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A DAMA DE CORAÇÃO INDOMÁVEL

Romance Histórico

O DUQUE DE STRATHMORE
BOOK V
SASHA COTTMAN
Translated by
EVELYN TORRE
Copyright © 2023 por Sasha Cottman

Cottman Data Services Pty Ltd

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Contents

1. Capítulo Um
2. Capítulo Dois
3. Capítulo Três
4. Capítulo Quatro
5. Capítulo Cinco
6. Capítulo Seis
7. Capítulo Sete
8. Capítulo Oito
9. Capítulo Nove
10. Capítulo Dez
11. Capítulo Onze
12. Capítulo Doze
13. Capítulo Treze
14. Capítulo Quatorze
15. Capítulo Quinze
16. Capítulo Dezesseis
17. Capítulo Dezessete
18. Capítulo Dezoito
19. Capítulo Dezenove
20. Capítulo Vinte
21. Capítulo Vinte e Um
22. Capítulo Vinte e Dois
23. Capítulo Vinte e Três
24. Capítulo Vinte e Quatro
25. Capítulo Vinte e Cinco
26. Capítulo Vinte e Seis
27. Capítulo Vinte e Sete
28. Capítulo Vinte e Oito
29. Capítulo Vinte e Nove
30. Capítulo Trinta
31. Capítulo Trinta e Um
32. Capítulo Trinta e Dois
33. Capítulo Trinta e Três
34. Capítulo Trinta e Quatro
35. Capítulo Trinta e Cinco
36. Capítulo Trinta e Seis
37. Capítulo Trinta e Sete
38. Capítulo Trinta e Oito
39. Capítulo Trinta e Nove
40. Capítulo Quarenta
41. Capítulo Quarenta e Um
42. Capítulo Quarenta e Dois
43. Capítulo Quarenta e Três
44. Capítulo Quarenta e Quatro
Epilogue

Romances em português
Sobre o autor
Notes
Capítulo Um

L ondres, 1817

Eve Saunders enrolou o manto de lã preta nos ombros e fechou a porta do


quarto com cuidado.
— Está pronto? — ela sussurrou para a escuridão.
O irmão dela, Francis, saiu de trás de um pilar próximo, um dedo preso
aos lábios.
— Xiu, o papai ainda está no escritório trabalhando. Se ele nos ouvir,
será o inferno na Terra. — ele apontou para a escada principal, meneando
para Eve o seguir.
Ela levantou as saias e correu atrás dele.
Quando ela chegou ao fundo da ampla escadaria de mármore, Francis a
puxou para uma alcova.
— Eu verifiquei o resto da casa e ninguém mais está no térreo. Papai
decidiu de repente que precisava trabalhar em alguns documentos para um
carregamento de tabaco que está chegando do Brasil na maré da manhã. —
ele disse.
Eve sorriu. O pai podia ficar acordado até o amanhecer por tudo o que
ela se importava, desde que não os pegassem saindo escondidos de casa.
Eles saíam de fininho para a noite desde que ela se lembrava. De vez em
quando, conseguiam seduzir a irmã Caroline a juntar-se a eles, mas ela não
era uma coruja da noite, preferindo a alegria de ir para a cama cedo e
dormir até tarde. As noites em que eram só Francis e Eve eram sempre as
melhores.
Londres, tarde da noite, era um lugar diferente. A alma da cidade
modifica sua faceta ordeira e diurna e incitava todos os que se aventuravam
pelas ruas mal iluminadas a se tornarem outra pessoa. Estar em meio à
multidão à noite agitava o sangue de Eve.
— Vamos, não queremos nos atrasar. — Francis a incitou.
Eles seguiram para o jardim da casa da família e saíram para a rua dos
fundos por um pequeno vão na cerca, escondido atrás de um arbusto. Toda
vez que o jardineiro-chefe fazia algum comentário acerca de consertar o
buraco, uma ou duas moedas chegavam à mão dele, e ele conseguia
encontrar alguma outra tarefa mais urgente para ocupar seu tempo.
Cinco minutos mais tarde, Eve e Francis corriam pela Rua Dover, rindo.
O capuz do manto de Eve tremulava atrás dela no ar frio da noite.
— Papai nos esfolaria vivos se nos pegasse! — ela riu.
Eles cruzaram a esquina para o Hyde Park e se viram no meio de uma
multidão, que crescia a cada minuto. O esmagar de corpos todos disputando
o melhor ponto de vista era emocionante.
— Creio que a corrida ainda está em andamento. — Eve disse.
Rumores de que uma corrida secreta de cavalos, sem sela, aconteceria
entre a Rua Oxford e o Hyde Park circulavam entre seus vários grupos de
amigos há quase uma semana. A empolgação crescia.
Eve mal podia esperar para ver quem seria imprudente o bastante para
entrar em uma corrida no meio de Londres e na calada da noite. A ameaça
de prisão dissuadiria todos, exceto os muito selvagens pela perseguição, e
se havia algo que fazia o pulso de Eve disparar, eram homens selvagens.
Ela sorriu. Não havia homens selvagens suficientes na sociedade
londrina. Ela desejava um homem que pudesse saciar seus desejos mais
travessos.
— Este será o melhor ponto para vê-los vindo de Park Lane. — Francis
disse.
Eve puxou a gola do manto para cima, para cobrir as orelhas. Era
apenas setembro, mas as noites já estavam frias. Mal houve um verão de
fato, e agora o outono mostrava todos os sinais de um longo e horrível
inverno chegando.
Ela se esticou na ponta dos pés, se esforçando para conseguir uma vista
melhor quando a multidão começou a se aglomerar na esquina do Hyde
Park. Ela conseguiu encontrar uma brecha para ver a Park Lane. De ambos
os lados da rua, as pessoas seguravam tochas acesas para orientar os
corredores.
Uma onda de aplausos e vivas percorreu a multidão quando os
cavaleiros enfim apareceram no início da Park Lane.
— Lá vem eles! — ela gritou.

Quando os cavalos se aproximaram do final da Rua Oxford, um sentimento


nauseante de pânico começou a surgir na mente de Freddie Rosemount. Ele
precisaria fazer algo depressa se quisesse ganhar.
Desde o instante em que pulou na garupa do cavalo, ele se arrependeu
da decisão de correr sem sela pelas ruas molhadas e escorregadias de
Londres.
Ele devia estar com dez anos na última vez que se sentou no lombo de
um cavalo sem sela. Foi um passeio tranquilo pelo pátio dos estábulos da
casa de sua família em Peterborough, uma corrida no escuro contra um
oponente habilidoso era completamente diferente.
— Inferno! — ele murmurou enquanto o cavalo do adversário
avançava. Se não fizesse algo agora, a corrida decerto escaparia de seu
alcance.
Ele se acomodou mais baixo por cima das rédeas e cravou os
calcanhares na lateral da montaria. A situação era precária, mas ainda não
havia perdido. Ele não perderia o primeiro dos desafios do Conselho dos
Bacharéis.
— Rá! Vamos! — ele incitou o cavalo.
O cavalo dele alongou a passada. Freddie agarrou-se ao animal com
força. Seria um desastre se ele caísse.
Aos poucos, mas com constância, a distância entre eles e o cavalo na
liderança encurtou. Freddie cravou os calcanhares uma última vez, e seu
cavalo explodiu em velocidade.
Ao final da Rua Oxford, eles empataram. Freddie deu uma olhada em
seu oponente, e sentiu o coração saltar.
Lorde Godwin Mewburton empunhava o chicote como um louco.
Daquela boca saía uma corrente interminável de abusos, todos dirigidos ao
pobre cavalo.
Sem surpresa, o abuso não surtiu o efeito desejado. A montaria de
Freddie avançou para a liderança.
Quando chegaram ao topo da Tyburn, o cavalo de Freddie estava meio
corpo à frente. Lorde Godwin havia forçado demasiado cedo, e agora estava
pagando o preço por um movimento não calculado.
A Rua Tyburn estava escura, apenas casas de um lado e o Hyde Park do
outro. Os postes e luz a gás ao longo da rua pouco ajudavam na iluminação
do caminho. Freddie apertou os olhos no escuro e rezou para que seu cavalo
tivesse uma visão melhor do que ele.
Ele levantou a cabeça e avistou uma série de tochas acesas perto da
Esquina do Hyde Park. A linha de chegada estava à vista. Uma multidão
cercava a linha de chegada. Aplaudiam e acenavam, saudando os
competidores.
Freddie sorriu quando seu cavalo entrou no início da Park Lane. Estava
na liderança. Os aplausos eram para ele. Ele ganharia.

O segundo cavaleiro cruzou a linha de chegada menos de um minuto após o


vencedor, mas Eve mal percebeu. Sua atenção foi de todo capturada, estava
fixa no vencedor de cabelos escuros que saltou da garupa do corcel assim
que cruzaram a linha de chegada, e agora estava aceitando os parabéns de
dezenas de espectadores que estavam cantando seu nome. Freddie! Freddie!
O sorriso no rosto dele a fez sorrir.
Francis segurou o braço de Eve:
— Pensei que a perdera na multidão. Viu a chegada?
Eve assentiu, mas o olhar permaneceu firme no vencedor. A simples
visão dele tirava-lhe o fôlego. Seus cabelos eram escuros e esvoaçados pelo
vento, o nível perfeito de selvageria sedutora. Ele era alto e de constituição
física perfeita. A única decepção dela foi que, no escuro, não conseguia
discernir a cor dos olhos dele.
— Quem é ele? — ela perguntou, encantada.
Francis bufou de nojo.
— Freddie Rosemount. Segundo filho do Visconde Rosemount, ele
frequentou Eton comigo. Acabou de obter um diploma de primeira classe
em Oxford e já parece pronto para destruir a cidade. E pelo seu olhar
apaixonado, quebrar alguns corações no processo. — Francis respondeu.
— Ora, por favor. Estou apenas animada por ver um jovem arrojado a
cavalo. Não pode culpar uma garota por sonhar com cavaleiros e seus
poderosos cavalos. — ela dispensou as palavras do irmão como mais uma
de suas provocações bem-humoradas, porém, ao mesmo tempo, sabia que
Freddie Rosemount já havia capturado sua imaginação. Ela checou sua lista
mental de “indispensável ter” em um marido em potencial.
O Visconde Rosemount era um dos homens mais ricos do país, então
Freddie atendia à questão da riqueza. Ele obteve um diploma universitário,
então não era burro. Era bonito como o diabo, e a veia selvagem era óbvia.
Sim, sim, sim, sim. Ele atendia todos os critérios da lista dela.
Agora, ela precisava descobrir se havia um coração apaixonado batendo
sob aquele peito largo. Ela estava determinada a se casar antes do fim do
ano, mas um marido monótono e seguro era a última coisa que desejava.
Com o sangue aquecido bombeando com força nas veias, ela não sentiu
mais o frio amargo do ar noturno.
Eve colocou a mão no coração e fez um voto silencioso. Ela faria todo o
necessário para conhecer esse belo diabo. Se ele demonstrasse ser
interessante, ao menos na metade da potência com que cavalgava, o nome
dele seria adicionado à lista de maridos em potencial para ela. A lista atual
era curta e decepcionante.
Eve fechou a mão em punho com força. Ela não terminaria o ano como
uma solteirona velha. Estava determinada a encontrar o amor. Faria tudo ao
seu alcance para bater a irmã Caroline nessa corrida ao altar. O próximo
casamento da família seria o dela.
Olá, Freddie. Você pode muito bem ser o homem que estou procurando.
Capítulo Dois

F reddie Rosemount se arrastou para fora da cama o mais tarde que pôde
na manhã seguinte. As comemorações pós-corrida foram bem até de
madrugada. Após a terceira taça de champanhe, ele mudou para conhaque e
parou de contar as doses.
Ele sentou-se à beira da cama e olhou para os pés descalços, rindo
baixinho devido à ideia de que esses pés estavam trilhando um caminho
diferente do que acreditavam que fariam. A dor persistente na cabeça era o
preço da glória do vencedor.
Ele se vestiu e foi para a sala de café da manhã da casa de sua família
em Londres, na Praça Grosvenor. O único conjunto de mesa colocado para
o café da manhã estava na cabeceira da mesa de carvalho longa e reluzente.
Ao sentar-se, ele sorriu. Com os demais membros da família ainda em
residência na Abadia Rosemount, ele contava com toda a casa londrina para
si pela primeira vez na vida.
Enquanto esperava que os criados trouxessem o café da manhã, ele
examinou seu entorno. Ele sempre se sentava mais abaixo na mesa. O
assento do pai oferecia uma perspectiva diferente do ambiente. Pinturas de
familiares há muito mortos, que costumavam ficar fora da vista do assento
habitual dele, agora estavam em plena vista.
Ele deu um aceno de cabeça respeitável ao retrato de seu tataravô. O
lucrativo programa de criação de cavalos na Abadia Rosemount foi
estabelecido por este seu antepassado no início do século XVIII, e agora
dava à família uma posição elevada no ar rarefeito da Alta Sociedade.
Sendo o segundo filho, Freddie nunca ocuparia o assento da cabeceira
por direito. Era bom desfrutar da agradável fantasia de ser senhor da casa,
mesmo que por um curto período.
Ele não podia desmerecer Thomas por seu papel como futuro Visconde
Rosemount. A vida de Thomas foi resolvida por ele. Ele já tinha dois filhos.
Com uma propriedade para administrar, inquilinos para lidar e uma enorme
casa elisabetana para manter, Thomas nunca teria as mesmas oportunidades
de Freddie para decidir o próprio futuro. De uma coisa, Freddie tinha
certeza: seu irmão nunca seria encontrado cavalgando em velocidade
vertiginosa pelas ruas de Londres no meio da noite.
No entanto, no fundo doía saber que até este dia, sua vida sempre esteve
em segundo lugar. O segundo filho a frequentar Oxford. O segundo filho a
terminar com um diploma de primeira classe. Nada do que ele havia
conseguido fora apenas seu. Ele estava destinado a ser uma nota de rodapé
na longa e orgulhosa história da família.
Um lacaio trouxe uma pequena bandeja com dois ovos cozidos, que ele
não perdeu tempo em finalizar. Quando a segunda xícara de café não tirou
as teias de aranha de seu cérebro, ele se prometeu que chegaria cedo à cama
naquela noite.
Pegando a jaqueta, ele saiu pela porta da frente, atravessou a Praça
Grosvenor e seguiu em direção à St. James, a para as Casas do Parlamento.
Uma posição na Câmara dos Comuns apareceu para ele, de maneira
inesperada, através de um dos seus antigos professores universitários. O
estágio, por assim dizer, só duraria alguns meses e era uma rara chance de
ver o funcionamento interno do sistema político inglês. Era o papel perfeito
para ele que ainda estava se firmando na sociedade londrina.
A caminhada matinal dava-lhe tempo para desfrutar do movimento e da
vida de Londres nessa parte inicial do dia. Com um cachecol enrolado no
pescoço, e as mãos aquecidas por um par de luvas de couro marrom-escura,
ele estava bem protegido contra o vento mordaz.
Atravessando o Parque St. James, ele olhou para a direita e deu um
aceno respeitoso ao Palácio de Buckingham. As bandeiras estavam
hasteadas. A Família Real estava em residência.
— Vossa Majestade. — ele sussurrou.
Ao chegar aos escritórios dos cadetes parlamentares na Rua Barton,
assinou o livro-ponto e foi em busca de seus colegas cadetes. A caminhada
da Rua Barton até o Palácio de Westminster levava cinco minutos por ruas
estreitas detrás da Abadia de Westminster. Ele entrou por uma porta lateral.
— César chegou! Toda a Grã-Bretanha é minha para conquistar. — ele
anunciou ao entrar na pequena sala de reuniões atribuída aos cadetes
durante o tempo de serviço.
— Você, senhor, não é nenhum conquistador. É um lunático de marca
maior! — Lorde Godwin Mewburton o respondeu. Ele deu um tapa forte
nas costas de Freddie. — Eu quase o venci quando chegamos à Residência
Strathmore, mas seu cavalo maldito fugiu como o diabo.
Freddie riu e deu uma piscada. Godwin podia contar todas as histórias
que quisesse, mas ambos sabiam que, quando o cavalo de Freddie tomasse a
liderança, nunca iria cedê-la.
— Posso ser um lunático, mas ganhei o primeiro dos desafios, o que
significa que tenho cem pontos para minha vaga no Conselho dos
Bacharéis. Digo que, neste ritmo, serei um membro de pleno direito antes
do final da semana. — Freddie respondeu.
Sentado em uma cadeira de couro acolchoada nas proximidades, o
Honorável Trenton Embry bufou.
— Sim, bem, apenas seja grato que minha irmã e o marido insistiram
que eu participasse de um jantar ontem à noite, caso contrário, eu teria
mostrado aos dois como nós do oeste cavalgamos.
Freddie e Godwin trocaram um erguer de sobrancelhas. No pouco
tempo em que conheciam o segundo filho do Visconde Embry, eles
descobriram ser um homem propenso a pouca fala e menos ação ainda.
— Então, o que será que faremos hoje? — Godwin perguntou.
Freddie se jogou em um sofá próximo e colocou as botas em uma mesa
de centro disposta em uma posição conveniente. Se hoje fosse qualquer
outro dia na Câmara dos Comuns, eles teriam reuniões chatas, quantidades
abundantes de álcool e todo tipo de asneiras perigosas. E não
necessariamente nessa ordem.
Freddie prometeu-se investir em uma oferta de um cargo duradouro na
Biblioteca Britânica, assim que o estágio aqui fosse encerrado. A coleção da
Biblioteca Harleiana contava com alguns escritos de Ptolomeu que ele
estava ansioso para ter em mãos.
— Nosso destemido líder logo nos dirá, assim que se levantar da sarjeta,
qualquer que seja a sarjeta que frequentou ontem à noite. — respondeu
Freddie.
Todos riram.
O homem responsável por liderar os novos cadetes no parlamento
inglês, Osmont Firebrace, era alguém que levava a vida regida por um livro.
No caso dele, um pequeno livro preto encadernado em couro.
Embora Osmont ficasse feliz em encorajar seus protegidos a
aproveitarem o lado despreocupado da vida, ele não era de se deixar levar
pelo álcool. Mesmo as xícaras de chá fraco eram deixadas, muitas vezes,
para esfriar.
Ante esta deixa, Osmont Firebrace entrou na sala.
Ele vestia uma jaqueta preta, calças pretas e botas pretas. A camisa era
de linho branco puro. Era a mesma roupa usada todos os dias. Debaixo do
braço, o caderno preto.
— Senhores. Creio que tiveram uma noite de sucesso. — ele disse.
O olhar dele fixou-se em Freddie ao falar. Quando Godwin tentou
mencionar seus próprios esforços na corrida, Osmont levantou a mão.
— Segundo não significa nada, Lorde Godwin. Ou ganha, ou poderia
muito bem ter ficado em casa para dormir cedo. O Conselho dos Bacharéis
não premia o restante.
Ele desamarrou a corda que segurava o livro preto bem fechado, e o
abriu. Fez um floreio ao passar o dedo pela página aberta.
— Nesta manhã, temos o Honorável Sr. Frederick Rosemount em
primeiro lugar com cem pontos. Em segundo lugar, Lorde Godwin
Mewburton, com vinte pontos. E o Honorável Trenton Embry ainda não
marcou. — ele fechou o livro e o enfiou debaixo do braço.
— Parece que o Sr. Embry não entendeu as regras do Conselho. Sendo
assim, farei um lembrete a todos. — ele disse.
Um criado trouxe um bule de café fresco. Freddie e Godwin pegaram,
ansiosos, uma xícara cada um, e sentaram-se para desfrutar deste início de
manhã. A cabeça de Freddie começava a clarear. O latejar em seu cérebro
diminuía de intensidade.
Osmont já detalhara as regras do Conselho dos Bacharéis o bastante
para Freddie acreditar poder recitá-las de cor.
— Para garantir uma vaga no Conselho, devem acumular pontos
suficientes em um conjunto de desafios a serem realizados ao longo do
próximo mês. Se for um candidato bem-sucedido, terá acesso irrestrito a
alguns dos homens mais poderosos do país, homens que podem garantir que
os senhores tenham riqueza e oportunidades exclusivas. Nunca precisarão
se contentar em ser nada menos do que o primeiro entre iguais. Os irmãos
mais velhos dos senhores os invejarão. Com tudo isso em mente, não devo
precisar lembrá-los de que apenas um candidato entre os três receberá a
oferta de um assento no Conselho. — Osmont disse.
A corrida de cavalos pela Oxford e Park Lane foi o primeiro dos
desafios. Freddie sentou-se e sorriu. Era um ótimo começo.
A multidão no Hyde Park aplaudiu e gritou seu nome quando ele cruzou
a linha de chegada. Ele seria o assunto de muitas conversas à mesa do café
da manhã nesta manhã. Ao final de seu estágio como cadete aqui, ele queria
que todas as pessoas certas em Londres soubessem quem ele é. Ele não
seria conhecido apenas como o segundo filho do Visconde Rosemount.
Seria ele mesmo.
O próximo membro do Conselho dos Bacharéis seria o Honorável Sr.
Frederick Rosemount. Nada, e ninguém, iria detê-lo.
Capítulo Três

E ve parou e encarou seu guarda-roupa. Ela já experimentara dois vestidos


e os jogou na cama. Nada parecia se adequar à ocasião. Nada se encaixava
no humor dela.
Sua criada pessoal veio ficar ao seu lado.
— Azul para boa sorte? — sugeriu.
Eve enrugou o nariz. Sorte era algo que a prima Lady Lucy Radley e o
futuro marido, Avery Fox, precisariam em abundância.
Após terem sido pegos em uma posição comprometedora nos jardins da
Residência Strathmore, Lucy e Avery, um ex-soldado, foram obrigados a
casar-se. Avery, o futuro Conde Langham, não correu de abraço abertos
para esse casamento.
Os dois irmãos mais velhos de Lucy trocaram votos no início do ano, e
os respectivos casamentos foram seguidos de festas e bailes luxuosos, com
a presença de mais de mil pessoas em cada. O casamento de Lucy também
deveria ser uma ocasião brilhante.
No entanto, por insistência de Avery, as núpcias dele e de Lucy seriam
um evento de família tranquilo na Residência Strathmore.
— Por que ainda não está vestida? — Caroline Saunders fechou a porta
do quarto ao entrar.
Eve deu um olhar de soslaio à irmã em trajes completos e pronta para
partir, antes de voltar a olhar para o guarda-roupa.
— Apenas não consigo encontrar a roupa certa para a ocasião. Nada
aqui fala comigo. O que se veste para uma ocasião que é uma advertência
para não se buscar um casamento apressado?
Caroline suspirou. Seria um dia difícil para todos.
— Não é um funeral. Além disso, deveríamos usar o que usaríamos
caso fosse uma cerimônia completa na igreja. Devemos à prima Lucy, para
dar-lhe o máximo de apoio possível. Sabe-se lá? Se dermos todas as nossas
bênçãos, talvez possam fazer dar certo.
Eve assentiu. A irmã estava com razão, como de costume. Lucy amava
Avery. Ela colocou os olhos nele apenas algumas semanas antes, quando ele
foi apresentado à sociedade londrina como o misterioso novo herdeiro do
título de Conde de Langham. A falta de interesse do noivo na união não era
importante. Ele beijou Lucy e colocou as mãos nos seios nus dela, em pleno
jardim Strathmore. Após esses fatos, casamento era o único desfecho
possível.
— Vou com o vestido azul-pálido. É simples e elegante, e eu não o usei
até hoje. — Eve respondeu.
— Ótimo. Papai está fazendo um estardalhaço lá embaixo, deixando
claro que quer sair muito em breve, então é melhor apressar-se. — Caroline
disse.

A Residência Strathmore, casa do Duque de Strathmore, localizava-se na


área elegante de Park Lane. A mansão dominava a rua, tendo o dobro do
tamanho de todas as outras construções. As enormes colunas de pedra
Portland eram um lembrete físico do poder e da riqueza duradoura da
Família Radley. No entanto, para Eve e seus irmãos, era meramente a casa
do tio, tia e primos.
Quando a carruagem da Família Saunders se aproximou do lado de fora
da Residência Strathmore, o coração de Eve afundou. Este deveria ser o
maior e mais maravilhoso dia na vida de Lucy Radley. Multidões deveriam
estar se reunindo do lado de fora, aglomerando-se para ter um vislumbre da
elite de Londres ao chegar para as festividades pós-casamento.
O único sinal de que algo estava acontecendo na casa era um simples
buquê de lírios brancos, pendurado na porta da frente. As flores falavam
muito da natureza apressada do casamento e da falta de celebração que veio
com ele.
— Agora, quero que todos vocês comemorem muito com Lucy e Avery
hoje. Não importa as circunstâncias, ainda é o casamento deles. O café da
manhã de casamento será pequeno, mas por ser único que vão ter, cabe a
nós tornarmos o dia memorável. Certifiquem-se de abrir seus melhores
sorrisos em todos os momentos. — Adelaide Saunders disse.
Eve notou a amargura nas palavras da mãe. Adelaide estava com o
coração partido pela sobrinha, mas estava determinada a fazer tudo o que
pudesse para tornar esse um dia especial para Lucy.
Já na Residência Strathmore, a família foi levada para o Salão de Baile
de Inverno.
Adelaide balançou a cabeça com desgosto.
— Nem mesmo o Salão de Baile de Verão. Quando Charles e eu nos
casamos, meu pai garantiu que tivéssemos o melhor de tudo em nosso
casamento. A filha de um duque nunca deveria ter que enfrentar um insulto
tão grande à sua posição.
O Salão de Inverno era maior do que qualquer outro salão de baile que
Eve já viu em Londres, mesmo assim, era menor do que o famoso Salão de
Baile de Verão e seu teto imponente decorado com fabulosas cenas das
fábulas de Esopo.
O cômodo foi decorado com simplicidade, um grande vaso de rosas
brancas ao lado de onde os noivos ficariam. Pouco mais esforço foi
empreendido para as decorações de casamento. O calafrio de um casamento
forçado pairava no ar.
Eve e a família tomaram seus lugares. Quando a noiva chegou à frente
do noivo, lágrimas quentes brotaram nos olhos de Eve.
Lady Lucy era a mais bela das noivas.
Seu vestido de noiva de renda branca se encaixava com perfeição ao
corpo. Nas mãos, ela segurava um pequeno ramalhete de rosas vermelhas e
champanhe. O véu curto estava preso pela tiara da Família Strathmore, uma
tiara inestimável de ouro e diamantes, usada por todas as filhas da família
no dia do casamento há muitas gerações.
Eve enxugou as lágrimas, o coração partido pela prima.
— Tenho outros, se precisar. — Caroline sussurrou, entregando-lhe um
lenço limpo.
Lady Lucy Radley ficou em silêncio conversando com a mãe, a
Duquesa de Strathmore. Não houve grande entrada para a noiva. Ela mal
reconheceu o resto dos convidados.
Quando o noivo chegou, Eve notou que as listras de seu colete
combinavam com as flores de Lucy. Era bom que Avery estivesse fazendo
algum esforço para manter as aparências, não importa o quanto tivesse
resistido a pedir a mão de Lucy em casamento.
Eve e Lucy sempre foram próximas. Ela sabia que Lucy estava
apaixonada por Avery, e o desgosto que enfrentava ao se casar com um
homem que não a queria. Eve só podia esperar que a bondosa Lucy
acabasse conquistando o coração de Avery.
— Ele é muito bonito. — Caroline disse.
Eve assentiu.
Avery, de cabelos escuros, era magro e musculoso. Suas pernas longas e
poderosas a fizeram seguir até o topo delas com o olhar. Ela soltou um
pequeno suspiro, invejosa de que esta noite Lucy seria quem exploraria esse
magnífico corpo nu.
Avery era exatamente o tipo de homem que Eve procurava. Alguém
com mais do que apenas título ou dinheiro. Essas coisas poderiam deixar a
vida de uma jovem confortável, e ela não era ingênua o bastante para pensar
que poderia se casar com um homem sem meios de sustentá-la, mas ansiava
por mais. Um casamento apaixonado era o objetivo em seu coração e, isso,
ela não comprometeria.
Avery esteve na guerra e conheceu as dificuldades da vida, antes de
ganhar uma herança inesperada. Ele enfrentara perigo real e o superara. A
mão esquerda dele estava sempre coberta com uma luva de couro preta,
escondendo uma ferida de guerra feia.
Observando o tio, o bispo de Londres, casar Lucy e Avery, Eve enxugou
uma última lágrima. Ela não desejava aos recém-casados nada além do mais
feliz dos casamentos, mesmo sabendo que dada as circunstâncias da união,
o caminho pela frente seria difícil.
Quando o noivo deu um beijo casto no rosto da noiva, Eve e Caroline
trocaram um olhar triste.
— É melhor ele tratá-la bem. Ou vai ter que responder a mim. — Eve
murmurou.

Com a cerimônia de casamento terminada, Lucy deixou Avery para


conversar com outros convidados enquanto procurava Eve.
— Muito bem. Passou pela cerimônia. — Eve disse.
Lucy deu um sorriso tenso.
— Sim, consegui ao menos esse tanto. Agora, só preciso passar pelo
café da manhã e tudo estará terminado.
Eve estava prestes a mencionar a noite de núpcias, mas o olhar no rosto
de Lucy a fez retesar. Estava claro que a noiva tinha planos contrários aos
habituais para uma primeira noite de um casal.
— Se eu não tiver a oportunidade de falar com você antes do café da
manhã do casamento acabar, escreverei para você quando eu estiver
estabelecida. — Lucy disse.
Caroline vagou até elas.
— Amei seu vestido de noiva, querida prima Lucy. Combina muito bem
com você. — ela disse.
Lucy olhou para o vestido de noiva. Eve estava com ela quando
escolheu o tecido, sabia quantas lágrimas foram derramadas na sala da
modista.
— Obrigada. Vou precisar guardá-lo bem. Quem sabe? Posso precisar
usá-lo de novo algum dia.
Caroline ofegou.
— Creio que Lucy brinca, Caroline. — Eve respondeu.
Caroline franziu a testa. A irmã de Eve recusara oito potenciais
pretendentes nos últimos seis meses. Como a irmã, Caroline também listara
exigências rígidas para um marido, embora Eve suspeitasse que fossem
mais estritas do que as dela. Com uma aparência que superava em muito a
de Eve, Caroline poderia escolher o marido que quisesse entre os solteiros
mais elegíveis.
Caroline era uma verdadeira beldade. Seus longos cabelos louros e
olhos verde-esmeralda deslumbrantes garantiam que sempre que ela
estivesse em uma reunião, um grupo de homens logo se reuniria ao seu
redor. Sua pele de porcelana era impecável. Eve duvidava que a irmã já
tivesse sofrido uma mancha no rosto.
— Sim, você pelo menos conseguiu chegar ao altar. Esta Temporada
tem sido tão decepcionante que estou começando a me perguntar se algum
dia vou me vestir de noiva. Eu deveria guardar meus centavos e fugir com
Freddie Rosemount em vez disso. Ele foi o vencedor daquela corrida de
cavalos à meia-noite na semana passada. Eu me pergunto se ele estaria
pronto para uma visita a Gretna Green de madrugada. — Eve continuou.
Suas palavras foram recebidas com um bufo por Caroline.
— Leva toda a ideia de casamento com muita frivolidade, Eve. Buscarei
uma conversa sensata em outro lugar. Com licença.
Eve fez uma careta enquanto a irmã se afastava. Ela e Caroline estavam
sempre discordando nos últimos tempos, e ela sentia um prazer especial em
provocar a irmã.
— Você é incorrigível, Eve. Por que ela morde a isca toda vez que você
diz algo ultrajante está além de mim. Por que faz isso? — Lucy disse,
afobada.
Eve deu de ombros. Caroline a deixava inquieta.
— Não sei por quê. O que sei é que preciso encontrar um marido e sair
de debaixo da saia da minha irmã antes que nós acabemos nos odiando.
Lucy segurou na mão dela.
— Não cometa o mesmo erro que eu, não se jogue em um homem. Meu
infortúnio já basta. Quem é este Freddie Rosemount? Os criados têm falado
de uma corrida louca que passou na frente de casa e fez com que todos
observassem das janelas do andar de baixo. Ele é o responsável por minha
criada se oferecer para executar quaisquer tarefas que tenham a Praça
Grosvenor no caminho?
O humor de Eve melhorou ante a menção do nome de Freddie.
— Freddie Rosemount é o segundo filho do Visconde Rosemount e,
para todos os efeitos, está buscando fazer o próprio nome. Ah, e já
mencionei como ele é impetuoso? Francis e eu estávamos na multidão que
o recebeu na linha de chegada.
Caroline Radley, a duquesa de Strathmore, caminhou de onde estava em
conversa com outros convidados. Ela pegou Lucy pela mão. Ao ver Eve,
sorriu.
— Olá, Eve. Minha querida, me desculpe, mas preciso roubar a noiva
de você. Ela e Avery têm outros convidados para falar antes de nos
sentarmos para o café da manhã do casamento.
Ao ver a prima e a tia se afastarem, Eve ficou impressionada com a
ironia da situação. Tanto ela quanto Lucy eram a favor do amor. Ambas
queriam um noivado de conto de fadas e o casamento em Sociedade, mas o
destino não parecia concordar em conceder essa graça a nenhuma das duas.
Lucy estava agora presa em um casamento sem amor, enquanto Eve
passava seus dias sendo devorada pela frustração causada pelo insucesso
em encontrar um companheiro adequado.
— Eu não vou cometer o mesmo erro que você, Lucy, disso eu tenho
certeza.
Capítulo Quatro

— O que pensa de Osmont Firebrace? — Lorde Godwin perguntou.


Freddie deixou de admirar a bela casa na Rua Silver, local
onde estavam parados. A rua da casa de Osmont abrigava muitas
embaixadas e residências diplomáticas.
— Na verdade, não o conheço tão bem. Eu o conheci no dia em que
começamos nosso estágio. Pelo visto, ele deve se dar bem com o Conselho
dos Bacharéis. Não é fácil conseguir pagar uma casa na Praça Dourada. Por
que pergunta? — foi a resposta de Freddie.
— Nada. Só o considero um sujeito estranho. Às vezes, eu o pego me
encarando. — respondeu Godwin.
Ele foi em direção aos degraus da frente da casa, seguido por um
Freddie um pouco intrigado. Mais cedo naquela manhã, ele havia flagrado
Osmont lhe dando um olhar longo e lento, o que deixou Freddie um pouco
desconfortável.
Do lado de fora da casa, não havia nada que sugerisse o tipo de reunião
que seria realizada ali. Um criado abriu a porta da frente. Suas vestes de
trabalho combinavam com o traje habitual de Osmont: todo preto, exceto a
camisa do mais puro branco.
Ele olhou Freddie e Godwin de cima a baixo. O olhar era um que se
reservaria a cobradores de dívidas ou mendigos.
— Sim? — ele indagou.
Surpreso com tal saudação, Freddie hesitou por um instante. Em
seguida, lembrou-se do código de entrada secreto da festa.
— Eu e meu colega estamos aqui para uma reunião do Conselho. — ele
respondeu.
— Muito bom, senhor. — o mordomo respondeu, o comportamento
mais respeitoso no mesmo segundo.
Assim que Freddie e Godwin entraram e entregaram seus casacos e
chapéus a um lacaio, uma taça de champanhe foi colocada em suas mãos.
Eles brindaram.
— Viremos as taças, e que os jogos comecem. — Godwin disse.
Uma grande cortina de seda vermelha separava o saguão de recepção do
resto do andar de baixo. Ao atravessar a cortina, seus sentidos foram logo
atacados: visão, audição e olfato.
Para onde quer que Freddie olhasse, havia mulheres e homens seminus.
Estavam espalhados pelos vários sofás acolchoados e espreguiçadeiras em
todo o cômodo. Ninguém estava sozinho. Pelo visto, cada um dos anfitriões
estava ocupado atendendo às necessidades dos convidados de Osmont.
Freddie fez uma contagem rápida e chegou ao número de cinquenta
pessoas. Todos em diferentes estágios de nudez, e todos pareciam estar
conversando ao mesmo tempo. A sala ecoava ao som de vozes.
Uma nuvem inebriante de fumaça pairava acima. Freddie respirou a
mistura de haxixe queimado e tabaco, que trouxe lembranças de seu tempo
nos salões residenciais da universidade. O ar era espesso o suficiente para
que ele sentisse um barato imediato.
— Ah. Meus mais recentes protégés. Estou tão feliz por terem vindo.
Eles se viraram para encontrar Osmont parado atrás deles. Ao seu lado
estava um jovem alto e magro, vestido exatamente como Osmont. Quando o
jovem correu o olhar sedutor por todo o corpo de Freddie, Freddie sentiu a
pele rastejar. Ele reconhecia um predador sexual quando via um.
— Este é meu sobrinho. — Osmont disse com um breve aceno na
direção do jovem.
Ele não se preocupou em apresentá-lo pelo nome. Freddie deu uma
olhada em Godwin. Talvez não houvesse laços sanguíneos entre tio e
suposto sobrinho.
— Vejo que não trouxeram Embry com vocês. Sei que ele se considera
demasiado além de ter diversão. Típico fazendeiro do oeste do país. Ele
deve estar sentado em casa agora, servindo-se de um segundo prato de
scones, acreditando estar vivendo o ápice da vida.
Freddie e Godwin trocaram um sorriso. Como Embry não levava o jogo
a sério, significava que um deles seria o vencedor final.
— Não sei por que ele tenta fingir interesse nos desafios. Por outro lado,
homens como ele quase nunca entram no Conselho. — Osmont continuou.
O rapaz ao seu lado deu uma risadinha.
— Bem, senhores, ao menos vocês dois estão ansiosos para deixar uma
marca no bairro mais interessante e seleto da sociedade londrina. Por que
não dão uma volta, para ver o que e quem aguçam o gosto de vocês? Tudo e
todos estão à disposição. — disse Osmont.
Godwin drenou a taça de champanhe em um longo gole, antes de ir
buscar outra, ansioso. Freddie bebericou a dele. Não gostava muito de
champanhe, preferindo um conhaque decente, ou um bom vinho francês.
Os dois começaram um circuito lento pelo grande salão, que Freddie
supunha ser formado por cômodos outrora separados, mas agora todas as
paredes pareciam ter sido derrubadas para criar um grande espaço de
entretenimento.
No primeiro sofá, eles se depararam com uma jovem acariciando um
homem bem mais velho. Freddie sufocou uma risada quando viu os olhos
de Godwin se arregalarem de interesse. No sofá ao lado, uma jovem mulher
com os seios à mostra acenou para que se juntassem a ela. Godwin se
moveu como um raio e sentou-se ao lado dela. Ela apontou para o outro
lado do sofá, pedindo que Freddie se sentasse.
— Pode ser interessante. — ele murmurou.
Um lacaio parou na frente deles e, em suas mãos, uma bandeja de
charutos. Quando Freddie deu uma segunda olhada na bandeja, ficou claro
não ser o tipo de charutos que o pai costumava comprar em lojas de
Londres. O tabaco e o haxixe misturados proporcionavam uma experiência
longa e inebriante.
Ele pegou um dos charutos e esperou que o lacaio o acendesse para ele.
Recostando-se no sofá, ele tragou o charuto profundamente. Seu cérebro
logo sentiu a faísca do haxixe. Havia fumado o suficiente dessa droga na
universidade para saber que esse charuto era de qualidade.
Ao lado dele, no sofá, Godwin e a moça começavam a se conhecer.
Quando ela abriu a carcela das calças de Godwin, e se ajoelhou diante dele,
Freddie decidiu que três eram demais. Levantou-se do sofá e fez um
circuito solo pela sala.
Além dele e de Lorde Godwin, havia poucos outros jovens convidados
do sexo masculino. Os membros do Conselho dos Bacharéis pareciam ser
todos homens muito mais velhos. Homens sendo atendidos de várias
maneiras, por mulheres e homens.
Ele não era ingênuo o bastante para pensar que sexo envolvia mulheres
e homens apenas em um sentido bíblico. A universidade abriu seus olhos
para muitas coisas. Vários de seus amigos eram conhecidos por frequentar
clubes especiais na cidade de Oxford.
— Entediado? — o sobrinho de Osmont disse.
— Não, só estou observando. Se eu encontrar algo que me atraia,
participarei. — ele respondeu.
O sobrinho de Osmont se aproximou de Freddie e parou bem perto. A
respiração dele estava quente na nuca de Freddie. Uma fração mais perto, e
seus lábios estariam na pele.
— Se não encontrar algo que goste aqui, há salas no andar de cima onde
pode encontrar outras reuniões mais íntimas. Quanto mais se entregar, mais
pontos fará. Não iria gostar que Lorde Godwin ficasse a sua frente, não é
mesmo? — ele ronronou.
Freddie era um homem simples quando se tratava de sexo, mas estava
determinado a vencer Godwin na briga pela vaga no Conselho dos
Bacharéis. Pontos extras podem fazer toda a diferença.
Ele arriscou um olhar em direção ao sofá onde Godwin estava, os olhos
fechados, a jovem o agradando com a boca. Era hora de se aventurar um
pouco mais.
— Mostre-me o caminho. — ele disse.
No andar de cima, havia uma série de cômodos, todos com as portas
escancaradas. Ao caminhar por ali, ele vislumbrou as atividades que
aconteciam em cada um.
Do primeiro, veio o estalo alto de um chicote e o baque do objeto
atingindo carne. Um gemido alto logo se seguiu. Colocando a cabeça pela
abertura da porta, Freddie viu uma mulher com um espartilho de couro, de
pé e em cima de um homem nu amarrado à beira da cama. Pelas marcas
vermelhas e vibrantes cruzando as costas do cavalheiro, era óbvio que a
sessão de chicotadas já durava algum tempo.
No canto, havia um grupo de cavalheiros bem-vestidos, bebendo e
assistindo à cena.
— Lily tem uma longa lista de espera se quiser ser golpeado por ela esta
noite.
Freddie balançou a cabeça. Ele não desejava ter a pele das costas
esfolada. Era estranho que alguns homens desenvolvessem gosto pelo que
toda criança malcomportada mais temia. Castigo sexual não era do seu
agrado.
O segundo e terceiro cômodos abrigavam várias orgias em camas
grandes. Homens e mulheres entrelaçados. O ar estava permeado pelo
cheiro de sexo e pelo som de gemidos e choramingos.
Quando ele se virou e começou a voltar para a escada, o sobrinho de
Osmont agarrou Freddie pelo braço.
— Não viu o último quarto. — ele disse.
Freddie o fulminou com um olhar. O sobrinho de Osmont soltou-o.
— Creio tratar-se do quarto onde um senhor pode ser atendido por um
rapaz. Se for, não tenho interesse. — respondeu Freddie.
— Eu ia lhe oferecer meus serviços. Poderia cavalgar-me com força,
como fez com seu cavalo na outra noite. Prometo que tomo cada
centímetro. Ou, se preferir observar, há um diplomata estrangeiro lá,
ensinando sobre relações internacionais a um jovem. É muito bem-vindo
para assistir.
A risada que escapou dos lábios do sobrinho de Osmont fez o estômago
de Freddie tremer. Ele não sentia vontade de se envolver em nenhuma das
atividades noturnas que aconteciam. Nem mesmo os pontos extras
oferecidos poderiam atraí-lo. Arriscaria sua sorte com os desafios futuros
para recuperar a liderança de Godwin após esta noite.
— Na verdade, estou me sentindo um pouco mal. Exagerei um pouco
no vinho e no conhaque durante o almoço de hoje, então creio dar a noite
por terminada. Espero que seu tio não se ofenda. Diga a ele que participarei
mais das festas, que da próxima vez não ficarei de lado.
Freddie entregou a taça a um lacaio próximo e virou-se em direção às
escadas.
O sobrinho de Osmont colocou a mão no ombro de Freddie.
— Tem certeza de que não posso tentá-lo com algo, ou alguém?
— Hoje não. — Freddie respondeu.
Godwin estava subindo as escadas com sua anfitriã quando Freddie
parou para informá-lo de que deixaria a festa.
Saindo para o ar noturno, Freddie respirou fundo. A mistura de haxixe e
álcool começava a criar um transtorno alegre em sua mente. A cabeça
estava girando.
Ele puxou o relógio de bolso e apertou os olhos enquanto tentava ler a
hora. Ainda não passava da meia-noite.
— Deveria envergonhar-se, Rosemount. Ótima demonstração do quanto
quer estar entre os membros do Conselho dos Bacharéis. — ele murmurou.
Ele se virou e deu uma última olhada para a casa de Osmont Firebrace,
prometendo-se em silêncio que seria dono de uma bela residência dessas,
assim que fizesse fortuna com o Conselho.
Ele estava prestes a chamar um coche de aluguel e voltar para casa
quando se lembrou do convite recebido para uma reunião em uma casa nas
proximidades da Rua King.
— Vamos, Rosemount, tenha colhões e mostre-se na sociedade. — ele
murmurou. Se aparecesse na festa, ainda poderia salvar algo dessa noite.
Enquanto caminhava a curta distância até a Rua King, sua mente
começou a clarear. Ele viu o suficiente do lado mais sombrio da sociedade
londrina por uma noite. Seria bom passar o resto do tempo com pessoas que
seus pais considerariam respeitáveis.
Subindo os degraus da frente da casa, ele se prometeu que voltaria a
uma das festas de Osmont e experimentaria algumas das atrações. Se
Godwin marcasse pontos valiosos sobre ele em virtude de ter se entregado
esta noite, Freddie Rosemount estaria à altura do desafio da próxima vez.
Capítulo Cinco

C om um copo de conhaque na mão, Freddie começou a caminhar pela


festa. Parou e cumprimentou várias pessoas, amigos de seus pais. Ele se
prometeu escrever para a mãe, informá-la de que se apresentou.
Ele estava começando a se perguntar se era possível morrer,
fisicamente, de tédio e se foi muito apressado em deixar o sarau sórdido de
Osmont quando recebeu um toque no ombro.
— Cavalgou como um demônio na outra noite. Nunca houve dúvidas de
que ia ganhar.
Freddie virou-se e viu a mão estendida em cumprimento.
— Francis Saunders. Um prazer conhecê-lo. Como eu estava dizendo,
Lorde Godwin não teve chance quando o senhor alcançou a metade da
Tyburn em direção à Park. O tolo quase arrancou o couro do cavalo no fim.
Freddie aceitou a mão de Francis. Ele piscou quando viu a massa de
cabelos brancos na cabeça do outro homem. Não poderia ter sido mais
branco nem se ele tivesse roubado um dos cisnes da rainha e usado como
peruca.
Francis riu.
— Meus cabelos? Meu pai jura que há uma forte veia viking no sangue
da Família, que é daí que saiu esse tom. Algo a ver com Ragnar Lodbrok e
o cerco de Paris.
— Ou, mais provável, ficou branco ao olhar para o seu primeiro cavalo,
mas não deixe que a verdade atrapalhe uma boa história.
Freddie olhou para um dos lados de Francis e avistou a beldade de
cabelos escuros que falou. O sorriso dela aqueceu o coração dele.
Ao lado dela estava outra jovem de cabelos claros. Assim como Francis,
sua aparência fez Freddie arfar. Era como se uma boneca de porcelana
tivesse ganhado vida diante dele. Mas, além da beleza, também havia a
frieza da porcelana delicada. O olhar dela trazia um quê de desaprovação.
— Minhas irmãs, Evelyn e Caroline. — Francis disse.
Freddie se curvou.
— Freddie Rosemount. Um prazer conhecê-los.
A garota de cabelos escuros avançou e ofereceu, ansiosa, a mão. Ela
possuía um ar de confiança que o encantou. Ele adivinhou que ela só fazia
reverências quando a situação exigia.
— Meus amigos me chamam de Eve. Um prazer conhecê-lo, Freddie.
Confesso ter gritado a plenos pulmões quando chegou à linha de chegada ao
final da corrida. Foi muito emocionante. Cavalgava como um deus. — ela
disse.
O humor e a noite de Freddie logo melhoraram. Ele havia encontrado
alguns simpatizantes da noite da corrida, mas não imaginava que a fama
dele havia se espalhado tanto quanto até os elegantes salões de baile da
sociedade educada. Era estranho que uma jovem como Eve Saunders saísse
tarde da noite para assistir corridas ilegais e perigosas. Despertou o
interesse dele.
— Estou surpreso por ter assistido à corrida. Era muito tarde. Creio que
seus pais não saibam. — ele respondeu.
Caroline revirou os olhos, enquanto Francis e Eve compartilharam um
sorriso conspiratório.
— Há jeitos e meios de se locomover após escurecer em Londres, sem
que pais controladores descubram. A corrida foi o assunto da Sociedade
mais jovem pela maior parte desta semana. — Eve disse.
Algo no âmago dele ganhou vida com essas palavras. Ela não era tão
bonita quanto a irmã, mas era dona de um encanto que poderia fazer um
homem implorar para estar à disposição dela. Aqueles olhos castanho-
esverdeados guardavam mil promessas não ditas.
— Que menina perversa. — ele respondeu, com um sorriso.
Ela ergueu uma sobrancelha enquanto ele falava, e ele logo reconheceu
um espírito afim. Verdade seja dita, ele havia se perguntado se havia garotas
travessas entre as donzelas da sociedade, e a que estava diante dele logo
aumentou suas esperanças de que sim.
— Então, todos os três são residentes de Londres? Ainda estou me
aclimatando, só conheço pessoas com quem cruzei ao longo dos anos
através dos meus pais. Não conheço muitos dos mais jovens, então estou
em desvantagem. — Freddie disse.
— Temos residência permanente em Londres. Papai e eu estamos no
comércio de importação, em especial, da América do Sul. Estive em Eton
por um ano na mesma época que o senhor, mas não me lembro de termos
sido apresentados. — Francis respondeu.
Freddie ouviu a explicação de Francis, mas seu olhar e mente estavam
fixos nos olhos cor de avelã de Eve Saunders. Os longos cílios pretos o
tentavam a cada piscada.
Eve sorriu, e Freddie podia jurar que ela batia as pálpebras cada vez
mais de leve. Sua masculinidade contraiu uma vez. Todos os tipos de
delícias sexuais foram ofertadas a ele nesta noite, mas nenhuma delas havia
agitado a alma dele como a garota diante dele agora. Ele soltou o ar com
suavidade e tentou esfriar o sangue. Interessante.
— E além de corridas enlouquecidas a cavalo, o que mais faz,
Frederick? — Caroline perguntou.
Freddie notou o olhar fulminante de Eve para a irmã e riu. Os irmãos
Saunders estavam se tornando o ponto alto do entretenimento da noite com
deveras rapidez.
— Agora, estou fazendo um estágio curto na Câmara dos Comuns. Para
aprender sobre o funcionamento interno do parlamento e tal. Espero
assumir um cargo na Biblioteca Britânica logo após o Ano Novo. — ele
respondeu.
Caroline olhou por baixo do leque de noite, verde pálido, e começou a
fazer uma performance sutil de o abrir e se abanar. Ela não fez nenhuma
tentativa de esconder seu descontentamento e evidente tédio com o
encontro.
Os olhares de Freddie e Eve se chocaram.
— Francis, querido irmão, acredito que Caroline gostaria de dar uma
volta pelo salão. Ela precisa de entretenimento urgente. — Eve disse.
— E você, Eve, querida? Pensei que havia prometido a próxima dança a
Lorde Towell. Ele está na sua lista, não? — Caroline respondeu.
— Não mais, não está. Ele está dando atenção especial a outra moça
esta noite e nem se deu ao trabalho de vir me cumprimentar. — Eve
respondeu.
Francis olhou de uma irmã para a outra, e Freddie captou o olhar de
resignação dolorosa no rosto dele. Estava claro que não era a primeira vez,
e decerto nem a última, que ele precisava lidar com as irmãs obstinadas.
— Venha. — Francis retrucou.
Caroline aceitou a mão dele a contragosto e permitiu que o irmão a
levasse. Ao vê-los partir, Freddie notou Caroline repreendendo o irmão pela
falta de modos com ela. Ele simpatizava-se com Francis. Caroline era uma
megera.
Eve girou para Freddie.
— Lamento muito por isso. Ela fica com ciúmes se algum senhor
demonstra interesse em mim. Ela acredita, devido à beleza que possui, que
deve ser a primeira entre as filhas a se casar. Deus me livre, se eu chegar
antes ao altar, ela nunca me perdoaria. Mamãe diz que sou teimosa, mas
Caroline poderia dar aulas dessa arte.
Freddie não estava muito preocupado com Caroline Saunders e sua
decepção. A atenção dele foi de todo capturada pela irmã dela. Havia uma
travessura pecaminosa em Eve que o fazia imaginar como seria tê-la nua na
cama dele.
Capítulo Seis

E ra indescritível o quanto Eve sentiu-se aliviada quando Francis levou


Caroline embora e a deixou sozinha com Freddie Rosemount. Ela o
procurou em várias festas e bailes desde a corrida de cavalos, esperando que
ele acabasse aparecendo em um desses eventos. A chegada inesperada dele
na reunião desta noite gerou a oportunidade de fazer algumas das perguntas
da longa lista que ela compilou pensando nele.
Estar tão perto dele era um prazer que ela saboreava em silêncio. O
aroma da colônia dele a fez respirar fundo diversas vezes.
Quando ela o viu pela primeira vez, no final da corrida de cavalos,
estava escuro e havia uma multidão considerável em torno dele. Ela mal
conseguiu vislumbrá-lo entre a massa.
Aqui no baile, ele era só dela.
Após a cerimônia de casamento de Lucy e Avery, ela foi para casa e
analisou a lista secreta de todos os homens que conhecia em Londres e que
poderiam ser candidatos ao matrimônio. Ela acabou riscando vários homens
da lista, e só parou quando percebeu que quase todos ali poderiam ser
removidos por bons motivos.
Entretanto, esta noite, ela estava decidida a descobrir se Freddie
Rosemount era fiel à perversidade de sua cavalgada.
Ele era mais alto do que ela esperava, e só percebeu quando ele parou
ao lado de Francis. Com 1,93 m, seu irmão se sobrepunha à maioria dos
outros homens. Freddie, ela apostava, talvez fosse apenas um ou dois
centímetros mais baixo do que o irmão.
Freddie era corpulento. Francis era uma vareta, longo e alto, enquanto
Freddie ostentava ombros largos. As mangas de seu casaco de noite
delineavam bem os músculos trabalhados. O alfaiate dele sabia exatamente
como cortar o tecido para este homem. Homens bem-vestidos sempre
chamavam a atenção dela.
— Então, o que está achando de estar em Londres por conta própria? —
ela perguntou.
Ele deu um olhar de esguelha na direção dela, antes de responder.
— Como sabe que estou em Londres sozinho? Tem me espionado?
Eve usou o seu melhor olhar tímido. Ela endireitou as costas,
permitindo que o amplo busto fosse exibido em toda a glória. Não era todo
dia que uma jovem conseguia a oportunidade de conversar com um rapaz
que não era mais que um conhecido, e ela sabia que não demoraria muito
para que Francis se cansasse de Caroline e voltasse para o seu lado.
Os olhares de Freddie e Eve se encontraram. Estavam a pouco mais de
um metro de distância um do outro. Muito próximos para os padrões sociais
aceitos, mas Eve não estava disposta a dar um passo atrás.
Os olhos castanhos e profundos dele eram poças de café forte. As
longas sobrancelhas pretas adicionaram a moldura perfeita às feições
cinzeladas. Até as pequenas linhas nos cantos dos olhos, que apareciam
quando ele sorria, pareciam o trabalho de um artesão. Eve podia ficar ali a
noite toda, fazer uma avaliação lenta e luxuosa daquele belo rosto. Ela não
estava com pressa alguma de estar em outro lugar.
— Bem, na verdade, sim. Sim e não. Tenho muitos amigos e parentes
em Londres, e um deles mencionou que está ficando sozinho na casa
londrina de seu pai. Considerei invadir sua casa se eu não conseguisse
esbarrar com sua pessoa antes do final da semana. — ela respondeu com
um sorriso.
Freddie riu da resposta, e Eve se sentiu encorajada. Pelo tempo de que
dispunha, ela decidiu que passaria um pouco dos limites:
— Então, conte-me da corrida de cavalos. Por que estava correndo
contra Lorde Godwin Mewburton no meio da noite? Foi muito
emocionante.
Freddie perscrutou o salão. Havia muitos convidados por perto, alguns
perto o suficiente para ouvirem.
— Eu poderia contar, porém, talvez precisemos ir para algum lugar um
pouco mais privado. Aceita um jogo?
Foi preciso todo o autocontrole de Eve para não bater palmas de alegria.
Freddie Rosemount começava a soar como o candidato perfeito para
marido. Ela sempre gostou de brincadeiras.
Ela ofereceu o braço, e eles caminharam uma curta distância até uma
alcova privada próxima. Ainda estavam à vista da área de dança e de outros
convidados, portanto, em tese, ainda estavam seguindo os bons costumes e
bons modos. Ele ficou de costas para os dançarinos, garantindo que
ninguém pudesse ver o rosto dele. Ele se inclinou para perto.
— Agora, se eu contar, preciso que prometa que será nosso segredo.
Caso atreva-se a contar para sua irmã ou seu irmão, eu saberei. — disse
Freddie.
O coração dela acelerou de emoção. Ela jamais sentiu algo parecido só
de estar perto de um jovem senhor. Freddie e seus deliciosos segredos
seriam todos dela.
Ela assentiu, ansiosa.
— Fazia parte de um jogo. O vencedor conseguirá se juntar a uma
sociedade secreta. Amanhã receberemos o próximo desafio. — ele
explicou.
O coração de Eve parecia prestes a explodir de emoção e decepção. Um
jogo secreto. Contudo, por que os homens conseguiam se divertir tanto?
Mulheres jovens e solteiras como ela nunca alcançavam esse nível de
diversão. Um recital de piano ou uma peça de ópera eram os ditos
entretenimentos adequados para elas, nenhum dos dois era emocionante.
— Faz ideia de que desafio será? — ela o questionou.
Ele balançou a cabeça.
Pelo canto do olho, ela viu Francis e Caroline se aproximando. Pelo
olhar irritado no rosto do irmão, a dança não correu muito bem. Não
demoraria muito para que Caroline exigisse que ele a levasse para casa, o
que significaria que Eve também deixaria a festa em breve.
Era hora de arriscar.
Ela se aproximou e colocou a mão no braço de Freddie. Se Francis
visse, poderia censurá-la pela familiaridade com ele mais tarde.
— Prometa-me que, se precisar de um amigo para ajudá-lo a ganhar o
jogo, me considerará. Conheço muitas pessoas e lugares em Londres. Posso
ser de imensa ajuda ao senhor. — ela disse.
A prima Lucy fez o mesmo por Avery Fox, sem tirar e nem pôr, quando
ele chegou a Londres, e ela conseguiu arrebatá-lo como marido. Embora
Lucy tenha acabado por cometer erros, Eve estava determinada a aprender
ao máximo com essa experiência dolorosa de Lucy e usá-la para o próprio
benefício.
Ela prendeu a respiração.
Por favor, diga sim. Por favor, diga sim.
Ele olhou para a mão dela, que ainda estava no braço dele e, então, para
deleite dela, colocou a mão na dela.
— Se houver uma oportunidade de me ajudar a ganhar o jogo, sim,
pedirei sua ajuda. Contudo, precisaríamos estar atentos à sua reputação. A
Senhorita é uma jovem solteira. O que sua irmã disse de Lorde Towell?
Eve controlou o rosto, mostrando suavidade. Claro que Caroline
mencionaria Lorde Towell que, até esta noite, estava no topo da lista de
potenciais maridos de Eve. O interesse dela no conde não foi
correspondido, mas Freddie aparecer no baile sumiu com o aguilhão da
rejeição.
— Ah, nada. Lorde Towell estava na minha lista de dança para mais
tarde esta noite, mas descobri que ele tem dois pés esquerdos e os olhos em
outra jovem. Ao não dançar com ele, estou salvando meus pés e me
certificando de que o caminho do amor verdadeiro ainda esteja aberto. —
ela respondeu, ignorando o leve erguer de sobrancelha de Freddie.
Francis e Caroline aproximaram-se e, assim que chegaram ao alcance de
um ouvido, Eve pôde ouvir a irmã queixar-se de querer ir embora. Eve se
afastou de Freddie e pôs um olhar calmo e plácido no rosto, um que
deixaria a mãe orgulhosa.
Caroline poderia protestar o quanto quisesse. A noite de Eve foi um
sucesso. Ela havia capturado a atenção de Freddie. Agora, ele sabia que ela
existia e começara a jornada de confiar nela.
Era hora de ir para casa, rasgar a lista de maridos em potencial e
preparar os planos de batalha para conquistar o coração de Freddie.
Havia apenas um homem em sua lista, e ela o teria.
Capítulo Sete

— S enhores, devo manifestar minha decepção com seus esforços para


garantir um lugar no Conselho dos Bacharéis. Restam poucos
desafios e o relógio está correndo.
Freddie esperou o momento em que Osmont faria menção à festa da
noite anterior.
Osmont marchou até Godwin, que estava sentado na cadeira de sempre,
junto à lareira, no escritório da Rua Barton e parou atrás dele com a postura
ereta. Ele estendeu a mão e deu um tapinha no ombro de Godwin.
— Este rapaz teve os culhões, e falo delas mesmo, bolas, para provar as
delícias das minhas anfitriãs. Sei que foi à festa, Rosemount, mas Godwin
foi o único a gozar dela.
Freddie ignorou o comentário vulgar e típico de taverna, Godwin
mostrava um enorme sorriso de autossatisfação. Embry, que estava com o
nariz preso no jornal, não respondeu.
— Ah, mas seu sobrinho me ofereceu pontos se eu subisse com ele. —
respondeu Freddie.
Osmont agitou-se.
— Ele apenas quis que você subisse as escadas para participar do
entretenimento. Portanto, você não recebe nada da noite passada. Lorde
Godwin foi bem chupado, por isso, coleta todos os cinquenta pontos. —
Osmont respondeu.
Freddie cerrou os dentes. Embora Godwin tivesse marcado pontos com
inúmeros favores sexuais na noite anterior, Freddie ainda estava na
liderança para a vaga no Conselho. Ele começou a se perguntar se de fato
conhecia o potencial de Lorde Godwin.
— Então, e o próximo desafio? — um Godwin ansioso perguntou.
— Bem, eu e a diretoria pensamos bem e decidimos que o desafio
precisa ser um pouco mais emocionante. A partir de hoje, as Regras Rudes
estão em voga. — disse Osmont.
— Ora, por favor, conte-nos, Firebrace, que são as Regras Rudes? —
perguntou Freddie.
— Muito simples, na verdade. Se jogarmos com as Regras Rudes, os
senhores devem aproveitar todas as oportunidades de serem verdadeiros
cretinos. Por exemplo, caso seja desrespeitoso com uma dama e consiga se
safar, marca pontos. Quanto maior a posição social da pessoa a quem causar
uma ofensa pessoal, maior a pontuação. Embora eu deva adverti-los quanto
a tentativas de serem atrevidos com o príncipe regente. Considerando o
temperamento dele, e a atual incapacidade mental do pai, podem acabar na
Torre de Londres caso tentarem aplicar as Regras Rudes na Corte Real. —
Osmont respondeu.
Freddie recostou-se na cadeira e considerou este último cenário.
Embora as Regras Rudes fossem simples em teoria, ele conseguia ver como
poderiam causar problemas mais sérios ao serem executadas. De repente,
ele ficou muito grato por seus pais estarem na Abadia Rosemount. Se a mãe
dele descobrisse que o filho mais novo estava fazendo-se de tolo perante
toda a sociedade londrina, ela não hesitaria em esbofeteá-lo nas orelhas. A
maioridade não significava nada para a mãe quando se tratava de punir
transgressões reais e imaginárias.
Godwin também se recostou na cadeira e deu uma breve risada. O pai
dele era um duque, e Godwin contava com fácil acesso aos mais altos níveis
da sociedade. Ele também era conhecido por ser um pouco obtuso em
relação à família, então já chegava com a vantagem de já ter dito muitas
coisas inapropriadas. Poderia aplicar bem as Regras Rudes, e ninguém
pensaria nada de incomum. O homem poderia se tornar uma séria ameaça
aos planos de Freddie.
— Ah, e mais uma parte das regras: precisam ter um parceiro disposto.
Alguém que jogará com vocês. Enquanto estão fazendo todas essas
canalhices, tais parceiros devem manter-se impassíveis, sem dar nenhuma
indicação de que algo está errado. Esta pessoa será responsável por escrever
um relatório de seus esforços rudes, todos os dias, e que vocês senhores
deverão entregar-me pessoalmente. Claro, se eu descobrir que seu parceiro
foi mentiroso nos relatos, a desqualificação é imediata.
Freddie riu quando o sorriso de Godwin desapareceu. Ninguém iria
querer estar no mesmo quadro que o destrambelhado social Godwin
Mewburton.
— Até que ponto podemos contar a essa outra pessoa sobre o Conselho
dos Bacharéis? — Freddie perguntou.
Ele mencionou o jogo para Eve Saunders na noite anterior, e ela
mostrou-se ansiosa por ajudá-lo nessa missão. Ele não conhecia mais
ninguém em Londres a quem pudesse pedir, ou pelo menos ninguém tão
atraente quanto ela.
— Apenas que faz parte de um jogo secreto, e que essa pessoa foi
escolhida para jogar ao seu lado. Deixo ao critério de vocês, mas sugiro que
o mínimo de pormenores sejam compartilhados. Apenas o bastante para
garantir uma assistência contínua nos desafios. — Osmont respondeu.
Isso se encaixava nos planos de Freddie. Eve já havia jurado manter o
jogo em segredo. Ela parecia o tipo de garota que estaria pronta para
algumas traquinagens. Assim que ele terminasse o serviço na Câmara dos
Comuns, voltaria para casa e vasculharia pilha de convites que, sem
dúvidas, chegara à casa durante o dia. Os irmãos Saunders não pareciam
ser, para Freddie, o tipo de família que ficava em casa a noite toda
tricotando. Estariam nas ruas, fazendo aparições na Esfera Social. Ele
estava confiante em supor que ele poderia abordar Eve em uma dessas
festas e fazer dela um membro de sua equipe para o Jogo com as Regras
Rudes.
Capítulo Oito

A ssim que Eve entrou no salão de festas, ela soube estar sendo
observada. O calafrio que percorreu sua coluna a fez procurar olhos
escondidos.
Ela vislumbrou uma figura alta, em parte sombreada, perto da entrada
da sala de jantar. Ela arfou assustada, mas logo virou a cabeça, fingindo não
ter visto Freddie.
Com uma taça de champanhe na mão, ela foi para o outro lado do
cômodo. Por mais que se sentisse tentada a lançar um olhar para trás, ela o
manteve à frente.
Paciência, Eve. Paciência.
Ela aprendeu bastante com os planos malfadados de Lucy para fazer
Avery se apaixonar por ela, para saber que não deveria parecer demasiado
ansiosa em dar atenção a Freddie. Ele teria que vir até ela.
— Boa noite, Senhorita Saunders.
Ela girou, fingindo surpresa.
Ele a seguiu pelo saguão e a procurou. Ela gostou que ele aparentasse
estar ansioso para revê-la.
— Sr. Rosemount, quando chegou? Estou aqui há um tempo e não o vi.
— ela respondeu, impassível.
Freddie curvou-se. Ao fazê-lo, ela o pegou observando-a, um sorriso
tímido no rosto. Um borbulhar de empolgação surgiu em seu âmago. Ele era
tudo o que ela procurou por todos esses anos.
— Devo ter chegado após a senhorita. — ele respondeu.
Eve riu e bateu de leve nele com o leque fechado.
— Ah, seu mentiroso! Eu o vi assim que cheguei. Não finja que não
estava sendo o estranho sombrio e misterioso escondido nas sombras.
Freddie lançou um olhar de horror simulado, mas logo deu uma risada
brincalhona.
— Ora, me pegou. Como está esta noite, Senhorita Saunders?
— Estou bem, mas ficaria melhor se me chamasse de Eve. Minha irmã
gosta de ser chamada de Senhorita Saunders. Ajuda a criar distância entre
ela e o rol de admiradores. Quanto a mim, prefiro um pouco de
familiaridade com meus amigos. O cultivo desses relacionamentos fica
muito fácil. — ela encontrou o olhar intenso dele, e engoliu em seco, com
força, ao sentir-se atraída por ele. Freddie não era como os outros jovens
que ela conhecia. Havia profundidade nele… um certo mistério que a
seduzia.
A imaginação tomou conta, e ela se perguntou como seria acordar ao
lado de um homem como ele todas as manhãs. Aqueles olhos e aquele
corpo rígido a manteriam na cama até tarde, mesmo após o amanhecer.
Ela lambeu os lábios. Quando voltou para o agora, viu que ele a
encarava. Ela não estava sozinha no momento.
Ele limpou a garganta e desviou o olhar por um instante.
— Lembra-se da nossa conversa da outra noite, quando mencionei o
jogo secreto de que participo?
Eve lambeu os lábios pela segunda vez. Ela pensara em pouco mais do
que Freddie nos últimos dias. Na cama à noite, ela ficou acordada pensando
em todas as coisas pecaminosas que poderiam fazer juntos. Sua imaginação
foi ao limite de seu conhecimento de assuntos sexuais.
O que o homem diante dela diria se fizesse alguma ideia do efeito que
teve sobre ela… Ela não ousava pensar. Seus mamilos ficaram duros ante a
lembrança de como se acariciou quando deixou a mente correr solta
pensando no corpo nu de Freddie.
— Sim. — ela respondeu com uma névoa sensual.
Um olhar estranho apareceu no rosto de Freddie. Um olhar preocupado.
— Está bem? Parece um pouco pálida
Eve saiu logo de seu devaneio erótico e morreu um pouco de
constrangimento.
— Ó. Ah. Deve ser a champanhe. Às vezes, bebo um pouco rápido
demais e sobe à cabeça.
Ela olhou ao redor e, encontrando um lacaio próximo, depositou a taça
de champanhe na bandeja que ele carregava. Ela voltou para Freddie,
desesperada para salvar esse encontro.
— Estava falando do jogo secreto. Continue.
O alívio inundou a mente dela, quando o semblante dele voltou ao
estado anterior.
— Sim, bem, como eu estava dizendo. O jogo entrou em uma nova fase.
Uma em que vou precisar de um parceiro. Eu gostaria de saber se talvez
estaria interessada em ajudar…
— Sim!
Ambos deram uma risada demasiado entusiasmada.
— Sinto muito. Parece que não consigo juntar duas palavras sensatas
esta noite. Deve me considerar uma completa parva. — ela disse.
Ele estendeu o braço, pousando a mão de leve no braço dela.
— Não. Considero-a bastante charmosa. Presumo ser porque me
considera diabolicamente atraente e, neste instante, está se apaixonando
sem volta por mim.
Eve rezou para que suas bochechas não ficassem vermelhas como um
tomate. O coração dela acelerou, e ela sentiu-se morrer lentamente por
dentro. Como ele conseguia ler sua mente? Ela não conseguia pensar em
nenhum episódio em toda a vida em que tivesse ficado mais envergonhada e
desajeitada.
Ele soltou o braço dela. Por um instante, ela poderia ter jurado que ele a
olhava com preocupação, então tudo mudou. Um sorriso perverso apareceu
naqueles lábios.
— Só estou brincando, Eve. Eu estava testando para ver o quão boa
jogadora você será. Preciso de alguém que consiga manter-se séria
enquanto a farsa se desenrola para os demais. Você passou no teste.
Jogadora? Ele estava pedindo que ela se juntasse a ele no jogo.
— Sério? Quer que eu o ajude nesse jogo secreto? Não sabia que
deixariam mulheres participarem. — ela respondeu.
— Sim, claro que podem. A próxima fase ocorre com o que chamamos
de Regras Rudes. Preciso agir como tolo na frente de outras pessoas, de
preferência causando ofensas, mas não o suficiente para demonstrarem ter
se ofendido publicamente. Precisa me ajudar, bem como manter a pretensão
de que não há nada de errado com o meu comportamento. Ao final de cada
dia, precisa escrever um pequeno relatório contando como me saí. Os
pontos são atribuídos com base em quão bem conseguimos jogar as Regras
Rudes. Claro, não podemos mentir, senão serei desqualificado.
Eve nunca soube de algo tão absurdo. O plano era louco. Também era
brilhante em simplicidade e atratividade.
Por toda a vida, as normas sociais de comportamento foram incutidas
nela. Decoro Público corria no sangue de toda senhorita da Sociedade
Londrina. Usar a faca errada em um jantar era impensável.
Ela não precisava de nenhuma pressão externa para fazê-la pular a
bordo deste navio em particular.
— Diga-me. Há limites para este jogo? Alguém com quem não brincar?
— ela perguntou.
— O príncipe regente está mais do que fora dos limites, a menos que
queira se encontrar no cadafalso em Newgate. As únicas outras pessoas que
eu consideraria perigosas de se ter desavenças seriam meus pais. Minha
mãe chegará na cidade em uma semana, mais ou menos, para ficar alguns
dias, em que precisaremos suspender as Regras Rudes. Nesse ínterim,
teremos que nos esforçar para marcar o máximo de pontos que pudermos
antes que ela chegue.
Freddie parou de falar e deu um passo para trás. Eve franziu a testa para
a mudança repentina de comportamento, só entendendo o motivo quando
ouviu a voz de Caroline.
— Rosemount. — Caroline disse.
— Caro. — Freddie respondeu.
Um silvo indignado escapou dos lábios de Caroline. Ela e Freddie mal
se conheciam. Era imperdoável que um cavalheiro chamasse uma moça por
qualquer coisa que não fosse seu pronome de tratamento formal.
Eve rangeu os dentes. O jogo começou.
Freddie virou-se para Eve e soltou um ronco.
— Quer um conhaque, Evie? Champanhe é só para os fracos e os
franceses.
Ela manteve o olhar fixo nele, não se atrevendo a olhar para a irmã.
Cada músculo de seu corpo estava tenso de empolgação. Ela sabia muito
bem que Caroline estaria fulminando Freddie, à espera de uma reprimenda
de Eve. A herança francesa da família deveria ser defendida.
Quando ela não a defendeu, a irmã bufou com raiva. Eve estava
desesperada para bater palmas de prazer, mas manteve o equilíbrio.
— Claro. Sempre considerei a champanhe enjoativa e doce. — ela
respondeu.
O champanhe era, na verdade, sua bebida favorita, e ela odiava
conhaque do fundo do coração, mas o controle estava com o jogo agora. Ela
enfiaria agulhas nos olhos, antes de recuar e ceder. Em especial, na frente
de Caroline.
De braços dados, Eve e Freddie se afastaram. Ela deu uma olhada na
irmã, parada atrás dele, de boca aberta e deixando visível a indignação que
sentia.
— Ela vai me matar quando chegarmos em casa. — Eve murmurou.
— Tenho certeza de que podemos fazer mais do que irritar sua irmã
com as Regras Rudes, Eve. Ela é um alvo fácil. Precisamos encontrar uma
presa maior para marcar pontos vitais.
Eles encontraram um lacaio e logo saíram pela festa com copos de
conhaque na mão. Ao passarem por outros convidados, começaram a
acumular olhares estranhos e sussurros. Não era apropriado que uma jovem
bebesse conhaque em companhia masculina, nem passear por uma festa no
braço de um senhor que mal conhecia. Eles estavam flertando
perigosamente com os limites aceitáveis de comportamento, mas Eve não se
importou.
— Devo dizer, esse comportamento rebelde parece natural em você. Foi
uma menina travessa quando criança? — Freddie perguntou.
Eve tomou um gole do conhaque, tentando ao máximo não fazer uma
careta ante o gosto horrível. Dizer que foi travessa quando criança seria um
eufemismo ruim. A mãe sempre obrigava Eve a sentar-se e consertar roupas
como punição por seus delitos.
— Fui acusada de ser um pouco geniosa demais. — ela respondeu.
Ele inclinou-se para perto e sussurrou em tom sedutor:
— E espero que tenha apanhado o suficiente para desenvolver o gosto
por ser colocada no joelho de alguém.
A boca de Eve abriu-se num “o” de choque. Um jovem nunca fizera um
comentário de teor sexual, franco e sugestivo na frente dela. Calor correu
por seu corpo e se acumulou em seu ventre. Freddie era uma delícia
refrescante e travessa.
Eles pararam à margem da área de dança, onde um pequeno grupo de
convidados aproveitava de uma valsa. A visão dos dançarinos rodopiando
pelo salão deu uma ideia perversa à Eve.
— Sabe dançar, Freddie?
— Um pouco. Por quê?
Ela apontou na direção dos dançarinos, sorrindo quando viu os olhos de
Freddie se abrirem um pouco mais para a visão diante deles. Ele estendeu a
mão e tirou o copo de conhaque da mão dela, drenando o copo em pouco
tempo.
Francis apareceu ao lado de Freddie e bateu no ombro dele.
— Preciso dizer, Rosemount, minha irmã Caroline está muito
consternada pelo seu comportamento. Ela afirma que você foi rude com ela.
— Francis disse.
Freddie assentiu e jogou os copos de conhaque para as mãos de um
Francis perplexo. Freddie logo segurou a mão de Eve e a levou para longe.
— Acredito que estamos indo bem na pontuação desta noite. Hora de
subir as apostas. Se não me engano, aquele é Lorde Cullins dançando com a
esposa. Ele é um membro sênior do gabinete do primeiro-ministro. —
Freddie disse.
Ao chegarem na área de dança, eles rumaram em direção à presa. Um
membro do gabinete parlamentar ajudaria a angariar uma bela quantidade
de pontos no jogo.
Eve relaxou na dança, desfrutando da sensação prazerosa de ser
segurada por Freddie. Ele era um dançarino habilidoso, e o corpo dela se
encaixava bem contra o dele ao passarem pelos passos da dança. O calor
dos braços dele a envolvendo irradiou por todo o corpo dela.
Aos poucos, eles percorreram toda a área de dança, o alvo na mira. Ao
chegarem ao ministro, Freddie limpou a garganta.
— Esse vestido que usa nesta noite, é especialmente bonito, minha
querida. Se eu dançar perto o bastante, posso ver bem a parte da frente dele.
Caso se incline um pouco mais, tenho certeza de que serei recompensado
com um vislumbre de seus mamilos. — ele disse.
Eve mordeu o lábio inferior na tentativa de abafar uma risadinha. Pelo
canto do olho, ela captou o olhar de horror no rosto de Lady Cullins.
— Sério? Consegue? Não acredito. — ela respondeu.
Freddie riu.
— Bem, incline-se, e direi a cor exata de seus mamilos. Por acaso, eles
têm pelos?
A esposa do ministro limpou a garganta enquanto Eve se inclinava.
Freddie fechou a distância e olhou para baixo com obviedade.
— Jovem. Esse é um comportamento mais do que inadequado para um
ambiente de dança. E quanto a você, senhorita, descobrirei quem é e terei
uma palavra com sua mãe. Não deveria ter sido autorizada a debutar se não
recebeu toda a educação necessária. — Lady Cullins os repreendeu.
Eve viu Freddie forjar um olhar e virar-se para a esposa do ministro.
— Investigações científicas devem ser realizada em todos os tipos de
locais. Estou mais do que feliz em fazer a mesma pesquisa com o senhor,
caso sinta que as estatísticas serão distorcidas por uma amostra tão pequena.
Uma cena mais feia só foi evitada pelo final fortuito da música, que
sinalizava o fim da dança. O ministro e a esposa, igualmente indignados,
marcharam para longe da área de dança. Eles se aproximaram de um lacaio
que logo os acompanhou até o saguão.
— Ora, eles vão embora? Foi algo que dissemos? — Eve perguntou.
Freddie virou-se para ela. Os lábios unidos e firmes. Seus olhos
brilhavam com alegria reprimida e intensa.
— Um Ministro Britânico… isso pede outra bebida. Depois, temos de
decidir quem será o próximo alvo.
— Um pouco de ar noturno me faria bem, antes de bebermos outro
conhaque. — Eve respondeu.
Eles encontraram uma porta e dirigiram-se para o terraço do jardim. O
ar frio da noite fez o cérebro de Eve, afetado pelo álcool, girar. Ela estendeu
a mão e segurou o braço de Freddie para se firmar.
— Está bem? — ele perguntou.
Ela respirou fundo e, em seguida, começou a rir.
— Não consigo acreditar no que acabamos de fazer! Minha mãe me
esfolará viva se Lady Cullins descobrir minha identidade.
Freddie a mirou com um olhar preocupado, que ela riu para afastar. A
emoção do perigo corria nas veias dela. Se esse era um comportamento
diabólico, era uma droga inebriante que ela queria experimentar repetidas
vezes.

A noite de alegria e flerte com o perigo de Eve terminou com uma nota
sóbria. Caroline sentou-se em silêncio na carruagem na viagem de volta
para casa. Eve não se preocupou em olhar para a irmã. Podia sentir as
adagas imaginárias sendo mergulhadas em seu coração, mas após uma noite
passada com Freddie Rosemount, ela se recusava a deixar que a irmã a
afetasse. Já na casa da família, ambas subiram as escadas.
Eve entrou em seu quarto e estava prestes a fechar a porta quando uma
Caroline furiosa invadiu o quarto atrás dela.
— Como ousa me tratar daquele jeito?
Eve deu-lhe um olhar fatigado. Ela estava cansada após tantas danças e
o excesso de conhaque para lidar com uma briga em grande escala com
Caroline. A noite com Freddie foi um triunfo. O velho jogo de provocar
Caroline estava começando a perder seu brilho em comparação com a
novidade perspicaz e reluzente das Regras Rudes.
— Não sei do que está falando. — ela respondeu, um aceno de dedos
cansado.
Enfurecida, Caroline estendeu o braço e a segurou pela mão.
Eve vibrou de dor:
— Solte-me, sua egocêntrica entediante.
O olhar no rosto de Caroline mudou de imediato. Eve sentiu uma
profunda satisfação em saber que o comentário rancoroso a havia atingido
como um tapa na cara.
— Ora, não venha com essa de estar ofendida e chateada, Caroline, só
porque alguém não caiu de joelhos aos seus pés. Não podemos ser todos
membros bajuladores da sua corte real.
Caroline apontou o dedo para Eve.
— Retire o que disse. Retire agora mesmo.
Eve balançou a cabeça e se afastou. Ela desfez as amarras do manto e o
deixou cair, com efeito dramático satisfatório, em sua cama. Ela foi até a
cômoda e pegou a escova de cabelos.
Sua criada pessoal entrou no quarto e parou quando viu Caroline. Eve
acenou para chamá-la, e a criada se ocupou em puxar os grampos dos
cabelos de Eve. Caroline permaneceu de pé de um lado da porta, os punhos
bem cerrados.
Eve a olhou pelo espelho da penteadeira, dando-lhe um olhar de “Por
que ainda está aqui?”.
— Não pode me responsabilizar por eu enfim estar recebendo um pouco
de atenção, e você não gosta disso.
— O que não gosto é de ser tão maltratada pela minha irmã e por um
amigo dela. Espero seu pedido de desculpas pela manhã. — Caroline
respondeu, irritada.
A criada de Eve pulou quando Caroline bateu a porta ao sair.
Eve sentou-se em silêncio enquanto o resto dos grampos e fitas, que
mantinham seus cabelos no lugar, eram removidos. Seu coração batia forte
no peito. Esta noite, ela cruzou vários limites de um comportamento
aceitável pela sociedade.
A emoção que ela experimentara com Freddie na área de dança a
encorajou tanto que Caroline nunca teve uma chance quando tentou corrigir
Eve. O inferno congelaria antes que ela pedisse desculpas a Caroline.
Inferno, ou a ira que a mãe despejaria nela, caso Caroline decidisse ir além
dos limites esta noite e contar à mãe do encontro de Eve com Freddie
Rosemount.
Capítulo Nove

E ve acordou tarde. Acompanhar Freddie nesse jogo começava a cobrar


seu preço. Em vez de socializarem uma ou duas vezes por semana, ela
agora o via todas as noites. Adelaide chegou a falar das altas horas em que
Eve e Francis chegaram em casa na noite anterior.
Francis herdara o dom de ficar fora até tarde, e ainda assim, estar
acordado e desperto com o amanhecer. Eve não teve a mesma sorte.
Somava-se ao problema o fato de ser uma moça. Seria apenas uma questão
de tempo até que a mãe decidisse que uma conversa tranquila acerca de
reputações fosse necessária.
O destino, felizmente, traçou outros planos para Adelaide Saunders
naquela manhã. Quando Eve sentou-se em frente ao espelho da penteadeira,
a porta do quarto se abriu.
— Ele está voltando para casa. Deixará Gibraltar daqui a uma semana!
— uma Adelaide empolgada anunciou. Na mão, uma carta era sacudida.
Eve não precisava perguntar a quem a mãe se referia. Seu irmão mais
velho, William, estava estacionado na França há cinco anos e escreveu à
família anunciando a intenção de retornar de vez à Inglaterra, e em breve.
Desde então, Adelaide verificava todos os dias com o mordomo da família,
para saber se outras cartas de Will haviam sido recebidas.
— É uma notícia maravilhosa. — Eve respondeu. Ela olhou para a mãe
de olhos marejados e sorriu. Era mais do que maravilhoso. Era um alívio
enorme.
Will foi um agente secreto do governo britânico na guerra para derrubar
Napoleão. A habilidade de falar a língua materna do pai, e se misturar com
a população local de Paris, fez dele um espião eficaz.
A guerra havia acabado há dois anos, e Will fez a primeira viagem de
volta à Inglaterra no último verão. A família esperava que ele ficasse e
ficou consternada quando ele voltou para a França. A mãe sentiu com muito
mais intensidade a dor da decepção do que o resto da família. Eve e
Caroline até deixaram de lado as diferenças por um tempo e se uniram em
torno dela, mas Adelaide continuou a chorar por muitas semanas após a
partida de Will.
— Ele passou algum tempo na Espanha e está em Gibraltar agora. Ó,
Eve, ele diz que já estaria no navio quando recebêssemos essa carta. Meu
menino está voltando para casa. Meu menino! — exclamou a mãe.
— O que papai disse? — Eve perguntou.
— Ele não sabe. Por isso estou aqui. Precisa se vestir e vir comigo ao
escritório do seu pai agora mesmo. Tanto ele quanto Francis precisam saber
dessa maravilhosa notícia e sem demora. Caroline foi às compras com a
mãe e a irmã de Harry Menzies, então precisaremos esperar até que ela
volte para contar a ela.
Eve franziu a testa. O que Caroline pretendia indo às compras com
parentes do melhor amigo de Francis? Um melhor amigo que, todos, exceto
a própria Caroline, pareciam saber, estava completamente apaixonado por
ela?
Caroline não mencionou ter desenvolvido qualquer apego romântico por
Harry. Ele vinha de uma boa família e fez uma fortuna considerável
importando mercadorias das Américas, mas a irmã nunca o tratou com nada
além de frieza. Todas as noites em que Eve assistiu Harry adorar Caroline
de perto provaram que o interesse da irmã por ele beirava a indiferença.
Entretanto, Caroline não era boba. Ela teria visto Eve e Freddie juntos o
bastante para saber que Eve estaria apostando nele. Se Caroline fizesse um
movimento repentino e decisivo para ser a primeira a se casar, Eve poderia
ser pega de surpresa.
Um problema mais premente também se apresentava agora. As chances
de ela conseguir sair de casa todas as noites para ver Freddie sofreriam uma
redução drástica nas primeiras semanas após o retorno do irmão. Haveria
reuniões familiares e jantares especiais realizados em homenagem a ele. Por
mais que ela o quisesse na segurança de casa, o retorno de Will não poderia
acontecer em pior hora. Se Will já estava em um navio, voltando para a
Inglaterra, ela não teria mais do que cerca de uma semana para forçar
Freddie a fazer algo.
— Agora vista-se. Quero estar na frente de seu pai em uma hora. —
Adelaide disse.
Ela girou nos calcanhares e saiu depressa pela porta.
Eve olhou para seu reflexo no espelho.
Um pequeno sorriso se formou nos lábios ao lembrar de Freddie
comentando que a mãe viria para Londres nos próximos dias. Ele não pediu
permissão formal ao pai dela para cortejar Eve, mas Adelaide e Lady
Rosemount se conheciam.
Se ela conseguisse juntar as duas mães e dar algumas dicas sutis, as
rodas do futuro matrimônio começariam a girar. Se Caroline de fato
estivesse decidida a aceitar Harry Menzies como futuro marido, haveria
uma corrida para o altar entre as duas irmãs.
— Prefiro acabar no inferno a ser a segunda noiva da família. Eu me
casarei antes dela, mesmo que signifique ter que fugir para fazê-lo. — Eve
murmurou.
Os dedos dela agarraram-se à lateral da penteadeira. Fugir seria
escandaloso. Uma fuga faria o casamento apressado de Lucy e Avery serem
vistos como habitual. Ela e Freddie seriam o assunto da sociedade londrina.
A mãe ficaria mortificada, e Caroline ficaria furiosa.
Ela estava se apaixonando por Freddie, cada momento passado com ele
era mágico para seu coração. Contudo, até agora, ele não mostrou nenhum
indício de ter desenvolvido qualquer tipo de apego emocional a ela. Amor
não correspondido seria uma pílula amarga para engolir, se todos os seus
planos não resultassem em nada.
Capítulo Dez

F reddie resolveu dar uma volta para arejar a cabeça. Na manhã anterior,
Osmont Firebrace informara os candidatos ao Conselho dos Bacharéis qual
seria seu próximo desafio. Deveriam comprar um animal e chamá-lo de
algo ultrajante. Em seguida, deveriam levar o animal para todos os lugares,
por uma semana inteira, e chamar o animal sempre que possível.
Trenton Embry mostrou o nível habitual de interesse no jogo
comprando um rato logo em seguida. Ele o chamou de Tigre, e considerou
o nome muito divertido. Pela primeira vez desde que conheceu o austero
Trenton, Freddie ouviu uma risada real escapar dos lábios dele. Os esforços
dele no jogo se tornaram nada mais do que tokenismo, o que estava ótimo
para Freddie. Apenas Godwin era uma ameaça real ao seu sucesso.
Godwin foi um pouco melhor na tarefa. Ele comprou um filhote de
tartaruga e o chamou de Lebre. O pequeno animal já havia se aliviado no
bolso do casaco dele várias vezes naquela manhã, e quando Freddie deixou
a Rua Barton, o mau cheiro havia se infiltrado na lã das roupas do amigo.
Godwin começava a se arrepender da decisão precipitada.
Tal fato forçava Freddie a criar algo um pouco mais imaginativo. Mas o
quê?
Assim que chegou em casa, no dia anterior, ele mandou uma missiva
para Eve falando do novo desafio. Ela era uma garota inteligente, e ele
sabia que teria muito a opinar quanto a que tipo de animal deveriam
comprar.
Ele chegou até o Tâmisa antes de voltar para casa. No caminho, ele
passou pela Piccadilly e pela Rua Old Bond, sua mente ainda fixa na
questão “que animal comprar”. Ele precisava desses valiosos pontos no
desafio se quisesse manter Lorde Godwin à distância.
Que animal ele poderia levar a todos os lugares com ele? Ainda estava
ponderando quando Eve e o irmão Francis apareceram.
Ele logo questionou a decisão de deixá-la a par dos detalhes do próximo
desafio.
Guiando tanto Eve quanto Francis, embora arrastando fosse uma
palavra mais próxima da verdade, havia um enorme lébrel irlandês cinza. O
irmão teve um na época em que frequentou universidade e reclamava o
tempo todo de quanto custava alimentar o cachorro.
Quando o trio se aproximou, ele começou a rezar para que o cachorro
fosse da família dos Saunders. Pelo olhar de desagrado no rosto de Francis,
soube que não teria essa sorte.
Eve, por outro lado, sorria de orelha a orelha. Uma gargalhada
ameaçava sair a cada passo que dava. A guia estava bem enrolada em suas
mãos, e ela parecia segurá-la com todas as forças.
Quando enfim chegaram até onde Freddie estava, Francis tirou a guia da
mão da irmã e a passou para Freddie. O coração de Freddie afundou ao
tomar posse do presente inesperado.
Eve desistiu da tentativa de não rir e começou a gargalhar.
— Ora, deveria ter visto, Freddie, foi hilário. Nós nos levantamos de
madrugada e fomos até o mercado em Spitalfields para comprá-lo. Francis
aqui pensou que um gato pequeno serviria ao propósito, mas assim que vi
essa besta monstruosa, eu soube ser perfeito para você.
Francis lançou um olhar mortal à irmã, deixando claro não gostar tanto
da brincadeira quanto ela. Freddie avistou as manchas de baba na parte da
frente das calças e do casaco de Francis, e soltou uma risada engasgada.
— Ria o que quiser, Rosemount. Basta lembrar-se, quando suas roupas
estiverem babadas, de como considerou tudo muito engraçado. Espero que
até o final do dia a piada tenha se esgotado. Não sei o que vocês dois estão
jogando, mas essa besta é para lá de ridícula. — Francis respondeu.
Eve revirou os olhos.
— Santodeus.
— Não! Não dará um nome desses para o cachorro. Você é sobrinha do
Bispo de Londres. Por favor, tente ter ao menos um milímetro de decoro. —
Francis retrucou.
Os olhares de Eve e Freddie se encontraram. Eles conheciam as regras
do jogo. O animal precisava ter um nome ridículo. Ela sorriu para ele.
Aqueles olhos escuros, cor de avelã, o prenderam. Ele não podia contrariá-
la na frente do irmão, ela nunca o perdoaria.
O olhar dele desviou-se para os lábios dela. Ele queria beijá-los.
Também queria beijar vários outros lugares do corpo dela.
— Santodeus. Gostei. É fácil na língua. — disse Freddie.
Francis soltou um suspiro.
— Vejo que estou na companhia de dois tolos. Assim seja. Eve pode
acompanhá-lo, e o cachorro, na volta à Praça Grosvenor. Mandarei a
carruagem buscá-la assim que eu chegar em casa. Todavia, pelo amor de
Deus, Eve, tente evitar ser vista por quem a conhece.
— Santo Deus. — Eve murmurou para um Francis em retirada.
Freddie a olhou e riu.
— Vamos mesmo dar esse nome à besta? Pobre criatura.
O cachorro manteve a cabeça erguida e parecia fazer todo o possível
para ignorar os dois. Se Francis considerava o nome tolo, então, ao que
parece, o cachorro também.
— Sim. Você contou que precisava de um animal para o desafio. Pensei
que poderíamos matar dois coelhos com uma cajadada só. Muitos também
se ofenderão com o nome, então conseguiremos pontos dentro das Regras
Rudes também. Pensei que entenderia, mas está claro que uma
demonstração é necessária. — Eve respondeu com um bufo. Ela arrancou a
guia da mão de Freddie e a deixou cair no chão. O cachorro deu uma olhada
na guia e saiu em fuga.
Freddie não teve tempo de questionar a imprudência do que Eve fez. Ele
estava muito ocupado correndo atrás do novo animal de estimação, as
longas pernas saltitando ao longo da rua. Uma Eve risonha passeava atrás
deles.
— Grite o nome dele! — ela gritou.
— Santodeus! — Freddie gritou.
O trocadilho enfim foi assimilado. Dois tolos corriam atrás de um
cachorro, gritando “Santo Deus” a plenos pulmões. Eve, com sua astúcia,
havia encontrado um jeito de marcar pontos extras. As Regras Rudes
permitiriam pontos por idiotice e ofensa pública, enquanto o novo desafio
era coberto com o nome do cachorro. Um cão que abria distância depressa
entre si e o novo dono.
Ao virar a esquina para a Rua Burton, ambos derraparam. Santodeus
chegou à Praça Berkley e estava ocupado aliviando-se nas folhagens de
uma sebe baixa.
— Vá devagar para o lado direito da praça, seguirei pelo lado esquerdo.
— sussurrou Freddie.
A cena era cômica. Aqui estava uma enorme besta peluda batizando a
vegetação bem-cuidada do jardim, enquanto dois humanos tentavam se
esgueirar até ela.
Eles se aproximaram. Em determinado instante, o cachorro levantou a
cabeça e olhou para a rua. Eve correu e se escondeu na porta de uma loja
próxima. Freddie, apanhado a céu aberto, congelou.
— Aqui, garoto. Santodeus, venha, garoto. — ele chamou.
Vários transeuntes lançaram olhares atravessados, Freddie apenas sorria
de volta.
Eve afastou-se da loja.
— Santodeus!
Lado a lado, os dois caminharam pela extensão da rua, chamando o
cachorro repetidas vezes. Ambos com o rosto impassível.
Por fim, eles chegaram aonde Santodeus estava. A cabeça estava
curvada em uma fonte ornamental, e ele estava feliz em sorver a água com a
longa língua rosa. Freddie foi célere em recuperar a guia e a envolveu em
torno do braço com firmeza.
Eve parou ao lado dele, mas nada disse.
— Eve, o que foi? — ele perguntou, estendendo a mão e tocando-a no
braço.
Ela voltou-se para ele, o rosto um súbito retrato de seriedade.
— O que sua família dirá quando vir o cachorro? Será que vão me
considerar uma jovem tola que deveria ficar em casa sob o olhar atento da
mãe?
Freddie fez uma pausa momentânea. Na verdade, ele nem pensou no
que a família dele diria do cachorro. Quanto a Eve, eles estavam no escuro.
O coração dele se apiedou dela. Quando o relacionamento deles
chegasse ao conhecimento de seus respectivos pais, o comportamento de
Eve em particular seria colocado sob escrutínio.
O pensamento o sacudiu. De fato, havia uma relação entre eles. Ele não
podia negar a forte atração que sentia por Eve, esse espírito livre. Olhando-
a agora, de pé ao lado dele, ele se viu tomado pela necessidade de beijá-la
até que todas as preocupações deixassem de existir.
— Está tudo bem. Não vou mencionar que veio de você. Minha família
gosta muito de cachorros, então é possível aceitarem essa grande besta
peluda com gosto. — ele respondeu com um sorriso.
Ainda bem que a família dele gostava de cachorros. Embora Santodeus
tenha chegado a ele como parte de um desafio, o animal agora era dele para
alimentar e cuidar.
Ele se abaixou e o acariciou atrás da orelha.
— Prometo, quando tudo isso acabar, você vai morar na propriedade da
minha família no campo. Há muito espaço para você poder correr livre e ser
feliz.
Freddie levantou-se e ofereceu o braço a Eve. Para o inferno com
irmãos arrogantes. Ele queria caminhar com Eve ao lado dele, e faria
exatamente isso.

Eve suspirou de alívio ao pegar o braço de Freddie. Comprar o cachorro foi


uma jogada arriscada, mas assim que o viu, soube ser exatamente o que o
jogo exigia. Um animal pequeno, que coubesse no bolso de um casaco,
nunca bastaria para causar o caos que o desafio exigia. Perseguir Santodeus
pelas ruas de Londres, gritando o nome do animal, renderia mais pontos a
Freddie.
Ela abriu a retícula e puxou um pedaço de papel. Ela escreveu algumas
linhas e o entregou a Freddie.
— O relatório de hoje para o desafio, adicionei a situação com o
cachorro. — ela disse.
Ele sorriu ao pegar o papel e o colocar no bolso da jaqueta.
— Obrigado, é a melhor parceira que um homem poderia ter.
As palavras foram exatamente o que o coração dela desejava ouvir. A
cada vitória, ele via o quanto ela era importante na vida dele. Caso se
mantivesse nesse caminho, com o tempo, Freddie chegaria à conclusão de
que o futuro dos dois estava fadado a ser um só, e que ela merecia um lugar
ao lado dele na Abadia Rosemount.
Com Santodeus em segurança, logo chegaram à Praça Grosvenor. Eve
tentou diminuir o ritmo, mas Freddie e o cachorro tinham outras ideias.
Ao atravessar a praça, ela ficou aliviada ao ver que a carruagem
londrina da família Saunders não esperava na frente da Residência
Rosemount. Quando chegaram aos degraus da frente da casa dele, Freddie
deu uma rápida olhada ao redor e puxou uma Eve surpresa porta da frente
adentro.
— Não queremos que os vizinhos a vejam chegar. Seus pais logo
ficariam sabendo. — ele disse.
Ele dispensou o lacaio que veio perguntar se ele e a moça precisavam de
refrescos. Em vez disso, ele entregou a guia do cão para o rapaz e instruiu-o
a encontrar comida e água.
— Podemos esperar aqui dentro, até que a carruagem chegue.
Conseguiremos vê-la pela janela da frente. — ele disse e guiou-a para uma
sala de estar no térreo e fechou a porta atrás dele.
Eve havia dado dois passos em direção a um sofá próximo, para se
sentar, quando Freddie a agarrou pelo braço e a puxou de volta para ele.
Antes que ela pudesse proferir uma mísera palavra de protesto, ele enrolou
o braço em torno da cintura dela e a puxou com força contra ele.
— Estou querendo fazer isso desde o dia em que nos conhecemos. —
ele disse.
Os lábios dele desceram, e ela sentiu o calor suave daquela boca
tomando-a em um beijo lancinante. Ela inclinou a cabeça para trás e relaxou
no abraço.
Ele passou a língua no lábio inferior dela, e quando ela abriu a boca, a
língua dele a varreu. O beijo se aprofundou quando suas línguas se
encontraram e começaram a se mover devagar uma contra a outra em uma
dança apaixonada. Foi tudo o que ela esperava de um primeiro beijo. Calor
e paixão.
A mão dele desceu, e ele a segurou firme pelo bumbum, puxando-a
ainda mais perto dele. As camadas do manto e vestido não conseguiam
disfarçar a dureza da masculinidade dele contra ela nesse abraço apertado.
Saber que o excitava a assustou e emocionou.
Ela suavizou os lábios. Ele beijava exatamente como ela esperava que
beijasse. Não houve atrapalhação juvenil em suas ações.
— Ah, Eve. — ele murmurou, afastando os lábios.
Ela fixou o olhar nos olhos dele e viu a camada de paixão neles. Ela
ergueu a mão para a bochecha dele, puxando-o de volta. Suas bocas se
encontraram mais uma vez em um beijo suave, que logo aumentou de
intensidade. Um beijo que falava de um entendimento acerca da mudança
na relação dos dois. As mãos dele abriram o manto dela, e ela sentiu dedos
roçarem contra seus mamilos. Quando ele pegou um mamilo entre os dedos
e o apertou de leve, ela soltou um gemido baixo de satisfação.
O desejo agitou o corpo dela, e ela sentiu estar prestes a perder o pouco
poder que detinha da situação. Se Freddie decidisse baixá-la no tapete dessa
sala e tomar sua inocência aqui e agora, ela o deixaria fazê-lo.
Ele interrompeu o beijo e soltou um suspiro arfante.
— Desculpe, fiquei um pouco empolgado por um minuto.
Eve deu um passo para trás e arrumou a parte da frente do vestido e do
manto. Pelas cortinas de renda da janela da sala, ela viu a carruagem
londrina da família parando na frente da casa. Decepção tomou o lugar do
bom humor. O momento entre eles estava no fim.
— Preciso ir. — ela disse.
— Sim, claro. Obrigado pelo cão. Ele é exatamente o que precisamos.
Constrangimento desceu sobre o que foi um momento íntimo segundos
antes. Freddie levou Eve em direção à porta, mas não encontrou mais o
olhar dela.
Ao subir na carruagem, abriu um sorriso esperançoso para ele. Ele
devolveu o gesto com um aceno amigável e fechou a porta. Quando a
carruagem se afastou da calçada, Eve olhou para trás.
Uma segunda carruagem agora se aproximava da Residência
Rosemount, e Freddie girou de costas para a carruagem dela. Ela desejou
em silêncio que ele olhasse para trás, mas quem estava na outra carruagem
havia capturado a atenção dele.
Ela se ajeitou no assento e virou a cabeça para frente. Eles
compartilharam um beijo, um que falou de desejo e necessidade faminta.
Ela só podia esperar que ele sentisse mais do que mera luxúria por ela. Com
o coração agora em território perigoso, seu maior medo era ele ser guiado
pelas expectativas da sociedade e fosse forçado a propor casamento. Ela
poderia vencer Caroline na corrida ao altar, mas um casamento sem amor
seria a vitória mais vazia de todas.
Seria a maior aposta de sua vida, arriscar o coração e reputação, e uma
decisão que precisaria tomar sozinha. Com Lucy em lua de mel em Paris, e
Caroline mal falando com ela, não havia a quem recorrer para pedir
conselhos. Freddie era um risco que precisaria correr sob seus próprios
termos.
Capítulo Onze

F reddie ficou parado, observando a carruagem de Eve se afastar. Ele


estava a meio caminho da porta, quando outra carruagem se aproximou da
calçada da casa.
Era a carruagem de viagem dos Rosemount. Sentada à janela mais
próxima estava a mãe dele. Um lacaio desceu do exterior do veículo e abriu
a porta.
— Frederick, que sincronia perfeita. Um convidado sai quando o outro
chega. — ela disse, pegando na mão dele.
Freddie controlou suas feições para se adequarem a de um filho
obediente, agradecendo por dentro pela chegada da mãe não ter acontecido
cinco minutos antes.
A mãe passaria alguns dias na cidade para analisá-lo, e quando estivesse
satisfeita por ele não ter queimado a casa até virar pó, ela voltaria para a
Abadia Rosemount. Ou assim ele esperava.
Freddie Rosemount não era o primeiro filho de uma família a desejar
que os pais ficassem fora de sua vida.
— De quem estava se despedindo? O lacaio na parte de trás da
carruagem parecia usar o libré da família Saunders. — a mãe disse.
O coração de Freddie afundou. A mãe viu a carruagem saindo com Eve,
e ele não teria tempo de inventar uma mentira. Em menos de uma hora, a
mãe escreveria um bilhete para Adelaide Saunders mencionando ter
acabado de se desencontrar com um membro da família da amiga
terminando uma visita à Residência Rosemount.
Ele não poderia ficar parado e deixar que a reputação de Eve fosse posta
em xeque. Era hora de ele se posicionar e defender sua garota.
— Entre, mamãe. Deve estar cansada da jornada. Poderemos conversar
lá dentro.

Eve manteve-se discreta no dia seguinte. Freddie mandou um bilhete


avisando-a de que a mãe dele estava na cidade, que teriam que esperar
alguns dias antes de tentar retomar o jogo. Ela aceitou o bilhete como um
presente divino. Um descanso do jogo seria a oportunidade de ela recuperar
o sono tão necessário. Sair noite após noite com Freddie estava cobrando
um preço.
Também daria tempo para ela pensar em como poderia fazer Freddie
revelar seus sentimentos por ela. O beijo foi tudo o que ela esperava, mas se
tal impulso o levaria a se declarar era incerto.
— Ora, bem a pessoa com quem quero falar. — a mãe disse, alcançando
Eve no corredor do andar de cima.
Eve prendeu a respiração. Essas palavras nunca eram o que ela gostava
de ouvir. Costumava significar que ela estava em apuros ou, pior ainda,
prestes a passar uma noite ouvindo as últimas fofocas da sociedade
londrina. Ela não sabia ao certo que cenário detestava mais. A fofoca nunca
chegava a ser tão boa quanto prometia ser ao princípio.
Com relutância, ela seguiu a mãe até a sala de estar formal e escolheu
uma cadeira perto da janela. Ela endireitou as costas e sentou-se com as
mãos apertadas no colo. Esperou a mãe falar.
Em vez disso, a mãe veio e sentou-se ao seu lado, tomando a mão de
Eve na dela com gentileza.
— Recebi uma missiva de Lady Rosemount esta manhã. Ao que parece,
você conheceu o filho dela, Frederick, e ela gostaria de conhecê-la. Não é
uma ótima notícia? — Adelaide perguntou.
Eve ficou rígida. Ela havia pensado em várias coisas que a mãe poderia
querer conversar com seriedade, inclusive o tratamento dado à Caroline nas
últimas semanas. Saber que a mãe de Freddie queria conhecê-la era um raio
que ela não viu chegar.
— Sim. — ela respondeu.
Ela sentiu o olhar de Adelaide parando em algo além, na lateral de sua
cabeça. Nada passava pela mãe. Se Freddie tivesse decidido fazer menção à
amizade deles, então fazia sentido que ela descobrisse.
— Nós nos conhecemos há algumas semanas em uma festa. Ele
conhece Francis. — ela respondeu.
Jogar o nome do irmão nos acontecimentos só poderia ajudar a afastar
da cabeça da mãe quaisquer pensamentos de impropriedade por parte da
filha. Ela rezou em particular para que o código de silêncio de irmãos ainda
se mantivesse.
— Estou surpresa por não o ter mencionado até agora. Ou era sua
intenção não me contar desse jovem? — Adelaide perguntou.
Eve engoliu fundo e voltou-se para a mãe.
— Somos amigos. Embora as coisas possam, um dia, caminhar na
direção de algo mais, não saberia dizer agora.
Adelaide encontrou o olhar dela. De repente, Eve sentiu-se nua. Por que
as mães sabiam quando as filhas não estavam dizendo toda a verdade?
— Bem, Lady Rosemount convidou a nós duas para um chá ainda esta
semana. Aceitei o convite em nosso nome, supondo que gostaria que eu o
fizesse.
Eve assentiu. Não havia muito mais que ela pudesse fazer. Parecia
estranho que, enquanto estava fazendo planos secretos para conquistar o
coração de Freddie, ele fez vários movimentos inesperados por conta
própria. O beijo a pegou completamente de surpresa, e ela não pensava em
mais nada desde então.
Conhecer a mãe dele avançaria vários quilômetros de onde ela pensou
que estavam nesse crescente romance. Com Adelaide agora ciente da
associação, não demoraria muito para que a discussão se voltasse para um
possível noivado.
— Sim. Seria adorável. Estou ansiosa para conhecer Lady Rosemount.
Embora, é claro, caso considere que a iminente volta de Will possa se
interpor à visita, eu ficaria feliz em adiá-la.
Adelaide sorriu.
— Óbvio que não. Sua felicidade é tão importante para mim quanto a
volta de seu irmão para casa. Quando ele estiver de volta aqui na Rua
Dover, poderei vê-lo todos os dias. A oportunidade de você conhecer sua
potencial futura sogra é algo a ser tratado com a dignidade e reverência que
merece.
Sogra.
A própria palavra causou arrepios de medo na espinha de Eve. E se
Lady Rosemount fosse uma adepta ferrenha de protocolos e
comportamento? Ela veria a farsa de jovem bem-criada de Eve e saberia
que ela era totalmente inadequada para seu filho.
Então, em que passo Eve estaria?
Capítulo Doze

— O nde ele pode estar?


Eve e Caroline trocaram um olhar conhecedor e voltaram a
escrever.
O navio de Will, vindo de Gibraltar, havia atracado em Londres naquela
madrugada. A notícia foi enviada pelo agente marítimo de Charles assim
que o Canis Major atracou. Adelaide grudou em um ponto da sala de estar
do andar de baixo, mais próximo da porta da frente, para esperar a chegada
de Will e não mais saiu de lá.
No meio da manhã, ela estava indo e voltando pelo corredor da frente.
Ao meio-dia, estava à porta de entrada da casa, de braços cruzados, à
espera.
A bagagem de Will chegou no início da tarde, mas não havia sinal do
próprio Will. Às três horas, Adelaide reuniu as tropas. Eve e Caroline
receberam uma pequena pilha de cartões com instruções para escrever a
todos em Londres que pudessem saber do paradeiro do filho primogênito de
Adelaide.
— Aquele menino me deve três anos da minha vida. Perdi a conta das
noites em que me sentei, preocupada com ele, enquanto ele estava em
missão secreta em Paris. Ele é um filho perverso e cruel se acredita que eu
devo esperar mais um dia pelo retorno dele.
— Ele pode ter alguns assuntos comerciais urgentes que precisou
finalizar antes de voltar para casa. — Caroline sugeriu.
O coração de Eve apertou-se pela mãe. Desde que se lembrava, a
chegada do correio matinal foi um momento de silêncio e pavor para a
família. Pavor de que, entre as cartas e convites, estivesse um comunicado
do comando do exército britânico de que as autoridades francesas haviam
descoberto a verdadeira identidade de Will e que ele encontrara seu destino
nas mãos de Madame Guillotine.
— Mamãe, ele virá. Se não hoje, amanhã. A bagagem dele chegou,
então está claro que ele pretende voltar para casa. — Caroline disse.
Uma batida à porta anunciou Charles Saunders. Adelaide levantou-se da
cadeira, com um punhado de bilhetes na mão. Charles aproximou-se da
esposa e deu um beijo suave no rosto dela.
— Will mandou notícias. Há assuntos urgentes do exército para atender
e que ele não pode discutir. Basta dizer que ele já está em Londres e estará
conosco assim que puder. Enquanto isso, sugiro que continuemos como
fizemos nos últimos mil, oitocentos e tantos dias desde que ele partiu. —
Charles disse.

Adelaide seguiu o conselho do marido e, como resultado, Eve se viu


sentada na sala de visitas de Lady Rosemount ao final da manhã seguinte.
Se a mãe ainda estava ansiosa por não estar em casa quando Will enfim
chegasse, ela escondeu bem.
A conversa serpenteou por vários tópicos seguros, enquanto Eve se
sentava em silêncio esperando que chegasse ao real motivo da visita dela e
de Adelaide à Residência Rosemount. Ela estava nervosa, toda a
autoconfiança desapareceu assim que passou os pés pela porta da frente.
— Então, Eve, Frederick me contou que se tornaram amigos
recentemente. Não posso nem começar a dizer como estou satisfeita por ele
ter encontrado novos amigos desde que chegou a Londres. Ele não é o mais
extrovertido dos jovens e tem dificuldade de socializar. — Lady Rosemount
acabou por dizer.
Eve continuou a mastigar o pedaço de bolo por muito tempo após ele
estar mais do que pronto para ser engolido. Fazer isso lhe deu tempo para
organizar seus pensamentos e formular uma resposta adequada.
O Freddie que a mãe dele descreveu não era nada parecido com o
homem que ela conhecia.
— Ah, então ele é um jovem tímido. Eu não havia percebido. —
Adelaide respondeu.
Eve cruzou os dedos dos pés nas sapatilhas e rezou. Uma das lições que
aprendeu ao jogar pelas Regras Rudes foi que manter um semblante sério o
tempo todo era imprescindível. Se as pessoas pensassem que você estava
vendo humor na situação, decerto fariam uma de duas coisas: ou iriam
querer entrar na brincadeira, ou ficariam com raiva. Muita raiva, no caso de
várias pessoas a quem ela e Freddie conseguiram ofender durante o jogo.
— Ele é um rapaz quieto, com um quê de estudioso, eu diria. Por isso, é
encorajador ver que ele capturou a atenção de uma moça adorável. Ainda
mais, permitam-me dizer, uma de uma família tão respeitável e bem
relacionada. — a mãe dele respondeu.
Ela deu um olhar discreto para a mãe. Adelaide estava radiante e
orgulhosa com a filha.
Eve pegou a xícara de chá e tomou um gole hesitante. Estava contente
em deixar a mãe e Lady Rosemount falarem. Permitiria que ela aumentasse
a longa lista de perguntas que faria a Freddie quando estivessem sozinhos.
— Gosta do campo, Evelyn? — Lady Rosemount perguntou.
Eve sentiu o calor de dois pares de olhos a examinando.
— Sim. Sempre gostei de ir à Escócia no Natal. O Castelo da família de
mamãe, o Castelo Strathmore, fica nas regiões mais remotas da Escócia, e
eu adoro as longas caminhadas entre as colinas e os vales. — ela respondeu.
Tanto a mãe quanto Lady Rosemount recostaram-se em suas cadeiras,
os sorrisos evidentes naqueles rostos. Era uma manhã para sorrisos. Eve
dera a resposta correta. Elas veriam pouco sentido em um casamento entre
uma garota teimosa da cidade e um rapaz do campo, mas Eve as apaziguara.
— Pois bem. Sugiro que você e sua mãe venham nos visitar na Abadia
Rosemount. Tenho certeza de que o restante da família gostaria de conhecê-
las. Minha nora mais velha, Cecily, em especial, estaria interessada em
conhecê-la, Evelyn.
Uma pequena bolha de empolgação e medo se formou no estômago de
Eve. Lady Rosemount a convidou para visitar a casa da família de Freddie,
o que só poderia significar que ele dissera à mãe que pretendia fazer uma
proposta para pedi-la em casamento.
— Mamãe? — ela respondeu, de repente precisando da tranquilidade da
mãe. Tudo começava a se mover em um ritmo que Eve não conseguia mais
ter total controle.
— Seria adorável. Meu filho mais velho está retornando à Inglaterra
esta semana, após vários anos no exterior, então a visita precisaria acontecer
após ele estar bem-acomodado. O final do mês se adequaria à sua
conveniência? — Adelaide perguntou.
Lady Rosemount juntou as mãos e assentiu:
— No final do mês será. Avisarei Frederick. Ele ficará muito satisfeito.
E, enquanto isso, irei para casa e farei os preparativos para a visita das
senhoras.
Capítulo Treze

C om a questão da visita à Abadia Rosemount combinada e resolvida, as


duas mulheres mais velhas agora passavam várias horas trabalhando em
suas respectivas conexões sociais.
A certa altura, Eve desejou ter caneta e tinta a mão para mapear as
famílias interligadas da nobreza da Inglaterra. Toda família havia se ligado
à outra via casamento em algum momento. As linhagens sanguíneas
cruzaram-se muitas vezes ao longo dos séculos. Quando ela e Adelaide
deixaram a Residência Rosemount, Eve calculou que ela e Freddie eram
primos de quadragésimo terceiro graus, duas vezes removidos. Distante o
suficiente para ela saber que compartilhavam um pouco de hereditariedade.
As reflexões de Eve acerca de seu futuro com Freddie foram deixadas
de lado assim que ela e Adelaide colocaram os pés em casa. Elas foram
recebidos por um rosto familiar e muito bem-vindo.
— William! — Adelaide gritou, caindo em lágrimas e se jogando nos
braços do filho. Will ficou parado, de olhos fechados, segurando a mãe,
enquanto Eve os observava através do véu das próprias lágrimas. Will
enfim estava em casa e para sempre. Ele estava seguro. Seu bravo irmão
mais velho havia sido devolvido a ela.
— Francis diz que não devolverá seu antigo quarto. — Eve disse.
Will riu.
— Sim, já tivemos essa conversa. Agora que é mais alto do que eu,
acredita que pode mandar em mim. Entretanto, para ser honesto, estou feliz
em apenas ter um quarto para dormir. Ele é bem-vindo ao meu antigo
espaço.
— Onde você esteve, seu menino malvado? Seu pai disse que você
tinha algum assunto do exército para resolver, mas já não fez o suficiente
pelo seu país? — Adelaide perguntou.
— Desculpe-me, foi algo não planejado, mas que não podia esperar. Já
era tarde quando terminei, então passei a noite de ontem na casa de Bat e
Rosemary.
Adelaide assentiu. O Conde e a Condessa de Shale foram agentes
secretos como Will durante a guerra. Existia um vínculo especial entre Will
e seu primo.
Will e Eve se abraçaram.
— E soube que a senhorita tem notícias próprias. — ele disse.
Eve desviou o olhar ao pensar que seu amor secreto estava se tornando
público.
— Freddie Rosemount e eu nos tornamos amigos. Não é nada mais do
que isso agora, mas veremos.
Adelaide não disse nada, e Eve sentiu-se grata. Ela queria manter as
notícias da iminente visita à Abadia Rosemount em segredo até que tivesse
a chance de conversar com Freddie. Tudo bem começar a fazer planos
teóricos de casamento, mas como os dois nem haviam declarado afeto
algum de fato, parecia um pouco prematuro falar de casamento.
— Falando em pessoas casadas, soube que temos muito a agradecê-lo
pela reviravolta na fortuna de Lucy e Avery. — Adelaide disse. Eve deu um
segundo abraço no irmão. Por Lucy.
— Eu me envolvi um pouco, nada mais. Nós, homens, às vezes
podemos ser cegos para o que está bem a nossa frente. Ficou óbvio quando
encontrei Lucy e Avery em Paris que já passara da hora de alguém sacudir a
verdade na frente dos olhos dele. Uma vez que ele aceitou que já estava
apaixonado pela prima Lucy, não havia mais nada para eu fazer. —
respondeu Will.
Os comentários foram típicos de Will. Pelas cartas de Lucy, estava claro
que ele havia sido fundamental para trazer o casamento vacilante dela e de
Avery em bases sólidas, mas ele nunca procuraria reivindicar os elogios que
tanto merecia.
— Então, quando vou conhecer esse rapaz? — Will perguntou para Eve.
— Em breve. Seu pai e eu estamos planejando uma pequena reunião
com amigos para comemorar seu retorno. Nada grande, de acordo com suas
instruções. Convidaremos Frederick. — Adelaide respondeu.
Uma ponta de preocupação entrou na mente de Eve. Ouvir a família
discutir Freddie com tanta abertura estava se tornando um pouco real
demais para o próprio conforto, quando o relacionamento deles era segredo
para os pais dela, ela detinha um senso de controle. Com os respectivos pais
entrando em cena, ela teria que renegociar os termos dos desafios do
Conselho dos Bacharéis com ele.
Antes de se reunir com a família dela, eles precisariam concordar acerca
do que seria feito em relação às Regras Rudes. Era divertido ser rude com
estranhos e, às vezes, até com Caroline, mas ela temia pensar o que
aconteceria se algo desagradável fosse dito a um dos membros seniores da
família dela.
Capítulo Quatorze

— I nferno!
Freddie marchou pela porta da frente da Residência Rosemount
xingando. Ele segurou a língua durante toda a caminhada desde o White’s,
mas assim que chegou em casa, a raiva reprimida levou a melhor.
Enquanto a voz ecoava pelas paredes, ele agradeceu que a mãe havia
deixado Londres no dia anterior, voltado para a Abadia Rosemount. Havia
várias outras palavras que pretendia usar, nenhuma delas seria adequada
para os ouvidos da mãe.
Godwin levou a melhor nas Regras Rudes esta manhã, e ele estava
lívido. Diante de uma dúzia de testemunhas, o filho mais novo do duque de
Mewburton conseguiu agir como um asno e ofendeu o arcebispo da
Cantuária, três embaixadores estrangeiros e um representante da delegação
papal.
Para completar, ele o fizera enquanto Osmont Firebrace desfrutava de
uma refeição na sala de jantar do White’s.
A mente de Freddie era um turbilhão com o grande número de pontos
que Godwin teria marcado com esses esforços ultrajantes.
Um lacaio hesitante apresentou uma bandeja com um bilhete. Freddie
deu uma rápida olhada, e vendo a caligrafia, pegou a missiva.
Era de Eve.
Pensar nela fez com que a raiva diminuísse um pouco. Ela entenderia a
situação em que ele estava. Ele abriu a carta com pressa.
Minha família quer convidá-lo para uma pequena reunião em
homenagem à chegada de Will em casa. Precisamos discutir as Regras
Rudes. Não creio que ofender minha família vai cair bem.

Isto era exatamente o que ele não precisava. Com as famílias de ambos
agora cientes de um relacionamento, Eve, sem dúvidas, pediria que ele
isentasse a família dela do jogo. Com o golpe de gênio de Godwin agora
pairando sobre sua cabeça, Freddie teria que convencer Eve do contrário.
Todos que eles conheciam, família inclusive, tudo era válido.

Assim que o olhar de Freddie pousou em Will e no pai, Eve sabia que a
noite seria uma tortura.
Ele olhou para ela, que colocou a mão no braço dele. Inclinando-se mais
perto, ele sussurrou:
— Precisa ser feito. Restam apenas alguns desafios. Se Godwin me
vencer, tudo será em vão. A vida que quer comigo não será nada comparada
ao que podemos ter se eu ganhar a vaga do Conselho dos Bacharéis. Preciso
que me apoie, Eve.
Ela rangeu os dentes. Não havia nada que pudesse fazer.
Ao se aproximarem do pai e do irmão mais velho, ela começou a
ensaiar em silêncio o pedido de desculpas que sabia que precisaria pedir
após esta noite.
— Papai, Will, deixem-me apresentar meu amigo, Frederick
Rosemount?
Freddie estendeu a mão e apertou a mão do pai dela.
— Um prazer conhecê-lo, Sr. Saunders.
Eve soltou um pequeno suspiro. Até aqui, tudo bem. O pai dela seria
quem decidiria se ela se casaria com Freddie. Ofendê-lo poderia ser
contraproducente para os planos dela.
— E Will. Deve estar satisfeito por poder falar o inglês do rei mais uma
vez. O francês é uma língua terrível para se aprender na escola. Eu odiaria
precisar falar nesse idioma todos os dias. — Freddie disse.
Um olhar de perplexidade apareceu no rosto do pai dela. Charles
Saunders nasceu na França, mudou o nome de família de Alexandre para
Saunders apenas após perder o pai para a sangrenta Revolução Francesa.
Era um patriota orgulhoso até os ossos.
— Sim, adoro o inglês como idioma. — Eve acrescentou.
— No entanto, o francês é a mãe das línguas românticas. — Will
respondeu.
Freddie soltou um bufo de desdém e puxou Eve para mais perto.
— Sim, bem, nós ingleses temos vantagem sobre todos os estrangeiros
quando se trata de romance. É só perguntar para nossa Eve aqui. Ela nunca
se casaria com um francês quando consegue encontrar bons pares ingleses
como eu por perto.
E assim, continuou. Trinta minutos de constrangimento excruciante na
frente dos dois membros masculinos seniores da família dela. Eve ficou
aliviada além das palavras quando Freddie enfim anunciou que iria embora.
Ela o seguiu até o saguão.
— Precisava mesmo insultar minha herança familiar? E quero que saiba
que nem todos os franceses são baixinhos. — ela disse.
Freddie terminou de vestir o casaco.
— Perdoe-me. Sei que foi difícil para você, e acredite, também não
gostei tanto assim. Preciso dizer que seu irmão manteve muito bem o
temperamento. Eu estava observando a mandíbula dele, quando falei que
comida francesa é terrível, e o ranger dos dentes dele foi óbvio. Tenho
certeza de que ele adoraria ter me dado um soco na cara se tivesse tido a
chance. — ele passou a mão na bochecha de Eve e, em seguida, se abaixou
e colocou um beijo suave e terno nos lábios dela. Quando se afastou, seus
olhares se encontraram. — Estou orgulhoso de você. Ficou ao meu lado esta
noite. Não vou me esquecer, mon doux amour. — ele sussurrou.
Quando ele saiu pela porta da frente, Eve fechou os olhos. Ele disse que
a amava, mas a que custo vinham aquelas palavras?
Ela se virou e voltou para a reunião, o início de um pedido de desculpas
já nos lábios.
Capítulo Quinze

— S im, mamãe.
Essas palavras se tornaram o mantra de Eve nos últimos dias.
Tudo o que pudesse para aplacar o mau humor da mãe.
Freddie fez papel de tolo insuportável na frente dos pais e irmãos de
Eve. Ela fora obrigada a ficar ao lado dele, agir como se nada de errado
estivesse acontecendo. O comportamento dele lançou uma sombra nessa
noite, e a mãe fez um grande esforço para lembrar Eve desse fato o tempo
todo.
Adelaide estava ocupada dando ordens aos criados e a qualquer outra
pessoa ao alcance de sua voz. Um jantar tranquilo em família; com o irmão
dela, Hugh, e a esposa dele, Mary, não costumava ser a causa de um
comportamento tão ansioso, mas a mãe estava estranha por toda a semana.
— Então, Frederick sabe a que horas a ceia será servida, e ele se
esforçará para estar aqui a tempo?
— Sim, mamãe.
— E ele mostrará o melhor comportamento. Não preciso recordá-las de
que quaisquer comentários tolos perante o Bispo de Londres chegarão à
Lady Rosemount. Sei que acredita que ele age assim por ser tímido e ter
dificuldades com interações sociais, mas precisará ensiná-lo de que não
pode apenas dizer o que vier à mente. As pessoas tendem a se ofender.
Lembrando-se de que não demonstrar nenhum indício de ver algo
errado com o comportamento de Freddie fazia parte das Regras Rudes, Eve
não disse nada. Ofender o tio dela era exatamente o que Freddie disse ter
em mente para esta noite. Era uma parte infeliz, mas necessária do jogo.
Eles conseguiram diminuir a diferença de pontos em relação a Godwin nos
últimos dias, mas sabiam que o jogo estava longe de terminar.
Em qualquer outra circunstância, Eve estaria ansiosa para apresentar
Freddie aos parentes. Em especial ao tio, o Bispo de Londres. A Família
Radley era um grupo muito unido. Nem mesmo a provável repercussão da
mãe a incomodava. Eram pessoas que ela amava. Magoá-los era contrário a
tudo o que a família defendia.
Ela foi até o quarto. Era fim de tarde, e a criada pessoal dela estaria
esperando-a para arrumar seus cabelos para a noite. Ao sentar-se na
penteadeira, ela se obrigou a parar de torcer as mãos de preocupação com a
noite iminente.
Os desafios do Conselho dos Bacharéis terminarão em breve.
O vencedor seria anunciado no início do próximo mês. Ao terminar o
jogo, se Freddie tiver vencido, ela poderia aproveitar para fazer as
reparações que fossem necessárias a todos aqueles que ofenderam.
Quando deu a hora dos convidados chegarem, Eve desceu as escadas.
Ela usava um vestido rosa-claro simples, com uma fita creme entremeada
no coque. Era o modelito mais recatado que ela conseguiu montar, um
bálsamo para os olhares ríspidos que vinha recebendo da mãe durante toda
a semana.
Will a esperava na base das escadas.
— Mamãe está na cozinha conversando com a cozinheira. Não me
lembro de ela já ter feito isso.
Ele não precisava mencionar a provável causa das preocupações de sua
mãe.
Freddie.
Ficarei muito contente quando este jogo tolo terminar.
— Ah, e isso chegou para você. — e entregou uma carta. Trazia o
brasão da Família Rosemount.
Ela abriu.
Um misto de decepção e alívio percorreu o corpo de Eve ao ler a
pequena nota. Freddie não viria. Osmont Firebrace organizou uma corrida
improvisada de quatro mãos para a noite, e valiosos pontos de desafio
foram oferecidos.
Ela dobrou a carta.
— Freddie não poderá comparecer. Surgiram assuntos urgentes. Ele
envia as mais sinceras desculpas. — ela disse.
Will estendeu a mão e colocou um braço ao redor dela, puxando-a para
um abraço fraterno. Foi preciso toda a força de vontade de Eve para não
chorar.
Na verdade, ela deveria ficar aliviada por ele não vir. O Bispo de
Londres era um homem de bom coração, mas não deixaria um jovem tolo o
envergonhar. A noite e as relações familiares escaparam das estapafúrdias
Regras Rudes.
Ainda doía pensar que ele valorizava mais o jogo do que ela, do que
eles. No coração dela, eles eram um casal agora. Ela estava certa de seu
amor por ele, não havia mais dúvidas de que ela queria todo o coração dele
para si.
— Ele vai colocar a cabeça no lugar e, se não o fizer, posso garantir
para você que Francis e eu a defenderemos. — Will disse.
Ela olhou para ele. O irmão grande e forte, que ela havia perdido por
todos aqueles anos, voltara para sua vida. Will não ficaria de braços
cruzados, deixando Freddie machucá-la.
— Já falei como é maravilhoso tê-lo em casa de novo? Saber que posso
levantar da cama todos os dias e vê-lo? Saber que você está seguro?
— Bom ver que alguns membros dessa família conseguem ser pontuais.
Agora, onde estão os demais? — Adelaide perguntou.
Eve virou-se para ver a mãe e o pai chegando no saguão. Adelaide
estava bem aflita.
— Freddie pede desculpas. Não poderá comparecer. — ela disse.
Ela observou as palavras serem registradas pela mãe, e um olhar de
alívio apareceu em seu semblante.
Assim que o jogo terminasse, e Freddie conquistasse seu lugar no
Conselho, Eve contaria a verdade para a mãe. Embora o jogo fosse
importante para Freddie e para seus planos, ela ainda devia muita lealdade à
mãe. Custava-lhe ver a mãe tão aflita.

Do outro lado de Richmond, Freddie estava fazendo o possível para


controlar os cavalos. Ele jamais precisou controlar uma parelha, e teve que
confiar na memória de sentar-se ao lado do condutor em cima da carruagem
de viagem do pai.
Lorde Godwin, por outro lado, estava mostrando muito mais habilidade
do que havia feito durante a corrida anterior no centro de Londres. Freddie
arriscou um olhar para ele, apenas para ver um sorriso de autossatisfação
estampado no rosto de Godwin.
Ele acredita mesmo que tem uma chance nisso agora. Desgraçado.
A carruagem era menor do que a de viagem da família dele, portanto,
capaz de fazer curvas mais apertadas. Ao receber o bilhete de Osmont mais
cedo naquela manhã, Freddie saiu correndo de casa e se dirigiu para a
estalagem mais próxima. No fim, conseguiu encontrar um proprietário
disposto a alugar seus cavalos e roupas para o dia. Partindo para Richmond
assim que pôde, ele passou a tarde tentando lidar com a parelha de cavalos.
A última coisa que fez, pouco antes de deixar a Residência Rosemount
foi mandar uma mensagem para Eve. Não era a situação ideal, retirar uma
confirmação tão em cima da hora, mas ele confiava que ela entenderia. O
beijo no saguão da casa da família dela foi uma recompensa pobre pela dor
que ele causara a ela ao insultar a família e herança dela. Ele ansiava pelo
dia em que o jogo acabaria, e ele poderia ser ele mesmo com ela. Abraçá-la
perto e entregar-se, mostrar o quanto ela passou a significar para ele.
Foi um choque ouvir-se dizer as palavras; chamá-la de meu amor. No
entanto, ele estava ficando mais confortável com essa emoção
desconhecida.
— Ela sabe o quanto isso significa para mim, por isso, preciso vencer
essa corrida maldita. — ele murmurou.
Ele afastou os pensamentos envolvendo Eve. Precisava de toda o foco
no trabalho em mãos. Ele puxou as rédeas e a parelha parou. Ele olhou para
o outro lado, Godwin parando ao seu lado.
— Embry envia desculpas. Algo sobre bolos no forno! — Godwin
gritou com uma gargalhada. Freddie assentiu. Trenton Embry já havia
desistido dos desafios há muito tempo. Era Godwin que ele precisava
vencer.
Uma linha de partida improvisada foi riscada na terra com o auxílio de
um graveto. Ambos deveriam levar os cavalos ao topo de uma colina
próxima, e trazê-los de volta a este ponto por uma trilha sinuosa saindo do
outro lado. O primeiro a cruzar a linha com parelha e carruagem ainda
intactos, seria declarado o vencedor.
Freddie não previu esse desafio, estava irritado. Osmont sabia que
Godwin era hábil com quatro cavalos. Para Freddie, esse desafio foi criado
para tornar as coisas difíceis para ele. Se ele não vencesse esta noite,
estariam empatados.
Ele afastou da mente a preocupação com o resultado o melhor que pôde.
Precisava se concentrar na tarefa em mãos. Precisava vencer.
Ele não ouviu a arma disparar e só reagiu quando viu o primeiro cavalo
de Godwin entrar em ação. Com um toque do chicote, os cavalos de Freddie
jogaram-se à frente.
A corrida até o topo foi acirrada. Cabeça a cabeça, eles disputaram.
Quando chegaram ao topo, Godwin conseguiu a liderança.
— Raios! — Freddie fez o possível para segurar a raiva. Perder a
paciência agora não serviria de nada. Ele ajeitou as rédeas nas mãos e
puxou os cavalos para a primeira curva.
Godwin ergueu-se no assento e levantou o chicote. A parelha dele
correu para longe, aumentando a vantagem sobre Freddie. Eles fizeram a
primeira curva com rapidez, mas Freddie teve que puxar as rédeas para
manter os próprios cavalos sob controle.
Ele perderia. Godwin era muito forte. Freddie se acomodou no assento,
aceitando que os pontos do segundo lugar teriam que bastar. Precisaria
encontrar outro jeito de passar Godwin após esta noite.
A terceira curva seria simples, de onde Freddie podia vê-la. Até ele
sabia ser possível contorná-la em ritmo acelerado.
Ele assistiu, com menos esperanças, quando Godwin, ainda de pé,
estalou o chicote nos cavalos quando chegaram ao topo da curva. Os
animais aceleraram mais.
Para o choque de Freddie, Godwin oscilou no lugar de repente, pareceu
perder a firmeza nos pés. O tempo desacelerou à medida que ele se
inclinava cada vez mais para a esquerda, antes de enfim desaparecer pela
lateral da carruagem. Os cavalos continuaram, levando a carruagem, agora
sem um condutor, em direção à linha de chegada.
Quando Freddie alcançou a curva, baixou o olhar e viu Godwin
levantando-se na lateral da via. Ele virou de volta para a frente e se
concentrou na tarefa em mãos. Godwin não parecia estar ferido. Não havia
necessidade de parar e prestar assistência.
Aproximando-se da linha de chegada, Freddie passou a carruagem e os
cavalos de Godwin. Cruzou a linha de chegada e puxou os cavalos a uma
parada.
Alívio, misturado ao júbilo, preencheu suas veias. Só um milagre
poderia ajudar Godwin a recuperar a liderança na última semana do desafio.
O olhar de raiva no rosto de Osmont foi célere. Quando Freddie desceu
da carruagem, Osmont estava mais uma vez exibindo o habitual semblante
sem emoção.
— Muito bem, Rosemount. Embora precise admitir que Lorde Godwin
o ajudou ao causar o próprio fracasso. — ele disse.
Freddie mordeu o lábio inferior. No que lhe dizia respeito, ele ganhara
porque Godwin foi arrogante, nada mais. Os pontos eram dele, não
precisava ser ovacionado.
Osmont deu um passo para trás, e um senhor mais velho avançou, a mão
estendida. Um aceno de Osmont logo o avisou que ele deveria apertar a
mão estendida.
— Bem, quando os deuses decidem estar do seu lado, é preciso aceitar
tudo o que lhe é oferecido. Meu nome é James Link. Espero que você e eu
nos vejamos com mais frequência em breve. Se conseguir conquistar sua
vaga no Conselho dos Bacharéis, serei um de seus primeiros mentores.
Investiremos em seu primeiro empreendimento e, claro, compartilharemos
de suas recompensas. Está prestes a ganhar um novo conjunto de amigos
ricos e poderosos — disse Link.
— Obrigado, estou ansioso para trabalhar com o senhor. Prometo que
me esforçarei para ser digno do meu lugar no Conselho. — Freddie
respondeu.
Com a corrida vencida, e sua posição na competição quase inalcançável,
era encorajador estar sendo apresentado aos homens que seriam o segredo
para seu sucesso futuro.
— Maldito azar. É assim que eu chamaria. — Godwin disse, pulando do
dorso do cavalo que havia sido enviado para buscá-lo.
— Mais como maldita tolice. A corrida estava vencida, Lorde Godwin,
e o senhor a jogou fora. — Link respondeu. Ele recusou a mão oferecida
por Godwin e voltou-se para Freddie. Colocou a mão nas costas de Freddie
e sorriu. — Em breve, jovem Rosemount, o mundo será seu. Em breve. Boa
noite.
Godwin deu de ombros.
— Ora, bem. Ao menos posso dizer que garanti uma boa corrida pelo
seu dinheiro. Embora o jogo ainda não tenha terminado. Ainda posso
encontrar um jeito de ganhar.
Freddie deu um tapinha nas costas dele. Se fosse vencer Godwin, sabia
que não haveria ressentimentos. Agora, ele só precisaria esperar que a
opinião de Eve acerca da desistência dele ao evento na casa dela esta noite
fosse agradável.
Ele assistiu James Link se afastar e entrar em uma carruagem negra e
reluzente. Freddie notou os cavalos e, só de olhar, soube que ao menos
metade vinha do programa de reprodução dos Estábulos Rosemount. Link
estava acompanhado de uma equipe de seis criados na carruagem, todos de
libré completa. Se Freddie precisava de mais algum lembrete da riqueza que
logo estaria ao seu alcance, ele o teve nas marcas ostensivas do sucesso de
James Link.
Capítulo Dezesseis

C om o relacionamento dela e de Freddie agora em uma base mais formal,


Eve ficou decepcionada ao descobrir que a mãe decidira impor regras aos
encontros dos dois. Eles só deveriam se encontrar em público com outros
membros de sua família presentes a todo instante. Como Freddie ainda não
havia pedido permissão para cortejar Eve, eles não poderiam dançar juntos
em eventos sociais. Não poderiam nem se encontrar para passear no Hyde
Park, a menos que Francis e Caroline estivessem presentes. O tempo todo.
Eve pensou em protestar, mas o aparecimento repentino de uma nova
jovem na vida de Will trouxe algumas complicações inesperadas. Uma
semana após chegar à Londres, Will conseguiu alugar uma casa para si na
Rua Newport, próxima dali, e, para consternação de Adelaide, saiu da casa
da família.
As lágrimas constantes da mãe disseram a Eve que não seria sábio falar
de Freddie por um tempo.
A Senhorita Harriet Wright apareceu de braço dado com Will, em
público, pouco mais de quinze dias após ele retornar. Ele recebeu a
aprovação total da família dela para cortejá-la, e estava seguindo as regras
da sociedade com todas as suas restrições. O comportamento galante do
irmão viúvo deixava pouco espaço para Eve fazer suas próprias exigências
em se tratando de Freddie.
Com as Regras Rudes ainda em vigor, Eve não queria tornar pública a
sua conexão com Freddie. Ela estava contando os dias até que ela e
Adelaide deixassem Londres para ficar na Abadia Rosemount. Assim que
estivessem longe dos olhos da Sociedade, ela estaria livre para convencê-lo.
Will podia estar dando continuidade à própria vida, mas isso não
significava que ele havia se esquecido do irmão e das irmãs. Um convite
para uma noite de entretenimento nos Jardins de Vauxhall foi feito aos três.
Com todos ansiosos para conhecer a mulher misteriosa de Will, Francis,
Caroline e Eve aceitaram sem delongas.
No início da noite, a carruagem da Família Saunders parou em frente a
uma casa da Rua Newport, a uma curta distância da nova casa de Will. Will
saiu.
— Hattie mora a duas portas de mim, ainda assim, devemos respeitar as
convenções sociais. Não demoro. — ele disse.
Caroline estava sentada no assento oposto à Eve.
— Então, conhece essa Hattie Wright? Mamãe disse que vocês duas
foram apresentadas no mesmo ano. — Caroline perguntou.
— Sim, coitada. O pai encontrou uma religião puritana e a tirou da
sociedade educada para ir trabalhar com os pobres nas favelas de Londres.
Pelo que entendi, ela agora vive sob os cuidados do irmão casado. — Eve
respondeu.
A porta da carruagem se abriu, e Will ajudou Hattie a entrar. Ela se
sentou na carruagem, e Will fez as apresentações.
— Estou encantada por enfim conhecer todos. Will me falou tanto da
família, sinto que já os conheço. — ela disse.
— Lembro-me de você do ano em que fomos apresentadas. — Eve
respondeu.
— Sim, você usou um vestido maravilhoso no baile oficial da Realeza.
Confesso que fiquei com muito ciúmes. — Hattie respondeu.
Eve assentiu e inclinou-se para pegar a mão de Hattie:
— Minha mãe conseguiu o tecido em um contrabando da França, meu
pai ficou lívido. Caroline e eu ganhamos vestidos novos daquele tecido.
Eve e Caroline sorriram uma para a outra. Elas eram as moças mais
bem-vestidas de várias das festas naquele ano devido aos vestidos ilícitos.
— Will nos contou que você administra um sopão que alimenta os
pobres de St. Giles. Como consegue fazer algo assim? — perguntou
Caroline.
— Sim, sou a responsável pela cozinha há alguns anos. Percebe-se após
um tempo, que se desenvolve as habilidades para garantir que mais de cem
pessoas sejam alimentadas todos os dias. Sou muito boa em fazer um
centavo render quando se trata de barganhar com os comerciantes do
Mercado de Covent Garden. — respondeu Hattie.
Não demorou muito para Eve entender por que Will estava com tanta
pressa em cortejar Hattie. Ela era a mistura certa de inteligência e alma
carinhosa que ele tanto precisava em sua vida. Ela era bonita e possuía um
calor que logo fez Eve querer recebê-la na família.
— Faz muito tempo que não visito Vauxhall. Estou bastante ansiosa por
esta noite. — Hattie disse, ajeitando-se no lugar.
Eve passou um olhar avaliativo no traje de Hattie. O vestido, apesar de
ser de um corte simples, era confeccionado com cores desta última
temporada. As sapatilhas combinando obtiveram a aprovação silenciosa de
Eve.
Will ostentava o semblante social neste instante, mas não conseguia
esconder o brilho da felicidade nos olhos. Os sinos do casamento seriam
acionados muito em breve se o irmão dela conseguisse o que queria.
Os Jardins de Prazer de Vauxhall ficavam perto do Rio Tâmisa, não
muito longe da recém-construída Ponte Waterloo. Uma longa fila de
carruagens serpenteava lentamente ao longo da via, deixando os elegantes
membros da sociedade londrina na entrada dos jardins, pouco a pouco.
A noite de Vauxhall era o destino da nata da sociedade londrina. Os
famosos jardins de prazer estavam repletos de vários entretenimentos.
Barracas de comida e bebida espalhavam-se pelos jardins com todos os
tipos de delícias para os clientes comprarem. Uma orquestra completa
tocava no centro dos jardins, onde se encontrava uma área de dança
elevada.
Qualquer pessoa que pudesse pagar o ingresso de entrada poderia
participar. Esse público também incluía o segundo filho do Visconde
Rosemount que, por acaso, estava do lado de fora da entrada principal
quando a Família Saunders e Hattie Wright enfim desceram da carruagem.
Eve não via Freddie desde a reunião de boas-vindas de Will. Os longos
dias separados foram logo deixados de lado, quando Eve se esqueceu de
todos os esforços para manter o decoro e saltou com alegria nos braços
dele. A exuberância dela foi recompensada com um profundo beijo
apaixonado. Ela ignorou o resto da família.
Quando Freddie enfim terminou o beijo, Eve perscrutou o rosto dele,
procurando um eco da alegria que sentia no coração. O mais breve dos
sorrisos veio e foi.
— Temo que esta noite seja regida pelas Regras Rudes, meu amor.
Como você e eu não saímos juntos há algum tempo, temos algumas coisas
para fazer. Lorde Godwin insultou Christopher Smith, o Senhor Prefeito de
Londres esta manhã, e Osmont concedeu pontos extras por bravura. Ainda
estamos à frente, mas a diferença está diminuindo. Essa batalha será até o
fim, receio eu. — ele sussurrou.
Eve tentou segurar a decepção inicial. Ela esperava que as Regras
Rudes tivessem ficado no passado. Em vez disso, ela se concentrou nas
outras palavras. Mais uma vez, ele a chamou de “meu amor”.
— Claro. Embora Will tenha trazido uma convidada que não estou certa
de que aceitará ser ridicularizada sem rebater. Ela é de uma família de
missionários, então talvez precisemos ter cuidado. — Eve respondeu.
O erguer da sobrancelha esquerda de Freddie disse a ela exatamente o
que Freddie pensava daquela notícia. Hattie Wright seria um alvo justo
nesta noite, e Eve teria que apoiá-lo até o fim.
O olhar dele saiu do rosto dela, passando por cima do ombro.
— Vejo que arrastou o resto da família para fora de casa esta noite. —
ele disse, em voz alta.
As Regras Rudes foram acionadas. Ela se virou depressa para o resto do
grupo.
— Desculpem-me, esqueci de mencionar que Freddie se juntaria a nós.
Tenho certeza de que ele será bem-vindo como parte do nosso grupo. — ela
anunciou.
Ela tentou ao máximo ignorar a tensão entre os presentes. Caroline
desviou o olhar.
— Ah, e quem é essa? — Freddie disse, apontando para Hattie com
grosseria.
Will deu um passo à frente. O olhar no rosto dele era uma máscara
social rígida. Eve temia o instante em que a máscara caísse, e Freddie
provasse a ira de Will.
— Senhorita Harriet Wright, permita-me apresentá-la ao Honorável
Senhor Frederick Rosemount. Frederick é o segundo filho do Visconde
Rosemount.
Freddie olhou com indisfarçável nojo para mão estendida de Hattie.
— Você trabalha com os pobres e sujos, não é? Que nobre da sua parte.
— ele ironizou e se afastou.
— Creio que devemos entrar agora. — um Will nada impressionado
disse.
Eve e Freddie seguiram atrás dos demais. Freddie segurou o braço dela
e o entrelaçou com o dele, mas logo o removeu quando Will se virou e o
fulminou com o olhar. Eve devolveu o olhar. Era injusto ele ser autorizado a
andar de braços dados com Hattie, mas ela não poder fazer o mesmo com
Freddie.
Eles abriram caminho através da multidão, por fim chegando a uma
grande clareira gramada, cercada de camarotes elegantes. Will havia
reservado um para eles. Em poucos minutos, um criado apareceu com
champanhe e taças. Eve drenou a primeira taça com ansiedade. Felizmente,
não havia a opção de conhaque. Ela pediu uma segunda taça e a finalizou
com pressa.
Francis inclinou-se e disse alto o bastante para que todos ouvissem:
— Vá devagar, Eve. Deve-se bebericar a champanhe, não virar o copo
como se fosse cerveja.
Eve ignorou-o e pediu uma terceira taça. Will interveio nessa hora e
arrancou a bebida da mão dela.
— A noite acabou de começar. — ele disse.
Eve fez beicinho. Ninguém questionava Francis quando ele bebia em
excesso.
— Você não é o único que mudou em seu período longe da Inglaterra,
Will. Não sou mais criança. Eu decido se quero outra taça de champanhe,
não você.
Ante esta deixa, Freddie interveio. Ele colocou a mão no braço de Will,
ignorando o faiscar acalorado que Will direcionou a ele:
— Ora, Will, meu bom camarada, que tal eu levar Eve para dar uma
volta pelos jardins? O ar fresco pode trazê-la de volta ao bom humor.
Tenham certeza de que permaneceremos à vista do público, nas trilhas
principais.
Eve poderia ter batido palmas para as palavras dele. Ele estava se
oferecendo para resolver a situação, mas teria um preço. Will teria que
permitir que Freddie e Eve ficassem sozinhos em Vauxhall. Todos que
frequentavam os jardins sabiam que todo tipo de comportamento
pecaminoso acontecia nos arbustos e trilhas secretas ao redor dos jardins.
Will, o mestre-estrategista, estava sendo derrotado em seu próprio jogo. Ele
não ousaria arriscar uma cena feia na frente da mulher com quem pretendia
se casar. Freddie deixara Will exatamente onde Eve o queria.
Eve levantou-se depressa e aproveitou o momento. Segurando firme na
mão de Freddie, ela logo o levou para fora do camarote e para longe do
grupo, antes que Will sequer pudesse protestar.
Ao virar uma esquina próxima e desaparecerem na multidão, Eve enfiou
o braço no de Freddie.
— Foi um ótimo movimento. Will não quer parecer um irmão arrogante
na frente de Hattie, então precisou concordar. Agora temos algum tempo
sozinhos. — ela disse.
Freddie virou-se para ela, e ela viu o olhar questionador no rosto dele.
Ela bufou. Por que os homens precisavam ser tão maçantes às vezes? Aqui
estava ela, livre e disponível para ele.
— Tudo bem, mas não muito tempo. Eu preciso comparecer a um jogo
de cartas na Rua Duke mais tarde esta noite. Vários membros do Conselho
dos Bacharéis estarão lá, e Osmont deseja que eu os conheça. — ele
respondeu.
Eve não disse nada, mas as palavras dele a magoaram. Além do beijo
inesperado e algumas palavras de carinho, Freddie não fazia muito esforço
para cortejá-la. Ela ansiava por sinais mais fortes do afeto dele.
— Por aqui. Há algumas reentrâncias privadas e agradáveis no final
desta trilha. — ela disse. Se Freddie não assumiria a liderança na área do
romance, então ela o faria.
No final da trilha havia uma sebe com várias lacunas em que um corpo
se encaixaria com facilidade. Eles tentaram a primeira reentrância, mas
outro casal chegara lá primeiro. A segunda também estava ocupada. Enfim,
tiveram sorte com a terceira.
Assim que passaram pelo vão na sebe, eles entraram em um mundo
diferente. A iluminação da trilha desapareceu, deixando-os envoltos na
escuridão. Ela virou-se para ele, com a intenção de deixar clara sua posição.
Ele a puxou para ele com um gesto brusco.
— Venha cá, minha pequena atrevida. Precisa ser beijada loucamente.
— Freddie disse com um grunhido.
Os lábios dele e os dela se encontraram em uma troca faminta. Ele não
perdeu tempo em abrir o manto dela e se ocupar com os laços do vestido.
Ela sentiu o beijo do ar frio da noite nos seios e exaltou-se ao saber que ele
a queria de verdade. Ele era tudo o que ela ansiava em um homem. O amor
que sentia por ele era um farol em seu coração.
Ele baixou a cabeça e tomou um dos seios dela na boca. Quando ele
sugou o bico intumescido, calor se acumulou entre as pernas dela. Essa era
a paixão e o desejo que ela tanto almejava.
— Diga-me se quiser que eu pare. — ele murmurou.
Com as costas retas contra a sebe, Eve deixou a cabeça cair para trás e
fechou os olhos. Ela sentiu as saias sendo levantadas e se ordenou a
permanecer calma. Se ele fosse arruiná-la esta noite, ela deixaria acontecer.
A mão dele deslizou até o interior da perna dela. O joelho dele afastou-a
da outra com um movimento gentil. Ela engoliu em seco e prendeu a
respiração.
— Está pronta para o início de sua educação na arte do prazer sexual?
— ele sussurrou em seu ouvido.
— Sim. — ela murmurou.
Os dedos dele alcançaram os pelos entre suas pernas. Todo o corpo dela
gritava em silêncio que ele fosse mais longe. Ela sentiu a ponta do polegar
dele entrar em sua feminilidade e gemeu.
— Por aqui, rapazes! Tenho certeza de que aquele cachorro maldito veio
por aqui. — gritou uma voz.
Dois homens corpulentos caíram no vão da cerca viva e interromperam
o momento particular. Freddie logo largou as saias de Eve e manteve-se à
frente dela, protegendo os seios nus dela da vista de outros.
Os intrusos traziam uma lanterna alta o bastante para o espaço escuro e
privado agora estivesse bem iluminado. O homem com a lanterna os
avistou.
— Ah. Desculpem-nos. Não os vimos aí. Viram um cão passar por
aqui?
Freddie balançou a cabeça, mas ficou de costas para eles. Colocando a
mão no vestido dela, ele puxou os lados do manto de volta ao lugar. Uma
Eve frustrada aproveitou a deixa e começou a amarrar o vestido. Enquanto
os supostos caçadores de cães revistavam a área imediata, o vestido e o
manto dela voltaram ao lugar de origem.
— É melhor voltarmos para os outros. Não quero testar muito a
paciência de Will, e devo sair logo. — Freddie disse.
Ela pegou a mão oferecida dele com relutância e permitiu que ele a
levasse de volta para a trilha principal do jardim. A mistura de champanhe e
decepção fez com que ela se sentisse mal.
Quando chegaram ao camarote, ela estava pronta para ir para casa. Cada
passo à frente com Freddie fazia-a sentir-se como se estivesse atravessando
lama espessa. Ela lutou o tempo todo para avançar.
Capítulo Dezessete

E ve acordou cedo. Sentou-se à penteadeira e observou seus cabelos serem


arrumados em um elaborado e elegante chignon. Hoje, Will e Hattie se
tornariam marido e mulher.
Tendo assistido ao casal noivo nas últimas semanas, ficou claro que
Will havia encontrado seu par em Hattie. Ela era tão teimosa quanto ele,
mas ambos traziam à tona o lado carinhoso e terno um do outro. Will ama
Hattie, e Hattie não escondia o carinho que sentia pelo futuro marido.
Eve sorriu, lembrando-se de quando flagrou os dois se beijando no
jardim, na noite em que vieram anunciar o noivado. A troca não foi um
beijo social, suave, entre dois inocentes. Pelo contrário, foi um de paixão
entre duas pessoas que mal podiam esperar para dividir a cama marital.
Em particular, Eve duvidava que Hattie chegaria à noite de núpcias,
virgem. Ela já morava na casa de Will, o que era escandaloso por si só, e
Will estava viúvo há quase quatro anos. A luxúria e o desejo não os
manteriam em camas separadas.
A visita dela e de Adelaide à Abadia Rosemount aconteceria em uma
questão de dias. Caso surgisse a mínima das oportunidades enquanto ela
estivesse lá, Eve deixaria Freddie ir até o fim com ela. Ela não se
arrependera de nada do que aconteceu nos Jardins de Vauxhall. Na verdade,
quanto mais cedo ele colocar as mãos no corpo nu dela, melhor. Ela ansiava
por longas noites nos braços dele.
Uma respiração longa e lenta não fez muito para aplacar sua ânsia
latejante. Com o assento do Conselho dos Bacharéis perto de ser de
Freddie, ela precisaria avançar com os planos de criar um futuro
permanente com ele. As declarações de amor dele a fizeram acreditar que
um noivado seria anunciado pouco tempo após ela e a mãe chegarem à
Abadia Rosemount.
O casamento na Catedral de São Paulo foi maravilhoso. O tio de Eve,
Hugh, o Bispo de Londres, conduziu uma bela cerimônia de casamento.
Todas as mulheres Saunders e Radley choraram.
Foi só na saída da Catedral que Eve avistou a prima Lucy. Ela apressou-
se para falar com ela.
— Não sabia que viria hoje. Mamãe disse que ainda estava na Escócia.
— Eve disse.
Lucy a beijou no rosto. Quando se afastou, Eve notou os olhos
iluminados.
— Fomos para a Escócia assim que voltamos da França, mas Avery está
ansioso para começar a trabalhar com Lorde Langham, para entender como
administrar uma propriedade. — Lucy explicou.
Ela estava prestes a perguntar como estava tudo com Avery quando o
marido da prima saiu da multidão de espectadores querendo dar parabéns
aos recém-casados. Ele deslizou a mão na cintura da esposa e sussurrou
algo para ela. Os olhos de Lucy se arregalaram, e ela sorriu.
Eve deu um passo para trás, enquanto Lucy assimilava o marido com
luxúria mal disfarçada. Se fosse descrever o que estava assistindo, diria que
Lucy estava desnudando Avery com os olhos.
— Bom dia, prima Eve. Espero que esteja bem. É um lindo dia para um
casamento. — disse Avery.
Eve sentiu-se um pouco perdida com as palavras. Parecia que ainda
ontem Avery e Lucy estiveram diante do Bispo, tendo dificuldades para
proferir e se comprometerem com o casamento, mas aqui estavam eles,
agindo como todos os recém-casados apaixonados.
— Lucy, meu amor, preciso falar com seu pai. Prometo voltar assim que
eu puder. — Avery disse. Ele acenou com a cabeça para Eve, e as duas o
observaram partir na direção do Duque de Strathmore.
Lucy riu quando uma Eve atordoada se voltou para ela.
— Milagres acontecem. Lembre-se, Will precisou intervir com Avery
em Paris, e precisamos de certa reflexão interna para enfim enfrentar a
verdade de nosso casamento. Ó, Eve, só posso desejar que se case com um
homem tão magnífico quanto Avery. Das profundezas do desespero,
encontrei uma felicidade além de tudo que pude imaginar. Precisa começar
a busca para encontrar um marido.
Eve tomou o braço da prima e a puxou para um dos lados dos degraus
da frente da igreja. Ela apontou para onde Freddie estava, ao lado da mãe
dele. Aproveitavam um bate-papo amigável com Adelaide.
— Mamãe e eu partiremos para a Abadia Rosemount depois de amanhã.
Lady Rosemount nos convidou para fazer uma visita. — ela disse.
Lucy inclinou-se na direção da prima e sussurrou:
— E presumo que sua visita não tem nada a ver com aquele rapaz um
tanto atrevido bem no meio das senhoras. Ó, Eve, conte-me. Acredita que
ele seja o homem certo?
Eve deu de ombros, adotando sua melhor atitude indiferente. Deu um
olhar de soslaio para Lucy.
— Quem poderia afirmar? Eu o amo, e ele disse que me ama. Estou
determinada a saber o que vem com as palavras. Eu sei que ele sente paixão
e desejo comigo, só precisa ser um pouco encorajado para me deixar ver o
verdadeiro eu dele. Quando eu conseguir isso, então saberei se ele é o
homem certo. — Eve respondeu.
Beijos roubados e as liberdades que ela permitiu a ele em Vauxhall
bastavam para ela ter a certeza de que, quando retornasse a Londres após a
visita à Abadia Rosemount, ela estaria usando um anel de noivado.
O sorriso desapareceu dos lábios de Lucy. Uma careta preocupada
apareceu no lugar.
— Tenha total certeza dele, antes de se deixar em uma posição em que o
casamento seja o único resultado possível. Prometa-me, Eve, que não fará
nada precipitado como eu fiz. As coisas entre mim e Avery poderiam muito
bem ter tido um rumo bem contrário ao atual. — ela respondeu.
Eve afastou as preocupações da prima com um aceno de mão. Ela
estava com total certeza de que Freddie a queria. Homens como Freddie
queriam esposa joviais e alegres. Se o coração dele já não fosse dela, seria
quando se casassem. Ela traçou planos para aproveitar ao máximo a estada
na abadia. Planos que incluíam longas caminhadas com Freddie longe da
casa principal e, se ela tivesse sorte, um ou dois bosques convenientes para
se perder.
Ela pegou a mão de Lucy e a colocou no próprio braço.
— Vamos, Lucy. Hoje não é dia de discutir meu casamento iminente.
Precisamos encontrar Will e Hattie. Precisa ver a renda do vestido dela. É
divina.
Capítulo Dezoito

F reddie assistiu ao casamento de Will e Hattie sentindo que a Espada de


Dâmocles balançava acima da própria cabeça. Em quanto tempo Adelaide
Saunders e a mãe dele o enviariam para tirar as medidas de um terno de
casamento?
Lady Rosemount veio a Londres para o casamento, mas voltou para
casa assim que a cerimônia terminou. A vinda dela ao casamento de Will e
Hattie não foi apenas para desejar felicidades aos noivos. Ele observara
com interesse como a mãe percorreu os convidados reunidos, dando
pequenas dicas, aqui e ali, acerca de quem seriam os noivos no próximo
casamento a ser realizado na Catedral de São Paulo.
Foi ideia da mãe dele convidar Eve e Adelaide para a Abadia
Rosemount. Em teoria, a visita daria tempo para Eve e ele decidirem se
combinavam. A realidade era que, para a mãe dele e a provável futura
sogra, só faltava decidir a cor das flores a enfeitar a igreja.
Por fim, ele se consolou com a ideia de que, se acabasse casando-se
com Eve, não seria tão ruim. A mãe dele aprovava-a. Ela teve grande
impacto no sucesso dos desafios do Conselho dos Bacharéis, e talvez
merecesse estar ao lado dele enquanto ele colhesse os frutos dessa nova
posição.
Ela era uma garota de sangue quente que o satisfaria na cama. Era
educada e bem-criada. Eve Saunders seria uma ótima esposa para ele.
Quando os pensamentos fizeram uma breve passagem pela questão de saber
se ele estava de fato apaixonado por ela, ele franziu a testa. Amor não era
algo a que ele considerara com cuidado. Estava preparado para aceitar ter
desenvolvido sentimentos calorosos por ela. Até disse que a amava. A
verdade disso não era algo que ele explorara de verdade.
O que era o amor afinal? Homens de verdade não sentiam todas as
emoções piegas que mulheres e as crianças pequenas sentiam. Homens
eram provedores. Com a entrada no Conselho dos Bacharéis praticamente
assegurada, ele estava bem encaminhado para ser um homem que uma
esposa desejaria. Boa comida na mesa em troca de uma vida sexual lasciva
era uma boa barganha para o casamento.
Ele tinha tudo resolvido.
Sacudiu a cabeça para afastar esses pensamentos. Nesta manhã, havia
outros assuntos a tratar na cidade. O principal deles é receber o último dos
desafios do Conselho dos Bacharéis. Ele conseguiu uma liderança
dominante, a distância entre os pontos era tamanha que há muito deixara de
ser uma corrida real. No entanto, ele precisava terminar o jogo e ser
declarado vencedor.
Após falar com Eve, em uma despedida apressada no café da manhã do
casamento, Freddie foi para a Rua Barton. Ele subiu os degraus do
escritório e entrou confiante na sala reservada aos cadetes da Câmara dos
Comuns.
Como esperado, Godwin não estava presente a esta hora da manhã.
Osmont o apresentara às delícias dos antros de ópio do East End, e Godwin
deveria estar deitado em uma névoa induzida por drogas em alguma
hospedaria. Uma prostituta nua, sem dúvida, dormia ao seu lado.
Quanto a Trenton Embry, ele não se preocupava nem mesmo em ir ao
escritório na maioria dos dias. O interesse dele pelos desafios do Conselho
dos Bacharéis nunca passou de morno. A ausência dele quase não foi
notada.
O único presente era Osmont Firebrace.
— Ah, Rosemount, ao menos um de vocês pode viver como um
libertino e chegar ao escritório na manhã seguinte. — ele disse.
Freddie caminhou até o aparador que, como de costume, estava repleto
de doces e um bule de café quente. Ele pegou uma xícara e serviu-se da
bebida, indo acomodar-se em uma das poltronas confortáveis, imaginando-
se como um rei em um trono.
— Sim, bem, aproveite minha companhia enquanto puder. Não estarei
aqui amanhã ou na próxima semana. Parto para a Abadia Rosemount. — ele
disse.
Osmont bufou em evidente desgosto. Apenas filhinhos da mamãe
visitam a propriedade da família. Verdadeiros homens ficam em Londres,
onde a ação acontece.
— E o desafio? — Osmont indagou.
Freddie deu um gole no café.
— Bem, estive pensando, já que estou muito à frente dos outros, e você
anunciará o resultado em alguns dias, talvez devêssemos anunciar agora.
Godwin parece ter enfim desistido e admitido a derrota. — ele respondeu.
Osmont o mirava por cima dos óculos de leitura. Freddie sentiu estar
sendo escrutinado, algo que considerou perturbador vindo de seu chefe.
Sempre havia um quê subjacente de sexo quando Osmont analisava alguém
de cima a baixo.
— Diga-me. Por que vai para casa? Seu pai não está doente, e mesmo
que estivesse, seu irmão mais velho herdará o título.
Freddie tentou ignorar o comentário insensível direcionado ao pai. Por
mais que o pai dele fosse um adepto dos protocolos e comportamentos
esperados, Freddie ainda o amava. Lorde Rosemount era um homem bom.
Era fiel à esposa e foi imparcial na criação dos dois filhos. Freddie sabia ter
recebido uma boa educação familiar.
— Estou cortejando uma moça, e ela visitará a Abadia Rosemount com
a mãe para conhecer minha família. Minha mãe organizou tudo. — ele
respondeu.
Osmont tirou o caderno preto do bolso do casaco e o desamarrou.
Folheou algumas páginas, parou em uma e a leu em silêncio.
Freddie já terminara o café quando Osmont enfim fechou o caderno e o
amarrou.
— Há um último desafio para você. Conclua-o com sucesso e será
admitido como membro pleno do Conselho dos Bacharéis. Nem consigo
começar a listar os amigos poderosos e a riqueza que encontrará à sua
disposição. Os verdadeiros donos do poder de Londres serão revelados a
você. Um novo mundo, desconhecido até então, se desvendará, e você
estará entre os principais. Ninguém nunca mais o verá como um mero
segundo filho. — Osmont disse.
Ele voltou para a sala dele e fechou a porta. Minutos depois, saiu com
uma carta dobrada e selada na mão.
— Eis o último dos desafios. Veja bem, há instruções rigorosas que
devem ser seguidas à risca. Viole-as, e sua associação será rescindida. —
Osmont entregou a carta a Freddie.
Freddie teria quebrado o selo se Osmont não o tivesse impedido. Ele
respirou fundo e devagar, para acalmar a animação nervosa que corria em
suas veias. Estava tão perto do sucesso que podia prová-lo.
— Deve esperar até o terceiro dia de sua chegada à Abadia Rosemount,
antes de abrir essa carta. Nesse ínterim, pode gastar seu tempo
experimentando as delícias de sua amiga. No entanto, se a leitura que faço
de você estiver correta, tenho certeza de que já enfiou a mão nas saias dela.
Pelo que vi dela, ela é o tipo de garota que chuparia seu pau a seco se isso
significasse levá-lo ao altar. — o escárnio que pingou das últimas palavras
foi suficiente para Freddie querer desafiar Osmont em prol da honra de Eve.
Contudo, ele não podia chamá-lo de mentiroso, não exatamente. Se não
tivessem sido perturbados em Vauxhall, Eve o teria deixado levá-la ao
clímax. Ele ansiava por ouvir seus suspiros suaves ao chegar ao ápice. Ele
desfrutava dos sonhos lascivos que tinha com ela na maior parte das noites.
O corpo dele ansiava pelo toque do corpo nu dela sob ele.
— Como saberá que completei o último dos desafios? — ele perguntou.
Osmont ajeitou a lapela do casaco e assentiu. Ele se curvou, o que
causou um arrepio premonitório na mente de Freddie. O que exatamente
estaria escrito na carta? E se, após tudo o que conseguiu, ele ainda falhasse
no obstáculo final?
— Quando voltarmos a nos ver, jovem Rosemount, nós dois saberemos.
Capítulo Dezenove

— D esejo-lhe todo o sucesso em sua jornada e espero ouvir boas novas


em seu retorno. — Caroline disse.
Eve olhou por cima do baú de viagem. Ela levantou-se e aproximou-se
da irmã, tomando-a pela mão.
— Obrigada. Sei que tenho sido horrível com você, mas prometo que
quando voltar tudo mudará. — Eve disse.
Ela sentiu uma pontada de culpa ante os votos da irmã. Eve sabia que
Caroline ficaria ressentida se soubesse que ela decidiu ir atrás de Freddie
apenas por sua popularidade.
Um dia, quando ambas estivessem bem em seus próprios casamentos,
ela confessaria a culpa para a irmã. Hoje, no entanto, era o dia de agarrar
seu futuro.
Caroline, em lágrimas, abraçou-a.
— É melhor pegar seu manto. Mamãe já se despediu do papai três
vezes.

Freddie deixou Londres um dia antes de Eve e Adelaide. A mãe dele


insistiu que ele estivesse em casa e bem acomodado, antes que a futura
nova noiva chegasse.
Como Lady Rosemount voltou para casa na carruagem de viagem dos
Rosemount logo após o casamento de Will e Hattie, restou a Freddie pegar
uma diligência pública para Peterborough. Lá, ele foi recebido por um dos
cavalariços do pai que trouxe um cavalo reserva.
A cavalgada pela paisagem do interior foi revigorante. A sensação de
vento nos cabelos e o baque dos cascos do cavalo nas estradas rurais
fizeram com que o sangue em seu corpo acelerasse. Chegando ao topo de
uma colina a oitocentos quilômetros de casa, ele controlou o cavalo e parou
ali um pouco, observando a propriedade da família.
Era bom estar em casa.
Abaixo dele, no topo de outra pequena elevação, estava a Abadia
Rosemount.
A casa principal datava de meados do século XVI. O primeiro Visconde
Rosemount foi um dos cortesãos favoritos da Rainha Elizabeth.
Ao longo dos séculos seguintes, a casa foi ampliada e criaram-se
elaborados jardins em torno de três dos lados. Embora a Família Rosemount
só tivesse recebido o viscondado ao longo dos anos, eram astutos o bastante
nos negócios para ter uma posição alta na lista de famílias mais ricas da
Inglaterra.
Londres era cheia de vida e distração, mas aqui, no interior de
Northamptonshire, ele podia respirar. Os campos diante dele estavam
repletos de ovelhas, cobertas de lã para o inverno que se aproximava. Além
delas, via-se a coloração avermelhada do valorizado rebanho de gado de
Sussex de seu pai.
A maior parte dos campos mais próximos dos longos estábulos de pedra
eram reservados para os cavalos tão valorizados do programa de procriação
Rosemount. Todo nobre na Inglaterra possuía ao menos um cavalo dos
Estábulos Rosemount.
Ele ajeitou-se na sela e pensou na carta não aberta e guardada no bolso
da jaqueta. A admissão no Conselho dos Bacharéis lhe daria a oportunidade
de esculpir o próprio pedaço da Inglaterra para si e seus herdeiros.
O filho dele não seria apenas primo do futuro Visconde Rosemount.
Teria seu próprio lugar na sociedade, a nova riqueza do pai para apoiá-lo.
Freddie esporeou o cavalo. Mais dois dias, e ele poderia abrir a carta e
descobrir o que seria esse último desafio. Com Eve ao seu lado, ele
conseguiria concluí-lo e voltaria para Londres pronto para reivindicar seu
futuro. Frederick Rosemount estava pronto para assumir seu lugar como um
primeiro entre iguais no ar rarefeito da alta sociedade inglesa.

Eve desceu da carruagem, rindo de alegria ao ver Freddie se aproximando


dos estábulos. Ele correu para encontrá-la.
— Lamento não estar vestido para cumprimentá-la. Só recebi a notícia
de que chegavam quando já estavam na entrada de cascalho. — ele disse.
A viagem foi longa, quase um quilômetro de distância, após sair da
Estrada Principal de Peterborough. Eve estava com dificuldades para sentir-
se confortável, quando enfim saíram da via principal, e ela avistou a casa.
O olhar dela agora fixava-se na gola aberta da camisa de Freddie, e ela
estava ocupada demais pensando no que ele poderia fazer com ela para se
preocupar com a falta de trajes adequados. Ele despertara uma ânsia sexual
quase constante nela, e manter as expectativas sociais da sociedade estava
se tornando cada vez mais difícil sempre que ele estava perto. Ela esperava
que ele já tivesse escolhido alguns lugares privados e perfeitos para
terminarem o que começaram em Vauxhall.
— Lady Adelaide Saunders. Senhorita Saunders. Que maravilhoso
termos vocês nos visitando.
Eve virou-se ao som do título formal da mãe e viu Lorde e Lady
Rosemount vindo em direção a elas. Eve mergulhou em uma reverência
respeitosa. Adelaide esperava o máximo de comportamento impecável nesta
semana. Eve pretendia ser a filha perfeita e inocente sempre que estivesse
perto da mãe, do visconde e viscondessa. Era com Freddie que ela pretendia
ser vergonhosa nessa estada. Prática que ela esperava torná-la a esposa
perfeita para ele.
Um segundo casal saiu da casa. O homem, que Eve presumiu ser o
irmão mais velho de Freddie, Thomas, carregava um menino. A mulher ao
lado dele segurava um bebê nos braços.
— Bem-vindas, sou Thomas Rosemount, e esta é minha esposa, Cecily.
Esse malandro de cabelos cacheados é James, meu herdeiro, e o bebê é
Jonathan. — Thomas disse.
— Sim, tive que convencê-los a não chamar o bebê de Frederick. Um
Freddie na família é suficiente. — Freddie acrescentou com um sorriso.
Uma risada educada passou pelos presentes.
Eles subiram os degraus para a casa principal, enquanto os criados da
casa descarregavam os baús de Adelaide e Eve da carruagem.
Eve olhou em volta quando entraram no saguão principal. Uma
magnífica escadaria de mármore abraçava a parede à esquerda da entrada.
Subia por vários andares acima. Quando ela ergueu o olhar, logo entendeu a
necessidade de a escada ter sido construída de um lado.
Uma enorme cúpula branca dominava o telhado da entrada. Ela ficou
boquiaberta ao se ver bem sob o centro dela.
— É magnífica, não é? Lembre-se, custa uma fortuna tê-la limpa e
repintada a cada par de anos. — disse Freddie.
Eve captou o olhar de desaprovação de Lady Rosemount. Freddie falou
de dinheiro, algo que era considerado grosseiro de ser discutido em
companhia mista. As Regras Rudes até podem ter chegado ao fim, mas
estava claro que alguns aspectos do jogo acabaram tornando-se um hábito.
Ele virou-se para Adelaide e curvou-se.
— Seria aceitável que Eve e eu déssemos um pequeno passeio pelo
terreno? Conversamos muito sobre a abadia e faço questão de lhe mostrar
os jardins.
O coração de Eve começou a disparar. Ele queria ficar a sós. Ela virou-
se para a mãe.
— Uma caminhada seria perfeita após essa jornada tão longa, mamãe.
Um curto passeio pelos jardins, antes de voltarmos para eu me refrescar.
Adelaide assentiu.
— Claro. — ela respondeu.
Freddie ofereceu o braço a Eve, e eles seguiram para a porta da frente.
— Não olhe para trás. Estarão nos observando e falando de nós. — ele
disse, ao saírem.
Eve manteve a cabeça imóvel. Todos os movimentos dela estariam sob
escrutínio atento neste instante.
Ao chegarem aos fundos da casa, Freddie fez um grande teatro de
apontar os jardins ornamentados. Contudo, assim que estavam fora de vista
da casa principal, Freddie a levou em direção a um prédio de pedra
próximo.
— As flores podem esperar, eu não. — ele disse.
Assim que chegaram ao prédio, ele verificou se ninguém estava à vista.
Abrindo depressa a porta, ele entrou com Eve, trancando a porta. O coração
dela disparou, e o sangue esquentou de expectativa. Ela latejava para ter as
mãos dele em seu corpo nu.
Ele perdeu pouco tempo com agrados. Um beijo apressado e, em
seguida, as saias de Eve foram levantadas. O polegar dele separou as dobras
inchadas e molhadas dela, e ele começou a acariciá-la.
— Nenhum homem, nem seus cães, nos perturbará desta vez. — ele
disse.
Com as costas na parede fria e de pedra, Eve relaxou e deixou Freddie
dar atenção às necessidades sexuais dela. Ela começou a abrir o vestido,
mas ele a impediu.
— Não há tempo o bastante para isso. Posso garantir que meus pais e
sua mãe nos seguirão para o jardim em alguns minutos. Creio ter apenas
tempo suficiente para fazê-la gozar, antes de precisarmos sair. — ele disse.
Eve o olhou através de uma névoa de excitação. O polegar dele estava
gerando tensão em todo o corpo dela.
— Feche os olhos. Recoste-se e sinta. — ele ordenou.
Ela fez o que ele mandou. Com os olhos fechados, ela experimentou a
totalidade do prazer do polegar dele esfregando o botão sensível. Quando
ele empurrou dois dedos em seu calor, o polegar torturando o clitóris, ela
gemeu. A tortura continuou e continuou enquanto uma lenta tensão
aquecida se elevava cada vez mais dentro dela. Um gemido escapou de seus
lábios.
Ele afastou as abas do manto dela e segurou um dos mamilos por cima
do vestido. Quando o bico endureceu, ele o torceu com força.
Ela choramingou quando o orgasmo a atingiu com intensidade
ofuscante. Os lábios dele se fecharam nos dela para suavizar o grito. Os
dedos dele continuaram a estocar, a velocidade diminuindo conforme o
clímax cedia.
— Pronto. Era disso que precisava após essa longa jornada. Eu sabia
que era capaz de gozar sob minhas ordens. Boa menina. — ele sussurrou.
As roupas dela logo foram ajeitadas, e eles haviam acabado de chegar
ao jardim formal quando passos soaram nas pedras soltas do caminho do
jardim, anunciando a chegada de Adelaide Saunders e dos pais de Freddie.
— A casa foi projetada por Robert Smythson. As rosas foram plantadas
pela minha avó. As paredes e o coreto foram projetados por Capability
Brown. Empregamos vinte jardineiros. — Freddie murmurou depressa.
Eve virou-se e sorriu quando a mãe, Lorde e Lady Rosemount se
aproximaram. Com um aceno para Freddie, ela falou.
— Mamãe, Frederick estava me falando dos jardins, e que Capability
Brown projetou grande parte deles. Tão interessante.
Os olhos de Lady Rosemount se iluminaram, e um sorriso encantado
surgiu.
— Frederick é um jovem muito estudado. Embora eu deva alertá-la para
não o deixar divagar muito em torno de arquitetura e filósofos antigos.
Tenho certeza de que há outros assuntos mais interessantes para moças. —
ela disse.
Eve engoliu em seco. Ela ainda podia sentir o toque dos dedos de
Freddie em seu corpo, e estava certa de que, se alguém olhasse com cuidado
para ela, conseguiria ver o brilho pós-clímax em seu rosto.
Posso garantir que Freddie sabe exatamente no que essa jovem está
interessada.
Capítulo Vinte

Na manhã seguinte, Freddie e Thomas saíram para uma cavalgada


matinal. Acomodando-se na sela, Freddie sorriu para o irmão. A sensação
era a de sempre, já que gostavam de passar um tempo juntos, longe de
amigos e familiares.
Eles cavalgaram com ímpeto até a aldeia vizinha, Thorney. Freddie
esporeou quando chegaram a uma curva na estrada estreita. Foi como virar
a esquina da Oxford com a Tyburn. Ele jogou limpo com Thomas, assim
como fez com Lorde Godwin.
Ao terminar a curva, ele deparou-se com um pastor e seu rebanho.
Ovelhas espalhavam-se em todas as direções, e Freddie gargalhou ao ouvir
o fole do pastor furioso. Ele continuou na estrada até que o pastor e as
ovelhas estavam fora de vista.
Quando Thomas não apareceu ao final da curva, Freddie diminuiu a
velocidade do cavalo e esperou. Após alguns minutos, ele cansou de esperar
e voltou.
Quando Freddie enfim encontrou o irmão, Thomas havia desmontado e
ajudava o pastor a reunir o rebanho. Ao ver Freddie, Thomas deu-lhe um
olhar que não precisava de explicação. Eles eram a nobreza local, e não
deveriam rasgar o campo causando caos.
Freddie desmontou e passou a meia hora seguinte retratando-se da
contravenção. Ele deslizou uma moeda na palma da mão do pastor, para
garantir que o pai não ficasse sabendo de suas travessuras matinais.
Ele estava prestes a montar o cavalo e se preparar para voltar para a
Abadia Rosemount quando teve outra ideia. Mergulhou a cabeça na direção
da taverna da aldeia.
— Que tal uma cerveja matinal, pão e queijo? — ele perguntou ao
irmão.
Thomas aceitou a oferta de paz.
— Seu gênio, leu minha mente.
O dono da taverna ainda começava a se preparar para o dia e mostrou-se
feliz em servir cerveja fresca aos filhos do nobre local. Os irmãos sentaram-
se do lado de fora da taverna e assistiram ao vaivém madrugador dos
moradores.
— Então, devemos esperar um anúncio em algum dia desta semana,
meu querido irmão? — Thomas perguntou.
Freddie tomou um gole da cerveja. Ele já antecipara que Thomas
levantaria a questão do relacionamento dele e Eve.
— Eu diria que sim. Ela parece ansiosa para deixar tudo dentro das
formalidades. Mamãe também faz questão de me empurrar para o seio da
felicidade conjugal.
Thomas baixou a caneca e endireitou a coluna. Sentindo que uma
conversa séria estava prestes a acontecer, Freddie deu toda a atenção ao
irmão mais velho.
— E você? O que você quer, Freddie? Não fique apenas à margem
enquanto seu futuro está sendo decidido. Se não está completamente certo
do que sente por Eve Saunders, precisa fazer algo, antes que seja tarde
demais.
Freddie ergueu uma sobrancelha. Ele não esperava que Thomas fosse
ter algo contra ele se casar com uma garota de uma família tão boa. Na
verdade, ele esperava que Thomas o pressionasse a pedir Eve em casamento
logo.
— Creio que ficaremos bem juntos. Ela é uma moça brilhante e tem
espírito. Não vejo por que não seríamos felizes. — ele respondeu.
— Não parece convencido.
Freddie balançou a cabeça. Claro que ele estava convencido. Eve e ele
tiveram uma parceria brilhante nos desafios do Conselho dos Bacharéis. Na
verdade, ela era um dos principais motivos para ele estar prestes a
reivindicar o prêmio. Não conseguia imaginar a vida sem ela.
Havia também a pequena questão de que os dois haviam se entregado a
várias atividades sexuais que exigiam que ele a fizesse sua esposa.
Tecnicamente, Eve não foi arruinada, mas ela não era mais inocente sob
nenhum padrão social.
— Espere ouvir um anúncio até o final da semana. Nosso casamento
será um pouco mais grandioso que o seu e o de Cecily, porém, é o de se
esperar de uma noiva com tios que são bispos e duques. O irmão acabou de
casar-se na Catedral de São Paulo, então diria que também nos casaremos
lá. Não seria correto fazê-lo em nenhum outro lugar. — ele respondeu.
Thomas não disse nada e voltou a beber cerveja e comer seu pão com
queijo.

Eve também acordou cedo naquela manhã. Ela fez uma caminhada pelos
terrenos da Abadia Rosemount, a mente cheia, imaginando como seria viver
lá. O verde exuberante do campo inglês era um contraste enriquecedor para
alma, diante do cinza e da sujeira de Londres.
A vida na abadia e sua relativa proximidade com Londres significava
que ela conseguiria se mover entre os dois mundos com facilidade. Com
Freddie prestes a garantir a admissão no Conselho dos Bacharéis, eles
precisariam passar grande parte do tempo em Londres, mas conseguiriam
morar algumas semanas na abadia.
À frente, longas noites de verão passadas descansando no terraço de
pedra com irmãos e seus respectivos cônjuges e filhos.
Ela passou pelos estábulos e ia em direção ao lago ornamental quando
Cecily Rosemount a saudou.
— Bom dia, Eve. É um lindo dia. — ela disse.
Eve sorriu. Ela gostou da futura Viscondessa Rosemount desde que a
viu. Era uma senhora jovial que claramente era amada pelo marido.
— É lindo aqui fora a essa hora do dia. Eu estava indo observar o céu
penetrar a névoa matinal acima do lago. — Eve respondeu.
Cecily deu alguns passos para ficar ao lado dela. Ela estava com um
vestido verde oliva simples e um grande xale de lã enrolado nos ombros.
Seu estilo era o de alguém que não se importava com os vestidos chiques de
Londres.
Eve voltou-se para ela.
— Morou a vida toda nesta região?
Ela presumiu que Cecily era filha de algum nobre local ou de alguém da
pequena nobreza, e Thomas decidiu escolher alguém que se encaixaria bem
com a vida rural na Abadia Rosemount.
Cecily balançou a cabeça.
— Por Deus, não. Antes de conhecer Thomas, seria necessário segurar
uma pistola na minha cabeça para me trazer para o campo. Eu era a típica
filha da Sociedade. Cresci na casa do duque e da duquesa de Devonshire,
em meio a uma variedade de crianças de várias famílias nobres. Fui bem
rebelde até ser apresentada à sociedade, quando meus pais começaram a me
pressionar para me casar.
— E assim, você os deixou orgulhosos ao se casar com Thomas
Rosemount, um futuro visconde. — Eve respondeu.
Cecily deu uma risada longa e divertida.
— Ora, não faz ideia. Na primeira vez que coloquei os olhos nele,
pensei que ele era o diabo mais bonito que eu já vi. Minha mãe e meu pai
ficaram horrorizados quando eu disse que cogitava me casar com ele. Eles
acreditavam que ele era um tímido caipira e sem graça que me levaria a um
túmulo precoce.
Thomas Rosemount não era o homem mais exuberante que Eve já
conheceu, mas parecia ser genuíno. Bom rapaz seria a forma correta de
descrevê-lo se ela fosse pressionada a dar uma resposta. Com toda certeza,
ele não era Freddie com sua propensão a travessuras.
— Contudo, casou-se com ele mesmo assim. Por quê?
Cecily virou-se para o gramado verde que corria até a beira do lago.
— Por esse lugar. Bem, a princípio, pelo menos. A Abadia Rosemount
me ofereceu a primeira chance de ter uma casa de verdade, um lar para
chamar de meu. Um lugar onde eu pudesse me estabelecer na vida. Thomas
trouxe-me aqui antes de pedir a minha mão. Ele queria que eu entendesse o
que seria ser esposa dele. A vida que eu conhecia em Londres ficaria no
passado.
Eve seguiu o olhar de Cecily. Após o longo trecho de gramado, um
bando de patos seguia para a água. A pata mãe na liderança, seguida por
cinco patinhos.
— Então, voltam a Londres com muita frequência? — Eve perguntou.
Ela entendia o apelo de viver parte do ano no campo, mas não imaginava
conseguir distanciar-se da capital inglesa.
— Não consigo lembrar-me da última vez que fui a Londres, tem pouco
apelo para mim agora. Na primeira vez que vi este lugar, meu coração me
disse que meus filhos nasceriam e cresceriam aqui. De bom grado, eu
viraria as costas para tudo o que Londres poderia oferecer pela chance de
estar com o homem que eu amava.
A abadia era mesmo um lugar lindo. Eve viu casas senhoriais o bastante
ao longo da vida para saber que esta figurava o topo da lista. Contudo,
sacrificar de todo a vida entre a sociedade e viver no campo, era algo que
ela nunca poderia fazer.
Cecily virou-se para ela e sorriu.
— Thomas permitiu-me encontrar meu verdadeiro eu. Com ele, pude
me tornar a pessoa que queria ser, não o que a alta sociedade londrina
desejava ver. Vejo tantas das minhas conhecidas em casamentos miseráveis,
e agradeço a Deus todos os dias por Thomas ter me escolhido.
O olhar de felicidade no rosto de Cecily deixou o coração de Eve leve.
O semblante dela não trazia todo o rubor de um novo amor, como o de
Lucy, pelo contrário, refletia um profundo contentamento. Eve se perguntou
se algum dia sentiria isso com Freddie. Era uma relação fundamentada em
algo diferente. O calor que alimentava a paixão entre eles era mais
primordial do que simplesmente o amor.
Caso se casasse com Freddie, ela sabia que não seria um casamento com
contentamento na fundação. Ela cobiçava empolgação, assim como ele.
Com os jogos do Conselho chegando ao fim, ela precisaria encontrar outras
formas de manter a paixão e o interesse vivos na união.
Ao voltar para a casa, ela ponderou a própria situação. Ela foi
convidada para cá, assim como Cecily foi quando Thomas decidiu que ela
era a mulher certa para ele. Se Freddie também tivesse chegado a essa
mesma decisão, ela teria um papel a desempenhar. Eles tiveram poucos
momentos de privacidade nesse par de dias desde a chegada dela. Cabia a
ela encontrar um jeito de ficar a sós com ele e ajudar a levar as coisas
adiante.
Chegando à casa, ela viu Freddie e Thomas percorrendo a longa entrada
de veículos da propriedade. Eles cavalgavam devagar, a conversa profunda.
Quando Thomas a apontou para Freddie, ela lhe deu um aceno amigável.
Freddie cumprimentou-a com um aceno de cabeça, ainda na sela. Uma
onda de calor correu para suas bochechas. Ele era perfeito.
Esta noite, ela garantiria que ficassem sozinhos.
A fome, que sentiam um pelo outro, seria enfim saciada.
Capítulo Vinte e Um

F reddie raspou a poeira das botas e logo entrou na casa. Ele pretendia
alcançar Eve, roubar um pouco de seu tempo, talvez um ou dois beijos.
Todas as vezes em que ele esteve perto de Eve, desde a chegada dela, ele
quis puxá-la com força contra si, e tomar sua boca em um beijo lancinante.
Desapontamento o saudou. Ao chegar no saguão, descobriu que a mãe e
Adelaide o tinham vencido quanto a Eve. Estavam fazendo planos para
levá-la até a aldeia e mostrar a igreja dali, da era normanda.
Ao saudá-las com educação e despedir-se, ele rezou para que elas não
encontrassem o pastor de ovelhas no caminho. A mãe o esfolaria se
soubesse que ele correu pelo campo perturbando os locais.
Em seu quarto, ele sentou-se à escrivaninha para redigir um bilhete para
Lorde Godwin. Ele logo seria membro do Conselho dos Bacharéis, mas
sentia-se na obrigação de compartilhar a boa sorte financeira com o amigo.
Sendo o quinto filho do Duque de Mewburton, pouco dinheiro agraciaria
Godwin durante a vida.
Como Godwin não era o tipo de jovem certo para o exército, nem
demonstrava o menor interesse em assumir uma posição na igreja, ele
estaria entre as primeiras pessoas que Freddie ajudaria quando conquistasse
a própria fortuna.
Ele terminou a carta para Godwin e olhou para a data que escreveu no
topo. Era o terceiro dia desde a chegada dele, hora de ver o que Osmont
definira como desafio final.
Ele estava seguindo o fluxo agora. Sem mais ninguém no jogo, o
desafio só poderia ser uma formalidade.
Ele pegou a carta guardada no baú de viagem e a encarou.
— É melhor não ser ter que cavalgar nu pela aldeia. — ele murmurou.
Ele a abriu. Leu as instruções por alto e franziu a testa. Em seguida, ele
as leu de novo. Devagar. Palavra por palavra.
Ele recostou-se na cadeira e encarou a página.

Ao Honorável Sr. Frederick Rosemount,


O desafio final para garantir seu lugar no Conselho dos Bacharéis é
conquistar o coração de uma mulher e, em seguida, esmagá-lo sem
piedade. Somente um homem capaz de tal ato é merecedor das chaves do
reino. Os covardes escolhem o amor em detrimento a poder e riqueza.
O senhor tem uma semana para concluir este último desafio e se
reportar a mim em Londres.
Seu futuro o aguarda.
Osmond Firebrace

Freddie afundou a cabeça nas mãos. Seu mundo virou de cabeça para baixo
com essa punhalada.
— Merda.
Vencer o desafio custaria o coração de Eve.
Ele sentiu a cabeça rodar e por um segundo, acreditou que desmaiaria.
Seus dedos mexiam no laço dado em seu lenço de pescoço que, de repente,
pareceu demasiado apertado. Levantou-se da cadeira e começou a andar
pelo quarto. Marcas sujas no tapete logo apareceram, mostrando o rastro de
suas botas enquanto ele caminhava de um lado para o outro.
Se a carta fosse de outra pessoa, ele a teria contestado. Teria se
oferecido para cumprir qualquer outro desafio. Contudo, ele sabia que
Osmont Firebrace não era um homem com quem se negociava. Não se
tratava de Royal Ascot, uma discussão em torno do peso de um jóquei.
Corridas de cavalos e jogos de azar eram jogos infantis. O Conselho dos
Bacharéis era para homens que sabiam o que queriam na vida.
Ser membro do Conselho garantiria a ele e seus herdeiros uma vida de
riqueza e poder. Havia homens o esperando para lhe entregar os meios de
fazer fortuna própria. As portas que se abriram, ele nem sabia que existiam.
Jogar fora a chance de garantir tal vida seria uma loucura.
Ele fechou os olhos. Cenas de Eve dominaram sua mente. O sorriso
dela. Aqueles lábios exuberantes e macios, mas que, quando ele a beijava,
detinham um poder sobre ele mais forte do que qualquer outro. Ele disse
que a amava. Embora ela não tivesse dito essas mesmas palavras, ele
acreditava que ela o amava sim.
Ele seria um tolo, não um covarde, se desistisse dela. Tratá-la com tanta
crueldade. Não importa a escolha que fizesse, sairia perdendo.
Ele pegou a carta e a encarou. Osmont dera uma semana. Ainda lhe
restava tempo.
Dobrou a carta e a deixou na mesa. Não conseguiria ficar no quarto o
dia todo e ponderar as escolhas dispostas diante dele, o enlouqueceria.
Puxou o restante do nó do lenço e o retirou do pescoço. Após jogá-lo no
encosto da cadeira, ele tirou a jaqueta.
O único lugar em que sua mente decerto ficaria ocupada, eram os
estábulos. Limpar as baias era um castigo na infância, porém hoje era
exatamente o que ele precisava. O cheiro dos cavalos, feno e estrume lhe
dariam ao menos algumas horas de sanidade.
Tempo para tomar uma decisão.
Capítulo Vinte e Dois

A ida à vila de Thorney pela manhã foi agradável. Eve sentou-se em


silêncio na carruagem enquanto a mãe e Lady Rosemount discutiam menus
adequados para um café da manhã de casamento. Lady Rosemount apostava
em uma grande variedade de carnes assadas, e Adelaide pressionava com
gentileza por hors d'oeuvre deliciosos, como os que Will e Hattie serviram
aos convidados em seu casamento.
Eve franziu a testa enquanto a conversa continuava. Freddie ainda não a
pedira em casamento. No entanto, era encorajado que todos considerassem
a ideia como um acordo selado. Pelo olhar faminto de Freddie quando ele a
avistou na Abadia Rosemount pouco antes, Eve sentia não ser necessário
muito para encorajá-lo a propor.
Quando enfim retornaram à abadia, era fim de tarde. Eve estava ansiosa
para entrar e caçar Freddie. Outro jantar semiformal havia sido combinado
pelas duas mães para a noite e se ela jogasse bem suas cartas, poderia ser
uma noite de champanhe e brindes ao casal recém-noivo.
— Por acaso, viu Mestre Frederick? — ela perguntou a um dos criados
da casa.
— Sim, Senhorita Saunders. Acredito que ele esteja trabalhando nos
estábulos. Esteve lá a maior parte do dia limpando as baias. — ele
respondeu.
Freddie nunca pareceu ser alguém que trabalharia nos estábulos, mas se
era onde ele estava, então ela o procuraria lá.
Os Estábulos eram uma longa construção de pedra a certa distância da
casa principal. Lorde Rosemount mantinha um extenso grupo de cavalos
tanto nos estábulos, quanto nos campos próximos. O programa de
procriação dele era bem conhecido em toda a sociedade, e seus cavalos,
apesar de caros, geravam uma longa lista de espera para possíveis
compradores.
O pai dela era dono de diversos cavalos oriundos da Abadia Rosemount,
e ele demandava dos cavalariços esforços à altura de seus investimentos.
Francis vinha trabalhando com afinco para juntar fundos suficientes e
comprar seu próprio cavalo Rosemount.
Eve entrou nos estábulos e logo sentiu a quietude no ar. Os cavalos
estavam todos em suas baias. O único som ali era o estalar leve de feno
sendo mastigado. Não havia cavalariços nem ajudantes de estábulos à vista.
Ela andou por todo o comprimento dos estábulos à procura de Freddie.
Estava prestes a desistir e voltar para a casa em busca dele, quando se
deparou com uma baia vazia.
Sentado no chão, o alvo de sua busca.
— Aí está. Estava começando a pensar que havia voltado para a casa
principal, e eu o perdi de vista. — ela disse.
Freddie olhou para cima e sorriu. Deu batidinhas na palha ao lado dele.
— Venha sentar-se comigo. A equipe daqui terminou por hoje. A palha
está limpa e seca. Eu estava apenas descansando, antes de voltar para casa.
Vou precisar de um banho após os esforços desta tarde. — ele disse.
Eve acomodou-se feliz ao lado dele.
— Senti saudades. Pensei que quando mamãe e eu viéssemos para o
interior, você e eu teríamos tempo juntos, porém, na verdade é mais difícil
vê-lo aqui do que quando estamos em Londres.
Ele assentiu.
— Entendo o que diz. Eu ia roubá-la esta manhã, arrastá-la para um
cômodo vazio e beijá-la com vontade, mas minha mãe e Adelaide chegaram
primeiro. Esta visita foi, no mínimo, frustrante.
Ela se inclinou para perto e plantou um beijo suave na bochecha dele.
Quando começou a se afastar, ele a segurou pela cabeça e a puxou de volta
para ele.
— Todos os funcionários dos Estábulos terminaram pelo dia e voltaram
para suas casas. Você e eu somos os únicos aqui. — ele disse
Quando seus lábios se encontraram pela segunda vez, Freddie não lhe
deu escapatória. Ele tomou aquela boca com um beijo que a fez rezar para
nunca acabar As línguas dos dois se entrelaçaram em uma dança sensual.
Ela gemeu, sabendo que o deixaria duro.
— Eve. — ele murmurou.
Ela estava esperando por essa oportunidade. De mostrar a ele que a
ideia de levar as coisas à conclusão lógica era séria.
— Não saio daqui enquanto você e eu não nos deitarmos juntos. O
anúncio do nosso noivado passaria a ser uma mera formalidade. Minha mãe
poderia mandar uma missiva para minha família pela diligência postal da
manhã. Já escrevi um bilhete para a Caroline, só preciso datar e lacrar. —
disse Eve.
Com suas intenções esclarecidas, Eve colocou suas ideias em prática. A
mão dela deslizou para baixo e repousou na virilha dele. Ela sentiu-se
exaltada ao perceber como a masculinidade dele havia ficado dura. Ela deu
um leve aperto e foi recompensada quando Freddie aprofundou o beijo.
Os botões nas calças dele foram uma tarefa fácil para seus dedos ágeis.
Com a carcela aberta, ela deslizou uma das mãos para dentro e o segurou.
Começou a acariciá-lo devagar.
— Meu Deus, Eve, você sabe como provocar um homem. — ele disse
com dentes rangendo.
Eve colocou-se de joelhos e inclinou-se diante dele. Ela ouvira
conversas suficientes entre as amigas casadas para saber o básico de como
agradar um homem com a boca. Ela só esperava ter tido uma compreensão
boa o suficiente.
— Diga-me se estou fazendo errado. — ela disse.
— Apenas se curve e tome a ponta na boca. Em seguida, pegue o
máximo que puder e deslize-o para dentro e para fora. Lembre-se de não
usar os dentes. — ele instruiu.
Com o pau dele na boca, ela fez movimentos longos e lentos. O sabor
salgado da essência dele permeou a língua dela.
Freddie relaxou as costas, e os dedos dele mergulharam nos cabelos
dela, que continuava a agradá-lo. A tensão na respiração dele foi todo o
incentivo que ela precisava. Pelos suspiros e gemidos suaves, ela soube
quando o ritmo estava certo.
Ela teria continuado até a conclusão inevitável, mas Freddie sussurrou:
— Pare.
Erguendo a cabeça, ela viu a névoa da paixão nos olhos dele. O rosto
dele estava ruborizado. Ele a puxou e tomou os lábios dela mais uma vez.
Agora era a vez de ele brincar com cadarços e botões. Os seios de Eve
logo foram liberados dos confins de vestido e chemise. O ar frio do início
da noite deixou-a com mamilos duros.
Ela choramingou quando Freddie os pegou entre as pontas dos dedos e
lhes deu uma leve torção. Ele baixou a cabeça e tomou o mamilo do seio
direito com a boca. Mamou. Foi gentil no início, mas logo foi mais forte. A
mão dele deslizou pelas saias dela, e ela abriu mais as pernas, quando ele
deslizou o polegar para seu calor.
— Ó, Freddie. É tão bom. — ela sussurrou.
Enquanto ele acariciava a passagem molhada, ela estendeu a mão e
segurou o membro rígido dele pela segunda vez. O ar na baia esquentou. Os
únicos sons nos estábulos eram os gemidos suaves dos dois amantes e um
ocasional barulho de um rabo de cavalo.
Eve rolou de costas e levantou as saias. Sua feminilidade estava toda
exposta ao olhar dele. Ela era dele para ser reivindicada.
— Eve. — ele sussurrou.
Ele sentou-se de cócoras e, pela primeira vez desde que se conheceram,
ela sentiu que ele estava hesitante em estar com ela. Ela assentiu. Era um
grande passo. Após tomá-la, não haveria mais volta. Eles ficariam para
sempre ligados.
— Está tudo bem. Estou pronta. — ela disse.
Um olhar passou pelo rosto dele, um que a fez retesar. Ele não estava
com certeza? Ela prendeu a respiração, só a soltando quando ele enfim
assentiu. Finalmente, eles seriam um.
Ele puxou as calças para baixo, liberando a ereção. Eve lambeu os
lábios. Todo o corpo dela latejava por ele.
Ele subiu nela e a beijou mais uma vez. Ela colocou o coração e a alma
no beijo. Era agora. A virgindade dela estava prestes a se tornar o prêmio
dele, mas a vitória seria dela.
Ela tentou pegar na masculinidade dele mais uma vez, mas Freddie
afastou a mão dela, o que ela não entendeu. Ele se afastou dela e deixou a
cabeça cair.
Os rostos dos dois estavam próximos. Ela procurou o olhar dele,
desesperada por respostas.
— Estou pronta. Faça-me sua. — ela insistiu.
Ele fechou os olhos e ficou imóvel acima dela. A respiração dele
começou a desacelerar.
— Não posso fazer isso.
Um punhal frio de decepção perfurou seu coração. Ela fez o que pôde
para afastar a dor. Apesar de todo o comportamento imprudente em
Londres, quando enfim deveriam estar fazendo amor, Freddie decidiu ser
um cavalheiro.
— Está tudo bem. Eu quero entregar-me agora. Não quero esperar até o
casamento. — ela explicou.
Ele rolou de cima dela. Ela assistiu em um silêncio atordoado quando
ele se levantou e começou a abotoar as calças. Ele ofereceu a mão, mas Eve
a recusou.
— Está mesmo dizendo que será tão puritano a ponto de esperar até o
dia do nosso casamento para tirar minha virgindade? — a raiva da rejeição
envolvia cada palavra.
Ele soltou o ar das bochechas.
— Não vai ter casamento. Eu não quero você. O jogo foi divertido
enquanto durou, mas nunca disse que me casaria com você. Só pôs os olhos
em mim para irritar sua irmã. Não me ama de verdade.
Ele não encontrava o olhar dela e desviou a cabeça quando Eve
começou a chorar.
— Deve se vestir o mais rápido possível e voltar para a casa. — ele
disse
E com isso ele foi embora, deixando Eve ainda em estado de nudez na
pilha de palha. Ela fechou os olhos, enquanto o mundo desmoronava ao seu
redor.
Capítulo Vinte e Três

F reddie acordou com o pescoço duro. Ele estava deitado sob uma árvore
na floresta que cercava a propriedade de Rosemount. Há quanto tempo ele
estava lá, ele não podia ter certeza. Como a cabeça dele protestou com fúria
em sua primeira tentativa de se sentar, devem ter se passado várias horas.
Após deixar Eve sozinha e rejeitada nos estábulos, ele voltou para a
casa e se apoderou de uma garrafa fechada do melhor uísque do pai. Com
um casaco e a garrafa de uísque na mão, ele partiu pela noite com a única
intenção de beber até esquecer-se de tudo.
À luz do amanhecer, a ressaca do tamanho de um elefante abateu-se
com força sobre ele. Ele arrastou-se até ficar de pé, espanando as folhas do
casaco. O resto das roupas estava úmida do orvalho da madrugada.
— Hora de encarar a música. — ele murmurou.
Ele teria que passar o resto do tempo em que Eve e a mãe
permanecessem na abadia tentando evitá-las. Enquanto caminhava de volta
pelos campos, com a garrafa de uísque vazia na mão, ele rezou para que a
visita fosse interrompida. A ideia de rever o rosto de Eve mais uma vez o
encheu de pavor.
— Não sou covarde, fiz o que precisava fazer. — ele murmurou. As
palavras da carta de Osmont Firebrace eram sua única fonte de conforto.
Ao virar a esquina da casa, ele deparou-se com os pais, Thomas e
Cecily parados na frente. Todos se viraram para ele.
Cecily e Thomas trocaram algumas palavras, e ela entrou na casa. Lady
Rosemount logo a seguiu. O olhar que a mãe lhe deu ao passar por ele teria
congelado o mar.
— Bom dia. — ele disse. O ar indiferente com que tentou proferir as
palavras falhou.
Thomas marchou até ele e fixou-o com um olhar furioso.
— Então, a raposa enfim decidiu sair do buraco. Você é uma vergonha.
— ele disse.
Freddie não respondeu, sem saber quantos dos acontecimentos da noite
passada Eve contou. Ele estava certo de que ela não teria mencionado as
atividades sexuais ocorridas nos estábulos, mas sabia que muito menos seria
o suficiente para fazer o pai dele obrigá-lo a se casar com ela.
— O que ela disse? — ele perguntou. O estômago revolto não ajudava
nessa situação. Se ele não tivesse encontrado a família, ele estaria
devolvendo os restos do uísque ainda em seu estômago em um arbusto
próximo.
— Eve não disse nada. Ela voltou direto para o quarto ontem à noite, e
pouco tempo mais tarde, Adelaide Saunders falou com Mama, disse que
partiriam à primeira luz. A única certeza que temos é que a insultou. —
Thomas respondeu.
— Como teve a coragem de fazer isso? É óbvio que deu todos os sinais
de que pretendia propor casamento à moça, e no fim, mostra-se um covarde.
Parece-me que você não tem senso de honra ou decência em seu corpo. Que
tipo de filho eu criei? Essa é minha única pergunta a você. — Lorde
Rosemount exclamou.
A mente confusa de Freddie ouviu a raiva, e manteve um semblante
contrito necessário. No entanto, por dentro a mente estava ardendo de
ambição.
Eve e Adelaide Saunders se foram. Ele não precisaria enfrentá-las. Era
uma reviravolta inesperada para o bem. Um dia ou mais com a família
zangada com ele acertaria as coisas. Ele pediria desculpas aos pais,
explicaria não estar pronto para o compromisso que um casamento
demanda e, em seguida, voltaria para Londres com toda a pressa para
garantir seu lugar no Conselho dos Bacharéis.
Assim que ele se estabelecesse entre os membros ricos e poderosos do
conselho, a família dele entenderia. Aceitariam a ideia de que ele precisou
fazer sacrifícios para ter sucesso. Era apenas lamentável que o coração de
Eve fosse um deles.
Para ele, a coisa honrosa foi feita ao não a arruinar, e com o tempo ela o
agradeceria.
Thomas limpou a garganta, o som alto e claro, despertando Freddie de
seus sonhos de grandeza.
— Eve Saunders era uma adorável lufada de ar fresco. Ela é inteligente,
bem-educada e teria sido a esposa perfeita para você. Mas não, você
precisava bagunçar tudo. Estou dizendo, se nosso pai não estivesse aqui, eu
o derrubaria no chão. — Thomas disse.
Lorde Rosemount fungou com evidente desgosto.
— Não deixe que isso o impeça. Preciso de todo o meu autocontrole
para não dar o primeiro soco. Frederick, você causou desgosto àquela pobre
menina e envergonhou sua família. Sua mãe está revoltada e enojada com
você.
Thomas e Lorde Rosemount voltaram para a casa, deixando Freddie
sozinho, palavras de repreensão soando nos ouvidos.
No meio da tarde, a situação tornara-se intolerável. Cada mulher da
família que ele encontrava sempre estava com lágrimas no rosto, e todos os
homens o cumprimentavam com silêncio sepulcral.
O pensamento fugidio de ter tratado Eve de maneira terrível despertou
em seu cérebro. Por mais que tentasse afastar o pensamento, ele se recusava
a ceder e, no final da tarde, já havia se enraizado. Ele consolou a culpa
crescente com o fato inegável de que o estrago estava feito. Não havia nada
que ele pudesse fazer para ajudar o coração partido de Eve. Ela estava
voltando para Londres, as palavras sem coração dele ainda ressoariam em
seus ouvidos.
Ele puxou a carta de Osmont Firebrace mais uma vez e a leu. Ele se
propôs a cumprir o desafio final e conseguiu. A vitória, no entanto, foi fria e
oca. Ele só podia rezar para que, em anos vindouros, o poder e as riquezas
entorpecessem a dor de destruir o coração de uma jovem.
— Precisava ser feito.
Ele flertou com a ideia de drenar outra garrafa de uísque do pai, ou até
mesmo passar para o conhaque. A garganta ressequida e os lábios secos o
convenceram do contrário. Seu corpo não lhe agradeceria se precisasse
passar mais uma noite no chão áspero da floresta fria e úmida.
Enfim decidindo que estava perdendo tempo ficando em casa, ele pediu
ao chefe dos Estábulos para levá-lo para Peterborough. Ele fez uma
pequena mala de viagem e deixou um bilhete de despedida na mesa da sala
de jantar para os pais. Em seguida, ele se despediu da Abadia Rosemount e,
ao chegar em Peterborough, pegou a diligência de volta a Londres.
A carruagem estava com metade de sua capacidade, o que lhe permitiu
acomodar-se em um canto e ficar confortável. O cansaço e os restos da
ressaca logo o alcançaram, e ele adormeceu.
O sono não lhe trouxe descanso ou conforto, e os sonhos foram cheios
de lágrimas e nuvens negras. A lembrança constante do olhar de desespero
em Eve, enquanto ele se afastava dela, era frequentadora assídua de seus
pesadelos.
Conquistar um lugar no Conselho dos Bacharéis teve um preço terrível.
Capítulo Vinte e Quatro

E ve conseguiu se segurar nas primeiras horas. Após Freddie a rejeitar, ela


se vestiu devagar e ajeitou um pouco os cabelos. Em seguida, ela vagou
pelos jardins da Abadia Rosemount em silêncio atordoado por cerca de uma
hora antes de, enfim, voltar para a casa principal.
Ela declinou o convite para jantar com a Família Rosemount naquela
noite, alegando uma forte dor de cabeça.
Apenas quando já estava deitada na cama que as lágrimas por fim
vieram. Nada em sua vida havia chegado perto dos soluços profundos que a
dominaram por horas.
A mãe dela veio e sentou-se ao seu lado. Não precisava perguntar o que
estava errado. Adelaide falou com Lady Rosemount já bem tarde e ficou
acordado que ela e Eve deveriam partir para Londres na manhã seguinte.
Foi com o coração pesado que Eve subiu na carruagem. A Família
Rosemount, exceto o ainda desaparecido Freddie, reunira-se à frente da
fachada de pedras, no pátio. Um suave agradecimento e adeus foi o melhor
que Eve conseguiu em seu estado atual.
Após atravessarem Peterborough, eles entraram na Estrada Great North,
virando para o sul em direção a Londres. Adelaide sugeriu que
pernoitassem em uma das estalagens no caminho, mas Eve pediu que
apenas trocassem de cavalo e continuassem.
Ela dormiu um pouco na carruagem, mas recusou todas as ofertas de
comida. A mente havia virado um turbilhão constante de perguntas e
hipóteses. Todos os seus planos haviam sido destroçados em mil pedaços. O
Freddie que ela pensava conhecer decerto não era o homem que disse que
não a queria.
O interior da carruagem começou a parecer cada vez mais quente e
apertado. As palmas das mãos dela estavam suadas e a respiração laboriosa.
Por dentro, ela gritava.
— Mamãe, por favor, pare a carruagem. Preciso sair. — ela suplicou.
Adelaide levantou-se de imediato e bateu no teto do veículo, logo
abaixo de onde o cocheiro estava sentado. A carruagem diminuiu a
velocidade e parou na margem da estrada.
Eve abriu a porta depressa e, juntando as saias, pulou para o chão. Ela
foi até uma área descampada nas proximidades.
Ela deu alguns passos em corrida, mas logo descobriu não ter energia
para fazê-lo e, em vez disso, caminhou devagar pelo campo com a cabeça
abaixada e os ombros caídos, indo cada vez mais longe da carruagem.
Quando ela enfim parou e se virou, viu estar muito longe da estrada.
Afundando-se de joelhos, ela puxou o ar com força, antes de soltar um
ruidoso uivo, o retrato de seu coração despedaçado e desesperado.
Ninguém jamais contou a ela que um coração partido vinha com dor
física. Ela se abraçou e tentou abafar a dor em seu coração. Onda após onda
de desesperança a dominou.
Uma mão gentil acariciou-a nos cabelos.
— Sei que dói como o diabo agora, e acredite, tudo o que pode fazer é
gritar. Deixe que toda a raiva e dor saiam de você. — Adelaide disse. Ela se
ajoelhou na frente de Eve e, naquele instante, Eve ficou muito grata por ter
uma mãe tão forte e solidária.
— Não sei como lidar com isso, mamãe. Parece que meu coração vai
explodir.
— Precisa lidar com a mágoa, não se pode evitar. Sei que tudo o que
consegue ver agora é a escuridão disso, mas há luz no fim do túnel. O
tempo é a única coisa com que você pode contar para ajudar a se curar. Não
hoje, talvez não por algum tempo, mas seu coração vai se curar. —
respondeu Adelaide.
Eve puxou os joelhos para o peito e apoiou-se neles. Olhando para o
longo campo de grama verde, ela deixou a mente discursar sua verdade.
Uma verdade que ela se recusava a aceitar, desde o dia em que decidiu se
casar com Freddie.
Não foi apenas a dor de um coração partido que a incomodava. Ela foi
teimosa e imprudente ao correr atrás dele. As palavras dele, embora a
tivessem cortado como uma faca, estavam plenas de verdade. O despeito
contra Caroline foi o que incitou a persegui-lo no princípio. No entanto,
isso foi há muito tempo. Ela o amava de todo o coração, e ele o despedaçou.
— Sairá dessa situação como uma mulher mais forte, Eve. A mulher
que se tornar terá sido forjada no fogo do desgosto. Seu futuro amor está lá
fora. Dê-se tempo, mas nunca abandone a esperança do amor.
— A culpa é minha. — Eve respondeu, sem conseguir olhar para a mãe.
— Não pode se culpar. Lady Rosemount me disse que Freddie
acreditava que você seria uma esposa adequada. Se ele não pensasse assim,
ela não teria nos convidado para essa visita. É simples, ele é um jovem que
ainda não está pronto para o casamento. Ainda bem que os dois
descobriram a verdade agora. — Adelaide respondeu.
As palavras da mãe teriam trazido conforto se fosse uma simples
questão de duas pessoas não estarem prontas para se casar. Eve sabia que a
situação era mais complicada.
— Eu o pressionei e quando ele percebeu que precisaria pedir minha
mão em casamento, fez a única coisa que pôde e fugiu. A dor da rejeição
dói, mas a maior dor é a sensação de humilhação total. Saí de Londres
dizendo a todos que eu estaria noiva quando voltasse. Freddie me disse que
só fui atrás dele para afrontar Caroline, e tenho vergonha de dizer que há
muita verdade nessas palavras.
Ela ouviu o leve arfar da mãe. Ela estendeu a mão e ergueu o queixo de
Eve, que encontrou o olhar amoroso de Adelaide.
— Não é a primeira menina a ter um desejo desesperado de se casar. E
se Lady Rosemount e eu não tivéssemos acreditado que vocês dois
mereciam uma tentativa, nunca teríamos organizado essa visita. Acredito
que descobrirá, com o tempo, que Freddie perceberá que poderia ter lidado
melhor com as coisas. Quanto a você e Caroline, nunca consegui entender
como deixaram de ser as melhores amigas do mundo todo para se tornarem
rivais absolutas. Costumavam ser tão próximas.
Eve não respondeu. Sua mente ainda estava tentando chegar a um
acordo com a verdade. Ciúme era uma palavra feia, e endurecera seu
coração em relação à irmã.
Eve e a mãe continuaram sentadas no campo por mais um tempo, só
retornando à carruagem quando o condutor veio comentar que não
chegariam à próxima pousada relevante, antes do anoitecer, se não saíssem
logo.
Quando Eve se acomodou nos assentos de couro macio do veículo, ela
sentiu o humor começando a mudar. Ir para casa, e dormir na própria cama,
sem dúvidas, a ajudaria. Ela abriu um livro e começou a ler. Quando
chegaram aos arredores de Londres, já era noite, e ela estava adormecendo.
Ao ir perdendo a consciência, sentiu o conforto de um cobertor quente
sendo colocado ao seu redor. A mãe sussurrou:
— Durma, minha menina. Encontre sua paz interior e, com o tempo,
quando estiver pronta, encontrará seu príncipe.
Capítulo Vinte e Cinco

Q uando Eve e a mãe chegaram em casa, Eve foi para o quarto sem
cumprimentar nenhum membro da família Saunders. Ela não conseguiria
enfrentá-los. Em especial, Caroline.
Uma criada trouxe um prato com a ceia. Estava acompanhada de
Adelaide. Após a criada deixar o prato e sair do quarto, Adelaide veio
sentar-se ao lado de Eve.
— Contei os pormenores do que aconteceu para seu pai. Dizer que ele
está furioso seria um eufemismo grosseiro. Seu pai estava preparado para
ignorar algumas de suas tolices porque estava claro que amava o rapaz, mas
após esta noite, digo que Freddie tem sorte de não estar em um raio de
cento e sessenta quilômetros daqui esta noite. — ela disse.
Eve pegou um pequeno sanduíche de queijo e deu uma mordida. Apesar
de todo o jantar fino na Abadia Rosemount, era bom estar em casa, de volta
aos pratos mais simples. Enquanto ela se sentava e mastigava, a mãe
segurou em sua mão com suavidade.
— O que disse para Caroline e Francis? — Eve perguntou.
— Nada.
Ter pais inteligentes e atenciosos era um presente inestimável. Embora
Adelaide e Charles Saunders estivessem lívidos com a mágoa ultrajante
infligida ao coração da filha, nenhum deles faria estardalhaço em público.
Os eventos da Abadia Rosemount aconteceram longe de Londres. Era
improvável que alguém fora da Família Rosemount soubesse o que houve
para obrigar as mulheres Saunders a deixarem a abadia tão sem aviso.
Lorde e Lady Rosemount eram pessoas respeitáveis e decentes, Eve sabia
estarem chocados e revoltados com as ações de Freddie, ou com o que
sabiam delas.
— Pode querer falar com Caroline pela manhã, em seguida, seu pai e eu
decidiremos o que diremos a Francis. Seu pai, sem dúvidas, falará com
Will.
As conversas com os irmãos seriam, para Eve, as tarefas mais fáceis. O
que ela diria a Caroline era muito mais difícil. Ao confiar na irmã, ela
precisaria enfim dar voz a alguns de seus demônios internos.

Eve dormiu até tarde na manhã seguinte. A viagem de carruagem para casa
havia sido longa e desconfortável. Ela acordou com uma batida suave na
porta do quarto. Ao abrir um olho, avistou o rosto de Caroline na porta.
— Está acordada? — Caroline perguntou.
Eve sentou-se na cama e arrumou os cobertores em torno de si. Acenou
para que a irmã entrasse.
Caroline fechou a porta com cuidado após entrar e atravessou o quarto
devagar, em direção à cama. Sentou-se na beirada na cama de dossel, com
as costas apoiadas em um dos postes.
— Então, como foi a viagem? — ela perguntou. Estava torcendo as
mãos devagar, e não encontrava o olhar de Eve. O desconforto era evidente.
Eve respirou fundo e, em seguida, soltou o ar devagar.
— Foi um desastre total. Ele me rejeitou. — ela respondeu. Enfrentar a
verdade fria e dura era o único jeito de superar o desgosto. Parte dessa
verdade fria e dura também era aceitar ter sido uma participante voluntária
da própria queda.
Caroline enxugou uma lágrima.
— Oh, Eve, eu suspeitava que algo terrível teria acontecido quando
você e mamãe chegaram ontem à noite. Eu as ouvi chegando e esperei que
viesse correndo, cheia de felicidade, pronta para me mostrar um anel de
noivado. Quando a ouvi vir direto para o quarto e fechar a porta, eu soube.
Soube que aquele rapaz besta havia partido seu coração. — ela desceu da
cama e se aproximou de Eve. Ela se inclinou e deu um beijo suave no rosto
da irmã. — Ele não merece você. Nunca mereceu.
— Ele não foi o único culpado pelo que aconteceu. — Eve respondeu.
Embora Freddie agora fosse algo do passado, ainda havia assuntos a
resolver, antes de ter clareza para o futuro.
— Como assim? Se Freddie se comportou de forma pouco
cavalheiresca com você, não consigo ver como seria culpa sua.
Freddie pode muito bem ter sido o responsável por destruir todas as
suas esperanças e sonhos, mas ela foi a arquiteta da própria destruição. Ela
havia ignorado todos, e as dicas não tão sutis acerca dele. Ela foi uma
participante voluntária nos jogos tolos e ficou de braços cruzados, enquanto
ele insultava a família e amigos dela. Afora, ela estava pagando o preço por
um comportamento imprudente e por ter entregado o coração.
— Eu estava com muita pressa para subir ao altar. Concluí que Freddie
era a mistura perfeita de libertinagem, cérebro e dinheiro, além de ter um
corpo masculino celestial. Eu me apaixonei por ele. O que não consegui ver
foi que ele estava jogando o tempo todo. Que eu não fazia parte da caça, eu
era a presa.
Caroline caiu na cama ao lado de Eve e estudou a irmã por um instante.
Eve conhecia Caroline muito bem. Aquela beleza escondia uma mente
inteligente. Pouco passava batido por Caroline.
— Por que estava com tanta pressa de se casar? Se bem me lembro,
você estava dizendo que Lucy e Avery eram um conto de advertência para
todas as moças. Que nenhuma de nós deveria agir com pressa em relação ao
casamento.
Eve suspirou. Havia chegado a hora de ter a conversa mais difícil da
vida dela. Uma conversa onde precisaria desnudar muitos de seus segredos
mais profundos.
— A princípio, pus o olho em Freddie porque queria vencê-la na corrida
ao altar. Eu estava desesperada para ficar noiva antes de você. Ter meu
momento ao sol.
Caroline parou por um instante, encarando Eve.
— Mas, por quê?
Eve fechou os olhos quando novas lágrimas começaram a cair.
— Porque você é tão bonita, e é sempre com quem os jovens
cavalheiros querem conversar e dançar em festas. Houve tantas vezes que
estivemos em um grupo de pessoas, e enquanto você era o centro das
atenções, brilhante e iluminada, eu era invisível para todos. Freddie foi o
primeiro a me dar atenção. Fui tomada por uma felicidade amarga quando,
em vez de cair aos seus pés, ele a tratou com um desdém tão horrível. — ela
colocou o rosto nas mãos e começou a soluçar. A vergonha de enfim
reconhecer ter passado grande parte da vida com ciúme amargo da própria
irmã mais nova ameaçava dominá-la.
Caroline não foi nada senão uma irmã amorosa e solidária. Foi a rocha
de Eve tantas vezes, mas o tempo todo, ela foi a fonte de muita dor na vida
da irmã.
— Foi por isso que se jogou em Freddie Rosemount, por despeito a
mim? Ora, Eve, como pôde fazer isso consigo mesma? Não posso acreditar
que me odeia tanto a ponto de jogar sua vida fora, na esperança de me
deixar infeliz.
Não havia palavras para descrever o tamanho da dor de Eve. Ela pegou
um amor fraterno e o distorceu de forma tão não natural.
— Tenho vergonha além das palavras. Sinto ciúmes de você, da minha
própria irmã.
Caroline desceu da cama. Ela foi até os restos de brasa na lareira e
pegou um atiçador. Voltou para Eve e a cutucou de leve com ele.
— Sou boa demais para atacá-la com isso e jogar seu corpo tolo e
ciumento no fogo. Mamãe pode não estar muito satisfeita, mas superará.
Como diz, sou a criança de ouro, sou a única que importa. — Caroline disse
com a voz embargada.
Eve olhou para cima. Caroline ainda estava ao lado da cama, o atiçador
apontado para ela. As palavras pingaram sarcasmo, mas as bochechas da
irmã brilhavam de lágrimas.
— Pensa ser a única nessa família a ter ciúmes dos irmãos? Eu daria
uma libra por dia para poder trabalhar nos negócios do papai, como Francis
faz. Para ter viajado o mundo como Will. Quanto a ser o centro das
atenções, homens não me veem. Veem minhas roupas e minha aparência.
Verdade seja dita, eu estava com ciúmes de você e Freddie. Por mais que eu
considerasse Freddie um tolo, eu estava preparada para aceitar tê-la perdido
para sempre porque ele claramente a fazia feliz. Estava sempre rindo,
conversando em segredo.
O atiçador escorregou de seus dedos e caiu no chão, onde pousou com
um baque. Caroline olhou para o objeto, mas não fez nenhum esforço para
pegá-lo.
Eve enxugou os olhos. Ela lutava por palavras. Sentir ciúmes não era
um monopólio dela. Caroline também sentia a emoção feia.
— Perdoe-me, Caroline. Não fazia ideia da dor que sofreu.
Caroline foi até o guarda-roupa de Eve e puxou um vestido listrado em
azul e branco. Marchou até a cama e o jogou ali. Respirou trêmula.
— Vista-se. Você e eu precisamos sair e ter um dia juntas. No final,
pediremos desculpas uma à outra por todas as coisas horríveis que
dissemos. Em seguida, não falaremos mais das nossas inseguranças
estúpidas e mesquinhas. A partir deste dia, trabalharemos juntas, como
irmãs amorosas, para encontrar a Eve e a Caroline Saunders que merecemos
ser, e homens como Freddie Rosemount podem ir para o inferno. — ela foi
para a porta, mas parou, segurando a maçaneta. — E prometo que, se
Freddie cruzar nossos caminhos de novo, vou esquentar a ponta daquele
maldito atiçador e o apunhalarei em um lugar muito desagradável.
Eve continuou a encarar a porta, mesmo após Caroline ir embora. Tanto
a irmã quanto Cecily Rosemount estavam certas, ela precisava escolher o
tipo de pessoa que se tornaria. Freddie mostrara-lhe a loucura de suas ações.
Era hora de se reerguer e se tornar uma Eve Saunders de quem ela poderia
se orgulhar.
Capítulo Vinte e Seis

A pós chegar a Londres, Freddie decidiu ser prudente passar alguns dias
longe do olhar alheio. Ele ainda teria tempo, antes de estar diante do
Conselho dos Bacharéis. Ele mandou um aviso para Osmont Firebrace,
comunicando o cumprimento do desafio final, em seguida, passou grande
parte de dois dias tentando fazer um estrago considerável na adega de seu
pai.
Afogar-se em álcool significava que seu cérebro só conseguia se
preocupar em respirar, dormir e vomitar. Não houve tempo para considerar
Eve ou a dor que ela deveria estar sentindo naquele instante. Ficar longe da
vista de todos também significava que, se algum Saunders decidisse fazer
uma visita a ele, ele poderia se esconder atrás das portas da Residência
Rosemount.
Na quarta manhã, ele já havia se conformado com a nova vida. A
ressaca dos últimos dias começou a ficar em segundo plano, e ele acordou
sóbrio, pronto para reivindicar seu prêmio.
Sua admissão no Conselho dos Bacharéis garantiria que ele fosse o
primeiro homem da Família Rosemount, desde o primeiro Visconde
Rosemount, a fazer seu nome com os próprios esforços. Ele sentia-se como
Alexandre, o Grande, prestes a conquistar o mundo conhecido. Ele logo
teria um exército atrás dele.
Após um rápido café da manhã, ele levou Santodeus para uma longa
caminhada, antes de se preparar para a visita à Rua Barton. Ao sair de casa,
pegou uma das bengalas do pai.
De pé nos degraus da frente da Residência Rosemount, ele ficou
girando a bengala com uma das mãos. Então, com um toque firme no
degrau de pedra da frente, ele partiu para a Rua Barton, um balanço nos
passos.
A manhã era de sol claro, um frio no ar anunciava neve chegando. Ele
estava muito envolto no calor do triunfo para sentir frio. Ele atravessou o
Parque St. James com passos rápidos, curvando-se e cumprimentando os
transeuntes que encontrava. O olhar de estranheza ocasional de
desconhecidos era recebido com uma risada. Se as pessoas não sabiam
quem ele era agora, em um ano estariam implorando para serem
apresentados.
Chegando à Rua Barton, ele de fato dançou pelos degraus do escritório
e pelo saguão de entrada. Ele bateu na porta do escritório de Osmont
Firebrace com a bengala do pai e ficou de pé, esperando para sua grande
entrada.
A porta se abriu. Osmont Firebrace se curvou quando Freddie entrou.
— Rosemount. Não perdeu tempo. Pensei que poderia ter problemas
com o desafio final, mas está claro que subestimei sua natureza de sangue-
frio. Meus espiões contaram que a garota Saunders chegou em Londres
antes de você. Posso confiar que não foi desafiado para um duelo estúpido
por nenhum membro da família dela?
Freddie aceitou a parabenização velada com boa graça. Com o futuro
quase garantido, ele poderia se dar ao luxo de ignorar a natureza ridícula de
Osmont. Um dia, ele deteria poder e influência suficientes para não precisar
confiar em homens como ele.
— Fiz o que pediu em todos os desafios. Minha ambição já não pode ser
contestada. — ele respondeu.
— Por favor, sente-se. — Osmont disse. Ele pegou uma pequena
campainha e a tocou, em seguida, foi sentar-se à mesa. Quando um criado
abriu a porta, minutos depois, carregava uma garrafa de conhaque e um
copo. Ele os colocou na mesa na frente de Freddie, antes de se curvar e sair.
Freddie ajeitou-se na cadeira e pegou a garrafa.
— Croizet Cognac. Muito bom. Violará sua abstinência de álcool e se
juntará a mim?
Ele esforçou-se para manter um ar desinteressado, mas o coração estava
acelerado. Croizet foi o sommelier de Napoleão. Esse conhaque era
considerado o melhor do mundo. A garrafa em suas mãos valia uma
pequena fortuna.
— Prossiga, abra-o. Vou me divertir vendo-o beber. — Osmont disse.
Freddie abriu a garrafa e serviu-se de um copo. Atrás da mesa, Osmont
sentou-se com um olhar de absoluta autossatisfação no rosto. Freddie era
seu novo protégé.
Freddie bebericou o conhaque. Era suave, a mistura perfeita de frutas
secas e temas cítricos sobrepondo-se. Ele pretendia desenvolver um gosto
por essa bebida fina, e obter os meios de comprá-la.
Osmont levantou-se e estendeu a mão.
— Muito bem. Está quase lá. Há a questão final do pagamento da taxa
anual de participação. Após depositar cem guinéus na conta bancária do
Conselho dos Bacharéis no Banco da Inglaterra, entregarei sua carta de
apresentação.
Freddie terminou a bebida. Sabia que haveria uma última reviravolta.
Os cem guinéus era um problema fácil de resolver. A mesada anual não
cobriria, mas ele foi canhestro com seu dinheiro enquanto estava na
universidade, e suas economias bastariam para cobrir o valor. Ele só
precisaria pedir ao pai para ter acesso ao dinheiro. Assim que Lorde
Rosemount entendesse a necessidade do filho, sem dúvidas, enviaria
instruções para o banco, em no máximo um ou dois dias, e Freddie estaria
bem.
— Claro. Precisarei escrever ao meu pai para ter acesso aos fundos, mas
acredito que terei o dinheiro até ao final da semana. Suponho que não será
um problema? — ele respondeu.
Osmont fez um movimento de dispensa com as mãos ante essas
palavras.
— Tenho certeza de que seu pai compreenderá a natureza imperativa de
sua necessidade. Não é todo dia que um jovem como você se lança em seu
próprio caminho. Ele ficará feliz com a notícia. E caso ainda tenha algum
resquício de culpa quanto a garota Saunders, não se preocupe. O Conselho
dos Bacharéis encontrará uma esposa bem treinada e dócil que seja da
aprovação de seus pais. Uma que cumprirá ordens no quarto e não
questionará de onde vem o seu dinheiro. Vestidos bonitos e bugigangas
cintilantes mantêm as mulheres quietas.
Freddie serviu-se de uma segunda dose. Quando deixou a Rua Barton,
uma hora depois, ele sentiu ser capaz de enfrentar o mundo. Ele voltou para
casa como saiu. A pé. Após dois copos de conhaque francês caro, havia
uma nova cadência a cada passo dado.
Ele venceu todos os desafios e estava prestes a ser admitido no
Conselho dos Bacharéis. Enfim faria sua entrada na sociedade londrina.
Logo, ele conheceria os poderosos e famosos.
Quando uma garota com um manto azul-profundo, semelhante ao que
Eve usava na Abadia Rosemount passou por ele, uma pontada de culpa o
alfinetou o coração. Ele ignorou. Eve Saunders atirou-se nele para
desmerecer a irmã. Deveria estar grata por ele ter tido o bom senso de não a
arruinar. Eles se divertiram jogando juntos, e foi a pedido da mãe dele que
ela e Adelaide Saunders foram visitar a Abadia Rosemount. Com certeza,
ele não era culpado da bagunça que aconteceu.
Ele atribuiu o repentino gosto seco e amargo na boca ao café queimado
que bebeu na Rua Barton antes de sair.
Chegando em casa, na Praça Grosvenor, ele estava planejando a longa
lista das pessoas que convidaria para sua primeira festa em casa. Haveria
uma comemoração longa e pecaminosa para anunciar seu sucesso. Novos
amigos viriam. A vida dele era boa e estava prestes a se tornar magnífica.
Ao chegar à porta da frente, ele ficou surpreso ao ver que um dos
lacaios da Abadia Rosemount a abriu para ele. Freddie franziu a testa. Isso
só poderia significar que alguém da família estava na cidade.
Ele suspirou. A festa precisaria esperar alguns dias. Ao tirar o chapéu e
o casaco, o lacaio o direcionou ao escritório do pai.
— Lorde Rosemount instruiu-o a ir vê-lo assim que chegasse. — ele
disse.
Freddie atravessou o saguão e parou na porta do escritório. O pai não
havia falado de vir para a cidade. Freddie se repreendeu em silêncio, por ter
deixado a abadia sem falar nada com os pais. Um pedido de desculpas
decerto era necessário.
Ele respirou fundo antes de bater. Estava na hora. A mente dele
começou a correr, precisava voltar às boas graças do pai para ter acesso ao
dinheiro. Precisaria agir com muito cuidado.
Ao entrar no escritório do pai, viu que Lorde Rosemount estava
debruçado em uma pilha de papéis na mesa. A primeira centelha de
preocupação surgiu no cérebro de Freddie quando o pai não reconheceu sua
presença.
Freddie parou no meio da sala, as mãos soltas ao lado do corpo, e
esperou.
Por fim, Lorde Rosemount dobrou o último papel e colocou-o no topo
de uma pilha próxima. Pegou uma pequena campainha e a tocou.
Em um minuto, um lacaio entrou. Lorde Rosemount entregou os papéis
ao lacaio que lançou vários olhares para Freddie, enquanto o visconde
falava baixinho. Ao final da breve conversa com Lorde Rosemount, o
criado deixou a sala, levando os papéis com ele. Ao passar por Freddie,
desviou o olhar.
Lorde Rosemount permaneceu à mesa.
— Esses papéis são instruções para todos os meus credores e
comerciantes com quem tenho contas. A última foi para o meu banqueiro.
Isso, é claro, se tiver um mínimo interesse em assuntos das propriedades
Rosemount. Embora, após o que eu tenho a dizer, pode ficar muito
interessado. — ele se levantou e arrumou os itens ali. Em seguida, fechou a
gaveta e a trancou. Freddie fez cara feia quando, em vez de colocar a chave
da mesa no lugar secreto habitual, o pai a colocou no bolso.
Freddie estava prestes a mencionar ao pai que precisaria da chave para
acessar o papel timbrado usado para fazer pedidos nas várias contas da
família, mas o olhar ríspido no rosto do pai o impediu. Ele fez uma nota
mental de falar disso com o pai, após ele terminar de admoestar Freddie por
seu comportamento.
— Antes que pergunte, não foi engano onde guardei a chave. Está na
hora de receber uma dura lição da vida, meu menino. — Lorde Rosemount
explicou.
— Desculpe-me se eu o envergonhei, e à mamãe, devido ao ocorrido
com a garota Saunders. Não me comportei bem e devia ter falado com os
senhores antes de regressar a Londres. Peço-lhe as minhas mais humildes
desculpas. — Freddie respondeu
O pai fechou os olhos, um triste bufo escapou de seus lábios.
— Ah, Frederick. Tão pouco, tão tarde.
Freddie cerrou os dentes enquanto a mandíbula endurecia de medo.
Havia gelo na voz do pai. Lorde Rosemount não era um homem de grandes
demonstrações de raiva. Ele nunca foi de falar muito mais alto do que uma
voz elevada. A raiva silenciosa do pai era mais poderosa do que qualquer
homem que gritasse a plenos pulmões.
— Eu…
O pai balançou a cabeça.
— As cartas que acabaram de deixar esta casa são instruções para
deixar de lhe conceder qualquer forma de crédito. Os comerciantes não
honrarão quaisquer pedidos de bens ou serviços que fizer a partir de hoje.
Estou cortando-o pelo futuro próximo.
Freddie balançou em seus pés enquanto o choque cru tomava conta.
Cortado.
Seu cérebro lutou para registrar as palavras.
— Como… como vou viver? — ele gaguejou.
O pai tirou uma pequena bolsa de dinheiro do bolso da jaqueta e a jogou
na mesa.
— Há dinheiro o bastante aí para você e o cachorro viverem por umas
boas seis semanas se for cuidadoso. E quando me refiro a cuidado, digo que
terá que ponderar cada farthing.
Freddie balançou a cabeça.
— Não pode falar sério. Como os criados vão manter a casa se eu não
tiver fundos?
Quando o pai franziu o cenho diante a menção dos criados, Freddie viu
uma abertura. Ele poderia sobreviver bem o suficiente se reduzisse os
gastos, mas os criados não conseguiriam andar por toda a Londres pagando,
eles mesmos, por coisas para a casa do Visconde Rosemount. Não se fazia
isso.
— Eles não manterão a casa. Aqueles que costumam ficar na Abadia
Rosemount voltarão esta noite. O resto terá licença remunerada pelo resto
do seu banimento de seis semanas. E quando digo banimento, falo sério. Se
as coisas ficarem um pouco difíceis por aqui, não pense em entrar em uma
carruagem e voltar para casa. Você não é bem-vindo na abadia, até eu avisar
que é.
Nenhum criado significava uma casa fria e solitária. A mente de Freddie
voou em mil direções diferentes. Como manteria os cômodos aquecidos?
Quem lavaria a roupa dele? E, mais importante, quem o alimentaria?
O pai caminhou em direção à porta.
— Não ficarei aqui. Fui convidado para jantar com amigos e passarei a
noite com eles. Ah, e não se dê ao trabalho de escrever para sua mãe
esperando simpatia. Ela se recusa a ouvir seu nome mencionado. Na
verdade, foi ideia dela cortá-lo.
— Mas, por quê?
O pai caminhou até onde Freddie estava e colocou a mão firme em seu
ombro.
— Você não é um homem perverso, mas pelos rumores que ouvi aqui
em Londres, você se deixou desviar. O Frederick Rosemount que conheço
nunca teria tratado uma jovem como você tratou Evelyn Saunders. Ele
decerto não traria a vergonha que você trouxe para a nossa família. — a
mão no ombro de Freddie intensificou o aperto. — Não estava lá na manhã
em que Adelaide Saunders e a filha partiram. Nem foi homem o suficiente
de enfrentá-la e ver a dor que infligiu àquela menina. Ela estava com o mais
absoluto coração partido por você. Tenho vergonha de ser seu pai neste
instante. Nenhum filho meu jamais seria tão cruel a ponto de dar esperanças
de amor a uma menina e, em seguida, despedaçá-la com tamanha crueldade.
Contudo, você conseguiu. Só posso esperar que a miséria que está prestes a
passar lhe dê algum tempo para se reencontrar. Neste instante, não o
reconheço, Frederick.
Ele saiu da sala, deixando Freddie em choque. Todos os planos de
comemorar a grande vitória saíram com o pai.
Ele virou-se e deu vários passos em direção à porta. Por um segundo
fugaz de loucura, pensou em alcançar o pai e implorar por misericórdia,
prometer o que fosse preciso para impedir que o pai o deixasse
desamparado.
O eco das últimas palavras do pai o fez parar.
Não o reconheço.
Lágrimas quentes vieram aos olhos dele. A família não se orgulhava
dele e de tudo o que ele conquistara. Em vez disso, sentiam vergonha.
Toda a pompa e bravata que o dominaram nas últimas semanas o
deixaram vazio como um fole em desuso. As palavras do pai fizeram dele
um homem menor.

Freddie ficou no escritório do pai por várias horas, com vergonha de sair e
enfrentar os criados, ocupados arrumando a casa. Foi só quando os sons
pela casa cessaram que ele se aventurou.
Ao sair do escritório do pai, ele logo notou o silêncio sinistro.
— Olá? — ele chamou.
Um silêncio ensurdecedor respondeu. O pai foi fiel à palavra. Todos os
criados foram embora.
— Droga. — ele murmurou.
Uma dispersão de garras no piso de azulejos sinalizou a chegada de
Santodeus. O cachorro se aproximou de Freddie e aceitou, com animação, o
vigoroso carinho atrás da orelha dado pelo mestre.
— Ao menos alguém ainda está de bom humor. — ele disse.
O cão inclinou a cabeça de lado e olhou para Freddie. Seus olhares se
encontraram, e o cachorro choramingou. Freddie bufou. Às vezes, ele podia
jurar que o cachorro era dotado de mais inteligência do que lhe davam
crédito.
— Sinto muito, garoto. Não foi sua culpa acabarmos nessa confusão.
E que confusão era. Com os criados longe, havia o problema imediato e
urgente de descobrir se alguma comida havia sido deixada.
Sendo seguido de perto por Santodeus, Freddie se aventurou até a
cozinha da casa. Ele teve uma agradável surpresa ao encontrar um pão
fresco, uma pequena roda de queijo Stilton e algumas cenouras nas
prateleiras da despensa. No alto da prateleira de carne, encontrou um osso
suculento, que logo puxou e entregou ao cachorro.
Santodeus pegou o osso e foi até a cama dele no canto, onde passou a
dar toda a atenção ao presente. Pelo menos, o cachorro estava feliz por ora.
Na despensa, Freddie localizou algumas garrafas de vinho. O álcool não
seria um problema nessa casa, já que Thomas o ensinou a destravar a
fechadura da porta da adega do pai quando ainda eram jovens. O pai
poderia cortar Freddie por vários anos que a extensa oferta de vinho
perduraria. O queijo e o pão bastariam pelo resto do dia, contudo, ele não
fazia ideia do que faria a seguir.
— O dinheiro! — ele voltou correndo para o andar de cima, para o
escritório do pai. Ele pegou o pequeno saco de moedas e o segurou com
uma das mãos.
— Por favor, por favor, que contenha o suficiente para eu jantar fora
todos os dias. — ele murmurou.
Abrindo a bolsa, ele despejou o conteúdo na mesa. Em seguida, caiu na
cadeira e olhou para a pequena quantidade.
Ele pegou a bolsa de novo, e enfiou a mão lá dentro, na esperança de
encontrar pelo menos uma nota de uma libra. A bolsa, no entanto, estava
vazia.
Com calma, ele dividiu as moedas em pilhas, enquanto a sensação de
enjoo continuava a fazer o estômago girar e girar. Algumas das moedas
eram de tão pouco valor que ele não se lembrava de já ter pegado em uma
delas antes. O que diabos ele faria com um punhado de farthings? As pilhas
de farthings, groats e sixpence 1 equivaliam a menos do que Freddie
costumava gastar, por dia, em tortas e outros lanches na universidade. Ele
precisaria calcular seus gastos com muito cuidado nas próximas semanas, e
rezar para que os pais mudassem de ideia.
— Bem, pagar meu assento no conselho será complicado assim. — ele
murmurou com amargura.
O conteúdo do saco poderia ser dez vezes maior, e ele ainda estaria
muito longe de ter o dinheiro para pagar a Osmont.
— Ah!
O pai poderia se recusar a lhe dar dinheiro, mas ele tinha amigos.
Godwin poderia alegar que o pai se importava pouco com ele, mas ele
nunca ficou sem nada. Godwin não precisaria saber para que exatamente
Freddie queria o dinheiro, em vez disso, uma mentirinha do bem seria
necessária. Ele só precisava fazer com que Godwin pedisse ao Duque de
Mewburton um adiantamento de sua mesada anual e, em seguida, emprestá-
la a ele.
Freddie prometeria pagar dez vezes mais a Godwin, quando fizesse seu
primeiro investimento bem-sucedido.
Ele pegou a maioria das moedas e as colocou de volta na bolsa,
enfiando algumas das de sixpence no bolso. Com um sorriso esperançoso,
ele levantou-se da cadeira.
O dia ainda não avançara o bastante para ele saber que Godwin ainda
estaria em casa. Seu amor pela erva verde da Índia e pelas tocas onde podia
fumá-la eram garantias de que Godwin teria chegado junto com o sol à
casa, ou seja, ainda não estaria fora em visitas sociais.
Vestindo o casaco, Freddie despediu-se do cachorro com alegria.
— Espera aí, rapaz. Estarei em casa em breve e teremos criados e
comida antes que alguém diga “ai”.
A magnífica mansão do Duque de Mewburton ficava a uma curta distância
da Praça Grosvenor. Freddie chegou rápido lá, o saltitar nas passadas de
volta.
Chegando à casa na Rua Mount, ele subiu os degraus da frente e bateu a
aldrava com confiança.
— Bom dia. Vim visitar Lorde Godwin, por favor. — ele disse ao
mordomo que abriu a porta.
O mordomo hesitou por um instante e fez uma careta.
— Receio que Lorde Godwin esteja indisposto e ausente para todos os
visitantes esta manhã.
Freddie bufou. Ele perdeu a conta do número de vezes que chegou à
Residência Mewburton e arrastou o amigo, ainda drogado, da cama. Nesta
manhã, ele esperava que as coisas não fossem diferentes.
Ele estava prestes a protestar com o mordomo quando uma porta foi
aberta. Um homem que Freddie supôs ter trinta e poucos anos parou diante
dele. Pela maneira de se vestir e pela cor de seus cabelos, Freddie imaginou
ser um dos irmãos mais velhos de Godwin.
— E quem é você?
Freddie estendeu a mão.
— Frederick Rosemount, filho do Visconde Rosemount. Como o senhor
está?
O outro homem olhou para a mão estendida de Freddie e balançou a
cabeça. O bom humor de Freddie diminuiu.
— Entre. Não quero ter essa conversa na porta de casa, na frente dos
servos. — o irmão de Godwin disse.
Freddie entrou no magnífico foyer da Residência Mewburton. Após
tirar o chapéu, entregou-o ao mordomo. O mordomo continuou de pé no
saguão, segurando o chapéu, uma indicação clara de que a estada de
Freddie não seria longa. Ele foi levado para uma sala de visitas próxima e
recebeu a indicação de onde sentar-se.
Enquanto ele se sentava, o irmão de Godwin permaneceu de pé. Em
seguida, limpou a garganta.
— Você e eu nunca nos conhecemos, mas frequentei a escola com seu
irmão, Thomas. Um camarada decente, casou-se com uma linda moça. Ele
parece ter a cabeça no lugar. O que temo, pelo que meu irmão me contou,
não pode ser dito de você.
Freddie endireitou-se na cadeira enquanto uma sensação ardente de déjà
vu o atingia.
— Desculpe-me, senhor, mas estou em desvantagem. Não sei quem o
senhor é. — Freddie respondeu.
— Sou o Marquês de Copeland. Godwin é meu irmão mais novo. Estou
aqui para dizer-lhe que deve ficar longe do meu irmão a partir de hoje. Pode
não se importar com a saúde e com o coração dele, mas nossa família, sim,
e não ficaremos de braços cruzados enquanto ele se prostitui e se droga a
caminho de uma morte precoce. Ele voltará comigo para casa hoje, para o
Castelo de Mewburton, e não pisará em Londres tão cedo. Ele precisa
colocar a vida e a saúde em ordem. Bom dia para o senhor, Rosemount. Dê
ao seu irmão os meus melhores cumprimentos.
Freddie recebeu o chapéu e estava na porta em um instante.
Ao voltar para Grosvenor, ele enfiou as mãos no bolso do casaco. Este
estava se tornando o pior dia da vida dele e bem depressa. O dia em que ele
dormiu demais e perdeu um grande exame em Oxford empalideceu de
insignificância ante o desastre que enfrentava agora.
— Pense, Freddie. Deve haver um jeito. — ele murmurou.
Tendo passado a infância no campo e os anos seguintes como um
recluso social em Oxford, ele não tinha um grande grupo de amigos em
Londres a quem pudesse pedir ajuda. Trenton Embry era uma das poucas
pessoas que Freddie conhecia além de um cumprimento casual, mas
conhecia Trenton bem o suficiente para sequer considerar pedir-lhe
dinheiro. Quem mais em Londres ele sabia que poderia recorrer para ajudá-
lo em sua crise financeira?
Ele diminuiu o passo e, em vez de ir para casa, virou-se em direção ao
Tâmisa. Essa era uma jogada arriscada, mas ele estava ficando sem opções
e depressa. Osmont Firebrace sabia quão rico o Visconde Rosemount era,
embora fossem necessárias algumas palavras inteligentes, Freddie sentiu-se
confiante de que poderia convencer Osmont a deixá-lo se juntar ao conselho
e, em seguida, pagar as quotas de associação quando o pai voltasse a liberar
seu acesso ao próprio dinheiro.
— Sim, é isso. Muito bem. A terceira é a certeira.
Capítulo Vinte e Sete

P ela primeira vez desde que conheceu Osmont, Freddie foi obrigado a
esperar por uma audiência. Ele sentou-se no banco duro do lado de fora do
escritório de Osmont e preparou seu discurso em silêncio.
Passou-se quase uma hora, antes de a porta do escritório de Osmont se
abrir. Um jovem apareceu na porta. O rosto dele estava corado, e ele parecia
estar pouquíssimo à vontade. Quando viu Freddie, o rapaz vacilou. O jovem
correu pela porta da frente e foi embora.
— Ah, Rosemount. Foi rápido. Posso presumir que veio trazer sua taxa
de admissão?
Freddie virou-se para ver Osmont com uma mão na porta. Por um
instante, Freddie poderia jurar que seu mentor estava com o rosto um pouco
corado, mas assim que ele piscou, a cor do rosto de Osmont voltou ao tom
pálido normal.
— Na verdade, não, mas prefiro que falemos em seu gabinete se não se
importa. — Freddie respondeu.
Osmont se levantou e curvou-se de um jeito incaracterístico para
Freddie quando ele entrou na sala. A pele de Freddie se arrepiou ante o
gesto estranho. Ele se sentou em um dos sofás de couro bordô-profundo,
mas em vez de relaxar nele, como de hábito, Freddie sentou-se ereto.
Na mesa à sua frente havia uma taça de vinho pela metade, que Osmont
pegou e colocou perto da lareira.
— Agora, por que não veio pagar a taxa de admissão? Não me diga que,
após nossa discussão e de tomar meu conhaque, mudou de ideia. Aquela
potrinha selvagem não o pegou pelo pau, pegou? Seria decepcionante ter
que rescindir a oferta de admissão. — Osmont disse. O escárnio na voz dele
não pôde ser ignorado, mas Freddie não se alterou. Não tentaria o
temperamento do homem que ele esperava que lhe desse dinheiro.
— Não, não, ainda pretendo assumir meu assento no conselho. Só que
tive um pequeno contratempo, e preciso do seu auxílio temporário. — ele
respondeu.
Um sorriso perverso atravessou o rosto de Osmont quando ele se
afastou e foi para a mesa. Freddie engoliu em seco. Algo não estava certo
nessa situação. Ele começou a questionar a sabedoria dessa decisão de vir
pedir dinheiro.
— Prossiga. — Osmont respondeu.
— Bem, meu pai decidiu me dar uma lição por algumas semanas, por
isso, restringiu minha linha de crédito. Eu refleti um pouco e, já que esta é
uma situação temporária, me perguntei se você consideraria me emprestar o
dinheiro para minha associação, além de algumas libras extras para
despesas temporárias.
Não é uma boa ideia.
— Hm. — Osmont respondeu. Ele abriu um pequeno armário e tirou
um copo e uma garrafa de vinho aberta. Após servir um pouco de vinho na
taça, ele a colocou na frente de Freddie.
Para o crescente desconforto de Freddie, ele se sentou no sofá ao seu
lado. Estendeu a mão e acariciou Freddie no ombro, a mão permaneceu ali.
— Está em uma posição incômoda, rapaz. Fico feliz que confia em mim
para ajudá-lo.
A mão de Osmont desceu pelo braço de Freddie com lentidão e se
acomodou em uma perna. O coração de Freddie começou a acelerar no
peito.
— Embora eu não possa ajudá-lo em sua hora de necessidade, devido às
minhas próprias obrigações financeiras, sei de outros membros do Conselho
que estariam dispostos. Não cobrariam juros no empréstimo.
O ânimo de Freddie aumentou ante a inesperada boa notícia. Claro,
havia pessoas decentes no Conselho, que entendiam as situações que
jovens, às vezes, se encontravam.
— Excelente. — ele respondeu.
Osmont deu um tapinha na perna de Freddie.
— Um bom rapaz como você pode fazer muitos favores aos colegas de
conselho. Tudo depende do quanto quer que eles o ajudem. — ele pegou a
taça de vinho e entregou a Freddie. — Beba. É um bom bordô. Há uma
nova remessa na minha adega, caso tome gosto.
Freddie pegou o copo e o segurou por um instante. Ele se viu preso
entre não querer tomar o vinho e não querer causar ofensa. Osmont não fez
nada e nem disse nada a respeito.
Freddie tomou um bom gole do vinho, antes que a noção de que poderia
ser drogado passasse por sua mente. Ele baixou a taça e fechou os olhos.
Tolo.
O rosto do jovem que deixara o escritório de Osmont pouco antes
reapareceu em sua memória. Uma realidade fria e dura começou a surgir
nos ombros de Freddie quando Osmont moveu a mão até a perna de Freddie
e a descansou a poucos centímetros de sua masculinidade.
— Diga-me, Frederick. Já precisou chupar o pau de um professor em
Oxford para receber uma boa nota em um exame final? Se o fez, não seria o
primeiro e nem o último rapaz a fazê-lo. Não há do que se envergonhar na
troca mútua de favores.
— Não. Eu… Eu… — Freddie gaguejou. O cérebro dele gritava para
ele se levantar e sair da sala, enquanto os lábios falavam palavras sem
sentido. Ele congelou enquanto Osmont colocou a mão em seu pau e o
apertou com força.
— Há muito dinheiro a ser dado de presente pelos sócios. Só depende
de você estar disposto a ser um bom rapaz, e do quanto. Alguns membros
têm bolsos muito fundos. Poderia se oferecer, e essa bunda apertada, para
eles e fazer um bom dinheiro. — Osmont ronronou.
Tenho vergonha de ser seu pai.
As palavras de repreensão do pai romperam a névoa do vinho
contaminado. Freddie afastou a mão de Osmont e se levantou com
dificuldades.
— Não.
Ele cambaleou até a porta e se atrapalhou com a maçaneta. Por pura
força de vontade, ele conseguiu sair e chegar à rua. Assim que saiu da vista
do prédio, ele correu para uma pequena árvore em um jardim próximo e se
deixou cair debaixo dela. Ele rezou para Osmont não o seguir, nem ousar
arriscar uma cena em público.
Com a cabeça e as costas contra a árvore, ele tentou se concentrar, em
vão. Por fim, desistiu da luta e fechou os olhos. O poderoso entorpecente
que Osmont colocou no vinho o venceu.

Quando Freddie acordou, era fim de tarde. Por quantas horas ficou
inconsciente debaixo da árvore, ele não sabia dizer. Uma chuva leve caía. A
dor de cabeça na parte frontal do cérebro era latejante, e a boca estava tão
ressequida quanto um deserto.
— Nossa. O que havia naquele maldito vinho? — ele se atrapalhou para
ficar de pé, usando a árvore para ajudá-lo a se equilibrar. Ao fim, ele
conseguiu seguir para a rua principal.
Ele estava prestes a acenar para um coche de aluguel, para levá-lo para
casa, quando se lembrou da razão para estar na Rua Barton. O punhado de
moedas no bolso não cobriria o custo da curta viagem para casa.
— Este é, oficialmente, o pior dia da minha vida. — ele rosnou.
Ele voltou para casa se arrastando, parando várias vezes ao longo do
Parque St. James para vomitar. Quando um grupo de pessoas bem-vestidas
passou por ele, ele as ouviu comentar aos sussurros acerca da incapacidade
dele de tomar álcool. Ele os ignorou, o único interesse dele era colocar um
pé na frente do outro e voltar com segurança para Grosvenor Place.
Quando começou a chover mais forte, ele olhou para cima. O céu cinza-
escuro acima da cabeça dele combinava com o humor miserável. Ele foi de
se sentir o rei do mundo para descobrir o quão insignificante de fato era.
Mesmo o mais precavido dos homens não para o tempo.
Quando ele enfim voltou para casa, estava encharcado. Ele bateu na
porta da frente várias vezes antes de se lembrar que o pai ordenou que os
criados da casa fossem embora. Mexendo no bolso, ele encontrou a chave
da porta e a enfiou na fechadura.
Quando a porta se fechou atrás dele, o eco do baque foi alto no saguão
vazio. As roupas dele estavam encharcadas, e seus cabelos colados à
cabeça. Ele parecia e se sentia como algo que o gato havia arrastado.
— Este dia pode piorar?
Ele subiu as escadas até seu quarto frio e tirou as roupas molhadas,
antes de colocar as secas. Ele precisava acender uma das lareiras da casa
para secar as roupas, mas aquecer o quarto era um luxo que ele não poderia
pagar pelas próximas semanas. A cozinha possuía uma grande lareira com
fogão, seria muito mais fácil manter-se aquecido se ficasse na cozinha do
andar de baixo.
Felizmente, a cozinheira trouxe lenha nova, mais cedo naquela manhã,
para a cozinha e havia uma cesta de gravetos prontos para atear fogo.
— Certo. Deve ser bastante simples. — ele disse. Tirando o acendedor
de uma prateleira próxima, ele esvaziou seu conteúdo e os dispôs na mesa.
Mecha, sílex e aço. Colocando a mecha na caixa, ele segurou a haste de aço
na mão direita e o sílex na esquerda, golpeando-o contra o aço.
Faíscas voaram, mas a mecha não acendeu. Ele tentou uma segunda
vez. E uma terceira. Proferia uma ladainha chula quando uma faísca
solitária enfim se acendeu.
Ele soprou com cuidado, aliviado quando a chama apareceu.
Apressando-se para a lareira, ele pegou um punhado de gravetos e os
ajeitou em pé. Após um tempo, conseguiu fazer uma pequena pilha no
lugar, mas a chama havia se apagado.
— Inferno.
Ele vasculhou os armários, procurando mais mechas, mas não encontrou
nenhuma. Com um clima sombrio o dominando, ele voltou a passos
pesados para o andar de cima e passou a hora seguinte indo de cômodo em
cômodo em busca de outra caixa. Santodeus sombreava cada passo dele.
Já estava escuro quando ele enfim conseguiu fogo. Foram quase duas
horas miseráveis. Quando as chamas começaram a lamber os pequenos
troncos, ele desabou no chão frio e duro.
— Tudo isso para tomar uma xícara de chá. — ele murmurou.
O cachorro vagou de onde estava sentado, observando os esforços de
Freddie, e se aconchegou contra o mestre. Freddie deu-lhe um bom cafuné
atrás das orelhas.
— Bem, pelo menos alguém não está com raiva de mim, ou está, rapaz?
O cachorro o cutucou e emitiu um pequeno gemido. Lógico, Freddie
não estava entendendo a mensagem.
— Quer comida, não quer? Somos dois.
Ele não comia desde o café da manhã. Uma rápida checagem nas
prateleiras da despensa da cozinha resultou no restante da roda de queijo, do
pão e em algumas maçãs que ele não notou mais cedo. Como ele sempre
jantava fora, havia pouca necessidade de a cozinheira da casa manter um
estoque de suprimentos na cozinha.
Ele cortou o queijo e algumas das maçãs em pedaços bons para um
cachorro e os colocou no chão. Santodeus cheirou a estranha combinação
de alimentos, mas mastigou-a depressa. Ele voltou querendo mais, deixando
Freddie sem opção a não ser alimentá-lo com a comida que ele mesmo
pretendia comer.
Ali sentado, observando o cachorro terminar o resto da ceia, Freddie
cortou um grande pedaço do pão e o mastigou.
De rei a indigente em um dia era uma queda longa e dura.
Capítulo Vinte e Oito

F reddie acordou assustado de madrugada. Ele acabou adormecendo à


mesa da cozinha e acordou com Santodeus lambendo seu rosto. Ao levantar
a cabeça, os músculos das costas logo protestaram após tanto tempo em
uma posição tão desconfortável.
— Ai. — ele gemeu.
Ele levantou-se da mesa e se espreguiçou. O pescoço estava rígido e
tenso, e mal cedeu às tentativas dele de soltar os músculos.
O primeiro sinal de luz matinal entrava pela janela da cozinha. Não
fazia sentido ir para a cama agora. Seu estômago resmungava. O pão
acabara e não havia nada para alimentar o cachorro.
— Vamos nessa, garoto. Vejamos se encontramos uma torta de porco.
Minhas moedas devem garantir algumas dessas para nós.

No terceiro dia vivendo a base de tortas de porco frias e carne assada com
excesso de sal de uma taverna próxima, Freddie soube que algo precisava
mudar. Ele sentou-se à mesa na cozinha, no andar de baixo, e contou as
moedas que se esgotavam depressa. O dinheiro dele não duraria para
sempre, e Santodeus comia o bastante para alimentar duas pessoas.
Ele precisava encontrar outra solução e permanecer vivo, em vez de
acabar sendo encontrado morto e devorado por um lébrel irlandês gigante.
Por que Eve não escolheu um cachorro pequeno para o jogo, algo que não
ameaçasse comê-lo?
O pensamento repentino o entristeceu. Ele estava tão envolvido em sua
própria situação que se esqueceu de Eve.
Talvez Osmont tivesse visto seu verdadeiro eu. Ele era um bruto de
coração frio, capaz de partir o coração de uma jovem sem piedade.
Do bolso da jaqueta, ele puxou a carta com o desafio final de Osmont.
Tornara-se hábito carregá-la consigo. Ele a leu mais uma vez, sabendo que,
se pedissem, ele conseguiria citá-la palavra por palavra amarga.
Onde quer que ela estivesse, ele sabia que Eve o odiava. Quando ela
enfim soubesse das circunstâncias reduzidas, ele esperava que ela sentisse
certa satisfação em saber que ele também estava sentindo-se miserável.
Sim, mas você é responsável pela própria miséria. Ela não merecia o
que você fez.
Ele dobrou a carta e a colocou de volta no bolso.
Com Santodeus em uma guia apertada, Freddie foi para o mercado
pouco depois das seis horas da manhã. Ele se via voltando aos horários do
interior.
A área ao redor de Covent Garden era o lar de muitas das damas da
noite de Londres. Bordéis operavam em casas elegantes nas proximidades
de Fleet Lane e Long Acre. Ele deu uma risada quando um cavalheiro de
vestes elegantes saiu de uma das casas e logo girou no calcanhar, entrando
novamente, quando Freddie cruzou o olhar com ele.
Quem sou eu para julgar?
No mercado, Freddie ficou satisfeito em encontrar maçãs e peras de boa
qualidade e com preços razoáveis. Ele comprou algumas, colocando-as na
cesta que encontrara na cozinha da Residência Rosemount. É lógico que um
jovem bem-vestido como ele, carregando uma cesta, atraiu alguns olhares
indagadores. Ele os ignorou, muito mais preocupado em encher a barriga
vazia para se importar com as opiniões dos outros.
De outra barraca, ele comprou alguns ovos e queijo, além de um
pequeno pão. Com o fogo da lareira da cozinha sempre aceso agora, ele
poderia fazer alguns ovos fritos e servi-los com pão e manteiga. Um café da
manhã quente era um tanto atraente.
Ele estava debruçado em uma barraca do mercado, prestes a perguntar o
preço de um bloco de manteiga, quando avistou um rosto familiar passando
pela multidão madrugadora.
Harriet Saunders, cunhada de Eve, vinha na direção dele. Ela estava
acompanhada de dois lacaios, posicionados atrás dela, e cada um carregava
um saco pesado.
Ele tentou se apressar e concluir as compras, com a intenção de
conseguir fugir, mas Hattie o viu.
— Freddie. Olá, que bom encontrá-lo no mercado.
Ele engoliu o nó de vergonha e voltou-se para ela.
— Sra. Saunders, é um prazer revê-la. — ele respondeu. Ele conseguiu
um meio-arco com a cesta em uma das mãos e a guia do cachorro na outra.
Ela tirou o olhar dele, antes de parar e sorrir.
— Esqueço-me de quem sou agora. Quando ouço esse nome, fico
esperando ver Adelaide atrás de mim. Por favor, me chame de Hattie.
Então, o que o traz ao mercado a esta hora da manhã?
Ele cerrou os dentes. A notícia de que o segundo filho do Visconde
Rosemount foi cortado pela família logo se espalharia. Hattie, sem dúvidas,
também saberia que ele e Eve haviam rompido a amizade.
Ele olhou para os dois lacaios atrás dela e piscou. Se fosse revelar suas
circunstâncias atuais, preferiria não o fazer na frente de servos e feirantes.
Hattie entregou algumas moedas para um dos lacaios.
— Poderia, por favor, ir à barraca ao lado da livraria e perguntar se eles
têm cenouras frescas esta manhã? Diga que eu não quero as velhas e úmidas
que tentaram me vender na terça-feira. A não ser que sejam muito baratas.
Assim que os lacaios se afastaram, Hattie apontou na direção de um
conjunto de mesas e cadeiras próximas.
— Servem um pão com queijo decente e café fraco. Conversaremos lá.
Uma vez sentada, Hattie fez o pedido. O proprietário do café
improvisado a conhecia pelo nome e a cumprimentou com ternura.
— É estranho ver alguém da sua estirpe fazendo amigos no mercado. —
Freddie comentou.
Hattie pegou o pão fresco.
— Bem, venho com frequência ao mercado há alguns anos. Não sei se
Eve alguma vez lhe disse, mas eu administro um Sopão na Paróquia de St.
John, perto da torre de St. Giles.
Freddie assentiu, lembrando-se com vergonha, de como foi horrível
com Hattie no Vauxhall, quando ele se recusou a pegar a mão dela. Ele não
imaginava que Will Saunders permitiria que a nova esposa continuaria o
trabalho com os pobres após se casassem.
Ela o olhou, e ele sentiu que ela lia sua mente.
— Os dois lacaios fazem parte do acordo que tenho com Will, para que
eu possa continuar meu trabalho com os pobres. Acabei fazendo alguns
inimigos entre as gangues dos cortiços. As coisas se acalmaram desde
então, mas ele insiste que eu os traga comigo o tempo todo. Contudo, chega
de falar de mim.
O dono do café colocou duas grandes xícaras de café aguado na mesa,
em seguida, abaixou-se e deu tapinhas amigáveis em Santodeus.
— Qual é o nome do cão?
— Santodeus. É uma piada. — Freddie respondeu, sentindo-se tolo.
O cão rosnou. O homem fez uma careta e voltou a atender outros
clientes, a piada claramente ausente tanto para homem quanto para animal.
— Sabe que esse é um nome ridículo para um cachorro. Até ele não
gosta, pelo jeito que rosnou. Coitado. Imagine carregar esse fardo pelo resto
da vida. — disse Hattie.
— Creio que talvez eu deva pensar em mudá-lo. Ele é meu único amigo
verdadeiro no momento, então merece melhor.
— Não posso deixar de concordar nesse quesito. Entretanto, me diga,
por que está aqui no mercado a essa hora? — o olhar de Hattie fixou-se no
cesto de Freddie.
Ele rangeu os dentes. Não adiantava mentir.
— Meu pai me cortou. Estou em desgraça por como tratei Eve. Tenho
algumas moedas para viver, mas fora isso, estou sozinho. Sem servos e sem
crédito. E eu mereço. Não sou nada mais do que um canalha da mais baixa
espécie.
Hattie franziu a testa.
— Não fale assim. — ela disse.
Freddie pegou o café e tomou um gole hesitante. A cor era a mesma das
águas turvas do rio Tâmisa. Tomou um segundo gole. Ele tomara café em
alguns dos melhores restaurantes e clubes de Londres, mas nenhum tinha
um sabor tão bom quanto o café feito pelo feirante em Covent Garden.
Hattie sorriu para ele.
— Will descobriu nosso cafeeiro. Ele parecia uma criança animada
quando enfim encontrou alguém em Londres que sabia moer e preparar os
grãos do jeito que ele gosta. Ele vem aqui com bastante regularidade.
O sorriso de Freddie desapareceu. Uma coisa era a Hattie gentil e
religiosa, mas o irmão mais velho de Eve não era alguém a quem ele tivesse
pressa de reencontrar. Ele olhou por cima do ombro dela, pronto para um
recuo apressado se Will aparecesse de repente na multidão.
— Ele ainda está na cama. Meu marido não é madrugador. — ela disse.
Freddie relaxou.
— Vim aqui hoje porque não posso viver de tortas de porco para
sempre. Há vários livros de receitas na cozinha da Residência Rosemount.
Pensei que poderia tentar algumas receitas. Tentarei fritar ovos hoje como
um começo, em seguida, verei aonde essa missão me leva.
Hattie assentiu, e eles se sentaram em silêncio, terminando seus cafés.
Enquanto Freddie drenava a última gota dessa xícara, ansiou por uma
segunda em segredo.
Hattie tirou um pequeno caderno e um lápis do bolso do casaco. Não
carregava uma retícula ou bolsinha como outras mulheres. Ela começou a
riscar algumas coisas de uma longa lista de compras. Então, virando-se para
outra página, ela anotou um endereço antes de arrancar a página e entregá-
la a Freddie.
— Esse é o endereço da Paróquia de St. John. Se quiser uma tigela de
sopa quente, será muito bem-vindo. Costumamos começar a servir ao final
da tarde e vamos até o final da missa da noite.
Um caroço se formou na garganta dele. Caridade lhe era oferecida.
Seus encontros anteriores com Hattie foram vergonhosos. Ele debochou
do trabalho dela com os pobres, até mesmo falou de suas roupas
deselegantes. O que parecia uma parte divertida das Regras Rudes agora se
revelava uma verdadeira brincadeira cruel e sem coração. No entanto, aqui
estava ela, mostrando-lhe compaixão.
— Obrigado. Não mereço sua gentileza. Não após todas as coisas
horríveis que disse e fiz à sua família. — ele respondeu.
— Tenho certeza de que todos sobreviveremos. Resumi suas
observações maldosas à loucura da juventude. Além disso, naquela época,
havia questões muito maiores para eu lidar. Para dizer a verdade, você foi
uma distração estranha e divertida em um momento difícil para mim. Will e
eu não tivemos um início fácil em nosso relacionamento. O passeio a
Vauxhall foi uma oferta de paz da parte dele. Quanto a Eve, ela é uma
garota forte. Com o tempo, ela entregará o coração a outro e reencontrará o
amor.
Ele pensava cada vez mais em Eve nos últimos dias, imaginando como
ela estaria, e esperando que não estivesse sentada em casa sozinha,
chorando por ele. Ela merecia ser feliz.
— Como Eve está?
— Ela está bem. A Família Saunders é resistente. Ela ficou um ou dois
dias em casa, mas voltou a circular na sociedade. Não tenho certeza do que
exatamente o levou a deixar de cortejá-la, mas tenha certeza de que há
muitos outros jovens de boa família mais do que dispostos a tomar o seu
lugar. — Hattie terminou o café, mas deixou o restante do pão intacto. Ela
tirou um punhado de moedas do bolso e as entregou ao dono do café.
Freddie pegou sua bolsa de moedas, mas ela o interrompeu. — Guarde seu
dinheiro. Use-o para comprar cenouras frescas. São boas opções para se
comer cruas, caso não consiga fogo forte o bastante para cozinhar. A oferta
para vir até St. John estará sempre na mesa para você, Freddie. Seria muito
bem-vindo.
Ela juntou suas coisas e foi até onde os dois lacaios a esperavam do
outro lado do café. Freddie observou o trio se afastar.
Eve já voltara a circular. Ele deveria estar satisfeito. Todavia, essa
notícia era uma faca de dois gumes. Era animador pensar que o coração
dela não sofreu uma mágoa profunda por sua traição. Menos reconfortante
era pensar que ela não o amava tanto quanto seu ego o levara a acreditar.
Ele não deveria se importar, mas a pontada no coração lhe disse o contrário.
Ao levantar-se da cadeira, Santodeus permaneceu ao lado da mesa.
Espiando o pão inacabado de Hattie, Freddie estendeu a mão para pegá-lo,
mas o cão foi mais rápido e o engoliu de uma só vez. Os deuses ainda não
acabaram de punir Freddie.
— Vamos, garoto. Vamos arrumar alguns ossos e ir para casa. Esses
ovos não cozinharão sozinhos. — Freddie disse com um suspiro.
Os ovos grudaram no fundo da frigideira superaquecida, e ele acabou
dando toda a gororoba para Santodeus, que comeu tudo de uma só vez.
Freddie não se importou tanto, pois não estava com tanta fome assim. As
notícias de Hattie sobre Eve roubaram seu apetite.
Capítulo Vinte e Nove

Ao passar pela frente da casa mais tarde naquela manhã, Freddie


encontrou uma carta, escorregada sob a porta. Ele a pegou e virou.
Lorde e Lady Pole.
Ele a abriu com descuido e pressa. Os Poles eram famosos pelos
entretenimentos hospedados na mansão em Mayfair. Entretenimento
significava uma ruptura com a monotonia de viver sozinho com um
cachorro. Também significava uma casa aquecida e criados trazendo pratos
de comida quente.
Um sorriso de alívio chegou aos lábios dele. Era um convite para uma
reunião informal com amigos e familiares neste final da semana. Uma
reunião informal significava várias centenas de convidados para Lorde e
Lady Pole. Ele faria uma breve aparição, comeria e, em seguida, sairia antes
que encontrasse algum conhecido.
No escritório do pai, ele encontrou papel e caneta e escreveu uma nota
de aceitação. Sem pensar, ele pegou a campainha do pai e a tocou. O som
ecoou na casa vazia.
— Tolo. Ninguém levará sua aceitação à casa deles. — ele precisaria ir
até a Rua Mount e entregar ele mesmo. — Maldição.
Voltar à sociedade para conseguir uma refeição quente também
significava contornar as margens para manter a verdade da própria situação
financeira em segredo pelo maior tempo possível. O orgulho dele já havia
sido bem esmurrado.
— Bem, se eu for bancar o garoto de recados, posso muito bem receber
e enviar outras cartas. — ele disse.
Ele pegou uma folha de papel nova e começou a trabalhar. Era uma nota
curta, não parecia haver muito sentido inserir muitos detalhes. Osmont
Firebrace saberia o motivo exato da demissão de Freddie. Quando terminou
de escrever a carta, ele dobrou-a e lacrou-a.
— Bem, essa é uma das primeiras conquistas que posso reivindicar para
mim. Sou o primeiro Rosemount a trabalhar na Câmara dos Comuns e o
primeiro a demitir-se.

Eve não ficaria sentada em casa, lamentando-se por Freddie. Para ela e
Caroline, quanto mais cedo ela voltasse a ser ela mesma, melhor.
— Há milhares de outros peixes no mar. — Eve disse.
Caroline entregou o manto à Eve e deu um tapinha no braço da irmã.
— Com certeza, e você dançará com cada um desses peixes esta noite.
Eve olhou para a irmã e engoliu o nó que se formava na garganta. Era
estranho que um coração partido foi necessário para ela perceber a dor que
causara à irmã. Eve se alegrou com a redescoberta de uma amizade próxima
com a irmã mais nova. As horas que passavam juntas; conversando,
fazendo compras e rindo, eram o bálsamo necessário para sua alma.
Ao entrar na grande mansão da Rua Mount, Eve e Caroline
aproveitaram para verificar os mantos e certificar-se de que os vestidos não
haviam vincado no curto trajeto desde a Rua Dover. Francis pegou o braço
de Eve e, em um novo hábito, Harry ofereceu o dele a Caroline. Eve e
Caroline compartilharam um sorriso encorajador. Era bom sair e socializar
como irmãs e amigas mais uma vez.
Já no salão de baile principal, Francis não perdeu tempo em encontrar
uma desculpa para deixar as meninas. Quando ele e Harry se dirigiram para
encontrar o grupo mais próximo de jovens solteiras, Caroline virou as
costas para eles.
— Agradeço aos céus que eles se foram. Se Harry me olhar mais uma
vez, esta noite, com aqueles olhos de cachorrinho perdido, eu vou gritar. —
ela disse.
Eve ficou surpresa ao ouvir a irmã falar com tanta rispidez acerca do
amigo. Todos sabiam que Harry nutria uma paixonite por Caroline, mas ela
presumira que Caroline era gentil de tolerá-lo.
— Ora essa, não me olhe assim, Eve. Harry me rodeia e espreita o
tempo todo. Fui tola em passar um tempo com a mãe e a irmã dele. Agora,
ele acredita mesmo ter chance de me fazer a esposa dele.
— Não disse a Francis para falar com ele? — Eve respondeu.
Caroline virou o leque e o segurou na frente do rosto. Eve inclinou-se
de perto.
— Eu mesmo falei com ele. Ele fez diversos comentários bobos, no
casamento de Will e Hattie, de que eu seria a próxima a se casar. Puxei-o de
lado e falei com clareza, mas com cuidado. Afirmei não haver chance entre
nós. Que se eu não me apaixonei por ele até agora, isso nunca iria
acontecer.
— E o que ele disse?
— Disse que o tempo desgasta até a maior das pedras. — Caroline
respondeu.
Era óbvio que não havia nada que Caroline pudesse dizer para dissuadir
Harry. Ele colocou coração e mente na missão de casar-se com ela.
— Enfim, não importa. Eu não deveria ficar falando de relacionamentos
confusos, considerando como… — Caroline parou no meio da frase e
agarrou o braço de Eve. Ela ergueu um dedo apontado em direção a um
espaço do outro lado do salão de festas. Um espaço ocupado neste instante
pelo não tão Honorável Frederick Rosemount.
Caroline puxou um fôlego altivo.
— É um disparate daquele homem em se mostrar em público tão logo
após o que fez com você.
O olhar de Eve fixou-se em Freddie, e lá ficou.
— Sim, bem, os delitos dele não são tão conhecidos na sociedade, então
é de se esperar que ele sinta poder participar de reuniões sociais.
O coração de Eve começou a disparar. Parecia ter passado uma vida
inteira desde que ele pairou sobre ela no celeiro, dizendo não a querer. Uma
vida inteira desde que ele despedaçou o coração dela.
Ela começou a caminhar em direção à área de dança, o olhar ainda fixo
nele. Ele virou-se e avistou-a. Ela o viu vacilar, o desconforto dele foi
profundamente satisfatório.
— O que está fazendo, Eve? — Caroline sussurrou ao seu lado.
— Nada. Apenas brincando com um rato. — foi a resposta.
Enquanto ela se movia no sentido horário às margens da área de dança,
caminhando para às seis horas, Freddie se movia em direção às doze horas.
Ele estava prestes a chegar à hora seguinte enquanto ela se movia para o
outro lado do relógio. O olhar dela nunca saiu de Freddie, e o dele também
permaneceu fixo nela.
— Ah, aí está, Caroline. Harry quer colocar o nome em seu cartão de
dança.
As meninas ignoraram Francis. Ele se colocou bem ao lado delas e logo
entendeu por que estavam circulando tão devagar pelo salão.
— Atrevido descarado. Deve estar fora buscando uma refeição gratuita.
— Francis murmurou.
As palavras dele quebraram o feitiço de Eve. Ela parou e virou-se para
Francis.
— Como assim?
Havia rumores de que Freddie retornara a Londres apenas um dia depois
dela, mas até esta noite ele mantivera a discrição. Para alguém que vivia em
grande estilo na cena social de Londres há apenas algumas semanas,
Freddie de repente se transformou em um fantasma.
Francis ergueu uma sobrancelha e inclinou-se para perto.
— Há uma razão para ele estar sumido. O boato que varre a cidade é de
que o pai o cortou. Dizem que ele e aquele cachorro enorme são os únicos
em residência na casa de Lorde Rosemount. Todos os criados foram levados
de volta à Abadia Rosemount. Freddie está tendo que se virar sozinho.
— O castigo perfeito. — Caroline disse, rindo de prazer.
Eve, entretanto, teve suas preocupações. Se era de conhecimento geral
que Freddie estava sendo punido pelo pai, haveria perguntas em torno do
motivo. A última coisa que ela queria era que seu nome fosse jogado na
fogueira. Sua reputação estaria em ruínas.
— Então, que história contam para o corte? — Eve o indagou.
— Um amigo de um amigo falou com ele no início desta noite e
perguntou. Ele não ficou muito satisfeito em saber que a notícia se
espalhou. Ele disse para esse amigo que andou jogando muito e que o pai
está determinado a fazê-lo devolver todo o dinheiro que perdeu. No entanto,
há quem comece a sussurrar o contrário. — Francis respondeu.
Ela virou-se para o irmão.
— Quem mais, e o que estão dizendo? — um calafrio de pavor
atravessou o corpo de Eve. Quem estaria fazendo joguinhos?
Francis apontou para outro jovem cavalheiro, a poucos metros de
distância deles. Quando Eve olhou, o jovem se curvou.
— É o Honorável Lorde Trenton Embry, segundo filho do Visconde
Embry. Ele é outro dos jovens cadetes na Câmara dos Comuns com
Freddie. Ele quer conversar em particular com você.
Ela temia que Trenton Embry viesse falar algo de ruim, ainda assim, ela
precisava saber.
Trenton Embry avançou ao aceno de Francis e fez uma reverência
formal.
— Senhorita Saunders.
— Meu irmão diz que o senhor quer falar comigo. — ela disse.
Ele olhou para onde Freddie estava, e assentiu.
— Presumo que está ciente de que Freddie Rosemount está aqui esta
noite?
Eve assentiu.
— Sei de parte do que se passou entre vocês dois, pois também
trabalhei na Câmara dos Comuns este ano. — ele disse.
Eve esperou. Trenton encontrou o olhar preocupado dela e se
aproximou.
— O que de fato gostaria de compartilhar é que Freddie não é uma
pessoa ruim. Sei que, ao rejeitá-la, ele se comportou de forma abominável,
mas ele o fez por estar sob a influência de um cavalheiro muito malvado
chamado Osmont Firebrace. Não sei se é do seu interesse, considerando
tudo o que aconteceu, mas Freddie está em um lugar ruim neste instante. A
vida dele é um desastre, e ele tem que arcar com grande parte da culpa. Dito
isso, se ainda nutre alguma afeição por ele, eu a aconselharia a encontrar
meios em seu coração de perdoá-lo. — ele disse.
Ela abriu a boca em choque. Não pretendia falar com Freddie de novo,
muito menos perdoá-lo.
— Agradeço, Sr. Embry. Suas palavras me trazem conforto. Saber que a
vida de Freddie Rosemount está em completo caos realmente alegra meu
coração. Sinta-se à vontade para transmitir esses mesmos sentimentos a ele
quando voltarem a se falar.
Ela se virou e deixou Trenton Embry sozinho.
Francis segurou o braço de Eve.
— Maldito covarde. Imagina! Mandar um amigo falar com você na vã
esperança de que sinta pena dele.
— Sim, bem, está tudo acabado agora. Seja lá o que for que Freddie fez
ou em que se envolveu não é da minha conta. — ela respondeu.
Freddie poderia ter desistido de qualquer pretensão de vergonha, mas
ela viu seu orgulho ser um pouco restaurado. No entanto, ver Freddie e a
conversa com Trenton abalaram sua estrutura. Ela precisava de tempo
sozinha para se recompor.
— Sinto que seria bom sair por um instante e tomar um pouco de ar
fresco.
Uma Caroline relutante deixou Francis acompanhá-la até Harry e
conceder a dança pedida. Eve aceitou a condição de Francis, que viria
encontrá-la em pouco tempo, e que ela não iria a lugar algum sozinha.

Assim que saiu para o ar frio da noite, Eve sentiu alívio. O calor do salão de
baile, grande e lotado, era sufocante. O jardim noturno proporcionou a paz e
o sossego que seu cérebro agitado tanto desejava.
Ela encontrou um pequeno banco de pedra em um canto tranquilo e
sentou-se. Um lacaio ofereceu uma taça de vinho e ela a aceitou. O vinho
fresco e doce ajudou-a a concentrar-se no aqui e agora.
Uma sombra cruzou a luz da casa, deixando-a na escuridão. Ela olhou
para cima, apertando os olhos na tentativa de encontrar o foco.
Seu olhar encontrou Freddie em pé na frente dela.
— Eve.
Um lampejo de memória doentio atingiu seu cérebro. Na última vez em
que ela o viu, ele pairava acima dela desta mesma forma, dizendo que ela
não o amava, que eles nunca se casariam.
A única misericórdia nesta ocasião em particular era não estar deitada, e
seminua, em uma baia de cavalos, após oferecer sua virgindade a ele.
— Não tenho nada a dizer, Freddie. Seu amigo Trenton Embry já falou
por você. Por favor, vá embora. — ela ergueu o olhar para ele, enquanto
tomava um pequeno gole de vinho.
— Sim, eu vi você e Trenton Embry se cumprimentando no salão.
Embora eu não possa dizer que somos amigos, estamos mais para
conhecidos. O que ele disse sobre mim? — ele perguntou.
O sangue de Eve começou a ferver. Freddie era muito mais egocêntrico
do que ela havia se convencido a acreditar. Ela se levantou.
— Falou algo relacionado a você estar na companhia de homens maus.
Não me lembro de tudo o que ele disse, porque não estava prestando
atenção. Minha mente tende a ficar em branco sempre que seu nome é
mencionado.
Ele assentiu.
— Eu mereço isso e muito mais. Só quero dizer que fui… — Freddie
não teve a chance de terminar a frase. Francis chegou e o agarrou, girando
Freddie para enfrentá-lo.
— Seu desgraçado maldito. Partiu o coração da minha irmã. Bem, aqui
está algo para você consertar! — o punho dele atingiu bem no meio do
rosto de Freddie com um golpe doentio.
Freddie cambaleou, as mãos no rosto. Quando tirou a mão, sangue
jorrava de seu nariz recém-quebrado. Francis tentou atingi-lo uma segunda
vez, mas vários outros cavalheiros convidados correram e o contiveram.
— Há muito mais de onde este veio, Rosemount. Na próxima vez em
que eu o vir, acrescentarei alguns dentes quebrados à sua coleção. —
Francis vociferou.
Capítulo Trinta

F reddie conseguiu encontrar um criado que lhe trouxe um grande lenço, e


ele pôde estancar o sangue. Com o lenço cobrindo o rosto quebrado, ele
deixou a festa por uma entrada lateral e cambaleou pela curta distância até a
Praça Grosvenor.
Ele encontrou o caminho para a cozinha, pegou um jarro e encheu-o
com água fria da bomba do lado de fora. Lavou o lenço várias vezes antes
de, enfim, conseguir conter o fluxo jorrando do nariz. Santodeus manteve-
se, atipicamente, na cama no canto, observando cada movimento de
Freddie.
Freddie passou um dedo hesitante ao longo do nariz, vacilando quando
chegou ao intervalo na ponte. Apesar do porte almofadinha, Francis era
dono de um soco potente.
Quando viu Trenton cumprimentar os irmãos Saunders no baile, ele foi
tomado por medo. Ele pretendia encontrar Trenton e perguntar o que diabos
ele estava fazendo, mas o punho de Francis Saunders interrompeu seus
planos.
Lidar com Trenton precisaria esperar. O nariz de Freddie precisava de
atenção.
No fim, Santodeus se levantou da cama e vagou até Freddie e o
acariciou na perna.
— Sempre um garoto leal. — ele disse, dando um tapinha no cão.
O cão empurrou com mais força a perna, antes de vagar até a tigela de
comida e ficar parado ao lado dela.
Freddie gemeu. Ele ficou tão preocupado e envolvido na própria
alimentação que se esqueceu do cachorro. Na prateleira alta da moldura do
fogão, havia um osso enrolado em pano.
— Aqui está, garoto. — ele disse, pegando o osso e colocando-o no
chão.
Enquanto o cachorro pulava sobre o osso com prazer desenfreado,
Freddie lembrou-se de que não chegou tão longe a ponto de se aproximar da
mesa de jantar no baile. A carne no osso do cão parecia mais atraente do
que deveria.
— Parece que terei pão e queijo de novo esta noite. Aprecie a sua carne.
— ele murmurou.
No entanto, cuidar do nariz não podia esperar. Quando ficasse inchado,
ele não conseguiria mexer mais.
Ele pegou um pequeno espelho de mão e o apoiou em uma pilha de
livros colocados em cima da mesa, em seguida, se sentou o mais
confortável possível. Quando jogava rúgbi na escola, ele viu muitos colegas
com o nariz quebrado acertarem os ossos com um movimento de mão. A
ideia de recolocar os ossos no lugar fez seu estômago girar.
— Vamos lá, faça. — ele se cobrou.
Colocando as mãos, uma de cada lado da ponte do nariz, ele sentiu onde
os ossos nasais estavam desalinhados. Prendeu a respiração e empurrou
com força para a esquerda. A dor chegou ao cérebro.
— Ai. — ele se encolheu.
Ele sentou-se e esperou a dor diminuir, inclinou-se e inspecionou o
rosto no espelho mais uma vez. O nariz parecia muito mais reto do que há
poucos instantes. Ele respirou aliviado e suspirou. Pôde voltar a respirar
direito.
Consegui consertar ao menos uma coisa esta noite.
Com o rosto arrumado, Freddie pôde considerar o outro problema que
esta noite havia criado.
Eve.
Ele só a viu trocar breves cumprimentos com Trenton, mas duvidava
que Trenton estivesse apenas puxando conversa.
Freddie lavou o rosto e encheu a tigela de água de Santodeus. Por um
instante, ele se levantou e olhou para o cachorro que bebia a água.
— Hattie tem razão. Seu nome é ridículo.
Com a participação no Conselho dos Bacharéis não sendo mais uma
preocupação, ele não precisava mais infligir um nome tão tolo à besta leal.
Ele se abaixou ao lado do cachorro.
— Acredito estar na hora de você e eu escolhermos um novo nome. Que
tal Zeus? Embora você não seja um deus da antiguidade, acredito que
adiciona um certo nível de gravitas ao seu tamanho impressionante.
As orelhas do cachorro se ergueram. Freddie saiu da cozinha, e parou na
base da escada.
— Zeus! Venha, rapaz. — ele chamou.
O som de patas e unhas no chão de pedra veio da cozinha, seguido pelo
aparecimento de uma grande cabeça na porta. Zeus estava com um sorriso
grande.
Com Zeus ao lado dele, Freddie foi buscar uma garrafa do bom vinho
do pai. Ele precisaria se anestesiar da dor de um rosto ferido e dolorido se
quisesse ter alguma chance de dormir esta noite.

Na manhã seguinte, ele foi visitar Trenton Embry.


— Eu estava me perguntando quando apareceria na minha porta. —
disse Trenton, levando Freddie a uma sala de visitas.
Ele caminhou até Freddie e parou. Soltou um “humpft” de desaprovação
enquanto o olhar analisava o rosto de Freddie. A força do soco de Francis
resultou em um par de olhos roxos, além do nariz quebrado. As duas
garrafas de vinho drenadas até estarem vazias na noite anterior garantiram
ao menos uma noite de sono decente, mas Freddie sabia que o rosto estava
uma bagunça.
— Nem preciso perguntar quem fez isso. — disse Trenton, apontando
para o rosto de Freddie.
Freddie endireitou as costas. Ele nunca gostou do sisudo Embry.
— Como já sabe muito bem quem é o responsável pela minha
aparência, vim perguntar por que sentiu a necessidade de procurar Evelyn
Saunders ontem à noite. Eve e eu terminamos quando ela deixou a Abadia
Rosemount, então por que sentiu necessidade de agitar as coisas?
Trenton bufou.
— Como de costume, entendeu tudo errado. Falei com a Senhorita
Saunders e a informei que você está sob a influência de Osmont Firebrace.
Que em algum dia futuro, ela pode querer ouvi-lo e talvez perdoá-lo por ser
um burro completo. Se sei ao menos uma coisa sobre as mulheres é que elas
não se apaixonam sem motivo. Não há dúvidas que você partiu o coração
dela, mas eu apostaria um guinéu que ela ainda chora à noite por você.
Claro, ela me disse o contrário. A menina é espirituosa.
— Foi só isso que disse a ela?
Trenton apontou para a porta.
— Sim. O resto não me interessa, nem é minha preocupação. Criou uma
confusão. Sugiro que comece a remediar a situação, ou afundará cada vez
mais nela.
Freddie passou por ele e dirigiu-se para a porta da frente. Trenton o
seguiu. Ao entrarem no saguão do elegante sobrado, Freddie notou vários
baús de viagem grandes.
— Vai a algum lugar? — ele perguntou.
Trenton assentiu e meneou a cabeça para os baús.
— Vou para casa, Somerset. Eu me casarei no final do mês. Esta viagem
a Londres foi minha última aventura, antes de pular nos braços da felicidade
conjugal. Verdade seja dita, mal posso esperar para sair desta cidade
abandonada por Deus. O mau cheiro é ruim demais, mas as pessoas são
podres até o âmago. Se eu nunca mais pisar aqui, morrerei um homem feliz.
— ele estendeu a mão para Freddie. — Segundos filhos como você e eu
podemos viver vidas muito felizes e com propósito, sem fazer acordos com
o diabo para ter poder e riqueza mal adquirida. Espero que você chegue a
essa conclusão um dia. Acredito, de verdade, que no fundo, você é um
homem melhor do que suas ações refletem. Precisa buscar a verdade de
quem realmente é.
Um Freddie relutante apertou-lhe a mão. Agora entendia a indiferença
de Trenton para com os desafios do Conselho. Ele nunca teve a intenção de
conquistar uma vaga.
Freddie dirigiu-se para a porta da frente.
Quando o mordomo abriu, Trenton correu para o lado de Freddie.
Pegou-o pelo braço e puxou-o para um cômodo próximo.
— Se há um último conselho que eu gostaria que ouvisse, é que Osmont
Firebrace não é um homem de confiança. Ele e os outros membros do
Conselho não serão amigos para você. Firebrace não é o homem que pensa
que ele é, ele é puro mal. Vai levá-lo a se perder para sempre.
Freddie encontrou o olhar de Trenton.
— Eu sei.
Capítulo Trinta e Um

F reddie voltou para a Praça Grosvenor e decidiu manter-se quieto pelos


próximos dias. O inchaço ao redor do nariz e dos olhos dificultava a visão.
Cerca de dois dias após o esforço de Francis para reorganizar seu rosto,
ele enfim conseguiu sair de casa e seguiu para o Covent Garden no final da
manhã. Dada a hora, ele sabia que Hattie e os guarda-costas já teriam ido
embora horas antes. Ele fez as compras e foi para casa.
Após guardar as coisas e alimentar Zeus, ele esvaziou os bolsos e
deixou as moedas na mesa da cozinha. Entre as moedas, encontrou um
pequeno pedaço de papel dobrado.
Ele franziu a testa, sem conseguir lembrar-se de onde vinha. Ele
desdobrou e soltou um pequeno suspiro.
— Ah.
Igreja de St. John, Rua Alta, Holborn

O Sopão de Hattie Saunders ficava do lado de fora da igreja. Ele leu o


endereço pela segunda vez. A rua em questão não era longe, a distância era
semelhante à empregada até a Câmara dos Comuns.
Ela era a única pessoa conhecida em Londres que poderia lhe dar uma
audiência justa. Hattie o convidou para ir à igreja. Para partilhar uma
refeição com ela e os paroquianos. Era alguém cuja vida mudou, e agora a
levava com significado e propósito.
As palavras de Trenton soaram nos ouvidos dele.
Precisa buscar aprender quem é de verdade.
Era humilhante perceber que as duas pessoas que ele mais ridicularizou
fossem as mesmas pessoas que pareciam conhecê-lo melhor.
O rosto dele ainda estava uma bagunça, porém, Hattie já saberia a causa
dos hematomas quando o visse, sem dúvidas. Ele fechou os olhos, fazendo
uma oração silenciosa. Se fosse buscar voltar a ser o Freddie que ele já foi,
precisaria encontrar um novo caminho para trilhar.
— Desculpe-me, Zeus. Não sei se eles gostariam se você entrasse e
tentasse comer a ceia deles. Terá que ficar aqui. — ele disse.
Ele colocou uma cadeira contra a porta para impedir que Zeus subisse
as escadas, enquanto ele estivesse fora. Vestiu o casaco, lamentando que
Eve tenha lhe dado um cachorro que sabe abrir portas.
— Tente ser bom. Se não puder, eu agradeceria que não começasse a
mastigar nenhuma peça do mobiliário novo da minha mãe. Já fez o
bastante.
Ele fechou a porta atrás dele, com plena consciência de que Zeus a
abriria antes que ele chegasse ao portão do jardim. A mãe o mataria quando
descobrisse o que o cachorro fez com o sofá favorito dela.

A igreja não foi tão fácil de encontrar como ele pensava que seria. Freddie
passou direto por ela, antes de perceber que o edifício de pedra simples era,
na verdade, uma casa de adoração. Ele ficou do lado de fora por um curto
período, sem saber se deveria entrar.
Pensar que voltar para casa só daria mais crédito à opinião de Trenton
de que ele era um covarde o impediu de girar nos calcanhares e ir embora.
No fim, ele reuniu coragem suficiente e bateu a alça de latão da porta de
carvalho maciço na frente do lugar.
Já lá dentro, ele encontrou-se de pé em uma igreja simples, mas bem
cuidada. Ele estava meio que esperando encontrar mendigos nos degraus da
frente, famílias sem-teto dormindo no interior da igreja. Havia pouco das
armadilhas das igrejas mais ricas, como a de St. George, na Praça de
Hanôver, que os pais frequentavam quando estavam na cidade. As janelas
eram de vidro liso, sem vitrais caros para adicionar cor ao ambiente. Dois
pequenos vasos com rosas vermelhas eram o único sinal de decoração. Uma
lareira próxima ardia acesa, proporcionando um pouco de calor ao local.
Embora não tivesse as imponentes colunas com detalhes dourados e a
madeira polida até reluzir como a de St. George, St. John trazia seu próprio
senso de dignidade.
Ele caminhou mais para dentro, inseguro de si. Não sabia bem o porquê
de estar ali. O que sabia era que ter sido atraído pela promessa de mudança.
A porta à direita da capela se abriu, e Hattie entrou. Ela trazia uma cesta
cheia de legumes nas mãos, claramente pesada pela forma como se
esforçava para carregá-la. Freddie correu para o lado dela e logo a aliviou
do pesado fardo.
— Obrigado. Fico muito feliz por vê-lo. — ela disse, enxugando o suor
da testa. Seu olhar caiu no rosto machucado dele, que sentiu um rubor
queimar o rosto. — Minha nossa, está tão feio quanto pensei que poderia
estar. Como seu rosto está se curando?
— O inchaço baixou e já posso dormir de costas de novo. Fora isso, está
tão bom quanto se pode esperar. Não que eu mereça nada menos do que o
que Francis disse. — ele respondeu.
Ela balançou a cabeça e fez um “tsc tsc” baixo.
— Se tiver a gentileza de trazer a cesta, eu lhe mostrarei a cozinha. —
ela disse.
Ele a seguiu até um cômodo que corria a lateral da igreja. Era muito
parecido com a cozinha da casa dele, mas a lareira era muito maior. Acima
da lareira pendiam duas panelas grandes, cujo conteúdo exalava um aroma
inebriante. Sopa.
O estômago dele roncou alto.
Hattie deu uma risadinha.
— Aqui, baixe a cesta e sirva-se de uma tigela. A refeição da tarde será
servida em uma hora, assim terá tempo de comer, antes que as hordas
famintas dos cortiços de St. Giles cheguem à nossa porta.
Quando ele hesitou com constrangimento, Hattie pegou uma concha e
encheu uma tigela, entregando-a para ele.
— Vá em frente. Parece precisar de uma refeição quente.
Freddie sentou-se à mesa, e ela sentou-se em frente a ele e começou a
descascar cebolas.
— Descobri que se começo a preparar a refeição da noite nesse horário,
podemos fazer com que todos sejam alimentados e saiam da igreja pouco
depois das nove horas. Will fica impaciente comigo se eu volto para casa
depois das dez. — ela disse.
Freddie assentiu, enquanto colocava a colher na boca e provava a sopa.
Uma refeição quente era algo de que não desfrutava há algum tempo. Assim
que a sopa tocou a língua, ele sentiu o humor melhorar.
— Está muito bom mesmo. — ele comentou.
Hattie olhou para ele de cima da pilha de cebolas.
— Faço essa receita há algum tempo, perdi a conta de quantas panelas.
Embora, devo confessar, a qualidade aumentou bastante desde que Will
começou a apoiar a cozinha da igreja. Agora temos cevada, carne e ervas. A
mistura antiga era bastante aquosa.
Freddie tomou uma segunda colherada. O calor reconfortante infiltrou-
se fundo em seus ossos.
— Vejo que não trouxe seu cachorro com você. — ela disse.
— Não, Zeus está em casa, talvez destruindo algo novo com aqueles
dentes afiados dele. — ele respondeu.
Hattie assentiu.
— Zeus? Então, levou minhas palavras a sério, de que o nome do
cachorro era ridículo. Creio que esse novo nome combina muito melhor
com ele. Espero que ele seja grato. Muito bem, Freddie.
Ele sorriu. Era estranho como era reconfortante sentar-se com uma
pessoa amiga e conversar. Ele sentia falta do simples prazer de estar com
amigos e familiares.
Hattie recostou-se no assento, largando as cebolas e puxou o ar para as
bochechas. Ela respirou fundo, antes de se levantar da mesa e correr
depressa para fora. Quando retornou, alguns minutos mais tarde, seu rosto
estava corado, e ela enxugava lágrimas dos olhos.
Freddie não disse nada, mas por ter presenciado em casa os estágios
iniciais da gravidez de Cecily, ele conhecia os sinais de enjoo matinal muito
bem. Ele empurrou a tigela para um lado e pegou a faca. Poderia ser
surpreendente, mas ele era adepto de descascar e picar cebolas, e logo a
pilha reduziu, e os pedaços estavam em um prato.
— O que mais há que eu possa cortar e descascar? — ele perguntou.
Hattie apontou para um grande cesto junto à porta, repleto de cenouras e
nabos. Ele carregou a cesta, colocando-a entre os dois e logo terminaram de
cuidar dos legumes.
A simples ação de cortar legumes trouxe uma calma rítmica para sua
mente perturbada. Quando eles terminaram, ele estava preparado para
admitir que estava realmente se divertindo.
— Devo preparar as tigelas. — Hattie disse. Ela foi até um armário
próximo e pegou uma pilha de tigelas de madeira, que trouxe para a mesa.
Freddie a imitou.
— De onde tirou todas essas tigelas? — ele perguntou.
— Will conseguiu duzentas dessas nas lojas do exército. Antes disso,
tínhamos que administrar com muito menos, e as pessoas costumavam ter
que compartilhar. Algumas destas foram com as tropas para o campo de
batalha em Waterloo… assim como ele. — ela disse.
Por um instante, Freddie parou de empilhar as tigelas na mesa. Ele sabia
que Will foi um agente da coroa em Paris durante a guerra, mas nunca lhe
ocorrera que o irmão de Eve esteve de fato no campo de batalha, no final,
para derrubar Napoleão.
— Will lutou em Waterloo?
— Na verdade, ele não empunhou a espada. Não esteve com nenhum
dos regimentos regulares, era um agente especial. Trazia e levava
informações dos movimentos de tropas de Napoleão e planos de batalha
suspeitos para os comandos aliados. — ela respondeu.
Eve contou pouco acerca do papel de Will durante a guerra. Will
Saunders havia arriscado a vida por seu país, e um burro como Freddie
Rosemount teve a pachorra de fazer-se de tolo na frente dele. Ele respirou
fundo, devagar, enquanto um poderoso sentimento de vergonha enchia seu
coração.
Hattie cantarolava uma melodia feliz para si enquanto trabalhava,
deixando Freddie fazer mais uma promessa de que seus dias egoístas e
egocêntricos eram coisa do passado. Trenton Embry estava certo quando o
lembrou de que os segundos filhos podiam viver vidas úteis e cheias de
propósitos. Ele precisava encontrar seu verdadeiro caminho.
Haviam acabado de empilhar as tigelas e colheres na mesa, quando o
primeiro dos paroquianos chegou para a ceia. Hattie e Freddie colocaram-se
perto das grandes panelas de sopa e logo uma procissão ordenada de
pessoas famintas rodavam pela igreja.
Um rapazinho de não mais de cinco anos ergueu a tigela e abriu um
sorriso desdentado. Freddie inclinou-se e deu uma espalhada amigável em
seus cabelos castanho-escuros, enquanto Hattie enchia a tigela do menino
com sopa. Freddie pegou um grande pedaço de pão e o entregou ao menino,
cujos olhos se iluminaram com a recompensa inesperada.
— Você precisa de um pedaço grande para poder crescer alto e forte. —
ele disse.
O menino dirigiu-se a uma mesa próxima com sopa e pão na mão, e
Freddie parou, observando-o por um instante, enquanto fazia sua refeição
com certa ansiedade.
Isso vale mais do que todas as melhores casas e cavalos.
Assim que a primeira panela de sopa terminou, Freddie a limpou e a
encheu de legumes e cevada para começar a cozinhar para a sessão
posterior. Quando o último pedaço de legume entrou na panela, ele se
colocou para trás e observou a visão humilde de cinquenta pessoas famintas
aproveitando a sopa.
Hattie veio ficar ao lado dele. Ela estendeu o braço e deu um tapinha
leve nas costas dele.
— Muito bem, Freddie. Ajudou a alimentar todas essas pessoas.
Crianças dormirão de barriga cheia essa noite devido a essa ajuda.
Ele sentiu-se tocado pela bondade simples de Hattie Saunders, por seus
esforços altruístas em ajudar estranhos. No passado, ele desprezou tais
atitudes, atribuindo-as a um fanatismo religioso, mas ela não mencionou
Deus nem uma única vez durante toda a noite.
Ao decorrer do trabalho, ela o lembrou da história do Bom Samaritano.
O mais importante na vida era o que alguém faz, não o que diz que
devemos fazer. Toda a fanfarronice acerca de querer ser um membro do
Conselho dos Bacharéis significava pouco, pois só ele importava. Sentir
vergonha era uma coisa, mas saber da dor que ele causou à família dele, e
em especial à Eve, era um golpe duro nele. Os pobres de Londres, sentados
tomando uma tigela de sopa, eram mais dignos do que ele.
— Eu gostaria de vir aqui todos os dias e ajudar, se me aceitar. — disse
ele. O caroço na garganta dificultava a fala, as lágrimas nos olhos o faziam
piscar com força.
— Claro, nós o queremos aqui. Ninguém nunca é afastado de St. John, é
uma casa de Deus. Aceitamos todos os necessitados, não apenas os
famintos. — ela respondeu.
Ele se virou para ela, enfim desvendou o que ele buscava aqui. Ele era
um dos necessitados. Necessitava reencontrar-se. Conquistar o perdão da
família. Descobrir forças para voltar a encarar Eve.
— Posso ir ao mercado de manhã por você? Posso encontrar seus
lacaios lá e trazer os suprimentos frescos aqui para quando chegar. — não
seria educado mencionar a condição delicada de Hattie. Se ele fosse ao
mercado de manhã cedo para comprar o necessário, Hattie poderia ficar em
casa até mais tarde, descansando.
— É um empreendimento madrugador, e preciso admitir estar se
tornando um pouco difícil agora. Uma hora extra ou mais de sono seria
maravilhoso, mas tem certeza de que quer assumir tal responsabilidade? —
ela o indagou.
— Sim, tenho certeza. Embora, talvez… — ele parou por um instante,
inseguro. Isto era maior do que apenas ele. Seria reestabelecer uma ligação
com a família Saunders. Embora Hattie tenha conseguido perdoar as
transgressões dele, outros talvez não pudessem. — Creio que… Quero
dizer, gostaria de ter a bênção de Will também neste assunto. Sei que este é
o seu Sopão, mas ele é irmão da Eve, e eu comportei-me de maneira terrível
com ela. Significaria muito para mim saber que ele aprova nosso acordo, ou
que pelo menos está ciente disso.
Hattie olhou para Freddie, o rosto dela era pura seriedade.
— Claro. Se há algo em que o Will e eu concordamos de todo, é que
não temos segredos um do outro. Demoramos um tanto para chegar a essa
conclusão, após nos conhecermos, e eu nunca faria nada que desse motivos
para ele duvidar de mim agora.
As palavras dela o pegaram de surpresa. Ele presumira que a história de
amor de Will e Hattie foi bastante simples, mas parece que também não
tiveram uma jornada fácil até a felicidade conjugal.
Ela entendeu o olhar dele.
— Um dia, contarei minha história com Will. Começou bem longe de
Londres. Faça muitos panelões de sopa e conquistará o direito de ouvi-la.
Entretanto, é melhor nos prepararmos para o próximo grupo de bocas
famintas.
— Obrigado. Prometo que não vou decepcioná-la. — ele respondeu.
Hattie foi até a panela de sopa e adicionou mais algumas ervas. Freddie
foi para as mesas e começou a percorrê-las, coletando tigelas e conversando
com os paroquianos.
Mais tarde naquela noite, ele enfim secou a última das tigelas limpas e
fechou a porta da igreja. Em seguida, ajudou Hattie a subir na carruagem
que a esperava. Com educação, ele recusou a oferta de uma carona para
casa, sabendo precisar da caminhada.
Cada passo que dava ajudava a limpar a mente. Ao contrário da última
vez que atravessou a Rua Oxford, ele agora sabia que não encontraria a
próxima vitória no lombo de um cavalo em alta velocidade. Seu caminho
para a redenção, e sua nova vida, estava no trabalho honesto, cortando
legumes e fazendo sopa.
Capítulo Trinta e Dois

E ve estava animada com o evento que estava por vir. Will e Hattie, os
recém-casados, viriam à casa dos Saunders para um jantar em família. Com
Freddie fora de sua vida, ela poderia desfrutar de noites de interação social,
sem a preocupação de ofender alguém com as Regras Rudes.
Will enfim encontrara contento e paz na Inglaterra. Hattie capturara seu
coração, e ele libertou o dela para voltar a amar. Era uma união que oferecia
esperança para todos.
O relacionamento dela com Freddie pode ter terminado em desastre,
mas saber que o amor existia entre outros casais dava o conforto que o
coração ferido de Eve tanto precisava. Em algum lugar, alguém esperava
para capturar seu coração e mantê-lo para si.
Ela terminou de se vestir e já estava no andar de baixo esperando,
quando o irmão e a nova esposa chegaram.
— Eve, minha irmã, é ótimo revê-la. — Hattie disse.
Eve sorriu e a abraçou.
Will entregou seus casacos e chapéus a um lacaio e acompanhou a
esposa até a sala de visitas da família. O olhar de contentamento em seu
rosto mexeu com o coração de Eve. Ela jamais viu o irmão tão feliz. Quase
brilhava.
— Ah, aí estão. Meus dois recém-casados favoritos. — Charles
anunciou. De braços abertos, ele abraçou Will e Hattie como um só.
Adelaide e Caroline logo se juntaram ao feliz encontro.
— Onde está aquele cabeça nevada do meu irmão? — Will perguntou,
quando Francis não apareceu.
— Francis enviou um pedido de desculpas. Ele e Harry receberam
convites de última hora para uma festa na Residência Carlton, e sentiram
não ser bom recusar um convite do príncipe regente. — Charles disse.
Eve estava orgulhosa do irmão mais novo. Ele estava começando a se
destacar como um empresário astuto, e o recebimento de convites da nata
da sociedade londrina estava se tornando uma ocorrência regular. Nunca
faltava alguém procurando aumentar as moedas no próprio bolso, buscando
o conselho de alguém que conhecia os caminhos do mundo.
A família se reuniu em torno dos sofás e cadeiras, dispostos em
semicírculo. Will e Hattie sentaram-se de mãos dadas, próximos um do
outro, em um dos sofás menores. Toda vez que Hattie olhava para o marido,
ele apertava de leve a mão da esposa.
Dois lacaios entraram na sala. Um deles carregava uma bandeja repleta
de taças de champanhe, que colocou sobre a mesa no meio dos móveis
arranjados. Um segundo colocou duas garrafas de champanhe na mesa e,
em seguida, os dois saíram da sala em silêncio.
Will levantou-se do sofá, pegou uma das garrafas de champanhe e
trabalhou para soltar a rolha. Eve reconheceu-a como sendo uma marca
francesa seletiva e cara.
Charles e Adelaide se entreolharam e levantaram-se.
— Gosset. É alguma ocasião especial? — Charles perguntou.
Um forte estampido ecoou pela sala, quando Will enfim arrancou a
rolha da garrafa. Com a champanhe borbulhando, ele encheu depressa as
taças.
Hattie levantou-se do sofá e pegou duas das taças cheias. Ela entregou
uma para Adelaide e outra a Charles.
— Temos novidades.
Não demorou mais do que um segundo para que o olhar no rosto de
Adelaide mudasse de um de leve interesse para um de alegria chorosa. Ela
se agitou por um instante, antes de jogar a taça de champanhe nas mãos do
marido. Ela puxou Hattie para um abraço.
— Ora, é magnífico. Não fazem ideia de há quanto tempo quero ser
avó. Você é uma menina maravilhosa.
Will virou-se para Eve e Caroline, que também estavam de pé e
entregou uma taça para cada uma.
— Vou ser pai. — ele disse.
Caroline logo caiu em lágrimas, enquanto ao seu lado, Eve fez alguns
cálculos rápidos de cabeça. Will e Hattie não estavam casados há tanto
tempo.
Ela fez uma nota mental para interrogar Hattie ainda mais em algum
momento. Eve suspeitava que o relacionamento entre Hattie e Will pode ter
começado algum tempo antes de eles tornarem o namoro público.
— Parabéns. É uma notícia maravilhosa. Prometo que Caroline e eu nos
esforçaremos para ser as melhores tias que pudermos ser, e se falharmos
miseravelmente, faremos questão de mimar seus rebentos, portanto,
manteremos escondido nossos fracassos. — Eve disse.
Caroline riu entre lágrimas e assentiu.
— Sim, o estrago nas crianças será sutil, mas irrevogável.
Eve deu um tapinha amigável nas costas da irmã.
Hattie se aproximou de Will, que colocou um braço ao redor dela,
puxando-a para perto. Ele beijou-lhe os cabelos claros e disse:
— Eu disse que ficariam animados.
A alegria no rosto de Hattie fez o coração de Eve tremer. Hattie merecia
toda a felicidade do mundo. Ela trouxe luz de volta à vida de Will, uma que
Eve temia que ele jamais voltaria a ter após a morte da primeira esposa.
Com um bebê agora a caminho, uma nova felicidade preencheria suas
vidas.

Eve bocejou. A champanhe e a ceia, rosbife e legumes, a deixaram saciada,


mas cansada.
A noite foi repleta de risos e alegria incontida. Adelaide e Charles
passaram boa parte da noite chamando um ao outro de vovó e vovô. O
brilho nos olhos da mãe foi intenso durante todo o jantar.
Eve pediu licença da mesa.
— Darei um passeio no jardim, para pegar um pouco de ar fresco e
restaurar minhas energias. Não vou demorar.
Hattie se inclinou para Will, e uma troca sussurrada ocorreu entre eles.
Will assentiu.
— Irei com você. — ofereceu Hattie.
De braços dados, elas saíram da sala e seguiram para o jardim dos
fundos.
Assim que entrou no ar frio da noite, Eve sentiu-se revigorada.
— Surpreende-me que não esteja pedindo para ir embora. Ouvi dizer
que mulheres na sua condição costumam cansar-se depressa. — ela disse.
Hattie riu.
— Passei quase toda a tarde na cama. E isso após ter me levantado bem
após as nove da manhã. Juro que estou começando a desenvolver o hábito
de Will de dormir até tarde todos os dias.
— Mas e o sopão? Pensei que ia ao mercado de manhã e seguia direto
para St. John, não é? — Eve indagou.
Elas caminharam até um banco de jardim próximo e se sentaram.
Francis havia convencido o pai a instalar uma das lâmpadas a gás ali, uma
novidade, e assim, o raro luxo de um jardim bem iluminado à noite lhes era
proporcionado.
Hattie ajeitou-se mais na frente no banco e virou-se de frente para Eve.
— Faz um tempo que não preciso ir ao mercado às primeiras horas, pois
tenho um novo assistente. Ele vai ao mercado para mim e começa a
preparar os legumes antes de eu chegar. Ele também faz um empanado
bastante delicioso que pode ser levado para casa por aqueles paroquianos
com familiares doentes que não podem frequentar a igreja. — ela explicou.
A porta do jardim se abriu, e Will apareceu.
— Já contou?
Hattie balançou a cabeça.
— Eu estava prestes a contar, chegou um segundo cedo demais.
— Contou o quê? — Eve perguntou.
— Freddie Rosemount é meu novo assistente. Eu o encontrei uma
manhã em Covent Garden, e após uma visita à capela da Paróquia de St.
John, ele se ofereceu para ajudar. — Hattie disse.
Se tivessem pedido para Eve montar uma lista com mil coisas que
Hattie poderia ter dito naquele instante, Freddie estar trabalhando no Sopão
de St. John não seria uma delas. Após todas as coisas detestáveis que ele
disse a Hattie, acerca desse mesmo trabalho, Eve não podia conceber
Freddie tendo a coragem de aparecer na porta da igreja.
— Como assim, ele se ofereceu para ajudar? — Eve perguntou.
Will se aproximou.
— Ele reconheceu os próprios erros.
Eve bufou.
O único jeito de Freddie perceber os próprios erros, seria alguém o
obrigar a falar após ser acertado na cabeça com algo pesado. Mesmo assim,
ele encontraria um jeito de culpar outra pessoa.
— Na verdade, o que você quer dizer é que ele procurou sua caridade
após o pai dele o cortar, e você o forçou a ajudar. Não me diga que ele teve
a pachorra de pedir esmola do seu sopão.
— Não. Ele estava fazendo as próprias compras de manhã cedo no
mercado, e eu o vi. Para ser justo com ele, ele tentou me evitar. Estava com
vergonha de me enfrentar após tudo o que aconteceu entre ele e a família
Saunders. Fui eu que estendi a mão para ele. — Hattie respondeu.
A capacidade de Hattie de ver o bem em todos estava além da
compreensão de Eve.
— Então, por que ele foi até St. John?
— Ele queria o que todos queremos: pertencer a algo. Pelo pouco que
ele disse, sei que ele tem muita vergonha do que fez. Não tem certeza de
como pode se aproximar de você. — respondeu Hattie.
— Por que ele gostaria de se aproximar de mim? Ele falou que não me
queria. O que mais há a dizer?
Will colocou a mão no ombro de Eve.
— Acredito que pode descobrir que ele a ama. E até você dizer o
contrário, ele continuará agarrado ao fio de esperança de poder reencontrar
o caminho para a sua vida.
Eve estudou o irmão por um instante. Era um homem diferente do Will
jovem e impetuoso, que deixara a família há cinco anos, perseguindo o
perigo inebriante da vida como espião. Hattie trouxera o lado mais suave e
equilibrado dele à superfície.
Dúvida se infiltrou na mente de Eve. Ela se convenceu de que Freddie
não a amava, que foi só um interesse passageiro. Que ela foi um peão na
jornada de ganhar uma vaga no Conselho dos Bacharéis, e ela foi cega para
a realidade até ser tarde demais. Então, por que Freddie teria qualquer
esperança no amor de Eve?
Com relutância, Eve deixou Hattie segurar sua mão.
— E o que querem que eu faça?
— Nada. Will e eu concordamos em ficar de fora deste assunto, a menos
que deseje que falemos com Freddie por você. Ele nos pediu para contar da
presença dele em St. John, para o caso de você decidir visitar a paróquia e o
encontrar lá. Ele está bem ansioso para evitar mais dissabores entre você e
ele. — Hattie respondeu.
Eve levantou-se do banco e seguiu para a porta da casa. Antes de chegar
ao primeiro degrau, ela parou.
— Não sei o que dizer acerca dessa notícia inesperada, mas agradeço a
ambos por serem honestos comigo. Seria um choque enorme visitar a igreja
e descobrir Freddie trabalhando lá. Prometo avisá-los, antes de visitar da
próxima vez. Como Freddie disse, todos gostaríamos de evitar mais
dissabores.
Ela voltou a entrar, mas decidiu não voltar para a sala de jantar. Seria
impossível manter uma conversa despreocupada com a família com Freddie
agora girando em sua mente. Will e Hattie entenderiam seus motivos de não
ficar para se despedir.
Já no quarto, Eve foi célere ao trocar de roupa e poder dispensar a
criada pelo resto da noite. Com o manto quente enrolado em torno de si, ela
se sentou na janela do quarto. Abriu as cortinas e olhou para a rua abaixo.
Um fluxo constante de carruagens e pessoas passava na frente da casa.
Os grupos sociais estavam em movimento, rumo ao próximo local de
entretenimento para a noite. Muitas vezes por noite, ela mesma se preparava
para se juntar à multidão de foliões de madrugada, mas esta noite ela estava
feliz por ficar em casa.
O humor dela foi de frivolidade leve pela notícia do bebê de Hattie e
Will para um de profunda reflexão.
A mudança de Freddie no mundo foi inesperada. Ela pensou que ele
continuaria fora de sua esfera até que ao menos o pai dele voltasse a recebê-
lo.
Embora Hattie visse o bem em todos e tivesse como missão de vida, a
salvação dos outros, ela não era cega. Se Freddie estivesse escondendo algo
de Hattie, ele já teria descoberto que ela não era feita de tola por ninguém.
Will também era dono de uma mente afiada. Se ele pensasse que Freddie
estava com alguma brincadeira em relação à irmã, ele teria aprimorado o
trabalho de reajuste facial de Francis, mostrado a porta para Freddie em
dois tempos.
Que brincadeira era essa?
Ela enxugou uma lágrima, decepcionada ao descobrir que ele ainda
conseguia fazê-la chorar. A única certeza dela agora era precisar se afastar
dele. Encontrar um jeito de aceitar as cicatrizes impressas em seu coração e
encontrar um novo amor.
Ela aprendeu algumas lições difíceis ao ter o coração partido com tanta
crueldade, lições que pretendia colocar em bom uso. No entanto, antes que
pudesse procurar um novo parceiro para a vida, Freddie ainda era uma
questão.
Eles não se cruzavam desde a noite em que Francis agraciou Freddie
com os punhos. Na época, a raiva que sentia dele era crua demais para ela
pensar em como seriam os encontros futuros. A alta sociedade não era tão
grande a ponto de ela conseguir passar o resto da vida circulando com a
certeza de jamais voltar a pôr os olhos nele.
Ela soltou um suspiro suave de resignação. Só havia uma coisa a fazer.
Por mais difícil que fosse, ela precisava se encontrar com Freddie. Ainda
não entendia por que ele a rechaçara. Se ele nunca quis se casar com ela,
então por que ser tão cruel?
— E por que diria para Hattie que me ama? — ela sussurrou.
Se nada mais viesse de reencontrar Freddie, ela poderia ao menos ter
algumas perguntas respondidas. Uma compreensão das ações dele
permitiria a cura dessa mágoa.
Se ele não a quisesse, ela poderia encerrar esse capítulo da vida e
começar de novo.
Mas e se ele a quiser? Posso arriscar meu coração mais uma vez?
Capítulo Trinta e Três

F reddie já estava acordado e planejando seu dia às cinco e meia da manhã


seguinte. Ele nunca foi um madrugador, mas este era um hábito de que
começava a gostar.
Antes de ir para o mercado em Covent Garden, ele examinou o livro de
receitas e verificou os ingredientes necessários para uma versão com frutas
do empanado. O empanado de legumes tornara-se bem popular entre os
visitantes do sopão, mas queria proporcionar uma nova experiência aos
amigos de St. John. Algo para provocar as línguas quando as barrigas
estivessem cheias.
— Maçãs com especiarias. Hum, não sei se a despensa da igreja se
estende a especiarias. — ele disse.
No entanto, ele não se daria por derrotado. No fundo de uma prateleira
alta da cozinha, ele se deparou com um pequeno pote com cascas de laranja
preservadas.
— Isso bastará. — ele disse, tirando o pó da tampa.
O aroma de laranjas penetrou o nariz quando ele abriu o frasco e
inspirou. Com a emoção agora borbulhando na mente, ele voltou correndo
para o livro de receitas e virou as páginas até encontrar a receita de
conserva de laranjas. Ele poderia usar o pote encontrado para fazer alguns
testes, mas precisaria de frutas frescas para fazer os empanados em
quantidade.
— Maçãs e laranjas, isso.
Ele pegou o casaco e deu um adeus amigável a Zeus.
— Se minha nova receita der certo, prometo fazer torta de maçã
especial para um cachorro. Enquanto isso, se puder manter-se longe do
resto da casa, ou pelo menos não mastigar nada novo hoje, eu ficaria muito
grato.
Fechando a porta da cozinha ao sair, ele parou no jardim dos fundos,
aproveitando os primeiros raios de sol, enquanto abotoava seu longo casaco
quente.
— Será um bom dia. Posso sentir que sim. — ele disse, seguindo para a
rua de trás.
Andar pelas ruas de Londres na hora que antecedia o amanhecer dava
uma perspectiva diferente acerca da maior cidade do mundo. Havia uma
energia no movimento apressado dos muitos carrinhos de entrega e criados
domésticos que ele considerava fascinante. Os ricos e poderosos de Londres
logo acordariam com cafés da manhã quentes e flores frescas, tudo
comprado de madrugada nos mercados da cidade.
Ele se encontrou com os dois lacaios de Will e Hattie. Enquanto Hattie
não voltasse a fazer as compras de mercado todas as manhãs e, sendo assim,
não precisasse de proteção, ele ainda faria uso dos pares de mãos extras
para ajudar a levar os alimentos frescos até St. John.
— Bom dia, meus camaradas. Precisamos de alguns ingredientes extras
hoje. — ele disse.
Eles chegaram no mercado em pouco tempo. Os comerciantes agora
deixavam o pedido de Freddie pronto para quando ele chegasse. Às nove
horas, ele estava na cozinha da igreja de St. John com a maioria dos
legumes do dia descascados, picados e prontos para a panela. Ele estava
sentado à mesa calculando quanto de farinha precisaria para seu primeiro
lote de empanados de frutas.
— As cherívias parecem um pouco tristes esta manhã.
Freddie ergueu o olhar de seu trabalho na mesa e viu Hattie parada na
porta. Ela havia conseguido chegar antes das dez, mas seu rosto estava
pálido e abatido.
— Sim, não havia muita quantidade. Comprei batatas extras para
aumentar o volume da sopa. Hoje, tentarei fazer empanados de frutas e
perguntar o que as pessoas acham. Se gostarem, farei um lote maior
amanhã. Há água quente no fogão se quiser uma xícara de chá. — ele
respondeu.
Hattie tirou manto e chapéu e os pendurou em um gancho próximo, mas
em vez de seguir com sua rotina habitual e fazer uma xícara de chá fraca,
ela veio até o lado dele.
— Temos uma visitante. Ela está esperando do lado de fora, no jardim,
se você concordar em vê-la.
Hattie não precisava mencionar o nome da visitante. Ele sabia. Freddie
rangeu os dentes, a autoconfiança vacilava.
— Contou a ela que eu estava aqui?
Hattie assentiu.
— Como combinamos, assim podemos evitar qualquer dissabor.
Nenhum dos dois merece ter uma dor tão particular exposta para todos
verem.
Freddie segurou a mão de Hattie e a ergueu aos lábios. Era uma mulher
maravilhosa. Conseguia fazê-lo se sentir tão pequeno às vezes, mas ele
ainda vinha trabalhar em St. John todos os dias porque ela o fazia querer
fazer o bem. Ser um homem melhor.
— Vá conversar com ela. Diga que está arrependido de como as coisas
terminaram. Se nada mais vier de vê-la, ao menos terá conseguido oferecer
um pedido de desculpas. — ela o aconselhou.
Ele esticou os braços para tirar o avental, mas parou o movimento. Não
que ele não esperasse que Eve permanecesse muito tempo na igreja, mas ele
precisava que ela o visse em sua verdadeira luz. Visse o verdadeiro Freddie
Rosemount, não o dândi pomposo com quem ela havia decidido se casar.
— Ela gosta de chá adoçado com um pouco de mel. — Hattie disse.
Freddie aceitou a dica. Seria difícil enfrentar Eve, uma oferta de paz em
forma de chá poderia ajudar a situação.
Com xícaras na mão, ele foi para o jardim aquecido e iluminado pelo
sol. Eve parou de examinar o jardim de ervas e, assim que o olhar recaiu
nele, toda a bravura que ele havia forjado, desapareceu depressa.
Eve endireitou as costas e avançou confiante, parando bem na frente
dele, ela limpou a garganta.
— Freddie.
Ele havia se esquecido de como ela era bela, de como a simples visão
dela agitava a alma dele para a vida. Como ele esteve tão perto de ganhar o
maior prêmio de uma vida, apenas para jogá-lo fora em um rompante de
egoísmo precipitado.
Se ele não tivesse agido como um maldito tolo, ele poderia puxá-la para
um abraço agora, e ela o deixaria beijá-la. Eve seria dele, e eles teriam
futuro.
Em vez disso, ela era pouco mais do que uma estranha. Uma estranha
que ainda dominava o coração dele.
— Chá? — ele enfim conseguiu dizer, oferecendo a xícara.
Ela pegou e, para surpresa dele, sentou-se em um caixote virado para
cima, ao lado dos degraus. Ele a observou por um instante, inseguro de si,
então decidiu ser melhor seguir o exemplo. Sentou-se à beira do degrau
próximo e tomou um gole de chá.
— Lindo dia para se estar ao ar livre. Este deve ser o primeiro dia de sol
mesmo que temos em semanas. — ela disse. Eve fechou os olhos e se
recostou contra a parede cinza e de pedra da igreja. Ela ergueu a xícara até
os lábios e tomou devagar o chá quente.
Freddie assistiu, com fascínio infinito, a luz do sol brilhando naquele
rosto. Ela era tão diferente das outras moças da alta sociedade londrina.
Estava confortável sentada ao sol no jardim minúsculo e esparso de uma
das igrejas mais pobres da capital.
Ele arrancou o olhar dela e virou-o para os canteiros de jardim
próximos, lembrando-se de fazer algo para cavar o solo e fazer um jardim
de ervas maior para uso da cozinha.
— O chá está bom. O mel parece ter um tempero particular. Quem o
fez?
Ele abandonou suas reflexões e deu outra olhada em Eve.
— Eu fiz. Eu gosto de colocar uma ou duas pitadas de canela moída no
mel. Acrescenta um sabor interessante.
Ela riu de leve.
— Agora gosta? Soa como um verdadeiro conhecedor da arte de
preparar chá. Eu nunca pensaria em você como um homem capaz de
preparar um bom bule.
Ele viu o brilho do humor nos olhos dela. A Eve que ele conhecia, a
garota cheia de vida e risos, ainda estava lá. Ele não a esmagara por
completo.
— Precisei aprender a me virar. Suponho que saiba, assim como o resto
de Londres, que meu pai me cortou. — ele respondeu.
— Sim. Estou ciente de que ele o fez. Ele estava muito zangado com
você na última vez que o vi na Abadia Rosemount. Ele não aceitou muito
bem sua escolha de terminar comigo. Nem eu.
Freddie respirou fundo. Ele foi um canalha egoísta e egocêntrico ao
abandoná-la para ganhar a vaga do Conselho dos Bacharéis. Agora, a mera
lembrança daquele antro de corrupção doentia fazia seu estômago girar.
— Confesso que fiquei um pouco mais do que surpresa ao descobrir que
está trabalhando no sopão. Não me parece um lugar que você se sentiria
muito confortável. — Eve continuou.
Eve estava com razão em um aspecto. Uma igreja simples, às margens
da maior concentração de cortiços de Londres não era o lugar em que se
esperaria encontrar o filho de um visconde. No entanto, ela estava errada
em pensar que Freddie não pertencia a este lugar.
Entre as pessoas da paróquia ele encontrou sentido para a própria vida.
Nas palavras e ações gentis de Hattie e Will, ele também encontrou algum
perdão por seus erros.
O abismo entre ele e Eve, no entanto, ainda era tão largo quanto o mar.
A última carta de Osmont Firebrace estava em seu bolso. Todas as
manhãs, quando se levantava, ele puxava-a e a relia. A nota o lembrava de
por que passara a viver a vida daquele jeito, e que ele teria muito a expiar
no mundo. Também era uma lembrança amarga do amor que perdeu.
— Por que veio? — ele perguntou.
Quando ela o olhou, ele notou cautela naqueles olhos. Claro, ela não
confiava nele, e depois do que ele fez, não era de admirar.
— Vim aqui hoje porque queria vê-lo. Preciso entender o que fez
comigo e por que o fez. Só assim poderei começar a seguir com a minha
vida. No entanto, a primeira pergunta que devo fazer é por que está aqui, e
não em casa, em Peterborough tentando fazer as pazes com seus pais?
Ele drenou o conteúdo em sua xícara de chá e a colocou no degrau ao
lado do corpo. Havia muitas versões diferentes da verdade que ele poderia
usar. O quanto da verdade ela estava disposta a ouvir era algo que ele teria
que arriscar.
— Estou aqui porque fiz muitas coisas nos últimos meses, em especial
durante os desafios do Conselho dos Bacharéis, de que me envergonho
profundamente. Não estou aqui apenas por ser cortado pelo meu pai. Causei
muita dor às pessoas próximas de mim e envergonhei minha família.
Também a tratei muito pior do que como o mais baixo dos canalhas a
trataria. Se está perguntando o que eu tenho a dizer daquele último dia na
Abadia Rosemount, o que gostaria que eu dissesse?
Ela se levantou da caixa e parou diante dele, a xícara protegida pelas
duas mãos. Ele viu a rigidez na postura dela, a tensão nos ombros. O
coração dele se doeu por ela. Era óbvio que demandara muito dela vir vê-lo
esta manhã para buscar a verdade.
— Quero saber de tudo. Não deixe nada de fora. Não importa o quão
horrível seja, precisa me contar. Já quebrou meu coração em mil pedaços,
não há mais nada para quebrar. — Eve disse.
Freddie alcançou o bolso da jaqueta e tirou o bilhete de Osmont. Era
justo que ela o lesse, pois sofreu toda a intensidade daquelas instruções frias
e claras. Sem dizer uma palavra, ele entregou o papel a Eve.
Ela abriu o papel, e ele prendeu a respiração enquanto ela lia cada
palavra com cuidado. Quando terminou, ela dobrou o bilhete e o enfiou na
retícula.
— Obrigada pelo chá. Estava uma delícia. Por favor, diga a Hattie que
eu precisei ir. Minha carruagem está lá fora me esperando.
Com isso, ela girou nos calcanhares e saiu do jardim.

Freddie terminou o trabalho na igreja. Ele não se preocupou com a nova


receita de empanados de maçã, decidindo que precisaria esperar até o dia
seguinte, quando sua mente estivesse, com sorte, mais calma. Ele quase não
falou nada com nenhum dos paroquianos enquanto servia a comida.
Hattie propôs que ele fosse embora mais cedo do que o habitual.
— Desculpe-me. Eu deveria tê-lo avisado antes que Eve poderia visitar-
nos esta semana. Eu não imaginava que o abalaria tanto. — ela disse.
— A culpa não é sua. Eve e eu estávamos fadados a nos reencontrar em
algum momento. Mas sim, acho melhor ir para casa. — ele respondeu.
A mente de Freddie estava focada, de um jeito peculiar, durante a
caminhada de volta para a Praça Grosvenor. Teria ele cometido um grave
erro ao dar a carta de Osmont Firebrace para Eve? O rosto dela não
demonstrou reação ao ler o bilhete. Ele esperava lágrimas, ou pelo menos
um punhado de xingamentos, mas ela não fez nada.
Ao chegar em casa, ele deixou-se entrar pela porta da cozinha. Zeus o
recebeu com o rabo abanando de alegria e o que Freddie supôs serem os
restos de uma das almofadas bordadas à mão da mãe, das que ficavam na
sala de estar do andar de cima. A pobre almofada foi adicionada à lista
crescente de itens que o cão mastigou, ou dilacerou, nas últimas semanas.
Mesmo quando pai enfim devolvesse acesso aos fundos, ele estaria mais
pobre do que um rato de igreja. Levaria meses para substituir todos os itens
danificados e quebrados da casa.
Ele fez tudo o que considerava possível para manter Zeus debaixo das
escadas durante o dia, mas o cachorro era muito mais esperto do que seu
rosto desajeitado e desequilibrado dava a entender. Era uma pena que o pai
tivesse levado algumas das chaves da casa com ele, deixando Freddie
incapaz de garantir que Zeus ficasse fora de determinados cômodos.
Ele abriu o saco de carne para cachorro que ele havia comprado no
mercado naquela manhã e o despejou na tigela de Zeus. O som das unhas
no chão de pedra ecoou enquanto Zeus empurrava Freddie para um lado na
pressa para chegar à comida.
— Calma, garoto. — Freddie murmurou.
Enquanto Zeus comia o jantar, Freddie puxou alguns pequenos troncos
da pilha de lenha à beira da lareira e os arranjou acima das brasas
remanescentes do fogo aceso mais cedo naquela manhã. Usando os
atiçadores, ele conseguiu provocar o fogo o bastante para logo ter uma
pequena chama lambendo a borda da madeira. Ele varreu o pó de madeira
das mãos e, em seguida, pendurou a chaleira acima das chamas.
Em pouco tempo a água estava quente, e ele se acomodou na mesa da
cozinha para tomar uma xícara de chá. Levantou a tampa do pote de mel e
pegou uma colherada. Ele estava prestes a ralar um pequeno pedaço de
canela no copo quando se lembrou das palavras de Eve.
Você quebrou meu coração em mil pedaços.
Ele colocou o pau de canela na mesa e o encarou.
As coisas boas da mãe poderiam ser substituídas. Até mesmo as botas
dele, toda mastigadas, podiam ser reparadas, mas não havia nada que ele
pudesse fazer para desfazer o que fez com Eve. Ele sempre seria o homem
que esmagou o coração dela. Mais uma de suas primeiras vezes de que não
se orgulharia.
E agora, ela estava pronta para seguir com a vida e encontrar o amor em
outra pessoa. Ele deveria estar feliz por ela o ter superado, que ele seria
apenas um conto de advertência em seu passado.
Outra pessoa.
Outra pessoa a abraçaria e beijaria aqueles lábios macios como o
pecado. Outro homem conheceria o som profundo, vindo da alma, que ela
faz ao chegar ao ápice. Outro teria…
— Maldição.
Ele foi ingênuo ao pensar que Eve nunca visitaria a cozinha de St. John.
Seu único santuário das próprias maldades não era mais um santuário.
Todos os dias, ele olharia para a porta, da mesa da cozinha, esperando para
ver se ela reapareceria. Ela nunca o deixara de verdade. Os sonhos eróticos
com ela continuavam todas as noites. Ele se esforçou para dar outro rosto à
mulher com quem sonhava fazer amor, mas Eve se recusava a desistir de
seu domínio sobre ele. Noite após noite, ele a via debaixo dele, os lábios se
separando enquanto um grito suave a deixava quando ele reivindicava seu
amor.
Vê-la em carne e osso nesta manhã só reforçou o domínio. Ele sabia ser
mais do que luxúria. Durante todo o tempo em que ela esteve no jardim, ele
quis estender a mão e puxá-la para um abraço. Segurá-la e implorar por
perdão. Oferecer o que fosse preciso para ela o presentear com um sorriso
mais uma vez.
— Sim, você garantiu, sem dúvidas, que ela nunca mais lhe concederá
um minuto do próprio tempo. — ele murmurou.
Ele se perguntou quantas vezes ela leria o bilhete de Osmont. Será que
ela o teria rasgado em mil pedaços como ele fizera com o coração dela? Ou
a carta já seria uma pequena pilha de cinzas frias na lareira do quarto dela?
Ele rezava para que ela a tivesse destruído no instante em que voltou para
casa. A última coisa que ele desejava era que ela se sentasse e encarasse
aquele maldito pedaço de papel, remoendo tudo o que foi tirado dela com
tanta crueldade.
Não era a primeira vez, desde que ele fugiu para a floresta da Abadia
Rosemount, que Freddie analisava sua fatídica decisão. Havia demasiados
momentos “E se…” para que ele tivesse sucesso no avanço com a própria
consciência.
Ele pegou o pau de canela e quebrou um pedacinho, mexendo o chá
com ele. O estrago estava feito. Ao menos, agora Eve saberia toda a
verdade do que aconteceu na Abadia Rosemount. Que a culpa nunca foi
dela, nem um pouco. Ele precisaria aceitar essa pequena graça e seguir com
a vida.
Capítulo Trinta e Quatro

E ve estava orgulhosa de si. Ela não chorou na carruagem a caminho de


casa, na Rua Dover. Enfrentou o jantar com os pais e ainda conseguiu sorrir.
Quando ela, Francis e Caroline saíram para uma festa no final da noite, ela
estava, sem dúvidas, radiante.
Ao deixar Freddie, sentado sozinho no jardim da igreja de St. John, uma
velha citação bíblica do livro de João flutuou em sua cabeça.
Então, conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.
Seu tio Hugh, o bispo de Londres, ficaria orgulhoso dela. Ela tivera uma
revelação capaz de mudar a vida bem ali, no meio de um jardim de igreja.
A carta não era portadora do desgosto que tanto temia quando Freddie a
entregou. Ela trouxe o dom do conhecimento que Eve tanto desejava. Eve
entendeu por que Freddie terminou o relacionamento. Ela deveria agradecê-
lo por tê-la poupado de passar o resto da vida com ele.
No entanto, apesar de toda essa autoconfiança, ela não conseguiu
escapar do fato inegável de que a honestidade inesperada de Freddie a
acertara no âmago.
Maldito, Freddie Rosemount. Não dava para simplificar, não é mesmo?
Após uma noite agitada, ela levantou-se cedo na manhã seguinte. Estava
vestida e pronta para sair de casa muito antes de qualquer outra pessoa da
família ter entrado na sala de café da manhã. Ela tomou uma xícara
apressada de café e comeu meia fatia de torrada, antes de pedir a
carruagem. Ela chegou a cogitar caminhar, mas as ruas que levavam a St.
Giles passavam pela casa de Will e Hattie, e ela não podia arriscar esbarrar
em nenhum deles.
A mãe dela teria um ataque quando descobrisse que Eve saiu de casa
sem uma criada ou um lacaio. Eve estava com muita pressa esta manhã para
se incomodar com formalidades, precisava ver Freddie.
Ela o amaldiçoou pela honestidade. Tudo seria muito mais fácil se ele
tivesse mentido para ela ou guardado toda a verdade para si. Em vez disso,
ele abriu a caixa de Pandora de todas as perguntas de que tanto precisava de
respostas.
Ao chegar à Paróquia de St. John, ela entrou pelo portão do jardim.
Encontrou Freddie na cozinha, ocupado lavando batatas.
— Bom dia.
Ele ergueu a cabeça, e ela logo sufocou o prazer pela surpresa do olhar
de choque que viu no rosto dele.
Eu não espero que queira voltar a me ver.
— Eve?
Ela puxou da retícula a carta recebida no dia anterior e a balançou na
frente dela.
— Creio estar na hora de você e eu termos uma conversa honesta
quanto ao Conselho dos Bacharéis. Depois do que fez comigo, eu diria que
está em dívida comigo.
Ele parou de lavar as batatas e enxugou as mãos no avental. Os
movimentos dele eram lentos, resguardados. Ela sentiu que ele tentava
controlar as emoções.
— Muito bem. Embora eu deva dizer que estou surpreso ao vê-la aqui
hoje, não esperava cruzar com você de novo. Na verdade, meio que
esperava ver Francis.
Eles voltaram para o jardim e retomaram os mesmos assentos da manhã
anterior. Quando Freddie se ofereceu para fazer outra xícara de chá para
Eve, ela o interrompeu.
— Se eu não o estrangular após conversarmos, talvez possa me fazer
uma xícara de chá. Eu entendo o quê da carta de Osmont Firebrace, mas
não o porquê. Pensei que talvez pudesse lançar alguma luz neste assunto. —
ela disse.
Ele assentiu.
— Sim, claro. Era esperado que tivesse perguntas. Por onde começar?
Bem, em primeiro lugar, posso afirmar que nunca tive a intenção de
terminar tudo como terminou. Eu não me propus a magoá-la. Você foi uma
jogadora brilhante. Mesmo antes de partirmos para a Abadia Rosemount, eu
estava bem à frente de Mewburton e Embry.
Ela ignorou o comentário acerca dos outros jogadores. Ela não dava a
mínima para o resultado do jogo.
— Sempre soube que o objetivo do jogo era garantir uma vaga no
Conselho dos Bacharéis. O que não sabia, era que o Conselho é uma
sociedade secreta de homens que detêm grande poder em Londres. A razão
para alguém como eu querer um assento, é porque como segundo filho, eu
nunca herdarei um título ou terras de meu pai. Terei uma pequena herança,
nada mais. O Conselho dos Bacharéis me ofereceu uma oportunidade
inestimável de ser algo mais do que apenas o segundo filho do meu pai.
As palavras dele faziam sentido. Uma posição entre homens de poder e
influência valia a pena conquistar. Contudo, a parte que a manteve acordada
por quase toda a noite anterior foi: por que o jogo incluía a necessidade de
partir o coração de uma mulher que o amava. O resto dos desafios eram
brincadeiras tolas. Partir o coração de alguém era um ato até maligno.
— Por que a necessidade de partir meu coração? O que conseguiria com
isso?
Ele fechou os olhos e suspirou.
— Consegui exatamente o que o desafio pretendia. Mostrar-lhes que eu
faria qualquer coisa para ganhar um assento no Conselho dos Bacharéis,
que eu não possuía escrúpulos. Só após eu voltar para Londres que comecei
a descobrir que seu coração partido era apenas uma parcela adiantada do
que queriam de mim. Mesmo que eu tivesse o dinheiro para comprar minha
entrada no Conselho, eles teriam me pegado com alguma armadilha. Basta
dizer que Osmont Firebrace é um homem maligno que gosta de destruir a
vida dos outros. O preço para se juntar ao conselho é muito mais do que
apenas dinheiro. Como decisor do conselho, ele exige não apenas sua
dignidade, mas sua própria alma.
— E você decidiu que não estava preparado para pagar esse preço?
— Sim, mas percebi tarde demais que eu já paguei um preço alto ao
terminar com você. Eu só gostaria de poder fazer algo para impedir que
pessoas como Osmont continuassem com essa corrupção distorcida de
jovens. Tenho certeza de que não sou o primeiro, nem o último, que vão
arruinar.
Eve levantou-se e começou andar de um lado ao outro do caminho do
jardim. Era estranho, mas ela estava orgulhosa de Freddie. Ele passara a
olhar para além dele mesmo, estava pensando em como poderia definir um
futuro melhor para os outros. Quando voltou para onde ele estava, ela
parou.
— E Will? Já pensou em falar com meu irmão? Ele talvez possa dar
alguns conselhos em sua busca para derrubar Osmont. Pode até aconselhá-
lo a deixar o assunto para lá, mas conhecendo-o, duvido disso. Ao menos
assim, você não passará o resto da vida se perguntando o que poderia ter
feito para salvar outros homens de um destino semelhante ao seu. — ela
disse.
Freddie encontrou o olhar dela. Era tão típico do relacionamento deles,
enquanto Eve pensava com clareza, tentando encontrar formas de ajudá-lo a
lidar com o Conselho dos Bacharéis, a própria mente estava focada em
querer puxá-la para seus braços.
Ele levantou-se do degrau.
— Um minuto, por favor. Preciso checar a sopa.

Freddie voltou para a cozinha, o coração acelerado. Lidar com Osmont


Firebrace não havia passado pela cabeça dele até então, mas as palavras de
Eve soaram verdadeiras. E se ele pudesse fazer algo para parar Osmont?
Ele caminhou até a grande panela de sopa, que fervia em fogo baixo.
Ele pegou uma colher de pau e estava prestes a mergulhá-la no líquido
quando parou.
Osmont e seus comparsas podiam esperar.
A urgência mais premente era a questão com Eve. Ela o esperava do
lado de fora, no jardim. Ele havia partido seu coração, e ela dizia querer
seguir em frente com a vida, mas estava aqui.
Será que havia uma chance remota de ele não ter queimado todas as
pontes com ela?
— Ela está aqui. Não desperdice esta oportunidade. — ele sussurrou
enquanto começava a mexer a sopa.
Ela pode nunca mais vir aqui, nunca mais estar sozinha com ele. Esta
pode ser a única chance de ele falar as palavras que o coração exigia que ele
falasse.
Ele observou como os legumes e grãos rodopiavam na sopa um pouco
borbulhante, virou-se e olhou para a porta para o jardim.
Pelo amor de Deus, vá até ela. Abra o coração.
Ele já a havia perdido. A esperança era pequena, mas ele precisava
arriscar. Então, baixou a colher, reuniu toda a coragem e voltou para o
jardim.
Eve estava encostada no muro alto de pedra, não muito longe do portão.
O portão que ela usou para sair na manhã anterior, o mesmo que ele não
esperava que ela voltasse a atravessar.
Com passos lentos e hesitantes, ele foi até ela e a pegou com gentileza
por uma das mãos. Ele a ergueu até os lábios e plantou um beijo carinhoso
na ponta dos dedos dela. Ele ouviu um suspiro suave e ergueu o olhar para
ver os olhos dela brilhando de lágrimas. Passou a mão na bochecha dela,
afastando uma das lágrimas daquele rosto.
— Eu poderia passar uma eternidade dizendo o quanto sinto por tudo o
que fiz. Enganar e traí-la foi a pior coisa que já fiz na vida. Eu poderia
repetir mil vezes que sei que perdi o maior amor da minha vida. Contudo,
sei que nada disso jamais apagará da minha memória o olhar em seu rosto
naquela tarde nos estábulos.
— Freddie. — ela murmurou.
Ele passou a mão por baixo do queixo dela e levantou o rosto dela para
se olharem nos olhos. O olhar dele recaiu naqueles lábios rosas e macios.
Lábios que ele sabia que deveriam ser dele para todos os tempos.
— Eu te amo. — ele disse. Os lábios dele desceram, mas surgiu uma
mão entre eles e afastou o rosto dele com cuidado.
— Ainda não.
Ele examinou o olhar dela.
— Quando?
— Se é mais adequado. Ainda há muito em que preciso pensar. Ainda
tenho muitas dúvidas. — ela disse.
A decepção queimou no coração dele, mas havia uma centelha de
esperança junto. Esperança, que até agora, ele pensava estar morta e
enterrada.
— Pode responder-me uma pergunta?
— Sim.
— Já me superou?
Ela caminhou em direção ao portão do jardim, parando a poucos metros
da entrada. Virou-se e olhou para ele.
— Não, não o superei, Freddie Rosemount. Disso, eu tenho certeza.
Capítulo Trinta e Cinco

F reddie parou do lado de fora da casa da Rua Newport e esperou. Ele


deixara uma missiva lá naquela manhã dizendo que desejava ver Will
Saunders. Ele era lembrado o tempo todo do quão dependente de uma
criadagem ele já foi em seu dia a dia.
Quando verificou o relógio de bolso pela quarta vez e viu ser perto das
onze horas, ele abriu o portão da frente e foi para a porta. Um mordomo
mais velho, mas jovial, o atendeu e, após Freddie lhe mostrar um cartão, o
levou para uma elegante sala de visitas no segundo andar.
— Vou avisar o Sr. Saunders que o senhor chegou. — ele disse.
Freddie estava ocupado examinando uma estranha coleção de olhos de
vidro quando ouviu a porta da sala de visitas se abrir. Ele abaixou um
grande olho vermelho e se virou para ver Will Saunders entrar.
— Bom dia, Will. Espero não ser um incômodo a esta hora. — Freddie
estendeu a mão e ficou aliviado quando Will a pegou.
Will olhou para a tigela de olhos de vidro e ergueu uma sobrancelha.
— Espero que esteja planejando roubar alguns desses. Prometo que
farei todos os esforços para me esquecer de quantos deles estão ali.
Pertencem ao pai de Hattie. Esta casa é dele, e estamos alugando-a,
enquanto ele está na África. O homem tem péssimo gosto para decoração.
— Will disse.
O olhar de Freddie moveu-se para as elegantes cadeiras ao redor da sala.
Não havia nada de terrível nelas. Falavam de um aguçado senso de gosto e
riqueza.
— Essas são minhas. Eu as trouxe comigo da França. — Will explicou.
Freddie sentiu-se mal. Enquanto brincava com as Regras Rudes junto a
Eve, ele fez pouco de Will e de seu tempo na França.
— Não posso nem começar a dizer o quanto sinto muito por todas as
tolices que falei para sua pessoa. Como tive a ousadia de zombá-lo após
tudo o que fez, com tanta bravura, por nosso país.
Havia muitas outras pessoas em Londres, e em casa, para quem pedir
desculpas, mas parecia certo tentar fazer as pazes com Will Saunders.
Freddie o respeitava muito. Muitos outros homens da alta sociedade
londrina não permitiam que as esposas trabalhassem com a população
oprimida e indigente das partes mais pobres da cidade. Will era de uma
espécie diferente de homem. Ser irmão de Eve acrescentou um significado
especial ao relacionamento deles.
O mordomo que atendeu a porta entrou na sala carregando uma bandeja
com um bule e xícaras muito mal equilibradas. Will deu alguns passos e
pegou a bandeja.
— Obrigado, Sr. Little. Assumo daqui. — Will colocou a bandeja em
uma mesa de centro próxima e indicou um lugar para Freddie. — Imagino
que sinta falta de ter criados. Confesso que a primeira vez que precisei
acender uma lareira demorei mais de uma hora.
Freddie ergueu uma sobrancelha. Nunca lhe ocorrera que alguém
conhecido já tivesse precisado realizar as tarefas que ele precisava
desempenhar agora.
Will olhou por cima do bule de chá.
— Eu deveria ser um humilde funcionário da Indústria dos Transportes
durante meu tempo em Paris. Não conseguiria manter uma casa, muito
menos uma criadagem. Fui solteiro nos primeiros meses em que estive na
França. Mas chega de falar de mim. O que posso fazer por você?
Freddie ajeitou-se na cadeira francesa artesanal e apertou as mãos. Ele
praticara seu discurso pela maior parte da noite anterior, mas na hora de
argumentar, ele temia que seus nervos falassem mais alto. Limpou a
garganta.
— Já ouviu falar do Conselho dos Bacharéis?
Will o fixou com um olhar aguçado
— Ouvi boatos quando era jovem, mas nunca dei muita atenção. Eu
estava ocupado com outros assuntos. Por quê?
— Eu e a Eve passamos por uma série de desafios para que eu
conseguisse entrar nesse Conselho. Todavia, na época em que jogávamos,
ela não sabia o verdadeiro propósito do jogo. Acreditava ser um jogo bobo,
que estávamos nos divertindo.
— Continue. — Will respondeu.
— Ganhei o direito de fazer parte do Conselho. Entretanto, com meu
pai me cortando após o que fiz com Eve, eu não consegui angariar fundos
para minha filiação. Foi quando Osmont Firebrace me fez uma oferta, que
eu alugasse meu corpo para outros membros do conselho. Antes que eu
tivesse a chance de recusá-lo, ele me drogou. Imagino que a intenção fosse
me estuprar e, em seguida, me forçar a fazer tudo o que ele pedisse em troca
de silêncio. Felizmente, consegui escapar do escritório dele, antes que as
drogas tomassem conta de mim por completo.
Lágrimas quentes vieram aos olhos de Freddie. A lembrança daquela
tarde estava enterrada no fundo de sua mente, ele recusou-se a permitir que
ela ressurgisse. No entanto, ele sabia que, se quisesse obter o apoio de Will,
teria que dizer a verdade.
Will sentou-se em silêncio, observando-o. Em seguida, levantou-se da
cadeira e dirigiu-se para um pequeno armário. Quando voltou, estava com
um copo grande quase até a borda de uísque.
— Esqueça o chá. Drene isso. Prometo mandá-lo para casa na minha
carruagem. — ele disse.
— Obrigado.
A hora seguinte foi a mais longa, e mais difícil, da vida de Freddie. Ao
final, Will Saunders conhecia toda a sordidez da história. Quando Freddie
terminou de relatar os eventos na Abadia Rosemount, sentou-se com a
cabeça baixa. Ele jamais sentiu tanta vergonha de si na vida. O pai tinha
razão, ele trouxe desgraça para sua família.
— Bem, isso explica o nome abominável e estúpido que deu ao
cachorro. Tenho certeza de que ele está grato pela decisão de trocá-lo por
algo mais sensato. O que agora me leva à pergunta, o que quer que eu faça
com Osmont Firebrace? — Will disse.
— Preciso fazer algo acerca de Firebrace e os amigos. Você é a única
pessoa a quem sinto que posso procurar por conselhos. — respondeu
Freddie.
Will recostou-se na cadeira e olhou para Freddie por cima de dedos
cruzados. A sala estava tão silenciosa que Freddie poderia jurar que ouvia o
cérebro de Will ruminando todas as revelações feias.
— Diga-me o seguinte: está fazendo isso por algum senso de dever
cívico ou é pura vingança? — Will perguntou.
Freddie considerou a questão por alguns instantes. Ele não esperava
uma conversa tão franca, e agora se chutava mentalmente por subestimar
Will.
Ele foi um espião, seu idiota.
— Para ser honesto, há uma pequena vingança incluída no meu intuito.
O jogo me custou o amor de uma garota maravilhosa e espirituosa. E sim,
fui eu que fiz a escolha entre Eve e o Conselho, esse fracasso é todo meu.
Entretanto, os membros do Conselho são predadores, se aproveitam das
inseguranças dos filhos mais novos. Fui um tolo por ser cego para as
motivações reais deles. Também não tenho dúvidas de que, se a família de
Lorde Godwin não tivesse intervindo, ele teria recebido um convite para
entrar e seria pego nessa armadilha. Esses homens precisam ser parados. Só
não sei como. Eve sugeriu que eu falasse com você.
Ele terminou o copo de uísque, perguntando-se para onde foi o resto,
enquanto colocava o copo na mesa. Foi uma experiência um tanto catártica
enfim falar com alguém dessa experiência nas mãos do Conselho. Embora
pudesse contar a Eve acerca do que aconteceu, ele sentiu que apenas outro
homem poderia de fato entender sua posição.
— Tudo bem. Deixe-me assimilar essas informações ao longo do dia.
Firebrace está na Câmara dos Comuns, e detém poder, há mais de vinte
anos. A rede de amigos dele será extensa. Precisarei que me dê uma lista
completa daqueles que conheceu durante os desafios. Se quisermos fazer
algo, precisaremos ter certeza de em quem confiamos. Se ele apenas
suspeitar que algo recairá nele, pode ter certeza de que virá atrás de você.
— Will o alertou.
Freddie ficou de pé. Ele voltaria para casa e esperaria que Will entrasse
em contato. Enquanto isso, ele voltaria a assar empanados, fazer sopa e ter
um vislumbre ocasional de Eve.
Will balançou a cabeça.
— Sente-se, rapaz. Ainda não terminamos nossa conversa.
Um Freddie perplexo retomou o assento e encontrou o olhar severo de
Will.
— Minha irmã pode estar ostentando um belo sorriso social sempre que
você a encontra, mas sei muito bem que um rio de lágrimas foi derramado
por você. Ela está magoada, mas tem orgulho. E com esse orgulho vem a
teimosia da família Saunders. Não me surpreenderia nada se ela acordasse
um dia e fizesse algo precipitado, como fugir com o próximo sujeito que
sorrir certo para ela. Alguém mais do que inadequado. Alguém que não é
você. — disse Will.
Freddie se repreendeu em silêncio. É claro que o irmão de Eve iria
querer o couro dele pelo que ele fez com Eve. Após o encontro com Eve em
St. John, ele não sabia bem como estavam as coisas com ela. Nos recessos
profundos da mente dele havia uma preocupação incômoda que Eve estava
brincando apenas para se vingar quando lhe conviesse.
Ela disse que não o superara, mas conhecendo Eve, as palavras
poderiam significar qualquer coisa.
— Eu e Eve conversamos. Ela parece entender. Quanto ao perdão ou a
qualquer outra questão do coração, só o tempo dirá. — ele respondeu.
Will ficou quieto por um instante. Foi o mais longo deles.
— Dou-lhe um conselho: ouça o que Eve tem a dizer. Ela é uma garota
inteligente, mas costuma ser teimosa. Houve longos momentos de busca no
coração e reconstrução de caráter, como resultado do que aconteceu na
Abadia Rosemount. Ela viu a loucura de algumas atitudes obstinadas, mas
ainda é atraída por comportamentos escandalosos, e pelo gosto do perigo. O
problema que vejo é que ela nunca precisou enfrentar um perigo real. Até
isso acontecer, ela pensará ser emocionante, mas não entenderá o risco.
Como alguém que aprendeu do pior jeito o que é sentir o sabor real do
perigo, eu o alertaria para ter cuidado com onde pisa. — Will disse.
— Terei cuidado com Eve. Estou bem ciente de que ela tem mente
própria, é uma das coisas que eu amo nela. Também sei que precisarei ceder
as rédeas do nosso relacionamento até que ela volte a confiar em mim. No
entanto, se um dia chegarmos a voltar, sei que terei que lidar com essa sede
por movimentos arriscados.
Will riu.
— Não tem ideia de onde está se metendo se permitir que ela estabeleça
as regras. Será preciso muito para reconquistá-la e, mesmo assim, vocês
dois não terão um caminho fácil até o altar. Contudo, posso garantir o
seguinte: se ela não o matar antes de o perdoar, Eve decerto fará da sua vida
interessante.
Capítulo Trinta e Seis

D ois dias depois, Freddie estava no saguão da Residência Strathmore,


mexendo o chapéu com movimentos nervosos. Ele não esperava que Will
encarasse a história do Conselho dos Bacharéis com mais do que um leve
interesse. Quantos outros jovens criaram histórias mirabolantes para
explicar o cessar do mau comportamento? No entanto, lá estava ele,
convocado para a casa do Duque de Strathmore, um dos homens mais
poderosos do país.
Ele rangeu os dentes. O duque era tio de Will e Eve, e sem dúvidas,
soubera o suficiente do que o segundo filho do Visconde Rosemount fez
com a sobrinha para ter uma opinião ruim de Freddie. Freddie não estava
ansioso para este encontro em particular.
O lacaio pegou o chapéu. Freddie ajustava a jaqueta pela terceira vez,
quando o mordomo da Residência Strathmore abriu a porta da frente, e
Charles Saunders atravessou a soleira. A respiração de Freddie ficou presa
na garganta.
— Rosemount, — Charles disse.
Freddie curvou-se.
— Viu Will?
— Também acabei de chegar. Não vi ninguém ainda. — Freddie
respondeu.
Uma porta próxima se abriu, e um jovem bem-vestido e de cabelos
claros saiu. Freddie logo o reconheceu como o Marquês de Brooke. Ele
cruzou o ambiente até Charles e estendeu a mão.
— Tio Charles, bom vê-lo. Espero que você e a tia Adelaide estejam
bem. — ele então se virou para Freddie. — E você deve ser Freddie
Rosemount. Alex Radley. É bom enfim conhecê-lo, embora eu gostaria que
fosse em circunstâncias mais agradáveis. Esteve um ano ou mais à minha
frente em Eton, se me lembro bem. Nunca cheguei à universidade. — ele
disse.
Freddie apertou a mão de Alex.
— Sim, exato. Lembro-me muito bem de você e de seu irmão mais
velho, David.
O que ele queria de fato dizer era que o Marquês de Brooke e o irmão
mais velho ilegítimo eram lendários por suas façanhas na escola. Os irmãos
Radley marcaram seus lugares na história de Eton.
Terminados os breves cumprimentos, eles foram levados para uma sala
próxima. Assim que Freddie entrou ali, seu coração começou a acelerar.
Do outro lado do cômodo, sentado em uma elegante mesa de mogno,
estava Ewan Radley, o Duque de Strathmore. Will Saunders também estava
presente. Foi o terceiro homem que fez o pulso de Freddie se descontrolar.
Hugh Radley, o Bispo de Londres.
Enquanto todos os homens presentes detinham vários níveis de poder e
influência, era o bispo de Londres que detinha a confiança do príncipe
regente. Se alguém poderia abalar o poder de Osmont Firebrace e do
Conselho dos Bacharéis, esse alguém era Hugh Radley.
Para surpresa de Freddie, ele foi muito bem-recebido por todos os
homens à mesa, e recebeu a indicação de sentar-se ao lado de Will. O bispo
sentava-se à frente dele.
Enquanto um lacaio servia uma taça de vinho para cada um deles, um
lento fio de suor percorria as costas de Freddie. As provas em Oxford foram
bastante angustiantes, mas empalideciam de insignificância em comparação
a este momento.
— Bem… sei que a maioria dos senhores faz uma boa ideia do que
aconteceu com o jovem Frederick aqui, mas creio estar na hora de todos
entenderem a gravidade da situação em relação a esses camaradas. — o
duque anunciou. Ele olhou na direção do irmão, e o bispo limpou a
garganta.
— Os costumes e caminhos do Conselho dos Bacharéis não são um
segredo entre os homens da Sociedade. Em algum momento de nossas
vidas, a maioria de nós teve um amigo que chegou de repente a uma
posição de poder, e o Conselho esteve por trás disso. Tal como acontece
com Freddie aqui, os filhos mais novos das Famílias são o principal alvo há
vários anos. Assim que um desses jovens se junta a eles, torna-se um dever
garantir que ele faça tudo para ajudar outros membros, e assim por diante.
— explicou o bispo.
Houve um assentir coletivo dos outros sentados à mesa.
— O que não sabem, e o que foi mantido de todos, exceto de alguns, é
que os membros dessa sociedade secreta estão por trás de algumas das
recentes revoltas sociais que vivemos na Inglaterra. São, na verdade, um
dos principais motivos para a regra do habeas corpus estar suspensa desde
fevereiro deste ano. Há um crescente montante de evidências de que estão
conspirando para derrubar a coroa.
O sangue de Freddie virou gelo. Em seu pequeno mundo, tudo se
tratava de corrigir erros. Ele esperava ver Osmont Firebrace ser dispensado
de seu cargo na Câmara dos Comuns. Essa era a vitória que ele tinha em
mente. Jamais cogitou que o Conselho era mais do que um grupo de
libertinos interesseiros. Que pudessem de fato tentar tomar o poder era um
choque imenso.
Will colocou a mão no ombro de Freddie, em um gesto tranquilizador.
— Sabemos que você não fazia ideia da profundidade da traição desses
homens. Há algum tempo que os investigamos e seus negócios duvidosos
em segredo. É uma das razões para eu ter voltado para a Inglaterra. Não me
conhecem bem o suficiente para me ver como uma ameaça em potencial.
O bispo assentiu.
— Sim, as provas que Will e outros agentes do governo coletaram
durante todo o ano são suficientes para apresentar acusações sob a Lei da
Traição. Haverá uma série de prisões nas próximas semanas. Vários
membros do Conselho foram presos na semana passada, quando tentaram
fugir da Inglaterra. Enquanto nos falamos, eles estão detidos sem
julgamento. Embora, é claro, todos pensem que estão viajando para o
estrangeiro. Este país será abalado em seus alicerces, quando os nomes dos
que serão levados aos tribunais tornarem-se públicos.
Ele virou-se para Freddie, que se sentia enojado neste instante. Estava
apenas começando na vida. Se fosse envolvido nos julgamentos dos
acusados de traição, sua vida na Inglaterra estaria terminada.
O bispo inclinou-se na mesa e encontrou o olhar dele.
— Não tema, jovem Rosemount. Como seu papel neste processo não
passou de uma mínima coadjuvação, não será convidado a depor no
tribunal. Falei com Sua Alteza Real, o Príncipe George, e ele concordou
que você fez o suficiente para ajudar a derrubar esses homens. Diversos
nomes que compartilhou com Will foram adicionados à lista de pessoas a
serem questionadas e talvez acusadas. Seu nome terá que aparecer nas
transcrições do tribunal, então pode querer falar com seu pai assim que as
prisões começarem.
Freddie recostou-se na cadeira e fechou os olhos. Lágrimas ameaçavam
cair. Já envergonhara a família. Ele não fazia ideia de como enfrentaria o
pai quando o Conselho dos Bacharéis e toda aquela depravação se
tornassem públicas. Ter participado da derrubada de Osmont Firebrace era
apenas um pequeno conforto.
Ele arriscou um olhar na direção de Charles Saunders, sentado com os
braços cruzados ao final da mesa.
— Se tiver algum problema com seu pai, estou disposto a falar com ele.
Como francês, compreendo os estragos que as sociedades secretas de
homens poderosos podem infligir a um país. — Charles disse.
— Obrigado, senhor. — Freddie respondeu.
O nó na garganta tornou as palavras quase indecifráveis.
Ele saiu pouco depois, sob o sol do meio da manhã. Olhou para as
nuvens cinzas e pálidas que pairavam acima de Londres. Ao longe, uma
faixa de chuva mais escura ameaçava.
O dia combinava com sua vida. Eve era o vislumbre do sol que
conseguia perfurar o cinza aqui e ali. No entanto, mesmo enquanto
saboreava o calor, ele sabia que uma tempestade se formava.
Will saiu e parou ao lado dele no topo dos degraus.
— Meu pai e meus tios pediram que eu lhe desse a garantia de que
estará protegido. O Príncipe Regente em pessoa fará de tudo para que
apenas os culpados tenham seus nomes manchados por este escândalo. Ele
não pode se dar ao luxo de ter jovens como você destruídos. Vocês
representam o futuro deste país. Um país que ele será rei dentro de alguns
anos.
Freddie forjou um sorriso encorajador por Will. Ele seria poupado de
grande parte da queda do Conselho dos Bacharéis, e precisava ser grato por
tamanha misericórdia na vida. No entanto, assim que as prisões e os
julgamentos subsequentes começassem, ele duvidava que Eve e a família
dela ficariam ao lado dele.
Só um tolo poderia pensar que inocentes seriam poupados quando a
Inglaterra começasse a limpar, e expurgar, seus traidores. Freddie
Rosemount pagaria de um jeito ou de outro por tentar ser alguém que não
era.
Capítulo Trinta e Sete

E ve tentou falar com o pai quando ele voltou para casa. Ela sabia, por
meio das conversas entre Charles e Adelaide, que houve uma reunião na
Residência Strathmore naquela manhã. Ao sair da sala de café da manhã,
ela ouviu o nome de Freddie, mas pensou ser mais inteligente não
pressionar o pai em busca de mais informações. O leve encorajamento para
Freddie procurar o conselho de Will quanto ao Conselho dos Bacharéis
parecia ter dado frutos.
Pouco após Charles chegar em casa da reunião, ele foi para o escritório.
Adelaide logo se juntou a ele, e a porta foi trancada.
A única pessoa capaz de dar mais informações a Eve quanto ao
encontro secreto era a mesma pessoa a quem ela planejava ir ver.
Um horário marcado na modista para ajustes de Caroline foi a
oportunidade perfeita para Eve sair de casa. Caroline ficou encantada
quando Eve se ofereceu para acompanhá-la no lugar da mãe. No entanto, a
paciência da irmã foi testada quando Eve pediu para ser deixada na Praça
Grosvenor, com o adendo de ser buscada no caminho para casa.
— Tem certeza disso? Sei que ele tem feito um bom trabalho com
Hattie no Sopão da Igreja, mas não deve se esquecer de que este é o homem
que partiu seu coração. — Caroline a avisou.
A carruagem Saunders faria uma curta viagem até a Rua New Bond e,
em seguida, até a Rua Oxford, onde a costureira da família trabalhava. O
acréscimo até a Praça Grosvenor seria ínfimo.
Em vez de começar outra das antigas discussões, Eve se viu confortada
pelo conselho de Caroline. Ao deixar de lado as muitas diferenças entre
elas, puderam descobrir que não eram tão diferentes assim.
— Visitei-o em St. John com Hattie. Ele me contou coisas que deram
muito sentido ao que aconteceu entre nós. Ele se arrepende mesmo do que
fez comigo. — Eve respondeu.
— E você ainda o ama. — Caroline disse.
Eve refletiu essa mesma ideia diversas vezes desde que soubera do
trabalho de Freddie com os pobres. Após o primeiro encontro, e tendo lido
as instruções de Osmont Firebrace, ela fez o possível para se convencer de
que estava tudo bem com relação a Freddie.
— Sim, acredito que sim. O Senhor sabe que tentei odiá-lo, mas sem
sucesso. A questão é que não conseguirei seguir com minha vida até saber
que ele não me quer. Fui a St. John sozinha atrás dele e conversamos. —
Eve disse.
Caroline assentiu.
— O que ele disse?
— Que está arrependido do que fez, e que sabe que perdeu o grande
amor da vida dele.
Os olhos de Caroline arregalaram-se. Ela se inclinou no pequeno espaço
entre os assentos da carruagem e segurou a mão de Eve.
— Ele disse mesmo que a ama? Ah, Eve. O que posso fazer para
ajudar?
Eve não havia considerado que alguém, talvez fora Hattie e Will, fosse
querer ajudar a ela e Freddie a voltarem. Ela esperava estar sozinha na hora
de conquistar os pais, Caroline e Francis.
— Se puder guardar meu segredo por mais algum tempo, seria
maravilhoso. Quero poder passar um tempo com Freddie e conhecer o
homem real. O tempo todo que estivemos juntos antes, ele estava fazendo
um personagem para se juntar a uma sociedade secreta. Ele não está mais
jogando. — Eve respondeu.
Ela queria contar do Conselho para Caroline, mas Caroline tinha seus
limites. Casais com amores escritos nas estrelas, ela conseguia compreender
e colocar seu coração e alma em segundo plano. Mas Eve não queria expor
Caroline à verdade do que homens como Osmont Firebrace faziam nas
sombras da sociedade. Se a Sociedade precisava ter um lado de escuridão,
também precisava da luz que as moças bonitas como Caroline traziam.
A irmã manteve a palavra, e Eve logo foi deixada na frente da
Residência Rosemount, observando a carruagem Saunders virar a esquina
para a Rua Duke.
Ela mordeu o lábio inferior de nervoso enquanto subia os degraus até a
porta da frente. A Residência Rosemount era uma mansão coberta pela
clássica pedra de Portland. Havia ao menos outras três casas assim na Praça
Grosvenor, com a mesma frente de pórtico e esquema de cores. A única
característica para distinguir esta das outras, era o brasão da Família
Rosemount, desenhado em ouro e preto acima da porta. Um único javali
preto em um escudo dourado, com uma série de pequenas estrelas negras ao
redor do exterior, enunciava a herança da Família Rosemount.
Ela lembrou-se de imaginar como o brasão seria bordado na bainha de
seu vestido de noiva, quando acreditava que Freddie estava prestes a propor.
De como estava certa de que seu futuro estava garantido na Família
Rosemount.
A mão dela já se estendia para a aldrava quando, de repente, ela
lembrou-se de que era uma senhorita solteira prestes a entrar na casa de um
jovem, um que ela sabia muito bem não estar acompanhado de criados.
Uma onda de emoção correu por sua espinha.
— Você é uma garota perversa, Evelyn Saunders. — ela murmurou.
Saindo depressa da frente da casa, ela correu para a entrada de serviço.
Bateu na porta e esperou.
O som de um cachorro latindo no interior da casa foi logo abafado pelo
chamado do dono.
— Zeus, silêncio!
Ela prendeu a respiração.
Freddie abriu a porta, a mão segurando firme a coleira do grande lébrel
irlandês.
— Eve?
— Em carne e osso. — ela respondeu.
Ao ver Eve, o cachorro pulou alto, e Freddie perdeu a pegada. Zeus se
aproximou de sua ex-dona e deixou um pouco de baba em toda a extensão
de suas luvas. Eve deu-lhe um cafuné de boas-vindas atrás das orelhas, e
Freddie parou atrás dele, com as mãos nos quadris.
— Quem é Zeus? — ela perguntou.
Zeus abanou o rabo com força contra as saias dela.
— O cachorro. Ele não merecia ser constrangido com aquele nome tolo.
Ele nunca respondeu a ele mesmo. Parece gostar muito mais do nome novo.
— Freddie respondeu.
Uma careta apareceu no rosto dele, e Eve adivinhou quais seriam
próximas palavras a deixar a boca dele.
— Está sozinha?
Ela riu, tendo vencido a aposta contra si.
— Sim. Caroline está na Rua Oxford com a modista. Ela virá me buscar
no caminho para casa em uma hora ou mais. Pensei que poderíamos tirar
esse tempo para conversar em particular. — ela respondeu.
— Devo alertá-la de que não deveria visitar um rapaz, na casa dele, sem
um acompanhante. Preciso que saiba disso, caso seu pai ou um de seus
irmãos venham perguntar. — ele disse.
Eve sorriu e assentiu
— Então é melhor entrarmos.
Ela o seguiu até dentro da casa. Chegando na cozinha, ela descobriu que
Freddie deixara o ambiente bem confortável para si. A lareira estava bem
alimentada. Panelas acima das chamas fazendo a sua parte, e ela sentiu o
cheiro de massa fresca assando no forno.
— Conseguiu uma governanta? — ela brincou.
Freddie riu e balançou a cabeça.
— Não. Fui deixado à minha própria sorte e foi o que fiz. Aprendi a
cozinhar.
Havia orgulho na voz dele, e uma luz diferente em seus olhos. Ele
estava feliz.
— O cheiro está muito bom, seja lá o que esteja assando. — ela
respondeu.
Ele abriu um dos armários da cozinha e puxou um prato coberto com
um pano. Ele o colocou na mesa da cozinha e o desembrulhou. O cheiro
inebriante de uma torta recém-assada preencheu as narinas dela. O
estômago logo resmungou em antecipação.
— Esta saiu do forno há cerca de uma hora. Preciso deixá-la em uma
prateleira alta, caso contrário, Zeus faz questão de abocanhá-la. Eu não
pensava que cachorros comiam torta, mas após ter voltado para casa, duas
vezes, e encontrar apenas migalhas para a ceia, percebi que sim.
Ele se deslocava pela cozinha com uma familiaridade confortável, e
logo pratos e um bule de café quente foram trazidos à mesa. Pegando uma
faca grande, Freddie cortou a torta e colocou um pedaço em um dos pratos.
Entregando-o a uma ansiosa Eve.
— Estou fazendo algumas experiências com minhas tortas. Esta tem
alho-poró, batata e frango. Diga-me o que achar.
Eve tirou as luvas pelos dedos e quebrou um pedaço da torta. Zeus
afundou-se debaixo da mesa e se acomodou. Assim que ela deu a primeira
mordida, Zeus choramingou.
— Não se deixe enganar. Eu o alimentei a menos de uma hora. Esse
cachorro é um poço sem fundo quando se trata de comida. — Freddie disse.
Eve partiu outro pedaço da fatia de torta e o jogou no chão, sem querer.
Olhando debaixo da mesa, ela observou Zeus lidar depressa com a
oferenda.
Freddie balançou a cabeça. Eve deu outra mordida na torta e recostou-se
na cadeira, mastigando, pensativa, por uns minutos.
Freddie riu.
— Essa é a mesma expressão facial da nossa cozinheira na Abadia
Rosemount quando prepara algo novo. — ele tirou um caderno e um lápis
do bolso da jaqueta e passou a folheá-lo até encontrar uma página em
branco. — Então, diria que precisa de mais pimenta?
Eve deu uma segunda mordida e a deixou descansar na boca por
instantes, antes de mastigar. A língua provou frango e alho-poró
principalmente, mas apenas um toque de pimenta. Ela mastigou e engoliu.
— Um pouco mais de pimenta, talvez. Já pensou em salsa ou tomilho?
Nossa cozinheira costuma adicionar esses temperos ao frango assado. — ela
respondeu.
Eve o observou anotar as sugestões e, em seguida, acrescentou alecrim e
estragão.
— Obrigado. Críticas construtivas são muito bem-vindas. Eu não recebo
muitas delas no Sopão. Os paroquianos geralmente estão ocupados demais
enchendo as barrigas vazias para me dar opiniões acerca dos meus dotes
culinários. — ele baixou o lápis e apertou as mãos de leve. O clima na
cozinha mudou, e Eve sentiu tensão no ar. — Fico muito feliz em vê-la,
embora ambos saibamos que não deveria ter vindo sozinha.
Ela afastou as preocupações dele com um movimento de mão.
— Vim porque percebi que a conversa que tivemos na igreja foi a
primeira conversa honesta que você e eu tivemos. Todas as anteriores foram
nubladas com o jogo, ou com nossos próprios objetivos.
— Suponho que sim. Não tivemos um começo justo. — ele respondeu.
— Por isso estou aqui, sentada na sua cozinha. Não quero passar por
todos os porquês do que aconteceu. Só preciso saber de uma coisa: você me
quer?
Ele segurou a mão dela e a levou aos lábios. Ela sorriu enquanto ele
beijava o último resquício de torta da ponta dos dedos dela. Ele continuou a
beijar os dedos dela muito após não haver mais vestígios de farelo. Eve
sentiu calor remexer seu corpo, lembrando-a do que mais aqueles dedos
dele haviam feito com ela.
— Sim. Eu a quero. Confie em mim, a única coisa que todo esse
desastre me ensinou é que você e eu somos feitos um para o outro. — disse
ele.
Eve lutou para conter as lágrimas repentinas.
— Não tenho tanta certeza quanto a parte da confiança. Descobri que se
pode amar alguém, mas não confiar nele. Levará tempo para reconquistar
minha fé em você. Quero conhecer o verdadeiro Freddie Rosemount, saber
se ele de fato sente esta paixão como eu.
Ele ficou quieto. Ela o observou com interesse, sem nunca ter visto este
lado dele. Era como se ela o visse pela primeira vez.
— Se me der uma segunda chance, farei tudo o que puder para ganhar
sua confiança. Para que me ofereça seu amor mais uma vez. Apenas me
diga o que preciso fazer — ele respondeu.
Ela soltou um suspiro longo e lento e encontrou o olhar dele.
— Quando chegar a hora, você saberá.
Capítulo Trinta e Oito

A surpresa de Freddie com o súbito reaparecimento de Eve Saunders em


sua vida agora era acompanhada por uma sensação de calma, e o que ele
supunha ser os primeiros indícios de felicidade.
Ele havia se esquecido de como era bom estar com ela, o quão
imprevisível ela poderia ser quando lhe convinha. Ele ainda não conseguia
acreditar que ela conseguia ser tão ousada a ponto de ir à casa dele
desacompanhada, sabendo que ele estaria sozinho em casa. Ela estava
arriscando muito ao fazê-lo. Will estava certo em relação ao flerte da irmã
com comportamentos escandalosos.
Após arrastar um Zeus meio adormecido escadas abaixo até a cozinha
na manhã seguinte, e fechar a porta da melhor forma que pôde, ele vestiu o
sobretudo e saiu.
O vento frio da manhã o fez abotoar o casaco com pressa e puxar o
chapéu bem baixo para tapar as orelhas. Ele tremeu ao virar a esquina para
a Rua New Bond, a caminho do mercado de Covent Gardens.
A caminhada de trinta minutos tornou-se mais do que um simples
hábito. Ele gostava de passear pelas ruas de Londres. O clima no final de
outubro ainda era um pouco agradável. Como seria a viagem na calada do
inverno era algo que ele não queria considerar. Com sorte, o pai já o teria
perdoado até então, e ele conseguiria alugar um coche, se não pudesse levar
a carruagem da família.
Ele atravessou a Travessa St. Martins. Covent Garden estava perto. Ele
desceu uma pequena via, com ligação à Rua Bedfordbury, e estava ocupado
com seus próprios pensamentos quando viu uma mulher parada na esquina
de um estreito. A cabeça estava enrolada com um xale verde-escuro para
protegê-la do frio.
As ruas ao redor do mercado eram onde as prostitutas locais exerciam
seu ofício. Todas procuravam conquistar algumas moedas dos comerciantes
do mercado.
Freddie não estava inclinado a usar os serviços da mulher. Ele precisava
comprar legumes, carne e frutas.
Ao passar por ela, ele a cumprimentou com a cabeça. Seria rude ignorar
alguém.
— Olá, querido. — ela disse.
— Bom dia. — ele respondeu e continuou. Ele estava uma boa meia
dúzia de passos além dela quando ouviu um chamado alto.
— Freddie. — ela disse.
Ele parou no meio do passo, o sangue virando gelo. Girou com o pé
esquerdo para enfrentá-la.
A mulher deixou o xale cair da cabeça.
— Maldição. — ele exclamou.
Diante dele, vestida com roupas que ele sabia não terem saído do ateliê
da modista aprovada pela mãe dela, estava Eve.
Ela riu.
— É bom ver que ainda posso chocá-lo. — ela disse.
Ele olhou em volta. Ela estava sozinha.
— Por favor, diga-me que trouxe um lacaio grande e pesado, que está
escondido atrás de uma dessas portas.
Ela balançou a cabeça.
— Não, onde estaria a diversão nisso? Saí de casa sozinha. Ninguém, a
não ser você, sabe que estou aqui. Peguei um coche na Rua Dover e
consegui que ele me deixasse na Travessa St. Martins. Eu não poderia
arriscar esbarrar com Will na Newport, não que ele costume estar acordado
tão cedo.
Ela o chamou com o dedo e acenou para ele. Assim que ele chegou ao
lado dela, ela se adiantou e colocou um beijo quente nos lábios dele.
Ele viu-se impotente para recusar. Sua boca se abriu, e os lábios dele
logo responderam a ela. Suas línguas se enroscaram como nunca. A
profundidade da fome de Eve por ele estava gravada no beijo. Sua própria
necessidade tácita por ela tomou conta, e ele a puxou com força contra ele.
Agarrando a mão dele, ela a trouxe para os botões do próprio casaco.
Quando ele não começou a abri-los, ela mesma assumiu a tarefa. As lapelas
do casaco dela se abriram.
Encorajado por tais ações, ele deslizou uma das mãos casaco adentro,
ofegante quando os dedos tocaram carne nua e quente. As pontas dos dedos
roçaram mamilos duros.
Ele se afastou do beijo e ficou imóvel por um instante, olhando-a
incrédulo, enquanto ela abria bem as lapelas do casaco e revelava os seios.
A masculinidade dele se contorceu ante a visão de tirar o fôlego.
— O quê?
Um sorriso manhoso apareceu nos lábios dela. Quando ela passou a
língua pelo lábio inferior, ele se sentiu ficar duro.
— Pode ter parado de jogar, mas estou apenas começando. Perguntou
como poderia se provar. Para me reconquistar, precisa jogar o jogo da Eve.
Isso, claro, se quiser jogar. Se não, posso ir para casa, e nunca mais me
verá. — ela ronronou.
Freddie havia jurado se afastar de jogos para o resto da vida, mas isto
era algo diferente, uma força poderosa puxava-o para uma nova conexão
com ela. Dizer não a Eve e seu novo jogo era impossível.
— Tudo bem, sim, vou jogar, mas precisa fechar seu vestido. Não pode
estar em público assim. As pessoas vão ver. — ele respondeu.
Eve balançou a cabeça.
— Meu vestido só será fechado quando você e eu terminarmos. Sei
como trabalham as damas da rua daqui. Já as vi vezes o bastante, saindo
tarde da noite, para saber como acontece. Precisa me provar que ainda é
capaz de flertar com o perigo.
Ele franziu a testa, sem saber o que Eve queria de verdade com essas
palavras. As intenções dela ficaram claras quando ele a viu começar a içar a
saia. Ele segurou as mãos dela.
— Aqui não, Eve. Muitas pessoas usam isso como via para chegar ao
mercado. Qualquer um pode nos ver. — ele a alertou.
Ela se inclinou e capturou os lábios dele mais uma vez. O beijo mostrou
que ela não pretendia aceitar um não como resposta.
— Então é melhor se apressar e agir. — ela respondeu.
Ele enfim compreendeu. Eve não sairia desta viela suja até que ele desse
prazer a ela.
Os dedos dele se fecharam no mamilo direito dela e o apertaram. Ela o
recompensou com um suave suspiro de prazer.
A mente dele começou a trabalhar rápido. Um rápido apalpar de seios
nunca seria suficiente. Se ele conseguiria superar esse desafio em particular,
precisaria acelerar o ritmo.
— Eu a levarei ao prazer, mas precisa esconder o rosto. Se, por acaso,
alguém que conhecer qualquer um de nós dois passar aqui, não podemos
correr o risco de ser vista. Estará arruinada de vez. — ele disse.
Ele não ia mencionar que seria acorrentado e enviado no primeiro navio
para as colônias distantes, caso o pai dele descobrisse o que ele estava
prestes a fazer com a garota que ele tanto maltratou. A garota com quem ele
se recusou a se casar com tanta firmeza era a garota em quem ele estava
prestes a colocar as mãos no meio de uma rua sombria de Londres.
Havia poucas outras coisas que poderiam ser mais escandalosas.
— Arruíne-me. — ela sussurrou.
Freddie se abaixou e tomou o mamilo dela com a boca. Ele sugou forte.
Então, enquanto saboreava os sons de seus gritos suaves, ele deslizou uma
das mãos pela saia. Os dedos dele tocaram a pele macia e delicada do
interior da perna dela.
À medida que a ereção dele crescia com força, ele sabia que seria
impossível fazer compras no mercado em um estado de tamanha excitação.
Ele precisaria ir para casa, cuidar de si, antes de ir para a cozinha do Sopão
de St. John.
As mãos de Eve acomodaram-se nos ombros dele. Ela aumentou a
pressão, incitando-o com silêncio.
Quando os dedos dele alcançaram a parte de cima da perna dela, ele
ergueu o olhar. Ainda daria tempo de parar, de dar cabo a esse momento de
comportamentos precipitados e deixar as saias caírem.
Os olhos semifechados e a respiração suave e pesada dela lhe diziam o
contrário. Eve estava de todo investida na paixão. Cavalheiro ou não, ele
sabia que ela estava desesperada para que ele lhe desse liberação sexual.
Ele sentiu os cachos macios na entrada da feminilidade dela, antes de
empurrar um dedo para dentro. Ele engoliu em seco quando o dedo deslizou
em um calor escorregadio e molhado. Ela estava mais excitada do que
naquela noite nos estábulos, preparada para dar tudo.
— Freddie. — ela murmurou.
Ele começou a estocar. Golpes longos e profundos que se sincronizaram
acompanhando a respiração laboriosa de Eve.
Ela era uma mulher apaixonada. Ele sempre amou isso nela. Se pudesse
reconquistar o coração dela e levá-la ao altar, ele sabia que teria uma
atrevida em sua cama pelo resto da vida.
— Mais forte, mais profundo. — ela suplicou.
Ele sentiu os músculos dela começarem a se contrair. Ela estava perto
do clímax. Puxando o dedo de dentro do calor dela, ele o substituiu pelo
polegar.
Eve ofegou e apertou ainda mais os ombros dele. Ela estava perto. Ele
só precisava jogá-la ao limite. Rodou o polegar na ponta do clitóris dela, e
ela gemeu.
Freddie deslizou um dedo para dentro, o polegar ainda massageando o
ponto sensível.
— Goze para mim. — ele comandou. Um sorriso satisfeito começou a
surgir nos lábios dele, enquanto ela gritava de satisfação. O espasmo
pulsante dos músculos no núcleo o deixou com a sensação de trabalho feito.
O aperto nos ombros dele suavizou.
— Obrigada. — ela sussurrou.
Tal palavra era toda a recompensa que ele precisava. Ele retirou a mão e
deixou as saias dela caírem. Quando o fez, ela resmungou. Ele franziu a
testa. Não havia acabado de levá-la a um profundo prazer? O orgulho dele
não aguentaria deixar uma mulher pensar que ele não é capaz de atender às
necessidades sexuais dela.
— O que foi? — ele arriscou.
— E você? — ela respondeu.
Ela começou a levantar a saia mais uma vez. Freddie viu os joelhos e,
em seguida, o branco de suas coxas. Se Eve continuasse, ele sabia que teria
um vislumbre da Terra Prometida.
Ele balançou a cabeça, agradecido porque seu cérebro estava tentando
manter o controle da situação. Ele estendeu a mão e segurou as saias dela.
Eles lutaram sobre as camadas de tecido.
— Está sendo seguro de novo, Freddie. Não quero jogar assim. Quero
você dentro de mim. — ela disse.
A luta pela saia e o pênis duro como pedra eram, condições ruins o
suficiente, mas a exigência de que ele a arruinasse era um passo além.
— Eu não a deflorarei contra uma parede de tijolos. Ao menos sua
primeira vez deve ser em um lugar privado. Deve ser memorável. — ele
concluiu.
Ela bufou de desgosto, deixando-o se perguntar quantos outros homens
estariam discutindo, em vez de aceitar o que se oferecia tão livremente.
— Mas se você me foder forte contra essa parede, garanto que vou
lembrar de cada segundo. — ela respondeu.
Ele ficou atordoado por alguns segundos. Nunca ouvira uma mulher da
classe deles usar tal linguagem, muito menos uma jovem solteira como Eve.
Ficou chocado que ela sequer soubesse de tal palavra.
— Não.
Ele ouviu botas em pedra e se virou a tempo de ver um grupo de jovens
aparecer na rua. Ao passarem por Freddie e Eve, trocaram elogios.
— Boa sorte para você, senhor. — um deles disse.
Freddie e Eve observaram o grupo desaparecer na esquina. Voltando-se
para Eve, Freddie estava prestes a mencionar que ainda estavam em um
lugar público, mas o olhar no rosto dela o impediu de falar mais.
— Se não quer me tomar aqui, então deixe-me satisfazê-lo. Eu pretendo
ser uma senhora de habilidades de uma natureza particular. Deixe-me
praticar. — ela disse.
Sua excitação rígida contorceu em aprovação obstinada.
Ela se adiantou e segurou Freddie pelo casaco, puxando-o na direção
dela. Deu um beijo sedutor em sua boca, e ele se viu impotente para detê-la.
O beijo logo se transformou em um encontro ardente e apaixonado.
— Eu o quero contra a parede, agora. — ela ordenou, quando enfim
pararam o beijo.
Ele estava perdendo essa batalha de vontades. Quando Eve tocou a
carcela das calças e soltou o primeiro botão, ele fez apenas uma meia
tentativa de detê-la.
— Bom menino. Deixe-me fazer o meu trabalho. Se não deixar, vou
gritar, e as pessoas virão correndo. Não gostaria disso agora, gostaria,
Freddie? — ela perguntou.
Com as costas na parede de tijolos, Freddie assistiu incrédulo, enquanto
Eve se ajoelhava diante dele. Quando o último botão das calças foi aberto,
ela puxou o tecido e soltou a virilidade dele.
Ela segurou o pau duro e inchado dele, enrolou os dedos em torno da
haste. A última coisa sensata que ele pôde fazer, antes de se perder na
paixão, foi puxar o xale para cobrir mais a cabeça dela. Qualquer transeunte
saberia exatamente o que ela estava fazendo. Ele só podia rezar para que
não vissem o rosto dela.
— Agora, deixe-me lembrar como gosta de ser servido.
Freddie colocou a mão de leve na cabeça dela e fechou os olhos.
— Tenho certeza de que o que fizer, será… ó… divino, Eve.
Os lábios dela se fecharam na ponta do pau dele e seu coração parou.
Aquela boca era um Éden quente e molhado de prazer.
Com as mãos, cada uma de um lado dos quadris dele, ela logo
estabeleceu um ritmo longo de prazer tortuoso. Devagar para dentro,
devagar para fora.
Quando um segundo grupo de trabalhadores do mercado veio pela viela,
Eve não vacilou na ação. Ela aprendia rápido. Logo o levava bem fundo na
boca, os lábios formando sulcos rígidos em que a masculinidade dele se
esfregava.
Freddie ignorou os bufos e risadas suaves dos homens que passavam.
Ele estava muito absorto em prazer irracional para sequer abrir os olhos.
Estava completamente à mercê dela.
Ela aumentou o ritmo. A respiração dele ficou mais entrecortada e
célere. Os dedos dele cravaram nos cabelos dela. O xale que cobria o rosto
dela caiu para trás, mas ele estava impotente para fazer algo. As pontas dos
dedos da outra mão dele encontraram as rachaduras da parede de tijolos,
buscando apoio desesperado.
A ideia de interrompê-la, antes que ele gozasse foi um lampejo na
mente dele, mas era tarde demais. Com uma rajada que o fez colocar o
punho na boca para abafar um rugido, ele gozou na boca dela. Ele acariciou
os cabelos dela, devagar, enquanto voltava à terra.
Para satisfação dele, Eve continuou a ministrar-lhe com ternura. Ela
chupou até a última gota dele, antes de soltá-lo. Sentada nos calcanhares,
um sorriso suave atravessou aqueles lábios.
Ele ajeitou a roupa e abotoou as calças, se aproximou dela e puxou Eve
de pé. Os lábios dos dois se encontraram mais uma vez.
— Obrigado. — ele disse.
Ela riu baixinho.
— Não sei quanto cobrar, mas sabendo das circunstâncias, não creio que
poderia me pagar.
Freddie riu e a puxou para um abraço. Enquanto os braços a envolviam,
ele fez uma oração silenciosa aos céus dizendo que ela era a mais teimosa
dos dois. Por direito, deveria ter mandado Eve para casa em uma carruagem
assim que a viu. Mas, sendo Eve, ela havia garantido que ele realizasse o
desejo dela de ter um encontro sexual acalorado em um lugar público.
Ele jamais se esqueceria desse momento enquanto vivesse.

Eve voltou para a casa da família pouco tempo depois. Correu pelas escadas
e entrou no quarto, trancando a porta atrás dela.
Ela fez. Freddie passara a ser o outro jogador nesse jogo sensual que ela
criara. Estavam jogando pelas regras dela, e se Freddie as cumprisse, ambos
seriam vencedores.
Ela havia mantido algumas das regras do Conselho dos Bacharéis. As
atividades deveriam ser públicas sempre que possível. Era decepcionante
que Freddie não tivesse tirado a virgindade dela na rua, mas ela estava
preparada para se dar pontos pelo improviso por saber que o levou ao
clímax com os lábios.
O olhar no rosto dele, quando ela exigiu que ele a deflorasse ali não
tinha preço. O olhar, quando a puxou para ficar de pé, também.
Ela não fazia ideia de que tais coisas eram possíveis, mas uma tarde
recente de leitura ilícita do Kama Sutra, cortesia da Marquesa de Brooke,
nascida na Índia, abriu os olhos dela para um novo mundo de
possibilidades. A esposa de Alex, Millie, sem perceber, educava todas as
mulheres solteiras da família do Duque de Strathmore a seduzirem seus
potenciais maridos.
Ela se casaria com ele, mas antes, ele precisava provar ser mais do que
o jovem estudioso que a mãe dele afirmava que ele era. Um marido
inteligente e educado era desejável, mas além dessas características, ela
precisava de fogo e paixão. A união nunca poderia se tornar maçante e
confortável.
Quando a criada pessoal dela bateu na porta, cerca de uma hora mais
tarde, ficou surpresa ao encontrar Eve acordada e parcialmente vestida,
sentada à escrivaninha. As roupas da classe trabalhadora que Eve usara em
sua missão secreta estavam bem escondidas no fundo do guarda-roupa. Se o
jogo continuasse, ela pretendia usá-las de novo.
Ela fechou as páginas do diário e trancou-o na gaveta da escrivaninha.
Os planos para a próxima parte do jogo estavam escritas naquelas páginas.
Capítulo Trinta e Nove

A ssim que Zeus começou a latir tarde da noite, Freddie sabia quem estava
prestes a bater na porta da cozinha. A única coisa um pouco estranha era
que Eve esperou quase uma semana desde o encontro deles na rua, para
enfim vir fazer uma visita.
Ele abriu a porta e a puxou para ele, chutando a porta atrás deles,
fechando-a.
— Demorou. — ele disse, antes de beijá-la com vontade.
Eve estendeu a mão e puxou o tecido da camisa de linho de Freddie. Ele
se aproximou e enrolou os braços na cintura dela. Ela se encaixava nele
como uma luva.
— Eu disse que seria eu a definir as regras do jogo. — ela ronronou.
Ele iria com tudo. Rezou para que ela ainda o quisesse. Em caso
positivo, ele não a recusaria.
— Posso supor que não está aqui para provar tortas? — ele a indagou.
Ela colocou a mão no peito dele, acima do coração. Como ele pôde ser
tolo a ponto de escolher partir o coração dela, ele nunca entenderia. Ela
valia todas as riquezas da terra.
— Estou aqui porque tenho certeza de que enlouquecerei, a menos que
você me desnude e me reivindique com seu corpo. Preciso que tome tudo o
que tenho para oferecer e, em seguida, exija mais. Quando terminar de me
fazer sua, preciso que faça de novo. Só assim saberei que você é mesmo
meu.

Eve praticara o discurso desde a Rua Dover. De pé e na frente de Freddie,


ela rezava para que bastasse. Que ele enfim a reivindicasse como mulher
dele.
— Desde que entenda que assim que eu a tornar minha, não há retorno.
— ele respondeu.
Ela deixou um longo suspiro escapar dos lábios. Ela sentia o sangue
quente e bombeando com força pelo corpo. Esta noite, ela queimaria todas
as pontes. Só havia um caminho diante dela agora: uma vida com ele.
— Faça-me sua.
— Espere aqui. — ele respondeu.
Liberando-a do abraço, Freddie abriu a porta de acesso aos andares
superiores e saiu da cozinha. Zeus o seguiu.
Instantes depois, ele voltou sem o cachorro.
— Zeus costuma dormir na ponta da minha cama. Você e eu ficaremos
no calor aqui debaixo. Não costumo aquecer meu quarto. A lenha é muito
cara e precisamos de calor para o que estamos prestes a fazer.
Ele arrastou a mesa da cozinha pelo chão e a posicionou em frente à
porta. Zeus não voltaria para cá esta noite.
— Eu disse que sua primeira vez deveria ser em particular. Amanhã,
podemos negociar novas regras para o jogo. Agora venha cá.
Ele estendeu a mão, e Eve foi até ele. Dedos ágeis logo desabotoaram o
manto dela, e ela o deixou em uma cadeira.
Quando ele foi desamarrar as fitas do vestido, ela o impediu. Era hora
de ela retomar o controle.
— Sente-se. — ela disse, apontando para o banco ao lado da mesa.
Freddie a obedeceu.
Ela lambeu os lábios. Ela ensaiou este momento durante toda a tarde, na
privacidade do quarto dela. Com lentidão, ela se ocupou da parte de cima
do vestido, abrindo-o e revelando os seios para ele. Um suspiro agradecido
escapou dos lábios dele.
Ela chutou as sapatilhas e deslizou as meias pelas pernas. Quando
ergueu o olhar, encontrou a mirada faminta de Freddie.
Perfeito.
Ela se aproximou dele.
— Tire-o. Desnude-me. — ela o ordenou.
Mãos ansiosas agarraram o vestido e o puxaram por cima da cabeça
dela.
— Ah, Eve.
O plano original era se inclinar neste instante e beijá-lo, mas Freddie
teve outras ideias. De pé, ele a levantou e a girou.
Ela se viu deitada de costas na mesa, nua. Freddie debruçado sobre ela.
— Nunca deixei de pensar em você. Sonho com você todas as noites.
Sonhos acalorados do que deveria ter acontecido entre nós há muito tempo.
Do que farei com você esta noite. — Ele afastou as pernas dela e colocou os
lábios na carne aquecida. Quando a língua dele tocou o clitóris, e ela se
mexeu, ele a empurrou com uma das mãos, segurando-a no lugar pelo
quadril.
— Sofrerá minha tortura até gritar. — ele murmurou.
Os olhos dela se abriram, e ela olhou para o teto, ele a invadindo com a
língua. Língua que trabalhou e trabalhou. Cada grama de força foi para
tentar controlar a própria resposta, um gemido foi tudo o que conseguiu
fazer. Ela estava totalmente à mercê dele.
O orgasmo era construído pouco a pouco. Ela estava sob o controle total
e magistral de Freddie.
Ele se afastou. Com fascínio faminto, ela o observou livrar-se da camisa
e das calças. Ele a levantou da mesa, colocando-a de pé e a puxou para um
abraço nu. Ela baixou a mão e segurou a masculinidade ingurgitada dele,
acariciando-o devagar.
— Disse que queria que sua primeira vez fosse memorável. — ele disse.
— Sim. — ela sussurrou.
Ele a virou e a deitou na mesa. Ela prendeu a respiração enquanto ele
afastava as pernas dela. A ponta do pau dele separou as dobras molhadas e
lisas dela, e ela o sentiu entrar.
Uma pequena sensação de queimação, que logo passou, confirmou que
ela não era mais inocente.
— Está tudo bem? — ele perguntou.
Ela assentiu.
Ele começou a empurrar-se mais fundo no corpo dela aos poucos, em
seguida, golpes longos e vagarosos, para dentro e para fora. Ela soluçou
quando as mãos dele vieram segurar os mamilos dela. Ele agarrou-os com
força.
Ela fechou os olhos e deixou o ritmo dos golpes tomar conta da mente.
O orgasmo dela começou a se construir mais uma vez. Quando ele torceu os
mamilos endurecidos, ela gemeu baixinho. Ele gemia de prazer enquanto
empurrava com mais força dentro dela.
— Freddie. — ela gemeu.
— Freddie o quê? — ele rosnou.
— Mais força, por favor, Freddie. Preciso que me tome mais forte.
As mãos dele deixaram os seios dela e se acomodaram em ambos os
lados dos quadris. O ritmo das estocadas aumentou. Ele se empurrou mais
fundo e com mais força.
Ele a puxou do tampo da mesa e envolveu um braço pelos quadris de
Eve. Quando os dedos encontraram o botão sensível, ele continuou a
estocar em seu corpo disposto.
Quando uma onda de prazer ofuscante enfim a dominou, ela ficou sem
fôlego.
Freddie diminuiu os golpes.
— Boa menina, agora está pronta para mim. — ele disse.
Movendo-a para a frente, ele a deitou de novo na mesa. Uma mão firme
empurrou Eve para baixo, os seios encostando no tampo. O ritmo dele
começou a acelerar de novo.
Enquanto a mente dela clareava a névoa da liberação sexual, ela
desfrutou da sensação primordial de ele estar batendo bem fundo nela. Os
gemidos ruidosos de prazer dele foram ficando cada vez mais altos, até que
ele enfim soltou um uivo e desabou acima dela.
— Ó, Eve. Te amo. — ele murmurou.
Quando o calor do encontro começou a esfriar, Freddie puxou Eve para
os braços. Ele a beijou com ternura e a segurou perto. Os corpos nus se
tocando.
— Agora, por isso que eu não a tomei contra a parede na rua. Eu queria
ser o único a ouvi-la gritar quando a fizesse minha.
Ela passou os braços em torno dele. A primeira vez foi melhor do que
ela poderia imaginar. Ela sentia-se sexualmente saciada, mas o melhor de
tudo, ele enfim era dela.
— Eu te amo, Freddie. — ela disse.

— Você faz mesmo ovos mexidos decentes. — Eve disse.


Freddie sorriu. Além da confeitaria, ele também dominava uma série de
receitas com ovos.
— Minhas habilidades culinárias estão se desenvolvendo muito bem.
Estou pensando em abrir uma panificação e contratar um padeiro que
consiga tomar alguns dos jovens da igreja como aprendizes. Will se
ofereceu para me ajudar a começar. — ele disse.
Eve estendeu a mão para ele.
— Eu poderia ir trabalhar com você. Sabe como sou fácil de lidar. —
Eve respondeu.
Ele ergueu uma sobrancelha. Eve era muitas coisas, mas fácil de lidar
não era uma delas. Ele estava ocupado demais contando suas sortes para
contestá-la.
A primeira vez deles juntos foi exatamente como ele esperava que
fosse. Eve relaxou durante o ato sexual, transformando a perda da
virgindade dela em algo mais fácil e simples. Ouvi-la chegar ao clímax,
enquanto ele se empurrava naquele corpo disposto era um presente que ele
se sentia humilde em receber.
O relógio de pêndulo no andar de cima anunciou ser duas horas.
— É melhor eu levá-la para casa. Não será bom para você se sua criada
ficar se perguntando porque não consegue despertá-la pela manhã. — ele
disse.
Conhecendo Eve, ela dormiria de bom grado ao lado dele, mas depois
do que ele já fez, ele não seria tolo de invocar a ira dos pais dela.
Se eles se casariam não era mais uma dúvida, o que ocupava a mente
dele agora era como. Ele foi a casamentos bastantes ao longo da vida para
saber que a Sociedade esperaria uma cerimônia formal na igreja, seguido de
um café da manhã de casamento e um baile ostentação. Afinal, após tudo o
que ele fez as duas famílias passarem, a mãe e Adelaide Saunders em
especial, não mereciam nada menos.
— Ou poderia me ter uma segunda vez. — ela disse, a mão parando na
coxa dele. Ele retirou a mão dela com um gesto gentil.
— Creio que já teve o bastante de mim por essa primeira noite. Estará
dolorida de manhã — ele disse.
Ela miou de decepção, e Freddie riu.
— Então, posso vir visitá-lo de novo amanhã à noite? Poderíamos
conversar um pouco mais acerca da sua proposta de negócios. Meu dote
poderia ser bem utilizado para garantir uma loja adequada para sua padaria.
— ela disse.
— Trabalharei até tarde na igreja amanhã. Após a ceia, Will e eu vamos
mover algumas novas mesas grandes para o meio da igreja. O Reverendo
Brown está feliz que os paroquianos possam se sentar às mesas durante a
evangelização, o que significará que poderemos alimentar mais pessoas
quando o Sopão for servido. Não estarei em casa até muito tarde.
Ela franziu a testa para ele.
— Posso entrar aqui cedo e esperar por você. Mesmo que sejamos
pegos, não há nada que possam fazer a respeito. Eu já sou sua. Embora
pareça um pouco inseguro. Por quê?
Embora Eve tivesse a impressão de deter o controle da situação, Freddie
sabia que precisava assumir o comando. Ele precisava do controle efetivo
do relacionamento e do futuro deles, sem que ela percebesse.
O gosto de Eve pelo perigo poderia representar uma ameaça real para
eles, para o futuro que poderiam ter juntos. A Sociedade só perdoaria um
tanto. Ela precisava aprender que existem limites que não podem ser
ultrapassados. Eles precisariam do apoio das famílias e amigos para tornar o
futuro juntos um sucesso. Ele precisaria apostar no amor dela por ele uma
última vez. Então, ela saberia que ele a amava de verdade.
Uma mentira surgiu na mente dele. Deixá-la informada era um risco que
precisaria correr.
— Osmont Firebrace desapareceu. As autoridades estão mantendo
silêncio acerca do desaparecimento, pois acreditam que ele pode ter sido
avisado. Se esse for o caso, então ele também pode saber que eu tive um
papel em sua queda. Não a quero sozinha nesta casa, sem a minha proteção.
— ele disse.
Ela bufou de frustração.
— Ele não pode ser tão tolo a ponto de tentar fazer algo. Ele deve saber
que estão procurando por ele.
— Sim, bem, nunca se sabe. Ele sabe que não há criados na casa e que
eu passo a noite aqui sozinho. Se eu terminar cedo na quinta-feira, a
avisarei. Entretanto, até que todos os membros do Conselho dos Bacharéis
sejam presos, precisa me prometer que tomará cuidado. Eu não a quero
nessa casa sozinha. Não quero que se coloque em perigo.
— Então, combinado na quinta-feira. — ela respondeu.
— Ouviu o que acabei de dizer?
Ela sentou-se no colo dele. Ele puxou o ar, tentando evitar que a ereção
levasse a melhor nessa situação. Os lábios dela chegaram a um centímetro
dos dele.
— Sim, ouvi. Agora, diga que me ama, me beije e me leve para casa.
Ele esticou a mão para a cabeça dela e a puxou para ele.
— Eu te amo.
Capítulo Quarenta

C omo de costume, Freddie chegou tarde em casa na noite seguinte. Ao


entrar pelo jardim dos fundos, a visão que o saudou o fez xingar de
frustração. Eve ignorara as instruções dele.
— Mulher dos infernos. Como devo protegê-la? — ele murmurou.
O brilho dourado das chamas da lareira podia ser visto através das
janelas superiores da cozinha. Eve chegara cedo e avivou o fogo
aguardando o retorno dele. Ele abriu a porta, as palavras de repreensão
prontas nos lábios.
— Pensei que combinamos que esperaria até que eu enviasse um bilhete
na quinta-feira. — ele disse.
— E um olá caloroso para você também. — foi a resposta sardônica.
Ele virou-se para ver Thomas sentado à mesa da cozinha. Deitado aos
pés dele, Zeus, adormecido. Freddie fez cara feia. Ele nunca conseguiu que
Zeus ficasse quieto.
O sorriso do irmão fez com que Freddie logo perdoasse Thomas por
mais um feito inédito.
— Ah, meu irmão. Eu queria saber quando chegaria em casa. Estou
fazendo companhia ao seu cachorro há várias horas. Ainda fica até tarde no
Sopão? — Thomas perguntou.
— Sabe do trabalho em St. John? — Freddie respondeu.
Thomas entregou-lhe uma carta. Trazia o brasão do Duque de
Strathmore.
— Essa carta chegou no final da semana passada em casa. Fala de suas
boas ações de caridade, entre outras notícias.
Freddie hesitou.
— Que outras notícias?
Thomas levantou-se da mesa e puxou o irmão para um abraço sincero.
— A carta contou o suficiente para que eu pudesse juntar dois e dois.
Não posso começar a dizer-lhe o quão terrível me senti quando soube que
acabou se envolvendo com o Conselho dos Bacharéis. Eu deveria tê-lo
avisado deles. Falhei com você. Estou aliviado, além das palavras, por ter
sido mais inteligente do que eu, e escapar de vil abuso. — disse Thomas.
Freddie afastou-se do abraço do irmão e olhou para ele. Thomas era alto
e forte. Seria preciso muito para derrubá-lo.
Thomas assentiu para a pergunta não dita.
— Nem sempre fui um cara grande. Havia membros do Conselho dos
Bacharéis em residência em Oxford. Eu precisei de tutela extra para passar
em uma prova difícil no meu último ano. Um dos professores se ofereceu
para me ajudar. Fui à sala dele, noite após noite, para trabalhar com ele. Na
noite seguinte à prova, ele me pediu para beber em comemoração com ele
em seus aposentos privados. Eu, sendo um tolo ingênuo, confiei nele. A
próxima lembrança que tenho é de estar deitado, seminu em um sofá, e ele
saindo de cima de mim.
Freddie começou a tremer e temeu vomitar.
— Não sei o que dizer. Eu não fazia ideia. — ele gaguejou.
— Nunca contei à vivalma até esta noite. Nem Cecily sabe. Amo minha
esposa e não suportaria que ela me visse como qualquer coisa além de um
homem forte e capaz. Levei muito tempo para entender que estupro não tem
a ver com sexo. Trata-se de poder e controle.
Freddie teve uma visão repentina de seu irmão sozinho e assustado. Já
foi bem difícil confessar a fuga por um triz. Ele duvidava que teria
conseguido contar a alguém se as drogas o tivessem deixado inconsciente, e
ele também fosse outra vítima. Olhando para o irmão, ele enfim entendeu o
verdadeiro poder que o Conselho dos Bacharéis detinha. Não era dinheiro e
nem influência. Era silêncio.
— Estou em Londres há alguns dias, hospedado no Hotel Mivart. Papai
leu a carta do duque, mas ainda não entendeu exatamente o que ela
significa. Não pretendo contar a ele o pior, essa parte depende de você. No
entanto, pelos rumores que circulam pela cidade, não demorará muito para
que ele compreenda, e você pode ser forçado a ter uma conversa difícil em
particular com ele. — Thomas disse.
As primeiras prisões de membros do Conselho haviam sido feitas na
noite anterior. Enquanto Freddie e Eve estavam juntos na Residência
Rosemount, as autoridades invadiram mais de uma dúzia de casas na área
central de Londres. Os militares foram enviados para várias propriedades
rurais. A queda de uma perigosa sociedade secreta havia começado.
Zeus se mexeu debaixo da mesa e foi para a cozinha em si. Ele se
acomodou, com um longo espreguiçar, com as patas sob si, antes de
inclinar-se para onde Freddie estava. O mestre deu-lhe um carinho
brincalhão atrás da orelha.
— Bom menino, Zeus.
— Fico feliz em saber que mudou o nome desse pobre animal. Acredito
que o nome tolo que deu a ele fez parte do jogo. — Thomas disse. Ele
colocou a mão no bolso e pegou um conjunto de chaves e as entregou a
Freddie. — Posso estar dando-as a você um pouco tarde, pelo estrago que vi
lá em cima, você não conseguiu manter essa besta longe do resto da casa.
Papai terá que assumir a responsabilidade por esse descuido, embora, talvez
fosse bom providenciar reparos antes que ele e Mama se aventurem na
cidade. Você ainda não é exatamente popular em casa.
Freddie abriu um sorriso fraco. Ele só dispunha de um punhado de
moedas. Ele só conseguiria reparar as almofadas da mãe se ele mesmo
pegasse em agulha e linha. Suas habilidades domésticas começavam e
terminavam com comida.
— Seja um bom rapaz, me faça um café e venha me contar o que mais
tem acontecido em sua vida, Frederick.
Freddie bufou de rir. Thomas era dotado de uma habilidade estranha de
imitar a voz e os maneirismos do pai.
— Sim, papai. — ele disse com uma risada
Com uma xícara de café quente e algumas criações de Freddie, os
irmãos se acomodaram à mesa.
— Espero que fique feliz em ouvir que Eve e eu nos reencontramos. Ela
sabe de tudo o que aconteceu com o Conselho, incluindo o incidente com o
vinho batizado. — Freddie disse.
Thomas ergueu uma sobrancelha. Agressão sexual de homens não era
algo que a maioria das mulheres da alta sociedade londrina sequer
reconhecia existir. Ainda mais, mulheres jovens e solteiras.
— Para ela cogitar me perdoar e me aceitar de volta, eu precisava contar
tudo para ela. Foi ela quem sugeriu que eu fosse até William Saunders para
falar de Osmont Firebrace. Foi quando descobri que o Conselho dos
Bacharéis representava uma ameaça para a coroa.
— E Eve o aceitará de volta? — Thomas perguntou.
Um estrondo de felicidade repercutiu no âmago de Freddie. Apesar de
todos os esforços tolos e egoístas, contra todas as esperanças, Eve o aceitara
de volta. Contudo, nada ainda era certo. Ele ainda precisava se provar
digno. Mostrar que ele era o homem que merecia o amor dela.
— Ainda estamos negociando como vamos avançar como casal, mas
sim, temos um futuro juntos. — ele disse.
Thomas recostou-se, mastigando o empanado. Ele sorriu para Freddie,
orgulho nos olhos.
— São bons. Pode considerar abrir uma pequena rede de panificações.
Tenho certeza de que papai poderia ajudá-lo com dinheiro para começar.
Algo a considerar agora que está prestes a se casar.
— Uma rede de panificações? — Freddie ecoou. Os planos iniciais
eram de uma única loja. O irmão agora o fazia repensar os objetivos.
Thomas limpou as mãos uma na outra.
— Bem, é melhor eu ir embora. Tenho um jantar tardio com amigos e,
de manhã, preciso comprar algumas coisas para a Cecily, antes de voltar
para casa. Nunca decepcione a esposa.
Freddie se lembraria da dica.
Os irmãos se abraçaram mais uma vez. Freddie suspirou de alívio. Era
bom estar com Thomas de novo, saber que havia como voltar a fazer parte
da família Rosemount. Os pais podem estar longe de perdoá-lo, mas ele
poderia confiar em Thomas para ajudar a trilhar este caminho.
Após Thomas sair, Freddie voltou ao aconchego da cozinha. Zeus
fungou e farejou a seus pés, seguido de um empurrão menos sutil contra a
perna de Freddie.
— Tudo bem, rapaz. Não me esqueci da sua janta — ele disse.
Ele foi até o armário alto, onde mantinha os ossos do cachorro fora do
alcance do próprio e, ao abri-lo, encontrou uma pequena carteira de couro
na parte da frente da prateleira. Ele a pegou. Sob a carteira havia um pedaço
de papel dobrado. Ele a olhou fixamente, segurando-a em uma das mãos e,
em seguida, para o bilhete, que segurava na outra.
Ele abriu o bilhete primeiro.
Foi-me entregue quando saí da abadia. Papai ainda está com raiva de
você, mas após receber a carta do Duque de Strathmore, decidiu ser
importante garantir que você não ficasse exposto e sem meios financeiros.
Já foi punido o suficiente. Ficará aliviado ao saber que os criados
retornarão à casa até o final da semana.
As almofadas favoritas da mamãe foram enviadas para a costureira e
devem estar de volta até o início da próxima semana. Confio em você para
mantê-las longe do cão no futuro. Seja um bom rapaz.
Thomas
O coração de Freddie começou a disparar ao olhar para a carteira.
— Por favor, que haja o suficiente para um saco de grãos de café. Por
favor. — ele rezou.
Assim que abriu a carteira, soube que a família estava mais perto de
perdoá-lo. Havia dinheiro suficiente para comprar uma dúzia de sacas de
grãos de café. Também havia o suficiente para comprar um novo par de
botas, um chapéu e para fazer um depósito para um bom cavalo. Ele socou
o ar com prazer. Poderia até pagar uma refeição quente decente que ele não
tivesse que cozinhar do zero.
Com a criadagem retornando em questão de dias, ele precisaria avançar
depressa com seus outros planos. O primeiro envolvia marcar um encontro
particular com Charles Saunders.
Capítulo Quarenta e Um

— H averá algumas conversas muito difíceis na Câmara dos Comuns


em torno desse escândalo. O primeiro-ministro ameaça convocar
eleições gerais, caso os dois membros citados até agora não renunciem.
Eve estava sentada na mesa do café da manhã, ao lado de Caroline,
enquanto o pai segurava o exemplar do The Times daquela manhã e o
mostrava ao resto da família. Na primeira página havia um artigo com os
nomes dos membros do Conselho dos Bacharéis já acusados de traição.
Cinco homens foram detidos na Torre de Londres. Osmont Firebrace não
estava entre eles.
— Sim, pelo que Hattie disse, Will tem trabalhado até altas horas, todas
as noites ajudando a acusação a reunir provas. Ela diz que mal o viu na
última semana. — Adelaide respondeu.
— Absolutamente estarrecedor. O The Times diz que a acusação terá
provas suficientes para enviar todos à forca. — acrescentou Charles.
Eve deu uma mordida na torrada. A imprensa estava mais focada nas
acusações de traição, mas ela soubera de Freddie que a influência
corruptora do Conselho dos Bacharéis era muito mais profunda na
sociedade inglesa. As vidas de jovens foram arruinadas. Futuros
corrompidos devido aos segredos que o Conselho guardava de seus
membros. Após juntar-se ao Conselho, a vida de um homem era regida por
suas regras.
Freddie evitou esse mesmo destino por pouco.
— Ah, e o nome do Freddie já saiu nos jornais. Era de se esperar. Falou
com ele recentemente? — Charles continuou.
Eve baixou a torrada, o apetite evaporando. Onde quer que estivesse,
Osmont Firebrace saberia agora que Freddie desempenhara um grande
papel em sua queda.
— Eu o vi em St. John na semana passada. — ela respondeu.
Os pais dela logo descobririam que as coisas entre ela e Freddie haviam
chegado a um ponto em que o casamento era o próximo passo natural.
Contudo, enquanto isso, ela continuaria a se entregar à emoção de sair de
casa tarde da noite para visitá-lo em segredo. O perigo de ser pega
aumentava o prazer inebriante de ser uma mulher solteira sexualmente
ativa.
Em sua retícula estava o bilhete de Freddie, recebido no dia anterior,
informando-a de que o envolvimento dele como testemunha da acusação
estava prestes a vir a público. Ela estava ansiosa para vê-lo o mais rápido
possível.
— Então, o que vocês duas jovens planejaram para este dia? —
Adelaide perguntou.
— A Hatchards recebeu um novo livro de poemas de P. B. Shelley esta
semana. Inclui o último trabalho dele: Hino à Beleza Intelectual. Eu e a Eve
vamos comprar um exemplar. Em seguida, espero encontrar uma boa
confeitaria para nos fartar de bolos enquanto lemos o livro novo. —
Caroline respondeu.
Ela e Eve estavam escrevendo sua própria versão bem-humorada do
poema e estavam ansiosas para ver o quanto haviam insultado a obra do
famoso poeta. Adelaide pegou a xícara de café e sorriu enquanto tomava
um gole.
— Sim, da próxima vez que vocês meninas terminarem de escrever suas
poesias, talvez queiram guardá-las. Nós as encontramos na sala de estar
ontem à noite. Após ler seus esforços, creio que podemos dizer, com
segurança, que o Sr. Shelley não se divertiria.
Charles Saunders riu por trás do jornal.
Eve e Caroline terminaram o café da manhã e pouco após as dez horas
da manhã subiram na carruagem da família, parada no pátio dos fundos da
casa. Quando a carruagem entrou na Piccadilly, Freddie Rosemount chegou,
em um coche de aluguel, à porta da frente da casa na Rua Dover.
Capítulo Quarenta e Dois

E ve estava com fome quando voltou para casa após uma longa tarde de
compras com Caroline, mas essa fome não era de comida. Tendo se
entregado a Freddie, a fome de deitar-se com ele ardia nela com constância.
Era quinta-feira, e a missa da noite costumava ser mais longa. Freddie
só estaria em casa perto da meia-noite. Ele não havia mandado nenhum
bilhete, mas ela não conseguia mais se negar de estar com ele.
Ela o visitaria, e eles discutiriam os planos para tornar o relacionamento
deles em um mais aceitável pela sociedade. Eve chegou à conclusão óbvia
de que, uma vez que o Visconde Rosemount descobrisse que Freddie havia
declarado ao mundo que seria o futuro marido dela, ele voltaria a aceitar o
filho em casa. Ela deixaria Freddie decidir quando fosse a hora certa de
informar os pais de ambos acerca do iminente casamento.
Passou uma noite agradável com Caroline e Adelaide, discutindo os
planos familiares para o Natal no Castelo de Strathmore, na Escócia. Com
os três primos Radley mais velhos recém-casados, o castelo estaria ainda
mais cheio de sons e alegria do que nos anos anteriores.
Pouco depois das onze, Eve deu boa noite à irmã e à mãe e voltou ao
quarto.
Ela trocou-se, escolhendo um vestido escuro de lã e esperou até ouvir os
outros membros da família se entregarem ao sono. Jogou um manto pesado,
e desceu as escadas em silêncio e saiu pelo jardim dos fundos.
Ela fez sinal para um coche de aluguel parado na esquina da Rua Old
Bond e logo estava a caminho da Praça Grosvenor. Após vasculhar vários
vasos de flores, ela encontrou a chave da porta dos fundos da Residência
Rosemount.
— Ótimo trabalho mantendo a casa a salvo de homens maus. — ela
murmurou.
Já na cozinha, ela acendeu uma vela e subiu as escadas.
— Zeus. — ela gritou.
O cachorro não estava em nenhum lugar.
— Que estranho. — ela murmurou. Às vezes, Freddie conseguia manter
Zeus preso na cozinha, mas o cachorro quase sempre estava correndo pela
casa. O silêncio era assustador.
Ela deu de ombros. Talvez Freddie tivesse decidido que Zeus precisava
do exercício e o tivesse levado para passar o dia na Paróquia de St. John.
Ela riu ao pensar na bagunça que o gigante lébrel irlandês faria na cozinha
de Hattie.
O relógio no corredor do andar de baixo anunciou a meia hora após as
onze. Pegando o acendedor e alguns gravetos na cozinha, ela correu para o
quarto de Freddie. Se acendesse o fogo agora, o frio já teria sido espantado
do quarto quando ele chegasse em casa. Esta noite, ela pretendia dividir a
cama dele.
Ela colocou um punhado de moedas no mantel
— Pronto. Isso deve cobrir o custo da lenha.
Pegando o acendedor, ela o experimentou algumas vezes antes de
conseguir uma faísca. A lenha seca na lareira pegou fogo e logo se
sustentou. Ela colocou alguns pequenos troncos no lugar e sentou-se nos
calcanhares, atenta ao fogo que crescia, orgulhosa e satisfeita.
Ela havia acabado de colocar o acendedor na prateleira quando ouviu
barulhos no andar de baixo. Com um sorriso, ela foi à porta do quarto. A
chegada precoce de Freddie em casa significava que teriam mais tempo
juntos. Ao sair para o corredor, ela ouviu vozes desconhecidas.
— Onde disse que ele mantinha o ouro?
— Não sei. Enfim, não viemos aqui para isso, viemos atrás do jovem
Rosemount. Ele está prestes a receber uma lição desagradável, para
aprender a não entrar em conflito com os poderosos. — um segundo
homem respondeu.
Eve enrijeceu. O coração começou a bater alto em seu peito. Ela não
levou os avisos de Freddie a sério, acerca de não ficar sozinha na casa.
Ninguém sabia que ela estava lá, ninguém poderia ajudá-la.
Pense, Eve, pense.
Ela voltou para o quarto de Freddie e fechou devagar a porta.
— Ah, não. — ela sussurrou ao notar a falta da chave na fechadura.
Ela acabara de decidir que o quarto dele poderia não ser o melhor lugar
para se esconder, quando ouviu botas pesadas nas escadas. O coração estava
acelerado, a boca seca. O medo dos estranhos e do que fariam se a
descobrissem, fez Eve tremer.
O que devo fazer?
Vozes do lado de fora da porta do quarto mostravam que havia pouco
tempo. Correndo, ela pegou o manto e caiu de joelhos. Deslizou para
debaixo da cama e fez o possível para jogar o manto sobre a cabeça.
Quando a porta se abriu, ela lamentou ter conseguido acender o fogo.
— Parece que alguém está em casa. Que bom, assim acenderam a
lareira para nós. Pena que não ficaremos tempo suficiente para desfrutar do
conforto de casa.
O outro intruso deu uma gargalhada gutural.
Eve manteve-se deitada debaixo da cama e ouviu os intrusos
vasculharem todos os armários. Gavetas e roupas foram jogadas no chão.
As mãos dela começaram a tremer sem controle, e o lábio inferior
tremia. Se esses homens vieram a mando do Conselho dos Bacharéis, ela
estaria em grave perigo se a descobrissem.
Os homens deixaram o quarto, mas ficaram no corredor. Eve rezou para
que saíssem da casa. Ela precisava escapar e avisar Freddie.
Houve um instante de silêncio. Tudo o que ela ouvia era o próprio
coração acelerado.
O tecido do manto dela foi erguido e bem na frente dela apareceu um
rosto feio e sorridente.
— Olá, gracinha. Achô que a gente não te acharia aí? — o homem
disse.
Eve tentou se afastar para outro lado, mas o segundo homem estava lá
esperando por ela. Ele agarrou as saias dela e a arrastou de debaixo da
cama.
— Levante-se. — ele ordenou.
Eve ficou de pé. Ela estava prestes a fazer a grande declaração de que
um dos tios era o Duque de Strathmore, e o outro tio era o Bispo de
Londres, quando a lâmina brilhante da faca do intruso a fez mudar de ideia.
Ele a olhou de cima e abaixo. O companheiro dele veio ficar do mesmo
lado da cama.
— Eu conheço ela. Ela é a mulher rica de Freddie. Acho que se
levarmos ela, ele sairá do esconderijo. Não vamos ter que procurar ele.
— Não sei quem são, mas minha família tem dinheiro. Tenho certeza de
que o que quer que seu patrão esteja pagando, meu pai dobrará para me ver
de volta a segurança de casa. — ela disse. Seu pai sempre lhe ensinou que
dinheiro era a língua que todos entendiam. Todos os homens podiam ser
comprados, só precisava se descobrir o preço certo.
Os dois intrusos trocaram um olhar atento.
— Desculpe, meu amor. Não há nada que sua família possa nos dar que
nos faça trair nossos mestres. Quando você e seu namorado desaparecerem
de repente, outras pessoas pensarão duas vezes, antes de testemunhar contra
os membros do conselho, e o caso da coroa entrará em colapso. Seremos
recompensados com um resgate de joias do rei e todas as prostitutas que
pudermos usar. — ele estendeu a mão e segurou Eve. Do bolso da jaqueta,
ele puxou um pedaço de corda.
Eve gritou.
Uma mão veio tapar sua boca. O algodão macio de um lenço embebido
em éter foi pressionado em seu rosto. Ela prendeu a respiração o máximo
que pôde, mas não adiantou. Os joelhos se dobraram debaixo dela. Ela
gritou por dentro, enquanto o éter a dominava e a deixava inconsciente.
Capítulo Quarenta e Três

E ve acordou e percebeu estar deitada e amarrada no chão de uma


carruagem em movimento. As mãos amarradas à frente dela e as pernas
bem presas.
Os efeitos da droga demoraram um pouco para desaparecer, e ela
desmaiou várias vezes mais. Quando a cabeça enfim clareou, e ela
conseguiu manter-se consciente, ela se lembrou dos eventos da noite
anterior.
Foi sequestrada.
Os solavancos da carruagem impossibilitavam que ela se sentasse. Após
várias tentativas de conseguir firmar-se no chão, ela desistiu e se deitou,
soluçando de desespero e medo.
— Ai, Freddie, sinto muito. Eu deveria tê-lo ouvido. Agora, vou
provocar a morte de nós dois. — murmurou.
Ela lutou em vão com as amarras que prendiam suas mãos. Eram nós
primorosos. Por mais que tentasse tirar as mãos das cordas, ela não
conseguia avanços.
Os pés eram uma opção um pouco melhor. Ela conseguiu soltar a corda
do tornozelo esquerdo. Estava perto de fazer a corda descer pelo pé quando
a carruagem começou a desacelerar.
Eve moveu-se para um dos lados da estrada e parou. Ela escutou o
barulho das rédeas, a puxada para parar, e o morso dos cavalos quando o
condutor os ajeitou. Um assovio agudo soou, seguido pelo som de vários
pares de botas em pedra solta.
A porta da carruagem foi aberta.
Ela apertou os olhos ante a luz brilhante da manhã, vislumbrando
cabelos castanhos e cacheados, antes que um saco fosse jogado em sua
cabeça. Fortes, mas até gentis, braços a puxaram da carruagem e a ajudaram
a firmar-se de pé.
— Hora de cuidar das tuas necessidades. Tem cinco minutos, então seja
rápida. — uma voz rouca falou.
Ela reconheceu a voz como a de um dos homens que a tiraram da
Residência Rosemount durante a noite.
— Segura no meu braço.
— Não consigo enxergar e, na verdade, não posso segurar em nada.
Minhas mãos estão amarradas. — ela respondeu.
O homem xingou. Em seguida, pegou as mãos dela e removeu as
amarras ao redor dos pulsos. Eve esfregou-as, contente por estar livre das
cordas apertadas.
Ela sentiu-se muito tentada a tirar o saco, mas um tapa forte nas costas a
fez repensar. O saco era de um pano rústico, e decerto bloqueava tudo,
exceto uma pequena quantidade de luz. Eve estava cega.
— Segura meu braço com força e não tente ser a espertinha. Não dormi
e não estou com humor para brincadeiras. — ele disse.
Ele a guiou até a beirada da estrada, e ela sentiu a textura macia e
esponjosa da grama sob os pés. Eles avançaram um pouco mais, antes de
ele parar.
Com as duas mãos nos ombros dela, o sequestrador parou às suas
costas.
— Agora, é assim que vamos fazer. Eu tiro o saco para poder fazer o
que precisa. Fica de costas para mim. Se tentar se virar, as coisas não
ficarão boas para você. — ele disse.
Ele puxou o saco da cabeça de Eve, e ela ficou piscando sob a luz do
sol. Sem pensar, ela começou a se virar, mas uma pistola sendo acionada a
impediu. Nenhum dos sequestradores fez nada para prejudicá-la até este
ponto, mas até que ela entendesse um pouco mais acerca do que
planejavam, sabia ser tolice correr o risco de receber a ira deles.
Ela se virou totalmente de costas para ele. Não era a privacidade a que
estava acostumada em termos de toilette, mas com a bexiga cheia, restavam
poucas opções. Levantando as saias, ela se agachou e se aliviou na grama.
Quando terminou, o saco foi colocado de volta na cabeça dela, e ela foi
guiada para a carruagem.
— Vire as mãos com as palmas para cima.
Um pequeno pãozinho e um pedaço de queijo foram colocados nas
mãos dela. Com alguma dificuldade, ela conseguiu passar a comida por
debaixo do saco e para a boca. A fome a impediu de reclamar do tamanho
lamentável da refeição. Um cantil foi empurrado em sua mão e, sem uma
palavra, ela o pegou e drenou o chá morno.
— Obrigada. — ela disse, balançando o cantil vazio à sua frente.
Foi arrancado de suas mãos.
— Por favor, não precisam fazer isso, não vi o rosto de ninguém.
Poderiam me deixar aqui à beira da estrada. — ela suplicou.
Não houve resposta.
Com a cabeça coberta pelo saco, ela dependia da audição para coletar
mais informações dos sequestradores. Um segundo par de botas raspou na
beira da estrada.
— Ela terminou.
A boa notícia era que pareciam querê-la não somente viva, mas em boa
saúde. Ela sabia ser uma bênção a não se dar como certa. Se a quisessem
morta, ela não teria saído viva da Residência Rosemount.
Ela compreendeu a situação pouco após ter recuperado a consciência.
Ela estava sendo usada como isca para chegar ao verdadeiro alvo: Freddie.
O que aconteceu com ele? Ele ainda estava vivo e, em caso afirmativo,
onde estava? Será que ele já sabia o que aconteceu com ela? Ela xingou-se
por sua natureza impetuosa. Já era manhã, então a família só perceberia seu
desaparecimento agora. Mesmo se Caroline contasse das visitas secretas de
Eve à Residência Rosemount, todos teriam pouco para descobrir seu
paradeiro real.
— Aonde vamos? — ela perguntou.
Uma risada gutural ao lado dela foi a única resposta. Ela foi empurrada
para a lateral da carruagem, as mãos amarradas com força mais uma vez.
Uma corda foi amarrada em sua cintura, segurando o saco no lugar, mas ao
menos os pés foram deixados livres.
Ela ouviu a porta da carruagem ser aberta mais uma vez e foi erguida
para dentro, depositada sem cerimônia no longo banco de couro. Ela
prendeu a respiração, esperando que não amarrassem seus pés e a fizessem
deitar no chão mais uma vez.
A porta foi fechada, e ela ouviu uma chave na fechadura. Não haveria
solavancos repentinos da carruagem, mesmo que ela conseguisse ficar com
as mãos livres.
A carruagem se afastou da beirada e seguiu viagem.
Eve sentou-se recostada no assento e tentou acalmar a mente
preocupada. Ela respirou fundo, devagar. Seria fácil deixar os medos
vencerem e ceder às lágrimas, mas ela estava determinada a fazer tudo o
que estivesse ao seu alcance para sobreviver. A única lição que Will
compartilhou de sua experiência como espião, e que ela prestou atenção, foi
a de manter a mente clara. Ela se repreendeu por não dar ouvido aos outros
conselhos dele de como evitar situações perigosas. Se voltasse a vê-lo, daria
ouvidos a ele.
Ela chegou à conclusão de que o melhor a fazer seria cumprir todas as
ordens que recebesse. Logo, ela descobriria quem estava por trás do
sequestro e, sem dúvidas, quais planos teriam para ela. Só então, ela poderia
fazer algo para tentar escapar.
No final daquela tarde, a carruagem parou mais uma vez, e ela refez a
mesma rotina da manhã com os sequestradores. Quando a noite caiu, ela se
encolheu o melhor que pôde no banco da carruagem e cedeu a algumas
horas de sono tranquilo.
Na segunda manhã de seu calvário, ela foi acordada pela sensação da
carruagem parando de supetão. A gritaria era ensurdecedora. Ela congelou
de medo quando um tiro de pistola soou.
— Fui baleado. Estou condenado, meu Deus! — veio o grito de um dos
sequestradores.
Eve começou a soluçar. Quem quer que estivesse lá fora não veio para
brincadeiras.
— Desça! — uma voz familiar gritou.
Ela pressionou a orelha na lateral da janela e rezou para que sua
salvação estivesse próxima.
O forte estrondo de um corpo empurrado contra a parte externa da
carruagem fez com que ela temesse que a tentativa de resgate tivesse dado
errado. Houve silêncio por um tempo. Ela colocou o ouvido na janela mais
uma vez e ouviu.
Uma chave foi colocada na fechadura da porta, e ar fresco atingiu a pele
dela, quando a porta se abriu. Mãos trabalhavam nas cordas ao redor da
cintura dela, e o saco foi puxado da cabeça.
— Ai, Jesus. — ela sussurrou ao avistar seu salvador.
— Não, apenas Freddie. — ele respondeu.
Ele fez um trabalho rápido nas cordas em suas mãos. No segundo em
que as mãos dela estavam livres, ela jogou os braços ao redor dele e caiu
em lágrimas. Ele a segurou com força.
— Ai, Freddie. Nunca tive tanto medo. Pensei que o haviam matado,
que iam atirar em mim, em algum campo isolado e deixar meu corpo para
os corvos!
A imaginação dela teve vários dias para forjar todo tipo de cenários
quanto ao que os sequestradores poderiam reservar a ela. Ela conseguira
manter o pior dos medos sob controle até agora, mas não mais.
— Está tudo bem. Está segura agora. Eu a encontrei. — ele disse.
A onda de alívio que tomou conta dela fez com que se sentisse tonta.
Ela deitou a cabeça no ombro dele e fechou os olhos. Ela mal dormiu nos
últimos dois dias.
— E os homens? — ela perguntou.
Freddie a beijou na testa.
— Um deles fugiu, assim que cheguei. Eu consegui dar um tiro de
pistola na direção dele, talvez o tenha atingido. O outro eu acertei um golpe
na cabeça. — ele disse. Pegando Eve pela mão, ele a ajudou a sair da
carruagem. Ela segurou no braço dele com força, enquanto balançava de
tontura ao se ver de pé. Não havia sinal dos sequestradores.
— Ou não bati nele com força suficiente, ou o cúmplice voltou por ele.
— disse Freddie.
Eve estava muito tomada de alívio e fadiga repentina para discutir os
méritos da tentativa de resgate de Freddie. Ela estava livre de amarras e
segura com ele. Nada mais importava.
— Vamos, corramos para o mais longe possível daqui. Quem pode
garantir que não têm outros cúmplices vindo em seu auxílio? — Freddie
perguntou.
Eve apertou-lhe a mão. Freddie a levou até o cavalo, amarrado a uma
árvore próxima. Ele logo pôs os dois em cima do cavalo, e se afastaram da
carruagem.
Enquanto rodeavam, Eve deixou a cabeça cair para a frente. Com os
braços enrolados na cintura de Freddie, ela deixou mais lágrimas rolarem.
Alguns quilômetros abaixo da estrada, eles se depararam com uma
pequena aldeia adjacente a campos agrícolas. No meio da aldeia havia uma
estalagem. Freddie entrou no pátio. Um cavalariço tomou as rédeas do
cavalo de Freddie, e ambos desmontaram.
— Passaremos a noite aqui. Espero que consiga dormir um pouco e
lavar a poeira da estrada de seus cabelos. — disse ele.
Ao chegarem à porta da estalagem, Eve puxou a mão de Freddie. Ela o
levou para um lado.
— Não tenho dinheiro, fui arrancada do seu quarto. Tudo o que tenho
são as roupas do corpo. Duvido que o estalajadeiro nos dê crédito. — ela
disse.
Freddie sorriu. Ele se inclinou para perto e, por um instante, ela pensou
que iria beijá-la. Ela desejou que ele o fizesse. Após tudo o que suportou,
ela ansiava por ser arrebatada pelos braços dele.
— Tenho dinheiro. Thomas veio me ver em Londres, um dia antes de
você desaparecer. Recuperei um pouco do favor dos meus pais. Voltei a ter
fundos. Não tema, meu amor. Comerá em uma hora e dormirá em uma
cama apropriada comigo esta noite. Mandarei notícias para sua família.
O estalajadeiro ficou mais do que feliz em acomodar o jovem casal que
chegou à sua porta pedindo um quarto. O filho dele, um rapaz grande e
robusto, trouxe uma banheira de metal até o quarto de Eve e Freddie, e logo
a encheu de água morna. Eve olhou com expectativas para a banheira e para
a pequena barra de sabão colocada em uma mesa próxima. Ela não via a
hora de tomar banho.
Após a saída do rapaz, Freddie pegou uma Eve exausta e a despiu. Ele a
ajudou a entrar na banheira e começou a lavá-la com um pano seco.
— Deixe-me atendê-la, meu amor. Tenho um dom especial para a
toilette das senhoras. — ele disse.
As mãos dele livraram-na, com ternura, da sujeira e do medo em seu
corpo. Ele prosseguiu com beijos pincelados na parte de trás da perna dela,
e ao longo da curva de suas costas.
Era final de outono, mas ela não tremia de frio. Sentia-se viva. Nunca se
sentira tão viva. Seu herói a resgatou de um destino incerto. E agora, ela
estava diante dele, enquanto ele cuidava de suas necessidades. A única
necessidade que ele ainda não havia atendido era o calor sexual crescendo
aos poucos dentro dela. Cada passar de toalha enviava tremores de
expectativa através dela.
Quando ela estava limpa, ele a ajudou a sair da banheira. Ele começou a
secar seu corpo úmido, devagar. Limpou o rosto dela, e enrolou a toalha em
volta dela, a puxou para ele. Segurou o rosto dela entre as mãos, e seus
olhares se encontraram.
— Lamento não ter dado ouvidos ao seu aviso. Coloquei a nós dois em
perigo. — ela disse.
— Falaremos disso mais tarde. Só sei que eu morreria antes de deixar
qualquer coisa acontecer com você. Você é o meu mundo. — ele disse.
Os lábios dele desceram aos dela em um beijo ardente que confirmou as
palavras recém-ditas. Nenhum homem jamais a beijaria como Freddie. Ela
pertencia a ele. Só ele.
Ele a puxou com vontade contra ele. Através da toalha fina, ela pôde
sentir a dureza da ereção dele.
Os dedos dela escorregaram para tocar a frente das calças dele. Ela deu
um leve aperto em sua masculinidade, um gemido apreciativo dizendo que
a mente dele e a dela eram só uma.
Ele a liberou do beijo e deu um passo para trás, levando a toalha com
ele.
— Deixe-me terminar de atender as suas necessidades, minha senhora.
A rouquidão da voz dele combinava com a paixão que brilhava naqueles
olhos. Freddie se ajoelhou diante dela e mais uma vez, pincelou beijos em
seu corpo. Quando a língua dele tocou a parte externa de seu monte, Eve
ofegou. Os dedos dele a abriram, com gentileza, para ele, e a língua a
varreu. Ela sentiu a respiração estremecer quando ele a tomou com golpes
fortes e profundos. As mãos dela apoiavam-se na cabeça dele, os cabelos
enroscados em seus dedos.
Quando ele a provocou ao ponto que agora conhecia tão bem, Eve o
empurrou de volta aos calcanhares.
— Sua senhora ordena que você a leve para a cama e mostre como de
fato é bom em servi-la.
Ele não precisou de mais instruções.
Capítulo Quarenta e Quatro

N a manhã seguinte, Eve e Freddie dormiram até tarde. Eles fizeram amor
pela segunda vez nas primeiras horas antes do amanhecer, e ao terminarem,
Freddie envolveu os braços e as pernas em torno dela e a segurou perto.
Um farto café da manhã com ovos, bacon e arenque repôs os níveis de
energia que as atenções lascivas de Freddie ao corpo dela esgotaram. Eve
sentou-se com uma xícara de café na mão e o observou por cima da borda.
— Então, o que pretende fazer acerca dos calhordas que me
sequestraram? Estou surpresa que não tenha ido atrás da milícia local
quando chegamos aqui. — ela perguntou.
Freddie ergueu o olhar do café da manhã.
— O posto da milícia mais próxima fica a uns vinte quilômetros de
distância. Quando conseguisse chegar lá, encontrar alguém que ouvisse
minha história e que voltasse comigo, seria tarde demais. Estou certo de
que, quando regressarmos a Londres, compreenderemos melhor quem
mandou raptá-la. — ele respondeu.
— Então, como foi que me encontrou?
Ele baixou a faca e o garfo e limpou a garganta. Eve sentiu que algo
estava errado pelo jeito que ele não encontrava o olhar dela.
— Eles deixaram um bilhete. — ele respondeu por fim.
Ela estava prestes a interrogá-lo ainda mais quando o estalajadeiro
chegou à mesa deles.
— Peço perdão, senhor, mas não consegui encontrar nem mesmo uma
pequena carruagem para seu uso. Só tenho uma carroça. Se quiser usá-la,
pode trocá-la por algo mais adequado na próxima cidade de maior tamanho.
— ele disse.
Freddie limpou os lábios com o guardanapo e ficou de pé.
— Desculpe-me, meu amor, devo ir cuidar do nosso transporte. Ao
terminar seu café da manhã, por favor, vá recuperar o que quer que tenha
deixado em nosso quarto, e vou encontrá-la nos estábulos em breve.
Ele seguiu o estalajadeiro pela porta, deixando Eve ponderando os
súbitos trejeitos evasivos dele.
Ela voltou para o andar de cima e se preparou para sair. Enrolou o
manto em torno de si, pronta para a longa jornada para casa.
A estalagem ficava à frente do pátio, e os estábulos nos fundos. Ao sair,
Eve viu as várias carruagens e diligências de outros hóspedes. Ela
caminhou lentamente em direção aos estábulos, quando passou por uma
carruagem que quase fez seu coração parar.
Era uma carruagem preta, como centenas de outras que percorriam as
estradas da Inglaterra, mas o homem sentado no banco do condutor foi
quem a fez acelerar os passos.
Ela virou a esquina e ficou aliviada ao ver Freddie conversando com o
estalajadeiro. Manteve o passo acelerado, resistindo à vontade de correr até
ele. Will havia ensinado aos irmãos que nunca se deve demonstrar caso se
descubra um segredo, mantê-lo para si gera poder.
O filho do estalajadeiro estava ocupado carregando um pequeno baú na
parte de trás da carroça em que o cavalo de Freddie fora amarrado. Ela
ignorou o estranho transporte, a mente concentrando-se apenas na
necessidade de falar com Freddie.
De avisá-lo.
Assim que chegou ao lado dele, ela segurou-o pelo braço e o puxou para
perto.
— Os homens que me levaram estão aqui! Vi o homem que me agarrou
em sua casa em uma carruagem preta parada no pátio da frente. — ela
disse.
Freddie franziu a testa. Ele olhou para as carruagens alinhadas no pátio
da frente.
— Qual?
Ela seguiu o olhar dele, depois balançou a cabeça.
— É a terceira ou a quarta depois da esquina. Não dá para ver daqui.
Graças a Deus. Significa que não podem nos ver.
Ele segurou as rédeas da carroça e falou com o cavalo, passou os dedos
para cima e para baixo na testa do animal.
— Sei que é uma carroça pequena e menos do que merece, mas não se
escolhe esmola.
Com um bufo alto, Eve segurou o braço de Freddie. Ele estava levando
a situação com muita leveza para o gosto dela.
— O que fará quanto a eles? Se a milícia está tão longe quanto diz que
está, o que os impediria de nos atacar na estrada e nos sequestrar?
As palavras dela pareceram surtir o efeito desejado. Freddie parou de
cuidar do cavalo e voltou-se para ela.
— Faremos o seguinte: entraremos na carroça. Você usará o manto para
se cobrir, e rezaremos aos céus para que não nos olhem com muita atenção.
— ele respondeu.
Sem mais delongas, Freddie colocou as mãos na cintura de Eve e a
levantou para o banco do condutor. Ele subiu ao lado dela e deu um estalo
no chicote.
Eve puxou o capuz do manto e cobriu a cabeça. Ao passarem pela
fileira de carruagens, ela desviou a cabeça para longe delas. Freddie deu um
estalo no pequeno chicote, e o cavalo aumentou o ritmo.
Ele virou a cabeça do cavalo para o norte, assim que saíram da
estalagem. A cerca de um quilômetro da aldeia, ele se virou para ela.
— Pode tirar o capuz agora. Estamos bem à frente na estrada, pode
relaxar. — ele disse.
Eve jogou o capuz para trás e o encarou. Quando ele se recusou a
encontrar o olhar dela, ela deu um soco forte no braço dele.
— Relaxar, ficou maluco? O que há para impedi-los de vir atrás de nós?
Estou certa de que eles sabem bem quem somos, e esta carroça não foi feita
com o intuito de ser veloz. O que vamos fazer? — ela o questionou.
Freddie puxou o cavalo e a carroça para a margem da estrada. Ele pulou
e amarrou o cavalo em uma árvore próxima.
Uma Eve enfurecida ainda se sentava na carroça, de braços cruzados.
Ele deu a volta no veículo e ergueu as mãos. Ela se recusou a aceitá-las.
Quando ele começou a rir, ela desejou poder bater nele com os punhos.
— Eles não virão atrás de nós. Prometo. — ele disse.
— E como sabe? Consegue ler as mentes de homens maus? O que
impediria Osmont Firebrace de vir ali por aquela curva e atirar em nós dois,
em plena luz do dia? — ela respondeu, irritada.
— Porque os homens com a carruagem estão a levando de volta para
Londres. Só os contratei, e a carruagem, por uma semana. Mais tempo e
perderei o meu depósito pela carruagem. O cavalo foi alugado por algumas
semanas a mais. — Freddie sustentou o olhar dela. — Ah, e quanto a
Osmont Firebrace, ele foi preso muito antes de qualquer outro, e está sendo
mantido em um local secreto, fora de Londres, junto de muitos outros. Os
demais membros do Conselho dos Bacharéis presumiram que essas pessoas
fugiram do país e tentaram segui-los. Os homens agora na Torre de Londres
foram apanhados tentando embarcar em navios com destino à Irlanda.
Uma raiva ardente e lenta começou a crescer no cérebro de Eve,
enquanto a mente processava o que ele havia dito.
— Agora, gostaria de descer da carroça para podermos conversar sobre
isso? — ele tentou mais uma vez.
Eve cerrou os punhos, desejando ter uma faca ou uma arma escondida
em algum lugar das saias. Ela afastou a mão oferecida por ele e pulou da
carroça.
Assim que os pés dela chegaram ao chão, ela girou e desferiu um soco
bem no meio do peito de Freddie.
— Seu desgraçado! Seu desgraçado maldito! Você mandou me
sequestrarem! — ela esbravejou. Ele havia orquestrado tudo.
Ela se afastou, o rugido de raiva em seus próprios ouvidos a deixando
surda às palavras dele. Por dois dias, ela temeu pela própria vida, o tempo
todo desesperada por não saber o que havia acontecido com Freddie. Dois
dias em que ele seguiu a carruagem, até decidir o momento oportuno de
resgatá-la.
Freddie a seguiu. Quando chegaram a um campo de grama plana e
verde, ela ganhou ritmo.
— Pare. Pare.
Ela rodopiou quando ele segurou firme no manto dela.
— Como pôde? Como pôde fazer isso comigo? Tem ideia do quanto eu
fiquei assustada? — ela desabafou.
O riso já havia desaparecido do rosto dele. Em seu lugar, uma seriedade
severa que ela nunca viu nele.
— Sim, sei que ficou assustada. Eu disse para você não vir a minha
casa, sabendo muito bem que você ignoraria minhas palavras de cautela.
Por que fiz isso? Fiz isso para forçá-la a entender.
— O quê? O que preciso entender?
Ele respirou fundo.
— Por todo o tempo desde que a conheci, você ultrapassa limites sem
olhar para trás. Persegue a emoção do escândalo e do perigo o tempo todo.
Você a cobiça. Eu dei exatamente o que você queria. Tirei sua virgindade
com você debruçada em uma mesa de cozinha, algo muito escandaloso
quanto acontece com uma mulher solteira da sua posição social. Então, eu
mostrei um perigo real ao sequestrá-la. Dei exatamente o que você queria,
Eve. — ele respondeu. Ele soltou o manto e não a seguiu, quando ela
caminhou ainda mais longe no campo.
Quando estava longe o suficiente dele, ela sentou-se na grama. A vista
para a carroça era muito parecida com a da estrada da Abadia Rosemount,
onde ela se sentou e liberou a raiva com seu cruel desgosto. Desta vez, era
Freddie, não a mãe dela, que estava no meio do campo imaginando o que
uma Eve furiosa faria a seguir.
Ela puxou uma folha de grama e sentou-se ali, enrolando-a entre os
dedos. Quando Freddie se aproximou e se sentou ao lado dela, ela o
ignorou.
Doía saber que ele causara dor nela mais uma vez. Que ele viu além,
distinguindo o jogo dela de subir, cada vez mais, o sarrafo desse flerte com
o escândalo.
O que mais doía era ele estar certo.
Ela gostava do perigo. Mesmo agora ela se via forçada a aceitar que a
paixão que esquentou seu sangue na noite anterior, foi exatamente o fato de
ter sido sequestrada. Em seus braços, ela havia se exaltado sabendo que
enganara a morte certa. O sexo em uma cama de estalagem a mudou na
alma.
— Odeio você. — ela disse.
— Também odeio você. Também odiei mentir, mas o fiz para você ver o
bom senso e parar de perseguir cegamente o perigo. Não me arrependo.
Precisa se perguntar, e se não tivesse sido um sequestro falso? Precisa
aprender a confiar que estou aqui para mantê-la segura, mas nisso você tem
um papel a desempenhar.
Ela estendeu a mão e segurou a mão dele. Foi um aperto suave,
oferecendo perdão tácito. Ele ganhou dela no próprio jogo. Estava na hora
de ela ceder.
— Agora, o que vai acontecer? — ela perguntou.
Se ele planejou tão bem o sequestro dela, então teria outros planos, sem
dúvida. Ela ainda estava brava para caramba com ele, mas fiel à própria
natureza, estava ansiosa para saber o que mais os esperava.
Ele se levantou e parou na frente dela. O coração dela começou a
acelerar, quando ele desceu com o joelho dobrado.
— Evelyn Saunders, eu te amo. Quero passar o resto da minha vida com
você. Quero que forjemos uma vida juntos sendo membros respeitáveis da
sociedade, mas permitindo-nos nos entregar, em particular, a tudo o que
incendeia nosso sangue. Dar-me-ia a maior honra e concordaria em ser
minha esposa?
Ela precisou dar crédito a ele. Ele tinha o dom do inesperado. Um
pedido de casamento em um campo no meio do nada não estava no
repertório imaginado por ela. Foi, claro, escandaloso. Ele não havia pedido
permissão ao pai dela. Eles não estavam nem perto de um cortejo formal.
Eles estavam, para todos os efeitos e parâmetros, fora dos limites do
comportamento aceitável aos olhos da Sociedade.
Foi perfeito.
— Sim.
Ele mexeu no bolso do casaco e tirou uma caixinha. Sentado ao lado
dela, ele segurou a mão dela e deslizou um anel em seu dedo.
Eve juntou as mãos e olhou para o anel. Ela viu a mãe usá-lo muitas
vezes. Já pertencera à Maria Alexandre, avó francesa de Eve. Freddie só
poderia tê-lo obtido de um lugar. Os pais dela sabiam onde ela estava, e
com quem. Eles deram a bênção aos dois.
— Ó, Freddie.
Ele colocou os braços ao redor dela e a segurou contra ele.
— Você não achou que eu faria sua família passar por um inferno só
para fazer uma proposta elaborada e fugirmos para nos casar, não é? —
disse ele.
Através do brilho das lágrimas, ela olhou para o anel reluzindo em seu
dedo. A avó perdeu o marido durante a Revolução Francesa e enfrentou
uma perigosa fuga para a segurança na Inglaterra.
— Seu pai acredita que este anel deveria ser seu. A mãe dele era uma
mulher corajosa e, embora tenha enfrentado perigos muito maiores do que
espero que você enfrente na vida, ele diz que seu coração é tão ousado
quanto o dela. — ele disse.
— Estou emocionada e tenho orgulho de ser a nova dona. Se eu pudesse
ter escolhido um anel para mim, seria este. Obrigada. — ela disse.
Seus lábios se encontraram, selando o acordo. O encontro logo ficou
mais acalorado e ela sentiu os dedos de Freddie começarem a trabalhar na
renda de seu vestido.
— Aqui? — ela murmurou.
— Sim, aqui. Farei amor com você no meio de um campo, e você vai
me tomar bem fundo e implorar para que eu a tome com força. Sabemos
quem somos, Eve, e nada vai mudar isso. — ele respondeu.
As palavras a fizeram morder o lábio inferior de expectativa. Quando
ele a beijou no pescoço, ela sabia ser impotente diante da necessidade dele
de adorar seu corpo mais uma vez.
Ela olhou para cima, para a posição do sol. Ele seguiu o olhar dela,
depois riu baixinho.
— Virei o cavalo para norte após sairmos da estalagem. Em dois dias,
atravessaremos a fronteira para a Escócia. Que melhor jeito de selar um
relacionamento escandaloso do que um casamento em uma Ferraria em
Gretna Green? Você e eu seremos o conto de advertência que todas as boas
mães contarão às filhas nesta próxima temporada.
Eve soltou o nó do manto e o deixou cair atrás dela na grama. Ela se
deitou e cumprimentou Freddie com um sorriso sensual enquanto ele se
erguia acima dela.
— Venha até mim, meu senhor. Mostre-me quantas travessuras pode
fazer agora que domou meu coração.
Epilogue

L ondres – 1818

— Desejo boas-vindas a todos os nossos amigos e familiares hoje. É com


grande prazer que abrimos a segunda loja da Panificação Rosemount esta
manhã.
Freddie sorriu enquanto uma onda de aplausos atravessava a multidão
reunida.
— Há um ano, quem diria que o experimento de tentar proporcionar
emprego remunerado aos jovens da paróquia de St. John seria um sucesso
tão estrondoso. Sinto-me verdadeiramente honrado com o apoio que o povo
de Londres nos deu.
— Poderíamos, por favor, continuar com a cerimônia e cortar a fita,
minhas costas estão me matando. — Eve retrucou.
Ele riu.
— Parece que minha senhora esposa gostaria de terminar as
formalidades.
Ele olhou para onde uma Eve grávida estava de pé, segurando uma
tesoura, e deu um aceno amigável. Ela acenou para que ele se juntasse a ela.
Chegando ao lado dela, ele deu um laço para ela.
— Vamos cortar essa fita, então poderá colocar os pés para cima. — ele
disse.
Eve bufou.
— Faz semanas que não vejo meus pés, o que preciso é que esse bebê se
apresse e nasça. Três semanas de atraso é escandaloso.
Ele segurou a mão dela e seus olhares se encontraram. Os olhos de Eve
brilhavam de amor e felicidade.
— Bem, considerando o comportamento escandaloso dos pais, é alguma
surpresa? — ele disse e inclinou-se para beijá-la.
Romances em português

Série
O Duque de Strathmore
Senhores de Londres

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O Duque de Strathmore

A Carta Escandalosa do Marquês


Um Amor Proibido para uma Dama
A Filha do Duque
Meu Cavalheiro Espião
A Dama de Coração Indomável

Senhores de Londres

Apaixonada pelo duque espanhol


Sobre o autor

Sasha Cottman, autora best-seller do USA Today, nasceu na Inglaterra mas cresceu na Austrália. Ter
o coração dividido entre dois lugares resultou num amor por viagens, que na última contagem estava
em 30 países. Sasha tem sempre um guia de viagem na sua pilha de livros novos para ler.

Ela escreve romances ambientados no período da Regência na Inglaterra, Escócia e Europa.

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Notes
26. CAPÍTULO VINTE E SEIS

1 1 Farthing (1/4 de centavo). Groat (4 centavos). Sixpence (6 centavos ou meio-xelim)

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