro fóssil como Sahe/anthropus tchadensis, apelidado de Toumai, corn 7 milhões de
anos.
Historicamente, a primeira evidência fóssil da existência de alguma espécie
extinta, com características primitivas em relação ao Homo sapiens, foi feita Além desses fósseis mais antigos, ainda houve um aumento espetacular
numa caverna no vale de Neander, próximo a Dusseldorf, Alemanha, em no número de fósseis de Australopithecus, de Homo habilis e dos
1 856, quando foi encontrada a parte superior de uma caixa craniana e parte classificados como Horno erectus, tanto na África como na Eurásia. Embora
de um esqueleto. Em 1864, um esqueleto mais completo foi encontrado e muitos tenham recebido diferentes nomes específicos no momento de sua
descrito como uma nova espécie, Homo neanderthalensis, também conhecida descrição, vários deles foram reclassificados como linhagens evolutivas do
como Homem de Neandertal, Depois disso, em 1 891 , em Java foi descoberto Homo erectus em momentos diferentes de um processo de anagênese.
um crânio, ao qual foi dado o nome de Homem de Java, que foi descrito São eles: Homo rudolfensis, Kenya, 1,8 — 1,9 milhões de anos; Homo
como sendo da espécie Pitecantropus erectus. Por volta de 1925, numa georgicus, 1 ,8 milhões de anos, descoberto em 2001 em Dmanisi, República
caverna próxima a Pequim, foi encontrado um crânio, denominado Homem da Geórgia (antiga União Soviética); Homo ergaster, 1,2 milhões de anos,
188 Cada Caso, um CasonFªuro Acaso Capítulo 14 A Espécie Humana
,
189

Kenya; Homo heidelbergensis, 600 a 300 mil anos, encontrado em vários Embora as duas hipóteses ainda polarizern as discussões sobre a origem
locais da Africa e da Europa — Zãrnbia, Espanha e Grécia. do Homem, o acúmulo de dados indica que, provavelmente, a história é
uma fusão dessas duas hipóteses, como veremos mais adiante.
O número de fósseis de Homo sapiens também aumentou muito, incluindo
os de neandertais. A boa preservação de muitos materiais encontrados,
alem da boa datação, permitiu o uso de marcadores moleculares para As limitações do registro fóssil para inferência filogenética
estudo da filogenia, proporcionando melhor entendimento do quadro geral
A importância e as limitações do registro fóssil para a inferência do
da origem da espécie.
processo evolutivo são as mesmas quando se trata da evolução do Homem,
Aenorrne quantidade de registro fóssil mostra que, há cerca de 300 mil ao indicar que a linhagem que originou a espécie humana divergiu dos
anos, povos çujos esqueletos eram semelhantes ao Homo sapiensja estavam demais antropóides atuais há 8 milhões de anos e, a partir daquela data,
vivendo na África e, durante esse tempo, por volta de 150 a 100 mil anos no mínimo 12 formas diferentes de hominídeos surgiram e não é fácil
atras, povos anatomica e geneticamente parecidos com os atuaisjá estavam saber qual ou quais delas são ancestrais do Homem e quais podem ser
presentes na parte leste e sul da África e na parte sul da Ásia. consideradas como fins de linha evolutivos. Urn padrão geral de mudanças
é bem claro: a partir da linhagem dos Australopithecus afarensis, ao qual
pertence o fóssil de Lucy, uma evolução gradual de anagênese (embora
Australopithecus Homo efectua Homo sapiens não necessariamente constante), resultou no Homo sapiens.
Assim, a linhagem evolutiva e filogenética da espécie humana inclui
provavelmente a ancestralidade dos Australopithecus (que viveram entre
5 a 2 milhões de anos atras) e, certamente, a ancestralidade do Homo
erectus (que viveu entre 2 milhões e 150 mil anos atras), tendo o Homo
sapiens surgido, aproximadamente, ha' 300 mil anos.
Há consenso entre os paleoantropologistas e os geneticistas evolutivos
de que a evolução humana e reticulada, ao inves de evoluir em linha reta.
Quando dizemos que os Australopithecus são os ancestrais do Homo erectus
e estes, os ancestrais do Homo sapiens, não devemos nos esquecer de
que estamos falando de populações pequenas, com ampla distribuição

Figura 14.2 Crânios dos hominídeos. geográfica, fragmentada, com ou sem fluxo gênico entre elas por muitas
gerações, num período de tempo de milhões de anos, Assim, a destreza
manual, o tamanho do cérebro, bem como características culturais como
habilidade de fabricar ferramentas e armas de caça, de controlar o fogo,
A origem da espécie Homo sapiens podem ter evoluído de forma independente em diferentes populações,
Existem atualmente duas hipóteses predominantes sobre a origem do que tanto podem ter gerado varios fins de linhas populacionais, como ter
Homo sapiens: passado de uma população para outra por hibridação e contato.

— a primeira, conhecida como modelo para fora da África (out ofAfrica model)
postula que a espécie surgiu primeiro na África e, saindo dela, entre 100 mil A questão da origem humana é complexa
e duzentos mil anos atras, substituiu todas as outras espécies de Homo Há 50 anos, quando se conheciam poucos fósseis, havia a esperança
existentes. Em última instância, esta hipótese diz que todos os povos atuais de que, à medida que eles fossem sendo encontrados, ficaria mais claro o
são exclusivamente afrodescendentes; entendimento do processo sobre a história da origem da espécie humana.
— a segunda, conhecida como modelo muitirregionai (multi—regional model), diz Passado esse período, muitos fósseis foram encontrados, e a datação
que a espécie evoluiu simultaneamente, em diferentes partes do mundo, a dos mesmos foi melhorada; melhoraram também os marcadores, tanto
partir de linhagens originais de Homo erectus. Assim, o povo atual da China com o uso de morfometria multivariada, facilitado pelo desenvolvimento
descenderia das populações de Horno erectus que viviam la'; os aborígines da informática, como pelo uso de um marcador molecular, o DNA. Mas,
da Austrália descenderiam de populações de Homo erecfus daquela região, pela complexidade dos problemas, a questão ainda parece longe de ser
o mesmo valendo para a própria África e Europa. totalmente esclarecida.
190 Cada Caso. um Caso,..Puro Acaso

Saindo da África
Até o momento não resta dúvida de que até há 2 milhões de anos a
distribuição geográfica dos ancestrais do Homem estava restrita ao continente
africano. A partir daquela data, os primeiros fósseis encontrados (datados de
1 ,8 milhões de anos) mostraram que ocorreu a dispersão do Homo erectus
para a Eurásia, onde viveram no mínimo até há 150 mil anos, portanto um
período de aproximadamente 1,6 milhões de anos.
70 mil anos
Os dados revelam, também, que isso aconteceu em ondas sucessivas
e, embora o registro dessas migrações seja incompleto, e evidente que
se trata de uma história muito mais longa do que se a saída da África
tivesse ocorrido uma única vez e, portanto, muito mais complexa do que 12 rnil anos
se acreditou.
Provavelmente as primeiras saídas de grupos de indivíduos da África
foram decorrentes do fato de estarem seguindo animais migratórios, por Fonte:Folhade São Rªi-lll?

questões de suprimento alimentar, por trilhas que os levavam, acidentalmente,


para a Eurásia. A capacidade de dispersão também não deveria ser grande

Figura 14.3 Rotas e datação da dispersão da espécie Homo sapiens, a partir da África.

e ser regulada por questões de disponibilidade de alimento. As sociedades


de caçadores/coletores não são sedentárias e geralmente ocupam um
território extenso e o aumento do tamanho da população traduz—se quase As geleiras do pleistoceno
que automaticamente na divisão do grupo inicial e na partida de um ou de Outro fator, que certamente interferiu na dispersão e sobrevivência das
vários subgrupos a procura de novos territórios de coleta e de caça. populações, durante o Pleistoceno (de 1.650.000 anos até 10.000 anos atrás),
foram os avanços das geleiras dos polos norte e sul em direção à zona
O crescimento demográfico das populações deve ter sido a principal
equatorial. Existem registros indicando que o avanço das geleiras ocorreu
causa para a dispersão dos grupos, resultando na fragmentação das
também em períodos anteriores, havendo evidências de, no mínimo, dois
populações e no consequente isolamento entre elas, durante a primeira desses eventos, com o último deles tendo durado 200 mil anos, de 2,4 a
fase da história humana, a pré—história, que cobre o período desde a origem
2,2 milhões de anos atrás, no Piioceno. Porém, vamos nos concentrar nos
até aproximadamente 12 mil anos ap (antes do presente).
eventos do Pleistoceno porque é neste período que os indivíduos do gênero
Assim, por ondas migratórias sucessivas, de pequenos grupos, a Homo estavam se dispersando pelo hemisfério norte. Nesses períodos,
espécie foi se dispersando. O raciocínio exposto vale tanto para a dispersão aproximadamente 300/() de toda a superfície terrestre do hemisfério norte
do Homo erectus como para a do Homo sapiens. Supondo—se que essa permanecia coberta por uma calota de gelo, sempre formada a partir do
dispersão tivesse ocorrido na velocidade de 50 a 100 km por geração, polo Norte.
supondo 5 gerações por século, não seria preciso mais do que 15 mil anos Simultaneamente ao avanço das geleiras no hemisfério norte, todo o
para ir da África Oriental ao Extremo Oriente, A taxa de dispersão de um planeta tinha os ambientes afetados pela queda de temperatura, redução da
grupo animal é medida pela distância entre o local de nascimento e o local umidade e diminuição do nível dos oceanos. E mais, o clima predominante
de reprodução dos indivíduos. O termo para isso, em inglês, é vagility, cuja no hemisfério Sul, incluindo a África, próximo ao Equador, embora livre das
tradução para o português não existe em dicionário, embora já tenha visto geleiras, era frio e seco, ocasionando a redução de áreas florestadas e a
o uso de vagilidade. Este conceito é interessante porque, mesmo espécies expansão de vegetação adaptada a clima seco.
que se deslocam muito durante a vida podem ter capacidade de dispersão
Para efeitos didáticos, o Pleistoceno é dividido em inicial, médio e tardio,
pequena, caso retornem ao local de nascimento para se reproduzir. Em
e as datas aproximadas de ocorrência das geleiras no período são:
termos de genética de populações, é como se os indivíduos nunca tivessem
saído do lugar. Exemplos bem conhecidos desses casos: o salmão, as 1. Pleistoceno Inicial — 1,65 milhões a 700 mil anos antes do presente (ap)
tartarugas marinhas e varias aves migratórias. — a geleira conhecida por "Nebraska” avançou no início do período, houve
192 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capítulo 14 A Espécie Humana
,
193

oscilações de avanços e recuos posteriores. O último avanço foi por volta que as populações da África eram maiores do que as populações fora dela,
de 730 mil anos ap. e a descontinuidade de fósseis sugere que a extinção de populações era
2. Pleistoceno médio — 700 a 130 mil anos ap — um período interglacial prolongado, muito frequente fora da África.
com aumento da temperatura média, da umidade e do nível dos oceanos Assim, embora sejam encontrados fósseis de Horno erectus no centro da
devido ao recuo das geleiras; houve aumento de áreas florestadas e redução
Ásia (como os fósseis de Dmanisi, Geórgia, datados de 1,8 milhões de anos),
de áreas de vegetação seca.
não significa que o Homo erectus tenha vivido na Eurásia permanentemente
3. Pleistoceno tardio — 130 a 10 mil anos ap —— Talvez por ser mais recente, a a partir daquela época. Um quadro mais lógico sugere que a dispersão do
documentação sobre o período esta bem preservada. Ate 90 mil anos ap a Homo erectus foi modulada pelo avanço e recuo das geleiras, com expansão
temperatura continuou quente. Entre 90 e 70 mil ap, houve avanço da geleira
da sua área de ocorrência para o Norte nos períodos interglaciais e extinção
chamada Wisconsin. Entre 70 e 20 mil, alternância de períodos frios e quentes
dessas populações nos períodos glaciais. Não esta descartada a possibilidade
em decorrência de pequenos recuos e avanços da geleira. A partir de 20 mil
de retorno para a África de populações geograficamente mais próximas.
anos, ocorreu um grande avanço das geleiras, cujo ponto máximo situa—se
Por outro lado, a partir da África, devem ter ocorrido várias migrações em
entre 18 e 17 mil anos ap. A partir de 14 mil anos ap, acentuou—se o recuo das
geleiras e o clima da Terra passou a esquentar novamente. direção ao Norte em períodos interglaciais e, de alguma forma, os novos
migrantes misturaram—se geneticamente com os grupos que haviam migrado
Toda vez que ocorreu uma glaciação, a calota de gelo avançou sobre a
anteriormente. Toda essa ampla e descontínua distribuição geográfica, com
mesma área territorial da geleira anterior apagando a maioria dos vestígios
da mesma, daí a dificuldade em datar as geleiras mais antigas, embora se seguidos eventos de hibridação, deve ter causado a diferenciação anatômica
saiba da ocorrência de nove eventos maiores, e haja evidências de outros entre as populações de Homo erectus, cujos fósseis, ao serem analisados,
menores. Assim, quanto mais antiga a geleira, mais vezes seus registros apresentavam marcantes diferenças, fazendo com que as populações fossem
foram apagados dificultando sua datação e a possibilidade de inferir as classificadas, inicialmente, como espécies diferentes.
consequências sobre os seres vivos da época. Evidências genéticas confirmam esse modelo de ocupação da Eurásia,
com ondas sucessivas de migração, tanto para o Homo erectus quanto
O clima nos últimos 10 mil anos para o Homo sapiens1.
O holoceno, último período do Quaternário, iniciado há 10 mil anos, Não há dúvida de que, entre 400 e 300 mil anos ap, já existiam na
é o período atual no qual está a Terra. O clima no holoceno continuou a África populações com características físicas claramente semelhantes
esquentar e as geleiras continuaram a recuar, com o consequente aumento às do Homo sapiens, com varias diferenças diagnósticas que permitem
do nível das águas dos oceanos que, anteriormente chegavam a 100 rn distingui—los do Homo erectus.
abaixo do nível atual. O ponto máximo desse aquecimento ocorreu por
volta de 8.500 anos ap. Houve, depois, um pequeno avanço das geleiras, Deliberadamente não estou usando a nomenclatura Homo sapiens sapiens,
ocasionando um período de resfriamento entre 3 e 2 mil anos ap, a pequena que supõe que a espécie humana pode ter se dividido em mais de uma
idade do gelo. subespécie, entre elas o Homo sapiens neanderthaiensis. A nomenclatura
Homo sapiens sapiens foi empregada por alguns antropólogos para designar
as populações que supostamente são ancestrais do Homo sapiens.
Influência do clima na diferenciação e dispersão do gênero Homo
Os grupos de Homo sapiens foram ampliando sua distribuição geográfica,
E indiscutível a influência do clima sobre grupos nômades de caçadores! tendo migrado para além do território africano há uns 150 mil anos. É
coletores, como os formados pelas populações de Homo erectus e de Homo evidente que, ao expandir seu território, o H. sapiens invadiu territórios do
sapiens, afetando a capacidade de sobrevivência, tanto por causa do frio, H. erectus, cujos vestigios fósseis não foram mais encontrados a partir de
como pela disponibilidade de alimentos, tanto de origem animal quanto 150 mil anos ap. Não se tem registro de como ocorreu essa substituição,
vegetal. Deve ser lembrado que os primeiros registros de sedentarismo porém, existem fortes evidências de que houve cruzamentos, com produção
relativos ao Homo sapiens datam de 12 mil anos ap. Enquanto na África as de descendentes entre H. sapiens e H. ereç-tus antes que as populações
populações tinham um clima mais quente e estável, pela proximidade ao do H.erectus desaparecessem. Assim, por introgressão, as populações
Equador, 0 mesmo não acontecia com as populações que migraram para
latitudes maiores na Eurásia, É possível imaginar, e o registro fóssil confirma, 1. Alan Terrlpleton, 2002, Out of Africa again and again. NATURE, 416 :45—51.
194 Cada Caso, um Caso,..Puro Acaso Capítulo 14 — A Espécie Humana 195

de H. sapiens certamente tem material genético das diversas populações


asiáticas de H. erectus em seu genoma.
Extinção biológica e extinção cultural
Aextinção cultural de um povo e muito comum na história da humanidade.
Em períodos históricos tivemos o desaparecimento dos Astecas e dos Incas.
Os Neandertais No entanto, basta ir ao México ou ao Peru para ver que nem Astecas nem
Estima—se, tendo como base os fósseis encontrados ate agora, que Incas foram extintos biologicamente. Muitos outros exemplos antigos e
entre 250 mil a 30 mil anos ap, populações dos Neandertais tenham vivido recentes poderiam ser citados. Os mouros permaneceram por 800 anos na
na Europa. Assim, elas teriam sobrevivido às geleiras Wisconsin, do península ibérica, quando foram expulsos. Como se sabe, 800 anos são,
Pleistoceno, entre 90 e 70 mil anos, mas não sobreviveram às de 20 mil no mínimo, 32 gerações, se considerarmos quatro gerações por século.
anos atrás. Como a partir de 90 mil anos predominou o clima frio na região, É fácil entender que a expulsão dos mouros foi mais um evento político,
em todas as imagens propostas dos Neandertais, eles estão agasalhados, cultural, religioso e menos biológico pois, certamente, durante 32 gerações
cobertos por grossas peles de animais. Eles tinham muitas características ocorreu fluxo gênico entre as populações locais. Assim, o material genético
culturais que os identificam como humanos, tais corno: enterrar os mortos
que compõe as populações atuais da península, especialmente o dos
com cerimonial, fazer pinturas, construção de ferramentas, construções de espanhóis, tem componentes herdados dos mouros.
abrigos de galhos, e também morar em cavernas.
Trabalho recente sobre essa questão de extinção de povos foi feito
Fisicamente são considerados como um Homo sapiens primitivo e por
por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul2 que
isso classificados por alguns como uma subespécie da espécie humana,
estudaram a origern genetica das populações atuais de duas cidades do
Homo sapiens neanderthaiensis. Parece que não tiveram contato com o
interior do Rio Grande do Sul. Foram utilizados marcadores de DNA do
Homo erectus ou, se tiveram, foram contatos marginais, uma vez que esses
últimos sempre habitaram zonas da Eurásia mais quentes e mais a leste. cromossomo Y e do DNA mitocondrial.
A presença deles, nesse período e nessa região da Europa, mostra que Para entender os resultados da pesquisa, relembro:
ja havia ocorrido levas de migração do Homo sapiens primitivo para fora
da Africa. Tudo indica que passaram a ter contato com o Homo sapiens a
— a principal característica do cromossomo Y e a determinação do sexo masculino
e ele é sempre transmitido de pai para filho, portanto, quanto aos cromossomos
partir de 40 mil anos ap, quando fósseis de populações de Homo sapiens, sexuais, os homens têm um cromossomo Y herdado do pai e um cromossomo
chamadas de Cro-Magnon, passaram a ser encontrados nas regiões X herdado da mãe. Pelo fato desses cromossomos serem estruturalmente
hoje ocupadas por França e Espanha, a região Basca, e que era parte do diferentes, durante a meiose não ocorre recombinação entre os cromossomos
território dos Neandertais, X e Y, o que preserva a estrutura do cromossomo Y ao longo das gerações;
O desaparecimento dos Neandertais, há cerca de 30 mil anos, ainda _ quanto ao DNA mitocondrial, ele esta localizado nas organelas citoplasmáticas
e motivo de controvérsias. Inicialmente pensou—se que eles haviam se chamadas mitocôndrias e, por estarem no citoplasma, além de não estarem
extinguido antes da chegada dos Homo sapiens modernos, por causas sujeitas a recombinação da meiose, estão presentes apenas nos gametas
climáticas, e que não teria havido contato entre eles. A medida que foram femininos (óvulo), uma vez que os gametas masculinos (espermatozóides) não
sendo encontrados fósseis contemporâneos dos dois grupos, foi aventada têm citoplasma. Assim, após a fecundação, a célula—ovo (ou zigoto) formada, e
a hipótese de que os Neandertais teriam sido exterminados pelo Homo que dá origem a um novo individuo, independente do sexo, só contém citoplasma
sapiens. Atualmente a ideia prevalecente e: dificilmente a extinção dos originário do óvulo, herdando dessa maneira as mitocôndrias da mãe.
Neandertais teria sido causada por competição direta ou luta com 0 H. De acordo com esses padrões de transmissão hereditária, o cromossomo Y e
sapiens, pelo fato de que tanto as populações do H. sapiens, quanto a dos urna herança masculina, e o DNA mitocondrial e urna herança feminina.
Neandertais, eram caçadores/coletores, pequenas e nômades. Por outro
No trabalho citado foram analisadas amostras de 150 homens das
lado, há fortes evidências de ter havido cruzamentos entre os dois grupos,
o que pode significar também que, geneticamente, os Neandertais não se cidades de Aiegrete e de Bagé. O resultado mostrou que:
extinguiram e a extinção deles teria sido mais cultural que biológica, uma — dos cromossomos Y analisados, 90º/o são de origem europeia sendo, a maioria,
vez que eles poderiam ter assimilado a cultura dos invasores. Ainda faltam de espanhóis. Os restantes 10º/o são de origem indígena ou africana;
informações para que se possa entender todos os aspectos da extinção dos
Neandertais, embora a causa mais provável seja a condição climática. 2. A.R. Marrcro et al. — IJuman Ileredity, 64: 1607171. 2007,
196 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capitulo 14 —A Espécie Humana 197

_ das sequências do DNA mitocondrial, 52% são de origem indígena, S?º/c., de constatou que aproximadamente 8% dos homens, que vivem atualmente na
origem européia e, 11 We de origem africana. Estes valores podem apresentar região de abrangência do antigo Imperio Mongol, portam um cromossomo
desvios de estimativa, pelo seguinte motivo: caso um homem com este DNArnt Y praticamente idêntico, significando 0,5ºA3 da população masculina do
de origem indígena se case com uma mulher de outra origem, ele passara aos mundo, o que da aproximadamente 16 milhões de pessoas. Esse mesmo
descendentes o seu DNA nuclear, que contem parcelas de origem indígena, marcadorjá foi encontrado em descendentes de asiáticos em vários outros
mas não o DNAmt. Neste caso, o valor de 520%; seria uma subestimativa. continentes. O dado indica que todos esses homens têm um ancestral comum
Estes resultados revelam claramente não so a origem genetica histórica e suspeita—se que todos sejam descendentes da família do Imperador Genghis
da população atual daquelas cidades, como também o poder das técnicas Khan. Esse império estendia—se ao longo da Ásia e em parte da Europa,
moleculares, com o uso do DNA, para esse tipo de estudo. Confirmam indo do Oceano Pacífico, passando pela região do Mar Cáspio, cobria os
também o que já se sabia da história daquele povo, ou seja: territórios desde a China até próximo a Áustria. Durou algumas centenas
de anos, entre os séculos 10 e o 13, sendo que Genghis Khan, o imperador
,
os europeus que chegaram aquela região eram, na maioria, homens e mais conhecido, viveu entre os anos de 1162—1227. A história registra que,
espanhóis; em todos os territórios invadidos pelo exército Mongol, os homens eram
— os nativos locais, índios Guarani e Charrua, foram praticamente dizimados tanto assassinados e as mulheres estupradas, sendo as mais bonitas reservadas
física como culturalmente. Os índios Guarani sobreviveram em outras regiões para o imperador e seus filhos. Há ainda relatos históricos de que vários
próximas, principalmente no Paraguai, mas os Charrua foram extintos. Porém, membros da dinastia Khan tiveram mais de 500 filhos reconhecidos.
enquanto os homens eram mortos, as mulheres indígenas cruzaram com os
Não precisamos ir tão longe na história para achar esses exemplos e
invasores, espontaneamente ou não. Assim, embora culturalmente extintos, o
nem precisamos procura—los em populações ditas primitivas sob o ponto
material genético das mulheres indígenas passou de uma geração para outra
de vista cultural. No final do século 20, na Bósnia, houve uma ocorrência
e chegou até hoje, fazendo com que, biologicamente os índios representem
dessa natureza pela ação dos Sérvios e está acontecendo, hoje, em diversas
uma porcentagem alta da composição genetica atual das populações de
áreas territoriais da África, como em Ruanda, em Darfur, no Sudão (ha mais
gaúchos dos pampas;
de 10 anos) e mais recentemente no Quênia.
os dados mostram tambem a pequena influência dos africanos, resultado do
A situação dos povos da África e dramática em relação a genocídios,
,

pequeno contingente de escravos que foram levados para o Sul.


porque, antes de os europeus se acharem donos da África, a partir do século
Portanto, no caso da espécie humana, quando se fala da extinção
XVIII, a estrutura populacional era tribal, corn nítida e antiga demarcação de
de um povo, ou de uma população, é preciso estar atento para verificar
território, gerando etnias diferentes com culturas distintas, corn diversificada
se a extinção foi biológica, quando os indivíduos morrem sem deixar
arte, língua e religião. Cada tribo defendia o próprio territorio, sempre com
descendentes, ou cultural, quando os indivíduos mudam os hábitos, e muitas batalhas, usando armas artesanais eliminadoras de um indivíduo
linguagem, e desaparecem como cultura. de cada vez. Com a entrada dos europeus, principalmente nos Últimos 300
É preciso distinguir quando a extinção de um povo é decorrente de uma anos, o continente foi dividido em estados artificiais, juntando num mesmo
ação de competição por território, por campo de caça, como acontece com território tribos e etnias diferentes. Para melhor controlar a situação, em
os animais em geral e deve ter acontecido desde os primeiros hominídeos, cada país, o invasor europeu escolheu uma tribo, uma etnia, e deu a ela
ou quando é decorrente de uma ação consciente, institucional, cujos armamento pesado para se impor sobre as outras. A quebra do equilíbrio
motivos são políticos e não visam necessariamente a sobrevivência física milenar de forças entre as tribos desencadeou a maior taxa de extermínio
dos indivíduos. Tais observações são necessárias para se poder diferenciar de diversidades biológicas e culturais de todos os tempos.
quando a sobrevivência de um povo é decorrente de seleção natural ou
fruto de desenvolvimento cultural. Ou seja, no caso dos espanhóis, sera que
dominaram os índios Guarani e os Charrua porque eram biologicamente
Início do período histórico da humanidade
melhores do que eles? Encerro a história da origem da espécie humana por volta de 12 mil
anos atrás, quando as populações humanas, sobreviventes a última grande
glaciação (18 a 14 mil anos ap), eram formadas apenas pela especie
Os genocídios Homo sapiens, pois todas as outras haviam desaparecido. Naquela época
Existem registros de genocídios, de ação deliberada de faxina étnica, as populações estavam dispersas em todos os continentes e, na região
como política de um povo desde o início da história da humanidade. Um chamada de Oriente Médio ou “crescente fertil”, na região da China atual,
grupo internacional de geneticistas, estudando dados do cromossomo Y, na região do México e do Peru, elas foram trocando os hábitos nômades
198 Cada Caso, um Caso.._Puro Acaso Capítulo 14 ;A Espécie Humana 199

de caçadores/coletores por habitos sedentários, com o início da agricultura


e pecuária com a domesticação de vegetais e animais. Os novos hábitos
Seleção natural
provocaram um crescimento populacional sem precedentes, que trouxe, A importância da ação da seleção natural na evolução da espécie
como consequência, maior estrutura social com divisão de funções e, humana é um dos assuntos mais controversos pelo fato de o Homem
principalmente, com estrutura de poder centralizado que, para a maioria passar a controlar o ambiente, a partir de algum momento. Pela seleção
natural, o valor adaptativo de um genótipo depende de sua capacidade de
dos povos, veio acompanhado dos misticismos e das religiões.
sobrevivência e reprodução. No caso da espécie humana atual, existe uma
enorme dificuldade em separar a influência biológica da influência cultural
O documentário fóssil e as extinções sobre a capacidade de sobrevivência.
Ainda como ressalva deve ser considerado que, embora o documentário De acordo com fatos atuais e históricos, hã concordância sobre o
fóssil mostre urna sobreposição geográfica dos fósseis de Homo sapiens e aumento da capacidade de sobrevivência de uma população devido a seu
Homo erectus na Ásia bem como de Homo sapiens aos dos Neandertais maior desenvolvimento cultural, envolvendo nessa consideração, desde
na Europa, não deve ser descartada a possibilidade de que os contatos o aprimoramento de controle do ambiente, de produção de alimentos, de
entre essas populações tenham sido raros ou inexistentes. controle sobre doenças, e até mesmo da quantidade de produção de armas
com maior capacidade de extermínio.
Como o espaço de tempo entre a datação de um fóssil e outro, nos últimos
500 mil anos, geralmente é na escala de centenas, dezenas ou milhares de É um equívoco associar maior desenvolvimento cultural a um genótipo
anos, e entre esses períodos o clima alterou—se profundamente, deve—se mais bem adaptado. Atreladas a esse conceito biologicamente errado, na
considerar a hipótese de ocorrência de extinções nos períodos intermediários, realidade um sofisma, estão as maiores atrocidades étnicas praticadas
nos quais ainda não foram encontrados fósseis. Assim, quando uma nova pelos povos ditos culturalmente mais desenvolvidos contra os considerados
onda migratória, a partir da África, atingia os mesmos territórios ocupados menos desenvolvidos. Os mais desenvolvidos agem como se estivessem
cumprindo urn desígnio de um ser supremo que, ao fazê—los biologicamente
por populações anteriores, essas poderiam já estar extintas.
melhores, deu a eles o direito de exterminar os inferiores. Pior ainda quando
De acordo com a hipótese, a África teria sido sempre o local onde as consideram que assim agem cumprindo uma missão divina. Logicamente
populações do gênero Horno eram maiores e, portanto, mais estáveis, e de este raciocínio simples não é o dos comandantes, que são movidos por
lá partiram várias levas de migrantes nos últimos 2 milhões de anos. Mesmo interesses ainda mais espúrios de poder ou de riqueza. Mas, certamente,
assim, há evidências de que por vários períodos as populações humanas, é o que está na cabeça dos soldados, que estão na linha de frente destas
tanto na Africa quanto na Eurásia, passaram por crises que levaram muitas batalhas genocidas, ou dos feitores da escravidão. Dada a sua maior
populações a extinção e, por várias vezes, a espécie chegou a estar próxima capacidade mental, a espécie humana e a única em que os indivíduos
da extinção devido a críticas reduções populacionais, caracterizadas como colocam em risco a própria vida e até se matam em nome de conceitos tais
funis ou “bottle neck”. Só a partir do recuo da última geleira, ao redor de 12 como pátria, etnia, alma, que, além de abstratos, estão além do indivíduo
mil anos, é que as populações humanas passaram a aumentar de tamanho e de sua família,
e atingiram a distribuição geográfica atual. A espécie humana, originária de frequentes fusões de populações no
passado, continua o mesmo processo até hoje. Desde os primeiros registros
Atuação dos fatores evolutivos na evolução humana históricos constata—se que, ciclicamente, alguns povos se deslocam do
seu ponto original, ora em busca de melhores condições de vida, ora para
Como todos os fatores evolutivos atuam quase que simultaneamente conquistar outros povos, ocupando novos territórios. Mesmo que a invasão
sobre as populações, eventualmente um ou outro fator pode estar ausente, representasse guerra, sempre havia troca gênica entre eles, situação que
mas nunca se tem o caso de um atuar sozinho. Avariação de um fator pode permanece. Assim, sob o ponto de vista genético/biológico, não tem sentido
ser mais importante ou mais influente do que outro num dado momento, se pensar em raças puras dentro da espécie humana atual, uma vez que
dependendo do ambiente, da estrutura da população ou de eventos todos os eventos são recentes dentro do conceito de tempo evolutivo.
históricos.
Embora se admita que, dentro da variabilidade genética das populações,
Ao longo deste tópico, apresento cada fator evolutivo separadamente existam indivíduos biologicamente mais inteligentes e outros menos inteligentes,
e, como a mutação é um fator que atua na espécie humana, exatamente e quase impossível medir—se corn exatidão o quanto da inteiigência de um
como nos demais seres vivos, é desnecessário retorna—Ia. indivíduo é devido a fatores hereditários e o quanto e' ambiental. Portanto,
200 Cada Caso. um Caso...Puro Acaso Capítulo 14 A Espécie Humana
,
201

esse não e um critério classificatório seguro que possa ser aplicado a Apesar da interferência cultural, a seleção natural continua atuando
indivíduos e, consequentemente, muito menos a populações. em todas as gerações, independente de ser percebida ou não. O fato de
não haver mudanças anatômicas significativas na espécie, no mínimo nos
A ação do ambiente, os condicionamentos, as informações, as experiências, últimos 100 mil anos, não significa que a seleção deixou de atuar durante
atuando sobre cada indivíduo, desde o nascimento, mascaram totalmente quaisquer o periodo. E bom lembrar que a seleção tanto pode ser direcional como
diferenças biológicas preexistentes que possam estar entre ele e os demais estabilizadora, e no caso da evolução da espécie humana, tudo indica que
membros da população, os quais também foram submetidos a experiências
todas as mudanças nos últimos 4 milhões de anos, embora tendo afetado a
individuais desde o nascimento. Portanto, embora se tenha de admitir que,
estrutura física aparente das populações, adaptando—as as necessidades de
eventualmente, existam sociedades culturalmente mais desenvolvidas que
sobrevivência, não afetaram as características básicas que levariam a uma
outras, não se pode dizer que existam sociedades mais evoluídas biologicamente
em relação a outras. Mesmo sendo facil de falar, difícil é fazer a classificação diferenciação reprodutiva. O fato de não ter havido isolamento reprodutivo
entre elas, mesmo com diferenças anatômicas visíveis, possibilitou e ainda
quanto ao desenvolvimento cultural. Quais os marcadores e critérios que devem
ser usados? Desenvolvimento econômico? PIB? Tamanho e equipamentos do possibilita cruzamentos, com hibridação, toda vez que indivíduos de diferentes
exercito? Número de bibliotecas? De analfabetos? Vida média? Qualidade de populações se encontraram ou se encontram num mesmo território.
vida — IDH? Capacidade artística? Alegria? De vez em quando, por uma mudança ambiental restrita, a seleção natural
Voltando à ação da seleção natural, sob o ponto de vista biológico, atua de forma mais visível corno, por exemplo, quando do surgimento de uma
a medida que o Homem passou a dominar o ambiente, devido a seu doença infecciosa nova, como foi o caso da gripe espanhola. Como acontece
desenvolvimento cultural, a pressão de seleção a que estavam submetidas na maioria dos casos, os sobreviventes à gripe não necessariamente são
as populações de caçadores/coletores diminuiu. O uso do fogo, de roupas, o biologicamente melhores do que os que morreram. Eles simplesmente tinham
abrigo em cavernas, a construção de abrigos, o desenvolvimento de armas, a pre—adaptação de resistência ao vírus da gripe, o que foi o suficiente para
amenizaram as deficientes condições físicas de sobrevivência. Assim, os que apenas os genótipos deles fossem passados para a geração seguinte.
indivíduos ou populações que poderiam ser eliminados por deficiências E possível que, entre os mortos, tenham sido perdidas características
biológicas acabaram sobrevivendo pela capacidade de contorna—las, genéticas que poderiam ser importantes em outros ambientes, como foi
Esse é um dos motivos da grande diversidade genética das populações mostrado no caso das moscas resistentes ao DDT.
humanas, pois a sobrevivência de um indivíduo da população humana,
Embora nunca se possa afirmar que um fator evolutivo seja o único
em sociedades mais desenvolvidas, depende mais de sua condição social
de que de sua potencialidade genetica, ao contrário dos outros animais responsável pela alteração de um caráter, urna adaptação visível, a da cor da
que, para sobreviverem, dependem de genótipos melhores e adaptados a pele, certamente foi reforçada por seleção natural. Salvo exceções, cornurn
um ambiente restrito. Volto a usar o exemplo da miopia para dizer que, na em todas as regras, em decorrência de diferentes pre—adaptações, de relevo
natureza, não existem onças miopes. A miopia para a espécie humana atual regional, ou de origem histórica, a pele das populações do Homo sapiens
deixou de ser prejudicial à sobrevivência pelo uso de lentes corretivas; para na Eurásia e mais despigrnentada à medida que se afasta do Equador e
a onça é letal, pois provavelmente ela morreria de fome. Assim, os alelos se aproxima do polo Norte. A melhor explicação para tal fato e a diminuição
mutantes para miopia permanecem nas populações humanas, enquanto de insolação, em direção ao Norte, não só pela mudança no ângulo de
são eliminados nas populações de onça. incidência dos raios solares, como também pela redução de número de
horas de ação do sol durante o dia (dias mais curtos e noites mais longas).
O atendimento médico, principalmente até que o indivíduo atinja a idade
O documentário fóssil mostra que a quantidade de problemas ósseos,
reprodutiva, mascara a seleção natural, A assistência na hora do parto e o decorrentes de raquitismo, foi muito frequente nos primeiros povos que
uso de vacinas certamente dão a mesma probabilidade de sobrevivência
atingiram latitudes mais altas. A menor taxa de fixação de cálcio nos ossos
a genótipos que poderiam ter essa probabilidade diferente em condições
provavelmente é uma das consequências da diminuição da exposição a raios
naturais. Recentemente, uma colega disse ao médico que não queria que sua
solares. É fácil imaginar que houve uma seleção favorecendo indivíduos
filha fosse vacinada porque, como bióloga, achava que esse procedimento
não era natural. Para sorte da filha, o medico respondeu que tudo bem, que tivessem mutações que tornassem a pele mais clara, aumentando
que ele respeitava a opinião da mãe ao querer submeter a filha a seleção a capacidade de absorção da luz solar num dado período de tempo, em
natural. No entanto, lembrou ele que, pela seleção natural, os não adaptados relação a indivíduos com pele mais escura. Os Neandertais, que tinham
morrem e será interessante saber se a sua filha estará entre os indivíduos pele clara, provavelmente também tenham sido afetados por problemas
que têm genótipo para sobrevivência. A filha foi vacinada. dessa natureza.
202 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capítulo 14 —A Espécie Humana ,
“7203
Se hoje existe a diferença de intensidade solar a medida que nos O tamanho populacional, a deriva genética e a endogamia
aproximamos dos polos, imagine o mesmo fato durante os períodos glaciais,
quando a seleção para cor mais clara de pele deve ter sido acentuada. As populações humanas sempre foram muito pequenas e, consequentemente,
Essa modificação da cor de pele acarretou algumas complicações como, endogãrnicas. Esta estrutura populacional fez com que a diferenciação
por exemplo, a maior incidência de câncer de pele em populações nórdicas. entre elas fosse muito mais rapida e com maior probabilidade de eventos
Por que esse problema não atrapalhou a seleção de pele mais clara? casuais em decorrência da deriva. A enorme diversidade encontrada nos
Provavelmente porque o câncer de pele geralmente atinge pessoas depois da fósseis, e a origem das diferenças físicas entre as populações humanas
idade reprodutiva, quando já podem ter passado seu material genético para atuais também podem ser decorrentes desta estruturação e também de
a geração seguinte. Além disso, nos povos primitivos, a vida não passava isolamento. Em decorrência das diferenças fisicas, os diferentes tipos
dos 50 anos e, dificilmente, em média, os indivíduos ultrapassavam os morfológicos da espécie são muitas vezes designados corno raças humanas.
40 anos. Alelos que provocam doenças letais, mas que só se manifestam Estas designações são feitas baseadas em aparências e têm mais sentido
depois de idade reprodutiva, não tem sua frequência afetada por efeito da cultural que genético/biológico.
seleção natural, uma vez que o indivíduo atingido pela doença já pode ter
passado o alelo para os descendentes, para as gerações seguintes. Estão É frequente alguns estudantes ou interessados pelo assunto perguntarem
nesse caso, o diabetes, a maior suscetibilidade da pele clara a ter câncer se a população humana continuará evoluindo, se o cérebro continuará
de pele, a maioria das doenças coronarianas. crescendo, se a mandíbula diminuirá, se o dente do siso desaparecerá,
Não resta dúvida de que a espécie humana só sobreviveu às geleiras
se o apêndice intestinal sumirã e outras perguntas semelhantes. Embora
e aos climas frios porque desenvolveu, culturalmente, mecanismos para em evolução não se possa prever o futuro, a resposta para todas essas
supera—los. Certamente a espécie não tem as adaptações biológicas dos questões e: corri o atual tamanho populacional, dificilmente ocorrerá
ursos polares, dos lobos, dos caribus, dos pinguins. Mesmo assim, a qualquer mudança evolutiva significativa e, com a continuidade da migração
espécie não ficou totalmente isenta de pressões seletivas, como a que interpopulacional, a tendência será, cada vez mais, desaparecerem as
reduziu a pigmentação da pele, e nem de diversos problemas psicológicos e diferenças físicas entre os povos.
orgânicos/fisiológicos que atingem as populações nórdicas em decorrência, Podemos considerar que todo ser humano é parente um do outro em
principalmente dos dias curtos e falta de sol. Essas populações humanas, maior ou menor escala pois as populações humanas sempre foram pequenas
provavelmente, ainda possuam características biológicas para serem
e, consequentemente, endogãmicas, e toda a humanidade é originária de
nômades e migrarem ciclicamente, nas diferentes estações do ano, como
fazem aves e os caribus. poucos e pequenos grupos humanos que migraram para alem da África e
sobreviveram ao rigor dos diferentes ambientes.

Estrutura de acasalamentos Apresento alguns calcuios, feitos por Malba Tahanª, que ilustram bem
o assunto:
A evolução socio/cultural tornou a espécie humana monogamica,
diminuindo muito o efeito da seleção sexual. As causas de formação de casais e Um indivíduo A, qualquer, tem: 2 pais, 4 avós, 8 bisavós, 16 trisavós, 32
deixaram de ser apenas questão de força física do macho e permitiram que tetravós, 64 pentavós, 128 hexavós, 256 heptavós e assim por diante.
as chances de todos os machos da população se acasalarem fossem quase Considerando a possibilidade de nenhum dos ancestrais dele serem parentes
as mesmas. Em algumas ocasiões, como no caso das guerras, a situação entre si, nesta proporção, considerando 4 gerações por século, em 500
chega até a se inverter, quando machos, fisicamente mais fortes, vão para anos, ele teria 1.048_576; no século 1, da era cristã, este número chegaria a
a guerra e, na população, ficam as mulheres e os homens fisicamente mais 1.208,925.819.614.629.174_706_176.
fracos. Essa situação deve ter ocorrido muitas vezes nos pequenos grupos
Evidentemente, essa quantidade de pessoas nunca existiu, aliás, o que
iniciais dos Australopithecus, do Homo erectus e do Homo sapiens, bem
como durante todos os períodos em que as populações foram pequenas existiu e muitas vezes menor do que tal quantidade, 0 que permite inferir
em certos períodos históricos, como durante toda a Idade Média. que, se recuarmos algumas gerações, poderemos encontrar, para cada um
de nós, ascendentes comuns e uma incalculável parentela.
Populações monogamicas também têm maior tamanho efetivo populacional
que, alem de garantir a manutenção de maior variabilidade genética, e um
fator muito importante quando as populações são muito pequenas, como 3. Malba 'l'ahaxl é o pscudônirno do escritor brasileiro Júlio César de Mello 6 Souza, cuja obra
a maioria dos grupos humanos nômades caçadores/coletores. nªlais conhecida é “O IIomcm (luo Calculava".
204 Cada Caso, um Caso.._Puro Acaso —
Capítulo 14 A Espécie Humana 205

Conclusão: em decorrência de as populações humanas terem sido A Única exceção, ainda que parcial, são os pigmeus. Há um item especial
sempre pequenas, somos muito mais parentes uns dos outros (entre as sobre eles ainda neste capítulo.
pessoas corn as quais convivemos ou não) do que podemos imaginar.
Em termos históricos, parece não existir maior distância geográfica e
Cada um de nos e resultado de muitos cruzamentos endogãmicos, de
filogenética que entre os povos africanos e os índios sul—americanos. Os
recentes hibridações de diferentes indivíduos, de diferentes populações
ancestrais dos índios atravessaram toda a Ásia e atingiram as Américas
decorrentes das migrações das populações humanas, enfim, um tremendo
pelo Alaska, através do estreito de Behring. Ao se tornarem simpátricas em
coquetel genético, território americano, a partir do século 16, não havia isolamento reprodutivo
entre essas populações que haviam permanecido isoladas geograficamente
Migração, fluxo gênico, hibridação por milhares de anos.
O fato de a seleção ser estabilizadora para as características Na realidade, existem mais diferenças biológicas entre as etnias
reprodutivas e o principal fator responsavel pelo fato de as populações do africanas, embora todas sejam classificadas como negras, do que em todo
gênero Australopithecus e do gênero Homo não serem totalmente isoladas resto da humanidade. Cientificamente essas diferenças entre as etnias
reprodutivamente uma das outras. Nem a fragmentação territorial dos africanas são conhecidas há décadas e estudos recentes, com marcadores
Antropóides foi suficiente para estabelecer isolamentos, mesmo porque moleculares, confirmaram a existência das mesmas em um estudo feito
populações alopatricas, quando desenvolvem isolamento reprodutivo, na com os bosquímanos. Esse povo, que já ocupou no passado todo o sul da
e
maioria dos casos, o isolamento pós—zigótico, possibilitando, em caso de África, hoje está restrito a região do deserto do Calaári (ou Kalahari) situado
simpatria, a ocorrência de cruzamentos híbridos que podem resultar desde entre a Namíbia, Botsuana e África do Sul e corre risco de extinção; não
introgressão ate fusão dos conjuntos gênicos das duas populações. tem escrita e a transcrição fonética de seu idioma é difícil porque, além do
som normal da fala, existe um estalido feito pela língua que distingue o falar
Na evolução das linhagens que deram origem a espécie humana, desse povo do falar de toda a humanidade. Por isso, até o nome do povo
cruzamentos interpopulacionais provocaram grandes misturas gênicas tem grafias diferentes, como "!Kung” (o sinal de exclamação e para marcar o
e, como uma das consequências, características surgidas em diferentes estalido) ou como “Khoisan”. O termo bosquírnano, cunhado pelos primeiros
populações reuniram—se numa só. De maneira que, mesmo considerando exploradores, também e usado para identifica—los. Ficaram conhecidos do
que a hipótese de out ofAfrica seja a mais aceita, deve—se considerar que foi público em geral através do filme Os deuses devem estar loucos4 em que
um evento muito complexo e não linear. Ou seja, não é que sendo originário durante toda a narrativa um pai aparece correndo pelo deserto atrás do
da África o Homo sapiens simplesmente saiu pelo mundo e transformou— filho pequeno, que foi levado por engano em um caminhão.
se na única espécie sobrevivente do grupo exterminando todas as outras
Provavelmente, o fato de a diferenciação entre as tribos africanas ser
populações do gênero Homo que eventualmente ainda existissem.
maior do que a encontrada entre todas as demais populações humanas fora
Primeiro, não houve uma única saída da África. A presença dos da África, tenha razões históricas associadas as migrações dos primeiros
Neandertais ha 300 mil anos na Europa, comprova essa afirmação, Foram grupos humanos para fora da África. Ou seja, toda a humanidade, fora da
vários grupos que saíram, sendo que muitos deles simplesmente não África, é descendente de poucos grupos oriundos de populações localizadas
sobreviveram. As populações sobreviventes foram expandindo lentamente a na região Nordeste e Leste da África, enquanto as populações de outras
área de ocupação, geração a geração, sobre os territórios das populações regiões africanas permaneceram isoladas, e se diferenciando, no restante
de hominídeos eventualmente já existentes, atraves de imposições culturais do continente.
e com hibridação.

Portanto, ainda e difícil avaliar qual percentual de material genético, de cada Os plgmeus
uma das populações ancestrais, esta presente na espécie humana atual. Confirmando a maior diferenciação na África, existe isolamento reprodutivo
assimétrico, pós—zigótico, do tipo mecânico, entre as demais populações
Isolamento reprodutivo entre as populações atuais humanas e os pigmeus. E o único caso na espécie humana. O isolamento

Não há isolamento reprodutivo entre as populações humanas atuais, por


maior que sejam as aparentes diferenças físicas ou as diferenças culturais. 4.7 Este filme foi escrito e dirigido por Jamie Uys e lançado em 1980.
206 Cada Caso. um VCaso...Puro Acaso

é chamado assimétrico porque só cruzamentos de homens normais com


mulheres pigméias é que resulta na morte da mãe e da criança no momento
do parto, porque há uma incompatibilidade de tamanho entre as duas.
Últimas Palavras
Atualmente este problema pode ser eventualmente resolvido através de parto
cirúrgico. Cruzamento entre homens pigmeus e mulheres normais resulta “Uma formiguinha atravessa em diagonal a página ainda em branco,
em descendentes normais e férteis. Como todas as etnias minoritárias da Mas ele, aquela noite, não escreveu nada. Para quê?
África, os pigmeus sofrem hoje grandes agressões diretas e veem o ambiente Se por alijá havia passado o frêmito e o mistério da vida... ” El
em que vivem, no interior das florestas de lturi, na República Democrática Mario Quintana
do Congo, ex—Zaire e ex—Congo Belga, sendo destruído por povos vizinhos,
Os pigmeus correm risco real de extinção.
Neste capítulo retorno alguns temas, abordo alguns assuntos gerais,
analiso algumas pesquisas atuais. Comento ainda mais alguns aspectos
Os polinésios também chegaram à América do Sul relativos à espécie humana. Certamente não esgoto o assunto e nem essa
Apenas para complementar as informações sobre a origem do Homem nas era a intenção. Aquem se dispuser, a releitura do texto será diferente a cada
Américas, há fortes indícios de que outras populações possam ter chegado vez, e as dúvidas remanescentes sobre o processo podem, além disto, ser
a América do Sul por outra rota além do Estreito de Behring. Quando do meu repensadas corn a leitura de outros textos.
pós—doutoramento no Havaí, em 1975, fiquei impressionado com a aparência
de pessoas descendentes de cruzamentos de polinésios, com negros, O conteúdo básico e essencial para explicar a origem e a diversidade
dos seres vivos são as informações relativas as evidências, às análises e
ou com japoneses, ou com filipinos, porque eles se assemelhavam muito
ao raciocinio científico apresentados, mostrando que o processo evolutivo
corn pessoas com as quais convivemos aqui no Brasil. Fiquei imaginando
ocorre devido a princípios biológicos, químicos e físicos e sempre de forma
que, se os polinésios ao navegarern, haviam conseguido chegar ao Havaí,
natural e casual.
provavelmente eles também pudessem ter chegado à América do Sul.
Depois disso, já foram encontrados marcadores genéticos que sugerem que
realmente isso tenha acontecido. Porém, a prova mais concreta de que os A diversidade da vida
polinésios chegaram a America do Sul foi dada em 2007, ao ser encontrado
A ideia de que a evolução tende a transformar os organismos em
em El Arenal, litoral do Chile, fósseis de frango com mais de 500 anos, cuja
maiores e mais complexos é decorrente de um viés de observação e não
analise genética mostrou que eles são iguais aos frangos encontrados hoje
se confirma diante dos fatos. A maioria dos organismos é invisível a olho
nas ilhas polinésias de Vanuatu, Tonga, Samoa, localizadas ao norte da
nu. Os micróbios compõem a maior parte dos seres vivos sendo que SOºA
Nova Zelândia. Como se sabe, nessas viagens em busca de novas ilhas,
deles vivem abaixo da superfície terrestre.
os polinésios sempre levavam, em seus barcos, porcos e galinhas.
Uma árvore da vida simplificada, mostrando as relações filogenéticas
dos seres vivos atuais é mostrada na Figura 15.1.

Populações sob estresse adaptativo têm


maior probabilidade de evoluir
De tudo o que foi exposto nos capítulos anteriores, fica evidente que:
1. uma população bern adaptada a um ambiente, que não sofra alterações
por longo período de tempo, tende a aumentar de tamanho;
2. ao aumentar de tamanho. transformando—se numa população grande,
ela se torna mais estável sob o ponto de vista evolutivo, pois predomina
sobre ela a ação da seleção estabilizadora, e tende a entrar num período
de estase, conforme postulado pela teoria do equilíbrio pontuado, período
no qual permanece enquanto for grande:

o
d
u
ln
º
208 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso —
Capítulo 15 Últimas Palavras 209

4. para que uma população grande se torne pequena, a capacidade reprodutiva


Eucarya
dos indivíduos tem de se tornar negativa e a mortalidade tem de aumentar
Fungos muito. As duas situações só ocorrem se houver uma mudança ambiental
Plantas
Animais que faça com que a população deixe de ser bem adaptada ao ambiente e,
Ciliados nesta condição, normalmente, a população e extinta; outra possibilidade
é o efeito do fundador;
Mofos do lodo Flagelados
5. a população, eventualmente, pode sofrer alterações na estrutura e
Endamebas Tricomonados constituição genética que possibilitem sua adaptação às novas condições
Diplomonados ambientais.
Bacterla'
.
Microsporldios
.. Portanto, pode—se afirmar que, na esmagadora maioria dos casos, as
populações que evoluem são as que estão sob estresse adaptativo e não
Gram—positivas as bem adaptadas. Esta constatação tem um efeito demolidor na ideia de
Bactérias verdes que a evolução seja sinônimo de progresso, e que ela ocorra sempre para
não—sulfurosas Archaea melhorar o que ja existe.
Bactérias-púrDura Eugarchaeota
Podemos usar como exemplo a evolução dos vertebrados de vida
Cianobactérias crenarchaeota Methanosarcina aquática que evoluíram para terrestres, ou seja, a origem dos anfíbios a
Haloarchaea partir dos peixes. Os vertebrados surgiram nos oceanos ha 600 milhões de
Flavobactérias Methanobacterium anos, período em que surgiram os peixes, Os anfíbios terrestres surgiram ha
Methanococcus 400 miihões de anos. Portanto, durante 200 milhões de anos só existiram
Thermotogales Tceler vertebrados em ambientes aquáticos e a referida situação poderia permanecer
até hoje. Porém, durante os primeiros 200 milhões de anos ocorreram
Thermoproteus mudanças dos ambientes terrestres e, também, da composição atmosférica,
Pyrodictium principalmente como resultado da fotossíntese das plantas e, várias outras
reações metabólicas de algumas formas de vida animal, principalmente
as dos invertebrados. Tais alterações criaram ambientes que permitiram a
sobrevivência de organismos que saíram das águas salgadas (oceanos)
e puderam viver na água doce (rios e lagos) e evoluíram a capacidade de
respirar fora da água, e tornaram—se terrestres.
O mesmo trajeto foi seguido pelos vertebrados, os peixes oceânicos,
que evoluíram com adaptações que permitiram a eles viver em água doce,
O mais recente ancestral comum a
todos os seres Vlvos O sucesso adaptativo dos peixes de água doce é bem conhecido. Porém,
algumas populações passaram a viver em áreas onde, por razões locais, a
disponibilidade de oxigênio na água era menor, ou variava conforme a epoca
Figura 15.1 — Filogenia dos seres vivos baseada em sequências de RNA. Dessaenorme diversidade, do ano. A pressão de seleção, decorrente da falta de oxigênio disponível
na água, deve ter favorecido os indivíduos que adquiriram, por mutação
apenas no ramo dos Animais, Fungos e Plantas existem organismos visíveis sem ajuda
casual, capacidade para retirar oxigênio do ar. Como nenhum orgão novo
de aparelhos.
surge a partir do zero, alterações na bexiga natatória alteraram a função
deste órgão que passou a funcionar como um pulmão primitivo. A bexiga
3. a única possibilidade de uma população, nessas circunstâncias, sair do natatória dos peixes tem a função de regular a densidade do corpo do
peixe em relação a densidade da água. Esses peixes, capazes de retirar
período de estase para entrar num período pontuado, é se ela se tornar
oxigênio da água ou do ar, chamados peixes pulmonados, ou dipnóicos (que
pequena, quando a deriva genética e a seleção direcional ou disruptiva =
significa respiração dupla, do grego pnoikós respirar) tiveram sucesso
passam a atuar, desestabilizando o equilíbrio genômico; adaptativo em decorrência da alteração de função da bexiga natatória, e
210 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso —
Capitulo 15 Últimas Palavras 211

muitas espécies existem até hoje. O pirarucu (Arapaima gigas), da Amazônia, Estou citando várias vezes, com detalhes, o caso da origem dos
é um dos mais conhecidos. anfíbios a partir dos peixes apenas como exemplo de uma das etapas do
processo evolutivo, o qual sempre e uma sequência de etapas e de eventos
No entanto, há 400 milhões de anos, algumas dessas populações
populacionais raros e únicos.
passaram por novas pressões de seleção, porque eventualmente, durante
épocas do ano, as águas praticamente secavam e nesses períodos de seca Sempre que uma população é colocada sob estresse adaptativo, a
os individuos tinham que viver no Iodo ou no barro. Houve, portanto, uma sobrevivência dela depende de existirem, dentro da variabilidade genética
pressão de seleção favorecendo os indivíduos que tinham melhor capacidade dos indivíduos, alguns pré—adaptados as novas condições ambientais. A
para retirar oxigênio do ar, ou seja, respirar fora da agua e de eventualmente existência da pré—adaptação depende de fatores casuais como a mutação, a
se locomover de uma poça d'água para outra- Dessa pressão, atuando recombinação e a deriva genética. Portanto, em cada momento do processo,
sobre a variabilidade resultante de mutações, decorreu uma melhora na é impossível prever o que acontecerá a seguir.
estrutura dos pulmões e também foi selecionada, em alguns organismos, a Também ocorre forte impacto quando, depois dessas explicações, as
capacidade de respirar pela pele, caso ela permanecesse úmida, mesmo fora pessoas se conscientizam de que a espécie humana e resultado de uma
da água; foi selecionada também a capacidade de locomoção fora da água infinidade de eventos casuais atuando sobre populações mal adaptadas
com a evolução dos membros. Nessas condições surgiu a primeira população em termos ambientais, e que em cada etapa do processo encontravam—se
de anfíbios, a primeira população de vertebrados terrestres. Os anfíbios (do no limite da sobrevivência. Esses fatos contrariam a visão romântica de um
grego amphibios = duas vidas), embora terrestres, ainda dependem da água projeto inteligente a partir do qual seríamos resultantes de um processo que
para reprodução. Apresentam fecundação externa e nas primeiras etapas do sempre foi decorrente da seleção atuando a favor dos melhores.
desenvolvimento o embrião (girino) é totalmente aquatico.
A partir dessa primeira população de vertebrados terrestres, numa
Evolução é coisa do passado?
sequência de adaptações e especiações responsáveis por varias irradiações
evolutivas, surgiram os répteis, com fecundação interna e botando ovos;
As populações de todas as espécies estão permanentemente expostas
as aves que, além de botarem ovos, têm coração de quatro câmaras e aos fatores evolutivos. Se sofrerão ou não modificações significativas nas
suas estruturas dependerá da intensidade com que esses fatores atuarem,
temperatura constante; os mamíferos, que além do coração de quatro
o que, em última instância, dependerá das condições do ambiente em que o
câmaras e da temperatura constante, apresentam a placenta.
organismo viva. Como o processo é lento, é comum que as pessoas pensem
que muitas espécies atuais estejam estacionadas evolutivamente.
Processo evolutivo: uma sequência de eventos raros e improváveis Quando se afirma que o ramo que deu origem ao Homem separou—se
Uma ocasião, explicando o processo evolutivo para estudantes com idade do ramo que deu origem ao chimpanzé há 8 ou 10 milhões de anos, deve
em torno de 12 anos, um deles perguntou: — Se os peixes se transformaram ser entendido que, da mesma forma, a partir daquele ancestral comum,
em anfíbios, por que existe peixe ate hoje? Tentei explicar a ele por quê, tanto o ancestral do Homem evoluiu até chegar à espécie atual como o
mas não sei se consegui esclarecer que essa transformação ocorreu uma ancestral do chimpanzé, também evoluiu até chegar a espécie atual. Ao
única vez, em uma única população de peixes, que deve ter demorado fazer esta afirmação, já ouvi mais de uma vez a pergunta: — Como que o
milhares de anos e que as demais populações de peixes não se envolveram chimpanzé evoluiu se ele continua sendo um macaco? É impressionante
no processo. E mais, que todo ano no nordeste brasileiro e outras regiões como o conceito de que o máximo do processo evolutivo é a espécie
semiáridas do mundo, existem peixes morrendo porque os rios secam e humana e que o chimpanzé só teria evoluído se tivesse virado Homem.
nem por isso eles estão mudando para anfíbios. Da mesma forma, os anfíbios de hoje não são iguais aos anfíbios surgidos
há 400 milhões de anos, nem iguais aos que deram origem aos répteis ha
Uma outra pergunta que sempre surge, em decorrência da explicação
340 milhões de anos. O processo evolutivo deles continuou e as espécies
anterior e: — Se tudo isso aconteceu há 400 milhões de anos e deve ter demorado
milhares de gerações numa sequência de eventos raros, casuais e Únicos que chegaram até hoje, mesmo não tendo virado répteis, sobreviveram a
todas as alterações nos ambientes da Terra e, como sobreviventes, são
na história evolutiva dos vertebrados. Qual teria sido a consequência se não
tão evoluídas como todas as outras espécies atuais.
tivesse ocorrido? A resposta, embora simples sob o ponto de vista genético/'

evolutivo, costuma gerar reações emocionais pois se aquela população
de peixes não tivesse evoluído para anfíbio, não existiriam hoje vertebrados
Ao discorrer sobre a evolução, tenho usado exemplos simplificados,
sem atentar muito para as exceções, porque o objetivo é mostrar como é
terrestres, e isso inclui, obviamente, a existência da espécie humana. o processo evolutivo. Porém, como as espécies estão sempre evoluindo e,
212 Cada Caso, um CaseMPuro Acaso Capítulo 15 Últimas Palavras
7 213

em decorrência, a diversidade dos seres vivos é enorme, posso ter cometido evolução dos grupos e, em todos eles, tem a função de controlar a simetria
e a formação segmentar do corpo.
algumas incorreções biológicas em alguns momentos. Por exemplo:
— ao falar que a fecundação nos anfíbios e externa, não citei algumas espécies Estudos em laboratório mostram que pequenas mutações nos genes
de salamandra que possuem fecundação interna; horneóticos desencadeiam processos altamente deletérios e são altamente
letais aos seus portadores, mostrando que uma das razões dessas estruturas
— ao dizer que os répteis põem ovos, não falei de algumas espécies que estarem conservadas em todos os organismos e resultado da ação da seleção
são ovovivíparas, ou seja, as fêmeas retêm os ovos dentro do corpo até a
eclosão dos mesmos;
natural, que elimina as eventuais variações que surgem por mutação,

— ao dizer que os mamíferos têrn placenta, não excetuei os marsupiais. Além dos genes homeóticos, foram descritos os genes Pax, responsáveis
Enfim, por mais que se tente exemplificar todos os casos excepcionais, por várias funções embrionárias: o gene Paxõ é responsável pela formação
sempre algum será esquecido, pois a diversidade resultante do processo dos olhos nos vertebrados, embora, dependendo do tecido em que eles se
evolutivo é enorme, manifestem, possam ter funções diferentes; gene Pax4 é responsável pela
formação dos olhos e pela diferenciação das células endócrinas das ilhotas
de Langerhans (do pâncreas), responsáveis pela produção de insulina.
A Genética do Desenvolvimento
O fato de terem sido encontrados nos hidrozoários1 genes homólogos
A Genética do Desenvolvimento e a área de estudos da embriogênese,
ao Hox e ao Pax, exercendo, respectivamente, as funções de organização
enfocando diversos aspectos embrionários, tais como: diferenciação celular
dos eixos do corpo e formação de fotorreceptores, é uma evidência de que
a partir da célula ovo, que resulta na formação dos diferentes tecidos do
esses pacotes reguladores formaram—se no início dos seres pluricelulares
organismo; morfogênese, que e a formação embrionária dos diversos
ou até mesmo nos protozoários.
órgãos; 0 crescimento e harmonia dos embriões; a analogia e homologia
entre os órgãos e estruturas. Apoiada no avanço da Biologia Molecular e da _ Essas estruturas gênicas, tão conservadas em diferentes grupos
Genômica, nos últimos 25 anos, tem trazido informações importantes para o animais que evolutivamente estão separados há, no mínimo, 500 milhões
entendimento da ação dos genes durante a diferenciação celular e passou a de anos, são mais uma confirmação da ancestralidade comum de todos
ser uma das áreas importantes para o entendimento do processo evolutivo, os seres Vivos.
mudando o enfoque eminentemente descritivo da embriologia clássica. A
Embriologia é sempre lembrada pela chamada lei biogenetica proposta em
A análise do sequenciamento molecular dos genes, responsáveis
1868 por Ernst Haeckel (1834—1919), que postulava que a ontogênese é a pela origem embrionária dos membros (nadadeiras, as patas e asas) nos
recapitulação da filogênese. A Figura com comparações de esquemas de tetrápodes (peixes, anfíbios, répteis, mamíferos e aves), tem mostrado
fases embrionárias de peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos, sugerindo enorme semelhança entre eles. São informações genômicas explicando a
que os mamíferos passariam por todas essas fases durante a embriogênese, homologia desses Órgãos. A mesma semelhança está sendo encontrada
pode ser encontrada na maioria dos livros de Biologia. na formação embrionária dos dentes: 0 mesmo gene que determina o
Os estudos mostram que existem pacotes de genes que controlam aparecimento dos dentes nos répteis esta presente no genoma das aves,
etapas importantes da formação dos embriões, atuando de forma sequencial porém, com a sua expressão suprimida. Muitos outros exemplos recentes
durante o desenvolvimento embrionário, num processo chamado cascata poderiam ser dados sobre esse assunto.
gênica, emitindo sinais químicos que desencadeiam a embriogênese. Os Embora inicialmente os estudos da Genética do Desenvolvimento tenham
genes, chamados reguladores, não têm expressão fenotípica, mas afetam sido concentrados na espécie de mosca Drosophila melanogaster e no
a expressão de outros genes e assim caracteres novos podem surgir tanto
verme nematodeo Caenorhabditis elegans, também são usados atualmente
dessas alterações nas relações de regulação, como da mudança das
modelos de vertebrados, como o peixe Danio rerio (paulistinha), () roedor
sequências dos genes.
Mus museu/us (camundongo), urn anfíbio do gênero Xenopus e a lista de
Um dos aspectos mais sensacionais dessas descobertas e que foram espécies estudadas tem aumentado constantemente.
encontrados, em todos os organismos de simetria bilateral, genes homólogos
aos genes chamados homeóticos (ou genes Hox), descritos a partir da
análise da embriogênese da mosca Drosophila melanogaster. Esses genes 1. ():; hidrozoários são organisrnos pertellcentes ao filo Cnidária e as forrnas nlais conluns são as
água—vivas e os pólipos formadores de corais.
homeóticos, e toda sua organização gênica, foram mantidos ao longo da
214 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capítulo 15 — Últimas Palavras 215

A Genética do Desenvolvimento e uma área extremamente importante No entanto, estudos recentes de comparação genômicajá têm encontrado
da Biologia, porem, estender ou entrar em pormenores sobre ela, foge ao algumas diferenças importantes da espécie humana em relação as outras,
foco deste texto e por este motivo, estou citando apenas os pontos em que e tambem relativas ao chimpanzé. Duplicações gênicas do loco I_CT,
ela tem interface com a evolução biológica fazendo com que tenha sido responsável pela síntese da enzima lactase, e do loco AMY1 , da enzima
proposto o termo Evo—Devo (evolução e desenvolvimento) para trabalhar amilase, encontradas exclusivamente em humanos, explica a maior capacidade
esse ponto de contato. digestiva de leite ate a fase adulta, e de açúcares, respectivamente. Diferenças
entre o Homem e chimpanzé também foram encontradas na sequência dos
Para incitar a discussão, urna pergunta: — como surgiu tanta diversidade genes FOXI'D2 e o gene HAR1 , responsáveis, respectivamente, pelo controle
de estruturas nos organismos, tanta biodiversidade, se existe tanta da fala e do desenvolvimento do córtex cerebral.
conservação na estrutura dos genes responsáveis por elas? A ideia mais
aceita para responder a esta questão e a de que mutações gênicas que
ocorrem na região controladora de cada um desses pacotes gênicos,
Na espécie humana, a origem étnica determina
alterando sua arquitetura, podem não só estimular ou reprimir a expressão o padrão cultural de um povo?
do gene considerado, como podem afetar a subsequente cascata de genes A origem étnica e uma questão que sempre permeia as discussões
por ele controlada. Assim, o efeito fenotipico dessa mutação pode ser muito sobre as diferenças culturais entre os diferentes povos humanos atuais.
extenso o que sugeriu que estas mutações pudessem ser comparadas a Será que a diferença cultural entre eles <=,- genética ou e ambiental?
ideia das macromutações. É incrível, mas o termo macromutação voltou a
ser usado nas explicações sobre o processo evolutivo, só que, agora, com
O acontecimento ocorrido em 1835 nas ilhas Chatham, localizadas a
SOOKm a leste da Nova Zelândia, talvez ajude a responder a questão. Até
o sentido de mutações gênicas nos genes reguladores.
a data mencionada, 1835, as ilhas eram ocupadas pelo povo moriori, Em
Não há dúvida de que estas mutações nas regiões controladoras novembro daquele ano, dois navios, um com 500 e outro com 400 homens
dos genes do desenvolvimento podem ser explicações possíveis para o de um outro povo, os maori, invadiu as ilhas e matou praticamente todos os
aparecimento aparentemente abrupto, sem transição, de muitos dos padrões habitantes moriori. Os dois povos tinham a mesma origem etnica a partir
diferentes encontrados nos organismos. Mas, isso não afeta a ideia de que dos polinésios da Nova Zelândia e estavam separados ha uns 500 anos.
novidades evolutivas surgem por mutações gênicas pontuais nos genes
Por questões ambientais e de disponibilidade de alimentos, na ilha em
reguladores, e que a sobrevivência dos portadores destas mutações nas
que moravam, os moriori erarn caçadores/coletores, como ocorre com os
populações depende da capacidade de sobrevivência no ambiente, ou índios sul—americanos, por exemplo, uma condição que, geralmente, não
seja, da seleção natural, envolve disputas territoriais. Aorganização social era simples e comandada
por um conselho, sem disputas internas. Já os maori, habitantes de outra
Existem genes específicos para cada espécie? ilha, tornaram—se agricultores, com problemas de superpopulação, tinham
O sequenciamento de genomas de diversas espécies evidenciou uma organização hierárquica autoritária, com muitas disputas internas por
território e muita luta, uma vez que a produção de alimentos dependia de
que os genomas de espécies bem diferentes como, por exemplo, o dos
camundongos (Mus museu/us) e a espécie humana, não só possuem espaço e de trabalho.
aproximadamente a mesma quantidade de genes como na maioria dos casos Os dois povos eram da mesma etnia e, apesar do isolamento de 500 anos,
os genes são idênticos A última estimativa diz que o Homem tem 19.000 ainda falavam a mesma língua.Adiferença cultural entre eles teve origem na
genes e o camundongo 20.200, com soº/o de genes cornuns. Assim, as diferença de disponibilidade de alimento, diferença que gerou superpopulação
óbvias diferenças entre essas duas espécies são decorrentes de alterações nos maori, com consequente luta por território e um poder central.
na sequência da expressão e da regulação de genes muito semelhantes. A
A história contada pelos poucos sobreviventes morioridiz que, durante a
semelhança gênica entre a espécie humana e o camundongo já é grande,
mas entre ela e o chimpanzé é estimada em maior que 97º/o. Marcadores invasão, embora os mor/crifossem muito mais numerosos e eventualmente
isoenzimáticos, na década de 1970, já haviam mostrado que não existia
pudessem ter resistido e expulsado fisicamente os invasores, o conselho
distãncia genética entre o Homem e o chimpanzé, mas, mesmo assim, a achou prudente não brigar, e julgou, de acordo com as suas tradições
semelhança genômica surpreendeu. culturais, que eles poderiam conviver com os maori pacificamente.
218 Cada Caso. um Caso..,Puro Acaso —
Capitulo 15 Últimas Palavras 217

Por outro lado, os maori relatam que, ao perceberem que os moriori exerce sobre as características biológicas da espécie hurnana e a base da
eram pacíficos e desarmados, de acordo com as próprias tradições culturais, motivação para a transformação cultural.
iniciaram o massacreº.
O choque entre as duas culturas resultou no extermínio de um povo As migrações recentes
pacífico por um povo beligerante, e mostra que essa pode ter sido a regra Durante o século 20, Vários povos foram forçados a sair de seus locais
geral nos conflitos que resultaram na sobrevivência das sociedades humanas de origem para migrar, muitas vezes para outros continentes. Foi assim
atuais, independente da etnia. que chegaram ao Brasil migrantes japoneses, alemães, italianos e tantos
outros. Para a maioria das espécies, essas mudanças de ambiente seriam
dramáticas sob o ponto de vista biológico. Porém, para a espécie humana
Os diferentes ambientes terrestres também as dificuldades decorrentes da migração surgem por eventuais problemas
afetam a cultura da espécie humana? causados por diferenças culturais elou sociais uma vez que, biologicamente,
não existem diferenças que impeçam a adaptação ao ambiente e nem a
A espécie humana é uma das poucas realmente cosmopolitas, podendo
assimilação genética de migrantes. Uma anedota que ouvi no Havaí, dizia
ser encontrada em todos os ambientes terrestres, desde as altas temperaturas que um casal de origem européia, ao adotar uma criança recém—nascida,
dos desertos, ao frio das regiões polares. Ao nível do mar, até altitudes acima descendente de japoneses, resolveu aprender a língua japonesa para poder
de 5.000 metros. Nos pântanos, nos campos, nos desertos, nas florestas. entender e conversar com a criança quando ela começasse a falar.
Existem poucas espécies conhecidas, tanto de animais quanto de Lembro—me de que, quando criança, ouvia a indagação: — Gato que
plantas, que tenham conseguido ocupar diferentes ambientes sem especiar nasce em forno e' biscoito? Era o forno de barro que existia na maioria dos
e, mesmo assim, o fizeram com profundas adaptações biológicas. Como quintais das casas e que eventualmente era ocupado por gatas para darem
exemplo dessas adaptações cito a espécie de mosca Drosophila subobscura cria aos filhotes. Essa expressão se referia a questão: filhos dejaponeses, de
alemães ou de italianos que nascem no Brasil, são brasileiros? Claramente
cujas populações ocorrer'n desde a Grécia até a Finlândia. Como se sabe,
essa é uma questão mais cultural, política, social, do que biológica.
a temperatura do corpo dos insetos varia com a temperatura ambiente e,
Recentemente, apenas como exemplo, lembro—me da visita ao Brasil de um
como consequência, o metabolismo dos indivíduos diminui de intensidade filho do jogador de futebol Garrincha, nascido na Suécia, gerado durante
a medida que a temperatura dirninui. Com essa distribuição geográfica, as a copa do mundo de 1958. Criado na Suécia, por mãe sueca, ele é sueco.
populações dessa espécie vivem em ambientes muito diferentes quanto a Culturalrnente sueco, confirma que, no caso da espécie humana, gato que
temperatura, Assim, na Grécia, as populações têm 20 gerações por ano e, nasce em forno é biscoito.
a medida que se aproximam do polo Norte, o número de gerações diminui
até que, na Finlândia, têm apenas uma. Esta única geração ocorre no curto
Pressões ambientais afetam o desenvolvimento cultural
verão finlandês, quando os adultos emergem das pupas, cruzam, botam
ovos, as larvas se desenvolvem, formam as pupas e entram em dormência Populações humanas que não foram pressionadas pelo ambiente
continuam caçadores/coletores até hoje, como várias populações indígenas
(diapausa) até o verão do ano seguinte.
sul—americanas, varias populações africanas e algumas das ilhas da
Ao contrário dos demais grupos animais ou vegetais que só sobreviveram Malásia.
em diferentes ambientes por terem adquirido alterações biológicas, decorrentes Uma observação do globo terrestre e da história da humanidade evidencia
de milhões de anos de adaptação e geralmente com especiação, a espécie que, com algumas exceções, países localizados próximos a linha do Equador,
humana tornou—se cosmopolita sem sofrer grandes mudanças biológicas, sem onde, de maneira geral, o clima é mais quente e estável durante o ano, são
especiar, e num curto espaço de tempo evolutivo, em torno de 100 mil anos. tecnologicamente menos desenvolvidos do que os localizados em latitudes
mais altas, corn invernos rigorosos. Esse raciocínio vale para situações
Como conseguiu essa condição? Uma das principais razões: — adaptou o
mais simples como a de um professor que comentou que os estudantes
ambiente as suas necessidades, o que só foi possível pelo desenvolvimento da USP da cidade de São Paulo são mais cérebros, enquanto os da USP
cultural. Posto isso, defino meu ponto de vista: a pressão que o ambiente da cidade de Ribeirão Preto são mais músculos. Como ja morei e trabalhei
nas duas cidades, entendo perfeitamente o que seja essa observação. É
2. Este relato foi extraído do livro: Ari-nas, Gerrnes & Aço de jared Diamond Editora Record 2006.
,
muito mais facil ater—se a atividades intelectuais em São Paulo do que em
218 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capítulo 15 — Últimas Palavras 219

Ribeirão Preto. Em São Paulo, as condições climáticas e as dificuldades da Lembro—me do que ocorreu em agosto de 1984 na cidade de Túnbigen,
cidade tornam as bibliotecas, os laboratórios, o Campus, e a própria casa um Alemanha, quando fui jantar na casa do Prof. Diether Sperlich, um geneticista
refúgio seguro. Em Ribeirão Preto, devido as diferentes condições climáticas de populações. No meio da conversa, falando sobre cromossomos,
e ambientais, e difícil permanecer dentro de espaços fechados quando, perguntei se ele conhecia o Prof. J. Krivshenko, um russo que trabalhou com
do lado de fora, o dia está maravilhoso, as piscinas estão convidativas, os cromossomo Y de Drosophila busckii nos anos 40 a 60, e que havia visitado
meu laboratório em São Paulo em 1967. O Prof. Sperlich pensou um pouco,
clubes e bares estão a disposição pela facilidade de acesso.
murmurou algumas vezes o nome do russo, levantou—se, abriu um enorme
Da mesma forma, e preciso muito mais força de vontade para ficar armário com centenas de caixas com material fotográfico absolutamente
trabalhando ou estudando numa cidade como Florianópolis ou Fortaleza, do organizado, pegou um caderno, localizou o nome Krivshenko e, pelo código
que numa cidade como São Paulo ou Curitiba. Assim também e muito mais anotado na frente do nome, localizou uma caixa com centenas de slides
fácil ser morador de rua em' Fortaleza do que em Curitiba. Em Fortaleza, de onde tirou um e, contra a luz, perguntou a mim se era aquele da foto.
basta um calção (para não ser preso por atentado ao pudor) e pronto. Olhei, e era, Em seguida, desviei meu olhar novamente para aquele armario,
Pode—se viver assim durante anos. Chinelo já é quase supérfluo. Enquanto pensando na bagunça dos arquivos de material fotográfico de minha casa
isso, em Curitiba, se não tiver roupa e cobertura adequadas, o morador onde, para achar alguma coisa demoro horas, dias... isso quando acho!
de rua tera dificuldade no inverno, exigindo dele maior organização e mais Diante do meu olhar de estupefação pela organização, o Prof. Sperlich
recursos para sobreviver. rne confortou dizendo: — Não se impressiona com esta organização. Aqui
na Alemanha nós ficamos presos em casa 6 meses por ano, cobertos de
Em 1971, passei o mês de janeiro em Caxias—MA, ministrando cursos, neve, e para não ficarmos loucos, nós lemos tudo que cair na nossa frente,
Visitei as áreas naturais, cobertas pelas palmeiras de babaçu, e fiquei escrevemos tudo que tivermos que escrever e organizamos a casa nos
impressionado ao ver as famílias que viviam do extrativismo do coco do mínimos detalhes para nos mantermos ocupados! Este caso descreve um
babaçu. Andando pela área, ouvia-se constantemente urn bater ritmado episódio que talvez explique por que os europeus, especialmente os mais
de madeira com madeira, toc, toc, toc. Eram as mulheres, agachadas ao norte, são tão organizados.
diante de uma Choupana feita de troncos e folhas de babaçu, quebrando Urna americana que veio morar em Ribeirão Preto nos anos de 1980,
os cocos para tirar a castanha. Todo início de semana o homem colhia após quatro anos por aqui, voltou para os Estados Unidos alegando que
os cachos e trazia para a mulher quebrar. As mulheres eram capazes de não aguentava morar num lugar onde não fizesse frio, não tivesse neve,
quebrar em torno de 2 cachos por semana. No restante dos dias, o homem a maioria dos dias eram ensolarados e que a falta de estações climáticas
dormia, pescava, e eventualmente caçava. Na sexta—feira, colocava as bem definidas deixava a sua vida totalmente desorganizada.
castanhas quebradas pela mulher num saco eia para a cidade vender para
as fábricas de óleo. Com o dinheiro, comprava carne seca, farinha e mais Ser organizado em urna região temperada não é uma opção. E uma
algum mantimento para a próxima semana, gastava o resto do dinheiro em questão de sobrevivência. Se o indivíduo não se organizar, não sobrevive
diversões e, na segunda—feira, voltava para a Choupana, colhia dois novos ao inverno. Ainda na Alemanha, em 1984, viajando de carro de Hamburgo
cachos de coco... e assim tocavam a vida. É lógico que, se ele ajudasse para Túbingen, observei que as plantações de milho, em quilômetros de
viagem, estavam corn as plantas todas do mesmo tamanho, no mesmo
a mulher a quebrar os cocos, eles poderiam quebrar quatro cachos por
estágio de desenvolvimento. Comentei, com o colega alemão, que parecia
semana... mas, para quê? Nada era planejado, alem do período de urna
que todos os pés de milho haviam sido plantados no mesmo dia. Ao que ele
semana. É altamente discutível se esse comportamento é sinal de falta ou
respondeu: — Eles foram plantados no mesmo dia! Ou seja, na primavera
de excesso de inteligência. A situação seria completamente diferente se e feita uma previsão de quando começara a nevar no outono, calcula—se
eles vivessern em uma região onde o clima tivesse variação sazonal, com o tempo que o milho demora depois de plantado para ser colhido, e um
invernos extremos. O fato e que como esse pessoal vive em posses, eles órgão do governo informa aos agricultores, via radio, sobre o dia em que
são os primeiros a serem varridos da área com a chegada do progresso, eles têm de plantar o milho.
corn a pecuária, o agronegócio, os políticos.
Essa é a situação atual e, por intermédio dela, temos uma pequena
Essas situações, ampliadas e tornadas mais gerais, talvez sejam amostra das dificuldades de sobrevivência das primeiras populações
algumas das explicações do subdesenvolvimento tecnológico e cultural de humanas que tiveram de enfrentar e sobreviver naquelas regiões sem os
regiões globais próximas à linha equatorial. Ficar trancado em ambientes recursos tecnológicos atuais. Sem ter adaptações biológicas para invernos
fechados, em decorrência do rigor do inverno, faz corn que os povos de rigorosos, a sobrevivência só foi possível com o domínio do fogo, com
região temperada e glacial tenham muito tempo para desenvolver tecnologia, o uso de agasalhos, com a construção de abrigos sofisticados e o uso
cultura e outros modos de organização. de cavernas, com o domínio de tecnicas de conservação de alimentos.
220 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso —
Capitulo 15 Últimas Palavras 221

Enquanto populações contemporâneas, vivendo próximas à linha equatorial, até os seres vivos rnulticelulares, há uma flecha que regula a evolução
continuam caçadores/coletores, sem necessidade de agasalhos, sem muuto e essa flecha e o eixo de complexidade—consciência. Quanto mais um
se preocuparem com o futuro, com o dia seguinte, animal é complexo, tanto mais ele consciente. No caso do Homem, ele e
e
A capacidade de adaptar o ambiente as necessidades biológicas faz o mais complexo em estrutura física e também o mais consciente ser vivo
com que a maioria dos povos atuais acredite que isso sempre poderá ser
da natureza, porque seu cérebro vem se desenvolvendo desde o cérebro
feito e muita gente, que vive em ambientes aquecidos ou refrigerados primitivo do peixe, seguindo o ramo dos mamíferos, depois o dos grandes
artificialmente, não acredita que mudanças ambientais possam afetar a
prirnatas e, finalmente, o dos seres humanos.
sobrevivência da espécie. A questão é que, em relação ao clima em geral, Seus trabalhos são extensos e complexos e sobre eles comento apenas
o Homem conseguiu resolver questões micro. A dúvida é se será capaz que, em relação a espécie humana, entre outras coisas, ele previa que
de resolver questões macro, geradas ou não pelo resultado da atuação da o cérebro tenderia sempre a crescer, enquanto a mandíbula tenderia a
espécie sobre o meio ambiente, como aquecimento global, mudanças na diminuir. Essa Figura de um ser com cabeça enorme e boca pequena é
composição química da atmosfera, alterações profundas provocadas na usada como estereótipo das suas ideias. Por falta de embasamento biológico,
cadeia alimentar. tais ideias nunca tiveram importância científica, sendo vistas mais como
algo do campo ficcional.
Ternos, portanto, razões suficientes para afirmar que o ambiente
terrestre, além de ter moldado toda a evolução biológica dos seres vivos, Vale repetir que o conjunto de variáveis casuais e independentes que
e também um importante componente mobilizador das mudanças culturais determinam, a cada geração, 0 que acontecerá geneticamente com as
da humanidade. e
populações, de tal ordem, que é impossível prever, seriamente, o futuro.
No entanto, tomando como referência os conceitos biológicos discutidos, e
pelas características da população humana atual e possível dizer, usando—-
É possível prever o futuro biológico da humanidade? se o condicional se: se a população humana continuar grande e com fluxo
O futuro biológico da humanidade tern sido uma questão muito constante, gênico entre todas as subpopulações, como atualmente, ela não sofrerá
de um modo geral, e frequentemente tenho sido consultado a respeito. nenhuma mudança biológica significativa. Todas as afirmações de que o
Provavelmente as pessoas devem supor que eu, por estudar o processo dente do siso e o apêndice intestinal vão desaparecer e outras meio parecidas
evolutivo e conhecer mais ou menos o que já aconteceu, esteja capacitado não têm base teórica, são apenas afirmações de cunho popular.
a prever o futuro. Ficam frustradas quando digo que a ciência não sabe
sobre previsão de futuro, que o estudo de evolução é uma ciência póstuma, Problema crítico: o tamanho populacional
mal da para saber como foi e é impossivel prever como será.
Embora não possa ser feita previsão sobre modificações evolutivas futuras
Aquestão de previsão do futuro biológico sempre foi um tema em debate da espécie, e possível fazer previsões sombrias sobre sua sobrevivência
e, na primeira metade do século 20, Teillard de Chardin divulgou ideias como espécie.
segundo as quais o processo evolutivo teria direção. Pierre Teilhard de
Chardin (1881—1955) foi um padre jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo Está demorando muito para que os povos e respectivos governantes
francês que tentou integrar a ciência e a teologia. Disposto a desfazer o tomem consciência de que a Terra e um planeta único e que todos os
mal—entendido entre a ciência e a religião, conseguiu ser mal visto pelos seres vivos que a habitam, incluindo obviamente o Homem, estão numa
representantes de ambas. Muitos colegas cientistas negaram o valor mesma condição, num mesmo barco, A comparação corn os passageiros
científico de sua obra, acusando—a de vir carregada de um misticismo e de da primeira classe do Titanic que demoraram para perceber que o fato de
uma linguagem estranha a ciência. Do lado da Igreja Católica, por sua vez, a água estar entrando no casco afetaria a todos, pois afundaria o navio,
foi ameaçado de excomunhão, proibido de publicar suas obras e submetido é bem apropriada. A recusa, durante anos, dos Estados Unidos em aderir
a um quase exílio na China, onde, por volta de 1923, como paleontólogo, ao protocolo de Kyoto, o fato de a França fazer testes nucleares em pleno
participou da descoberta do fóssil do Homem de Pequim (Homo erectus, século 21 no atol de Bikini, no Pacífico Sul, do outro lado da Terra, são
inicialmente descrito como Sinantropus pekinensis). exemplos dessa falta de consciência.
A ideia central de seus trabalhos considerava que a caminhada da Além da possibilidade não remota da extinção provocada por uma destruição
humanidade, como prolongamento de todos os seres vivos, desenvolve— nuclear, outra ameaça atual a sobrevivência é o tamanho populacional. Há
se incontestavelmente no sentido de uma conquista da materia, posta a anos tenho expressado minha preocupação com o tamanho populacional da
serviço do espírito. Segundo essa ideia, desde os seres vivos unicelulares humanidade. Em 1996, durante o 42º Congresso Brasileiro de Genética, da
222 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capítulo 15 Últimas Palavras
- 223

Sociedade Brasileira de Genética, participei da mesa—redonda — Genetica — Considero, portanto, que os cientistas deveriam se preocupar mais com os
Evolutiva e Conservação: Perspectiva de Estudo — coordenada pelo Prof, aspectos políticos do problema. A participação ativa de grupos não governamentais,
denunciando a situação e aumentando a consciência da humanidade sobre
Warwick E. Kerr, com a participação de vários pesquisadores internacionalsª.
as situações complicadas para as quais nos encaminhamos, tem muito mais
Cada participante tinha 5 minutos para exprimir seu ponto de vista. A íntegra
chance de vir a ter utilidade. Não nego o aspecto interessante das pesquisas
do meu pronunciamento foi:
sobre conservacionismo, mas na atual situação, entendo que a grande maioria
— Não trabalho com este assunto e não sou especialista na area, Fui colocado delas não passe de exercicios acadêmicos.
aqui, como debatedor, suponho que pelo fato de trabalhar com aspectos Uma das consequências do crescimento populacional é que nos
evolutivos de populações naturais. aproximamos do fim de todos os ambientes naturais nos quais a espécie
— Considero válida a preocupação com relação à conservação biológica e acho que humana evoluiu e dos quais, cada vez mais, estamos afastados no dia—
de uma maneira geral a humanidade acredita que a ciência, e por conseguinte a—dia. Para dar aos estudantes a dimensão desse afastamento, costumo
os cientistas, vão achar uma saída para o problema. Isto coloca sobre nós sugerir a eles que na hora do almoço, depois de fazerem o prato, observem
uma responsabilidade para qual não acredito que estejamos preparados, não o conteúdo do mesmo: — arroz, feijão, carne, verduras, legumes, macarrão,
acredito que tenhamos condição de resolver sozinhos e não acredito que os pão, azeite, geralmente acompanhado de um líquido, que pode ser um
esforços que têm sido feitos neste sentido surtirão qualquer efeito pratico. refrigerante, suco de frutas ou água de copinho. Feita a observação, tentem
pensar a trajetória que cada um desses ingredientes fez até chegar a mesa,
— Sob o ponto de vista biológico, os principais entraves decorrem do fato de que
pensem quantas pessoas estiveram envolvidas nesse processo e vejam
cada ecossistema, cada espécie, cada população, cada indivíduo são eventos
como estamos longe da realidade de povos caçadores/coletores.
únicos, sem réplicas. Em decorrência disto, experiências obtidas numa dada
situação não podem ser transferidas para outras, o que torna cientificamente Neste ritmo de destruição dos ambientes naturais, certamente até o
impossivel ser feita qualquer previsão seria que permita medidas preventivas, final do século 21 , se tanto, todas as populações humanas ditas primitivas,
uma vez que o futuro não é previsível. caçadores/coletoras, terão se extinguido e antes delas todos os grandes
— Muito mais pode ser falado sobre técnicas e teorias conservacionistas, sobre primatas, chimpanzé, gorila, orangotango, gibão, sem falar dos demais
preservação de biodiversidade, sobre conceito de reserva biológica. Porém, vertebrados terrestres, que talvez só venham a ser vistos em zoológicos
considerando a qualificação dos integrantes desta mesa de debate, tenho ou empalhados em museus.
certeza de que eles falarão sobre isto com muito mais propriedade do que Embora os gestores do agronegócio se julguem capazes de resolver
eu, Portanto, neste curto intervalo de tempo que me foi dado, vou comentar todos os problemas ambientais em relação a produção de alimentos, eles
apenas dois aspectos gerais que considero fundamentais: não são tão simples. A importancia da biodiversidade para a solução de
”lº Qualquer medida conservacionista e' antieconôrnica a curto prazo. Enquanto problemas de pragas e doenças, a importância dos insetos polinizadores na
a economia dominar as atividades humanas, considero impossível pensar produção agrícola são alguns fatos que não podem ser desprezados. Todas
em qualquer medida seria de conservacionisrno; as questões juntas são agravadas pela poluição tanto por gases como por
sólidos, pelo acúmulo de lixo, que põem em risco o equilíbrio ambiental, e
20 Sem controle do tamanho populacional da espécie humana, qualquer coisa
que só tende a aumentar corn o aumento populacional.
que venha a ser planejada ou feita sera inócua, Se a população humana
não parar de crescer, ou até diminuir, será impossível salvar a espécie. Aexplosão populacional, principalmente a partir do final do século 19, é
— Portanto, no meu ponto de vista, qualquer teoria, qualquer pesquisa, qualquer decorrente do aumento do conhecimento sobre como tratar da saúde. Por
projeto, que vise trabalhar o tema conservacionismo, que não leve em conta exemplo, no inicio do século 20, a vida média dos norte—americanos era de
estes dois aspectos, não passará de mero exercício acadêmico. 49 anos. Hoje, é perto de 80 anos. A mortalidade infantil, principalmente até o
primeiro ano de vida, também foi reduzida significativamente nas populações
— Terno que, na maioria dos casos, os cientistas tenham esta consciência, mas com maior desenvolvimento cultural e que têm acesso a assistência médica
continuem a trabalhar o problema aproveitando a ansiedade que existe na e vacinas. Ou seja, o aumento populacional não e porque o Homem
humanidade. tenha aumentado sua capacidade reprodutiva, mas porque a mortalidade,
principalmente nos primeiros e nos últimos anos de vida, dirninuiu.
3. (Michigan
john Avise (University of Califonia), left/ey Powell (Yale Urliversity), Guy L.Busl1 Portanto, qualquer solução para o problema tem de passar pelo
State University), Margareth Kidwell (The University of Arizona), ]arnes Patton (University of
Califonia) e Mary lane West—Eberhard (Universidad de Costa Rica)
controle da natalidade. Se for para deixar nascer quanto a natureza quer,
224 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso Capítulo 15— Últirnas Palavras 225

terá também que deixar rnorrer quanto a natureza quiser, ou seja, abolir os gregos, como Aristóteles, tinham cerca de 200 escravos cada um. Toda vez
medicamentos e os tratamentos. que alguém trabalha para outra pessoa e tem como pagamento apenas a
comida de sobrevivência, e regime de escravidão. A escravidão foi comum
Pelo tamanho da Terra, há um consenso de que um tamanho populacional no Egito, em todo Império Romano, no Japão, na China e segue—se até hoje
maximo, suportável, giraria em torno de 3 bilhões de pessoas, se todas com os bóias—frias. Na África, a escravidão fazia parte da cultura das tribos,
tivessem o padrão alimentar e de vida dos norte—americanos, o que significaria que escravizavam os prisioneiros após as batalhas, comuns entre eles. Assim,
a
reduzir metade a população humana atual. quando os europeus, principalmente ingleses e portugueses, começaram o
Isto é possivel? Acho difícil, mas não impossível. Controle de natalidade tráfico de escravos negros durante os séculos 16 ao 19, eles comercializavam
só funciona quando e feito por livre arbítrio, por decisão das pessoas. Medidas com as tribos dominantes africanas indivíduos de outras tribos que já eram
autoritárias, de cima para baixo, como ocorre atualmente na China, além escravos na África. Curiosamente, índios sul—americanos não têm a escravidão
de eficácia duvidosa, só podem ser aplicadas em países onde a liberdade em seu pacote cultural, talvez porque ter escravos exija urn aparato de
individual é restrita. organização para mantê—los vivos e subjugados. Os prisioneiros de guerra ou
são mortos ou assimilados na tribo. Corn essa característica cultural e natural
Dados estatísticos mostram que todas as populações que passam
que eles não aceitassem ser escravizados pelos invasores europeus, o que
por uma melhora social, especialmente quanto à educação, ao grau de
fez com que, ao longo da história, e principalmente nos livros didáticos, eles
informação e ao acesso a tratamentos de saúde, apresentam redução na
tenham sido chamados de selvagens e de indolentes, como um sinônimo de
taxa de natalidade. Portanto, considero ser este o único caminho.
vagabundos;
Haverá tempo para salvar a humanidade? Não e possível saber no
b) Punição por crimes ideológicos e qualquer tipo de tortura muitos exemplos
momento, No entanto, as chances aumentarão se as dificuldades que retardam
,

poderiam ser dados sobre este assunto, mas me limitarei aos exemplos da
o desenvolvimento social das populações forern removidas. Entre essas
inquisição da Igreja Católica. as ditaduras e no exemplo mais recente que
dificuldades esta a ilegalidade do aborto em vários países e a atuação da
são os prisioneiros de Guantánamo.
maioria das religiões que continuam considerando como pecado os controles
de natalidade não naturais. Há pouco tempo, eu ainda considerava que as c) Os genocídios — quando, deliberadamente, a rnorte de os indivíduos objetiva
religiões eram inócuas em relação aos problemas biológicos da humanidade, a extinção de uma etnia ou uma cultura. Aconteceu com os Astecas, com os
mas atualmente eu estou certo de que elas atrapalham. Incas e ainda está acontecendo com os nossos índios. E exemplo disso o
holocausto, a perseguição aos ciganos, os fatos recentes na antiga Iugoslávia,
As religiões e a ciência são as forças mais poderosas e internacionais da
corn a famigerada faxina étnica na Bósnia. E, sempre a África, com os exemplos
humanidade e já esta passando da hora das religiões entrarem num acordo
mais recentes em Ruanda, Darfur, Kenya.
entre si e num acordo com a ciência, para, por prudência, encontrarem
caminhos para a solução dos problemas da pauperização dos ecossistemas Ern urna música do seriado Có Có Ri Có, da TvCultura—SP, é dito que na
da Terra e da sobrevivência da variabilidade biológica e da espécie humana. natureza não tem bicho mau... tem bicho perigoso. Certamente, de acordo
Soluções essas que, necessariamente, têm que estar apoiada numa redução com este contexto, a espécie humana e exceção.
do tamanho populacional da espécie humana.
A evolução tem direção?
Misérias da humanidade A partir do século 20, uma vez estabelecido e aceito o fato de que as
E no mínimo uma pretensão muito grande a humanidade se julgar a espécies evoluem, a discussão passou a ser: — a evolução é um processo
obra suprema de um criador. Os exemplos das atrocidades cometidas totalmente casual ou existe uma direção no processo evolutivo?
pelo Homem contra a natureza e contra seus semelhantes remontam à
Na realidade, a indagação, apresentada dessa maneira, tenta dissimular
origem da humanidade e acontecem até os dias atuais. Sem considerar
uma dúvida muito importante para o Homem: — teria a espécie humana surgido
atitudes individuais de violência contra indivíduos da própria espécie, e
sem a pretensão de esgotar todos os exemplos, relaciono o que considero por acaso ou a evolução tinha como “objetivo" seu aparecimento?
algumas das piores violências institucionalizadas: Evidentemente uma dúvida de tal grandeza não é questão para ser
a) Escravidão — disseminada ao longo da história da humanidade — geralmente
resolvida facilmente, dadas as complexas implicações morais e religiosas
é imposta a indivíduos pertencentes a povos que são derrotados em batalhas. que ela desencadeia, E, na realidade, é uma questão polêmica até hoje e
Os gregos há 4.000 anosjá tinham escravos, sendo que os principais filósofos nada indica que deixará de ser.
226 Cada Caso, um Caso...Pur0 Acaso Çapítulo 15 — Últimas Palavras 227

Sob o ponto de vista estritamente científico, com base em tudo que se geneticista de populações de São Paulo afirmou que as pesquisas
sabe sobre os mecanismos evolutivos, nada indica que a evolução possa ter evolucionistas não teriam mais sentido, uma vez que tudo já estava
qualquer tipo de orientação ou direção. O que acontecerá com uma especie, esclarecido e que não havia mais nada a ser investigado. Infelizmente, ele
num dado momento evolutivo, dependerá de sua variabilidade genética, não estava expressando um sentimento só dele. Havia, em grande parte
ou pré—adaptações, e das pressões seletivas a que ela estiver exposta. É da comunidade científica mundial, o sentimento de que, em relação ao
praticamente impossível prever para onde caminhará evolutivamente uma processo evolutivo, tudo estava resolvido. Devido a tal postura, ocorreu
especie atual. Da mesma forma, para cada espécie ancestral das espécies aqui no Brasil e na maioria dos países, um desmanche dos laboratórios que
atuais era impossível prever que elas dariarn origem às espécies atuais, trabalhavam com Genética de Populações, corn a consequente interrupção
em vista das inúmeras possibilidades evolutivas existentes. Não se deve
de formação de pesquisadores nesta área.
esquecer que a aparente direção sÓ é estabelecida a posteriore, ou seja,
depois que ocorreram os fatos. Os grupos sobreviventes tiveram de enfrentar o turbilhão da decada
de 1970 em diante, com poucos recursos humanos, A partir de 1970, o
Apesar desses argumentos, o assunto não fica resolvido porque os
defensores da direção na evolução tentam encontrar evidências as quais, aumento do conhecimento sobre a complexidade da variabilidade genética
na maioria dos casos, ou ignoram fatos ou inventam explicações. Uma das populações fez com que os matemáticos se aprofundassem em modelos
delas e a de que existe, na evolução, uma tendência a complexidade e ao teóricos, cada vez mais complexos, para explicar o processo biológico. Por
aumento de tamanho das espécies e o exemplo da evolução do cavalo é outro lado, os geneticistas de população passaram a se concentrar mais em
uma citação recorrente. técnicas do que na procura de soluções para os problemas teóricos,
No entanto, as evidências em contrário constituem maioria. Desde Assim, diante dessa situação, a maioria dos matemáticos deixou de
a origem da vida, apesar do enorme tempo decorrido, continua a existir entender os dados biológicos e a maioria dos geneticistas de população
enorme quantidade de organismos unicelulares, de vírus e de bactérias, deixou de entender os modelos matemáticos. Indivíduos capazes de entender
altamente adaptados e de estruturas simples. Estes seres microscópicos simultaneamente a variabilidade genética e os modelos matemáticos
são mais de soº/o de todos os seres vivos atuais. Outra evidência é a tornaram—se raros.
enorme diversidade dos seres vivos possibilitando tanto a ocorrência de
aumento como de diminuição do tamanho ou ainda aumento ou redução de Adissociação entre os teóricos matemáticos e os biólogos acentuou—se
e
complexidade. Essa visão de aumento de complexidade em grande parte corn a Genetica Molecular e com a expansão da Informática. Hoje, existem
devida aos vertebrados, mas entre eles, também, não e uma regra absoluta. programas de computador capazes de realizar análises populacionais
Vide, por exemplo, o caso do gamba. Assim, o exemplo do aumento de impensáveis há 50 anos. Por outro lado, existem marcadores moleculares
tamanho e complexidade da espécie do cavalo está perfeitamente dentro que permitem a identificação genética de indivíduos e de populações num
do entendimento de que não existe direção. nível também impensável há 50 anos.
Como o processo evolutivo e conservador e uma nova estrutura surge O problema é a adequação entre os modelos dos programas e os
sempre a partir de uma preexistente, e possível que, em alguns casos,
resultados dos experimentos; entre o que pensa o biólogo que gerou os
o ajuste da nova estrutura para uma nova função acarrete um aumento
de complexidade, como os exemplos dos ossos do ouvido médio dos dados e o que pensou o matemático que fez o modelo e o programa. Todo
mamíferos, do coração de quatro cámaras das aves e mamíferos. Mas, modelo embutido nos programas computacionais tem suas premissas
nem isso é regra geral. em relação aos dados. Darei um exemplo sobre uma delas: — quando o
pesquisador coloca seus dados para o programa analisar, surge na tela
Dessa maneira, apesar de toda polêmica em torno do assunto,
cientificamente pode—se afirmar que a evolução não tem direção e que cada

uma pergunta: Estes dados são de uma população genética (ou'deme)?
Se o pesquisador clicar não, aparecerá na tela a mensagem: — Este
espécie, inclusive a espécie humana, surgiu, desde a origem da vida, por
processos casuais, e sobreviveu em função de adaptações as condições
programa só analisa dados populacionais, Se o pesquisador clicar sim, o
ambientais em que viviam, sem plano preestabelecido. programa analisará os dados e produzirá indices, tabelas, gráficos, tudo
aparentemente muito científico. A questão é: — se os dados não eram de
uma população, todos os índices, as tabelas, os gráficos não tem validade
Como estão as pesquisas hoje ou utilidade alguma. Já existe até uma expressão internacional, em inglês,
Aacornodação e a aceitação das ideias sobre a evolução biológica eram para essa situação, quando dados inapropriados são analisados pelos
tão intensas, na década de 1960 que, por volta de 1968, um renomado computadores. A expressão e GIGO (do inglês garbage in, garbage out)
229
228 Cada Caso, um Caso,—Puro Acaso Capitulo 15— Últimas Palavras

significando que se e lixo o que se joga para dentro do computador, sera O processo evolutivo
expelido lixo, como resultado.
Como o processo evolutivo é biocêntrico e não antropocentrico, a espécie
A situação comentada não e exclusiva da Genética de Populações, humana, como todas as demais espécies atuais, surgiu por uma sequência
mas no caso dela, a maioria dos dados que envolve a espécie humana, ou altamente improvável de eventos e os fatores que atuaram para que ela
animais domésticos, não e de populações genéticas, mas, mesmo assim, acontecesse são os mesmos para todos os seres vivos, ou seja, mutação,
são analisados sem que o pesquisador respeite as premissas do modelo seleção natural, deriva genética, migração, padrões de cruzamento.
do programa. Por isso, a literatura científica, devido as facilidades atuais O processo evolutivo prescinde tanto de conteúdo moral quanto imoral e
de divulgação, esta saturada de trabalhos cujas conclusões extrapolam não fornece nenhuma base filosófica para a estética ou para a ética. Porém,
os dados obtidos. como qualquer outro conhecimento, a biologia evolutiva pode servir a causa
da liberdade e da dignidade humana, por nos ajudar a aliviar a fome e a
O enorme avanço das técnicas moleculares permitiu, nos últimos 20 anos, doença e por nos ajudar a entender e apreciar tanto a unidade quanto a
o estabelecimento de muitas relações filogenéticas nos mais diversos grupos diversidade da humanidade.
de organismos e a revisão de muitos trabalhos que haviam sido feitos com
o uso de outros marcadores como morfologia, cromossomos, isoenzimas.
As técnicas da genômica também revelaram a enorme similaridade do
material genético nos diferentes grupos de organismos.
Todos esses dados, sem exceção, confirmaram todas as hipóteses que
embasam a teoria evolutiva, Os trabalhos recentes que usam o DNA como
marcador taxonômico, filogenético ou adaptativo, têm enorme vantagem sobre
os marcadores fenotípicos usados anteriormente pelo fato de a estrutura
do DNA ser o material hereditário que passa de uma geração para outra
e não variar em função de ações ambientais. No entanto, o entendimento
desses resultados depende da compreensão de técnicas complexas, o que
dificulta sua exposição. Por esse motivo, por serem mais visíveis, ainda
são muito discutidos em aulas, palestras e textos de divulgação científica,
os exemplos clássicos de adaptação e diferenciação, como o pescoço da
girafa, o chifre dos alces, a cauda do pavão, a origem dos olhos, embora,
biologicamente, eles também sejam muito complexos por serem estruturas
resultantes da interação entre o genótipo e o meio ambiente e, muitos
deles, podem ter sua manifestação fenotípica afetada pela variação dentro
da norma de reação.

As pesquisas em genética, nos últimos 30 anos, tiveram como objetivo


principal a decifração dos genes, das proteínas e do funcionamento celular
e menor enfoque nas populações, nas espécies e nas maneiras pelas
quais evoluem. Corno consequência, o estudo evolutivo passou a ser feito
principalmente por ecólogos, paleontólogos e zoólogos (especialmente
atraves da sistemática filogenética). Em decorrência dessa mudança de
enfoque, aumentaram os estudos de descrição de padrões e diminuíram os
estudos sobre o processo. Porém, nos últimos anos, a análise comparativa
de genomas das diferentes espécies está trazendo a genética molecular de
volta aos estudos evolutivos. Afinal, o processo evolutivo e populacional.
::
E:

A Australopithecus afarensis, 1 85,


36 JGUISAO
187, 189, 204
Acuidade visual, 1 82
— Lucy, 143, 187
Adaptação
Autofecundação, 37, 123
— capacidade de, 40
Autotróficos, 153
— DDT, 80
— definição de, 43, 87
B
—— efeito carona, 94
Biocêntrico, 3
7 especiação e, 111
Biogeografia, 161
— importância da, 77
Bioma, 163
— irradiação e, 133
_ irreversível, 77
C
#
população grande e, 98
Caçadores/coletores, 1 90, 21 7
população pequena e, 99
Características ambientais
— populacional, 74—75
da terra, 149
— reversível, 77
Carga genética, 57—58
Agentes mutagênicos, 95
Alelos (ver gene alelo) Cariótipo, 31

Alimento, 153
Cavalo, evolução do, 140

Altruísmo, 89 Célula, 29, 32, 41

Anagênese, 108 — germinativa, 29


Analogia, 135, 212 — ovo, 31 , 32
Árvore da vida, 207 — somática, 29
Árvore de parentesco, 139 Chimpanzé, 180, 214

Astenosfera, 1 70 Cladogênese, 108

Atmosfera, 1 50—1 51 Código genético, 36, 154


232 Cada Caso, um Caso...Pur0 Acaso Índice Remissivo 233

Coesão específica, 113, 121 Dispersão, 104, 164 Eugenia, 72 Genetica, 45


Composição química dos DNA, 36, 37 Extinção, 97, 106, 131, 181 — de populações, 50, 51
seres vivos, 151 — do desenvolvimento, 212
Domínios mor-Foclimaticos, 1 63 — cultural, 195
Conservação de estruturas, 136 — molecular, 41 , 51
Extremidades preênseis, 1 82
Constância evolutiva, 133 -— quantitativa, 27
E
Controles de natalidade, 224
Ecossistema, 163 ': Genocídios, 196, 197, 225
Convergência evolutiva 134 Genótipo, 31 , 33, 38, 47, 65,
Efeito carona, 65, 94 Fatores evolutivos, 61, 63, 95,
Coração dos vertebrados, 1 36 98, 1 98
71, 77
Efeito do fundador, 70, 122, 209
Cor da pele, 201
Eletroforese de proteínas, 57 Fenótipo, 33, 47 — desbalanceado, 122
Criacionistas, 7 Fixismo das espécies, 3 — heterozigoto, 35
Elo perdido 187
Cro—magnon, 194 Fluxo gênico, 50, 59, 68, 106, 204
— homozigoto, 35
Endocruzamentos, 90
Cromossomos, 31 , 36, 47, 123 Girafas, 25, 137
Endogarnia, 76, 96, 100 Fósseis, 139, 142, 143
— homólogos, 31, 38, 67 Glaciações, geleiras, 175, 202

— sexuais, 1 95
Entropia, 1 52
G
_ do pleistoceno 175, 191
Equilíbrio pontuado, 53, 55
Cruzamentos — e o gênero Horno, 192,
Erros amostrais, 60, 69 Galton, 27, 47 198, 202
— ao acaso, 50, 76, 96 Gametas, 29, 32, 34, 37, 39, 120 o os Neandertais, 194
Especiação, 103, 112 —

— em cativeiro, 11 8
—— alopátrica, 104, 106, 107 Geleiras do pleistoceno, 191 Gondwana, 171
— endogãmicos, 76, 91 , 203 Genes, 32, 34, 36, 47, 214
— por poliploidia, 123 Gorila, 180
*

preferenciais, 50, 76, 96 — coadaptados, 57, 113,


e deriva genética, 122 Grandes grupos 129
120, 127
e

Especie Gravidade terrestre 1 51


D — homeóticos, 212
— conceito, 110
Darwin, 6, 7, 17, 19, 29
cosmopolita, 164
— homólogos, 212 H
Darwinismo social, 24, 125
;

— ligados, 65
— endêmica, 164 Haplóide, 31, 32, 34
Datação radioativa, 146 — pré—adaptados, 1 33
— humana, 16, 29, 179, Hardy—Weinberg, 62
Deme, 38 180, 188 — reguladores, 212, 213
Havaí, 99, 100, 105, 173
Deriva continental, 170 — invasora, 167 Genes alelos
Heterose, 85
Deriva genetica, 60, 68, 69, 122 —nova, 105, 113, 116, 117
— definição, 34—35 Heterotróficos, 153
Descartes, método científico, 5 Estase, 142
— dominante, 35 Hibridação, 59, 68, 105
Diferenciação das línguas, 125 Estresse adaptativo, 99, 113,
— recessivo, 35 — e o gênero Homo, 193,
Digestão, 154 207, 211 — frequência, 62 201 , 204
Diplóides, 31, 32, 124 Estrutura social, 1 86 — deletérios, 65 Holoceno, 1 92
234 Cada Caso, um Cascujªuro Acaso Índice Remissivo 235

Homem de Java, 187, 220 L Neodarwinismo, 48, 59 — genetica, 38, 50


Homem de neandertal, 186, Lamarck, 5 Neutralismo, 58, 60 — grande, 60, 98
194, 204 Norma de reação, 77 — monogâmica, 202
l_aura'sia, 171
Homem de Pequim, 187, 220 — panmitica, 50, 58, 76
Linguagem finalista, 16
Homo, 180, 191, 192, 204
I_inneu, 4, 110 O — pequena, 98, 122
— H.erectus, 181, 187, 190, Litosfera, 170 Olfato 158, 182 — simpátrica, 103
192, 193 — tamanho efetivo da, 59
l_oco gênico, 34, 51, 57, 65 Ondas eletromagnéticas, 1 55
— H,.habilis, 187 Ondas sonoras, 157 — variabilidade da, 57
— H.Sãpiens, 16, 180, 184, 186, Organismos pluricelulares, 32, Postura bípede, 185
188, 191, 193, 197, 202 41, 1 54 Postura pronograda, 183
— migrações recentes, 217 Macromutações, 54, 55, 56,
130, 214 Órgãos análogos, 135, 212 Pressão atmosférica, 150, 151
Homocromia, 86 Órgãos homólogos, 135, 212
Malthus, 21 Primata, 1 80
Homologia, 135, 212 Origem etnica, 215
Medo da finitude, 1 1 Q
Homotipia 86 Quaternário, 192
Meiose, 32, 37, 65, 67
P da coesão específica, 121 ,
Mendel, 45 Quebra
I Paladar, 158 122
Micromutações, 54, 130
Iluminismo, 5 Pangea, 171
Migração, 50, 59, 68, 96, 193,
Pangeneses, 26, 29
R
Intelligent design, 9, 13 203, 204
Recombinação
Introgressão, 116, 193, 204 Mimetismo, 86 Percepção tactíl, 159
Picos adaptativos, 111
— cromossômica, 59 63, 67, 95
Irradiação adaptativa, 131 , Miserias da humanidade, 224
133, 176 Pigmeus, 205
— genética, 59, 63, 67, 95
Mitose, 32
Redução de
Isolamento Moderna síntese, 48 Plasticidade genética, 97 concepções múltiplas, 183
— geográfico, 103, 109 Monogamia 25, 186 Polimorfismos genéticos, 51 Regiões biogeográficas, 168
— reprodutivo, 104, 107, 113, Morgan, TH., 47, Poliploidia, 123 Registro fóssil, 139, 186, 189
114, 115 População
Mudanças genéticas Reprodução
— pré—zigótico, 11 3 intrapopulacionais, 1 03 — aiopátrica, 103 — assexuada, 37
—— pós—zigotico, 114 Mutação gênica, 36, 63, 95 — definição, 38 — sexuada, 37
Isoterma, 1 70 Mutacionistas, 48 — diferenciação, 105 RNA, 36
— distribuição geográfica, 103
K N —— em equilíbrio, 62 S
Kimura, 53, 58 Neandertais, 1 94 — extinção, 1 06 Saltacionismo, 55
2736 Cada Caso, um Caso...Puro Acaso

Seleção artificial, 90 V
Seleção natural, 10, 23, 45, 49, 53,
Vagílidade, 190
60, 70, 74, 96, 214
Valor adaptativo, 56, 71, 112, 199
— direcional, 74

ueiagps
— disruptiva, 74 Variabilidade genetica, 49, 51 , 57,
— estabilizadora, 74 58, 63, 68, 73, 96, 97

,._
Seleção sexual, 25, 74, 202 Variação, 23, 26

Selecionistas, 48, 58 — origem da, 26, 49


Sistema de cruzamento, 96 — contínua, 27 Darwin, Charles — Origem das Espécies — Ed.!tatiaia Limitada/Editora da
Universidade de São Paulo — 366pp — 1985.
— discreta, 28
_|_ Dawkins, Richard — Deus um Delírio — Ed.Companhia das Letras — 520pp
— geográfica, 4 — 2007.
Tamanho populacional 2, 22, Diamond, Jared — Armas, Germes e Aço: os destinos das sociedades
23, 58 Vicariãncia, 104
humanas — Editora Record 472pp — 2006.
*

Vida arbórea, 181 , 184


Taxon, 148 Freeman, Scott e Jon C.Herron
831 pp — 2009.
— Analise Evolutiva — Artmed Editora —
Taxonomia, 3 Vigor do híbrido (ver heterose)
Newton Freire—Maia —— Teoria da Evolução: de Darwin à Teoria Sintética —
Tectônica de placas, 170, 174
Teilhard de Chardin, 220
Vírus da gripe, 83 Ed_ltatiaia Limitada/Editora da Universidade de São Paulo 415pp
— 1988.

Tempo evolutivo, 64 Quammen, David — As dúvidas do SnDarWin — Ed.Companhia das Letras
W — 261 pp — 2007.
Teoria sintetica
(ver neodarwinismo) Wallace, 6, 7, 17, 19 Ridley, Mark — Evolução —Artmed Editora — 752pp — 2006.

Toumai, 1 87 Weismann, 28 Vanzolini, Paulo E. — Episódios da Zoologia Brasilica — Editora Hucitec —



212pp 2004.

Wilson, Edward O. —A Criação: como salvara vida na Terra Ed.Companhia
das Letras — 192pp — 2008.

g
u
q
yçxõ
.,Ao
se

Você também pode gostar