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Romance Histórico
O DUQUE DE STRATHMORE
BOOK V
SASHA COTTMAN
Translated by
EVELYN TORRE
Copyright © 2023 por Sasha Cottman
Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico
ou mecânico, incluindo sistemas de armazenamento e recuperação de informações, sem permissão
escrita do autor, exceto para o uso de citações breves em uma resenha de livro.
Contents
1. Capítulo Um
2. Capítulo Dois
3. Capítulo Três
4. Capítulo Quatro
5. Capítulo Cinco
6. Capítulo Seis
7. Capítulo Sete
8. Capítulo Oito
9. Capítulo Nove
10. Capítulo Dez
11. Capítulo Onze
12. Capítulo Doze
13. Capítulo Treze
14. Capítulo Quatorze
15. Capítulo Quinze
16. Capítulo Dezesseis
17. Capítulo Dezessete
18. Capítulo Dezoito
19. Capítulo Dezenove
20. Capítulo Vinte
21. Capítulo Vinte e Um
22. Capítulo Vinte e Dois
23. Capítulo Vinte e Três
24. Capítulo Vinte e Quatro
25. Capítulo Vinte e Cinco
26. Capítulo Vinte e Seis
27. Capítulo Vinte e Sete
28. Capítulo Vinte e Oito
29. Capítulo Vinte e Nove
30. Capítulo Trinta
31. Capítulo Trinta e Um
32. Capítulo Trinta e Dois
33. Capítulo Trinta e Três
34. Capítulo Trinta e Quatro
35. Capítulo Trinta e Cinco
36. Capítulo Trinta e Seis
37. Capítulo Trinta e Sete
38. Capítulo Trinta e Oito
39. Capítulo Trinta e Nove
40. Capítulo Quarenta
41. Capítulo Quarenta e Um
42. Capítulo Quarenta e Dois
43. Capítulo Quarenta e Três
44. Capítulo Quarenta e Quatro
Epilogue
Romances em português
Sobre o autor
Notes
Capítulo Um
L ondres, 1817
F reddie Rosemount se arrastou para fora da cama o mais tarde que pôde
na manhã seguinte. As comemorações pós-corrida foram bem até de
madrugada. Após a terceira taça de champanhe, ele mudou para conhaque e
parou de contar as doses.
Ele sentou-se à beira da cama e olhou para os pés descalços, rindo
baixinho devido à ideia de que esses pés estavam trilhando um caminho
diferente do que acreditavam que fariam. A dor persistente na cabeça era o
preço da glória do vencedor.
Ele se vestiu e foi para a sala de café da manhã da casa de sua família
em Londres, na Praça Grosvenor. O único conjunto de mesa colocado para
o café da manhã estava na cabeceira da mesa de carvalho longa e reluzente.
Ao sentar-se, ele sorriu. Com os demais membros da família ainda em
residência na Abadia Rosemount, ele contava com toda a casa londrina para
si pela primeira vez na vida.
Enquanto esperava que os criados trouxessem o café da manhã, ele
examinou seu entorno. Ele sempre se sentava mais abaixo na mesa. O
assento do pai oferecia uma perspectiva diferente do ambiente. Pinturas de
familiares há muito mortos, que costumavam ficar fora da vista do assento
habitual dele, agora estavam em plena vista.
Ele deu um aceno de cabeça respeitável ao retrato de seu tataravô. O
lucrativo programa de criação de cavalos na Abadia Rosemount foi
estabelecido por este seu antepassado no início do século XVIII, e agora
dava à família uma posição elevada no ar rarefeito da Alta Sociedade.
Sendo o segundo filho, Freddie nunca ocuparia o assento da cabeceira
por direito. Era bom desfrutar da agradável fantasia de ser senhor da casa,
mesmo que por um curto período.
Ele não podia desmerecer Thomas por seu papel como futuro Visconde
Rosemount. A vida de Thomas foi resolvida por ele. Ele já tinha dois filhos.
Com uma propriedade para administrar, inquilinos para lidar e uma enorme
casa elisabetana para manter, Thomas nunca teria as mesmas oportunidades
de Freddie para decidir o próprio futuro. De uma coisa, Freddie tinha
certeza: seu irmão nunca seria encontrado cavalgando em velocidade
vertiginosa pelas ruas de Londres no meio da noite.
No entanto, no fundo doía saber que até este dia, sua vida sempre esteve
em segundo lugar. O segundo filho a frequentar Oxford. O segundo filho a
terminar com um diploma de primeira classe. Nada do que ele havia
conseguido fora apenas seu. Ele estava destinado a ser uma nota de rodapé
na longa e orgulhosa história da família.
Um lacaio trouxe uma pequena bandeja com dois ovos cozidos, que ele
não perdeu tempo em finalizar. Quando a segunda xícara de café não tirou
as teias de aranha de seu cérebro, ele se prometeu que chegaria cedo à cama
naquela noite.
Pegando a jaqueta, ele saiu pela porta da frente, atravessou a Praça
Grosvenor e seguiu em direção à St. James, a para as Casas do Parlamento.
Uma posição na Câmara dos Comuns apareceu para ele, de maneira
inesperada, através de um dos seus antigos professores universitários. O
estágio, por assim dizer, só duraria alguns meses e era uma rara chance de
ver o funcionamento interno do sistema político inglês. Era o papel perfeito
para ele que ainda estava se firmando na sociedade londrina.
A caminhada matinal dava-lhe tempo para desfrutar do movimento e da
vida de Londres nessa parte inicial do dia. Com um cachecol enrolado no
pescoço, e as mãos aquecidas por um par de luvas de couro marrom-escura,
ele estava bem protegido contra o vento mordaz.
Atravessando o Parque St. James, ele olhou para a direita e deu um
aceno respeitoso ao Palácio de Buckingham. As bandeiras estavam
hasteadas. A Família Real estava em residência.
— Vossa Majestade. — ele sussurrou.
Ao chegar aos escritórios dos cadetes parlamentares na Rua Barton,
assinou o livro-ponto e foi em busca de seus colegas cadetes. A caminhada
da Rua Barton até o Palácio de Westminster levava cinco minutos por ruas
estreitas detrás da Abadia de Westminster. Ele entrou por uma porta lateral.
— César chegou! Toda a Grã-Bretanha é minha para conquistar. — ele
anunciou ao entrar na pequena sala de reuniões atribuída aos cadetes
durante o tempo de serviço.
— Você, senhor, não é nenhum conquistador. É um lunático de marca
maior! — Lorde Godwin Mewburton o respondeu. Ele deu um tapa forte
nas costas de Freddie. — Eu quase o venci quando chegamos à Residência
Strathmore, mas seu cavalo maldito fugiu como o diabo.
Freddie riu e deu uma piscada. Godwin podia contar todas as histórias
que quisesse, mas ambos sabiam que, quando o cavalo de Freddie tomasse a
liderança, nunca iria cedê-la.
— Posso ser um lunático, mas ganhei o primeiro dos desafios, o que
significa que tenho cem pontos para minha vaga no Conselho dos
Bacharéis. Digo que, neste ritmo, serei um membro de pleno direito antes
do final da semana. — Freddie respondeu.
Sentado em uma cadeira de couro acolchoada nas proximidades, o
Honorável Trenton Embry bufou.
— Sim, bem, apenas seja grato que minha irmã e o marido insistiram
que eu participasse de um jantar ontem à noite, caso contrário, eu teria
mostrado aos dois como nós do oeste cavalgamos.
Freddie e Godwin trocaram um erguer de sobrancelhas. No pouco
tempo em que conheciam o segundo filho do Visconde Embry, eles
descobriram ser um homem propenso a pouca fala e menos ação ainda.
— Então, o que será que faremos hoje? — Godwin perguntou.
Freddie se jogou em um sofá próximo e colocou as botas em uma mesa
de centro disposta em uma posição conveniente. Se hoje fosse qualquer
outro dia na Câmara dos Comuns, eles teriam reuniões chatas, quantidades
abundantes de álcool e todo tipo de asneiras perigosas. E não
necessariamente nessa ordem.
Freddie prometeu-se investir em uma oferta de um cargo duradouro na
Biblioteca Britânica, assim que o estágio aqui fosse encerrado. A coleção da
Biblioteca Harleiana contava com alguns escritos de Ptolomeu que ele
estava ansioso para ter em mãos.
— Nosso destemido líder logo nos dirá, assim que se levantar da sarjeta,
qualquer que seja a sarjeta que frequentou ontem à noite. — respondeu
Freddie.
Todos riram.
O homem responsável por liderar os novos cadetes no parlamento
inglês, Osmont Firebrace, era alguém que levava a vida regida por um livro.
No caso dele, um pequeno livro preto encadernado em couro.
Embora Osmont ficasse feliz em encorajar seus protegidos a
aproveitarem o lado despreocupado da vida, ele não era de se deixar levar
pelo álcool. Mesmo as xícaras de chá fraco eram deixadas, muitas vezes,
para esfriar.
Ante esta deixa, Osmont Firebrace entrou na sala.
Ele vestia uma jaqueta preta, calças pretas e botas pretas. A camisa era
de linho branco puro. Era a mesma roupa usada todos os dias. Debaixo do
braço, o caderno preto.
— Senhores. Creio que tiveram uma noite de sucesso. — ele disse.
O olhar dele fixou-se em Freddie ao falar. Quando Godwin tentou
mencionar seus próprios esforços na corrida, Osmont levantou a mão.
— Segundo não significa nada, Lorde Godwin. Ou ganha, ou poderia
muito bem ter ficado em casa para dormir cedo. O Conselho dos Bacharéis
não premia o restante.
Ele desamarrou a corda que segurava o livro preto bem fechado, e o
abriu. Fez um floreio ao passar o dedo pela página aberta.
— Nesta manhã, temos o Honorável Sr. Frederick Rosemount em
primeiro lugar com cem pontos. Em segundo lugar, Lorde Godwin
Mewburton, com vinte pontos. E o Honorável Trenton Embry ainda não
marcou. — ele fechou o livro e o enfiou debaixo do braço.
— Parece que o Sr. Embry não entendeu as regras do Conselho. Sendo
assim, farei um lembrete a todos. — ele disse.
Um criado trouxe um bule de café fresco. Freddie e Godwin pegaram,
ansiosos, uma xícara cada um, e sentaram-se para desfrutar deste início de
manhã. A cabeça de Freddie começava a clarear. O latejar em seu cérebro
diminuía de intensidade.
Osmont já detalhara as regras do Conselho dos Bacharéis o bastante
para Freddie acreditar poder recitá-las de cor.
— Para garantir uma vaga no Conselho, devem acumular pontos
suficientes em um conjunto de desafios a serem realizados ao longo do
próximo mês. Se for um candidato bem-sucedido, terá acesso irrestrito a
alguns dos homens mais poderosos do país, homens que podem garantir que
os senhores tenham riqueza e oportunidades exclusivas. Nunca precisarão
se contentar em ser nada menos do que o primeiro entre iguais. Os irmãos
mais velhos dos senhores os invejarão. Com tudo isso em mente, não devo
precisar lembrá-los de que apenas um candidato entre os três receberá a
oferta de um assento no Conselho. — Osmont disse.
A corrida de cavalos pela Oxford e Park Lane foi o primeiro dos
desafios. Freddie sentou-se e sorriu. Era um ótimo começo.
A multidão no Hyde Park aplaudiu e gritou seu nome quando ele cruzou
a linha de chegada. Ele seria o assunto de muitas conversas à mesa do café
da manhã nesta manhã. Ao final de seu estágio como cadete aqui, ele queria
que todas as pessoas certas em Londres soubessem quem ele é. Ele não
seria conhecido apenas como o segundo filho do Visconde Rosemount.
Seria ele mesmo.
O próximo membro do Conselho dos Bacharéis seria o Honorável Sr.
Frederick Rosemount. Nada, e ninguém, iria detê-lo.
Capítulo Três
A ssim que Eve entrou no salão de festas, ela soube estar sendo
observada. O calafrio que percorreu sua coluna a fez procurar olhos
escondidos.
Ela vislumbrou uma figura alta, em parte sombreada, perto da entrada
da sala de jantar. Ela arfou assustada, mas logo virou a cabeça, fingindo não
ter visto Freddie.
Com uma taça de champanhe na mão, ela foi para o outro lado do
cômodo. Por mais que se sentisse tentada a lançar um olhar para trás, ela o
manteve à frente.
Paciência, Eve. Paciência.
Ela aprendeu bastante com os planos malfadados de Lucy para fazer
Avery se apaixonar por ela, para saber que não deveria parecer demasiado
ansiosa em dar atenção a Freddie. Ele teria que vir até ela.
— Boa noite, Senhorita Saunders.
Ela girou, fingindo surpresa.
Ele a seguiu pelo saguão e a procurou. Ela gostou que ele aparentasse
estar ansioso para revê-la.
— Sr. Rosemount, quando chegou? Estou aqui há um tempo e não o vi.
— ela respondeu, impassível.
Freddie curvou-se. Ao fazê-lo, ela o pegou observando-a, um sorriso
tímido no rosto. Um borbulhar de empolgação surgiu em seu âmago. Ele era
tudo o que ela procurou por todos esses anos.
— Devo ter chegado após a senhorita. — ele respondeu.
Eve riu e bateu de leve nele com o leque fechado.
— Ah, seu mentiroso! Eu o vi assim que cheguei. Não finja que não
estava sendo o estranho sombrio e misterioso escondido nas sombras.
Freddie lançou um olhar de horror simulado, mas logo deu uma risada
brincalhona.
— Ora, me pegou. Como está esta noite, Senhorita Saunders?
— Estou bem, mas ficaria melhor se me chamasse de Eve. Minha irmã
gosta de ser chamada de Senhorita Saunders. Ajuda a criar distância entre
ela e o rol de admiradores. Quanto a mim, prefiro um pouco de
familiaridade com meus amigos. O cultivo desses relacionamentos fica
muito fácil. — ela encontrou o olhar intenso dele, e engoliu em seco, com
força, ao sentir-se atraída por ele. Freddie não era como os outros jovens
que ela conhecia. Havia profundidade nele… um certo mistério que a
seduzia.
A imaginação tomou conta, e ela se perguntou como seria acordar ao
lado de um homem como ele todas as manhãs. Aqueles olhos e aquele
corpo rígido a manteriam na cama até tarde, mesmo após o amanhecer.
Ela lambeu os lábios. Quando voltou para o agora, viu que ele a
encarava. Ela não estava sozinha no momento.
Ele limpou a garganta e desviou o olhar por um instante.
— Lembra-se da nossa conversa da outra noite, quando mencionei o
jogo secreto de que participo?
Eve lambeu os lábios pela segunda vez. Ela pensara em pouco mais do
que Freddie nos últimos dias. Na cama à noite, ela ficou acordada pensando
em todas as coisas pecaminosas que poderiam fazer juntos. Sua imaginação
foi ao limite de seu conhecimento de assuntos sexuais.
O que o homem diante dela diria se fizesse alguma ideia do efeito que
teve sobre ela… Ela não ousava pensar. Seus mamilos ficaram duros ante a
lembrança de como se acariciou quando deixou a mente correr solta
pensando no corpo nu de Freddie.
— Sim. — ela respondeu com uma névoa sensual.
Um olhar estranho apareceu no rosto de Freddie. Um olhar preocupado.
— Está bem? Parece um pouco pálida
Eve saiu logo de seu devaneio erótico e morreu um pouco de
constrangimento.
— Ó. Ah. Deve ser a champanhe. Às vezes, bebo um pouco rápido
demais e sobe à cabeça.
Ela olhou ao redor e, encontrando um lacaio próximo, depositou a taça
de champanhe na bandeja que ele carregava. Ela voltou para Freddie,
desesperada para salvar esse encontro.
— Estava falando do jogo secreto. Continue.
O alívio inundou a mente dela, quando o semblante dele voltou ao
estado anterior.
— Sim, bem, como eu estava dizendo. O jogo entrou em uma nova fase.
Uma em que vou precisar de um parceiro. Eu gostaria de saber se talvez
estaria interessada em ajudar…
— Sim!
Ambos deram uma risada demasiado entusiasmada.
— Sinto muito. Parece que não consigo juntar duas palavras sensatas
esta noite. Deve me considerar uma completa parva. — ela disse.
Ele estendeu o braço, pousando a mão de leve no braço dela.
— Não. Considero-a bastante charmosa. Presumo ser porque me
considera diabolicamente atraente e, neste instante, está se apaixonando
sem volta por mim.
Eve rezou para que suas bochechas não ficassem vermelhas como um
tomate. O coração dela acelerou, e ela sentiu-se morrer lentamente por
dentro. Como ele conseguia ler sua mente? Ela não conseguia pensar em
nenhum episódio em toda a vida em que tivesse ficado mais envergonhada e
desajeitada.
Ele soltou o braço dela. Por um instante, ela poderia ter jurado que ele a
olhava com preocupação, então tudo mudou. Um sorriso perverso apareceu
naqueles lábios.
— Só estou brincando, Eve. Eu estava testando para ver o quão boa
jogadora você será. Preciso de alguém que consiga manter-se séria
enquanto a farsa se desenrola para os demais. Você passou no teste.
Jogadora? Ele estava pedindo que ela se juntasse a ele no jogo.
— Sério? Quer que eu o ajude nesse jogo secreto? Não sabia que
deixariam mulheres participarem. — ela respondeu.
— Sim, claro que podem. A próxima fase ocorre com o que chamamos
de Regras Rudes. Preciso agir como tolo na frente de outras pessoas, de
preferência causando ofensas, mas não o suficiente para demonstrarem ter
se ofendido publicamente. Precisa me ajudar, bem como manter a pretensão
de que não há nada de errado com o meu comportamento. Ao final de cada
dia, precisa escrever um pequeno relatório contando como me saí. Os
pontos são atribuídos com base em quão bem conseguimos jogar as Regras
Rudes. Claro, não podemos mentir, senão serei desqualificado.
Eve nunca soube de algo tão absurdo. O plano era louco. Também era
brilhante em simplicidade e atratividade.
Por toda a vida, as normas sociais de comportamento foram incutidas
nela. Decoro Público corria no sangue de toda senhorita da Sociedade
Londrina. Usar a faca errada em um jantar era impensável.
Ela não precisava de nenhuma pressão externa para fazê-la pular a
bordo deste navio em particular.
— Diga-me. Há limites para este jogo? Alguém com quem não brincar?
— ela perguntou.
— O príncipe regente está mais do que fora dos limites, a menos que
queira se encontrar no cadafalso em Newgate. As únicas outras pessoas que
eu consideraria perigosas de se ter desavenças seriam meus pais. Minha
mãe chegará na cidade em uma semana, mais ou menos, para ficar alguns
dias, em que precisaremos suspender as Regras Rudes. Nesse ínterim,
teremos que nos esforçar para marcar o máximo de pontos que pudermos
antes que ela chegue.
Freddie parou de falar e deu um passo para trás. Eve franziu a testa para
a mudança repentina de comportamento, só entendendo o motivo quando
ouviu a voz de Caroline.
— Rosemount. — Caroline disse.
— Caro. — Freddie respondeu.
Um silvo indignado escapou dos lábios de Caroline. Ela e Freddie mal
se conheciam. Era imperdoável que um cavalheiro chamasse uma moça por
qualquer coisa que não fosse seu pronome de tratamento formal.
Eve rangeu os dentes. O jogo começou.
Freddie virou-se para Eve e soltou um ronco.
— Quer um conhaque, Evie? Champanhe é só para os fracos e os
franceses.
Ela manteve o olhar fixo nele, não se atrevendo a olhar para a irmã.
Cada músculo de seu corpo estava tenso de empolgação. Ela sabia muito
bem que Caroline estaria fulminando Freddie, à espera de uma reprimenda
de Eve. A herança francesa da família deveria ser defendida.
Quando ela não a defendeu, a irmã bufou com raiva. Eve estava
desesperada para bater palmas de prazer, mas manteve o equilíbrio.
— Claro. Sempre considerei a champanhe enjoativa e doce. — ela
respondeu.
O champanhe era, na verdade, sua bebida favorita, e ela odiava
conhaque do fundo do coração, mas o controle estava com o jogo agora. Ela
enfiaria agulhas nos olhos, antes de recuar e ceder. Em especial, na frente
de Caroline.
De braços dados, Eve e Freddie se afastaram. Ela deu uma olhada na
irmã, parada atrás dele, de boca aberta e deixando visível a indignação que
sentia.
— Ela vai me matar quando chegarmos em casa. — Eve murmurou.
— Tenho certeza de que podemos fazer mais do que irritar sua irmã
com as Regras Rudes, Eve. Ela é um alvo fácil. Precisamos encontrar uma
presa maior para marcar pontos vitais.
Eles encontraram um lacaio e logo saíram pela festa com copos de
conhaque na mão. Ao passarem por outros convidados, começaram a
acumular olhares estranhos e sussurros. Não era apropriado que uma jovem
bebesse conhaque em companhia masculina, nem passear por uma festa no
braço de um senhor que mal conhecia. Eles estavam flertando
perigosamente com os limites aceitáveis de comportamento, mas Eve não se
importou.
— Devo dizer, esse comportamento rebelde parece natural em você. Foi
uma menina travessa quando criança? — Freddie perguntou.
Eve tomou um gole do conhaque, tentando ao máximo não fazer uma
careta ante o gosto horrível. Dizer que foi travessa quando criança seria um
eufemismo ruim. A mãe sempre obrigava Eve a sentar-se e consertar roupas
como punição por seus delitos.
— Fui acusada de ser um pouco geniosa demais. — ela respondeu.
Ele inclinou-se para perto e sussurrou em tom sedutor:
— E espero que tenha apanhado o suficiente para desenvolver o gosto
por ser colocada no joelho de alguém.
A boca de Eve abriu-se num “o” de choque. Um jovem nunca fizera um
comentário de teor sexual, franco e sugestivo na frente dela. Calor correu
por seu corpo e se acumulou em seu ventre. Freddie era uma delícia
refrescante e travessa.
Eles pararam à margem da área de dança, onde um pequeno grupo de
convidados aproveitava de uma valsa. A visão dos dançarinos rodopiando
pelo salão deu uma ideia perversa à Eve.
— Sabe dançar, Freddie?
— Um pouco. Por quê?
Ela apontou na direção dos dançarinos, sorrindo quando viu os olhos de
Freddie se abrirem um pouco mais para a visão diante deles. Ele estendeu a
mão e tirou o copo de conhaque da mão dela, drenando o copo em pouco
tempo.
Francis apareceu ao lado de Freddie e bateu no ombro dele.
— Preciso dizer, Rosemount, minha irmã Caroline está muito
consternada pelo seu comportamento. Ela afirma que você foi rude com ela.
— Francis disse.
Freddie assentiu e jogou os copos de conhaque para as mãos de um
Francis perplexo. Freddie logo segurou a mão de Eve e a levou para longe.
— Acredito que estamos indo bem na pontuação desta noite. Hora de
subir as apostas. Se não me engano, aquele é Lorde Cullins dançando com a
esposa. Ele é um membro sênior do gabinete do primeiro-ministro. —
Freddie disse.
Ao chegarem na área de dança, eles rumaram em direção à presa. Um
membro do gabinete parlamentar ajudaria a angariar uma bela quantidade
de pontos no jogo.
Eve relaxou na dança, desfrutando da sensação prazerosa de ser
segurada por Freddie. Ele era um dançarino habilidoso, e o corpo dela se
encaixava bem contra o dele ao passarem pelos passos da dança. O calor
dos braços dele a envolvendo irradiou por todo o corpo dela.
Aos poucos, eles percorreram toda a área de dança, o alvo na mira. Ao
chegarem ao ministro, Freddie limpou a garganta.
— Esse vestido que usa nesta noite, é especialmente bonito, minha
querida. Se eu dançar perto o bastante, posso ver bem a parte da frente dele.
Caso se incline um pouco mais, tenho certeza de que serei recompensado
com um vislumbre de seus mamilos. — ele disse.
Eve mordeu o lábio inferior na tentativa de abafar uma risadinha. Pelo
canto do olho, ela captou o olhar de horror no rosto de Lady Cullins.
— Sério? Consegue? Não acredito. — ela respondeu.
Freddie riu.
— Bem, incline-se, e direi a cor exata de seus mamilos. Por acaso, eles
têm pelos?
A esposa do ministro limpou a garganta enquanto Eve se inclinava.
Freddie fechou a distância e olhou para baixo com obviedade.
— Jovem. Esse é um comportamento mais do que inadequado para um
ambiente de dança. E quanto a você, senhorita, descobrirei quem é e terei
uma palavra com sua mãe. Não deveria ter sido autorizada a debutar se não
recebeu toda a educação necessária. — Lady Cullins os repreendeu.
Eve viu Freddie forjar um olhar e virar-se para a esposa do ministro.
— Investigações científicas devem ser realizada em todos os tipos de
locais. Estou mais do que feliz em fazer a mesma pesquisa com o senhor,
caso sinta que as estatísticas serão distorcidas por uma amostra tão pequena.
Uma cena mais feia só foi evitada pelo final fortuito da música, que
sinalizava o fim da dança. O ministro e a esposa, igualmente indignados,
marcharam para longe da área de dança. Eles se aproximaram de um lacaio
que logo os acompanhou até o saguão.
— Ora, eles vão embora? Foi algo que dissemos? — Eve perguntou.
Freddie virou-se para ela. Os lábios unidos e firmes. Seus olhos
brilhavam com alegria reprimida e intensa.
— Um Ministro Britânico… isso pede outra bebida. Depois, temos de
decidir quem será o próximo alvo.
— Um pouco de ar noturno me faria bem, antes de bebermos outro
conhaque. — Eve respondeu.
Eles encontraram uma porta e dirigiram-se para o terraço do jardim. O
ar frio da noite fez o cérebro de Eve, afetado pelo álcool, girar. Ela estendeu
a mão e segurou o braço de Freddie para se firmar.
— Está bem? — ele perguntou.
Ela respirou fundo e, em seguida, começou a rir.
— Não consigo acreditar no que acabamos de fazer! Minha mãe me
esfolará viva se Lady Cullins descobrir minha identidade.
Freddie a mirou com um olhar preocupado, que ela riu para afastar. A
emoção do perigo corria nas veias dela. Se esse era um comportamento
diabólico, era uma droga inebriante que ela queria experimentar repetidas
vezes.
A noite de alegria e flerte com o perigo de Eve terminou com uma nota
sóbria. Caroline sentou-se em silêncio na carruagem na viagem de volta
para casa. Eve não se preocupou em olhar para a irmã. Podia sentir as
adagas imaginárias sendo mergulhadas em seu coração, mas após uma noite
passada com Freddie Rosemount, ela se recusava a deixar que a irmã a
afetasse. Já na casa da família, ambas subiram as escadas.
Eve entrou em seu quarto e estava prestes a fechar a porta quando uma
Caroline furiosa invadiu o quarto atrás dela.
— Como ousa me tratar daquele jeito?
Eve deu-lhe um olhar fatigado. Ela estava cansada após tantas danças e
o excesso de conhaque para lidar com uma briga em grande escala com
Caroline. A noite com Freddie foi um triunfo. O velho jogo de provocar
Caroline estava começando a perder seu brilho em comparação com a
novidade perspicaz e reluzente das Regras Rudes.
— Não sei do que está falando. — ela respondeu, um aceno de dedos
cansado.
Enfurecida, Caroline estendeu o braço e a segurou pela mão.
Eve vibrou de dor:
— Solte-me, sua egocêntrica entediante.
O olhar no rosto de Caroline mudou de imediato. Eve sentiu uma
profunda satisfação em saber que o comentário rancoroso a havia atingido
como um tapa na cara.
— Ora, não venha com essa de estar ofendida e chateada, Caroline, só
porque alguém não caiu de joelhos aos seus pés. Não podemos ser todos
membros bajuladores da sua corte real.
Caroline apontou o dedo para Eve.
— Retire o que disse. Retire agora mesmo.
Eve balançou a cabeça e se afastou. Ela desfez as amarras do manto e o
deixou cair, com efeito dramático satisfatório, em sua cama. Ela foi até a
cômoda e pegou a escova de cabelos.
Sua criada pessoal entrou no quarto e parou quando viu Caroline. Eve
acenou para chamá-la, e a criada se ocupou em puxar os grampos dos
cabelos de Eve. Caroline permaneceu de pé de um lado da porta, os punhos
bem cerrados.
Eve a olhou pelo espelho da penteadeira, dando-lhe um olhar de “Por
que ainda está aqui?”.
— Não pode me responsabilizar por eu enfim estar recebendo um pouco
de atenção, e você não gosta disso.
— O que não gosto é de ser tão maltratada pela minha irmã e por um
amigo dela. Espero seu pedido de desculpas pela manhã. — Caroline
respondeu, irritada.
A criada de Eve pulou quando Caroline bateu a porta ao sair.
Eve sentou-se em silêncio enquanto o resto dos grampos e fitas, que
mantinham seus cabelos no lugar, eram removidos. Seu coração batia forte
no peito. Esta noite, ela cruzou vários limites de um comportamento
aceitável pela sociedade.
A emoção que ela experimentara com Freddie na área de dança a
encorajou tanto que Caroline nunca teve uma chance quando tentou corrigir
Eve. O inferno congelaria antes que ela pedisse desculpas a Caroline.
Inferno, ou a ira que a mãe despejaria nela, caso Caroline decidisse ir além
dos limites esta noite e contar à mãe do encontro de Eve com Freddie
Rosemount.
Capítulo Nove
F reddie resolveu dar uma volta para arejar a cabeça. Na manhã anterior,
Osmont Firebrace informara os candidatos ao Conselho dos Bacharéis qual
seria seu próximo desafio. Deveriam comprar um animal e chamá-lo de
algo ultrajante. Em seguida, deveriam levar o animal para todos os lugares,
por uma semana inteira, e chamar o animal sempre que possível.
Trenton Embry mostrou o nível habitual de interesse no jogo
comprando um rato logo em seguida. Ele o chamou de Tigre, e considerou
o nome muito divertido. Pela primeira vez desde que conheceu o austero
Trenton, Freddie ouviu uma risada real escapar dos lábios dele. Os esforços
dele no jogo se tornaram nada mais do que tokenismo, o que estava ótimo
para Freddie. Apenas Godwin era uma ameaça real ao seu sucesso.
Godwin foi um pouco melhor na tarefa. Ele comprou um filhote de
tartaruga e o chamou de Lebre. O pequeno animal já havia se aliviado no
bolso do casaco dele várias vezes naquela manhã, e quando Freddie deixou
a Rua Barton, o mau cheiro havia se infiltrado na lã das roupas do amigo.
Godwin começava a se arrepender da decisão precipitada.
Tal fato forçava Freddie a criar algo um pouco mais imaginativo. Mas o
quê?
Assim que chegou em casa, no dia anterior, ele mandou uma missiva
para Eve falando do novo desafio. Ela era uma garota inteligente, e ele
sabia que teria muito a opinar quanto a que tipo de animal deveriam
comprar.
Ele chegou até o Tâmisa antes de voltar para casa. No caminho, ele
passou pela Piccadilly e pela Rua Old Bond, sua mente ainda fixa na
questão “que animal comprar”. Ele precisava desses valiosos pontos no
desafio se quisesse manter Lorde Godwin à distância.
Que animal ele poderia levar a todos os lugares com ele? Ainda estava
ponderando quando Eve e o irmão Francis apareceram.
Ele logo questionou a decisão de deixá-la a par dos detalhes do próximo
desafio.
Guiando tanto Eve quanto Francis, embora arrastando fosse uma
palavra mais próxima da verdade, havia um enorme lébrel irlandês cinza. O
irmão teve um na época em que frequentou universidade e reclamava o
tempo todo de quanto custava alimentar o cachorro.
Quando o trio se aproximou, ele começou a rezar para que o cachorro
fosse da família dos Saunders. Pelo olhar de desagrado no rosto de Francis,
soube que não teria essa sorte.
Eve, por outro lado, sorria de orelha a orelha. Uma gargalhada
ameaçava sair a cada passo que dava. A guia estava bem enrolada em suas
mãos, e ela parecia segurá-la com todas as forças.
Quando enfim chegaram até onde Freddie estava, Francis tirou a guia da
mão da irmã e a passou para Freddie. O coração de Freddie afundou ao
tomar posse do presente inesperado.
Eve desistiu da tentativa de não rir e começou a gargalhar.
— Ora, deveria ter visto, Freddie, foi hilário. Nós nos levantamos de
madrugada e fomos até o mercado em Spitalfields para comprá-lo. Francis
aqui pensou que um gato pequeno serviria ao propósito, mas assim que vi
essa besta monstruosa, eu soube ser perfeito para você.
Francis lançou um olhar mortal à irmã, deixando claro não gostar tanto
da brincadeira quanto ela. Freddie avistou as manchas de baba na parte da
frente das calças e do casaco de Francis, e soltou uma risada engasgada.
— Ria o que quiser, Rosemount. Basta lembrar-se, quando suas roupas
estiverem babadas, de como considerou tudo muito engraçado. Espero que
até o final do dia a piada tenha se esgotado. Não sei o que vocês dois estão
jogando, mas essa besta é para lá de ridícula. — Francis respondeu.
Eve revirou os olhos.
— Santodeus.
— Não! Não dará um nome desses para o cachorro. Você é sobrinha do
Bispo de Londres. Por favor, tente ter ao menos um milímetro de decoro. —
Francis retrucou.
Os olhares de Eve e Freddie se encontraram. Eles conheciam as regras
do jogo. O animal precisava ter um nome ridículo. Ela sorriu para ele.
Aqueles olhos escuros, cor de avelã, o prenderam. Ele não podia contrariá-
la na frente do irmão, ela nunca o perdoaria.
O olhar dele desviou-se para os lábios dela. Ele queria beijá-los.
Também queria beijar vários outros lugares do corpo dela.
— Santodeus. Gostei. É fácil na língua. — disse Freddie.
Francis soltou um suspiro.
— Vejo que estou na companhia de dois tolos. Assim seja. Eve pode
acompanhá-lo, e o cachorro, na volta à Praça Grosvenor. Mandarei a
carruagem buscá-la assim que eu chegar em casa. Todavia, pelo amor de
Deus, Eve, tente evitar ser vista por quem a conhece.
— Santo Deus. — Eve murmurou para um Francis em retirada.
Freddie a olhou e riu.
— Vamos mesmo dar esse nome à besta? Pobre criatura.
O cachorro manteve a cabeça erguida e parecia fazer todo o possível
para ignorar os dois. Se Francis considerava o nome tolo, então, ao que
parece, o cachorro também.
— Sim. Você contou que precisava de um animal para o desafio. Pensei
que poderíamos matar dois coelhos com uma cajadada só. Muitos também
se ofenderão com o nome, então conseguiremos pontos dentro das Regras
Rudes também. Pensei que entenderia, mas está claro que uma
demonstração é necessária. — Eve respondeu com um bufo. Ela arrancou a
guia da mão de Freddie e a deixou cair no chão. O cachorro deu uma olhada
na guia e saiu em fuga.
Freddie não teve tempo de questionar a imprudência do que Eve fez. Ele
estava muito ocupado correndo atrás do novo animal de estimação, as
longas pernas saltitando ao longo da rua. Uma Eve risonha passeava atrás
deles.
— Grite o nome dele! — ela gritou.
— Santodeus! — Freddie gritou.
O trocadilho enfim foi assimilado. Dois tolos corriam atrás de um
cachorro, gritando “Santo Deus” a plenos pulmões. Eve, com sua astúcia,
havia encontrado um jeito de marcar pontos extras. As Regras Rudes
permitiriam pontos por idiotice e ofensa pública, enquanto o novo desafio
era coberto com o nome do cachorro. Um cão que abria distância depressa
entre si e o novo dono.
Ao virar a esquina para a Rua Burton, ambos derraparam. Santodeus
chegou à Praça Berkley e estava ocupado aliviando-se nas folhagens de
uma sebe baixa.
— Vá devagar para o lado direito da praça, seguirei pelo lado esquerdo.
— sussurrou Freddie.
A cena era cômica. Aqui estava uma enorme besta peluda batizando a
vegetação bem-cuidada do jardim, enquanto dois humanos tentavam se
esgueirar até ela.
Eles se aproximaram. Em determinado instante, o cachorro levantou a
cabeça e olhou para a rua. Eve correu e se escondeu na porta de uma loja
próxima. Freddie, apanhado a céu aberto, congelou.
— Aqui, garoto. Santodeus, venha, garoto. — ele chamou.
Vários transeuntes lançaram olhares atravessados, Freddie apenas sorria
de volta.
Eve afastou-se da loja.
— Santodeus!
Lado a lado, os dois caminharam pela extensão da rua, chamando o
cachorro repetidas vezes. Ambos com o rosto impassível.
Por fim, eles chegaram aonde Santodeus estava. A cabeça estava
curvada em uma fonte ornamental, e ele estava feliz em sorver a água com a
longa língua rosa. Freddie foi célere em recuperar a guia e a envolveu em
torno do braço com firmeza.
Eve parou ao lado dele, mas nada disse.
— Eve, o que foi? — ele perguntou, estendendo a mão e tocando-a no
braço.
Ela voltou-se para ele, o rosto um súbito retrato de seriedade.
— O que sua família dirá quando vir o cachorro? Será que vão me
considerar uma jovem tola que deveria ficar em casa sob o olhar atento da
mãe?
Freddie fez uma pausa momentânea. Na verdade, ele nem pensou no
que a família dele diria do cachorro. Quanto a Eve, eles estavam no escuro.
O coração dele se apiedou dela. Quando o relacionamento deles
chegasse ao conhecimento de seus respectivos pais, o comportamento de
Eve em particular seria colocado sob escrutínio.
O pensamento o sacudiu. De fato, havia uma relação entre eles. Ele não
podia negar a forte atração que sentia por Eve, esse espírito livre. Olhando-
a agora, de pé ao lado dele, ele se viu tomado pela necessidade de beijá-la
até que todas as preocupações deixassem de existir.
— Está tudo bem. Não vou mencionar que veio de você. Minha família
gosta muito de cachorros, então é possível aceitarem essa grande besta
peluda com gosto. — ele respondeu com um sorriso.
Ainda bem que a família dele gostava de cachorros. Embora Santodeus
tenha chegado a ele como parte de um desafio, o animal agora era dele para
alimentar e cuidar.
Ele se abaixou e o acariciou atrás da orelha.
— Prometo, quando tudo isso acabar, você vai morar na propriedade da
minha família no campo. Há muito espaço para você poder correr livre e ser
feliz.
Freddie levantou-se e ofereceu o braço a Eve. Para o inferno com
irmãos arrogantes. Ele queria caminhar com Eve ao lado dele, e faria
exatamente isso.
— I nferno!
Freddie marchou pela porta da frente da Residência Rosemount
xingando. Ele segurou a língua durante toda a caminhada desde o White’s,
mas assim que chegou em casa, a raiva reprimida levou a melhor.
Enquanto a voz ecoava pelas paredes, ele agradeceu que a mãe havia
deixado Londres no dia anterior, voltado para a Abadia Rosemount. Havia
várias outras palavras que pretendia usar, nenhuma delas seria adequada
para os ouvidos da mãe.
Godwin levou a melhor nas Regras Rudes esta manhã, e ele estava
lívido. Diante de uma dúzia de testemunhas, o filho mais novo do duque de
Mewburton conseguiu agir como um asno e ofendeu o arcebispo da
Cantuária, três embaixadores estrangeiros e um representante da delegação
papal.
Para completar, ele o fizera enquanto Osmont Firebrace desfrutava de
uma refeição na sala de jantar do White’s.
A mente de Freddie era um turbilhão com o grande número de pontos
que Godwin teria marcado com esses esforços ultrajantes.
Um lacaio hesitante apresentou uma bandeja com um bilhete. Freddie
deu uma rápida olhada, e vendo a caligrafia, pegou a missiva.
Era de Eve.
Pensar nela fez com que a raiva diminuísse um pouco. Ela entenderia a
situação em que ele estava. Ele abriu a carta com pressa.
Minha família quer convidá-lo para uma pequena reunião em
homenagem à chegada de Will em casa. Precisamos discutir as Regras
Rudes. Não creio que ofender minha família vai cair bem.
Isto era exatamente o que ele não precisava. Com as famílias de ambos
agora cientes de um relacionamento, Eve, sem dúvidas, pediria que ele
isentasse a família dela do jogo. Com o golpe de gênio de Godwin agora
pairando sobre sua cabeça, Freddie teria que convencer Eve do contrário.
Todos que eles conheciam, família inclusive, tudo era válido.
Assim que o olhar de Freddie pousou em Will e no pai, Eve sabia que a
noite seria uma tortura.
Ele olhou para ela, que colocou a mão no braço dele. Inclinando-se mais
perto, ele sussurrou:
— Precisa ser feito. Restam apenas alguns desafios. Se Godwin me
vencer, tudo será em vão. A vida que quer comigo não será nada comparada
ao que podemos ter se eu ganhar a vaga do Conselho dos Bacharéis. Preciso
que me apoie, Eve.
Ela rangeu os dentes. Não havia nada que pudesse fazer.
Ao se aproximarem do pai e do irmão mais velho, ela começou a
ensaiar em silêncio o pedido de desculpas que sabia que precisaria pedir
após esta noite.
— Papai, Will, deixem-me apresentar meu amigo, Frederick
Rosemount?
Freddie estendeu a mão e apertou a mão do pai dela.
— Um prazer conhecê-lo, Sr. Saunders.
Eve soltou um pequeno suspiro. Até aqui, tudo bem. O pai dela seria
quem decidiria se ela se casaria com Freddie. Ofendê-lo poderia ser
contraproducente para os planos dela.
— E Will. Deve estar satisfeito por poder falar o inglês do rei mais uma
vez. O francês é uma língua terrível para se aprender na escola. Eu odiaria
precisar falar nesse idioma todos os dias. — Freddie disse.
Um olhar de perplexidade apareceu no rosto do pai dela. Charles
Saunders nasceu na França, mudou o nome de família de Alexandre para
Saunders apenas após perder o pai para a sangrenta Revolução Francesa.
Era um patriota orgulhoso até os ossos.
— Sim, adoro o inglês como idioma. — Eve acrescentou.
— No entanto, o francês é a mãe das línguas românticas. — Will
respondeu.
Freddie soltou um bufo de desdém e puxou Eve para mais perto.
— Sim, bem, nós ingleses temos vantagem sobre todos os estrangeiros
quando se trata de romance. É só perguntar para nossa Eve aqui. Ela nunca
se casaria com um francês quando consegue encontrar bons pares ingleses
como eu por perto.
E assim, continuou. Trinta minutos de constrangimento excruciante na
frente dos dois membros masculinos seniores da família dela. Eve ficou
aliviada além das palavras quando Freddie enfim anunciou que iria embora.
Ela o seguiu até o saguão.
— Precisava mesmo insultar minha herança familiar? E quero que saiba
que nem todos os franceses são baixinhos. — ela disse.
Freddie terminou de vestir o casaco.
— Perdoe-me. Sei que foi difícil para você, e acredite, também não
gostei tanto assim. Preciso dizer que seu irmão manteve muito bem o
temperamento. Eu estava observando a mandíbula dele, quando falei que
comida francesa é terrível, e o ranger dos dentes dele foi óbvio. Tenho
certeza de que ele adoraria ter me dado um soco na cara se tivesse tido a
chance. — ele passou a mão na bochecha de Eve e, em seguida, se abaixou
e colocou um beijo suave e terno nos lábios dela. Quando se afastou, seus
olhares se encontraram. — Estou orgulhoso de você. Ficou ao meu lado esta
noite. Não vou me esquecer, mon doux amour. — ele sussurrou.
Quando ele saiu pela porta da frente, Eve fechou os olhos. Ele disse que
a amava, mas a que custo vinham aquelas palavras?
Ela se virou e voltou para a reunião, o início de um pedido de desculpas
já nos lábios.
Capítulo Quinze
— S im, mamãe.
Essas palavras se tornaram o mantra de Eve nos últimos dias.
Tudo o que pudesse para aplacar o mau humor da mãe.
Freddie fez papel de tolo insuportável na frente dos pais e irmãos de
Eve. Ela fora obrigada a ficar ao lado dele, agir como se nada de errado
estivesse acontecendo. O comportamento dele lançou uma sombra nessa
noite, e a mãe fez um grande esforço para lembrar Eve desse fato o tempo
todo.
Adelaide estava ocupada dando ordens aos criados e a qualquer outra
pessoa ao alcance de sua voz. Um jantar tranquilo em família; com o irmão
dela, Hugh, e a esposa dele, Mary, não costumava ser a causa de um
comportamento tão ansioso, mas a mãe estava estranha por toda a semana.
— Então, Frederick sabe a que horas a ceia será servida, e ele se
esforçará para estar aqui a tempo?
— Sim, mamãe.
— E ele mostrará o melhor comportamento. Não preciso recordá-las de
que quaisquer comentários tolos perante o Bispo de Londres chegarão à
Lady Rosemount. Sei que acredita que ele age assim por ser tímido e ter
dificuldades com interações sociais, mas precisará ensiná-lo de que não
pode apenas dizer o que vier à mente. As pessoas tendem a se ofender.
Lembrando-se de que não demonstrar nenhum indício de ver algo
errado com o comportamento de Freddie fazia parte das Regras Rudes, Eve
não disse nada. Ofender o tio dela era exatamente o que Freddie disse ter
em mente para esta noite. Era uma parte infeliz, mas necessária do jogo.
Eles conseguiram diminuir a diferença de pontos em relação a Godwin nos
últimos dias, mas sabiam que o jogo estava longe de terminar.
Em qualquer outra circunstância, Eve estaria ansiosa para apresentar
Freddie aos parentes. Em especial ao tio, o Bispo de Londres. A Família
Radley era um grupo muito unido. Nem mesmo a provável repercussão da
mãe a incomodava. Eram pessoas que ela amava. Magoá-los era contrário a
tudo o que a família defendia.
Ela foi até o quarto. Era fim de tarde, e a criada pessoal dela estaria
esperando-a para arrumar seus cabelos para a noite. Ao sentar-se na
penteadeira, ela se obrigou a parar de torcer as mãos de preocupação com a
noite iminente.
Os desafios do Conselho dos Bacharéis terminarão em breve.
O vencedor seria anunciado no início do próximo mês. Ao terminar o
jogo, se Freddie tiver vencido, ela poderia aproveitar para fazer as
reparações que fossem necessárias a todos aqueles que ofenderam.
Quando deu a hora dos convidados chegarem, Eve desceu as escadas.
Ela usava um vestido rosa-claro simples, com uma fita creme entremeada
no coque. Era o modelito mais recatado que ela conseguiu montar, um
bálsamo para os olhares ríspidos que vinha recebendo da mãe durante toda
a semana.
Will a esperava na base das escadas.
— Mamãe está na cozinha conversando com a cozinheira. Não me
lembro de ela já ter feito isso.
Ele não precisava mencionar a provável causa das preocupações de sua
mãe.
Freddie.
Ficarei muito contente quando este jogo tolo terminar.
— Ah, e isso chegou para você. — e entregou uma carta. Trazia o
brasão da Família Rosemount.
Ela abriu.
Um misto de decepção e alívio percorreu o corpo de Eve ao ler a
pequena nota. Freddie não viria. Osmont Firebrace organizou uma corrida
improvisada de quatro mãos para a noite, e valiosos pontos de desafio
foram oferecidos.
Ela dobrou a carta.
— Freddie não poderá comparecer. Surgiram assuntos urgentes. Ele
envia as mais sinceras desculpas. — ela disse.
Will estendeu a mão e colocou um braço ao redor dela, puxando-a para
um abraço fraterno. Foi preciso toda a força de vontade de Eve para não
chorar.
Na verdade, ela deveria ficar aliviada por ele não vir. O Bispo de
Londres era um homem de bom coração, mas não deixaria um jovem tolo o
envergonhar. A noite e as relações familiares escaparam das estapafúrdias
Regras Rudes.
Ainda doía pensar que ele valorizava mais o jogo do que ela, do que
eles. No coração dela, eles eram um casal agora. Ela estava certa de seu
amor por ele, não havia mais dúvidas de que ela queria todo o coração dele
para si.
— Ele vai colocar a cabeça no lugar e, se não o fizer, posso garantir
para você que Francis e eu a defenderemos. — Will disse.
Ela olhou para ele. O irmão grande e forte, que ela havia perdido por
todos aqueles anos, voltara para sua vida. Will não ficaria de braços
cruzados, deixando Freddie machucá-la.
— Já falei como é maravilhoso tê-lo em casa de novo? Saber que posso
levantar da cama todos os dias e vê-lo? Saber que você está seguro?
— Bom ver que alguns membros dessa família conseguem ser pontuais.
Agora, onde estão os demais? — Adelaide perguntou.
Eve virou-se para ver a mãe e o pai chegando no saguão. Adelaide
estava bem aflita.
— Freddie pede desculpas. Não poderá comparecer. — ela disse.
Ela observou as palavras serem registradas pela mãe, e um olhar de
alívio apareceu em seu semblante.
Assim que o jogo terminasse, e Freddie conquistasse seu lugar no
Conselho, Eve contaria a verdade para a mãe. Embora o jogo fosse
importante para Freddie e para seus planos, ela ainda devia muita lealdade à
mãe. Custava-lhe ver a mãe tão aflita.
Eve também acordou cedo naquela manhã. Ela fez uma caminhada pelos
terrenos da Abadia Rosemount, a mente cheia, imaginando como seria viver
lá. O verde exuberante do campo inglês era um contraste enriquecedor para
alma, diante do cinza e da sujeira de Londres.
A vida na abadia e sua relativa proximidade com Londres significava
que ela conseguiria se mover entre os dois mundos com facilidade. Com
Freddie prestes a garantir a admissão no Conselho dos Bacharéis, eles
precisariam passar grande parte do tempo em Londres, mas conseguiriam
morar algumas semanas na abadia.
À frente, longas noites de verão passadas descansando no terraço de
pedra com irmãos e seus respectivos cônjuges e filhos.
Ela passou pelos estábulos e ia em direção ao lago ornamental quando
Cecily Rosemount a saudou.
— Bom dia, Eve. É um lindo dia. — ela disse.
Eve sorriu. Ela gostou da futura Viscondessa Rosemount desde que a
viu. Era uma senhora jovial que claramente era amada pelo marido.
— É lindo aqui fora a essa hora do dia. Eu estava indo observar o céu
penetrar a névoa matinal acima do lago. — Eve respondeu.
Cecily deu alguns passos para ficar ao lado dela. Ela estava com um
vestido verde oliva simples e um grande xale de lã enrolado nos ombros.
Seu estilo era o de alguém que não se importava com os vestidos chiques de
Londres.
Eve voltou-se para ela.
— Morou a vida toda nesta região?
Ela presumiu que Cecily era filha de algum nobre local ou de alguém da
pequena nobreza, e Thomas decidiu escolher alguém que se encaixaria bem
com a vida rural na Abadia Rosemount.
Cecily balançou a cabeça.
— Por Deus, não. Antes de conhecer Thomas, seria necessário segurar
uma pistola na minha cabeça para me trazer para o campo. Eu era a típica
filha da Sociedade. Cresci na casa do duque e da duquesa de Devonshire,
em meio a uma variedade de crianças de várias famílias nobres. Fui bem
rebelde até ser apresentada à sociedade, quando meus pais começaram a me
pressionar para me casar.
— E assim, você os deixou orgulhosos ao se casar com Thomas
Rosemount, um futuro visconde. — Eve respondeu.
Cecily deu uma risada longa e divertida.
— Ora, não faz ideia. Na primeira vez que coloquei os olhos nele,
pensei que ele era o diabo mais bonito que eu já vi. Minha mãe e meu pai
ficaram horrorizados quando eu disse que cogitava me casar com ele. Eles
acreditavam que ele era um tímido caipira e sem graça que me levaria a um
túmulo precoce.
Thomas Rosemount não era o homem mais exuberante que Eve já
conheceu, mas parecia ser genuíno. Bom rapaz seria a forma correta de
descrevê-lo se ela fosse pressionada a dar uma resposta. Com toda certeza,
ele não era Freddie com sua propensão a travessuras.
— Contudo, casou-se com ele mesmo assim. Por quê?
Cecily virou-se para o gramado verde que corria até a beira do lago.
— Por esse lugar. Bem, a princípio, pelo menos. A Abadia Rosemount
me ofereceu a primeira chance de ter uma casa de verdade, um lar para
chamar de meu. Um lugar onde eu pudesse me estabelecer na vida. Thomas
trouxe-me aqui antes de pedir a minha mão. Ele queria que eu entendesse o
que seria ser esposa dele. A vida que eu conhecia em Londres ficaria no
passado.
Eve seguiu o olhar de Cecily. Após o longo trecho de gramado, um
bando de patos seguia para a água. A pata mãe na liderança, seguida por
cinco patinhos.
— Então, voltam a Londres com muita frequência? — Eve perguntou.
Ela entendia o apelo de viver parte do ano no campo, mas não imaginava
conseguir distanciar-se da capital inglesa.
— Não consigo lembrar-me da última vez que fui a Londres, tem pouco
apelo para mim agora. Na primeira vez que vi este lugar, meu coração me
disse que meus filhos nasceriam e cresceriam aqui. De bom grado, eu
viraria as costas para tudo o que Londres poderia oferecer pela chance de
estar com o homem que eu amava.
A abadia era mesmo um lugar lindo. Eve viu casas senhoriais o bastante
ao longo da vida para saber que esta figurava o topo da lista. Contudo,
sacrificar de todo a vida entre a sociedade e viver no campo, era algo que
ela nunca poderia fazer.
Cecily virou-se para ela e sorriu.
— Thomas permitiu-me encontrar meu verdadeiro eu. Com ele, pude
me tornar a pessoa que queria ser, não o que a alta sociedade londrina
desejava ver. Vejo tantas das minhas conhecidas em casamentos miseráveis,
e agradeço a Deus todos os dias por Thomas ter me escolhido.
O olhar de felicidade no rosto de Cecily deixou o coração de Eve leve.
O semblante dela não trazia todo o rubor de um novo amor, como o de
Lucy, pelo contrário, refletia um profundo contentamento. Eve se perguntou
se algum dia sentiria isso com Freddie. Era uma relação fundamentada em
algo diferente. O calor que alimentava a paixão entre eles era mais
primordial do que simplesmente o amor.
Caso se casasse com Freddie, ela sabia que não seria um casamento com
contentamento na fundação. Ela cobiçava empolgação, assim como ele.
Com os jogos do Conselho chegando ao fim, ela precisaria encontrar outras
formas de manter a paixão e o interesse vivos na união.
Ao voltar para a casa, ela ponderou a própria situação. Ela foi
convidada para cá, assim como Cecily foi quando Thomas decidiu que ela
era a mulher certa para ele. Se Freddie também tivesse chegado a essa
mesma decisão, ela teria um papel a desempenhar. Eles tiveram poucos
momentos de privacidade nesse par de dias desde a chegada dela. Cabia a
ela encontrar um jeito de ficar a sós com ele e ajudar a levar as coisas
adiante.
Chegando à casa, ela viu Freddie e Thomas percorrendo a longa entrada
de veículos da propriedade. Eles cavalgavam devagar, a conversa profunda.
Quando Thomas a apontou para Freddie, ela lhe deu um aceno amigável.
Freddie cumprimentou-a com um aceno de cabeça, ainda na sela. Uma
onda de calor correu para suas bochechas. Ele era perfeito.
Esta noite, ela garantiria que ficassem sozinhos.
A fome, que sentiam um pelo outro, seria enfim saciada.
Capítulo Vinte e Um
F reddie raspou a poeira das botas e logo entrou na casa. Ele pretendia
alcançar Eve, roubar um pouco de seu tempo, talvez um ou dois beijos.
Todas as vezes em que ele esteve perto de Eve, desde a chegada dela, ele
quis puxá-la com força contra si, e tomar sua boca em um beijo lancinante.
Desapontamento o saudou. Ao chegar no saguão, descobriu que a mãe e
Adelaide o tinham vencido quanto a Eve. Estavam fazendo planos para
levá-la até a aldeia e mostrar a igreja dali, da era normanda.
Ao saudá-las com educação e despedir-se, ele rezou para que elas não
encontrassem o pastor de ovelhas no caminho. A mãe o esfolaria se
soubesse que ele correu pelo campo perturbando os locais.
Em seu quarto, ele sentou-se à escrivaninha para redigir um bilhete para
Lorde Godwin. Ele logo seria membro do Conselho dos Bacharéis, mas
sentia-se na obrigação de compartilhar a boa sorte financeira com o amigo.
Sendo o quinto filho do Duque de Mewburton, pouco dinheiro agraciaria
Godwin durante a vida.
Como Godwin não era o tipo de jovem certo para o exército, nem
demonstrava o menor interesse em assumir uma posição na igreja, ele
estaria entre as primeiras pessoas que Freddie ajudaria quando conquistasse
a própria fortuna.
Ele terminou a carta para Godwin e olhou para a data que escreveu no
topo. Era o terceiro dia desde a chegada dele, hora de ver o que Osmont
definira como desafio final.
Ele estava seguindo o fluxo agora. Sem mais ninguém no jogo, o
desafio só poderia ser uma formalidade.
Ele pegou a carta guardada no baú de viagem e a encarou.
— É melhor não ser ter que cavalgar nu pela aldeia. — ele murmurou.
Ele a abriu. Leu as instruções por alto e franziu a testa. Em seguida, ele
as leu de novo. Devagar. Palavra por palavra.
Ele recostou-se na cadeira e encarou a página.
Freddie afundou a cabeça nas mãos. Seu mundo virou de cabeça para baixo
com essa punhalada.
— Merda.
Vencer o desafio custaria o coração de Eve.
Ele sentiu a cabeça rodar e por um segundo, acreditou que desmaiaria.
Seus dedos mexiam no laço dado em seu lenço de pescoço que, de repente,
pareceu demasiado apertado. Levantou-se da cadeira e começou a andar
pelo quarto. Marcas sujas no tapete logo apareceram, mostrando o rastro de
suas botas enquanto ele caminhava de um lado para o outro.
Se a carta fosse de outra pessoa, ele a teria contestado. Teria se
oferecido para cumprir qualquer outro desafio. Contudo, ele sabia que
Osmont Firebrace não era um homem com quem se negociava. Não se
tratava de Royal Ascot, uma discussão em torno do peso de um jóquei.
Corridas de cavalos e jogos de azar eram jogos infantis. O Conselho dos
Bacharéis era para homens que sabiam o que queriam na vida.
Ser membro do Conselho garantiria a ele e seus herdeiros uma vida de
riqueza e poder. Havia homens o esperando para lhe entregar os meios de
fazer fortuna própria. As portas que se abriram, ele nem sabia que existiam.
Jogar fora a chance de garantir tal vida seria uma loucura.
Ele fechou os olhos. Cenas de Eve dominaram sua mente. O sorriso
dela. Aqueles lábios exuberantes e macios, mas que, quando ele a beijava,
detinham um poder sobre ele mais forte do que qualquer outro. Ele disse
que a amava. Embora ela não tivesse dito essas mesmas palavras, ele
acreditava que ela o amava sim.
Ele seria um tolo, não um covarde, se desistisse dela. Tratá-la com tanta
crueldade. Não importa a escolha que fizesse, sairia perdendo.
Ele pegou a carta e a encarou. Osmont dera uma semana. Ainda lhe
restava tempo.
Dobrou a carta e a deixou na mesa. Não conseguiria ficar no quarto o
dia todo e ponderar as escolhas dispostas diante dele, o enlouqueceria.
Puxou o restante do nó do lenço e o retirou do pescoço. Após jogá-lo no
encosto da cadeira, ele tirou a jaqueta.
O único lugar em que sua mente decerto ficaria ocupada, eram os
estábulos. Limpar as baias era um castigo na infância, porém hoje era
exatamente o que ele precisava. O cheiro dos cavalos, feno e estrume lhe
dariam ao menos algumas horas de sanidade.
Tempo para tomar uma decisão.
Capítulo Vinte e Dois
F reddie acordou com o pescoço duro. Ele estava deitado sob uma árvore
na floresta que cercava a propriedade de Rosemount. Há quanto tempo ele
estava lá, ele não podia ter certeza. Como a cabeça dele protestou com fúria
em sua primeira tentativa de se sentar, devem ter se passado várias horas.
Após deixar Eve sozinha e rejeitada nos estábulos, ele voltou para a
casa e se apoderou de uma garrafa fechada do melhor uísque do pai. Com
um casaco e a garrafa de uísque na mão, ele partiu pela noite com a única
intenção de beber até esquecer-se de tudo.
À luz do amanhecer, a ressaca do tamanho de um elefante abateu-se
com força sobre ele. Ele arrastou-se até ficar de pé, espanando as folhas do
casaco. O resto das roupas estava úmida do orvalho da madrugada.
— Hora de encarar a música. — ele murmurou.
Ele teria que passar o resto do tempo em que Eve e a mãe
permanecessem na abadia tentando evitá-las. Enquanto caminhava de volta
pelos campos, com a garrafa de uísque vazia na mão, ele rezou para que a
visita fosse interrompida. A ideia de rever o rosto de Eve mais uma vez o
encheu de pavor.
— Não sou covarde, fiz o que precisava fazer. — ele murmurou. As
palavras da carta de Osmont Firebrace eram sua única fonte de conforto.
Ao virar a esquina da casa, ele deparou-se com os pais, Thomas e
Cecily parados na frente. Todos se viraram para ele.
Cecily e Thomas trocaram algumas palavras, e ela entrou na casa. Lady
Rosemount logo a seguiu. O olhar que a mãe lhe deu ao passar por ele teria
congelado o mar.
— Bom dia. — ele disse. O ar indiferente com que tentou proferir as
palavras falhou.
Thomas marchou até ele e fixou-o com um olhar furioso.
— Então, a raposa enfim decidiu sair do buraco. Você é uma vergonha.
— ele disse.
Freddie não respondeu, sem saber quantos dos acontecimentos da noite
passada Eve contou. Ele estava certo de que ela não teria mencionado as
atividades sexuais ocorridas nos estábulos, mas sabia que muito menos seria
o suficiente para fazer o pai dele obrigá-lo a se casar com ela.
— O que ela disse? — ele perguntou. O estômago revolto não ajudava
nessa situação. Se ele não tivesse encontrado a família, ele estaria
devolvendo os restos do uísque ainda em seu estômago em um arbusto
próximo.
— Eve não disse nada. Ela voltou direto para o quarto ontem à noite, e
pouco tempo mais tarde, Adelaide Saunders falou com Mama, disse que
partiriam à primeira luz. A única certeza que temos é que a insultou. —
Thomas respondeu.
— Como teve a coragem de fazer isso? É óbvio que deu todos os sinais
de que pretendia propor casamento à moça, e no fim, mostra-se um covarde.
Parece-me que você não tem senso de honra ou decência em seu corpo. Que
tipo de filho eu criei? Essa é minha única pergunta a você. — Lorde
Rosemount exclamou.
A mente confusa de Freddie ouviu a raiva, e manteve um semblante
contrito necessário. No entanto, por dentro a mente estava ardendo de
ambição.
Eve e Adelaide Saunders se foram. Ele não precisaria enfrentá-las. Era
uma reviravolta inesperada para o bem. Um dia ou mais com a família
zangada com ele acertaria as coisas. Ele pediria desculpas aos pais,
explicaria não estar pronto para o compromisso que um casamento
demanda e, em seguida, voltaria para Londres com toda a pressa para
garantir seu lugar no Conselho dos Bacharéis.
Assim que ele se estabelecesse entre os membros ricos e poderosos do
conselho, a família dele entenderia. Aceitariam a ideia de que ele precisou
fazer sacrifícios para ter sucesso. Era apenas lamentável que o coração de
Eve fosse um deles.
Para ele, a coisa honrosa foi feita ao não a arruinar, e com o tempo ela o
agradeceria.
Thomas limpou a garganta, o som alto e claro, despertando Freddie de
seus sonhos de grandeza.
— Eve Saunders era uma adorável lufada de ar fresco. Ela é inteligente,
bem-educada e teria sido a esposa perfeita para você. Mas não, você
precisava bagunçar tudo. Estou dizendo, se nosso pai não estivesse aqui, eu
o derrubaria no chão. — Thomas disse.
Lorde Rosemount fungou com evidente desgosto.
— Não deixe que isso o impeça. Preciso de todo o meu autocontrole
para não dar o primeiro soco. Frederick, você causou desgosto àquela pobre
menina e envergonhou sua família. Sua mãe está revoltada e enojada com
você.
Thomas e Lorde Rosemount voltaram para a casa, deixando Freddie
sozinho, palavras de repreensão soando nos ouvidos.
No meio da tarde, a situação tornara-se intolerável. Cada mulher da
família que ele encontrava sempre estava com lágrimas no rosto, e todos os
homens o cumprimentavam com silêncio sepulcral.
O pensamento fugidio de ter tratado Eve de maneira terrível despertou
em seu cérebro. Por mais que tentasse afastar o pensamento, ele se recusava
a ceder e, no final da tarde, já havia se enraizado. Ele consolou a culpa
crescente com o fato inegável de que o estrago estava feito. Não havia nada
que ele pudesse fazer para ajudar o coração partido de Eve. Ela estava
voltando para Londres, as palavras sem coração dele ainda ressoariam em
seus ouvidos.
Ele puxou a carta de Osmont Firebrace mais uma vez e a leu. Ele se
propôs a cumprir o desafio final e conseguiu. A vitória, no entanto, foi fria e
oca. Ele só podia rezar para que, em anos vindouros, o poder e as riquezas
entorpecessem a dor de destruir o coração de uma jovem.
— Precisava ser feito.
Ele flertou com a ideia de drenar outra garrafa de uísque do pai, ou até
mesmo passar para o conhaque. A garganta ressequida e os lábios secos o
convenceram do contrário. Seu corpo não lhe agradeceria se precisasse
passar mais uma noite no chão áspero da floresta fria e úmida.
Enfim decidindo que estava perdendo tempo ficando em casa, ele pediu
ao chefe dos Estábulos para levá-lo para Peterborough. Ele fez uma
pequena mala de viagem e deixou um bilhete de despedida na mesa da sala
de jantar para os pais. Em seguida, ele se despediu da Abadia Rosemount e,
ao chegar em Peterborough, pegou a diligência de volta a Londres.
A carruagem estava com metade de sua capacidade, o que lhe permitiu
acomodar-se em um canto e ficar confortável. O cansaço e os restos da
ressaca logo o alcançaram, e ele adormeceu.
O sono não lhe trouxe descanso ou conforto, e os sonhos foram cheios
de lágrimas e nuvens negras. A lembrança constante do olhar de desespero
em Eve, enquanto ele se afastava dela, era frequentadora assídua de seus
pesadelos.
Conquistar um lugar no Conselho dos Bacharéis teve um preço terrível.
Capítulo Vinte e Quatro
Q uando Eve e a mãe chegaram em casa, Eve foi para o quarto sem
cumprimentar nenhum membro da família Saunders. Ela não conseguiria
enfrentá-los. Em especial, Caroline.
Uma criada trouxe um prato com a ceia. Estava acompanhada de
Adelaide. Após a criada deixar o prato e sair do quarto, Adelaide veio
sentar-se ao lado de Eve.
— Contei os pormenores do que aconteceu para seu pai. Dizer que ele
está furioso seria um eufemismo grosseiro. Seu pai estava preparado para
ignorar algumas de suas tolices porque estava claro que amava o rapaz, mas
após esta noite, digo que Freddie tem sorte de não estar em um raio de
cento e sessenta quilômetros daqui esta noite. — ela disse.
Eve pegou um pequeno sanduíche de queijo e deu uma mordida. Apesar
de todo o jantar fino na Abadia Rosemount, era bom estar em casa, de volta
aos pratos mais simples. Enquanto ela se sentava e mastigava, a mãe
segurou em sua mão com suavidade.
— O que disse para Caroline e Francis? — Eve perguntou.
— Nada.
Ter pais inteligentes e atenciosos era um presente inestimável. Embora
Adelaide e Charles Saunders estivessem lívidos com a mágoa ultrajante
infligida ao coração da filha, nenhum deles faria estardalhaço em público.
Os eventos da Abadia Rosemount aconteceram longe de Londres. Era
improvável que alguém fora da Família Rosemount soubesse o que houve
para obrigar as mulheres Saunders a deixarem a abadia tão sem aviso.
Lorde e Lady Rosemount eram pessoas respeitáveis e decentes, Eve sabia
estarem chocados e revoltados com as ações de Freddie, ou com o que
sabiam delas.
— Pode querer falar com Caroline pela manhã, em seguida, seu pai e eu
decidiremos o que diremos a Francis. Seu pai, sem dúvidas, falará com
Will.
As conversas com os irmãos seriam, para Eve, as tarefas mais fáceis. O
que ela diria a Caroline era muito mais difícil. Ao confiar na irmã, ela
precisaria enfim dar voz a alguns de seus demônios internos.
Eve dormiu até tarde na manhã seguinte. A viagem de carruagem para casa
havia sido longa e desconfortável. Ela acordou com uma batida suave na
porta do quarto. Ao abrir um olho, avistou o rosto de Caroline na porta.
— Está acordada? — Caroline perguntou.
Eve sentou-se na cama e arrumou os cobertores em torno de si. Acenou
para que a irmã entrasse.
Caroline fechou a porta com cuidado após entrar e atravessou o quarto
devagar, em direção à cama. Sentou-se na beirada na cama de dossel, com
as costas apoiadas em um dos postes.
— Então, como foi a viagem? — ela perguntou. Estava torcendo as
mãos devagar, e não encontrava o olhar de Eve. O desconforto era evidente.
Eve respirou fundo e, em seguida, soltou o ar devagar.
— Foi um desastre total. Ele me rejeitou. — ela respondeu. Enfrentar a
verdade fria e dura era o único jeito de superar o desgosto. Parte dessa
verdade fria e dura também era aceitar ter sido uma participante voluntária
da própria queda.
Caroline enxugou uma lágrima.
— Oh, Eve, eu suspeitava que algo terrível teria acontecido quando
você e mamãe chegaram ontem à noite. Eu as ouvi chegando e esperei que
viesse correndo, cheia de felicidade, pronta para me mostrar um anel de
noivado. Quando a ouvi vir direto para o quarto e fechar a porta, eu soube.
Soube que aquele rapaz besta havia partido seu coração. — ela desceu da
cama e se aproximou de Eve. Ela se inclinou e deu um beijo suave no rosto
da irmã. — Ele não merece você. Nunca mereceu.
— Ele não foi o único culpado pelo que aconteceu. — Eve respondeu.
Embora Freddie agora fosse algo do passado, ainda havia assuntos a
resolver, antes de ter clareza para o futuro.
— Como assim? Se Freddie se comportou de forma pouco
cavalheiresca com você, não consigo ver como seria culpa sua.
Freddie pode muito bem ter sido o responsável por destruir todas as
suas esperanças e sonhos, mas ela foi a arquiteta da própria destruição. Ela
havia ignorado todos, e as dicas não tão sutis acerca dele. Ela foi uma
participante voluntária nos jogos tolos e ficou de braços cruzados, enquanto
ele insultava a família e amigos dela. Afora, ela estava pagando o preço por
um comportamento imprudente e por ter entregado o coração.
— Eu estava com muita pressa para subir ao altar. Concluí que Freddie
era a mistura perfeita de libertinagem, cérebro e dinheiro, além de ter um
corpo masculino celestial. Eu me apaixonei por ele. O que não consegui ver
foi que ele estava jogando o tempo todo. Que eu não fazia parte da caça, eu
era a presa.
Caroline caiu na cama ao lado de Eve e estudou a irmã por um instante.
Eve conhecia Caroline muito bem. Aquela beleza escondia uma mente
inteligente. Pouco passava batido por Caroline.
— Por que estava com tanta pressa de se casar? Se bem me lembro,
você estava dizendo que Lucy e Avery eram um conto de advertência para
todas as moças. Que nenhuma de nós deveria agir com pressa em relação ao
casamento.
Eve suspirou. Havia chegado a hora de ter a conversa mais difícil da
vida dela. Uma conversa onde precisaria desnudar muitos de seus segredos
mais profundos.
— A princípio, pus o olho em Freddie porque queria vencê-la na corrida
ao altar. Eu estava desesperada para ficar noiva antes de você. Ter meu
momento ao sol.
Caroline parou por um instante, encarando Eve.
— Mas, por quê?
Eve fechou os olhos quando novas lágrimas começaram a cair.
— Porque você é tão bonita, e é sempre com quem os jovens
cavalheiros querem conversar e dançar em festas. Houve tantas vezes que
estivemos em um grupo de pessoas, e enquanto você era o centro das
atenções, brilhante e iluminada, eu era invisível para todos. Freddie foi o
primeiro a me dar atenção. Fui tomada por uma felicidade amarga quando,
em vez de cair aos seus pés, ele a tratou com um desdém tão horrível. — ela
colocou o rosto nas mãos e começou a soluçar. A vergonha de enfim
reconhecer ter passado grande parte da vida com ciúme amargo da própria
irmã mais nova ameaçava dominá-la.
Caroline não foi nada senão uma irmã amorosa e solidária. Foi a rocha
de Eve tantas vezes, mas o tempo todo, ela foi a fonte de muita dor na vida
da irmã.
— Foi por isso que se jogou em Freddie Rosemount, por despeito a
mim? Ora, Eve, como pôde fazer isso consigo mesma? Não posso acreditar
que me odeia tanto a ponto de jogar sua vida fora, na esperança de me
deixar infeliz.
Não havia palavras para descrever o tamanho da dor de Eve. Ela pegou
um amor fraterno e o distorceu de forma tão não natural.
— Tenho vergonha além das palavras. Sinto ciúmes de você, da minha
própria irmã.
Caroline desceu da cama. Ela foi até os restos de brasa na lareira e
pegou um atiçador. Voltou para Eve e a cutucou de leve com ele.
— Sou boa demais para atacá-la com isso e jogar seu corpo tolo e
ciumento no fogo. Mamãe pode não estar muito satisfeita, mas superará.
Como diz, sou a criança de ouro, sou a única que importa. — Caroline disse
com a voz embargada.
Eve olhou para cima. Caroline ainda estava ao lado da cama, o atiçador
apontado para ela. As palavras pingaram sarcasmo, mas as bochechas da
irmã brilhavam de lágrimas.
— Pensa ser a única nessa família a ter ciúmes dos irmãos? Eu daria
uma libra por dia para poder trabalhar nos negócios do papai, como Francis
faz. Para ter viajado o mundo como Will. Quanto a ser o centro das
atenções, homens não me veem. Veem minhas roupas e minha aparência.
Verdade seja dita, eu estava com ciúmes de você e Freddie. Por mais que eu
considerasse Freddie um tolo, eu estava preparada para aceitar tê-la perdido
para sempre porque ele claramente a fazia feliz. Estava sempre rindo,
conversando em segredo.
O atiçador escorregou de seus dedos e caiu no chão, onde pousou com
um baque. Caroline olhou para o objeto, mas não fez nenhum esforço para
pegá-lo.
Eve enxugou os olhos. Ela lutava por palavras. Sentir ciúmes não era
um monopólio dela. Caroline também sentia a emoção feia.
— Perdoe-me, Caroline. Não fazia ideia da dor que sofreu.
Caroline foi até o guarda-roupa de Eve e puxou um vestido listrado em
azul e branco. Marchou até a cama e o jogou ali. Respirou trêmula.
— Vista-se. Você e eu precisamos sair e ter um dia juntas. No final,
pediremos desculpas uma à outra por todas as coisas horríveis que
dissemos. Em seguida, não falaremos mais das nossas inseguranças
estúpidas e mesquinhas. A partir deste dia, trabalharemos juntas, como
irmãs amorosas, para encontrar a Eve e a Caroline Saunders que merecemos
ser, e homens como Freddie Rosemount podem ir para o inferno. — ela foi
para a porta, mas parou, segurando a maçaneta. — E prometo que, se
Freddie cruzar nossos caminhos de novo, vou esquentar a ponta daquele
maldito atiçador e o apunhalarei em um lugar muito desagradável.
Eve continuou a encarar a porta, mesmo após Caroline ir embora. Tanto
a irmã quanto Cecily Rosemount estavam certas, ela precisava escolher o
tipo de pessoa que se tornaria. Freddie mostrara-lhe a loucura de suas ações.
Era hora de se reerguer e se tornar uma Eve Saunders de quem ela poderia
se orgulhar.
Capítulo Vinte e Seis
A pós chegar a Londres, Freddie decidiu ser prudente passar alguns dias
longe do olhar alheio. Ele ainda teria tempo, antes de estar diante do
Conselho dos Bacharéis. Ele mandou um aviso para Osmont Firebrace,
comunicando o cumprimento do desafio final, em seguida, passou grande
parte de dois dias tentando fazer um estrago considerável na adega de seu
pai.
Afogar-se em álcool significava que seu cérebro só conseguia se
preocupar em respirar, dormir e vomitar. Não houve tempo para considerar
Eve ou a dor que ela deveria estar sentindo naquele instante. Ficar longe da
vista de todos também significava que, se algum Saunders decidisse fazer
uma visita a ele, ele poderia se esconder atrás das portas da Residência
Rosemount.
Na quarta manhã, ele já havia se conformado com a nova vida. A
ressaca dos últimos dias começou a ficar em segundo plano, e ele acordou
sóbrio, pronto para reivindicar seu prêmio.
Sua admissão no Conselho dos Bacharéis garantiria que ele fosse o
primeiro homem da Família Rosemount, desde o primeiro Visconde
Rosemount, a fazer seu nome com os próprios esforços. Ele sentia-se como
Alexandre, o Grande, prestes a conquistar o mundo conhecido. Ele logo
teria um exército atrás dele.
Após um rápido café da manhã, ele levou Santodeus para uma longa
caminhada, antes de se preparar para a visita à Rua Barton. Ao sair de casa,
pegou uma das bengalas do pai.
De pé nos degraus da frente da Residência Rosemount, ele ficou
girando a bengala com uma das mãos. Então, com um toque firme no
degrau de pedra da frente, ele partiu para a Rua Barton, um balanço nos
passos.
A manhã era de sol claro, um frio no ar anunciava neve chegando. Ele
estava muito envolto no calor do triunfo para sentir frio. Ele atravessou o
Parque St. James com passos rápidos, curvando-se e cumprimentando os
transeuntes que encontrava. O olhar de estranheza ocasional de
desconhecidos era recebido com uma risada. Se as pessoas não sabiam
quem ele era agora, em um ano estariam implorando para serem
apresentados.
Chegando à Rua Barton, ele de fato dançou pelos degraus do escritório
e pelo saguão de entrada. Ele bateu na porta do escritório de Osmont
Firebrace com a bengala do pai e ficou de pé, esperando para sua grande
entrada.
A porta se abriu. Osmont Firebrace se curvou quando Freddie entrou.
— Rosemount. Não perdeu tempo. Pensei que poderia ter problemas
com o desafio final, mas está claro que subestimei sua natureza de sangue-
frio. Meus espiões contaram que a garota Saunders chegou em Londres
antes de você. Posso confiar que não foi desafiado para um duelo estúpido
por nenhum membro da família dela?
Freddie aceitou a parabenização velada com boa graça. Com o futuro
quase garantido, ele poderia se dar ao luxo de ignorar a natureza ridícula de
Osmont. Um dia, ele deteria poder e influência suficientes para não precisar
confiar em homens como ele.
— Fiz o que pediu em todos os desafios. Minha ambição já não pode ser
contestada. — ele respondeu.
— Por favor, sente-se. — Osmont disse. Ele pegou uma pequena
campainha e a tocou, em seguida, foi sentar-se à mesa. Quando um criado
abriu a porta, minutos depois, carregava uma garrafa de conhaque e um
copo. Ele os colocou na mesa na frente de Freddie, antes de se curvar e sair.
Freddie ajeitou-se na cadeira e pegou a garrafa.
— Croizet Cognac. Muito bom. Violará sua abstinência de álcool e se
juntará a mim?
Ele esforçou-se para manter um ar desinteressado, mas o coração estava
acelerado. Croizet foi o sommelier de Napoleão. Esse conhaque era
considerado o melhor do mundo. A garrafa em suas mãos valia uma
pequena fortuna.
— Prossiga, abra-o. Vou me divertir vendo-o beber. — Osmont disse.
Freddie abriu a garrafa e serviu-se de um copo. Atrás da mesa, Osmont
sentou-se com um olhar de absoluta autossatisfação no rosto. Freddie era
seu novo protégé.
Freddie bebericou o conhaque. Era suave, a mistura perfeita de frutas
secas e temas cítricos sobrepondo-se. Ele pretendia desenvolver um gosto
por essa bebida fina, e obter os meios de comprá-la.
Osmont levantou-se e estendeu a mão.
— Muito bem. Está quase lá. Há a questão final do pagamento da taxa
anual de participação. Após depositar cem guinéus na conta bancária do
Conselho dos Bacharéis no Banco da Inglaterra, entregarei sua carta de
apresentação.
Freddie terminou a bebida. Sabia que haveria uma última reviravolta.
Os cem guinéus era um problema fácil de resolver. A mesada anual não
cobriria, mas ele foi canhestro com seu dinheiro enquanto estava na
universidade, e suas economias bastariam para cobrir o valor. Ele só
precisaria pedir ao pai para ter acesso ao dinheiro. Assim que Lorde
Rosemount entendesse a necessidade do filho, sem dúvidas, enviaria
instruções para o banco, em no máximo um ou dois dias, e Freddie estaria
bem.
— Claro. Precisarei escrever ao meu pai para ter acesso aos fundos, mas
acredito que terei o dinheiro até ao final da semana. Suponho que não será
um problema? — ele respondeu.
Osmont fez um movimento de dispensa com as mãos ante essas
palavras.
— Tenho certeza de que seu pai compreenderá a natureza imperativa de
sua necessidade. Não é todo dia que um jovem como você se lança em seu
próprio caminho. Ele ficará feliz com a notícia. E caso ainda tenha algum
resquício de culpa quanto a garota Saunders, não se preocupe. O Conselho
dos Bacharéis encontrará uma esposa bem treinada e dócil que seja da
aprovação de seus pais. Uma que cumprirá ordens no quarto e não
questionará de onde vem o seu dinheiro. Vestidos bonitos e bugigangas
cintilantes mantêm as mulheres quietas.
Freddie serviu-se de uma segunda dose. Quando deixou a Rua Barton,
uma hora depois, ele sentiu ser capaz de enfrentar o mundo. Ele voltou para
casa como saiu. A pé. Após dois copos de conhaque francês caro, havia
uma nova cadência a cada passo dado.
Ele venceu todos os desafios e estava prestes a ser admitido no
Conselho dos Bacharéis. Enfim faria sua entrada na sociedade londrina.
Logo, ele conheceria os poderosos e famosos.
Quando uma garota com um manto azul-profundo, semelhante ao que
Eve usava na Abadia Rosemount passou por ele, uma pontada de culpa o
alfinetou o coração. Ele ignorou. Eve Saunders atirou-se nele para
desmerecer a irmã. Deveria estar grata por ele ter tido o bom senso de não a
arruinar. Eles se divertiram jogando juntos, e foi a pedido da mãe dele que
ela e Adelaide Saunders foram visitar a Abadia Rosemount. Com certeza,
ele não era culpado da bagunça que aconteceu.
Ele atribuiu o repentino gosto seco e amargo na boca ao café queimado
que bebeu na Rua Barton antes de sair.
Chegando em casa, na Praça Grosvenor, ele estava planejando a longa
lista das pessoas que convidaria para sua primeira festa em casa. Haveria
uma comemoração longa e pecaminosa para anunciar seu sucesso. Novos
amigos viriam. A vida dele era boa e estava prestes a se tornar magnífica.
Ao chegar à porta da frente, ele ficou surpreso ao ver que um dos
lacaios da Abadia Rosemount a abriu para ele. Freddie franziu a testa. Isso
só poderia significar que alguém da família estava na cidade.
Ele suspirou. A festa precisaria esperar alguns dias. Ao tirar o chapéu e
o casaco, o lacaio o direcionou ao escritório do pai.
— Lorde Rosemount instruiu-o a ir vê-lo assim que chegasse. — ele
disse.
Freddie atravessou o saguão e parou na porta do escritório. O pai não
havia falado de vir para a cidade. Freddie se repreendeu em silêncio, por ter
deixado a abadia sem falar nada com os pais. Um pedido de desculpas
decerto era necessário.
Ele respirou fundo antes de bater. Estava na hora. A mente dele
começou a correr, precisava voltar às boas graças do pai para ter acesso ao
dinheiro. Precisaria agir com muito cuidado.
Ao entrar no escritório do pai, viu que Lorde Rosemount estava
debruçado em uma pilha de papéis na mesa. A primeira centelha de
preocupação surgiu no cérebro de Freddie quando o pai não reconheceu sua
presença.
Freddie parou no meio da sala, as mãos soltas ao lado do corpo, e
esperou.
Por fim, Lorde Rosemount dobrou o último papel e colocou-o no topo
de uma pilha próxima. Pegou uma pequena campainha e a tocou.
Em um minuto, um lacaio entrou. Lorde Rosemount entregou os papéis
ao lacaio que lançou vários olhares para Freddie, enquanto o visconde
falava baixinho. Ao final da breve conversa com Lorde Rosemount, o
criado deixou a sala, levando os papéis com ele. Ao passar por Freddie,
desviou o olhar.
Lorde Rosemount permaneceu à mesa.
— Esses papéis são instruções para todos os meus credores e
comerciantes com quem tenho contas. A última foi para o meu banqueiro.
Isso, é claro, se tiver um mínimo interesse em assuntos das propriedades
Rosemount. Embora, após o que eu tenho a dizer, pode ficar muito
interessado. — ele se levantou e arrumou os itens ali. Em seguida, fechou a
gaveta e a trancou. Freddie fez cara feia quando, em vez de colocar a chave
da mesa no lugar secreto habitual, o pai a colocou no bolso.
Freddie estava prestes a mencionar ao pai que precisaria da chave para
acessar o papel timbrado usado para fazer pedidos nas várias contas da
família, mas o olhar ríspido no rosto do pai o impediu. Ele fez uma nota
mental de falar disso com o pai, após ele terminar de admoestar Freddie por
seu comportamento.
— Antes que pergunte, não foi engano onde guardei a chave. Está na
hora de receber uma dura lição da vida, meu menino. — Lorde Rosemount
explicou.
— Desculpe-me se eu o envergonhei, e à mamãe, devido ao ocorrido
com a garota Saunders. Não me comportei bem e devia ter falado com os
senhores antes de regressar a Londres. Peço-lhe as minhas mais humildes
desculpas. — Freddie respondeu
O pai fechou os olhos, um triste bufo escapou de seus lábios.
— Ah, Frederick. Tão pouco, tão tarde.
Freddie cerrou os dentes enquanto a mandíbula endurecia de medo.
Havia gelo na voz do pai. Lorde Rosemount não era um homem de grandes
demonstrações de raiva. Ele nunca foi de falar muito mais alto do que uma
voz elevada. A raiva silenciosa do pai era mais poderosa do que qualquer
homem que gritasse a plenos pulmões.
— Eu…
O pai balançou a cabeça.
— As cartas que acabaram de deixar esta casa são instruções para
deixar de lhe conceder qualquer forma de crédito. Os comerciantes não
honrarão quaisquer pedidos de bens ou serviços que fizer a partir de hoje.
Estou cortando-o pelo futuro próximo.
Freddie balançou em seus pés enquanto o choque cru tomava conta.
Cortado.
Seu cérebro lutou para registrar as palavras.
— Como… como vou viver? — ele gaguejou.
O pai tirou uma pequena bolsa de dinheiro do bolso da jaqueta e a jogou
na mesa.
— Há dinheiro o bastante aí para você e o cachorro viverem por umas
boas seis semanas se for cuidadoso. E quando me refiro a cuidado, digo que
terá que ponderar cada farthing.
Freddie balançou a cabeça.
— Não pode falar sério. Como os criados vão manter a casa se eu não
tiver fundos?
Quando o pai franziu o cenho diante a menção dos criados, Freddie viu
uma abertura. Ele poderia sobreviver bem o suficiente se reduzisse os
gastos, mas os criados não conseguiriam andar por toda a Londres pagando,
eles mesmos, por coisas para a casa do Visconde Rosemount. Não se fazia
isso.
— Eles não manterão a casa. Aqueles que costumam ficar na Abadia
Rosemount voltarão esta noite. O resto terá licença remunerada pelo resto
do seu banimento de seis semanas. E quando digo banimento, falo sério. Se
as coisas ficarem um pouco difíceis por aqui, não pense em entrar em uma
carruagem e voltar para casa. Você não é bem-vindo na abadia, até eu avisar
que é.
Nenhum criado significava uma casa fria e solitária. A mente de Freddie
voou em mil direções diferentes. Como manteria os cômodos aquecidos?
Quem lavaria a roupa dele? E, mais importante, quem o alimentaria?
O pai caminhou em direção à porta.
— Não ficarei aqui. Fui convidado para jantar com amigos e passarei a
noite com eles. Ah, e não se dê ao trabalho de escrever para sua mãe
esperando simpatia. Ela se recusa a ouvir seu nome mencionado. Na
verdade, foi ideia dela cortá-lo.
— Mas, por quê?
O pai caminhou até onde Freddie estava e colocou a mão firme em seu
ombro.
— Você não é um homem perverso, mas pelos rumores que ouvi aqui
em Londres, você se deixou desviar. O Frederick Rosemount que conheço
nunca teria tratado uma jovem como você tratou Evelyn Saunders. Ele
decerto não traria a vergonha que você trouxe para a nossa família. — a
mão no ombro de Freddie intensificou o aperto. — Não estava lá na manhã
em que Adelaide Saunders e a filha partiram. Nem foi homem o suficiente
de enfrentá-la e ver a dor que infligiu àquela menina. Ela estava com o mais
absoluto coração partido por você. Tenho vergonha de ser seu pai neste
instante. Nenhum filho meu jamais seria tão cruel a ponto de dar esperanças
de amor a uma menina e, em seguida, despedaçá-la com tamanha crueldade.
Contudo, você conseguiu. Só posso esperar que a miséria que está prestes a
passar lhe dê algum tempo para se reencontrar. Neste instante, não o
reconheço, Frederick.
Ele saiu da sala, deixando Freddie em choque. Todos os planos de
comemorar a grande vitória saíram com o pai.
Ele virou-se e deu vários passos em direção à porta. Por um segundo
fugaz de loucura, pensou em alcançar o pai e implorar por misericórdia,
prometer o que fosse preciso para impedir que o pai o deixasse
desamparado.
O eco das últimas palavras do pai o fez parar.
Não o reconheço.
Lágrimas quentes vieram aos olhos dele. A família não se orgulhava
dele e de tudo o que ele conquistara. Em vez disso, sentiam vergonha.
Toda a pompa e bravata que o dominaram nas últimas semanas o
deixaram vazio como um fole em desuso. As palavras do pai fizeram dele
um homem menor.
Freddie ficou no escritório do pai por várias horas, com vergonha de sair e
enfrentar os criados, ocupados arrumando a casa. Foi só quando os sons
pela casa cessaram que ele se aventurou.
Ao sair do escritório do pai, ele logo notou o silêncio sinistro.
— Olá? — ele chamou.
Um silêncio ensurdecedor respondeu. O pai foi fiel à palavra. Todos os
criados foram embora.
— Droga. — ele murmurou.
Uma dispersão de garras no piso de azulejos sinalizou a chegada de
Santodeus. O cachorro se aproximou de Freddie e aceitou, com animação, o
vigoroso carinho atrás da orelha dado pelo mestre.
— Ao menos alguém ainda está de bom humor. — ele disse.
O cão inclinou a cabeça de lado e olhou para Freddie. Seus olhares se
encontraram, e o cachorro choramingou. Freddie bufou. Às vezes, ele podia
jurar que o cachorro era dotado de mais inteligência do que lhe davam
crédito.
— Sinto muito, garoto. Não foi sua culpa acabarmos nessa confusão.
E que confusão era. Com os criados longe, havia o problema imediato e
urgente de descobrir se alguma comida havia sido deixada.
Sendo seguido de perto por Santodeus, Freddie se aventurou até a
cozinha da casa. Ele teve uma agradável surpresa ao encontrar um pão
fresco, uma pequena roda de queijo Stilton e algumas cenouras nas
prateleiras da despensa. No alto da prateleira de carne, encontrou um osso
suculento, que logo puxou e entregou ao cachorro.
Santodeus pegou o osso e foi até a cama dele no canto, onde passou a
dar toda a atenção ao presente. Pelo menos, o cachorro estava feliz por ora.
Na despensa, Freddie localizou algumas garrafas de vinho. O álcool não
seria um problema nessa casa, já que Thomas o ensinou a destravar a
fechadura da porta da adega do pai quando ainda eram jovens. O pai
poderia cortar Freddie por vários anos que a extensa oferta de vinho
perduraria. O queijo e o pão bastariam pelo resto do dia, contudo, ele não
fazia ideia do que faria a seguir.
— O dinheiro! — ele voltou correndo para o andar de cima, para o
escritório do pai. Ele pegou o pequeno saco de moedas e o segurou com
uma das mãos.
— Por favor, por favor, que contenha o suficiente para eu jantar fora
todos os dias. — ele murmurou.
Abrindo a bolsa, ele despejou o conteúdo na mesa. Em seguida, caiu na
cadeira e olhou para a pequena quantidade.
Ele pegou a bolsa de novo, e enfiou a mão lá dentro, na esperança de
encontrar pelo menos uma nota de uma libra. A bolsa, no entanto, estava
vazia.
Com calma, ele dividiu as moedas em pilhas, enquanto a sensação de
enjoo continuava a fazer o estômago girar e girar. Algumas das moedas
eram de tão pouco valor que ele não se lembrava de já ter pegado em uma
delas antes. O que diabos ele faria com um punhado de farthings? As pilhas
de farthings, groats e sixpence 1 equivaliam a menos do que Freddie
costumava gastar, por dia, em tortas e outros lanches na universidade. Ele
precisaria calcular seus gastos com muito cuidado nas próximas semanas, e
rezar para que os pais mudassem de ideia.
— Bem, pagar meu assento no conselho será complicado assim. — ele
murmurou com amargura.
O conteúdo do saco poderia ser dez vezes maior, e ele ainda estaria
muito longe de ter o dinheiro para pagar a Osmont.
— Ah!
O pai poderia se recusar a lhe dar dinheiro, mas ele tinha amigos.
Godwin poderia alegar que o pai se importava pouco com ele, mas ele
nunca ficou sem nada. Godwin não precisaria saber para que exatamente
Freddie queria o dinheiro, em vez disso, uma mentirinha do bem seria
necessária. Ele só precisava fazer com que Godwin pedisse ao Duque de
Mewburton um adiantamento de sua mesada anual e, em seguida, emprestá-
la a ele.
Freddie prometeria pagar dez vezes mais a Godwin, quando fizesse seu
primeiro investimento bem-sucedido.
Ele pegou a maioria das moedas e as colocou de volta na bolsa,
enfiando algumas das de sixpence no bolso. Com um sorriso esperançoso,
ele levantou-se da cadeira.
O dia ainda não avançara o bastante para ele saber que Godwin ainda
estaria em casa. Seu amor pela erva verde da Índia e pelas tocas onde podia
fumá-la eram garantias de que Godwin teria chegado junto com o sol à
casa, ou seja, ainda não estaria fora em visitas sociais.
Vestindo o casaco, Freddie despediu-se do cachorro com alegria.
— Espera aí, rapaz. Estarei em casa em breve e teremos criados e
comida antes que alguém diga “ai”.
A magnífica mansão do Duque de Mewburton ficava a uma curta distância
da Praça Grosvenor. Freddie chegou rápido lá, o saltitar nas passadas de
volta.
Chegando à casa na Rua Mount, ele subiu os degraus da frente e bateu a
aldrava com confiança.
— Bom dia. Vim visitar Lorde Godwin, por favor. — ele disse ao
mordomo que abriu a porta.
O mordomo hesitou por um instante e fez uma careta.
— Receio que Lorde Godwin esteja indisposto e ausente para todos os
visitantes esta manhã.
Freddie bufou. Ele perdeu a conta do número de vezes que chegou à
Residência Mewburton e arrastou o amigo, ainda drogado, da cama. Nesta
manhã, ele esperava que as coisas não fossem diferentes.
Ele estava prestes a protestar com o mordomo quando uma porta foi
aberta. Um homem que Freddie supôs ter trinta e poucos anos parou diante
dele. Pela maneira de se vestir e pela cor de seus cabelos, Freddie imaginou
ser um dos irmãos mais velhos de Godwin.
— E quem é você?
Freddie estendeu a mão.
— Frederick Rosemount, filho do Visconde Rosemount. Como o senhor
está?
O outro homem olhou para a mão estendida de Freddie e balançou a
cabeça. O bom humor de Freddie diminuiu.
— Entre. Não quero ter essa conversa na porta de casa, na frente dos
servos. — o irmão de Godwin disse.
Freddie entrou no magnífico foyer da Residência Mewburton. Após
tirar o chapéu, entregou-o ao mordomo. O mordomo continuou de pé no
saguão, segurando o chapéu, uma indicação clara de que a estada de
Freddie não seria longa. Ele foi levado para uma sala de visitas próxima e
recebeu a indicação de onde sentar-se.
Enquanto ele se sentava, o irmão de Godwin permaneceu de pé. Em
seguida, limpou a garganta.
— Você e eu nunca nos conhecemos, mas frequentei a escola com seu
irmão, Thomas. Um camarada decente, casou-se com uma linda moça. Ele
parece ter a cabeça no lugar. O que temo, pelo que meu irmão me contou,
não pode ser dito de você.
Freddie endireitou-se na cadeira enquanto uma sensação ardente de déjà
vu o atingia.
— Desculpe-me, senhor, mas estou em desvantagem. Não sei quem o
senhor é. — Freddie respondeu.
— Sou o Marquês de Copeland. Godwin é meu irmão mais novo. Estou
aqui para dizer-lhe que deve ficar longe do meu irmão a partir de hoje. Pode
não se importar com a saúde e com o coração dele, mas nossa família, sim,
e não ficaremos de braços cruzados enquanto ele se prostitui e se droga a
caminho de uma morte precoce. Ele voltará comigo para casa hoje, para o
Castelo de Mewburton, e não pisará em Londres tão cedo. Ele precisa
colocar a vida e a saúde em ordem. Bom dia para o senhor, Rosemount. Dê
ao seu irmão os meus melhores cumprimentos.
Freddie recebeu o chapéu e estava na porta em um instante.
Ao voltar para Grosvenor, ele enfiou as mãos no bolso do casaco. Este
estava se tornando o pior dia da vida dele e bem depressa. O dia em que ele
dormiu demais e perdeu um grande exame em Oxford empalideceu de
insignificância ante o desastre que enfrentava agora.
— Pense, Freddie. Deve haver um jeito. — ele murmurou.
Tendo passado a infância no campo e os anos seguintes como um
recluso social em Oxford, ele não tinha um grande grupo de amigos em
Londres a quem pudesse pedir ajuda. Trenton Embry era uma das poucas
pessoas que Freddie conhecia além de um cumprimento casual, mas
conhecia Trenton bem o suficiente para sequer considerar pedir-lhe
dinheiro. Quem mais em Londres ele sabia que poderia recorrer para ajudá-
lo em sua crise financeira?
Ele diminuiu o passo e, em vez de ir para casa, virou-se em direção ao
Tâmisa. Essa era uma jogada arriscada, mas ele estava ficando sem opções
e depressa. Osmont Firebrace sabia quão rico o Visconde Rosemount era,
embora fossem necessárias algumas palavras inteligentes, Freddie sentiu-se
confiante de que poderia convencer Osmont a deixá-lo se juntar ao conselho
e, em seguida, pagar as quotas de associação quando o pai voltasse a liberar
seu acesso ao próprio dinheiro.
— Sim, é isso. Muito bem. A terceira é a certeira.
Capítulo Vinte e Sete
P ela primeira vez desde que conheceu Osmont, Freddie foi obrigado a
esperar por uma audiência. Ele sentou-se no banco duro do lado de fora do
escritório de Osmont e preparou seu discurso em silêncio.
Passou-se quase uma hora, antes de a porta do escritório de Osmont se
abrir. Um jovem apareceu na porta. O rosto dele estava corado, e ele parecia
estar pouquíssimo à vontade. Quando viu Freddie, o rapaz vacilou. O jovem
correu pela porta da frente e foi embora.
— Ah, Rosemount. Foi rápido. Posso presumir que veio trazer sua taxa
de admissão?
Freddie virou-se para ver Osmont com uma mão na porta. Por um
instante, Freddie poderia jurar que seu mentor estava com o rosto um pouco
corado, mas assim que ele piscou, a cor do rosto de Osmont voltou ao tom
pálido normal.
— Na verdade, não, mas prefiro que falemos em seu gabinete se não se
importa. — Freddie respondeu.
Osmont se levantou e curvou-se de um jeito incaracterístico para
Freddie quando ele entrou na sala. A pele de Freddie se arrepiou ante o
gesto estranho. Ele se sentou em um dos sofás de couro bordô-profundo,
mas em vez de relaxar nele, como de hábito, Freddie sentou-se ereto.
Na mesa à sua frente havia uma taça de vinho pela metade, que Osmont
pegou e colocou perto da lareira.
— Agora, por que não veio pagar a taxa de admissão? Não me diga que,
após nossa discussão e de tomar meu conhaque, mudou de ideia. Aquela
potrinha selvagem não o pegou pelo pau, pegou? Seria decepcionante ter
que rescindir a oferta de admissão. — Osmont disse. O escárnio na voz dele
não pôde ser ignorado, mas Freddie não se alterou. Não tentaria o
temperamento do homem que ele esperava que lhe desse dinheiro.
— Não, não, ainda pretendo assumir meu assento no conselho. Só que
tive um pequeno contratempo, e preciso do seu auxílio temporário. — ele
respondeu.
Um sorriso perverso atravessou o rosto de Osmont quando ele se
afastou e foi para a mesa. Freddie engoliu em seco. Algo não estava certo
nessa situação. Ele começou a questionar a sabedoria dessa decisão de vir
pedir dinheiro.
— Prossiga. — Osmont respondeu.
— Bem, meu pai decidiu me dar uma lição por algumas semanas, por
isso, restringiu minha linha de crédito. Eu refleti um pouco e, já que esta é
uma situação temporária, me perguntei se você consideraria me emprestar o
dinheiro para minha associação, além de algumas libras extras para
despesas temporárias.
Não é uma boa ideia.
— Hm. — Osmont respondeu. Ele abriu um pequeno armário e tirou
um copo e uma garrafa de vinho aberta. Após servir um pouco de vinho na
taça, ele a colocou na frente de Freddie.
Para o crescente desconforto de Freddie, ele se sentou no sofá ao seu
lado. Estendeu a mão e acariciou Freddie no ombro, a mão permaneceu ali.
— Está em uma posição incômoda, rapaz. Fico feliz que confia em mim
para ajudá-lo.
A mão de Osmont desceu pelo braço de Freddie com lentidão e se
acomodou em uma perna. O coração de Freddie começou a acelerar no
peito.
— Embora eu não possa ajudá-lo em sua hora de necessidade, devido às
minhas próprias obrigações financeiras, sei de outros membros do Conselho
que estariam dispostos. Não cobrariam juros no empréstimo.
O ânimo de Freddie aumentou ante a inesperada boa notícia. Claro,
havia pessoas decentes no Conselho, que entendiam as situações que
jovens, às vezes, se encontravam.
— Excelente. — ele respondeu.
Osmont deu um tapinha na perna de Freddie.
— Um bom rapaz como você pode fazer muitos favores aos colegas de
conselho. Tudo depende do quanto quer que eles o ajudem. — ele pegou a
taça de vinho e entregou a Freddie. — Beba. É um bom bordô. Há uma
nova remessa na minha adega, caso tome gosto.
Freddie pegou o copo e o segurou por um instante. Ele se viu preso
entre não querer tomar o vinho e não querer causar ofensa. Osmont não fez
nada e nem disse nada a respeito.
Freddie tomou um bom gole do vinho, antes que a noção de que poderia
ser drogado passasse por sua mente. Ele baixou a taça e fechou os olhos.
Tolo.
O rosto do jovem que deixara o escritório de Osmont pouco antes
reapareceu em sua memória. Uma realidade fria e dura começou a surgir
nos ombros de Freddie quando Osmont moveu a mão até a perna de Freddie
e a descansou a poucos centímetros de sua masculinidade.
— Diga-me, Frederick. Já precisou chupar o pau de um professor em
Oxford para receber uma boa nota em um exame final? Se o fez, não seria o
primeiro e nem o último rapaz a fazê-lo. Não há do que se envergonhar na
troca mútua de favores.
— Não. Eu… Eu… — Freddie gaguejou. O cérebro dele gritava para
ele se levantar e sair da sala, enquanto os lábios falavam palavras sem
sentido. Ele congelou enquanto Osmont colocou a mão em seu pau e o
apertou com força.
— Há muito dinheiro a ser dado de presente pelos sócios. Só depende
de você estar disposto a ser um bom rapaz, e do quanto. Alguns membros
têm bolsos muito fundos. Poderia se oferecer, e essa bunda apertada, para
eles e fazer um bom dinheiro. — Osmont ronronou.
Tenho vergonha de ser seu pai.
As palavras de repreensão do pai romperam a névoa do vinho
contaminado. Freddie afastou a mão de Osmont e se levantou com
dificuldades.
— Não.
Ele cambaleou até a porta e se atrapalhou com a maçaneta. Por pura
força de vontade, ele conseguiu sair e chegar à rua. Assim que saiu da vista
do prédio, ele correu para uma pequena árvore em um jardim próximo e se
deixou cair debaixo dela. Ele rezou para Osmont não o seguir, nem ousar
arriscar uma cena em público.
Com a cabeça e as costas contra a árvore, ele tentou se concentrar, em
vão. Por fim, desistiu da luta e fechou os olhos. O poderoso entorpecente
que Osmont colocou no vinho o venceu.
Quando Freddie acordou, era fim de tarde. Por quantas horas ficou
inconsciente debaixo da árvore, ele não sabia dizer. Uma chuva leve caía. A
dor de cabeça na parte frontal do cérebro era latejante, e a boca estava tão
ressequida quanto um deserto.
— Nossa. O que havia naquele maldito vinho? — ele se atrapalhou para
ficar de pé, usando a árvore para ajudá-lo a se equilibrar. Ao fim, ele
conseguiu seguir para a rua principal.
Ele estava prestes a acenar para um coche de aluguel, para levá-lo para
casa, quando se lembrou da razão para estar na Rua Barton. O punhado de
moedas no bolso não cobriria o custo da curta viagem para casa.
— Este é, oficialmente, o pior dia da minha vida. — ele rosnou.
Ele voltou para casa se arrastando, parando várias vezes ao longo do
Parque St. James para vomitar. Quando um grupo de pessoas bem-vestidas
passou por ele, ele as ouviu comentar aos sussurros acerca da incapacidade
dele de tomar álcool. Ele os ignorou, o único interesse dele era colocar um
pé na frente do outro e voltar com segurança para Grosvenor Place.
Quando começou a chover mais forte, ele olhou para cima. O céu cinza-
escuro acima da cabeça dele combinava com o humor miserável. Ele foi de
se sentir o rei do mundo para descobrir o quão insignificante de fato era.
Mesmo o mais precavido dos homens não para o tempo.
Quando ele enfim voltou para casa, estava encharcado. Ele bateu na
porta da frente várias vezes antes de se lembrar que o pai ordenou que os
criados da casa fossem embora. Mexendo no bolso, ele encontrou a chave
da porta e a enfiou na fechadura.
Quando a porta se fechou atrás dele, o eco do baque foi alto no saguão
vazio. As roupas dele estavam encharcadas, e seus cabelos colados à
cabeça. Ele parecia e se sentia como algo que o gato havia arrastado.
— Este dia pode piorar?
Ele subiu as escadas até seu quarto frio e tirou as roupas molhadas,
antes de colocar as secas. Ele precisava acender uma das lareiras da casa
para secar as roupas, mas aquecer o quarto era um luxo que ele não poderia
pagar pelas próximas semanas. A cozinha possuía uma grande lareira com
fogão, seria muito mais fácil manter-se aquecido se ficasse na cozinha do
andar de baixo.
Felizmente, a cozinheira trouxe lenha nova, mais cedo naquela manhã,
para a cozinha e havia uma cesta de gravetos prontos para atear fogo.
— Certo. Deve ser bastante simples. — ele disse. Tirando o acendedor
de uma prateleira próxima, ele esvaziou seu conteúdo e os dispôs na mesa.
Mecha, sílex e aço. Colocando a mecha na caixa, ele segurou a haste de aço
na mão direita e o sílex na esquerda, golpeando-o contra o aço.
Faíscas voaram, mas a mecha não acendeu. Ele tentou uma segunda
vez. E uma terceira. Proferia uma ladainha chula quando uma faísca
solitária enfim se acendeu.
Ele soprou com cuidado, aliviado quando a chama apareceu.
Apressando-se para a lareira, ele pegou um punhado de gravetos e os
ajeitou em pé. Após um tempo, conseguiu fazer uma pequena pilha no
lugar, mas a chama havia se apagado.
— Inferno.
Ele vasculhou os armários, procurando mais mechas, mas não encontrou
nenhuma. Com um clima sombrio o dominando, ele voltou a passos
pesados para o andar de cima e passou a hora seguinte indo de cômodo em
cômodo em busca de outra caixa. Santodeus sombreava cada passo dele.
Já estava escuro quando ele enfim conseguiu fogo. Foram quase duas
horas miseráveis. Quando as chamas começaram a lamber os pequenos
troncos, ele desabou no chão frio e duro.
— Tudo isso para tomar uma xícara de chá. — ele murmurou.
O cachorro vagou de onde estava sentado, observando os esforços de
Freddie, e se aconchegou contra o mestre. Freddie deu-lhe um bom cafuné
atrás das orelhas.
— Bem, pelo menos alguém não está com raiva de mim, ou está, rapaz?
O cachorro o cutucou e emitiu um pequeno gemido. Lógico, Freddie
não estava entendendo a mensagem.
— Quer comida, não quer? Somos dois.
Ele não comia desde o café da manhã. Uma rápida checagem nas
prateleiras da despensa da cozinha resultou no restante da roda de queijo, do
pão e em algumas maçãs que ele não notou mais cedo. Como ele sempre
jantava fora, havia pouca necessidade de a cozinheira da casa manter um
estoque de suprimentos na cozinha.
Ele cortou o queijo e algumas das maçãs em pedaços bons para um
cachorro e os colocou no chão. Santodeus cheirou a estranha combinação
de alimentos, mas mastigou-a depressa. Ele voltou querendo mais, deixando
Freddie sem opção a não ser alimentá-lo com a comida que ele mesmo
pretendia comer.
Ali sentado, observando o cachorro terminar o resto da ceia, Freddie
cortou um grande pedaço do pão e o mastigou.
De rei a indigente em um dia era uma queda longa e dura.
Capítulo Vinte e Oito
No terceiro dia vivendo a base de tortas de porco frias e carne assada com
excesso de sal de uma taverna próxima, Freddie soube que algo precisava
mudar. Ele sentou-se à mesa na cozinha, no andar de baixo, e contou as
moedas que se esgotavam depressa. O dinheiro dele não duraria para
sempre, e Santodeus comia o bastante para alimentar duas pessoas.
Ele precisava encontrar outra solução e permanecer vivo, em vez de
acabar sendo encontrado morto e devorado por um lébrel irlandês gigante.
Por que Eve não escolheu um cachorro pequeno para o jogo, algo que não
ameaçasse comê-lo?
O pensamento repentino o entristeceu. Ele estava tão envolvido em sua
própria situação que se esqueceu de Eve.
Talvez Osmont tivesse visto seu verdadeiro eu. Ele era um bruto de
coração frio, capaz de partir o coração de uma jovem sem piedade.
Do bolso da jaqueta, ele puxou a carta com o desafio final de Osmont.
Tornara-se hábito carregá-la consigo. Ele a leu mais uma vez, sabendo que,
se pedissem, ele conseguiria citá-la palavra por palavra amarga.
Onde quer que ela estivesse, ele sabia que Eve o odiava. Quando ela
enfim soubesse das circunstâncias reduzidas, ele esperava que ela sentisse
certa satisfação em saber que ele também estava sentindo-se miserável.
Sim, mas você é responsável pela própria miséria. Ela não merecia o
que você fez.
Ele dobrou a carta e a colocou de volta no bolso.
Com Santodeus em uma guia apertada, Freddie foi para o mercado
pouco depois das seis horas da manhã. Ele se via voltando aos horários do
interior.
A área ao redor de Covent Garden era o lar de muitas das damas da
noite de Londres. Bordéis operavam em casas elegantes nas proximidades
de Fleet Lane e Long Acre. Ele deu uma risada quando um cavalheiro de
vestes elegantes saiu de uma das casas e logo girou no calcanhar, entrando
novamente, quando Freddie cruzou o olhar com ele.
Quem sou eu para julgar?
No mercado, Freddie ficou satisfeito em encontrar maçãs e peras de boa
qualidade e com preços razoáveis. Ele comprou algumas, colocando-as na
cesta que encontrara na cozinha da Residência Rosemount. É lógico que um
jovem bem-vestido como ele, carregando uma cesta, atraiu alguns olhares
indagadores. Ele os ignorou, muito mais preocupado em encher a barriga
vazia para se importar com as opiniões dos outros.
De outra barraca, ele comprou alguns ovos e queijo, além de um
pequeno pão. Com o fogo da lareira da cozinha sempre aceso agora, ele
poderia fazer alguns ovos fritos e servi-los com pão e manteiga. Um café da
manhã quente era um tanto atraente.
Ele estava debruçado em uma barraca do mercado, prestes a perguntar o
preço de um bloco de manteiga, quando avistou um rosto familiar passando
pela multidão madrugadora.
Harriet Saunders, cunhada de Eve, vinha na direção dele. Ela estava
acompanhada de dois lacaios, posicionados atrás dela, e cada um carregava
um saco pesado.
Ele tentou se apressar e concluir as compras, com a intenção de
conseguir fugir, mas Hattie o viu.
— Freddie. Olá, que bom encontrá-lo no mercado.
Ele engoliu o nó de vergonha e voltou-se para ela.
— Sra. Saunders, é um prazer revê-la. — ele respondeu. Ele conseguiu
um meio-arco com a cesta em uma das mãos e a guia do cachorro na outra.
Ela tirou o olhar dele, antes de parar e sorrir.
— Esqueço-me de quem sou agora. Quando ouço esse nome, fico
esperando ver Adelaide atrás de mim. Por favor, me chame de Hattie.
Então, o que o traz ao mercado a esta hora da manhã?
Ele cerrou os dentes. A notícia de que o segundo filho do Visconde
Rosemount foi cortado pela família logo se espalharia. Hattie, sem dúvidas,
também saberia que ele e Eve haviam rompido a amizade.
Ele olhou para os dois lacaios atrás dela e piscou. Se fosse revelar suas
circunstâncias atuais, preferiria não o fazer na frente de servos e feirantes.
Hattie entregou algumas moedas para um dos lacaios.
— Poderia, por favor, ir à barraca ao lado da livraria e perguntar se eles
têm cenouras frescas esta manhã? Diga que eu não quero as velhas e úmidas
que tentaram me vender na terça-feira. A não ser que sejam muito baratas.
Assim que os lacaios se afastaram, Hattie apontou na direção de um
conjunto de mesas e cadeiras próximas.
— Servem um pão com queijo decente e café fraco. Conversaremos lá.
Uma vez sentada, Hattie fez o pedido. O proprietário do café
improvisado a conhecia pelo nome e a cumprimentou com ternura.
— É estranho ver alguém da sua estirpe fazendo amigos no mercado. —
Freddie comentou.
Hattie pegou o pão fresco.
— Bem, venho com frequência ao mercado há alguns anos. Não sei se
Eve alguma vez lhe disse, mas eu administro um Sopão na Paróquia de St.
John, perto da torre de St. Giles.
Freddie assentiu, lembrando-se com vergonha, de como foi horrível
com Hattie no Vauxhall, quando ele se recusou a pegar a mão dela. Ele não
imaginava que Will Saunders permitiria que a nova esposa continuaria o
trabalho com os pobres após se casassem.
Ela o olhou, e ele sentiu que ela lia sua mente.
— Os dois lacaios fazem parte do acordo que tenho com Will, para que
eu possa continuar meu trabalho com os pobres. Acabei fazendo alguns
inimigos entre as gangues dos cortiços. As coisas se acalmaram desde
então, mas ele insiste que eu os traga comigo o tempo todo. Contudo, chega
de falar de mim.
O dono do café colocou duas grandes xícaras de café aguado na mesa,
em seguida, abaixou-se e deu tapinhas amigáveis em Santodeus.
— Qual é o nome do cão?
— Santodeus. É uma piada. — Freddie respondeu, sentindo-se tolo.
O cão rosnou. O homem fez uma careta e voltou a atender outros
clientes, a piada claramente ausente tanto para homem quanto para animal.
— Sabe que esse é um nome ridículo para um cachorro. Até ele não
gosta, pelo jeito que rosnou. Coitado. Imagine carregar esse fardo pelo resto
da vida. — disse Hattie.
— Creio que talvez eu deva pensar em mudá-lo. Ele é meu único amigo
verdadeiro no momento, então merece melhor.
— Não posso deixar de concordar nesse quesito. Entretanto, me diga,
por que está aqui no mercado a essa hora? — o olhar de Hattie fixou-se no
cesto de Freddie.
Ele rangeu os dentes. Não adiantava mentir.
— Meu pai me cortou. Estou em desgraça por como tratei Eve. Tenho
algumas moedas para viver, mas fora isso, estou sozinho. Sem servos e sem
crédito. E eu mereço. Não sou nada mais do que um canalha da mais baixa
espécie.
Hattie franziu a testa.
— Não fale assim. — ela disse.
Freddie pegou o café e tomou um gole hesitante. A cor era a mesma das
águas turvas do rio Tâmisa. Tomou um segundo gole. Ele tomara café em
alguns dos melhores restaurantes e clubes de Londres, mas nenhum tinha
um sabor tão bom quanto o café feito pelo feirante em Covent Garden.
Hattie sorriu para ele.
— Will descobriu nosso cafeeiro. Ele parecia uma criança animada
quando enfim encontrou alguém em Londres que sabia moer e preparar os
grãos do jeito que ele gosta. Ele vem aqui com bastante regularidade.
O sorriso de Freddie desapareceu. Uma coisa era a Hattie gentil e
religiosa, mas o irmão mais velho de Eve não era alguém a quem ele tivesse
pressa de reencontrar. Ele olhou por cima do ombro dela, pronto para um
recuo apressado se Will aparecesse de repente na multidão.
— Ele ainda está na cama. Meu marido não é madrugador. — ela disse.
Freddie relaxou.
— Vim aqui hoje porque não posso viver de tortas de porco para
sempre. Há vários livros de receitas na cozinha da Residência Rosemount.
Pensei que poderia tentar algumas receitas. Tentarei fritar ovos hoje como
um começo, em seguida, verei aonde essa missão me leva.
Hattie assentiu, e eles se sentaram em silêncio, terminando seus cafés.
Enquanto Freddie drenava a última gota dessa xícara, ansiou por uma
segunda em segredo.
Hattie tirou um pequeno caderno e um lápis do bolso do casaco. Não
carregava uma retícula ou bolsinha como outras mulheres. Ela começou a
riscar algumas coisas de uma longa lista de compras. Então, virando-se para
outra página, ela anotou um endereço antes de arrancar a página e entregá-
la a Freddie.
— Esse é o endereço da Paróquia de St. John. Se quiser uma tigela de
sopa quente, será muito bem-vindo. Costumamos começar a servir ao final
da tarde e vamos até o final da missa da noite.
Um caroço se formou na garganta dele. Caridade lhe era oferecida.
Seus encontros anteriores com Hattie foram vergonhosos. Ele debochou
do trabalho dela com os pobres, até mesmo falou de suas roupas
deselegantes. O que parecia uma parte divertida das Regras Rudes agora se
revelava uma verdadeira brincadeira cruel e sem coração. No entanto, aqui
estava ela, mostrando-lhe compaixão.
— Obrigado. Não mereço sua gentileza. Não após todas as coisas
horríveis que disse e fiz à sua família. — ele respondeu.
— Tenho certeza de que todos sobreviveremos. Resumi suas
observações maldosas à loucura da juventude. Além disso, naquela época,
havia questões muito maiores para eu lidar. Para dizer a verdade, você foi
uma distração estranha e divertida em um momento difícil para mim. Will e
eu não tivemos um início fácil em nosso relacionamento. O passeio a
Vauxhall foi uma oferta de paz da parte dele. Quanto a Eve, ela é uma
garota forte. Com o tempo, ela entregará o coração a outro e reencontrará o
amor.
Ele pensava cada vez mais em Eve nos últimos dias, imaginando como
ela estaria, e esperando que não estivesse sentada em casa sozinha,
chorando por ele. Ela merecia ser feliz.
— Como Eve está?
— Ela está bem. A Família Saunders é resistente. Ela ficou um ou dois
dias em casa, mas voltou a circular na sociedade. Não tenho certeza do que
exatamente o levou a deixar de cortejá-la, mas tenha certeza de que há
muitos outros jovens de boa família mais do que dispostos a tomar o seu
lugar. — Hattie terminou o café, mas deixou o restante do pão intacto. Ela
tirou um punhado de moedas do bolso e as entregou ao dono do café.
Freddie pegou sua bolsa de moedas, mas ela o interrompeu. — Guarde seu
dinheiro. Use-o para comprar cenouras frescas. São boas opções para se
comer cruas, caso não consiga fogo forte o bastante para cozinhar. A oferta
para vir até St. John estará sempre na mesa para você, Freddie. Seria muito
bem-vindo.
Ela juntou suas coisas e foi até onde os dois lacaios a esperavam do
outro lado do café. Freddie observou o trio se afastar.
Eve já voltara a circular. Ele deveria estar satisfeito. Todavia, essa
notícia era uma faca de dois gumes. Era animador pensar que o coração
dela não sofreu uma mágoa profunda por sua traição. Menos reconfortante
era pensar que ela não o amava tanto quanto seu ego o levara a acreditar.
Ele não deveria se importar, mas a pontada no coração lhe disse o contrário.
Ao levantar-se da cadeira, Santodeus permaneceu ao lado da mesa.
Espiando o pão inacabado de Hattie, Freddie estendeu a mão para pegá-lo,
mas o cão foi mais rápido e o engoliu de uma só vez. Os deuses ainda não
acabaram de punir Freddie.
— Vamos, garoto. Vamos arrumar alguns ossos e ir para casa. Esses
ovos não cozinharão sozinhos. — Freddie disse com um suspiro.
Os ovos grudaram no fundo da frigideira superaquecida, e ele acabou
dando toda a gororoba para Santodeus, que comeu tudo de uma só vez.
Freddie não se importou tanto, pois não estava com tanta fome assim. As
notícias de Hattie sobre Eve roubaram seu apetite.
Capítulo Vinte e Nove
Eve não ficaria sentada em casa, lamentando-se por Freddie. Para ela e
Caroline, quanto mais cedo ela voltasse a ser ela mesma, melhor.
— Há milhares de outros peixes no mar. — Eve disse.
Caroline entregou o manto à Eve e deu um tapinha no braço da irmã.
— Com certeza, e você dançará com cada um desses peixes esta noite.
Eve olhou para a irmã e engoliu o nó que se formava na garganta. Era
estranho que um coração partido foi necessário para ela perceber a dor que
causara à irmã. Eve se alegrou com a redescoberta de uma amizade próxima
com a irmã mais nova. As horas que passavam juntas; conversando,
fazendo compras e rindo, eram o bálsamo necessário para sua alma.
Ao entrar na grande mansão da Rua Mount, Eve e Caroline
aproveitaram para verificar os mantos e certificar-se de que os vestidos não
haviam vincado no curto trajeto desde a Rua Dover. Francis pegou o braço
de Eve e, em um novo hábito, Harry ofereceu o dele a Caroline. Eve e
Caroline compartilharam um sorriso encorajador. Era bom sair e socializar
como irmãs e amigas mais uma vez.
Já no salão de baile principal, Francis não perdeu tempo em encontrar
uma desculpa para deixar as meninas. Quando ele e Harry se dirigiram para
encontrar o grupo mais próximo de jovens solteiras, Caroline virou as
costas para eles.
— Agradeço aos céus que eles se foram. Se Harry me olhar mais uma
vez, esta noite, com aqueles olhos de cachorrinho perdido, eu vou gritar. —
ela disse.
Eve ficou surpresa ao ouvir a irmã falar com tanta rispidez acerca do
amigo. Todos sabiam que Harry nutria uma paixonite por Caroline, mas ela
presumira que Caroline era gentil de tolerá-lo.
— Ora essa, não me olhe assim, Eve. Harry me rodeia e espreita o
tempo todo. Fui tola em passar um tempo com a mãe e a irmã dele. Agora,
ele acredita mesmo ter chance de me fazer a esposa dele.
— Não disse a Francis para falar com ele? — Eve respondeu.
Caroline virou o leque e o segurou na frente do rosto. Eve inclinou-se
de perto.
— Eu mesmo falei com ele. Ele fez diversos comentários bobos, no
casamento de Will e Hattie, de que eu seria a próxima a se casar. Puxei-o de
lado e falei com clareza, mas com cuidado. Afirmei não haver chance entre
nós. Que se eu não me apaixonei por ele até agora, isso nunca iria
acontecer.
— E o que ele disse?
— Disse que o tempo desgasta até a maior das pedras. — Caroline
respondeu.
Era óbvio que não havia nada que Caroline pudesse dizer para dissuadir
Harry. Ele colocou coração e mente na missão de casar-se com ela.
— Enfim, não importa. Eu não deveria ficar falando de relacionamentos
confusos, considerando como… — Caroline parou no meio da frase e
agarrou o braço de Eve. Ela ergueu um dedo apontado em direção a um
espaço do outro lado do salão de festas. Um espaço ocupado neste instante
pelo não tão Honorável Frederick Rosemount.
Caroline puxou um fôlego altivo.
— É um disparate daquele homem em se mostrar em público tão logo
após o que fez com você.
O olhar de Eve fixou-se em Freddie, e lá ficou.
— Sim, bem, os delitos dele não são tão conhecidos na sociedade, então
é de se esperar que ele sinta poder participar de reuniões sociais.
O coração de Eve começou a disparar. Parecia ter passado uma vida
inteira desde que ele pairou sobre ela no celeiro, dizendo não a querer. Uma
vida inteira desde que ele despedaçou o coração dela.
Ela começou a caminhar em direção à área de dança, o olhar ainda fixo
nele. Ele virou-se e avistou-a. Ela o viu vacilar, o desconforto dele foi
profundamente satisfatório.
— O que está fazendo, Eve? — Caroline sussurrou ao seu lado.
— Nada. Apenas brincando com um rato. — foi a resposta.
Enquanto ela se movia no sentido horário às margens da área de dança,
caminhando para às seis horas, Freddie se movia em direção às doze horas.
Ele estava prestes a chegar à hora seguinte enquanto ela se movia para o
outro lado do relógio. O olhar dela nunca saiu de Freddie, e o dele também
permaneceu fixo nela.
— Ah, aí está, Caroline. Harry quer colocar o nome em seu cartão de
dança.
As meninas ignoraram Francis. Ele se colocou bem ao lado delas e logo
entendeu por que estavam circulando tão devagar pelo salão.
— Atrevido descarado. Deve estar fora buscando uma refeição gratuita.
— Francis murmurou.
As palavras dele quebraram o feitiço de Eve. Ela parou e virou-se para
Francis.
— Como assim?
Havia rumores de que Freddie retornara a Londres apenas um dia depois
dela, mas até esta noite ele mantivera a discrição. Para alguém que vivia em
grande estilo na cena social de Londres há apenas algumas semanas,
Freddie de repente se transformou em um fantasma.
Francis ergueu uma sobrancelha e inclinou-se para perto.
— Há uma razão para ele estar sumido. O boato que varre a cidade é de
que o pai o cortou. Dizem que ele e aquele cachorro enorme são os únicos
em residência na casa de Lorde Rosemount. Todos os criados foram levados
de volta à Abadia Rosemount. Freddie está tendo que se virar sozinho.
— O castigo perfeito. — Caroline disse, rindo de prazer.
Eve, entretanto, teve suas preocupações. Se era de conhecimento geral
que Freddie estava sendo punido pelo pai, haveria perguntas em torno do
motivo. A última coisa que ela queria era que seu nome fosse jogado na
fogueira. Sua reputação estaria em ruínas.
— Então, que história contam para o corte? — Eve o indagou.
— Um amigo de um amigo falou com ele no início desta noite e
perguntou. Ele não ficou muito satisfeito em saber que a notícia se
espalhou. Ele disse para esse amigo que andou jogando muito e que o pai
está determinado a fazê-lo devolver todo o dinheiro que perdeu. No entanto,
há quem comece a sussurrar o contrário. — Francis respondeu.
Ela virou-se para o irmão.
— Quem mais, e o que estão dizendo? — um calafrio de pavor
atravessou o corpo de Eve. Quem estaria fazendo joguinhos?
Francis apontou para outro jovem cavalheiro, a poucos metros de
distância deles. Quando Eve olhou, o jovem se curvou.
— É o Honorável Lorde Trenton Embry, segundo filho do Visconde
Embry. Ele é outro dos jovens cadetes na Câmara dos Comuns com
Freddie. Ele quer conversar em particular com você.
Ela temia que Trenton Embry viesse falar algo de ruim, ainda assim, ela
precisava saber.
Trenton Embry avançou ao aceno de Francis e fez uma reverência
formal.
— Senhorita Saunders.
— Meu irmão diz que o senhor quer falar comigo. — ela disse.
Ele olhou para onde Freddie estava, e assentiu.
— Presumo que está ciente de que Freddie Rosemount está aqui esta
noite?
Eve assentiu.
— Sei de parte do que se passou entre vocês dois, pois também
trabalhei na Câmara dos Comuns este ano. — ele disse.
Eve esperou. Trenton encontrou o olhar preocupado dela e se
aproximou.
— O que de fato gostaria de compartilhar é que Freddie não é uma
pessoa ruim. Sei que, ao rejeitá-la, ele se comportou de forma abominável,
mas ele o fez por estar sob a influência de um cavalheiro muito malvado
chamado Osmont Firebrace. Não sei se é do seu interesse, considerando
tudo o que aconteceu, mas Freddie está em um lugar ruim neste instante. A
vida dele é um desastre, e ele tem que arcar com grande parte da culpa. Dito
isso, se ainda nutre alguma afeição por ele, eu a aconselharia a encontrar
meios em seu coração de perdoá-lo. — ele disse.
Ela abriu a boca em choque. Não pretendia falar com Freddie de novo,
muito menos perdoá-lo.
— Agradeço, Sr. Embry. Suas palavras me trazem conforto. Saber que a
vida de Freddie Rosemount está em completo caos realmente alegra meu
coração. Sinta-se à vontade para transmitir esses mesmos sentimentos a ele
quando voltarem a se falar.
Ela se virou e deixou Trenton Embry sozinho.
Francis segurou o braço de Eve.
— Maldito covarde. Imagina! Mandar um amigo falar com você na vã
esperança de que sinta pena dele.
— Sim, bem, está tudo acabado agora. Seja lá o que for que Freddie fez
ou em que se envolveu não é da minha conta. — ela respondeu.
Freddie poderia ter desistido de qualquer pretensão de vergonha, mas
ela viu seu orgulho ser um pouco restaurado. No entanto, ver Freddie e a
conversa com Trenton abalaram sua estrutura. Ela precisava de tempo
sozinha para se recompor.
— Sinto que seria bom sair por um instante e tomar um pouco de ar
fresco.
Uma Caroline relutante deixou Francis acompanhá-la até Harry e
conceder a dança pedida. Eve aceitou a condição de Francis, que viria
encontrá-la em pouco tempo, e que ela não iria a lugar algum sozinha.
Assim que saiu para o ar frio da noite, Eve sentiu alívio. O calor do salão de
baile, grande e lotado, era sufocante. O jardim noturno proporcionou a paz e
o sossego que seu cérebro agitado tanto desejava.
Ela encontrou um pequeno banco de pedra em um canto tranquilo e
sentou-se. Um lacaio ofereceu uma taça de vinho e ela a aceitou. O vinho
fresco e doce ajudou-a a concentrar-se no aqui e agora.
Uma sombra cruzou a luz da casa, deixando-a na escuridão. Ela olhou
para cima, apertando os olhos na tentativa de encontrar o foco.
Seu olhar encontrou Freddie em pé na frente dela.
— Eve.
Um lampejo de memória doentio atingiu seu cérebro. Na última vez em
que ela o viu, ele pairava acima dela desta mesma forma, dizendo que ela
não o amava, que eles nunca se casariam.
A única misericórdia nesta ocasião em particular era não estar deitada, e
seminua, em uma baia de cavalos, após oferecer sua virgindade a ele.
— Não tenho nada a dizer, Freddie. Seu amigo Trenton Embry já falou
por você. Por favor, vá embora. — ela ergueu o olhar para ele, enquanto
tomava um pequeno gole de vinho.
— Sim, eu vi você e Trenton Embry se cumprimentando no salão.
Embora eu não possa dizer que somos amigos, estamos mais para
conhecidos. O que ele disse sobre mim? — ele perguntou.
O sangue de Eve começou a ferver. Freddie era muito mais egocêntrico
do que ela havia se convencido a acreditar. Ela se levantou.
— Falou algo relacionado a você estar na companhia de homens maus.
Não me lembro de tudo o que ele disse, porque não estava prestando
atenção. Minha mente tende a ficar em branco sempre que seu nome é
mencionado.
Ele assentiu.
— Eu mereço isso e muito mais. Só quero dizer que fui… — Freddie
não teve a chance de terminar a frase. Francis chegou e o agarrou, girando
Freddie para enfrentá-lo.
— Seu desgraçado maldito. Partiu o coração da minha irmã. Bem, aqui
está algo para você consertar! — o punho dele atingiu bem no meio do
rosto de Freddie com um golpe doentio.
Freddie cambaleou, as mãos no rosto. Quando tirou a mão, sangue
jorrava de seu nariz recém-quebrado. Francis tentou atingi-lo uma segunda
vez, mas vários outros cavalheiros convidados correram e o contiveram.
— Há muito mais de onde este veio, Rosemount. Na próxima vez em
que eu o vir, acrescentarei alguns dentes quebrados à sua coleção. —
Francis vociferou.
Capítulo Trinta
A igreja não foi tão fácil de encontrar como ele pensava que seria. Freddie
passou direto por ela, antes de perceber que o edifício de pedra simples era,
na verdade, uma casa de adoração. Ele ficou do lado de fora por um curto
período, sem saber se deveria entrar.
Pensar que voltar para casa só daria mais crédito à opinião de Trenton
de que ele era um covarde o impediu de girar nos calcanhares e ir embora.
No fim, ele reuniu coragem suficiente e bateu a alça de latão da porta de
carvalho maciço na frente do lugar.
Já lá dentro, ele encontrou-se de pé em uma igreja simples, mas bem
cuidada. Ele estava meio que esperando encontrar mendigos nos degraus da
frente, famílias sem-teto dormindo no interior da igreja. Havia pouco das
armadilhas das igrejas mais ricas, como a de St. George, na Praça de
Hanôver, que os pais frequentavam quando estavam na cidade. As janelas
eram de vidro liso, sem vitrais caros para adicionar cor ao ambiente. Dois
pequenos vasos com rosas vermelhas eram o único sinal de decoração. Uma
lareira próxima ardia acesa, proporcionando um pouco de calor ao local.
Embora não tivesse as imponentes colunas com detalhes dourados e a
madeira polida até reluzir como a de St. George, St. John trazia seu próprio
senso de dignidade.
Ele caminhou mais para dentro, inseguro de si. Não sabia bem o porquê
de estar ali. O que sabia era que ter sido atraído pela promessa de mudança.
A porta à direita da capela se abriu, e Hattie entrou. Ela trazia uma cesta
cheia de legumes nas mãos, claramente pesada pela forma como se
esforçava para carregá-la. Freddie correu para o lado dela e logo a aliviou
do pesado fardo.
— Obrigado. Fico muito feliz por vê-lo. — ela disse, enxugando o suor
da testa. Seu olhar caiu no rosto machucado dele, que sentiu um rubor
queimar o rosto. — Minha nossa, está tão feio quanto pensei que poderia
estar. Como seu rosto está se curando?
— O inchaço baixou e já posso dormir de costas de novo. Fora isso, está
tão bom quanto se pode esperar. Não que eu mereça nada menos do que o
que Francis disse. — ele respondeu.
Ela balançou a cabeça e fez um “tsc tsc” baixo.
— Se tiver a gentileza de trazer a cesta, eu lhe mostrarei a cozinha. —
ela disse.
Ele a seguiu até um cômodo que corria a lateral da igreja. Era muito
parecido com a cozinha da casa dele, mas a lareira era muito maior. Acima
da lareira pendiam duas panelas grandes, cujo conteúdo exalava um aroma
inebriante. Sopa.
O estômago dele roncou alto.
Hattie deu uma risadinha.
— Aqui, baixe a cesta e sirva-se de uma tigela. A refeição da tarde será
servida em uma hora, assim terá tempo de comer, antes que as hordas
famintas dos cortiços de St. Giles cheguem à nossa porta.
Quando ele hesitou com constrangimento, Hattie pegou uma concha e
encheu uma tigela, entregando-a para ele.
— Vá em frente. Parece precisar de uma refeição quente.
Freddie sentou-se à mesa, e ela sentou-se em frente a ele e começou a
descascar cebolas.
— Descobri que se começo a preparar a refeição da noite nesse horário,
podemos fazer com que todos sejam alimentados e saiam da igreja pouco
depois das nove horas. Will fica impaciente comigo se eu volto para casa
depois das dez. — ela disse.
Freddie assentiu, enquanto colocava a colher na boca e provava a sopa.
Uma refeição quente era algo de que não desfrutava há algum tempo. Assim
que a sopa tocou a língua, ele sentiu o humor melhorar.
— Está muito bom mesmo. — ele comentou.
Hattie olhou para ele de cima da pilha de cebolas.
— Faço essa receita há algum tempo, perdi a conta de quantas panelas.
Embora, devo confessar, a qualidade aumentou bastante desde que Will
começou a apoiar a cozinha da igreja. Agora temos cevada, carne e ervas. A
mistura antiga era bastante aquosa.
Freddie tomou uma segunda colherada. O calor reconfortante infiltrou-
se fundo em seus ossos.
— Vejo que não trouxe seu cachorro com você. — ela disse.
— Não, Zeus está em casa, talvez destruindo algo novo com aqueles
dentes afiados dele. — ele respondeu.
Hattie assentiu.
— Zeus? Então, levou minhas palavras a sério, de que o nome do
cachorro era ridículo. Creio que esse novo nome combina muito melhor
com ele. Espero que ele seja grato. Muito bem, Freddie.
Ele sorriu. Era estranho como era reconfortante sentar-se com uma
pessoa amiga e conversar. Ele sentia falta do simples prazer de estar com
amigos e familiares.
Hattie recostou-se no assento, largando as cebolas e puxou o ar para as
bochechas. Ela respirou fundo, antes de se levantar da mesa e correr
depressa para fora. Quando retornou, alguns minutos mais tarde, seu rosto
estava corado, e ela enxugava lágrimas dos olhos.
Freddie não disse nada, mas por ter presenciado em casa os estágios
iniciais da gravidez de Cecily, ele conhecia os sinais de enjoo matinal muito
bem. Ele empurrou a tigela para um lado e pegou a faca. Poderia ser
surpreendente, mas ele era adepto de descascar e picar cebolas, e logo a
pilha reduziu, e os pedaços estavam em um prato.
— O que mais há que eu possa cortar e descascar? — ele perguntou.
Hattie apontou para um grande cesto junto à porta, repleto de cenouras e
nabos. Ele carregou a cesta, colocando-a entre os dois e logo terminaram de
cuidar dos legumes.
A simples ação de cortar legumes trouxe uma calma rítmica para sua
mente perturbada. Quando eles terminaram, ele estava preparado para
admitir que estava realmente se divertindo.
— Devo preparar as tigelas. — Hattie disse. Ela foi até um armário
próximo e pegou uma pilha de tigelas de madeira, que trouxe para a mesa.
Freddie a imitou.
— De onde tirou todas essas tigelas? — ele perguntou.
— Will conseguiu duzentas dessas nas lojas do exército. Antes disso,
tínhamos que administrar com muito menos, e as pessoas costumavam ter
que compartilhar. Algumas destas foram com as tropas para o campo de
batalha em Waterloo… assim como ele. — ela disse.
Por um instante, Freddie parou de empilhar as tigelas na mesa. Ele sabia
que Will foi um agente da coroa em Paris durante a guerra, mas nunca lhe
ocorrera que o irmão de Eve esteve de fato no campo de batalha, no final,
para derrubar Napoleão.
— Will lutou em Waterloo?
— Na verdade, ele não empunhou a espada. Não esteve com nenhum
dos regimentos regulares, era um agente especial. Trazia e levava
informações dos movimentos de tropas de Napoleão e planos de batalha
suspeitos para os comandos aliados. — ela respondeu.
Eve contou pouco acerca do papel de Will durante a guerra. Will
Saunders havia arriscado a vida por seu país, e um burro como Freddie
Rosemount teve a pachorra de fazer-se de tolo na frente dele. Ele respirou
fundo, devagar, enquanto um poderoso sentimento de vergonha enchia seu
coração.
Hattie cantarolava uma melodia feliz para si enquanto trabalhava,
deixando Freddie fazer mais uma promessa de que seus dias egoístas e
egocêntricos eram coisa do passado. Trenton Embry estava certo quando o
lembrou de que os segundos filhos podiam viver vidas úteis e cheias de
propósitos. Ele precisava encontrar seu verdadeiro caminho.
Haviam acabado de empilhar as tigelas e colheres na mesa, quando o
primeiro dos paroquianos chegou para a ceia. Hattie e Freddie colocaram-se
perto das grandes panelas de sopa e logo uma procissão ordenada de
pessoas famintas rodavam pela igreja.
Um rapazinho de não mais de cinco anos ergueu a tigela e abriu um
sorriso desdentado. Freddie inclinou-se e deu uma espalhada amigável em
seus cabelos castanho-escuros, enquanto Hattie enchia a tigela do menino
com sopa. Freddie pegou um grande pedaço de pão e o entregou ao menino,
cujos olhos se iluminaram com a recompensa inesperada.
— Você precisa de um pedaço grande para poder crescer alto e forte. —
ele disse.
O menino dirigiu-se a uma mesa próxima com sopa e pão na mão, e
Freddie parou, observando-o por um instante, enquanto fazia sua refeição
com certa ansiedade.
Isso vale mais do que todas as melhores casas e cavalos.
Assim que a primeira panela de sopa terminou, Freddie a limpou e a
encheu de legumes e cevada para começar a cozinhar para a sessão
posterior. Quando o último pedaço de legume entrou na panela, ele se
colocou para trás e observou a visão humilde de cinquenta pessoas famintas
aproveitando a sopa.
Hattie veio ficar ao lado dele. Ela estendeu o braço e deu um tapinha
leve nas costas dele.
— Muito bem, Freddie. Ajudou a alimentar todas essas pessoas.
Crianças dormirão de barriga cheia essa noite devido a essa ajuda.
Ele sentiu-se tocado pela bondade simples de Hattie Saunders, por seus
esforços altruístas em ajudar estranhos. No passado, ele desprezou tais
atitudes, atribuindo-as a um fanatismo religioso, mas ela não mencionou
Deus nem uma única vez durante toda a noite.
Ao decorrer do trabalho, ela o lembrou da história do Bom Samaritano.
O mais importante na vida era o que alguém faz, não o que diz que
devemos fazer. Toda a fanfarronice acerca de querer ser um membro do
Conselho dos Bacharéis significava pouco, pois só ele importava. Sentir
vergonha era uma coisa, mas saber da dor que ele causou à família dele, e
em especial à Eve, era um golpe duro nele. Os pobres de Londres, sentados
tomando uma tigela de sopa, eram mais dignos do que ele.
— Eu gostaria de vir aqui todos os dias e ajudar, se me aceitar. — disse
ele. O caroço na garganta dificultava a fala, as lágrimas nos olhos o faziam
piscar com força.
— Claro, nós o queremos aqui. Ninguém nunca é afastado de St. John, é
uma casa de Deus. Aceitamos todos os necessitados, não apenas os
famintos. — ela respondeu.
Ele se virou para ela, enfim desvendou o que ele buscava aqui. Ele era
um dos necessitados. Necessitava reencontrar-se. Conquistar o perdão da
família. Descobrir forças para voltar a encarar Eve.
— Posso ir ao mercado de manhã por você? Posso encontrar seus
lacaios lá e trazer os suprimentos frescos aqui para quando chegar. — não
seria educado mencionar a condição delicada de Hattie. Se ele fosse ao
mercado de manhã cedo para comprar o necessário, Hattie poderia ficar em
casa até mais tarde, descansando.
— É um empreendimento madrugador, e preciso admitir estar se
tornando um pouco difícil agora. Uma hora extra ou mais de sono seria
maravilhoso, mas tem certeza de que quer assumir tal responsabilidade? —
ela o indagou.
— Sim, tenho certeza. Embora, talvez… — ele parou por um instante,
inseguro. Isto era maior do que apenas ele. Seria reestabelecer uma ligação
com a família Saunders. Embora Hattie tenha conseguido perdoar as
transgressões dele, outros talvez não pudessem. — Creio que… Quero
dizer, gostaria de ter a bênção de Will também neste assunto. Sei que este é
o seu Sopão, mas ele é irmão da Eve, e eu comportei-me de maneira terrível
com ela. Significaria muito para mim saber que ele aprova nosso acordo, ou
que pelo menos está ciente disso.
Hattie olhou para Freddie, o rosto dela era pura seriedade.
— Claro. Se há algo em que o Will e eu concordamos de todo, é que
não temos segredos um do outro. Demoramos um tanto para chegar a essa
conclusão, após nos conhecermos, e eu nunca faria nada que desse motivos
para ele duvidar de mim agora.
As palavras dela o pegaram de surpresa. Ele presumira que a história de
amor de Will e Hattie foi bastante simples, mas parece que também não
tiveram uma jornada fácil até a felicidade conjugal.
Ela entendeu o olhar dele.
— Um dia, contarei minha história com Will. Começou bem longe de
Londres. Faça muitos panelões de sopa e conquistará o direito de ouvi-la.
Entretanto, é melhor nos prepararmos para o próximo grupo de bocas
famintas.
— Obrigado. Prometo que não vou decepcioná-la. — ele respondeu.
Hattie foi até a panela de sopa e adicionou mais algumas ervas. Freddie
foi para as mesas e começou a percorrê-las, coletando tigelas e conversando
com os paroquianos.
Mais tarde naquela noite, ele enfim secou a última das tigelas limpas e
fechou a porta da igreja. Em seguida, ajudou Hattie a subir na carruagem
que a esperava. Com educação, ele recusou a oferta de uma carona para
casa, sabendo precisar da caminhada.
Cada passo que dava ajudava a limpar a mente. Ao contrário da última
vez que atravessou a Rua Oxford, ele agora sabia que não encontraria a
próxima vitória no lombo de um cavalo em alta velocidade. Seu caminho
para a redenção, e sua nova vida, estava no trabalho honesto, cortando
legumes e fazendo sopa.
Capítulo Trinta e Dois
E ve estava animada com o evento que estava por vir. Will e Hattie, os
recém-casados, viriam à casa dos Saunders para um jantar em família. Com
Freddie fora de sua vida, ela poderia desfrutar de noites de interação social,
sem a preocupação de ofender alguém com as Regras Rudes.
Will enfim encontrara contento e paz na Inglaterra. Hattie capturara seu
coração, e ele libertou o dela para voltar a amar. Era uma união que oferecia
esperança para todos.
O relacionamento dela com Freddie pode ter terminado em desastre,
mas saber que o amor existia entre outros casais dava o conforto que o
coração ferido de Eve tanto precisava. Em algum lugar, alguém esperava
para capturar seu coração e mantê-lo para si.
Ela terminou de se vestir e já estava no andar de baixo esperando,
quando o irmão e a nova esposa chegaram.
— Eve, minha irmã, é ótimo revê-la. — Hattie disse.
Eve sorriu e a abraçou.
Will entregou seus casacos e chapéus a um lacaio e acompanhou a
esposa até a sala de visitas da família. O olhar de contentamento em seu
rosto mexeu com o coração de Eve. Ela jamais viu o irmão tão feliz. Quase
brilhava.
— Ah, aí estão. Meus dois recém-casados favoritos. — Charles
anunciou. De braços abertos, ele abraçou Will e Hattie como um só.
Adelaide e Caroline logo se juntaram ao feliz encontro.
— Onde está aquele cabeça nevada do meu irmão? — Will perguntou,
quando Francis não apareceu.
— Francis enviou um pedido de desculpas. Ele e Harry receberam
convites de última hora para uma festa na Residência Carlton, e sentiram
não ser bom recusar um convite do príncipe regente. — Charles disse.
Eve estava orgulhosa do irmão mais novo. Ele estava começando a se
destacar como um empresário astuto, e o recebimento de convites da nata
da sociedade londrina estava se tornando uma ocorrência regular. Nunca
faltava alguém procurando aumentar as moedas no próprio bolso, buscando
o conselho de alguém que conhecia os caminhos do mundo.
A família se reuniu em torno dos sofás e cadeiras, dispostos em
semicírculo. Will e Hattie sentaram-se de mãos dadas, próximos um do
outro, em um dos sofás menores. Toda vez que Hattie olhava para o marido,
ele apertava de leve a mão da esposa.
Dois lacaios entraram na sala. Um deles carregava uma bandeja repleta
de taças de champanhe, que colocou sobre a mesa no meio dos móveis
arranjados. Um segundo colocou duas garrafas de champanhe na mesa e,
em seguida, os dois saíram da sala em silêncio.
Will levantou-se do sofá, pegou uma das garrafas de champanhe e
trabalhou para soltar a rolha. Eve reconheceu-a como sendo uma marca
francesa seletiva e cara.
Charles e Adelaide se entreolharam e levantaram-se.
— Gosset. É alguma ocasião especial? — Charles perguntou.
Um forte estampido ecoou pela sala, quando Will enfim arrancou a
rolha da garrafa. Com a champanhe borbulhando, ele encheu depressa as
taças.
Hattie levantou-se do sofá e pegou duas das taças cheias. Ela entregou
uma para Adelaide e outra a Charles.
— Temos novidades.
Não demorou mais do que um segundo para que o olhar no rosto de
Adelaide mudasse de um de leve interesse para um de alegria chorosa. Ela
se agitou por um instante, antes de jogar a taça de champanhe nas mãos do
marido. Ela puxou Hattie para um abraço.
— Ora, é magnífico. Não fazem ideia de há quanto tempo quero ser
avó. Você é uma menina maravilhosa.
Will virou-se para Eve e Caroline, que também estavam de pé e
entregou uma taça para cada uma.
— Vou ser pai. — ele disse.
Caroline logo caiu em lágrimas, enquanto ao seu lado, Eve fez alguns
cálculos rápidos de cabeça. Will e Hattie não estavam casados há tanto
tempo.
Ela fez uma nota mental para interrogar Hattie ainda mais em algum
momento. Eve suspeitava que o relacionamento entre Hattie e Will pode ter
começado algum tempo antes de eles tornarem o namoro público.
— Parabéns. É uma notícia maravilhosa. Prometo que Caroline e eu nos
esforçaremos para ser as melhores tias que pudermos ser, e se falharmos
miseravelmente, faremos questão de mimar seus rebentos, portanto,
manteremos escondido nossos fracassos. — Eve disse.
Caroline riu entre lágrimas e assentiu.
— Sim, o estrago nas crianças será sutil, mas irrevogável.
Eve deu um tapinha amigável nas costas da irmã.
Hattie se aproximou de Will, que colocou um braço ao redor dela,
puxando-a para perto. Ele beijou-lhe os cabelos claros e disse:
— Eu disse que ficariam animados.
A alegria no rosto de Hattie fez o coração de Eve tremer. Hattie merecia
toda a felicidade do mundo. Ela trouxe luz de volta à vida de Will, uma que
Eve temia que ele jamais voltaria a ter após a morte da primeira esposa.
Com um bebê agora a caminho, uma nova felicidade preencheria suas
vidas.
E ve tentou falar com o pai quando ele voltou para casa. Ela sabia, por
meio das conversas entre Charles e Adelaide, que houve uma reunião na
Residência Strathmore naquela manhã. Ao sair da sala de café da manhã,
ela ouviu o nome de Freddie, mas pensou ser mais inteligente não
pressionar o pai em busca de mais informações. O leve encorajamento para
Freddie procurar o conselho de Will quanto ao Conselho dos Bacharéis
parecia ter dado frutos.
Pouco após Charles chegar em casa da reunião, ele foi para o escritório.
Adelaide logo se juntou a ele, e a porta foi trancada.
A única pessoa capaz de dar mais informações a Eve quanto ao
encontro secreto era a mesma pessoa a quem ela planejava ir ver.
Um horário marcado na modista para ajustes de Caroline foi a
oportunidade perfeita para Eve sair de casa. Caroline ficou encantada
quando Eve se ofereceu para acompanhá-la no lugar da mãe. No entanto, a
paciência da irmã foi testada quando Eve pediu para ser deixada na Praça
Grosvenor, com o adendo de ser buscada no caminho para casa.
— Tem certeza disso? Sei que ele tem feito um bom trabalho com
Hattie no Sopão da Igreja, mas não deve se esquecer de que este é o homem
que partiu seu coração. — Caroline a avisou.
A carruagem Saunders faria uma curta viagem até a Rua New Bond e,
em seguida, até a Rua Oxford, onde a costureira da família trabalhava. O
acréscimo até a Praça Grosvenor seria ínfimo.
Em vez de começar outra das antigas discussões, Eve se viu confortada
pelo conselho de Caroline. Ao deixar de lado as muitas diferenças entre
elas, puderam descobrir que não eram tão diferentes assim.
— Visitei-o em St. John com Hattie. Ele me contou coisas que deram
muito sentido ao que aconteceu entre nós. Ele se arrepende mesmo do que
fez comigo. — Eve respondeu.
— E você ainda o ama. — Caroline disse.
Eve refletiu essa mesma ideia diversas vezes desde que soubera do
trabalho de Freddie com os pobres. Após o primeiro encontro, e tendo lido
as instruções de Osmont Firebrace, ela fez o possível para se convencer de
que estava tudo bem com relação a Freddie.
— Sim, acredito que sim. O Senhor sabe que tentei odiá-lo, mas sem
sucesso. A questão é que não conseguirei seguir com minha vida até saber
que ele não me quer. Fui a St. John sozinha atrás dele e conversamos. —
Eve disse.
Caroline assentiu.
— O que ele disse?
— Que está arrependido do que fez, e que sabe que perdeu o grande
amor da vida dele.
Os olhos de Caroline arregalaram-se. Ela se inclinou no pequeno espaço
entre os assentos da carruagem e segurou a mão de Eve.
— Ele disse mesmo que a ama? Ah, Eve. O que posso fazer para
ajudar?
Eve não havia considerado que alguém, talvez fora Hattie e Will, fosse
querer ajudar a ela e Freddie a voltarem. Ela esperava estar sozinha na hora
de conquistar os pais, Caroline e Francis.
— Se puder guardar meu segredo por mais algum tempo, seria
maravilhoso. Quero poder passar um tempo com Freddie e conhecer o
homem real. O tempo todo que estivemos juntos antes, ele estava fazendo
um personagem para se juntar a uma sociedade secreta. Ele não está mais
jogando. — Eve respondeu.
Ela queria contar do Conselho para Caroline, mas Caroline tinha seus
limites. Casais com amores escritos nas estrelas, ela conseguia compreender
e colocar seu coração e alma em segundo plano. Mas Eve não queria expor
Caroline à verdade do que homens como Osmont Firebrace faziam nas
sombras da sociedade. Se a Sociedade precisava ter um lado de escuridão,
também precisava da luz que as moças bonitas como Caroline traziam.
A irmã manteve a palavra, e Eve logo foi deixada na frente da
Residência Rosemount, observando a carruagem Saunders virar a esquina
para a Rua Duke.
Ela mordeu o lábio inferior de nervoso enquanto subia os degraus até a
porta da frente. A Residência Rosemount era uma mansão coberta pela
clássica pedra de Portland. Havia ao menos outras três casas assim na Praça
Grosvenor, com a mesma frente de pórtico e esquema de cores. A única
característica para distinguir esta das outras, era o brasão da Família
Rosemount, desenhado em ouro e preto acima da porta. Um único javali
preto em um escudo dourado, com uma série de pequenas estrelas negras ao
redor do exterior, enunciava a herança da Família Rosemount.
Ela lembrou-se de imaginar como o brasão seria bordado na bainha de
seu vestido de noiva, quando acreditava que Freddie estava prestes a propor.
De como estava certa de que seu futuro estava garantido na Família
Rosemount.
A mão dela já se estendia para a aldrava quando, de repente, ela
lembrou-se de que era uma senhorita solteira prestes a entrar na casa de um
jovem, um que ela sabia muito bem não estar acompanhado de criados.
Uma onda de emoção correu por sua espinha.
— Você é uma garota perversa, Evelyn Saunders. — ela murmurou.
Saindo depressa da frente da casa, ela correu para a entrada de serviço.
Bateu na porta e esperou.
O som de um cachorro latindo no interior da casa foi logo abafado pelo
chamado do dono.
— Zeus, silêncio!
Ela prendeu a respiração.
Freddie abriu a porta, a mão segurando firme a coleira do grande lébrel
irlandês.
— Eve?
— Em carne e osso. — ela respondeu.
Ao ver Eve, o cachorro pulou alto, e Freddie perdeu a pegada. Zeus se
aproximou de sua ex-dona e deixou um pouco de baba em toda a extensão
de suas luvas. Eve deu-lhe um cafuné de boas-vindas atrás das orelhas, e
Freddie parou atrás dele, com as mãos nos quadris.
— Quem é Zeus? — ela perguntou.
Zeus abanou o rabo com força contra as saias dela.
— O cachorro. Ele não merecia ser constrangido com aquele nome tolo.
Ele nunca respondeu a ele mesmo. Parece gostar muito mais do nome novo.
— Freddie respondeu.
Uma careta apareceu no rosto dele, e Eve adivinhou quais seriam
próximas palavras a deixar a boca dele.
— Está sozinha?
Ela riu, tendo vencido a aposta contra si.
— Sim. Caroline está na Rua Oxford com a modista. Ela virá me buscar
no caminho para casa em uma hora ou mais. Pensei que poderíamos tirar
esse tempo para conversar em particular. — ela respondeu.
— Devo alertá-la de que não deveria visitar um rapaz, na casa dele, sem
um acompanhante. Preciso que saiba disso, caso seu pai ou um de seus
irmãos venham perguntar. — ele disse.
Eve sorriu e assentiu
— Então é melhor entrarmos.
Ela o seguiu até dentro da casa. Chegando na cozinha, ela descobriu que
Freddie deixara o ambiente bem confortável para si. A lareira estava bem
alimentada. Panelas acima das chamas fazendo a sua parte, e ela sentiu o
cheiro de massa fresca assando no forno.
— Conseguiu uma governanta? — ela brincou.
Freddie riu e balançou a cabeça.
— Não. Fui deixado à minha própria sorte e foi o que fiz. Aprendi a
cozinhar.
Havia orgulho na voz dele, e uma luz diferente em seus olhos. Ele
estava feliz.
— O cheiro está muito bom, seja lá o que esteja assando. — ela
respondeu.
Ele abriu um dos armários da cozinha e puxou um prato coberto com
um pano. Ele o colocou na mesa da cozinha e o desembrulhou. O cheiro
inebriante de uma torta recém-assada preencheu as narinas dela. O
estômago logo resmungou em antecipação.
— Esta saiu do forno há cerca de uma hora. Preciso deixá-la em uma
prateleira alta, caso contrário, Zeus faz questão de abocanhá-la. Eu não
pensava que cachorros comiam torta, mas após ter voltado para casa, duas
vezes, e encontrar apenas migalhas para a ceia, percebi que sim.
Ele se deslocava pela cozinha com uma familiaridade confortável, e
logo pratos e um bule de café quente foram trazidos à mesa. Pegando uma
faca grande, Freddie cortou a torta e colocou um pedaço em um dos pratos.
Entregando-o a uma ansiosa Eve.
— Estou fazendo algumas experiências com minhas tortas. Esta tem
alho-poró, batata e frango. Diga-me o que achar.
Eve tirou as luvas pelos dedos e quebrou um pedaço da torta. Zeus
afundou-se debaixo da mesa e se acomodou. Assim que ela deu a primeira
mordida, Zeus choramingou.
— Não se deixe enganar. Eu o alimentei a menos de uma hora. Esse
cachorro é um poço sem fundo quando se trata de comida. — Freddie disse.
Eve partiu outro pedaço da fatia de torta e o jogou no chão, sem querer.
Olhando debaixo da mesa, ela observou Zeus lidar depressa com a
oferenda.
Freddie balançou a cabeça. Eve deu outra mordida na torta e recostou-se
na cadeira, mastigando, pensativa, por uns minutos.
Freddie riu.
— Essa é a mesma expressão facial da nossa cozinheira na Abadia
Rosemount quando prepara algo novo. — ele tirou um caderno e um lápis
do bolso da jaqueta e passou a folheá-lo até encontrar uma página em
branco. — Então, diria que precisa de mais pimenta?
Eve deu uma segunda mordida e a deixou descansar na boca por
instantes, antes de mastigar. A língua provou frango e alho-poró
principalmente, mas apenas um toque de pimenta. Ela mastigou e engoliu.
— Um pouco mais de pimenta, talvez. Já pensou em salsa ou tomilho?
Nossa cozinheira costuma adicionar esses temperos ao frango assado. — ela
respondeu.
Eve o observou anotar as sugestões e, em seguida, acrescentou alecrim e
estragão.
— Obrigado. Críticas construtivas são muito bem-vindas. Eu não recebo
muitas delas no Sopão. Os paroquianos geralmente estão ocupados demais
enchendo as barrigas vazias para me dar opiniões acerca dos meus dotes
culinários. — ele baixou o lápis e apertou as mãos de leve. O clima na
cozinha mudou, e Eve sentiu tensão no ar. — Fico muito feliz em vê-la,
embora ambos saibamos que não deveria ter vindo sozinha.
Ela afastou as preocupações dele com um movimento de mão.
— Vim porque percebi que a conversa que tivemos na igreja foi a
primeira conversa honesta que você e eu tivemos. Todas as anteriores foram
nubladas com o jogo, ou com nossos próprios objetivos.
— Suponho que sim. Não tivemos um começo justo. — ele respondeu.
— Por isso estou aqui, sentada na sua cozinha. Não quero passar por
todos os porquês do que aconteceu. Só preciso saber de uma coisa: você me
quer?
Ele segurou a mão dela e a levou aos lábios. Ela sorriu enquanto ele
beijava o último resquício de torta da ponta dos dedos dela. Ele continuou a
beijar os dedos dela muito após não haver mais vestígios de farelo. Eve
sentiu calor remexer seu corpo, lembrando-a do que mais aqueles dedos
dele haviam feito com ela.
— Sim. Eu a quero. Confie em mim, a única coisa que todo esse
desastre me ensinou é que você e eu somos feitos um para o outro. — disse
ele.
Eve lutou para conter as lágrimas repentinas.
— Não tenho tanta certeza quanto a parte da confiança. Descobri que se
pode amar alguém, mas não confiar nele. Levará tempo para reconquistar
minha fé em você. Quero conhecer o verdadeiro Freddie Rosemount, saber
se ele de fato sente esta paixão como eu.
Ele ficou quieto. Ela o observou com interesse, sem nunca ter visto este
lado dele. Era como se ela o visse pela primeira vez.
— Se me der uma segunda chance, farei tudo o que puder para ganhar
sua confiança. Para que me ofereça seu amor mais uma vez. Apenas me
diga o que preciso fazer — ele respondeu.
Ela soltou um suspiro longo e lento e encontrou o olhar dele.
— Quando chegar a hora, você saberá.
Capítulo Trinta e Oito
Eve voltou para a casa da família pouco tempo depois. Correu pelas escadas
e entrou no quarto, trancando a porta atrás dela.
Ela fez. Freddie passara a ser o outro jogador nesse jogo sensual que ela
criara. Estavam jogando pelas regras dela, e se Freddie as cumprisse, ambos
seriam vencedores.
Ela havia mantido algumas das regras do Conselho dos Bacharéis. As
atividades deveriam ser públicas sempre que possível. Era decepcionante
que Freddie não tivesse tirado a virgindade dela na rua, mas ela estava
preparada para se dar pontos pelo improviso por saber que o levou ao
clímax com os lábios.
O olhar no rosto dele, quando ela exigiu que ele a deflorasse ali não
tinha preço. O olhar, quando a puxou para ficar de pé, também.
Ela não fazia ideia de que tais coisas eram possíveis, mas uma tarde
recente de leitura ilícita do Kama Sutra, cortesia da Marquesa de Brooke,
nascida na Índia, abriu os olhos dela para um novo mundo de
possibilidades. A esposa de Alex, Millie, sem perceber, educava todas as
mulheres solteiras da família do Duque de Strathmore a seduzirem seus
potenciais maridos.
Ela se casaria com ele, mas antes, ele precisava provar ser mais do que
o jovem estudioso que a mãe dele afirmava que ele era. Um marido
inteligente e educado era desejável, mas além dessas características, ela
precisava de fogo e paixão. A união nunca poderia se tornar maçante e
confortável.
Quando a criada pessoal dela bateu na porta, cerca de uma hora mais
tarde, ficou surpresa ao encontrar Eve acordada e parcialmente vestida,
sentada à escrivaninha. As roupas da classe trabalhadora que Eve usara em
sua missão secreta estavam bem escondidas no fundo do guarda-roupa. Se o
jogo continuasse, ela pretendia usá-las de novo.
Ela fechou as páginas do diário e trancou-o na gaveta da escrivaninha.
Os planos para a próxima parte do jogo estavam escritas naquelas páginas.
Capítulo Trinta e Nove
A ssim que Zeus começou a latir tarde da noite, Freddie sabia quem estava
prestes a bater na porta da cozinha. A única coisa um pouco estranha era
que Eve esperou quase uma semana desde o encontro deles na rua, para
enfim vir fazer uma visita.
Ele abriu a porta e a puxou para ele, chutando a porta atrás deles,
fechando-a.
— Demorou. — ele disse, antes de beijá-la com vontade.
Eve estendeu a mão e puxou o tecido da camisa de linho de Freddie. Ele
se aproximou e enrolou os braços na cintura dela. Ela se encaixava nele
como uma luva.
— Eu disse que seria eu a definir as regras do jogo. — ela ronronou.
Ele iria com tudo. Rezou para que ela ainda o quisesse. Em caso
positivo, ele não a recusaria.
— Posso supor que não está aqui para provar tortas? — ele a indagou.
Ela colocou a mão no peito dele, acima do coração. Como ele pôde ser
tolo a ponto de escolher partir o coração dela, ele nunca entenderia. Ela
valia todas as riquezas da terra.
— Estou aqui porque tenho certeza de que enlouquecerei, a menos que
você me desnude e me reivindique com seu corpo. Preciso que tome tudo o
que tenho para oferecer e, em seguida, exija mais. Quando terminar de me
fazer sua, preciso que faça de novo. Só assim saberei que você é mesmo
meu.
E ve estava com fome quando voltou para casa após uma longa tarde de
compras com Caroline, mas essa fome não era de comida. Tendo se
entregado a Freddie, a fome de deitar-se com ele ardia nela com constância.
Era quinta-feira, e a missa da noite costumava ser mais longa. Freddie
só estaria em casa perto da meia-noite. Ele não havia mandado nenhum
bilhete, mas ela não conseguia mais se negar de estar com ele.
Ela o visitaria, e eles discutiriam os planos para tornar o relacionamento
deles em um mais aceitável pela sociedade. Eve chegou à conclusão óbvia
de que, uma vez que o Visconde Rosemount descobrisse que Freddie havia
declarado ao mundo que seria o futuro marido dela, ele voltaria a aceitar o
filho em casa. Ela deixaria Freddie decidir quando fosse a hora certa de
informar os pais de ambos acerca do iminente casamento.
Passou uma noite agradável com Caroline e Adelaide, discutindo os
planos familiares para o Natal no Castelo de Strathmore, na Escócia. Com
os três primos Radley mais velhos recém-casados, o castelo estaria ainda
mais cheio de sons e alegria do que nos anos anteriores.
Pouco depois das onze, Eve deu boa noite à irmã e à mãe e voltou ao
quarto.
Ela trocou-se, escolhendo um vestido escuro de lã e esperou até ouvir os
outros membros da família se entregarem ao sono. Jogou um manto pesado,
e desceu as escadas em silêncio e saiu pelo jardim dos fundos.
Ela fez sinal para um coche de aluguel parado na esquina da Rua Old
Bond e logo estava a caminho da Praça Grosvenor. Após vasculhar vários
vasos de flores, ela encontrou a chave da porta dos fundos da Residência
Rosemount.
— Ótimo trabalho mantendo a casa a salvo de homens maus. — ela
murmurou.
Já na cozinha, ela acendeu uma vela e subiu as escadas.
— Zeus. — ela gritou.
O cachorro não estava em nenhum lugar.
— Que estranho. — ela murmurou. Às vezes, Freddie conseguia manter
Zeus preso na cozinha, mas o cachorro quase sempre estava correndo pela
casa. O silêncio era assustador.
Ela deu de ombros. Talvez Freddie tivesse decidido que Zeus precisava
do exercício e o tivesse levado para passar o dia na Paróquia de St. John.
Ela riu ao pensar na bagunça que o gigante lébrel irlandês faria na cozinha
de Hattie.
O relógio no corredor do andar de baixo anunciou a meia hora após as
onze. Pegando o acendedor e alguns gravetos na cozinha, ela correu para o
quarto de Freddie. Se acendesse o fogo agora, o frio já teria sido espantado
do quarto quando ele chegasse em casa. Esta noite, ela pretendia dividir a
cama dele.
Ela colocou um punhado de moedas no mantel
— Pronto. Isso deve cobrir o custo da lenha.
Pegando o acendedor, ela o experimentou algumas vezes antes de
conseguir uma faísca. A lenha seca na lareira pegou fogo e logo se
sustentou. Ela colocou alguns pequenos troncos no lugar e sentou-se nos
calcanhares, atenta ao fogo que crescia, orgulhosa e satisfeita.
Ela havia acabado de colocar o acendedor na prateleira quando ouviu
barulhos no andar de baixo. Com um sorriso, ela foi à porta do quarto. A
chegada precoce de Freddie em casa significava que teriam mais tempo
juntos. Ao sair para o corredor, ela ouviu vozes desconhecidas.
— Onde disse que ele mantinha o ouro?
— Não sei. Enfim, não viemos aqui para isso, viemos atrás do jovem
Rosemount. Ele está prestes a receber uma lição desagradável, para
aprender a não entrar em conflito com os poderosos. — um segundo
homem respondeu.
Eve enrijeceu. O coração começou a bater alto em seu peito. Ela não
levou os avisos de Freddie a sério, acerca de não ficar sozinha na casa.
Ninguém sabia que ela estava lá, ninguém poderia ajudá-la.
Pense, Eve, pense.
Ela voltou para o quarto de Freddie e fechou devagar a porta.
— Ah, não. — ela sussurrou ao notar a falta da chave na fechadura.
Ela acabara de decidir que o quarto dele poderia não ser o melhor lugar
para se esconder, quando ouviu botas pesadas nas escadas. O coração estava
acelerado, a boca seca. O medo dos estranhos e do que fariam se a
descobrissem, fez Eve tremer.
O que devo fazer?
Vozes do lado de fora da porta do quarto mostravam que havia pouco
tempo. Correndo, ela pegou o manto e caiu de joelhos. Deslizou para
debaixo da cama e fez o possível para jogar o manto sobre a cabeça.
Quando a porta se abriu, ela lamentou ter conseguido acender o fogo.
— Parece que alguém está em casa. Que bom, assim acenderam a
lareira para nós. Pena que não ficaremos tempo suficiente para desfrutar do
conforto de casa.
O outro intruso deu uma gargalhada gutural.
Eve manteve-se deitada debaixo da cama e ouviu os intrusos
vasculharem todos os armários. Gavetas e roupas foram jogadas no chão.
As mãos dela começaram a tremer sem controle, e o lábio inferior
tremia. Se esses homens vieram a mando do Conselho dos Bacharéis, ela
estaria em grave perigo se a descobrissem.
Os homens deixaram o quarto, mas ficaram no corredor. Eve rezou para
que saíssem da casa. Ela precisava escapar e avisar Freddie.
Houve um instante de silêncio. Tudo o que ela ouvia era o próprio
coração acelerado.
O tecido do manto dela foi erguido e bem na frente dela apareceu um
rosto feio e sorridente.
— Olá, gracinha. Achô que a gente não te acharia aí? — o homem
disse.
Eve tentou se afastar para outro lado, mas o segundo homem estava lá
esperando por ela. Ele agarrou as saias dela e a arrastou de debaixo da
cama.
— Levante-se. — ele ordenou.
Eve ficou de pé. Ela estava prestes a fazer a grande declaração de que
um dos tios era o Duque de Strathmore, e o outro tio era o Bispo de
Londres, quando a lâmina brilhante da faca do intruso a fez mudar de ideia.
Ele a olhou de cima e abaixo. O companheiro dele veio ficar do mesmo
lado da cama.
— Eu conheço ela. Ela é a mulher rica de Freddie. Acho que se
levarmos ela, ele sairá do esconderijo. Não vamos ter que procurar ele.
— Não sei quem são, mas minha família tem dinheiro. Tenho certeza de
que o que quer que seu patrão esteja pagando, meu pai dobrará para me ver
de volta a segurança de casa. — ela disse. Seu pai sempre lhe ensinou que
dinheiro era a língua que todos entendiam. Todos os homens podiam ser
comprados, só precisava se descobrir o preço certo.
Os dois intrusos trocaram um olhar atento.
— Desculpe, meu amor. Não há nada que sua família possa nos dar que
nos faça trair nossos mestres. Quando você e seu namorado desaparecerem
de repente, outras pessoas pensarão duas vezes, antes de testemunhar contra
os membros do conselho, e o caso da coroa entrará em colapso. Seremos
recompensados com um resgate de joias do rei e todas as prostitutas que
pudermos usar. — ele estendeu a mão e segurou Eve. Do bolso da jaqueta,
ele puxou um pedaço de corda.
Eve gritou.
Uma mão veio tapar sua boca. O algodão macio de um lenço embebido
em éter foi pressionado em seu rosto. Ela prendeu a respiração o máximo
que pôde, mas não adiantou. Os joelhos se dobraram debaixo dela. Ela
gritou por dentro, enquanto o éter a dominava e a deixava inconsciente.
Capítulo Quarenta e Três
N a manhã seguinte, Eve e Freddie dormiram até tarde. Eles fizeram amor
pela segunda vez nas primeiras horas antes do amanhecer, e ao terminarem,
Freddie envolveu os braços e as pernas em torno dela e a segurou perto.
Um farto café da manhã com ovos, bacon e arenque repôs os níveis de
energia que as atenções lascivas de Freddie ao corpo dela esgotaram. Eve
sentou-se com uma xícara de café na mão e o observou por cima da borda.
— Então, o que pretende fazer acerca dos calhordas que me
sequestraram? Estou surpresa que não tenha ido atrás da milícia local
quando chegamos aqui. — ela perguntou.
Freddie ergueu o olhar do café da manhã.
— O posto da milícia mais próxima fica a uns vinte quilômetros de
distância. Quando conseguisse chegar lá, encontrar alguém que ouvisse
minha história e que voltasse comigo, seria tarde demais. Estou certo de
que, quando regressarmos a Londres, compreenderemos melhor quem
mandou raptá-la. — ele respondeu.
— Então, como foi que me encontrou?
Ele baixou a faca e o garfo e limpou a garganta. Eve sentiu que algo
estava errado pelo jeito que ele não encontrava o olhar dela.
— Eles deixaram um bilhete. — ele respondeu por fim.
Ela estava prestes a interrogá-lo ainda mais quando o estalajadeiro
chegou à mesa deles.
— Peço perdão, senhor, mas não consegui encontrar nem mesmo uma
pequena carruagem para seu uso. Só tenho uma carroça. Se quiser usá-la,
pode trocá-la por algo mais adequado na próxima cidade de maior tamanho.
— ele disse.
Freddie limpou os lábios com o guardanapo e ficou de pé.
— Desculpe-me, meu amor, devo ir cuidar do nosso transporte. Ao
terminar seu café da manhã, por favor, vá recuperar o que quer que tenha
deixado em nosso quarto, e vou encontrá-la nos estábulos em breve.
Ele seguiu o estalajadeiro pela porta, deixando Eve ponderando os
súbitos trejeitos evasivos dele.
Ela voltou para o andar de cima e se preparou para sair. Enrolou o
manto em torno de si, pronta para a longa jornada para casa.
A estalagem ficava à frente do pátio, e os estábulos nos fundos. Ao sair,
Eve viu as várias carruagens e diligências de outros hóspedes. Ela
caminhou lentamente em direção aos estábulos, quando passou por uma
carruagem que quase fez seu coração parar.
Era uma carruagem preta, como centenas de outras que percorriam as
estradas da Inglaterra, mas o homem sentado no banco do condutor foi
quem a fez acelerar os passos.
Ela virou a esquina e ficou aliviada ao ver Freddie conversando com o
estalajadeiro. Manteve o passo acelerado, resistindo à vontade de correr até
ele. Will havia ensinado aos irmãos que nunca se deve demonstrar caso se
descubra um segredo, mantê-lo para si gera poder.
O filho do estalajadeiro estava ocupado carregando um pequeno baú na
parte de trás da carroça em que o cavalo de Freddie fora amarrado. Ela
ignorou o estranho transporte, a mente concentrando-se apenas na
necessidade de falar com Freddie.
De avisá-lo.
Assim que chegou ao lado dele, ela segurou-o pelo braço e o puxou para
perto.
— Os homens que me levaram estão aqui! Vi o homem que me agarrou
em sua casa em uma carruagem preta parada no pátio da frente. — ela
disse.
Freddie franziu a testa. Ele olhou para as carruagens alinhadas no pátio
da frente.
— Qual?
Ela seguiu o olhar dele, depois balançou a cabeça.
— É a terceira ou a quarta depois da esquina. Não dá para ver daqui.
Graças a Deus. Significa que não podem nos ver.
Ele segurou as rédeas da carroça e falou com o cavalo, passou os dedos
para cima e para baixo na testa do animal.
— Sei que é uma carroça pequena e menos do que merece, mas não se
escolhe esmola.
Com um bufo alto, Eve segurou o braço de Freddie. Ele estava levando
a situação com muita leveza para o gosto dela.
— O que fará quanto a eles? Se a milícia está tão longe quanto diz que
está, o que os impediria de nos atacar na estrada e nos sequestrar?
As palavras dela pareceram surtir o efeito desejado. Freddie parou de
cuidar do cavalo e voltou-se para ela.
— Faremos o seguinte: entraremos na carroça. Você usará o manto para
se cobrir, e rezaremos aos céus para que não nos olhem com muita atenção.
— ele respondeu.
Sem mais delongas, Freddie colocou as mãos na cintura de Eve e a
levantou para o banco do condutor. Ele subiu ao lado dela e deu um estalo
no chicote.
Eve puxou o capuz do manto e cobriu a cabeça. Ao passarem pela
fileira de carruagens, ela desviou a cabeça para longe delas. Freddie deu um
estalo no pequeno chicote, e o cavalo aumentou o ritmo.
Ele virou a cabeça do cavalo para o norte, assim que saíram da
estalagem. A cerca de um quilômetro da aldeia, ele se virou para ela.
— Pode tirar o capuz agora. Estamos bem à frente na estrada, pode
relaxar. — ele disse.
Eve jogou o capuz para trás e o encarou. Quando ele se recusou a
encontrar o olhar dela, ela deu um soco forte no braço dele.
— Relaxar, ficou maluco? O que há para impedi-los de vir atrás de nós?
Estou certa de que eles sabem bem quem somos, e esta carroça não foi feita
com o intuito de ser veloz. O que vamos fazer? — ela o questionou.
Freddie puxou o cavalo e a carroça para a margem da estrada. Ele pulou
e amarrou o cavalo em uma árvore próxima.
Uma Eve enfurecida ainda se sentava na carroça, de braços cruzados.
Ele deu a volta no veículo e ergueu as mãos. Ela se recusou a aceitá-las.
Quando ele começou a rir, ela desejou poder bater nele com os punhos.
— Eles não virão atrás de nós. Prometo. — ele disse.
— E como sabe? Consegue ler as mentes de homens maus? O que
impediria Osmont Firebrace de vir ali por aquela curva e atirar em nós dois,
em plena luz do dia? — ela respondeu, irritada.
— Porque os homens com a carruagem estão a levando de volta para
Londres. Só os contratei, e a carruagem, por uma semana. Mais tempo e
perderei o meu depósito pela carruagem. O cavalo foi alugado por algumas
semanas a mais. — Freddie sustentou o olhar dela. — Ah, e quanto a
Osmont Firebrace, ele foi preso muito antes de qualquer outro, e está sendo
mantido em um local secreto, fora de Londres, junto de muitos outros. Os
demais membros do Conselho dos Bacharéis presumiram que essas pessoas
fugiram do país e tentaram segui-los. Os homens agora na Torre de Londres
foram apanhados tentando embarcar em navios com destino à Irlanda.
Uma raiva ardente e lenta começou a crescer no cérebro de Eve,
enquanto a mente processava o que ele havia dito.
— Agora, gostaria de descer da carroça para podermos conversar sobre
isso? — ele tentou mais uma vez.
Eve cerrou os punhos, desejando ter uma faca ou uma arma escondida
em algum lugar das saias. Ela afastou a mão oferecida por ele e pulou da
carroça.
Assim que os pés dela chegaram ao chão, ela girou e desferiu um soco
bem no meio do peito de Freddie.
— Seu desgraçado! Seu desgraçado maldito! Você mandou me
sequestrarem! — ela esbravejou. Ele havia orquestrado tudo.
Ela se afastou, o rugido de raiva em seus próprios ouvidos a deixando
surda às palavras dele. Por dois dias, ela temeu pela própria vida, o tempo
todo desesperada por não saber o que havia acontecido com Freddie. Dois
dias em que ele seguiu a carruagem, até decidir o momento oportuno de
resgatá-la.
Freddie a seguiu. Quando chegaram a um campo de grama plana e
verde, ela ganhou ritmo.
— Pare. Pare.
Ela rodopiou quando ele segurou firme no manto dela.
— Como pôde? Como pôde fazer isso comigo? Tem ideia do quanto eu
fiquei assustada? — ela desabafou.
O riso já havia desaparecido do rosto dele. Em seu lugar, uma seriedade
severa que ela nunca viu nele.
— Sim, sei que ficou assustada. Eu disse para você não vir a minha
casa, sabendo muito bem que você ignoraria minhas palavras de cautela.
Por que fiz isso? Fiz isso para forçá-la a entender.
— O quê? O que preciso entender?
Ele respirou fundo.
— Por todo o tempo desde que a conheci, você ultrapassa limites sem
olhar para trás. Persegue a emoção do escândalo e do perigo o tempo todo.
Você a cobiça. Eu dei exatamente o que você queria. Tirei sua virgindade
com você debruçada em uma mesa de cozinha, algo muito escandaloso
quanto acontece com uma mulher solteira da sua posição social. Então, eu
mostrei um perigo real ao sequestrá-la. Dei exatamente o que você queria,
Eve. — ele respondeu. Ele soltou o manto e não a seguiu, quando ela
caminhou ainda mais longe no campo.
Quando estava longe o suficiente dele, ela sentou-se na grama. A vista
para a carroça era muito parecida com a da estrada da Abadia Rosemount,
onde ela se sentou e liberou a raiva com seu cruel desgosto. Desta vez, era
Freddie, não a mãe dela, que estava no meio do campo imaginando o que
uma Eve furiosa faria a seguir.
Ela puxou uma folha de grama e sentou-se ali, enrolando-a entre os
dedos. Quando Freddie se aproximou e se sentou ao lado dela, ela o
ignorou.
Doía saber que ele causara dor nela mais uma vez. Que ele viu além,
distinguindo o jogo dela de subir, cada vez mais, o sarrafo desse flerte com
o escândalo.
O que mais doía era ele estar certo.
Ela gostava do perigo. Mesmo agora ela se via forçada a aceitar que a
paixão que esquentou seu sangue na noite anterior, foi exatamente o fato de
ter sido sequestrada. Em seus braços, ela havia se exaltado sabendo que
enganara a morte certa. O sexo em uma cama de estalagem a mudou na
alma.
— Odeio você. — ela disse.
— Também odeio você. Também odiei mentir, mas o fiz para você ver o
bom senso e parar de perseguir cegamente o perigo. Não me arrependo.
Precisa se perguntar, e se não tivesse sido um sequestro falso? Precisa
aprender a confiar que estou aqui para mantê-la segura, mas nisso você tem
um papel a desempenhar.
Ela estendeu a mão e segurou a mão dele. Foi um aperto suave,
oferecendo perdão tácito. Ele ganhou dela no próprio jogo. Estava na hora
de ela ceder.
— Agora, o que vai acontecer? — ela perguntou.
Se ele planejou tão bem o sequestro dela, então teria outros planos, sem
dúvida. Ela ainda estava brava para caramba com ele, mas fiel à própria
natureza, estava ansiosa para saber o que mais os esperava.
Ele se levantou e parou na frente dela. O coração dela começou a
acelerar, quando ele desceu com o joelho dobrado.
— Evelyn Saunders, eu te amo. Quero passar o resto da minha vida com
você. Quero que forjemos uma vida juntos sendo membros respeitáveis da
sociedade, mas permitindo-nos nos entregar, em particular, a tudo o que
incendeia nosso sangue. Dar-me-ia a maior honra e concordaria em ser
minha esposa?
Ela precisou dar crédito a ele. Ele tinha o dom do inesperado. Um
pedido de casamento em um campo no meio do nada não estava no
repertório imaginado por ela. Foi, claro, escandaloso. Ele não havia pedido
permissão ao pai dela. Eles não estavam nem perto de um cortejo formal.
Eles estavam, para todos os efeitos e parâmetros, fora dos limites do
comportamento aceitável aos olhos da Sociedade.
Foi perfeito.
— Sim.
Ele mexeu no bolso do casaco e tirou uma caixinha. Sentado ao lado
dela, ele segurou a mão dela e deslizou um anel em seu dedo.
Eve juntou as mãos e olhou para o anel. Ela viu a mãe usá-lo muitas
vezes. Já pertencera à Maria Alexandre, avó francesa de Eve. Freddie só
poderia tê-lo obtido de um lugar. Os pais dela sabiam onde ela estava, e
com quem. Eles deram a bênção aos dois.
— Ó, Freddie.
Ele colocou os braços ao redor dela e a segurou contra ele.
— Você não achou que eu faria sua família passar por um inferno só
para fazer uma proposta elaborada e fugirmos para nos casar, não é? —
disse ele.
Através do brilho das lágrimas, ela olhou para o anel reluzindo em seu
dedo. A avó perdeu o marido durante a Revolução Francesa e enfrentou
uma perigosa fuga para a segurança na Inglaterra.
— Seu pai acredita que este anel deveria ser seu. A mãe dele era uma
mulher corajosa e, embora tenha enfrentado perigos muito maiores do que
espero que você enfrente na vida, ele diz que seu coração é tão ousado
quanto o dela. — ele disse.
— Estou emocionada e tenho orgulho de ser a nova dona. Se eu pudesse
ter escolhido um anel para mim, seria este. Obrigada. — ela disse.
Seus lábios se encontraram, selando o acordo. O encontro logo ficou
mais acalorado e ela sentiu os dedos de Freddie começarem a trabalhar na
renda de seu vestido.
— Aqui? — ela murmurou.
— Sim, aqui. Farei amor com você no meio de um campo, e você vai
me tomar bem fundo e implorar para que eu a tome com força. Sabemos
quem somos, Eve, e nada vai mudar isso. — ele respondeu.
As palavras a fizeram morder o lábio inferior de expectativa. Quando
ele a beijou no pescoço, ela sabia ser impotente diante da necessidade dele
de adorar seu corpo mais uma vez.
Ela olhou para cima, para a posição do sol. Ele seguiu o olhar dela,
depois riu baixinho.
— Virei o cavalo para norte após sairmos da estalagem. Em dois dias,
atravessaremos a fronteira para a Escócia. Que melhor jeito de selar um
relacionamento escandaloso do que um casamento em uma Ferraria em
Gretna Green? Você e eu seremos o conto de advertência que todas as boas
mães contarão às filhas nesta próxima temporada.
Eve soltou o nó do manto e o deixou cair atrás dela na grama. Ela se
deitou e cumprimentou Freddie com um sorriso sensual enquanto ele se
erguia acima dela.
— Venha até mim, meu senhor. Mostre-me quantas travessuras pode
fazer agora que domou meu coração.
Epilogue
L ondres – 1818
Série
O Duque de Strathmore
Senhores de Londres
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O Duque de Strathmore
Senhores de Londres
Sasha Cottman, autora best-seller do USA Today, nasceu na Inglaterra mas cresceu na Austrália. Ter
o coração dividido entre dois lugares resultou num amor por viagens, que na última contagem estava
em 30 países. Sasha tem sempre um guia de viagem na sua pilha de livros novos para ler.
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Notes
26. CAPÍTULO VINTE E SEIS