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Um Casamento

Concebido em Escândalo

Resgatada da Ruína — Livro 9

Elisa Braden
SINOPSE

Procura-se: Uma condessa para o mais temido Lorde


em Londres

Com uma herança familiar contaminada por morte e


loucura, Phineas Brand, o Conde de Holstoke, está
enfrentando o diabo para garantir uma esposa apropriada –
ou até mesmo uma inapropriada. A sociedade finge desmaiar
ao vê-lo. As mães casamenteiras fogem para evitá-lo. Apenas
uma mulher é ousada o suficiente para continuar se
aproximado, e ela é um escândalo maior do que ele.

*Cuidado: os modos descarados de uma dama podem


levá-lo a ruína*

Lady Eugenia Huxley sabe tudo sobre como encalhar no


mercado de casamentos graças a um escândalo envolvendo
um lacaio e muita bebida. Não importa. Ela perseguirá de boa
vontade a chapelaria em vez do matrimônio. Mas quando o
pretendente rejeitado de sua irmã retorna a Londres em
busca de uma esposa, ela não consegue resistir a oferecer-lhe
conselhos sobre como cortejar, mesmo com o frio, brilhante e
honrado Lorde Holstoke lhe causando arrepios – arrepios
quentes, da cabeça aos pés que são nada além de temerosos.

* Perigo: Este encontro pode ser combustível


Após uma série de mortes cruéis trazendo suspeita à
porta de Holstoke, Eugenia arrisca tudo para ser seu álibi. A
única solução racional é casar-se com a atrevida antes que ele
arrume outro escândalo. Embora os perigos não acabem no
altar. Um inimigo venenoso se aproxima cada vez mais,
ameaçando a mulher que despertou a sua alma. Quão longe
ele irá para protegê-la? Este pode ser o maior perigo de todos.
PRÓLOGO

“O inverno também é bonito. Entretanto, é sensato manter


distância para que não encontre sua morte.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para Lady Berne em uma


prudente conversa sobre a Condessa de Holstoke.

07 de Janeiro, 1797
Castelo Primvale, Dorsetshire.

A geada, densa como a barba de um homem idoso,


cobria a longa estrada até o castelo. Uma rajada de vento fez
os cavalos atados à carruagem de seu pai abaixarem suas
cabeças. O vento fez Phineas fechar os olhos também, mas só
por um momento. As pontas de seus dedos ficaram
dormentes.
Seu pai alcançou o último degrau da escada do castelo e
caminhou ao longo do cascalho congelado. Eles rangiam sob
suas botas. Ele não parou para acariciar a cabeça de Phineas
como sempre fazia. Ele estava tão branco quanto a geada.
Lá dentro, Phineas estremeceu. O pai estava indo a Bath,
eles lhe contaram. Ele ia às águas. Phineas não entendeu.
Certamente os banhos em Primvale serviriam ao pai.
Provavelmente ele não tivesse que se afastar.
Então, o seu tutor, o Sr. Cox, mostrou-lhe um mapa e
explicou como as águas da cidade chamada Bath eram
benéficas àqueles que estavam doentes.
O pai estava muito doente. Ele mal reconhecia Phineas.
Um dos cavalos balançou a cabeça e sua crina espalhou
o gelo como uma nuvem.
Phineas manteve-se imóvel, as mãos nas costas do jeito
que vira o seu pai fazer. Outra rajada. Agora, os dedos de
seus pés também estavam dormentes.
Um dos lacaios segurou o cotovelo do pai, ajudando-o a
dar os últimos passos até a carruagem. O lacaio abriu a porta
e seu pai virou-se. Por um momento, seus olhos encontraram
Phineas. Os olhos do pai eram claros, como os de Phineas. Os
cabelos eras pretos, assim como os de Phineas. E, por
enquanto, o pai era alto e Phineas pequeno, mas sua
cuidadora, a Srta. Banfield, disse que cresceria tanto quanto
ele um dia.
Seu pai olhou-o e piscou. Gelados. Seus olhos não viam
Phineas. Eles não conheciam Phineas. Eles pareciam
confusos.
O lacaio ajudou seu pai a subir os degraus da
carruagem. Então, seu pai desapareceu e a porta foi fechada.
O lacaio assoprou suas mãos enluvadas antes de subir e
sentar-se com o cocheiro.
O cascalho congelado rangeu à medida que a carruagem
se movia.
Phineas não sentia mais as mãos.
— Venha, meu pequeno lorde. — Disse a Srta. Banfield
atrás dele. — Vamos encontrar um lugar agradável onde
possamos ter um biscoito e praticar matemática. O Sr. Cox
chegará em breve.
Phineas se afastou do lugar onde observava a carruagem
desaparecer. Foi muito cuidadoso em manter seu olhar
abaixado até vislumbrar as escadas do castelo. Um lampejo
de seda azul entrou em seu campo de visão. Azul como o céu.
Ele tentou não olhar. Rapidamente, piscou e focou nos
degraus. Mas ela entrou em sua visão. Quebrou sua
concentração.
Ele ergueu o rosto. Ela era como uma geada brilhante.
Cabelos loiros quase brancos presos no topo da cabeça. Um
rosto puramente branco muito mais bonito do que o da Srta.
Banfield ou qualquer pintura que ele já vira. Os olhos dela
combinavam com o vestido que ondulava a partir de sua
cintura e entrou em sua visão.
Phineas parou. Abaixou o olhar para os sapatos dela.
Eles eram dourados.
— Informe ao chefe da jardinagem que eu solicito os
planos dentro de uma hora. — Ela disse ao mordomo. — Um
minuto mais e ele encontrará uma nova posição.
A voz dela manteve Phineas preso no lugar enquanto
outra rajada de vento o atingia por trás. Era melhor que ela
não o notasse.
A saia flutuou e parou. Um sapato dourado parou no
primeiro degrau.
— Srta. Banfield. — A voz fria espetou.
— Sim, minha senhora.
— Mantenha a criança fora da minha vista.
— É-é claro. Como deseja, minha senhora.
A voz da Srta. Banfield tremeu do mesmo jeito que o
estômago de Phineas tremia sempre que sua mãe estava
perto.
Sapatos dourados subiram os degraus. A seda azul
desapareceu.
Phineas tentou não virar a cabeça, mas não conseguiu
evitar. A borda da fonte estava mais perto do que ele pensou e
roçou em seu braço, enquanto se afastava do lugar onde a
sua mãe havia estado.
Outra rajada. Gelo caiu sobre ele do topo da fonte. Não
deveria ter olhado para cima, mas ele o fez. Piscou, seu peito
começou a acelerar.
A cobra estava matando o pássaro. Suas presas estavam
na garganta do pássaro.
— Agora, meu pequeno lorde. Vamos dar a volta até a
entrada leste. Está muito frio para ficar aqui fora por mais
tempo. — A Srta. Banfield se afastou da fonte em direção à
lateral do castelo.
Phineas não conseguiu parar de olhar para o pássaro.
Ele não conseguia se mover. Apenas tremer.
— Elas não são nada além de pedra, pequenino. — Ele
ouviu em seu ouvido. Um xale envolveu os seus ombros. Ele
não conseguia mais sentir as pernas. — Venha, agora. Deve
tentar ficar escondido de sua senhoria, entende?
A Srta. Banfield apertou o xale ao redor dele e o
empurrou para frente. Ele tropeçou no começo, pois seus pés
e pernas estavam dormentes, mas ela empurrou suas costas e
logo eles entraram no castelo e então no quarto de criança,
onde o fogo aquecia a sala.
O Sr. Cox chegou assim que Phineas terminou o chá.
Seus dedos formigavam com o frio. Agora ele apenas se sentia
adormecido por dentro.
— Holstoke finalmente aceitou o meu conselho e foi pra
Bath? — O Sr. Cox perguntou em um meio sussurro. O tutor
de Phineas e a Srta. Banfield frequentemente sussurravam
um para o outro quando pensavam que ele não era capaz de
ouvi-los. Eles também se beijavam quando pensavam que ele
não podia ver. Phineas achava os beijos estranhos, assim não
lhe dava importância.
— Sua Senhoria tem estado tão doente. — Disse a Srta.
Banfield. — Rezo para que as águas o ajudem. A maioria das
vezes ele não reconhece nem ao próprio filho.
— Se ele morrer você deve procurar uma nova posição,
Frances. Prometa-me.
— Eu não posso deixar o garoto com ela. Não
conseguirei.
— Você deve pensar em si mesma. Até nos casarmos...
— Ele é um pequeno fantasma, George. Raramente fala.
Às vezes está na mesma sala que eu por uma hora ou mais e
nem o percebo. Ele se senta tão imóvel. Tudo piorará quando
Lorde Holstoke se for. O pai é tudo o que ele tem.
— Ele tem você e isso é algo muito pequeno.
— E você. — Ela falou.
Phineas pensou que talvez eles fosse se beijar agora. Ele
se levantou da cadeira da escrivaninha e foi até a janela. O
vento estava mais forte. Soprava gelo pelo ar em redemoinhos
brilhantes. Phineas gostava dos formatos. Ele traçou a linha
de gelo por cima da vidraça. O gelo se espalhava como galhos
folhosos.
Ele gostava da forma como o gelo e as árvores eram
parecidos. Ele gostava como as conchas e as flores também
eram parecidos. Coisas naturais tinham padrões e ele os
achava bonitos.
Não tão belos quanto a sua mãe. Mas, bonitos do mesmo
jeito.
— Quando Holstoke voltar, a menos que ele esteja muito
melhor, recomendarei que o menino seja enviado a Harrow. —
Murmurou o Sr. Cox.
— Ele é muito jovem.
— O intelecto não. Eu tenho ensinado garotos dez anos
mais velhos com menos capacidade. Ele me derrotou no
xadrez três dias atrás.
A Srta. Banfield suspirou.
— Eu queria... Queria que pudéssemos levá-lo conosco.
— Você sabe que não podemos. A escola fará bem a ele.
Estar rodeado de outros meninos. Ordem e tradição. Ele
gostará da rotina disso, eu espero.
Eles sussurram entre eles por mais algum tempo, mas
Phineas não quis escutar. Então, ele saiu da sala enquanto se
beijavam e foi à biblioteca. Era a sua sala preferida, o lugar
onde seu pai o ensinara a jogar xadrez. O lugar onde seu pai
escrevia cartas enquanto Phineas lia sobre como sementes
viravam trigo e ovos, galinha.
Agora, a sala escura era o que melhor recordava seu pai,
ele fechou a porta e se inclinou sobre ela.
Eles queriam enviá-lo para longe.
Ele sabia o que fizera de errado. Dentro do lugar
adormecido, aquilo floresceu como gelo. Exceto que não era
branco, mas preto.
Sua respiração estava muito rápida, então ele cobriu a
boca. Fechou os olhos. Ele tentou imaginar os padrões. Focar
neles até o gelo negro parar de se espalhar. Foi à estante e
selecionou um livro. Carregou-o até a escrivaninha de seu pai
e tirou papel da gaveta. Então pegou uma caneta e começou o
seu trabalho. Quadrados o ajudava a pensar, ajudava seu
peito a ficar mais leve.
Muito tempo depois, quando a janela ficou cinza, ele
piscou. Guardou a caneta. Espalhou areia sobre suas notas e
a assoprou.
Então juntou suas folhas em uma pilha e abriu a porta
da biblioteca.
— Diga de novo, Mary.
Ele parou. Congelou. Seu estômago doeu.
Um pequeno gemido.
— Eu... Eu deveria ter tomado mais cuidado com o
balde, minha senhora.
— De novo.
A criada repetiu as palavras. Sua mãe exigia que ela
dissesse que errou de novo e de novo. Phineas contou vinte
vezes antes que Lady Holstoke a deixasse ir. Mary estava
fungando então. Sua mãe parecia ter um sorriso estranho.
A escuridão cresceu dentro de Phineas. Ele lutou e
tentou fazê-la parar, mas os padrões não funcionaram desta
vez.
Ela não devia vê-lo. A Srta. Banfield o puniria, assim
como Mary fora. Pior, até. Ela podia ser mandada embora. Ele
fechou a porta cuidadosamente e ouviu. Ele mal podia ouvir
diante das batidas em seu peito.
Lady Holstoke se fora? Ele segurou a maçaneta. Virou-a.
Ela deslizou dentro de suas mãos. Finalmente ele abriu uma
fresta da porta lentamente.
O corredor estava vazio, ele pensou. Quieto.
Ele escorregou pela porta, agarrando seus papéis ao seu
peito que queimava. Foi quando ele avistou.
Seda da cor do céu. Suas costas estavam viradas para
ele, enquanto ela examinava alguma coisa em suas mãos. Um
livro de desenhos, ele pensou.
Não devo ser visto. Não devo ser visto. As palavras eram
entoadas em sua cabeça.
Sem respirar ele começou a recuar. O peito batia forte.
Observando a seda azul. Tremendo e tremendo.
Não devo ser visto. Não devo ser visto.
Ele correu. Virou uma esquina. Viu as grandes portas
abertas, enquanto um lacaio carregava um balde vazio para
dentro. Ele correu novamente, para o frio. Desceu as escadas.
O pássaro o encarava, coberto de gelo e sempre
morrendo.
Ele correu mais rápido. Mais rápido. Seus papéis
estavam úmidos agora, mas não adiantava.
Não devo ser visto.
As ondas ficaram mais altas à medida que o mar se
aproximava. O vento estava mais forte e o solo escorregadio
sob seus pés. Ele escorregou e agarrou-se à terra. Gramas
cobertas de gelo atingiram suas bochechas. Ainda assim ele
correu. Encontrou a margem. A trilha do penhasco era
íngreme. Se ele pudesse, a transformaria em escadas. Mas
não podia. Não até ser grande, como papai.
A trilha serpenteava pelo grande penhasco dourado e
branco de arenito e giz como uma grande cicatriz. O vento o
açoitou. Seus pés adormecidos escorregaram no chão
molhado, mas ele focou no próximo passo. Apoiou a mão
dormente na parede de pedra. Finalmente chegou ao fim,
onde as pedras descansavam sobre a areia macia.
Elas eram trituradas e amassadas embaixo de seus
sapatos enquanto ele rodeava a margem da praia até
encontrar o seu lugar: a grande pedra ao lado do grande arco.
Ele olhou de volta para a trilha. Viu apenas o alto
penhasco e nenhuma seda azul. Respirou e sentiu seus
papéis rasgarem em suas mãos. Ele os dobrou como folhas de
árvores. Então sentou-se, afundando-se nas pedras e na
areia. As ondas rolavam e rugiam, abrindo caminho pela
costa. O vento espalhou os seus papéis transformando tudo
em gelo, principalmente Phineas.
Ele se encostou à pedra. Abraçou os joelhos e balançou.
Tremendo. Tremendo. Tremendo.
O gelo negro aumentou. Ele focou em uma concha, o
padrão infinito.
O gelo negro aumentou. Ele se lembrou de seu pai, como
ele era antes da doença.
O gelo negro aumentou. Ele apoiou suas bochechas nos
joelhos.
Era por isso que eles deviam enviar Phineas para longe.
Os meninos não deveriam odiar a própria mãe. Os
meninos não deveriam desejar a morte dela.
A Srta. Banfield pensava que ele temia o pássaro ou a
cobra. Mas nos pesadelos de Phineas, ele era o pássaro. Ele
odiava a cobra com cada batida de seu coração negro. E em
vez da cobra afundar os dentes em sua garganta, ele partia a
cobra em pedaços e as jogava no mar.
Ele fechou os olhos bem apertados. O gelo negro estava
em todos os lugares, congelando até queimar. Chegou uma
hora, tudo adormeceu. Depois esquentou. Foi assim quando
ele decidiu que o gelo negro nunca partiria. Ele não conseguia
destruí-lo. Ele tentou. Mas ele podia congelá-lo.
Por trás dos olhos fechados ele imaginava quadrados.
Caixas para manter as coisas em ordem e compreensíveis.
Imaginou o gelo acumulado nas caixas. Imaginou as caixas
cheias de água e bem fechadas. Ele as congelou em sua
mente até o gelo negro que vivia dentro congelar, imóvel e
preso. Então, quando o gelo estava contido, ele imaginou os
quadrados pintados de branco como a fonte. Densa e
incrustada como a barba de um homem idoso.
Nada crescia enquanto estava congelado.
Nem mesmo isso.
Ele estava quente agora. Sonolento. Ele não conseguia
sentir nada, nem suas mãos, seus pés, suas bochechas ou
sua barriga. Alguns diriam que isso é desagradável, mas
Phineas flutuava enquanto o mar suspirava o seu nome.
— ...pequenino. Nós vamos lhe aquecer em breve...
Ele piscou. Alguém o carregava. Ele sentiu o cheiro de lã,
giz e mar.
— ...devemos levá-lo daqui, George.
— ...para Harrow. Enviarei uma mensagem para sua
senhoria imediatamente. Nós não podemos esperar o seu
retorno. Com você fora, eu não sei o que ela fará...
Phineas estava flutuando. Subindo a trilha. Para dentro
de uma névoa cinza e grama congelada. Embaixo dos galhos
de carvalho coberto de branco. Sobre o cascalho. Passando
pelo pássaro que morria. Sempre morria.
Mas não morreu. Congelou, talvez. Ferido.
A cobra pensou que havia vencido. Phineas descansou
sua bochecha contra a lã do Sr. Cox e sorriu.
A cobra estava errada.
CAPÍTULO 1

“A palavra ‘extraordinário’ pode ser levada de duas formas,


Eugenia. Uma implica temor. A outra implica que você cruzou
os limites da sociedade decente para reinos inexplorados.”

A Viúva Marquesa de Wallingham para Lady Eugenia Huxley


em resposta à afirmação da dita senhorita que turbantes
nunca deveriam ter menos de três penas.

7 de Maio, 1825
Chapelaria da Sra. Pritchard, Londres

— O que a possuiu? A Sra. Pritchard odeia flores


vermelhas. — As palavras flutuaram diretamente a Eugenia
Huxley em um sibilo baixo. — Ela lhe despedirá desta vez,
com certeza. E será tarde, se quer saber. — Junto com o odor
de dentes não limpos, o ódio da mulher formava uma névoa
desagradável na apertada sala de trabalho.
Genie espetou sua longa agulha através de sua mais
nova criação de palha leghorn1, lançou um olhar furioso para
sua colega e também assistente de chapelaria, Nancy Knox,
ou como Genie a apelidou, Fancy2 Nancy.
Uma apurada ponta de sarcasmo, certamente. As estacas
de cercas velhas tinham mais imaginação do que a Srta.
Knox.
Pegando uma pluma de avestruz roxa da cesta ao lado de
sua cadeira, Genie analisou os três chapéus terminados que
estavam em uma prateleira no fundo da sala. Um era tingindo
de índigo e adornado com as proibidas rosas vermelhas de
seda. Outro estava envolvido em damasco esmeralda e
decorado com cinco majestosas penas de pavão.
O terceiro era marrom.
Simples. Maçante. Marrom. Envolto em marrom escuro
ao redor da aba modesta e fitas de veludo pretas para
amarrar embaixo do queixo do usuário.
Se uma dama tivesse uma necessidade repentina de
meio luto, o trabalho manual de Fancy Nancy seria a
resposta.
Genie ergueu o queixo e enfiou uma pluma roxa dentro
da faixa de brocado. Virando o bonnet de um lado para o
outro, ela estalou a língua.
— Acho que precisa de mais cores. Ah, sim. Eu entendo
das coisas. — Ela se levantou para pegar uma tira de seda
vermelha. Com um sorriso enviesado para a Srta. Knox,
voltou a sua cadeira e começou a dobrar a fita em formato de
pétalas. Logo seus olhos recaíram sobre a tentativa
lamentável da outra mulher de fazer um chapéu amarelo.
— Renda? — Ela ofegou. — Sua ousadia choca todos os
meus sentidos Srta. Knox. Pois, quando se der conta, estará
brincando com bruxaria.
O olhar da Srta. Knox encheu-se de raiva. Pelo menos,
Genie pensou que fosse raiva. Os olhos de Fancy Nancy eram
castanhos e mortos – como barro, mas com um rancor
adicional.
Outro hálito fedorento flutuou em sua direção.
— Demissão. Marque as minhas palavras, sua
insolente...
A Sra. Pritchard entrou com o assobio da cortina listrada
que separava a sala de trabalho da frente da loja.
— A Sra. Herbert solicita cinco turbantes para amanhã
de manhã. — Ela disse, seu sorriso em desacordo com sua
expressão fechada e cabelo repuxado. — Sugiro que recupere
as plumas brancas, Srta. Huxley.
Muito antes de Genie chegar para atormentar sua
empregadora com flores vermelhas rebeldes, a Sra. Pritchard
já havia sido derrotada por sua própria mediocridade. A
chapeleira de cabelos cor de trigo sorria com frequência e ria
como uma garota tola do Almack's, mas sua amabilidade
dificilmente compensava o que lhe faltava: talento e
inteligência. Aos olhos de Genie, lábios apertados cabelos
penteados para trás e rugas de preocupação evidenciavam
duas décadas de tolice disfarçada. A Sra. Pritchard podia
sorrir como uma senhorita da sociedade em sua
apresentação, mas era uma chapeleira horrível.
Genie não tinha intenção de ter o mesmo destino.
— Vermelho escarlate, desta vez? — Ela brincou entre os
dentes. — Ou amarelo frésia?
O sorriso da Sra. Pritchard se apagou e seus lábios
franziram como se tivesse engolido uma colher de vinagre.
— Você os fará exatamente como ela prefere. — Um novo
sorriso emergiu, brilhante e falso. — Exatamente.
Genie segurou o olhar da mulher por um momento e
depois abaixou o olhar para a fita vermelha em suas mãos.
— Óbvio. Dourado com plumas brancas.
— Pluma, Srta. Huxley. — A resposta baixa e
contrariada. — Não repetirei. Acrescente duas como a última
vez e será o fim.
Será o fim.
Seu estômago encheu-se de chumbo frio.
Fancy Nancy estava certa. Genie estava prestes a ser
demitida. Dispensada por uma chapeleira a leste da Rua
Oxford. Uma que atendia matronas de classe média e
mesquinhas. Uma que contratara Fancy Nancy, entre todos
infelizes sem talentos em Londres. Uma que, na semana
passada, insistira para que as três tomassem chá enquanto
quatorze pedidos permaneciam inacabados.
Pois a Sra. Pritchard preferia coisas agradáveis.
Aparentemente, nada era mais agradável do que o chá no
meio de um dia de trabalho agitado, quando ia embora às
dezoito e não as vinte e duas horas. Não, trabalhar até altas
horas era para assistentes – assistentes mais novas para ser
precisa.
Genie examinou a expressão da Sra. Pritchard, avaliando
a sua seriedade. A touca era tão severa, suas sobrancelhas
castanhas arqueadas em permanente surpresa. Ou alarme.
Ou vigília. Genie nunca se decidira, mas elas aumentavam as
rugas na testa, o que provavelmente era o ponto.
O estômago de Genie ficou mais pesado à medida que o
vinco se formava entre as sobrancelhas da mulher.
— Seda dourada. Uma pluma branca. — Genie
murmurou, deixando a sua rosa vermelha de lado e puxando
uma pena branca do fundo da cesta. — Agora mesmo, Sra.
Pritchard.
O consentimento não era rendição, ela garantiu a si
mesma, mas um recuo tático. Ela precisava dessa posição.
Ela precisava aprender como gerenciar uma loja – ou como
não gerenciar, para ser específica. Precisava saber se ela
poderia fazer este trabalho e que sua vida não acabara.
A cortina balançou enquanto a Sra. Pritchard
desaparecia em direção à frente da loja, onde ela esperava o
menor número de clientes para cortejarem as criações
simples e maçantes de Fancy Nancy.
— Eu disse, não foi?
Genie respondeu à declaração da Srta. Knox com uma
provocação, que ela sabia que cairia em ouvidos que não
compreenderiam, o que apenas a tornava mais doce.
— Ah, sim. Uma profecia à altura de Macbeth. A bruxaria
combina com você, Srta. Knox.
Duas horas depois, após as duas mulheres terem partido
e a luz que atravessa a pequena janela ter diminuído a uma
névoa amarela, Genie se apressou a colocar uma única pluma
branca no seu quarto turbante. Tudo o que ela via quando
piscava era seda dourada, penas brancas e pequenos pontos.
Seus dedos doíam. Suas costas ardiam. Seu estômago
roncava.
E ela tinha ficado sem seda dourada.
Levantando-se, gemeu, esfregou a parte de baixo da
coluna e examinou seu trabalho.
Idêntico aos últimos três, era uma série elegantemente
arrumada em dobras de seda. Eles imploravam por uma faixa
de pérolas, talvez um cordão entrelaçado e, pelo menos, mais
duas plumas. Porém Genie queria que a profecia de Fancy
Nancy desse errado, eles eram exatamente como a Sra.
Herbert preferia. Ela suspirou e removeu o turbante do
suporte de chapéus antes de o colocar gentilmente em uma
prateleira junto aos outros três.
Voltando a mesa, ela procurou por pequenos pedaços de
seda dourada. Precisava de mais. Ela não as tinha.
Mas o marido da Sra. Pritchard tinha.
Droga.
Um fabricante de chapéus mais habilidoso e menos
agradável que a esposa, o Sr. Pritchard administrava a loja
adjacente, a Pritchard Chapéus Finos. O lugar atendia
clientes estritamente masculinos, mas chapéus masculinos
exigiam forros. E acontecia que ela sabia que o Sr. Pritchard
preferia a mesma seda dourada que a Sra. Herbert gostava.
Genie tamborilou a ponta de um dedo na mesa e outro
contra o lábio. Olhou para a porta que conectava as duas
salas de trabalho.
Ela não deveria, é claro. A Sra. Pritchard havia proibido
suas assistentes de pegar suprimentos emprestados com o Sr.
Pritchard. Mas ela também declarara: será o fim.
Genie entendia tal ameaça como uma permissão para
fazer o que fosse necessário.
Antes que pudesse pensar mais nisso, ela abriu uma
fresta da porta e espreitou lá dentro. Depois rolou os olhos e
pigarreou.
O jovem corpulento atualmente curvado sobre um livro
estremeceu. Os pés saíram da mesa e caíram sobre o chão
com um baque.
— O que tem aí, Sr. Moody? — Ela provocou.
As bochechas arredondadas ficaram vermelhas e um
sorriso acanhado abriu-se na direção dela por cima do ombro
de Lewis Moody.
— Apenas uma das minhas histórias, Srta. Huxley. —
Ele deixou o livro ao lado de seu suporte de chapéus. Uma
mão sardenta e gorducha acariciou a capa antes de se
levantar e lhe acenar timidamente.
— O que a traz em visita?
O Sr. Moody era o assistente do Sr. Pritchard e o
chapeleiro permitia que ele administrasse a loja nos finais da
tarde quando o movimento diminuía.
Ela lhe lançou seu melhor sorriso, o que fez a cor dele se
aprofundar, e apontou em direção ao rolo de seda dourada na
mesa atrás dele.
Ele deu a volta.
— Certo. A Sra. Herbert novamente, não?
— Cinco turbantes desta vez. — Ela balançou a cabeça e
estalou a língua.
— Idênticos ao da última vez?
Ela assentiu.
— Desconcertante.
Ela riu.
— Deus sabe o que ela faz com eles.
— Algumas pessoas favorecem coisas de um mesmo tipo.
Sim. Alguns faziam. Aqueles com falta de visão.
— Teria algum pedaço sobressalente de seda dourada? A
Sra. Herbert pediu que seus chapéus idênticos fossem
entregues prontamente.
O Sr. Moody riu e assentiu.
— Certamente. Fico feliz em dar-lhe o que quiser, Srta.
Huxley. Mais do que feliz.
O brilho nos olhos dele falava com o dobro de significado,
mas ela o ignorou, deu um tapinha no seu cotovelo enquanto
se apertava para passar por ele.
— Por isso que você é meu assistente do Sr. Pritchard
preferido. — Ela zombou. Os outros dois assistentes eram
mais azedos do que Fancy Nancy. Comparativamente, Lewis
Moody era positivamente arrojado.
Ao se abaixar para cortar a seda, ela pensou tê-lo ouvido
gemer, mas concluiu que era a porta da frente da loja do Sr.
Pritchard. Sinos soaram. Botas bateram.
— S-Srta. Huxley, eu devo lhe dizer. — O Sr. Moody
começou. — O quanto eu lhe admiro... isso é, quero dizer...
Ouvindo o tom dele – baixo e sério – as mãos de Genie
desaceleraram. Seu coração afundou.
Droga. Ela esperava que ele não fosse...
— Você acha que algum dia em breve, não hoje, lógico,
mas um dia, você poderia... comigo, quero dizer...talvez
possamos...
Uma distinta batida de salto de bota sob o piso de
madeira ecoou pela cortina.
Fingindo indiferença, Genie arrumou e alisou a seda
para cortá-la.
— Parece que você é requisitado, Sr. Moody. Não deve
demorar por minha causa.
Um suspiro.
— Certo. — O barulho de botas e o zunido da cortina
indicou sua saída.
Genie se endireitou e mordeu o lábio. Seus olhos
recaíram sobre o livro abandonado pelo Sr. Moody. Ivanhoé.
Sua segunda irmã mais velha, Jane, era uma leitora,
constantemente falando sobre esta ou aquela novela. Genie
raramente prestava muita atenção, mas até ela já ouvira falar
sobre o conto de aventura medieval de Sir. Walter Scott. Dada
a sina de Lewis Moody, ela imaginou que escapar ao passado
e se visualizar como o herói da história, era uma diversão
bem-vinda.
Droga. Ela gostava do Sr. Moody. Ele a lembrava um
pouco de Jane, para ser sincera. Tímida. De natureza boa.
Juntando cada centavo que sobrava para gastar na biblioteca
circulante.
Ele provavelmente se oporia à comparação. Jane era
uma mulher, afinal de contas – uma mãe de cinco filhos e
esposa do formidável Duque de Blackmore. Mas a não ser
isso, eles bem que poderiam ser gêmeos. Primos, pelo menos.
Genie devia dissuadir Lewis Moody de desenvolver um
carinho por ela. Ela gostava muito dele.
Com um suspiro, ela voltou a cortar a seda da Sra.
Herbert, esperando terminar antes que ele voltasse.
— ... sofreu tais danos, milorde? Se não se importa que
eu pergunte.
— Isso importa?
Genie franziu a testa, a tesoura meio aberta em sua mão.
Aquela voz. Segura. Fidalga. Baixa e impiedosa.
— Creio que não. Será a primeira coisa que farei a Vossa
Senhoria amanhã pela man...
— Por que não pode ser reparada agora?
Oh, sim. Ela reconhecia aquela voz. Fazia anos, mas ela
a conheceu imediatamente.
— O dano é... bem, há muito dano, não há? Nada que
não seja reparável, penso. Mas isso levaria uma hora ou mais.
— Esperarei.
— Perdão?
Silêncio.
Genie se lembrava deles também. Longos e curiosos
silêncios entre frases breves e seguras.
Lewis Moody pigarreou. Ela quase podia ouvir o jovem
ficar vermelho.
— Como desejar, sir. Eu quero dizer, milorde.
A cortina balançou. Como ela supôs, as bochechas do Sr.
Moody estavam vermelhas e suas mãos tremiam. Ele
gesticulou freneticamente em direção à porta com um chapéu
deformado. Parecia ter marca de dentes na aba.
— Você nunca vai acreditar nisso. — Ele sussurrou com
olhos arregalados. — É...
— O Conde de Holstoke. — Sim, ela acreditaria. Ele
quase foi seu cunhado.
— ... um conde, Srta. Huxley. Nunca falei com alguém da
nobreza antes. Nem "sequer um ''sim, sir'' ou ''desculpe-me,
sir", ou algo assim.
Na realidade, ele falou com alguém da nobreza em
inúmeras ocasiões. A filha de um conde, na verdade. Mas ele
não sabia disso e ela preferia manter os assuntos como
estavam.
— Bem. — Ele disse inclinando o chapéu destruído em
direção a sua mesa de trabalho. — Melhor fazer isso.
Ela assentiu, dobrando a seda dourada da Sra. Herbert e
se encolhendo para passar pelo Sr. Moody. No caminho para
a porta de conexão, uma onda de curiosidade subiu por sua
nuca.
— Ele escolheu esperar, pelo que entendi. — Ela falou.
— Hum? Oh, sim.
— Sujeito a ficar impaciente. — Ela tamborilou um dedo
sobre a seda. — Os nobres frequentemente ficam.
Uma pausa e um tilintar, quando uma das ferramentas
de Sr. Moody foi trocada por outra.
— Suponho que sim.
A onda de curiosidade se aprofundou. Mergulhou.
Exigiu.
— Eu o manterei ocupado por enquanto. — Ela
murmurou avançando em direção à cortina. — Darei tempo
para que você faça os reparos.
— Oh, não. Isso é, certamente você pode fazer como
quiser, Srta. Huxley, mas...
Ela já não escutava mais. Ela atravessou a cortina e
entrou na loja do Sr. Pritchard, onde poucas mulheres
colocavam os pés – mesmo a Sra. Pritchard.
Holstoke estava em pé de costa para ela, uma mão
segurando o pulso oposto atrás do corpo. Um feixe de luz
pálido iluminava uma mecha de cabelo preto cortado curto.
Ele era alto – uns quatro ou cinco centímetros acima de um
metro e oitenta. Ela se recordava de ter que esticar o pescoço
para falar com ele, apesar dos anos passados.
— Lorde Holstoke. Já faz uma era.
Seus ombros se retesaram. Estavam mais largos que
antes? Estavam, ela achou. Mais fortes também, como se
tanto os músculos como os ossos tivessem encorpado.
Ele inclinou a cabeça e começou a virar-se. Primeiro
vieram as bochechas, altas e proeminentes. Depois o nariz,
longo e reto. Finalmente os olhos.
Ah, os olhos. Como gelo verde, pálido e perspicazes. Ela
quase se esquecera como eles podiam fazer alguém
estremecer. Assustadores, uma de suas irmãs os chamava
assim. Outros os denominavam fantasmagórico. Genie
simplesmente pensava neles como um tom incomum de
verde.
Genie não tinha inclinação para poesia.
— Lady Eugenia. — Baixa e profunda, sua voz ressoava
como metal. Sem piscar, seus olhos deslizaram ao longo do
corpo dela, parando onde ela segurava a seda dourada antes
de retornar para o rosto. — Seis anos.
Ela passou pelo balcão em direção à janela, onde ele
estava tão imóvel e inexpressivo como ela recordava.
— São seis? Pensei que eram cinco.
— Seis.
— Não importa. É esplêndido vê-lo novamente. Minha
irmã mencionou que estaria na cidade para a temporada.
— Você tem quatro irmãs. Talvez pudesse ser mais
específica.
A boca dela curvou-se em um sorriso simpático.
— Lady Dunston, é claro.
Silêncio. E uma contemplação longa e verde.
Genie perdoou o momento de constrangimento. Uma
coisa natural, na verdade. Ele cortejara a sua irmã mais
velha, Maureen, ardentemente, antes de ter sua proposta de
casamento rejeitada em detrimento ao verdadeiro e único
amor de Maureen, Henry Thorpe, o Conde de Dunston.
Virando-se, Genie pôs a seda sobre o balcão e se
aproximou do homem que muitas vezes achou intimidante, se
não ameaçador. Suas feições tinham uma qualidade extra que
Maureen uma vez chamou de “acético”. Genie não estava
certa do que isso significava, mas as bochechas altas, nariz
afilado e a mandíbula magra elevada, aumentava o calafrio
causado por seus olhos estranhos e sem expressão. Além
disso, ele era alto. Elegante. Abastado. Um conde. E, a menos
que tenha mudado alguma coisa nos últimos seis anos, um
homem de intelecto impressionante.
Para todos os efeitos, Phineas Brand, o Conde de
Holstoke, era um partido esplêndido. Se ignorassem a sua
natureza peculiar.
A curiosidade – uma de suas fraquezas permanentes –
golpeou-a novamente. Mas ela não podia simplesmente
perguntar-lhe a questão que queimava em sua cabeça, assim
ela começou com uma mais fácil.
— O que aconteceu ao seu chapéu?
Ele examinou a loja vazia enquanto se perguntava como
ela chegara ali vindo de Bedlam3.
— Lady Randall.
— Lady Randall comeu o seu chapéu?
Ela dissera aquilo para fazê-lo rir. Ou sorrir, pelo menos.
Mas ela se esquecera de que ele raramente os fazia.
— Os cachorros dela.
Ela sorriu, deu uma risadinha e revirou os olhos.
— Diabinhos. Ela nunca consegue controlar os pugs.
Uma vergonha, de verdade. O seu era um chapéu realmente
muito elegante. Requintado.
Ele não respondeu.
— Então. — Ela continuou fingindo alegria. Na verdade,
a curiosidade a devorava, como um dos pugs de Lady Randall
em uma fatia de presunto. Ou com um chapéu muito
elegante. — Está na cidade. Após seis anos trabalhando em
seu castelo em Dorsetshire.
Olhando para baixo, para a sua manga de lã cinza, ele
respondeu secamente.
— Muito observadora.
— Oh, vamos. — Ela se aproximou. — Não banque o
recatado. Como vai a busca?
— Meu chapéu foi danificado há menos de uma hora. Eu
não procurei ainda por um novo.
— Você sabe muito bem o que eu quis dizer...
— Sim. — Ele disse suavemente. — Eu sei.
Qualquer outra mulher teria cautela no alerta da voz
dele. Genie nunca foi como as outras mulheres.
— Então? Conte-me. Nós fomos amigos um dia.
Uma luz forte iluminou o verde gelado.
— De certo modo. — Ela esclareceu.
Sua fisionomia continuou impassível.
— Muito bem, conhecidos. Minha família gosta de você,
Holstoke. Nós gostaríamos de saber que encontrou uma noiva
adequada.
— Nós?
Ela suspirou, admitindo seu ponto.
— Eu. Eu gostaria de saber.
— Por quê?
— Os assuntos ficaram...meio bagunçados.
Seu queixo endureceu e levantou-se.
— Muito pelo contrário. Lady Maureen virou Lady
Dunston. Os assuntos ficaram extraordinariamente claros.
Sim, ela acreditava que era verdade. E ele foi o ferido.
Genie havia odiado isso, pois Holstoke era um bom homem
que cortejara a sua irmã honradamente. Ele até mesmo
mostrara generosidade para as duas rebeldes irmãs mais
novas de Maureen, levando Genie e Kate com eles em várias
excursões, incluindo um adorável dia no Anfiteatro Astley.
— Independentemente. — Ela falou. — Gostaria de vê-lo
fazer um bom casamento. — Ela ergueu uma sobrancelha e o
olhou provocantemente por baixo dos cílios. — Uma dama
capaz de arrancar um sorriso desses lábios de vez em
quando.
Algo estranho brilhou nos olhos de Holstoke – mais
estranho do que o normal, isso era. Um tipo de fogo. Talvez
ele estivesse zangado.
Mais rápido do que uma piscada, seu olhar caiu sobre
sua boca e depois ergueu-se frio como sempre.
— Seis anos é um longo tempo. Apesar de nossa conexão
anterior, Lady Eugenia, minhas atuais circunstâncias não
precisam da preocupação...
Ela abandonou o fingimento.
— Sim, mas estou morrendo de curiosidade. Você deve
me contar.
O silêncio dele foi longo e explorador. Ela se perguntou
se ele estava se lembrando do tempo que ela astutamente o
aconselhou a usar um alfinete de esmeralda com sua cravat4
prateada, ou a vez em que ela deu uma risada de surpresa
dele ao saírem do Astley. Pelo que ela se recordava, ela havia
sido muito útil. Talvez ele tivesse pena dela e satisfizesse seus
desejos.
Após longos segundos, ele contou.
— Ainda não encontrei uma esposa adequada.
Assim como ela suspeitara. Ele havia encalhado no
mercado de casamentos. Nisso, pelo menos, ela podia ser útil.
O mercado de casamento provara-se águas revoltas para ela
também.
— Você não é desagradável. — Ela começou avaliando as
sobrancelhas pretas e os lábios apertados.
O comentário rendeu uma piscada.
— Mas também não é bonito. E até mesmo você deve
admitir ter uma natureza bastante peculiar.
Esse, gerou um pequeno franzir de cenho.
— Ainda assim. — Ela apoiou um cotovelo no pulso do
outro braço e tamborilou seus lábios com um dedo. —
Atraente de seu jeito. Maureen sem dúvida teria aceitado seu
pedido se ela não fosse louca por Dunston. Por todas as
razões, você deveria estar cercado de damas ansiosas por se
tornarem condessas.
Era verdade e ainda assim, ela sentia que isso o
desagradava bastante.
— O que está fazendo aqui? — Ele alfinetou, as primeiras
palavras e deslizou as restantes.
O dedo dela parou.
— Eu trabalho aqui. Na chapelaria feminina. Na porta
vizinha. Estou aqui para buscar seda pra uma cliente que
deseja adicionar uma coleção de turbantes idênticos à sua
coleção. — Ela balançou a cabeça e bufou. — Falando em
peculiar.
Olhos verdes calcularam e avaliaram como se ela fosse
uma equação complexa.
— Por quê?
— Exatamente minha pergunta. Ela faz parte de uma
sociedade secreta na qual turbantes dourados com uma única
pena são solicitados para entrar? Ou por um motivo mais
sinistro? Gosto horrível, talvez, mas se for verdade, ela deve
visar pela variedade pelo menos...
— Não. Por que você está trabalhando aqui?
Ela piscou.
— Onde mais eu deveria trabalhar?
— Eu pensaria que não devia trabalhar, Lady Eugenia.
Presumi que deveria estar casada por agora.
— Casada? — Ela gargalhou, balançando a cabeça.
Ele inclinou a cabeça como se ela tivesse feito uma
brincadeira que ele não entendeu.
— O escândalo? — Ela perguntou, suspirando quando
sua resposta foi outro olhar indecifrável. — Você não ficou
muito tempo, foi-se de Londres.
— Eu sei sobre o escândalo. Quaisquer que sejam suas
indiscrições, não deveria ser reduzida a — ele olhou ao redor
da pequena loja — isso. Você é a filha de um conde, por Deus.
— Minha patroa não sabe. Para ela, sou a Srta. Huxley,
recém-chegada de Nottinghamshire. Vim com excelentes
referências. — Seus lábios se curvaram. — Da Marquesa
Viúva de Wallingham, não menos.
— Notoriamente ridículo. Alguém deveria casar com você
e parar com esta besteira imediatamente.
Fungando, ela cruzou os braços sob o peito.
— Você e minha mãe concordam. E apesar dos esforços
dela, três anos depois, nenhum homem fez uma oferta. Noivas
desgraçadas estão em baixa, evidentemente.
— Vi a sua mãe algumas semanas atrás do lado de fora
do Almack’s. Ela não mencionou nada disso.
— Mamãe tem investido as suas esperanças em minha
irmã mais nova, Kate. De minha parte, simplesmente fico fora
de vista e tentando manter meus vapores escandalosos de
estragar a caça a um marido.
Novamente ele inclinou a cabeça.
— Você sempre fala tão descuidadamente?
— A sinceridade nos poupa de uma boa dose de conversa
sem sentido, não concorda? Quanto ao meu emprego é
melhor trabalhar aqui do que vagar pelo terreno de
Clumberwood Manor. — Ela fizera isso por, pelo menos, dois
anos. Parecia uma prisão.
Olhos em fendas perplexas obscureciam a ponte de seu
nariz longo e reto.
— Seu pai não pode estar muito feliz.
— Papai preferia que eu ficasse no campo, apodrecendo
como um roedor velho e esquecido em um canto dos
estábulos. Aqui, pelo menos eu aprenderei um ofício útil. É
mais do que a maioria das solteironas podem reivindicar.
— Fazer chapéus.
Ela se retesou diante da implicação no tom dele.
— Eu tenho talento para isso. Chapéus são elementos
integrantes de um traje elegante de uma senhora. Uma
verdadeira proclamação...
— Então você é uma chapeleira.
Ela fungou.
— Assistente. Assistente de chapeleira. — Diante da
sobrancelha erguida dele, ela endireitou os ombros e tentou
esquecer a garantia ameaçadora da Sra. Pritchard: será o fim.
— Apenas por enquanto, enquanto eu aprendo o ofício. — Ela
se esquivou. — Um dia, eu abrirei a minha própria loja.
— Os Huxleys não abrem lojas. Particularmente... — Os
olhos verdes caíram para o avental que cobria as saias e
depois para seu corpete azul desbotados.
Ela apoiou as mãos nos quadris.
— Bem, está aqui, irá.
Ele se moveu meros centímetros, seus olhares agora
desconcertantemente focado.
Diante da proximidade, ela sentiu uma dor em seu
pescoço uma respiração perturbadoramente curta. Ele era
mais alto do que ela previamente estimara. Talvez sete
centímetros acima de um e oitenta.
— Somando, suas irmãs mais velhas tiveram doze filhos.
Quatro. Definitivamente quatro centímetros. O homem
agigantava-se.
— Onde quer chegar?
— A reprodução dos Huxleys. Bastante. — Ele
murmurou as palavras para si mesmo, apesar de seus olhos
nunca a terem abandonado.
A diversão puxou seus lábios. Ele realmente era uma
pessoa muito peculiar.
— Algumas são.
— Mas não você?
A diversão ficou abalada e se dissolveu.
— A reprodução é melhor quando feita com um marido.
Ou assim tenho escutado.
— Melhor do que um lacaio. — Mais uma vez ele
murmurou as palavras para si mesmo como um cientista
intrigado com a estrutura de um inseto exótico, sem se
preocupar com os sentimentos do inseto sobre o assunto.
Um lacaio. Ela quis rir e chorar ao mesmo tempo,
sentindo os dois impulsos estremecerem em seu peito. Não,
um lacaio não poderia ser seu marido.
O escândalo devastou a sua família. Mamãe chorara por
semanas. Papai – bondoso, amoroso e bem-humorado papai –
não falou com Genie por uma quinzena. Finalmente, ao fazer,
ele tranquilamente lhe explicara que se ela quisesse que Kate
tivesse uma chance para uma união aceitável, deveria partir
de Londres e permanecer no campo até que o escândalo
diminuísse. Genie havia partido de Clumberwood no dia
seguinte.
Mesmo agora, algumas pessoas da sociedade ainda
fofocavam sobre ela com apelidos grosseiros e risadinhas
obscenas. Ela não se importava, desde que as crueldades não
atingissem Kate. Por isso Genie precisava de um emprego.
Precisava terminar os tolos turbantes dourados da Sra.
Herbert. Precisava suportar os sorrisos falsos e a alegria
afetada da Sra. Pritchard.
Sua família havia suportado por tempo demais o Grande
Fardo Genie.
— Bem. — Ela disse subitamente, erguendo a
sobrancelha para o homem, cujos olhos a alfinetavam como
uma rosa de seda em uma aba de palha. — Acredito que já
solucionamos o mistério de sua dificuldade no mercado de
casamento, Holstoke. Um pouco de sutileza pode ajudar.
Talvez até mesmo uma pitada de cortesia.
— Você não é sutil e nem cortês.
— Sim, mas quando sou franca, é ousado e charmoso.
Quando você é franco, é ofensivo e irritante.
— Isso é hipocrisia.
Ela deu de ombros.
— Chame isso do que quiser. Não criei as regras.
— A terceira lei de Newton de movimento é uma regra.
Sua declaração é uma afirmação.
— Uma afirmação correta. — Ela suspirou e estendeu a
mão para lhe dar uma palmadinha no cotovelo, ignorando
como ele se enrijeceu. — Escute com atenção, Holstoke, pois
essa é a única forma para ter sucesso entre as mães
casamenteiras. Você é estranho. E simplesmente não há
modo de contornar isso. Quanto menos falar, mais as damas
irão preencher as lacunas com suas próprias suposições.
Comece com um elogio educado. Pratique. Então, o que quer
que faça, não desvie de seu roteiro.
O olhar dele recaiu para o local onde as suas mãos
apoiavam em seu braço.
— Entre as minhas esquisitices deve estar o
esquecimento. — Olhos verdes pálidos ficaram estreitos e
faiscantes. — Não me recordo de pedir seus conselhos.
Ela se encolheu.
— Muito bem. Ignore-me então. Mas não reclame quando
tiver que retornar no próximo ano para dançar as mesmas
danças tediosas.
Erguendo a cabeça, ele inflou as narinas com desgosto.
— De verdade. — Ela falou com satisfação. — Nenhum
homem deseja entrar nesta exibição burlesca duas vezes. Ou,
no seu caso, três.
Ele passara sua primeira temporada cortejando
Maureen, é claro. Para um homem orgulhoso, a rejeição deve
ter cortado profundamente. Então vieram à tona as revelações
sobre a mãe dele. Pouco admirou-se de ele evitar Londres
naquela época. Mesmo seis anos depois, as brasas daquele
escândalo em particular ardiam em toda alta sociedade. Na
verdade, Genie apostava que a mãe maluca de Holstoke em
parte explicava porque ele ainda não encontrara uma esposa.
Lady Holstoke podia estar morta, mas ela foi uma assassina
em grande escala.
Dificilmente esse era um argumento para perpetuar a
linhagem.
— Minha família ajudará. — Ela lhe garantiu. — Mamãe
se deliciará com o desafio. Ela sempre gostou de você.
— Desnecessário. — Ele respondeu, sua testa retornando
a se aprofundar ainda mais do que antes. — Sou
perfeitamente capaz ...
— Obviamente é. — Ela tocou seu cotovelo novamente,
sorrindo. — Mas você não é uma mãe que lançou com
sucesso quatro filhas.
Ele abaixou a cabeça até ela sentir seu hálito sobre seu
nariz. Ele cheirava a menta e limões. Aqueles olhos pálidos
brilhavam dourados como o sol no fim do dia.
— Cinco.
Subitamente ela sentiu o que os outros sempre
reclamavam. Arrepios. Falta de ar. Ela engoliu em seco e
umedeceu os lábios.
— Eu fui um escândalo. Não posso ser incluída.
— Acho que pode.
Sua resposta foi interrompida por uma voz ameaçadora e
excessivamente agradável.
— Srta. Huxley, você deve retornar ao seu trabalho.
Agora.
O coração de Genie trovejou. Seu estômago se apertou.
Seus olhos se fecharam por um longo momento.
Droga. Droga, droga, droga. Ela estava certa de que a
Sra. Pritchard já tinha saído.
— C-Claro, Sra. Pritchard. — Recuando um passo, ela
dirigiu a Holstoke um sorriso hesitante e arrependido antes
de encarar a sua patroa. — Imediatamente.
A Sra. Pritchard estava ficando azeda novamente. Seus
lábios franzidos e narinas apertadas pareciam uma caricatura
com aquele penteado apertado.
— Eu espero que o pedido da Sra. Herbert esteja
completo até o período da manhã. — A chapeleira alfinetou.
— Está claro? — As palavras foram baixas, faladas enquanto
Genie recolhia a seda dourada e se encaminhava para a porta
da sala de trabalho.
Ela assentiu, não desejando antagonizar ainda mais com
a mulher.
— Fale, Srta. Huxley, assim eu posso saber se entendeu.
Genie estacou, suas saias roçando a cortina, os dedos
agarrando-se a seda.
Lá estava. A cobra sob uma fachada agradável. Aquela
que os outros não imaginavam existir.
Até que fossem mordidos.
Genie sempre soube. Uma mulher como a Sra. Pritchard
possuía competência o bastante, apenas para conduzir uma
iniciativa débil, e inteligência o suficiente para se ressentir
com aqueles que possuíam mais. Muito lentamente, a
chapeleira estava falhando, o fluxo de clientes reduzidos a um
pingo, sua loja era sustentada pelo marido. Pouco antes da
chegada de Genie, uma série de assistentes, ou tinham ido
embora ou foram demitidas. Ao ver o trabalho de Fancy
Nancy, Genie entendeu o motivo.
A Sra. Pritchard gostava das coisas simples e agradáveis.
Não gostava que lhe mostrassem que estava errada.
Inversamente, Genie preferia o progresso às amenidades.
Suas criações atraíram dúzias de novas clientes. Outra
chapeleira a teria visto como uma benção.
Ao invés disso, a Sra. Pritchard havia destinado a Genie
mais ordens como os cinco turbantes da Sra. Herbert e
sugerido que damas de mentes elegantes seriam melhores
servidas na Bond Street.
Bond Street. A ideia de rejeitar novas clientes de
imediato despertou a indignação de Genie, e ela redobrou os
esforços, usando o amor a coisas agradáveis da Sra.
Pritchard, contra ela. As rosas de seda vermelhas haviam sido
a última delas.
Genie sentira a corda da demissão mais de uma vez, mas
nunca como neste momento. Ela se endireitou e olhou no
rosto da outra mulher. A Sra. Pritchard não encontrou os
seus olhos, meio virada e totalmente contraída.
— Eu entendi. — Genie respondeu. — A Sra. Herbert terá
seus turbantes exatamente como ela os solicitou até o período
da manhã.
Um aceno agudo sinalizou o fim da conversa. A Sra.
Pritchard colou um falso sorriso no rosto e se aproximou de
Holstoke, que fez uma careta na direção de Genie.
Ele estava prestes a protestar. Talvez até mesmo
informar à Sra. Pritchard da posição de Genie. Ela sentiu isso
como uma tempestade no horizonte. Ela encontrou os olhos
dele por cima do ombro da mulher e balançou a cabeça,
implorando que ele ficasse em silêncio. Após um longo
momento, as narinas dele se dilataram e ele flexionou os
ombros como se a raiva estivesse se movendo contra a sua
força de vontade. Então, ele lhe assentiu levemente.
Ela sorriu e murmurou um ‘obrigada’, antes de se
apressar para atravessar a cortina. Desviando do olhar
arregalado do Sr. Moody, ela voltou ao seu local de trabalho.
Afundando-se na cadeira, fechou os olhos e sentiu a seda
entre seus dedos, a corda ao redor de seu pescoço. Droga,
droga, droga. Ela deveria ter ignorado Holstoke, reprimido sua
eterna curiosidade e se apressado para terminar a coleção de
turbantes tediosos da Sra. Herbert.
Mas então ela não o teria visto novamente e nem
descoberto sua luta no mercado casamenteiro e redescoberto
a estranha afinidade que sempre sentiu com a presença dele.
De alguma forma, ela o recompensaria, decidiu.
Espalhando a seda sobre a mesa e puxando uma pluma
branca de sua cesta aos seus pés. Isso pelo menos ela poderia
fazer. Ele manteria seu segredo, afinal. Isso ela sabia sem
duvidar.
Pois, mesmo quando ele não falava nada, o Conde de
Holstoke podia ser invocado para manter sua palavra.
CAPÍTULO 2

“Felizmente a riqueza importa mais do que a beleza. Ou do que


o encanto. Ou do que um olhar que faz uma dama congelar no
lugar. Não se desespere, meu rapaz. Com conselho inteligente,
poderá clamar vitória, apesar das muitas deficiências.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Conde de Holstoke


em uma carta expressando otimismo sobre a perspectiva
matrimonial dele.

Phineas Brand leu triunfo nas delicadas expressões de


sua irmã, um mero segundo antes de ela capturar seu bispo
com seu peão. Por um momento ele considerou deixá-la
ganhar, mas da última vez que ele fizera isso, Hannah
explicara com um cuidado devastador que, tratá-la como uma
criança não era bondoso, mas condescendente.
— Na minha vida, já suportei muito mais do que a perda
de um jogo, Phineas. — Ela dissera suavemente. — Reze,
permita-me a dignidade de uma briga justa. — Seus olhos
haviam estado frágeis como folhas congeladas.
Na realidade, ela suportara muito mais.
Indescritivelmente mais.
Ele não a deixara vencer desde então. Ele não pretendia
agora.
— Você tem certeza...
— Eu capturei o seu bispo. — Ela se vangloriou, uma
mecha preta roçou em seu queixo branco, quando ela
inclinou-se para frente de sua cadeira. Prepare-se para a
derrota.
Ele suspirou. Puxou o relógio do bolso do colete.
— Eu deveria ter saído.
— Não. Eu terei minha vitória finalmente.
A filha de seu pai era uma beleza: feições suaves e
marcantes com cabelos pretos como o céu noturno e olhos
iguais aos dele. Se ela não fosse uma bastarda, pretendentes
com títulos, sem dúvida, estariam inundando Holstoke House
neste exato momento, implorando a sua permissão para
casar-se com ela. Ela devia estar casada. Ela devia estar
jogando xadrez com um marido e não perdendo tempo com o
seu irmão todas as noites.
— Não me olhe desse jeito. — Ela falou, com sua natural
dignidade esvaindo, quando começou a suspeitar que sua
esperada vitória não estivesse de fato em mãos. — Phineas.
Eu venci. — Ela examinou o tabuleiro, suas sobrancelhas
finas e pretas se unindo em perplexidade. — Eu venci.
Gentilmente ele deslizou a sua torre para uma posição.
— Cheque.
— Mas...
Ele levantou-se, alongando o pescoço de ambos os lados.
Noites como aquela tendiam em terminar com uma dor de
cabeça.
— A festa de Lady Randall começou meia hora atrás. Se
eu esperar mais para chegar, ela pensará que eu sou
imperdoavelmente rude.
— Por que você deveria se preocupar com o que Lady
Randall pensa sobre você? Os cachorros dela comeram seu
chapéu.
De fato, o mais gordo dos setes pugs de Lady Randall
atacara sem hesitação. Phineas estava parado do lado de fora
do boticário na Oxford Street, discutindo sobre a aplicação
apropriada de enxertos com Lorde Gilforth, que havia
recusado a sua entrada na Sociedade de Horticultura de
Londres. A matilha fugitiva de pugs de Lady Randall passou
trotando, imediatamente entrelaçando suas coleiras longas e
soltas ao redor dos tornozelos dele e de Gilforth. Enquanto os
gritos de Lady Randall ecoavam ao longo da rua, Gilforth caiu
e Phineas girou para evitar ser puxado para ele e seu melhor
chapéu rolou uns três centímetros pelo paralelepípedo. A
pequena besta estrábica agarrou o chapéu ‘elegante de castor’
entre seus dentes, balançou-o furiosamente, babou, roeu,
rosnou, grunhiu e então saiu correndo e arrastando o topo do
chapéu ao longo do pavimento. Felizmente, a circunferência
do cão o fazia se arrastar de maneira semelhante, reduzindo o
seu ritmo consideravelmente. Phineas recuperou o seu
chapéu com alguns passos, mas não antes de ser causado
muitos danos.
Lady Randall primeiro havia ficado mortificada com o
mau comportamento de seu cachorro, depois ficou
horrorizada quando percebeu de quem era o chapéu que seu
‘amado Dicky’ havia roubado. Ao reconhecer Phineas, suas
desculpas cessaram, sua boca parecia a de um peixe. O rosto
ficou sem cor. Finalmente, ela fez um convite relutante para a
festa desta noite.
Ele presumiu que a oferta havia sido uma compensação
por seu inconveniente. Ela provavelmente esperava que ele
recusasse. Ele provavelmente deveria. Mas ofertas como a
dela eram raras, pelo menos para ele.
Os poucos convites que Phineas havia recebido no
começo da temporada eram, a maioria, por curiosidade. Com
o tempo, até eles evaporaram. Poucas anfitriãs desejavam o
filho da Envenenadora de Primvale em suas mesas.
Compreensível. Entre as vítimas de sua mãe haviam alguns
membros da alta sociedade.
Abaixando o olhar para os olhos de Hannah –
ligeiramente inclinados, pálidos e sérios, tão parecidos com o
dele e do pai deles – ele desejou pela milésima vez ter sido
aquele a remover a sua mãe deste mundo. Mas ele não
percebeu a profundidade da maldade de Lady Holstoke até
que fosse tarde demais.
Até sua irmã frágil e inocente ter sido atormentada.
Caçada. Forçada a se defender sozinha de uma forma que
havia acrescentado cicatrizes.
Deus. Ele virou-se e se encaminhou até a porta, uma
indesejável maré negra subindo para sufocá-lo.
— Não devo demorar a voltar. — Ele disse, esforçando-se
para manter a voz firme.
— Phineas.
Ele abriu a porta, a maçaneta rangendo sob a pressão de
seu pulso.
— Não espere por mim.
Ela o seguiu pelo corredor.
— Phineas. — Sua voz gentil era um apelo. Ele diminuiu
o passo.
— Por que está se colocando neste absurdo?
Por você, ele pensou. Ele não poderia dizer isso. Ela
ficaria magoada. Ela desaprovaria, indicando que ele nunca
devia fazer sacrifícios por ela. Mas, na verdade, ele estava
‘participando daquela dança tediosa’ como Lady Eugenia
havia colocado, pelo bem de Hannah. Para mostrar-lhe que
poderia ser feito.
Dez anos da vida de Hannah haviam sido um horror,
presa por um doido chamado Horatio Syder que usara a
garota jovem e inocente como uma barganha barata contra a
mãe de Phineas. Isto tornara a sua irmã amarga em relação
aos homens, receosa em estar sob o controle deles. Ela
confiava em Phineas, é claro, mas era pouco. Ele ficara
animado com a melhora dela desde que eles descobriram a
existência um do outro seis anos atrás. Pesadelos constantes,
semanas de silêncio, saltos temerosos diante do menor ruído
– tudo diminuíra tanto quanto em severidade quanto em
frequência. Apenas na última semana, ao avaliar sua velha
bengala, ela ficara sentada em silêncio, calmamente
balançando a sua xícara de chá. Um ano atrás ela teria ficado
pálida e fugido para o seu quarto.
Hannah estava se curando. Ainda assim, apesar de seus
vinte e dois anos, ela se recusava a considerar o casamento.
Como seu irmão, ele devia vê-la feliz. Ela merecia saber o
significado de ter uma família. Merecia saber que o casamento
não era uma armadilha, esperando para agarrar sua carne.
Não importa o quanto ele tenha tentado, fora incapaz de
explicar que essas coisas a satisfariam.
Não, ele precisava de uma esposa – uma mulher
apropriada e respeitável para formar uma família apropriada e
respeitável. A razão pela qual ele continuava insistindo no
mercado casamenteiro, apesar da ampla evidência de não ser
bem-vindo.
Ele suavizou a voz.
— Chegou a hora de me casar, pequena. Você sabe disso.
Seu nariz inflou de irritação.
— Eles são cruéis com você. Você. Após tudo o que fez
para acertar as coisas.
— Eles me temem. — Ele suspirou, esfregando a dor
embaixo de sua têmpora direita. — Reações razoáveis dado...
— Fique. Vamos terminar a nossa partida.
Ele olhou para o tabuleiro e ergueu uma sobrancelha
ironicamente.
— Nossa partida está acabada.
Ela franziu o cenho.
— Eu ainda posso vencer.
— Apenas se eu sofrer uma apoplexia e perder meus
sentidos.
— Sou uma excelente jogadora, você sabe.
— Ou as regras foram alteradas para que o roque seja
permitido quando seu rei esteja em xeque. De fato, alguém
ainda deve assumir a apoplexia.
— Nem mesmo fale coisas deste tipo.
— Infelizmente, não é provável que os cenários já
mencionados ocorram. Portanto, nossa partida está
concluída. Estude o tabuleiro. Você verá.
— Fique.
Ele se abaixou para beijar sua bochecha, tomando
cuidado para mover-se lentamente e manter o contato breve.
Hannah ainda se retraia ao ser tocada.
— Devo retornar em algumas horas.
Gentilmente ele se afastou, percorrendo toda a extensão
do corredor até a escada principal.
— Eu sou uma excelente jogadora, Phineas. — Ela gritou
às suas costas. — Um dia eu serei até melhor do que você.
Meia hora depois ele entrava na sala de Lady Randall
com uma cabeça latejando e uma forte sensação de desgraça.
A sala fervilhava com sedas brilhantes e sobretudos escuros.
Senhoritas ricas com pele como leite murmuravam em tons
baixos, lançando olhares temerosos por trás de seus leques.
Como um cardume, mães e acompanhantes agarravam suas
protegidas e as guiava para longe de onde ele estava, perto do
arco da sala de música. Atrás dele, duas damas performavam
um dueto no piano forte e harpa. Cada nota lançava adagas
através de sua têmpora direita.
Esta noite seria abominável.
Ainda assim, não era o pior que ele já suportara.
— Espera-se que tenha um plano melhor do que congelar
a todos eles com seu olhar de gelo. — A sonora voz feminina,
rouca por causa da idade, aproximou-se vinda da sala de
música. A pequena dona de cabelos brancos parou a seu lado
esquerdo.
Ele olhou para baixo. Muitos a chamavam de dragão.
Para ele, ela sempre parecera um pássaro. Não delicados
pintassilgos ou carriças, apesar do tamanho. Não, ela era um
falcão. Ave de rapina. Uma espécie conhecida por suas fêmeas
ousadas.
— Lady Wallingham.
— Lorde Holstoke. — Ela ergueu seu monóculo em
direção a um olho esmeralda afiado. — Você não respondeu
as minhas cartas.
Voltando o rosto para as pessoas, ele percebeu Lady
Randall tranquilizando uma de suas convidadas, enquanto a
mulher lhe lançava olhares furtivos.
— Não.
Uma fungada a seu lado.
— Nunca o considerei por um tipo idiota. Louco, talvez.
Peculiar, com certeza.
Ele optou pelo silêncio. Não ajudou.
— O que mais alguém pode concluir? — Sua voz era
como um alfinete. — Você recusa a minha ajuda quando ela é
mais do desesperadamente necessária. A idiotice é
hereditária, sabia?
— Meu pai não era um idiota. Ele foi envenenado.
— Sim. Por sua mãe. — A viúva mudou de posição,
erguendo seu monóculo novamente para observar a
aglomeração. Um círculo vazio os envolvia como se ele fosse
uma erva daninha conhecido por causar brotoejas nas jovens
damas. — Você considerou sua caça a esposa na Escócia?
Talvez as notícias sobre a sua ascendência desafortunada
tenha parado na Muralha Romana.
O latejar em sua têmpora aumentou.
— Estive em Edimburgo no começo deste ano.
— Ah. As muralhas não são o que costumavam ser a
Irlanda? Nada além de ovelhas e chuva, mas alguém será
obrigado a encontrar um estoque de esposas mais dóceis que
na Escócia.
Ele esfregou a dor amarga de seu olho direito.
— Lady Wallingham, seu conselho é... — Ele queria
continuar. Pretendia fazê-lo.
Mas não foi capaz. Pois, naquele momento, uma risada
que ele não escutava em seis anos alcançou os seus ouvidos.
Alegre e poderosa, abrangia toda o salão cheio de foliões e
cacofonia musical. Era uma ponte de seis anos e uma vida
inteira de distância.
Maureen. Imediatamente ele reconheceu.
Ele a encontrou parada perto das cortinas azuis de uma
janela distante. Cabelos castanhos dourados caíam em
cachos de curvas perfeitas ao redor de seu doce rosto. Estava
mais velha, lógico, suas bochechas um pouco mais cheias,
mas tão adorável quanto ele lembrava. Radiante e corada, ela
acariciava levemente o braço de seu esguio acompanhante.
O homem vestia um casaco preto, colete escarlate e uma
expressão extasiada.
Phineas o observou acariciar as costas de Maureen e
sorrir para ela com desejo e posse.
— Dunston se recusa a abandonar sua inclinação por
coletes ridículos. Eu lhe disse que um pai de cinco filhos
deveria ter mais dignidade.
Ele franziu a testa.
— Cinco? — Eram quatro. Maureen tinha quatro filhos.
— Talvez devesse ter lido as minhas cartas.
O olhar de Phineas voou para onde uma seda em tons de
sol fluía sobre o ventre de Maureen. Estava mais arredondado
ali? Ele olhou para o rosto. Brilhava. Iluminado pelo homem
com quem se casara.
Após recusar casar-se com Phineas.
— Aposto que uns três meses. — A idosa ao seu lado
vasculhou o salão com seu monóculo. — É claro, você saberia
disso se não estivesse sofrendo de excesso de tolice.
A enorme pluma posicionada no topo do turbante da
velha senhora roçou seu queixo. Ele a afastou e pigarreou.
— Eu li as suas cartas. — Ele falou. Ele lera. Todas as
dezessete. Ela não fizera menção a Maureen esperar outra
criança. Ele teria recordado.
— E ainda assim não me respondeu. Como nós vamos
solucionar seu problema fora de controle se não se engajar,
querido rapaz?
Ele não tinha resposta, pois ele não entendia o interesse
dela. Lady Wallingham era uma pessoa intrometida, verdade.
Mas não tinha nenhuma conexão particular com ele.
Acontecia que era amiga íntima da mãe de Maureen, Lady
Berne, então, talvez, isso explicasse seu foco implacável sobre
as perspectivas matrimoniais de Phineas. De qualquer forma,
era uma razão confusa.
Lembrando-se das outras mulheres que recentemente
lhe ofereceram conselhos não solicitados, ele quase
estremeceu. Ele era tópico de discussão na mesa de jantar
dos Huxleys? Eles se divertiam ao debater suas perspectivas e
lamentando suas falhas?
Bom Deus, que pesadelo. O pensamento de Lady Berne,
Lady Wallingham e Lady Eugenia com pena dele entre
cordeiro e mandioquinha, era o bastante para deixar seu
sangue gelado. Imaginar Maureen participar da conversa fez
sua cabeça latejar com fervor renovado.
Para ser justo, Lady Eugenia foi diferente. Ele estava
condenado se conseguisse entender isso. A presunção da
mulher era quase igual à de Lady Wallingham, porém a viúva
o irritava mais.
Eugenia Huxley há muito o tratava com um
desconcertante grau de familiaridade, como se eles se
conhecessem desde o berço. Não era o caso. Ela tinha
dezesseis anos e ele vinte e sete quando começou a cortejar a
Maureen. Enquanto Maureen havia afetuosamente a
chamado de “pirralha” ele não achara a sua natureza ousada
e direta tão exasperante quanto a curiosidade. Ele nunca
conheceu outra mulher como ela.
O franzido em sua testa se aprofundou ao recordar o
encontro deles na loja de chapéu. O escândalo havia cobrado
o seu preço. As bochechas dela estavam mais magras, sua
mandíbula ganhou uma definição delicada. Os olhos
adquiriram novas sombras. Por um momento ele não a
reconheceu. Talvez tenha sido o contexto. Ela estava
trabalhando. Em uma loja de chapéus. No fim da Oxford
Street, local que a maioria das damas com posição evitavam.
Além do mais, ela trabalhava para uma harpia que mal podia
pesquisar por causa da rigidez do cabelo e, ao contrário da
Eugenia que ele lembrava, ela silenciosamente o implorou
para deixar que a harpia a tratasse como uma criada.
Maldito ultraje.
Claro, nem todas as mudanças que ele observara foram
para pior. Os olhos de Eugenia brilhavam com o mesmo
humor desafiante, embora no fundo deles, estavam mais
seguros do que ele teria previsto. Sua inteligência estava mais
afiada, irônica e sem remorsos. Suas mãos estavam mais
elegantes. Mais...femininas.
Seus seios estavam mais cheios, também. Redondos. Um
contraponto atraente aos seus quadris. Ele não deveria ter
notado, mas era homem e não era cego.
Ainda assim, suas circunstâncias haviam deteriorado
abominavelmente e isso o irritava como um espinho dentro da
bota. Exatamente porquê, ele não sabia. Talvez ele devesse
falar com Lady Berne. Alguma coisa deveria ser feita. A filha
de um conde não deveria ser tratada com tanta
condescendência.
— E sobre a Srta. Froom? — A voz estalada de Lady
Wallingham penetrou em seus pensamentos, aumentando
sua dor de cabeça.
— Quem?
A pluma dela balançou em direção à tigela de ponche.
— A roliça, ali. Parece um canário.
Ele piscou. Olhou. A Srta. Froom realmente parecia um
canário. Vestido amarelo. Nariz curto e pontudo. Olhos
pequenos e escuros.
— O que tem ela?
Um estalar de língua de impaciência.
— Você já se incomodou em aproximar-se...
— Sim.
— E?
Ele olhou para baixo, em direção a diminuta viúva.
— Ela desmaiou quando eu lhe disse “boa noite”.
— Bah! Você se entrega muito fácil.
— Então gritou por sua mãe ao despertar.
Uma fungada.
— A jovem é propensa a dramas.
— A mãe dela, do mesmo modo, gritou e desmaiou em
seguida. Acredito que o padrão teria continuado se eu tivesse
insistido com as saudações.
Um olhar esmeralda estreitou-se sobre ele.
— Humph. — Voltando a escrutinar a multidão, Lady
Wallingham e seu monóculo avistaram outra candidata.
— Ah, sim. Lady Theodosia. — Ela acenou em direção a
uma mulher magra cujos cotovelos poderiam afiar facas. De
fato, o seu queixo poderia fazer o mesmo. — Vinte e oito anos.
Para ficar na prateleira ela antes teria que ser removida do
sótão. Realmente uma desesperada...
Ele suspirou.
— Por insistência do pai dela, nós demos uma volta no
parque.
— Promissor. Continue.
— Ela passou todo o interlúdio em silêncio.
— Alguns homens aprecia uma mulher quieta.
— Sim.
— Você a convidou para dançar?
— Não.
— Por que não?
— O mordomo dela transmitiu seu pedido de que eu não
fizesse mais propostas. Aparentemente, Lady Theodosia está
apaixonada por Lorde Muggeridge.
Sobrancelhas brancas caíram sobre o verde intenso.
— Muggeridge? Ele está crivado pela gota e se afundando
em dívidas. Bons céus, ela enlouqueceu?
— Não. — Ele respondeu distraidamente. — Temerosa.
Deixando sua atenção vagar através do salão até a
mulher com quem uma vez pensou em se casar, ele parou.
Por que ele nunca percebeu a falta de semelhanças entre ela e
Lady Eugenia? Elas era Huxleys, então naturalmente, eram
curvilíneas e pequenas com cabelos e olhos em tons de
castanho. Mas as duas irmãs deviam vir de ramos de lados
opostos da mesma árvore. O nariz de Maureen era mais curto
e arredondado como o de Lady Berne. O de Eugenia era fino e
reto como o do pai. Os olhos de Maureen eram redondos
também. Os de Eugenia eram parecidos com o de um gato –
travesso e rico. E enquanto os cabelos de Maureen era,
castanhos claros, os de Eugenia eram da cor de mogno polido.
Um tom incomum. Escuro e profundo. Lustroso e sedoso.
— Moças covardes. — Lady Wallingham escarneceu. —
Dada a histeria delas diante de alguns assassinatos, alguém
poderia supor que condes de bolsos cheios são tão numerosos
quanto os pelos das orelhas de Lorde Muggeridge.
Como ele desprezava o mercado de casamentos. Cada
pedaço calculado. Mesmo se as matronas e suas pupilas
tivessem clamado sua atenção em vez de fugir dele, ainda
assim ele teria uma maldita dor de cabeça. Apenas uma
pessoa parecia ter entendido a sua posição e ela foi enviada
para trabalhar em uma loja de chapéus onde era tratada pior
do que uma copeira.
Ele olhou para a marquesa viúva de Wallingham.
— Se está tão ansiosa para exercer sua influência em
favor de alguém, talvez pudesse começar com Eugenia
Huxley.
O monóculo lentamente abaixou-se. Uma sobrancelha
branca se levantou.
— Lady Eugenia fez sua cama. Ao lado de um lacaio, não
menos.
— Ela é uma criada.
— Sim. Para desespero da mãe dela, asseguro-lhe.
— Você é uma das mais influentes...
— Sou a maior influência, Lorde Holstoke. Não se engane
com isso.
Verdade. Lady Wallingham exercia um poder
surpreendente na alta sociedade. O bastante para afastar
opiniões da ponta de um pêndulo para outro. O bastante para
diminuir um escândalo envolvendo a filha de um conde e um
lacaio, se ela escolhesse fazê-lo.
— Você deveria ajudá-la.
Um olhar avaliador se aguçou. Brilhou.
— Eu fiz. Eu lhe dei uma referência, não dei?
Ele esperou.
— A garota foi pega com um lacaio no lugar de suas
saias. — Ela alfinetou.
O estômago dele se apertou. Ele não havia imaginado
Eugenia dessa forma. Talvez porque ela era a irmã de
Maureen. Talvez porque ele a conheceu desde que ela era
uma garota de dezesseis anos. Talvez porque ele admirava a
sua família – o bastante para querer algo similar para si
mesmo. Independentemente disso. Ele agora tinha uma dor
no estômago para rivalizar com a dor de cabeça.
— O incidente foi testemunhado por duas patrocinadoras
do Almack’s, dois lordes fofoqueiros e Lady Gattingford para
terminar. — A viúva prosseguiu. — Garota tola. Ela nem
mesmo teve a decência de divertir-se com o próprio lacaio, em
vez disso, escolheu um dos de Lorde Reedham. O próprio
Deus não poderia tê-la poupado, meu querido rapaz. Eu fiz o
que pude.
— Não o suficiente. — Suas palavras eram baixas e frias.
O olhar de Lady Wallingham ficou mais calculador.
— Nós estamos discutindo suas perspectivas, não as
dela. E enquanto as suas são escassas, as dela são
inexistentes. — O monóculo voltou a sua função. — Agora,
então. Certamente as águas em que lançou seu anzol é
esparsa, Holstoke. Jogue sua isca com algo mais desejável do
que chouriço estragado ou mova-se em direção a peixes mais
lentos.
Ele vasculhou as pessoas. Poderia alegar sede, supôs.
Escapar até a bacia de ponche. Cumprimentar a Srta. Froom
novamente e assisti-la desmaiar como um canário abatido.
— Deveria ir embora. — Ele murmurou a si mesmo, seus
dedos esfregaram suas têmporas.
— Viúva.
— O que?
— Um suprimento de candidatas mais maduras provará
ser menos arisca, ouso dizer.
Hannah estava certa. Ele poderia ter ficado jogando a
partida de xadrez. Ido à cama. Acordar cedo para cavalgar.
Comprar um novo chapéu.
Ele poderia ter evitado cada palavra daquela conversa.
— Você sabe, meu filho casou-se com uma viúva.
Disseram que ela era estéril, mas Charles se parece com o pai
em muitos aspectos. — A idosa deu uma risadinha. — Já
mencionei que tenho três netos? Três, Holstoke. — A pluma
dela roçou seu queixo enquanto ela virava seu monóculo para
o canto mais distante do salão, onde uma mulher robusta,
vestido preto e ruiva com mãos massivas, estava conversando
com a sobrinha de Lorde Randall. — Ah, sim. A Sra.
Steventon. Dentuça, talvez.
Ele esfregou os olhos com seu polegar e indicador.
— Ela recentemente enterrou o sexto marido.
— Precisamente. Uma história de mortes inesperadas
não a fará correr atrás dos sais aromáticos, não é?
— Ela está de luto.
— Tecnicamente. Onde outros homens hesitam, um
inteligente encontra a sua vantagem.
Sim, ir embora era a melhor ideia que ele teve o dia todo.
Ele girou em direção à sala de música, inclinando a cabeça
em direção à sua companhia não desejada. — Temo que devo
desejar-lhe uma boa noite, Lady Wallingham.
Dez passos depois, o ‘humph’ da viúva o seguia enquanto
ele atravessa o arco e ouve uma voz doce, que uma vez
imaginou que o acordaria todas as manhãs. Isso o deteve
como cordas o faria.
— Holstoke? É você?
A fragrância dela estava diferente, embora ainda
misturada com baunilha.
— Lady Dunston. — Ele falou escolhendo olhar
brevemente antes de dar meia volta.
Ela o olhou com um sorriso crescente, caloroso e
afetuoso, suas covinhas totalmente à mostra.
— É você. Oh, que esplêndido. Hannah me visitou várias
vezes, mas estava começando a ficar desesperada para vê-lo
antes que Henry e eu voltássemos a Fairdield. — Ela inclinou
a cabeça. — Como tem estado?
Além de ser a mais bonita das irmãs Huxley, Maureen
também era a mais bondosa. Ela há muito o lembrava os
narcisos alegres, domesticados e doces. Uma resposta bem-
vinda a desolação invernal.
— Estou bem, Lady Dunston. — Ele mentiu, inclinando a
sua cabeça. — E você?
Apesar dos esforços para ignorar o homem ao lado dela,
Dunston se aproximou com um braço em sua cintura e
exclamou:
— Ocupada. Crianças ocupam uma boa parte do tempo,
velho camarada. — Os olhos do homem lançavam raios duros
como aço. — Ao mesmo tempo em que mantém o marido
totalmente satisfeito.
— Henry!
Apesar da reprimenda de Maureen, Dunston não recuou.
Ela balançou a cabeça exasperada.
— Ignore-o, Holstoke. Ele esqueceu as maneiras.
— Ao contrário, querida. — Dunston disse suavemente.
— Não esqueci nada. E nem ele, aposto.
A flecha voou certeira. Sim. Phineas recordava tudo. O
cheiro do cabelo dela. O toque da mão sobre seu braço. A
suave curva dos lábios. O desespero ao descobrir algo perfeito
– alguma coisa que ele nunca soube da existência - apenas
para perder em uma única conversa no Hyde Park.
Ele se lembrava bem. Mas não apreciava essa lembrança.
Maureen estalou a língua e gesticulou como um inseto
irritante para ignorar o seu marido possessivo.
— Minha mãe e meu pai oferecerão um jantar amanhã.
Você deve ir. — Ela implorou. — Mamãe e papai sempre
gostaram de você.
Eugenia havia dito algo parecido. Por que a família
Huxley tinta tanto interesse nele afinal, sentindo-se sempre
‘tão afeiçoada’?
— Tenho certeza de que Holstoke não tem tempo. —
Disse Dunston, casualmente examinando seu próprio colete
antes de dar a Phineas um sorriso zombeteiro. — Jardins
para cuidar, você sabe. Estruturas para construir. Uma noiva
para adquirir.
Phineas não ficou zangado – certamente não. Seu
estômago poderia ter se retorcido em cordas espinhosas e seu
pescoço podia estar duro o bastante para quebrar nozes, mas
ele não estava zangado. Phineas não permitiria que a raiva
controlasse as suas ações. Era improdutivo.
A fisionomia de Maureen derreteu-se como uma sopa de
simpatia maternal.
— Claro, que insensível de minha parte. A temporada às
vezes pode ser … tão curta.
Pena. Era pena no rosto dela. Pena por ele e por sua
busca condenada para encontrar uma esposa que não fugisse
dele aterrorizada e nem o fizesse contemplar o celibato.
Maldito inferno, isso era irritante. A pena dela. A
presunção de Dunston.
Ele endireitou-se. Ergueu uma sobrancelha e seu queixo.
— Que horas devo chegar, Lady Dunston?
Minutos depois, enquanto saída da casa de Lady Randall
e colocava seu segundo melhor chapéu, ele respirou
profundamente o ar fresco da primavera. Sua cabeça ainda
latejava. Seu estômago ainda queimava. Nada de bom surgira
naquela noite torturante.
Mas ele não permitiria que isso o afetasse. Uma pequena
vitória, talvez. Ultimamente, pequeno parecia ser o único
tamanho que lhe era permitido.
Ele soprou outra respiração e começou descer a rua,
passando por um par de jovens cavalheiros conversando
enquanto esperavam a carruagem. Nenhum deles lhe prestou
atenção.
— … cinco filhas afinal.
— A mais jovem é bonita, eu acho.
O primeiro homem riu e empurrou o ombro do segundo.
— Rosto bonito ou seios bonitos?
— Por que não ambos?
Os dois homens gargalharam.
Phineas soltou outra respiração e seguiu seu caminho.
— Eu não sei. Se ela for como a irmã...bem, eu ficaria
relutante em me casar com uma garota que pode ser outra
Rameira Huxley.
Ele parou. Cada músculo endurecido. Fechou os olhos.
Buscou por racionalidade. Se dois cretinos vulgares
desejavam insultar uma das irmãs Huxleys, não era de sua
conta.
— Não me importaria levantar as anáguas da irmã uma
vez ou outra, ouso dizer.
— Um pouco de prática antes do pedido por Lady
Katherine, hein?
Uma risada aguda. Um deles se inclinou em direção ao
outro.
— A Rameira prefere os lacaios. Provavelmente ela ficaria
grata por uma mudança de montaria. Acredita que as irmãs
são iguais entre suas...
— Cavalheiros. — Embora a voz de Phineas fosse baixa,
a palavra alcançou os dois cretinos como um tiro. Ambos
eram jovens – meninos, na verdade.
Ele não deveria fazer isso.
Era estupidez.
Imprudente.
— Eu mal pude evitar ouvir a conversa de vocês. — Sua
raiva falou suavemente.
O mais alto, que parecia ter bebido muito do porto de
lorde Randall, tropeçou na roda da carruagem.
O mais baixo – Phineas o reconheceu como o sobrinho de
Randall – engolia convulsivamente.
— L-Lorde Holstoke.
Educadamente ele tocou na aba de seu chapéu,
mantendo seus movimentos suaves e sua expressão dura. —
Eu o vi no Reaver’s, acredito. — Ele olhou para o mais alto. —
Os dois.
— S-sim, meu lorde. Nós fomos convidados por meu tio.
Lorde Randall.
— O Reaver's serve excelente café. — Phineas disse
casualmente. — E Lorde Randall serve um porto superior.
A mão do mais alto começou a tremer visivelmente.
— Fato curioso: tanto o café quanto o porto, qualquer
líquido com sabor forte, na verdade, torna-se excelente veículo
para, vamos dizer, misturar componentes medicinais.
O menor semicerrou um pouco os olhos. Depois ele
encarou.
— V-veneno?
Phineas piscou lentamente. Apenas uma vez. Depois
encarou.
— Se preferir.
— N-nunca gostei de café. Ou porto.
— Há outras opções. — Phineas moveu seu olhar
calmamente entre os dois homens. — Deve-se ser inteligente
ao administrar medicações. — Ele deu um único passo à
frente e o rapaz menor recuou três. O mais alto parecia estar
com mais problemas do que o seu companheiro. Cada
respiração emergia com uma ponta de gemido anexado a ela.
Phineas parou. Cruzou as mãos nas costas.
— É uma pena não existir cura para a estupidez da
juventude. Infelizmente, todos nós somos punidos.
O choramingo ficou mais alto.
— Bem, então. Devo seguir o meu caminho. Amanhã eu
jantarei com Lorde e Lady Berne e suas adoráveis filhas. Boa
noite. Cavalheiros.
Provavelmente ele prejudicara a sua própria causa,
pensou enquanto caminhava para a profundeza da noite.
Confirmar as piores suspeitas de todos sobre ele estava longe
de ser útil. Estimava que ele piorasse suas chances em
conseguir uma esposa adequada para quinze por cento.
Talvez vinte.
Mas ele sorria enquanto virava a esquina em direção a
Holstoke House. Apesar de sua dor de cabeça. Apesar de rever
Maureen. Apesar de tudo, ele estava sorrindo.
Ele apreciara a palidez daqueles homens, o medo
palpável. Foi gratificante. Quase tão satisfatório quanto
imaginar a reação dela. Ela poderia rir, ele suspeitava. Olhos
de gato cuspiria fogo nos cretinos. Então, ela o parabenizaria
por colocar a sua ‘natureza peculiar’ em bom uso.
Seu sorriso aumentou. Ele apenas desejava que ela
pudesse ter estado lá para ver isso.

*~*~*

A garota já mostrava sinais de enfraquecimento: branca


rodeada por verde. Olhos vítreos disparando ao redor.
Respirações convulsivas.
Ela se agarrou a mãe – tão rechonchuda quanto ela –
enquanto o par amarelo subia a carruagem.
— Assim que chegarmos em casa, seu pai chamará um
médico. — A mãe sussurrou freneticamente. — Deve ser uma
simples febre, querida. Um pouco de láudano ajudará. — Ele
ouviu os chavões desesperados da mulher continuar, enquanto
a carruagem se aproximava.
Ele cobriu um sorriso com sua mão enluvada, encolhendo-
se nas sombras da casa de Lorde Randall.
Láudano não ajudaria. O láudano apenas a levaria mais
longe no rio da morte.
Ele se curvou e apoiou o ombro nos tijolos da casa,
mordendo o punho agora. Seu peito arfava.
A morte dela ara algo divino. Uma coisa ordenada.
E aquilo que fora ordenado, não poderia ser desfeito.
CAPÍTULO 3

"As regras são simples: não me acorde antes do desjejum". Não


chamusque os meus cabelos. E não flerte com os lacaios. O
segredo para manter a sua posição, minha querida, é evitar
violar todos os três em um dia.

A Marquesa Viúva de Wallingham sobre demitir sua mais


recente criada pessoal, a oitava em poucos meses.

Debaixo de seus cobertores, o mundo de Genie era


simples. Quente. Escuro. Um pouco fechado, mas isso era o
esperado. Ela estava enterrada bem firme quando uma batida
ecoou.
— Genie! Destranque a porta.
Genie suspirou, aquecendo ainda mais o seu covil.
Levantando um canto, ela apertou os olhos diante da rude luz
branca da janela e depois olhou para a porta de seu quarto.
— Vá embora, Kate!
Voltou a seu covil. Seguro. Quieto.
Bang, bang, bang.
Talvez não tão quieto.
Ela fechou os olhos puxando o travesseiro para suas
orelhas. Ali. Melhor.
— Dane-se. Pelo menos desça para o desjejum. — Veio a
voz fraca e abafada de sua irmã mais nova. — O cozinheiro
serviu presunto. É o seu favorito.
Novamente, Genie colocou a cabeça no dia
assustadoramente brilhante.
— Eu não quero nada. Agora, vá embora!
Ela esperou. Uma respiração. Duas. Silêncio. Abençoado
silêncio.
Seus olhos se fecharam novamente. Sua cabeça caiu
sobre o travesseiro. Ela não se preocupou em puxar os
cobertores de volta ao lugar.
Deus, ela estava cansada. O sono veio em longas visitas
ou não vinha. Hoje, ele falhou em chegar.
Falhar. Como ela, acreditava.
A verdade amarga fechou a sua garganta. Ela cerrou os
dentes e socou o travesseiro. Caiu pesadamente e enterrou o
rosto na coisa suave e emplumada. Gritou até a garganta
doer.
Não ajudou. Nada o faria, na verdade. Ela era um
fracasso sem futuro. Ela iria pairar nas margens de sua vida
antiga como um fantasma. Annabelle, Jane e Maureen teriam
mais uma dúzia de filhos. Kate se casaria e aumentaria o
número de Huxley. Seu irmão, John, em breve retornaria da
Escócia com histórias de loucas aventuras, depois
deslumbraria as damas de Londres antes de escolher uma
que lhe desse meia dúzia de seus próprios bebês.
E Genie? Ela viveria em Clumberwood Manor. Sozinha.
Ela faria chapéus que ninguém compraria. Ela evitaria falar
com os vizinhos preocupada com a reputação deles, evitaria
parecer amigável com os criados da casa para não reacender
velhas fofocas. Ela envelheceria. Excêntrica. Crianças
sussurrariam sobre ela em tons assustadores, um ou outro
ousaria se aproximar enquanto ela assombraria as lojas da
vila.
O fantasma Eugenia Huxley, sempre em busca da fita
vermelha perfeita.
Seu peito doeu. Ela olhou para a janela.
Ela deveria ter tido mais juízo. Eugenia Huxley uma
empregada? Prepotente. Ela mal podia obedecer a seu pai
amoroso. Quando era uma criança, papai costumava lhe
chamar de sua ‘pequena rebelde’. Ele sempre dizia isso com
um brilho afetuoso. A maioria dos empregadores não gostava
de assistentes rebeldes e a Sra. Pritchard – incompetência à
parte – não era exceção.
Obviamente a Sra. Pritchard esperou demiti-la até que
tivesse arrancado cada gota de trabalho dos dedos de Genie.
Na manhã seguinte após o incidente com Holstoke, a Sra.
Pritchard entrou na sala de trabalho com um sorriso radiante
para Fancy Nancy. Ela evitou olhar para Genie, simplesmente
colocando oito pedidos escritos na pilha de Genie e
recolhendo os cinco turbantes dourados da prateleira.
Genie havia terminado os oito pedidos no mesmo tempo
que Fancy Nancy levou para terminar o triste chapéu
amarelo, do qual todos os vestígios de renda haviam sido
removidos. No final da tarde, Genie se perguntava se a Sra.
Pritchard havia esquecido seu nome ou talvez Holstoke
revelara muito afinal e a chapeleira se debatia em como se
dirigir a ela. Um nó gelado se instalara em seu estômago
enquanto observava a mulher ficar cada vez mais contrita.
No fim, fora pior do que ela imaginou. A Sra. Pritchard
afastou a cortina um pouco antes das seis. Observou Genie
amarrar sua última fita. Então, enquanto Fancy Nancy
pendurava o seu avental no canto mais distante da sala, a
Sra. Pritchard falou.
— Srta. Huxley, pode considerar seu trabalho aqui
encerrado.
Genie piscara, um pouco tonta após se curvar sobre a
agulha o dia inteiro.
— Sim. Estava prestes a...
— Definitivamente.
O nó frio em sua barriga aumentou. Espalhou-se por
seus músculos e pele. Cristalizou e picou.
— Eu...Você...
— A Sra. Knox terminará seus pedidos restantes.
Os olhos de Genie recaíram sobre a copa do chapéu em
suas mãos. O feltro de lã e as fitas de cetim se misturavam
em um delicado rosa.
— Não tem pedidos restantes. — Ela murmurou,
atordoada, apesar dos avisos de que isso aconteceria. —
Estão todos terminados.
Na realidade, sua resposta irritou ainda mais a Sra.
Pritchard, como se ela quisesse que Genie falhasse.
— Deixe o seu avental. Deixe as ferramentas. Eu não
gostaria de descobrir que você me roubou.
Levantando o olhar, Genie lentamente se levantou,
observando o rosto da mulher. A Sra. Pritchard recusava-se a
encontrar seus olhos. Covarde.
Ela colocou a copa do chapéu na prateleira, rapidamente
puxou as tiras de seu avental e o dobrou cuidadosamente
antes de colocá-lo sobre a mesa de trabalho.
— Gostaria de me despedir do Sr. Moody.
— Ele foi demitido esta manhã.
Uma onda de náusea a atingiu, fazendo Genie levar as
mãos ao ventre.
— Não...Você...Você...
Finalmente a chapeleira olhou para ela. Um triunfo
venenoso erguia um dos cantos de seus lábios.
— Ele foi pego lendo novamente. O Sr. Pritchard não
aprova a preguiça.
Cada apelido sarcástico que subira pela garganta de
Genie ficou preso no lugar. Ela devia ajudar o Sr. Moody. Ele
fora demitido por causa dela. Ela não permitiria isso.
Então, ela implorou.
— Por favor. — Ela disse com voz rouca. — Por favor, não
o puna. Ele não fez nada de errado. Eu sou a culpada.
Satisfação margeou o sorriso desagradável da Sra.
Pritchard.
— Sim. Você é. — Ela gesticulou em direção ao canto
distante da sala. — A Srta. Knox e eu ficaremos bem sem
você, ouso dizer. E o assistente antigo do Sr. Pritchard já
concordou em retomar a sua posição. Nem o Sr. Moody e nem
você, Srta. Huxley, terão referências, agora saia da minha
loja.
Por dentro, a ira de Genie havia amaldiçoado a Sra.
Pritchard com toda a verdade mordaz que ela segurou por
quase um ano. A incompetência. A covardia. A simpatia feia e
desagradável. As absurdas sessões de chá, risos insípidos e o
cabelo absurdamente esticado. Ninguém é enganado, sua
pavoa vaidosa e sem talento, ela quis gritar. Sua tolice é tão
óbvia quanto as rugas em sua testa! Infelizmente, a Sra.
Pritchard havia atravessado a cortina e saído da loja antes
que uma simples palavra pudesse escapar pela garganta de
Genie.
A indignidade final fora de Fancy Nancy, sorrindo
maliciosamente do seu canto.
— Não menos do que merece. Pedaço de vagabunda
convencida.
Felizmente, a garganta de Genie estava livre. Enquanto
passava pelo limão azedo, ela inclinou-se, enfrentando o
fedor.
— Quando a Sra. Pritchard diz que você e ela serão
suficientes, a quem você supõe que serão entregues oito vezes
mais pedidos do que normalmente faz em um dia? A Sra.
Pritchard? Ou a sua assistente restante?
O desanimo que se formou nos olhos turvos e
enlameados foi o único consolo de Genie naquele dia. Ela não
ficou para falar mais verdades satisfatórias. Em vez disso ela
apressara-se a voltar a Berne House e pediu ao seu novo
mordomo, Emerson, para localizar o Sr. Moody.
Anteriormente, Emerson fora criado de Dunston e, como a
maioria dos empregados de Dunston, ele tinha um talento
para colher informações. Mas o processo levava tempo. Muito.
Dias depois, a sua culpa a fazia se contorcer. Ela devia
encontrar o Sr. Moody. Ela devia lhe dizer que lhe garantiria
uma nova posição. Uma posição melhor. Uma que lhe pagasse
o bastante para ele poder comprar as suas aventuras
medievais em livrarias em vez das bibliotecas circulantes.
Talvez ela tivesse sido a causa de seu infortúnio, mas
também poderia ser a solução. Ser a filha de um conde tinha
algumas vantagens.
Uma chave sacudiu e clicou. A porta abriu-se com uma
lufada de ar. Em seguida, um rosto notavelmente igual ao
dela pairou sobre si.
— Pare de chafurdar-se. — O rosto falou. — Venha
comer um pouco de presunto.
Genie segurou o rosto da irmã e gentilmente a empurrou.
— Pela última vez, Kate. Vá. Embora. — Ela rolou para o
lado.
O rosto de Kate reapareceu, agora pairando sobre a
colcha florida. Os olhos brilhavam com determinação e – pior
– um desafio aceito.
— Presunto, Genie. Então, você e eu cavalgaremos no
parque.
Genie grunhiu e rolou para o lado oposto da cama.
Foi quando a música começou. Melodiosa e grandiosa, a
voz de Kate se aproximou de seu ouvido enquanto ela
afundava o colchão ao subir na cama.
— Na ladeira da vida, quando me encontrar declinando.
— Ela cantou alegremente. — Talvez o meu destino não seja
tão desafortunado do que uma cadeira confortável que permita
reclinar-se e uma cama com vista para o alto-mar.
Genie cobriu os ouvidos com suas mãos.
Kate agarrou seu pulso e afastou as mãos.
— Com um pônei a passo lento, caminhando sobre o
gramado, enquanto eu canto para afastar a tristeza inútil.
— Por amor a tudo o que é mais sagrado, Kate. Eu lhe
farei um novo chapéu.
— E alegre como a cotovia que a cada dia canta ao
amanhecer.
— Dez. Dez novos chapéus.
— Olhe para frente com esperança pelo amanhã. — Kate
respirou para começar um novo verso.
— Muito bem! — Genie sentou-se e jogou os cobertores
de lado. — Eu comerei presunto se você parar!
— E caminhar no parque. Passaram-se meses desde a
última vez.
Genie abraçou os joelhos e olhou para seus pés
descalços.
— Você não deveria ser vista comigo.
— Besteira. Somos irmãs e cavalgaremos juntas. Hoje.
Ela ficou em silêncio por muito tempo.
— Com um alpendre a minha porta, para abrigo e para
sombra, enquanto o sol ou a chuva prevalecer. Eu um pequeno
pedaço de chão...
— Bons céus. Sim, hoje. Agora, fique quieta.
Os braços de Kate envolveram seus ombros por trás.
Uma bochecha suave tocou a sua.
— Não deixe aquela idiota mal penteada derrotá-la. —
Ela sussurrou, apertando Genie em um abraço feroz.
— Ela já venceu. — Genie resmungou.
— A aspereza do rosto dela estraga uvas maduras.
— Não é hora para insultos shakespearianos.
— Shakespeare é sempre apropriado. Principalmente
seus insultos.
A cabeça de Genie tombou até sua testa tocar os joelhos.
Gentilmente ela apertou o braço da irmã e beijou sua mão.
— Deixe me vestir, Kate. Devo descer em um instante.
— Promete?
— Sim.
Apesar da sensação de ter envelhecido oitenta anos em
três dias, apesar de não ter dormido e ter menos razão ainda
para acordar, ela prendeu o cabelo em um penteado simples,
pôs sua roupa de montaria de veludo azul mais elegante e
desceu para o desjejum.
O presunto estava salgado. Ela deu duas mordidas. Mas
manteve a promessa.
Meia hora mais tarde, enquanto Kate cavalgava ao seu
lado recontado a sua “magnífica” performance no pianoforte
Os hipócritas. Tanto a Sra. Riley quanto Lady Baselton
tinham casos tórridos com o zelador e o mordomo,
respectivamente. Aquelas duas supostas damas lançando
calúnias na direção dela era um absurdo total.
Não, a indignação fingida de alguns da beau monde era
considerada menor do que mosquitos zumbindo perto de sua
orelha direita. Uma mera irritação. Em vez disso, ela ergueu o
queixo e apreciou a brisa sobre suas bochechas, a luz do sol
infiltrando-se entre as folhas, pássaros cantando alegremente.
— … a noite mais memorável em minha memória
recente. Houve, é claro, a morte da Srta. Froom. Uma das
garotas mais tolas dessa temporada, devo dizer. Ainda assim,
é uma pena. Aparentemente, ela desmaiou alguns minutos
após sair da casa de Lady Randall...
Talvez Kate estivesse certa, Genie pensou enquanto o
vento quente soprava sobre ela. Isso era melhor do que o seu
covil de cobertores.
— … disseram que ele simplesmente ficou parado lá,
conversando intensamente com Lady Wallingham. Sobre o
que, não posso adivinhar…
Agora que ela considerava isso, era precisamente do que
ela necessitava: um dia quente, um passeio agradável, o
cheiro do verde e os raios de sol.
E, é claro, a chance de mostrar seu mais elegante
chapéu de montaria. Ele tinha três penas azuis e um toque
com seda branca trançada.
— … até Maureen convidá-lo para jantar conosco. Céus.
Se eu fosse Lorde Holstoke, teria achado tal convite um tanto
desconfortável.
Genie piscou. Olhou para o lado, para a sua irmã, que
vestia uma elegante roupa de montaria verde e um chapéu
com uma simples fita, triste, sem penas.
— Holstoke?
Kate lhe lançou um olhar irritado.
— Você ouviu uma palavra do que eu disse?
— Eu parei de ouvir quando começou a cantar. Qual foi
a parte sobre Holstoke?
— Ele se juntará a nós no jantar desta noite.
Genie franziu o cenho.
— Mas Maureen e Dunston estarão lá. Não será
terrivelmente…
— Desconfortável. Sim. — Kate soltou um suspiro de
longo sofrimento. — Não repetirei toda a nossa conversa
porque não se incomodou em prestar atenção.
— Apenas está chateada porque eu insultei o seu canto.
— Todos dizem que eu sou uma adorável soprano.
— Todos estão errados.
Por vários minutos, Kate ficou em silêncio, seus lábios
apertados, olhos treinados sobre o caminho.
Droga. O arrependimento comia o estômago de Genie,
transformando as duas mordidas de presunto em uma poção
cáustica.
Kate se imaginava uma artista com algum talento. Ela
era obcecada por música e teatro desde antes de poder andar
e, enquanto seu talento fosse medíocre, ela não merecia ser
pisoteada porque Genie estava tendo uma semana péssima. O
escândalo fizera a vida da irmã difícil o bastante.
— Seria melhor que investisse no contralto. — Genie
ofereceu. — Seu tom natural é um pouco mais baixo.
Kate entrecerrou os olhos em sua direção. Após um longo
momento, estalou a língua.
— Sabia. Aquele tutor idiota pagou as moedas de papai
com conselhos terríveis. Por que não disse antes?
Genie deu de ombros.
— Seu futuro consiste em planejar refeições e gerar um
herdeiro para o seu marido, Katie, não performar a ária da
Rainha da Noite da Flauta Mágica. Seria de pouco propósito
oferecer a minha crítica.
— Mas você está certa, suponho.
— Claro que estou. Agora, conte-me sobre Holstoke.
Enquanto elas saíam do parque, virando para voltar em
direção a Grovesnor Street, Kate descobriu o efeito bizarro
que Holstoke exercia sobre as jovens damas, transformando-
as em tolas assustadas. Então explicou que Maureen tinha –
na maneira usual de Maureen – imaginado que ela estava
sendo bondosa ao convidar Holstoke para jantar com a
família Huxley.
— Humph. — Genie comentou. — Mais provável que ela
tenha sentido pena dele. O que é totalmente bobo. Os
problemas dele no mercado de casamento são devidos a sua
natureza peculiar. Ele poderia, se desejasse, rebaixar-se a
fingir normalidade e então resolver o problema. A ton
despreza o diferente.
— Bem... — Kate mordeu o lábio enquanto mordia sua
língua.
— Bem, o que?
— Há o pequeno problema da mãe dele.
Genie mordeu o lábio, reconsiderando.
— Sim. Há isso.
— E o pai dele.
— Infelizmente.
— E a irmã dele.
Suspirando, Genie franziu para Kate.
— Nada disso é culpa dele.
— Não. Mas você sabe como os fofoqueiros gostam de
agitar suas línguas. Todos acham que ele é louco como a mãe.
Alguns especulam que ele era o Envenenador de Primvale.
— Que podridão. Holstoke é estranho, não assassino. —
Ela olhou para Kate, sua curiosidade atingindo novamente. —
Maureen está pensando em você e Holstoke…?
— Meu Deus, espero que não.
Genie olhou ameaçadoramente na direção de sua irmã.
— Provavelmente você não acredita na fofoca.
— Não. Mas também não quero me casar com um
homem sem humor.
— Ele não é sem humor. Exatamente.
— Realmente, Genie. Ele age como se rir fosse quebrar os
dentes dele.
— Ele ri.
— Eu nunca vi.
— Então não prestou atenção.
Os olhos de Kate se estreitaram novamente.
— Aparentemente você prestou.
Genie teria zombado da implicação, mas elas já haviam
chegado ao pequeno estábulo de Berne House. Desmontando
com a ajuda de seu grisalho e idoso cavalariço, Genie deu
uma palmada no pescoço da égua antes de seguir Kate para
dentro da casa.
No corredor de painéis de carvalho que levava à
escadaria principal, Emerson apareceu com um recado que
iluminou o espírito de Genie.
— Localizei o Sr. Moody, minha dama. Devo enviar um
lacaio para entregar uma mensagem? — Ele lhe estendeu um
pequeno pedaço de papel dobrado.
— Não. Obrigada, Emerson. Irei e falarei com ele
pessoalmente.
O mordomo piscou, os olhos dizendo o que a sua
expressão cuidadosa não dizia.
— O endereço é em Cheapside, minha dama.
— Sim, é mesmo. Um coche de aluguel deve ser melhor.
Permanecendo afastada, Kate se voltou para juntar-se a
conversa.
— Está louca? Você não pode ir a Cheapside em um
coche alugado.
Genie ergueu uma sobrancelha.
— Devo ir em um fáeton?
— Genie! Não seja tão…
— Eu irei. Eu lhe devo muito.
Enquanto Kate reclamava que Genie devia parar de se
comportar como se sua reputação não significasse nada,
Genie olhou para o endereço e se perguntou se ela deveria
colocar um de seus vestidos de trabalho ao ir a Cheapside.
Sim. Isso seria melhor. O Sr. Moody poderia ficar intimidado
por suas roupas elegantes de montaria. Era esplêndido.
— ...ainda há uma chance que possa se casar um dia,
você sabe, deseja jogar essa chance fora, por bem ou por mal?
Genie olhou para a sua irmã, cujas mãos estavam postas
indignadamente sobre os quadris. Mesmo se ela quisesse se
casar – o que não queria – suas chances haviam evaporado
anos atrás. Mas ela não sabia como dizer a Kate tal coisa.
Então, em vez disso, ela balançou a cabeça e falou:
— Vamos deixar os contos de fadas para Shakespeare,
hein?
A distância ela ouviu Emerson cumprimentar um
convidado na porta da frente. Por cima do ombro de Kate, ela
espiou uma sombra gigante deslizar pelo piso de mármore do
corredor da entrada.
Sua irmã continuava a reclamar, mas não era Kate que
atraia a sua atenção. Em vez disso, era a voz do homem, dura
e baixa.
— Obrigado, mas devo mantê-lo. Ultimamente os meus
chapéus têm sofrido grandes indignidades quando saem de
minha posse.
A seriedade com que aquelas palavras eram ditas
provocou um sorriso em Genie pela primeira vez em três dias.
Ela ultrapassou uma consternada Kate e avançou em direção
ao homem de quem elas falaram.
— Holstoke. Sentiu terrivelmente a minha falta, não foi?
Ele se virou, sua expressão intimidadora.
— Lady Eugenia. — Aqueles olhos pálidos permaneceram
sobre ela por várias batidas de coração, antes de deslizar por
sobre seu ombro. — E Lady Katherine. — Sua cabeça
inclinou-se brevemente. — Um prazer.
— Está um pouco adiantando para o jantar. — Genie
provocou, depositando as suas luvas e o papel dobrado na
mesa perto de Holstoke, que estava parado a encarando com
grandes olhos verdes de corvo.
— Não muito cedo para oferecer o meu lamento,
entretanto.
— Lamento? — O brilho de prazer que ela tinha sobre ele
ao vê-lo inesperadamente na sua porta desvaneceu.
— Eu aceitei o convite de Lady Dunston apressadamente.
Receio que eu deva…
— Não cancele. — Ela avançou, achando mais fácil para
ler as sutilezas da expressão dele – a tensão ao redor dos
lábios, queimando em torno do nariz e alterando seu olhar –
diante da grande proximidade. — O que foi, Holstoke? Está
entre amigos. Nós gostamos bastante de você.
Ele franziu o cenho.
— Você já disse isso. O que eu não entendo é o motivo.
Piscando, Genie abriu a boca para responder e... nada.
Por que mesmo? Ele era um homem peculiar – taciturno,
severo e absorvido pelas plantas.
Ela apoiou um cotovelo sobre seu pulso e deu tapinhas
em seus lábios com o dedo.
Os olhos dele seguiram o movimento, apesar do vinco em
sua testa se aprofundar.
— Está demorando demais para responder.
— Estou pensando.
— Tente não se esforçar demais.
— A explicação não é tão simples. Você está longe de ser
charmoso.
— Nem bonito, nem charmoso. — As narinas dele
dilataram-se. — De verdade, um mistério.
A dilatação em sua narina era igual à sua irritação –
agora ela tinha certeza disso. Ele estava irritado com ela. Ela
bateu nos lábios novamente. Seus olhos cravaram em seus
dedos e brilharam com… alguma coisa. Mais irritação? Ela
não tinha certeza.
Droga, o homem era difícil de ser decifrado.
Ela exalou e deu de ombros.
— Não consigo explicar. Nós gostamos de você, Holstoke.
— Isso é irracional.
— Sim, verdade. Você deve aceitar a nossa alta
consideração e nos deixar ajudá-lo.
— Eu não preciso de ajuda.
— Bobagem. Se o que Kate contou sobre a festa de Lady
Randall for verdade, você precisa de nós mais do que acha.
Olhos pálidos brilharam.
— Por que não ajuda a si mesma antes? — Ele replicou,
sua voz dura e baixa. — Saia daquela chapelaria idiota e se
engaje em atividades mais adequadas a uma dama de valor.
Sua cabeça inclinou-se para trás. Seu coração falhou.
Seu peito apertou-se ao redor de uma dor vazia e terrível. Por
alguns momentos, ela esquecera. Ela o vira no corredor de
entrada e começaram a conversar, e a realidade desaparecera.
A realidade de suas falhas – primeiro, como uma filha de
um conde cuja única tarefa era casar-se bem e evitar o
escândalo. Então, como uma chapeleira em treinamento, cuja
única tarefa era aprender seu ofício e evitar ser demitida.
Atrás dela, Kate murmurava com Emerson. À distância,
ela ouviu os passos enquanto os criados faziam seus
trabalhos. Ela respirou os aromas de cera de abelha, limão e
menta. A lã do casaco dele, que recentemente estivera lá fora.
O leve toque de sabão de barbear.
Mas tudo o que ela conseguia ver eram os olhos, afiados
e desaprovadores.
Engoliu em seco. Ergueu o queixo.
— Aquela chapeleira idiota não é mais a minha patroa.
— Bom. — Ele disse com um brilho de satisfação. —
Você finalmente viu a razão.
Por um momento ela considerou corrigir sua suposição,
mas imediatamente rejeitou a ideia. Deixá-lo acreditar que ela
saíra por vontade própria. Ela não tinha muito orgulho
remanescente, e mesmo que tivesse, pretendia agarrar-se a
ele com todas as suas…
— Em minha opinião, ela se livrou bem dessa posição. —
Disse Kate detrás dela. — A ousadia da Sra. Pritchard em
demitir alguém com o talento de Eugenia!
O coração de Genie afundou-se. Sua pele pinicou. Ela há
muito parara de enrubescer a cada ato indigno – foram
muitos – mas aparentemente, esse era uma exceção. E ser
demitida não era a experiência mais terrível e aniquiladora-
de-orgulho que ela podia imaginar.
Além de ter sido pega com a saia erguida até o queixo, é
claro. Isso havia sido pior.
— Ela a demitiu? — Por alguma razão, a expressão suave
e ao mesmo tempo fria de Holstoke deu-lhe calafrios.
Genie respondeu com um breve aceno.
Kate, sempre útil, interrompeu.
— E o amigo dela também, o Sr. Moony.
— Moody. — Genie corrigiu, voltando a virar-se para a
peste da irmã. — A quem pretendia fazer uma visita antes de
ser distraída.
— Pela última vez, você não pode ir sozinha visitar um
homem em Cheapside. — Kate respondeu. — Não permitirei.
— Cheapside? — A única palavra vinda de Holstoke soou
sinistra.
Ignorando o lorde que se elevava assustadoramente,
Genie focou em sua irmã.
— Eu sou o motivo pelo qual ele perdeu seu emprego,
Kate. Ao contrário de você e de mim, ele não tem uma
mesada, uma casa grande ou um título para sustentá-lo. Ele
foi demitido sem receber uma referência.
Kate ergueu o queixo.
— Não permitirei. — Ela repetiu.
— Eu irei.
— Não sem o endereço.
Os olhos de Genie voaram para a mesa. Nenhum papel.
— Instruí Emerson para enviar a carruagem e um lacaio
para o Sr. Moony.
— Moody. — Genie grunhiu.
— Sim. Bem. Harry está a caminho agora. Ele voltará
com seu amigo em breve e você poderá conduzir sua conversa
com uma acompanhante apropriada.
Genie espalmou a mão sobre a testa.
— Ele não sabe quem eu sou e não havia razão para
enviar Harry. Ao diabo, eu devia pegar uma carruagem e ir. O
que estava pensando, Kate?
Novamente, Holstoke se intrometeu com uma chicotada
baixa e sinistra.
— Talvez Lady Katherine esteja pensando que você
perdeu a cabeça. Ela estaria certa nessa afirmação.
Girando para encará-lo, Genie se viu
surpreendentemente sem fôlego. Holstoke estava...furioso.
Com o que, não poderia dizer, mas pela primeira vez, ela pode
ler seus olhos sem mesmo esforçar-se. Eles soltavam fogo.
Começou a falar, mas sua boca ficou seca. Ele pareceu
mais alto, próximo e sombrio. Holstoke completamente
ressentido era uma visão a ser assistido.
— O que ela disse? — Ele exigiu, seu queixo alto.
Genie piscou e sinalizou sua confusão com uma pequena
sacudida de cabeça.
O rosto dele pairou sobre o dela como uma grande
nuvem.
— Sua empregadora. — Ele alfinetou. — Qual motivo ela
lhe deu para demiti-la?
— Oh. — Ela disse, lutando para respirar. — A Sra.
Pritchard não me deu um motivo particular. — Ela engoliu em
seco. — Apenas que eu deveria partir e não roubar nada.
As narinas dele dilataram. Seus olhos se estreitaram.
— Devo conversar sobre o assunto com o seu pai.
— P-perdão?
— Tudo isso é inaceitável.
— Holstoke. — Ela agarrou seu braço quando ele passou
por ela. O membro musculoso deslizou por sua mão até que
tudo que ela manteve foram os dedos. Ela se agarrou e
segurou no pulso, apenas para ser arrastada por dois metros
antes que ele parasse e se virasse para olhá-la.
— Isso...isso não tem nada a ver com você. — Ela
balbuciou.
De supetão, ele abaixou-se até os narizes quase
colidirem, derrubando seu chapéu e prendendo as mãos dela
sobre o peito dele.
— Eu deveria ter informado a ela sobre o seu título.
Aquele foi o meu erro. Não deveria ter permitido que falasse
com você do jeito que ela falou.
O coração dela deu um salto estranho.
— Você apenas manteve o segredo porque eu desejei
assim.
— Como eu disso, meu erro.
Uma garganta pigarreou delicadamente.
— Ehm, Genie?
— Sim, Kate. — Por que a sua voz soava sem fôlego? E
por que ela nunca tinha notado o quão definido os lábios dele
eram? Como se eles tivessem sido desenhados por um lápis
recém-apontado.
— Talvez devesse soltar as mãos de Lorde Holstoke.
Tenho certeza de que ele precisa delas para outros propósitos.
Recolher seu chapéu, por exemplo.
Ela olhou para baixo. Eles estavam agarrados um ao
outro, próximos o bastante para dançar. Ou beijar.
Que pensamento estranho. Ela não gostava de beijar. E
mesmo que gostasse, certamente não deveria beijar Holstoke.
Ele uma vez pedira Maureen em casamento, pelo amor de
Deus. Ele podia ter sido parte da família se Dunston não
existisse.
Beijar Holstoke? Que ideia mais idiota.
Outro pigarro. Desta vez, foi Emerson.
— Eu peço perdão em interromper, minha dama, mas
Lorde Berne ficaria grato em receber Lorde Holstoke na
biblioteca agora.
Lentamente, ela soltou os dedos dos deles.
Holstoke a segurou com força.
— Não vá a Cheapside.
Poderia ter sido uma ordem, um apelo ou uma ameaça.
Como ele reagiria quando ela se recusasse a obedecer? Ela
não estava certa. O homem tinha muitas esquisitices, o que o
tornava imprevisível. Ele ficara muito mais irritado com o
emprego e a demissão dela, do que era possível com o grau de
familiaridade que eles tinham.
Ela ergueu o queixo.
— Muito bem. Eu ficarei aqui...Se fizer o mesmo.
Olhos verdes se estreitaram.
— Fizer o mesmo?
— Jantar? — Ela perguntou.
Seu nariz se dilatou.
Ela sorriu satisfeita.
— Feito. — Ele disse.
Seu sorriso sumiu. Droga. Imprevisível, assim como
previra.
— Maureen estará aqui. — Ela recordou. — Dunston
também. E seus filhos. Eles têm quatro.
Um músculo moveu-se em seu queixo.
— Eu sei.
— E não vamos nos esquecer de Lady Wallingham! E
minha mãe…
O aperto dele sobre ela se afrouxou. Gentilmente ele
abaixou suas mãos e deixou seus dedos escorregarem para
longe dos dela.
— Eu sei. — Ele repetiu. — Não vá a Cheapside, Lady
Eugenia.
Desta vez, ela soube que não era nem um apelo e nem
uma ordem. Era um alerta, escrito dentro daqueles olhos
pálidos como um sino acima da porta: Desafie o Conde de
Holstoke por seu próprio risco.
Silenciosamente, ela o observou recolher o chapéu e
seguir Emerson pelas escadas, um volume alto, sombrio e
imponente desaparecendo no meio da luz fraca e partículas
de poeira.
— Bem. — Kate disse. — Lorde Holstoke, humm?
— O que tem ele?
— Oh, nada. Um pouco...possessiva afinal.
— Não seja tola.
Os dedos de Kate agarraram o queixo de Genie e a virou
até ela focar em sua irmã em vez da escada vazia. Genie
empurrou a mão dela e Kate sorriu como um diabinho.
— Tolo ou não, se tivesse percebido os talentos de
persuasão que ele tem sobre você, eu o teria convidado aqui
dias atrás.
Genie bufou. Ao som faltou convicção.
— Holstoke é inconstante. É sensato ser cautelosa.
O sorriso de Kate tornou-se irônico.
— Genie sensata e cautelosa. Sim, nada de incomum
nisso. — Ela resfolegou e foi mais convincente do que Genie.
Ela ainda virou os olhos para ser mais clara.
— Vá embora, Kate.
As gargalhadas de sua irmã agitaram as partículas de pó
enquanto ela também desaparecia escadas acima.
CAPÍTULO 4

“Um passado sem erros é como uma biblioteca sem livros –


vazia e inútil. Entretanto, ouso dizer, todas as bibliotecas
precisam de uma boa limpeza de vez em quando.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para Lorde Berne, após a


reclamação do referido sobre os acompanhantes felinos de
Lady Berne ter destruído duas vezes suas cortinas e seus
coletes.

Esta era a sala onde Phineas fizera a proposta de


casamento a Maureen. Cortinas azuis haviam sido
substituídas por douradas e ele pensou que o tapete poderia
ser novo, mas, por outro lado, a biblioteca de Berne House
permanecia igual ao que se recordava: pequena com painéis
de madeira, era tão desordenada e confortável quanto os
próprios Huxleys. Uma poltrona posicionada entre a janela e
a lareira, o couro gasto e trincado pelo tempo, indicando
horas de leitura. Um pequeno sofá posicionado ao longo da
parede oposta e uma grande escrivaninha ao lado dele estava
lotada de papéis, um livro aberto e uma xícara de chá
fumegando ao lado da caneta de tinta.
Phineas recordou a sensação, como se estivesse entrado
por engano, um estranho em uma terra fria e desolada
descobrindo o calor, o caos e a afeição imediata pela primeira
vez. Os últimos seis anos haviam mudado muita coisa, mas
essa sensação não era uma delas.
— Holstoke. — Stanton Huxley, o Conde de Berne,
levantou-se de sua mesa, seu sorriso aberto e receptivo. —
Por Deus, é bom vê-lo. — O homem magro de cabelos
acinzentados estendeu sua mão.
Phineas a apertou, ainda incerto do porquê todos os
Huxleys pareciam gostar tanto dele.
— Lorde Berne. Obrigado por concordar em falar comigo.
Minhas desculpas pela visita tão cedo.
— Besteira. — Os olhos do homem – um vívido avelã, que
nenhuma das suas filhas havia herdado – brilhavam com
humor. — Um pouco cedo para jantar, mas não para uma
conversa.
Após oferecer-lhe chá e convidá-lo a sentar-se, Berne
sentou-se no sofá, bebeu de sua xícara e casualmente falou:
— Se pensa em cancelar, devo alertá-lo, Lady Berne não
aceitará. Ela o teria convidado antes se soubesse que
aceitaria. Nós todos gostamos de você, jovem.
Suspirando, Phineas acariciou o braço enrugado da
poltrona. Ele supôs que o carinho deles ficaria perpetuamente
sem explicação.
— Não, eu estarei aqui, sua filha insiste.
O sorriso de Berne ficou simpático, uma expressão que
Phineas estava começando a odiar.
— O coração de Maureen está no lugar certo.
— Não Lady Dunston. — Phineas corrigiu, seu
aborrecimento anterior retornando como uma inundação. —
Lady Eugenia.
As sobrancelhas de Berne se arquearam.
— Eugenia.
— Você está ciente, claro, que até recentemente, ela
estava trabalhando.
— Sim.
— Para uma chapeleira maltrapilha perto do Soho.
— Humm. Ela não está mais empregada lá. — O
temperamento de Berne era calmo. Calmo demais.
Phineas quis gritar com ele, mas gritar era a reação de
um homem guiado por sua ira – o que Phineas não era.
— Por que ela foi demitida. — Ele alfinetou. — O que
pode ser a única coisa mais ofensiva do que ela ser
empregada. Como você tolerou isso?
Berne depositou sua xícara na mesa e sentou-se ereto.
— Com grande paciência.
— Mais do que é sábio. Eu não teria permitido que a
minha irmã caminhasse até o fim da Oxford Street, deixá-la
sozinha…
— Permita que explique algo a você, Holstoke. — Os
olhos de Berne enrugaram-se nos cantos. — Se permitir.
Phineas assentiu.
— Quando se é pai de cinco filhas, deve perceber como
eu, quão pouquíssimo se sabe. Cada criança é diferente da
outra. Temperamentos diferentes. Interesses diferentes.
Talentos e aspirações diferentes. Um homem que ama suas
filhas deve decidir quanta pressão aplicar para encaixar uma
garota nos moldes que a sociedade demanda. Demais, ela se
quebrará. Pouca, e ela se arruinará. — Berne se recostou e
pegou sua xícara, dando um gole e prosseguindo. — Pegue
Maureen como exemplo.
— Nós estamos discutindo Lady Eugenia.
— Paciência, meu rapaz, eu chego lá. — Berne deu outro
gole. — Agora. Maureen nunca me deu um momento de
problema. Mais doce do que os bolos que ela fazia para mim
no Natal, essa é minha garota. Seu maior desejo era ser uma
esposa e mãe, e ela não se importava em seguir as regras
prescritas para este propósito.
— Recordo-me.
— Humm. Sim. Suponho que deva se lembrar. —
Simpatia brilhou novamente e depois desapareceu. —
Eugenia é... — Berne deu uma risadinha, o som afetuoso
embora triste. — Bem, ela é de outro tipo, não? Goste ou não,
ela fala o que vem à mente livremente e vai onde o interesse
dela está. Infelizmente, um desses interesses eram lacaios.
Algo agudo e sombrio se retorceu dentro de Phineas, isso
o fez se inquietar. Fez com que ele quisesse partir antes que
Berne elaborasse mais sobre o fascínio de Eugenia pelas
camadas inferiores da sociedade inglesa.
— Embora ela nunca tenha feito nada além de admirar a
beleza deles, a mãe e eu nos preocupamos que os outros
poderiam confundir admiração com intenção. — Berne
continuou. — Nós a pressionamos para abandonar seus
hábitos anteriores e focar em arrumar um marido apropriado.
Ela quis nos agradar, então ela parou de falar em lacaios. Ela
também diminuiu sua fixação em bonnets e afins e moderou
sua conversa para parecer mais...agradável.
— Minha filha é uma jovem atraente. — Berne,
continuou afirmando o óbvio. — Ela virou cabeças no
Almack’s. Dançou, misturou-se e conversou do mesmo jeito
que cada jovem faz em sua estreia. Ela se moldou no que era
esperado. — Berne fez uma pausa. Abaixou o olhar para sua
xícara. Parecia refletir em seus pensamentos. — Para
simplificar, ela desapareceu. Minha pequena rebelde se foi,
substituída por uma garota diferente de qualquer outra. Isso
a tornou desesperadamente infeliz. Ela escondeu bem, por
um tempo. Mas nós sabíamos que algo estava errado, mesmo
antes do incidente do baile de Lady Reedham.
Novamente, Phineas quis interrompê-lo. Ele não desejava
ouvir mais sobre o ‘incidente’ de Eugenia. Ele desejou castigar
o homem por falhar em parar isso. Mas algo no rosto de
Berne o fez parar. Arrependimento, profundo e doloroso,
gravado dentro do rosto triste de um pai.
Os olhos foram para a janela acima do ombro de
Phineas.
— Então, como vê, meu rapaz, o erro não foi dar-lhe
muita liberdade, mas muito pouco. Espíritos como o dela não
cabe facilmente em um molde. Antes que soubéssemos o que
aconteceu, ele voltou a sua verdadeira forma e se quebrou. —
Diante do olhar de Phineas, Berne lhe deu um pequeno
sorriso. — Algum dia poderá entender. Talvez tenha uma
filha.
Phineas entendia o suficiente. Berne era muito
compassivo e perdera o controle sobre ela.
— Você acredita que permitir que ela trabalhasse em
uma chapelaria de terceira categoria fosse aceitável, então.
— Acredito que a proibir de seguir seus objetivos é pior.
— Discordo. Ela deveria estar casada. Protegida.
Olhos de amêndoas enrugaram de divertimento.
— Está propondo, então?
Um raio correu de sua cabeça até seus pés. Proposta?
Por Eugenia Huxley? O pensamento o desorientou. A
brincadeira de Berne fez que sua pele picasse de maneira
estranha. Ele deu de ombros e ignorou a sensação, como faria
com uma de suas enxaquecas.
— Não. — Ele murmurou. — Claro que não. Eu
meramente estou preocupado com ela e com sua família.
Berne sorriu.
— Você um é bom homem, Holstoke.
O pai de Eugenia mudou para outros assuntos – uma
renovação dos jardins de Clumberwood Manor, um projeto
recente de lei na Câmara dos Comuns, as chances de maiores
rendimentos agrícolas durante a primavera – mas enquanto
isso, Phineas pensava intrigado nas explicações de Berne
sobre a situação de Eugenia.
Ele há tempos admirava os Huxleys. Eles rim juntos,
zombavam um dos outros, discutiam e se abraçavam. Ele não
lembrava ter sido abraçado nem quando menino. Talvez por
isso ele parecesse um estranho.
Eugenia, por outro lado, frequentemente falhava em
manter uma distância apropriada. Cada vez que eles
conversavam, ela conseguia se posicionar a uma respiração
de distância dele. Ela roçava em seu braço com os dedos,
prendia seus dedos nos dela, dava-lhe tapinhas como um
amigo. Quando ela desejava esclarecer um ponto, ela estendia
a mão para ele.
Era estranho. Podia ser por causa da forma como ela
gostava de descrevê-lo, mas de fato, ele achava Eugenia
Huxley e sua família estranhas – tão afetuosa que ele se
sentia como um forasteiro.
Talvez ele fosse. Ele havia se treinado para imitar gestos
de afeição para o bem de Hannah, e sua irmã aprendeu a
aceitá-los de vez em quando. Ele queria que Hannah soubesse
como devia ser uma família apropriada e amorosa. Os
Huxleys eram o melhor modelo que ele encontrou.
Exceto por Eugenia. Um pouco rebelde, de fato. Ela
certamente entornara o caldo.
Ele franziu o cenho. Berne desistira de domá-la, mas ela
encararia um caminho sombrio como solteirona se alguém
não agisse, e logo.
— Por Deus, você é um bom ouvinte, Holstoke. — Berne
disse, baixando sua xícara. — A maioria dos cavalheiros
preferem ouvir a si próprio falando. Suponho que lhes sirva
bem no Parlamento.
Phineas assentiu, percebendo que a conversa deles havia
chegado ao final. Ele apertou a mão de Berne e seguiu seu
caminho ao vestíbulo, apenas para encontrar Eugenia lá,
segurando as mãos de um jovem gordo e sardento em roupas
grosseiras de trabalhador. Phineas o reconheceu da
chapelaria. Ela falava suavemente, suplicante, como se eles
fossem amantes.
O raio que o atravessara mais cedo – um sentimento bem
incomum – atingiu-o novamente, irregular e agudo. Sua pele
pinicou. Seu pescoço ficou tenso. Seu estômago se apertou.
— … Aceite as minhas desculpas, Sr. Moody. Farei
perguntas em seu favor ainda hoje. Não deve se desesperar
nem por um momento.
As bochechas do jovem estavam tingidas de vermelho.
Seus olhos estavam quase vítreos pela luxúria. Devia ser
luxúria. Ele mal afastava os olhos dos lábios de Eugenia.
Phineas entendia, obviamente. Ela possuía lábios
esplêndidos – carnudos, curvados e macios. Mas ele precisava
remover as mãos dela das do outro homem. Ele precisava
colocar distância entre eles. Muito, muito mais distância. A
impropriedade era um maldito risco para ela e um insulto
excessivo por parte do jovem chapeleiro.
— Obrigada, Srta. Hu… quero dizer, milady.
— Oras, chame-me de Eugenia. E eu o chamarei de
Lewis.
O rubor de Moody se aprofundou, assim como seu
sorriso.
Maldito inferno. Sim. Distância. Agora.
— Lady Eugenia enviará uma nota quando tiver notícias
a dar. — A afirmação violenta de Phineas teve o efeito
desejado: Moody soltou as mãos dela, recuou três passos e
gaguejou um ‘vossa senhoria’ em uma ordem
satisfatoriamente curta.
Phineas ignorou o olhar surpreso de Eugenia, avançando
e terminando com sua repreensão.
— Até lá, sugiro que evite tocá-la.
Ele quis dizer “recorde sua posição”. Mas a advertência
explícita era melhor. A especificidade deixava pouco espaço
para interpretação.
— Lorde Holstoke. — Eugenia disse com firmeza quando
ele parou atrás dela. — Podemos conversar na sala?
— Depois que ele for embora. — Phineas lançou um frio
alerta para Moody, observando com satisfação como a cor do
chapeleiro era drenada para um branco sardento. — Você
está saindo, não está?
O ‘não’ de Eugenia foi abafado pelo agudo “sim, milorde!”
de Moody. O jovem corpulento tropeçou para trás, curvando-
se desajeitadamente e murmurando uma série de milordes e
milady’s.
— Sr. Moody...Lewis. — Eugenia protestou, avançando.
Phineas se moveu para impedir seu caminho, enquanto o
mordomo dos Huxleys, Emerson, segurava a porta aberta.
Moody correu como se tivesse sendo perseguido por um
fantasma. Eugenia tentou passar por Phineas, mas foi
impedida, pois ele lhe segurou o pulso. Assim como ele o
segurara mais cedo, a delicadeza de seus ossos, o
assustaram. Ela era uma mulher forte. Não deveria ser tão
pequena.
Com a mão livre, ela deu um empurrão dolorido no
ombro dele.
— Agora olhe o que fez. — Ela falou entre os dentes. —
Você o assustou.
Ele a puxou até uma sala adjacente antes de soltá-la.
— Você realmente deseja envolver a sua família em um
escândalo perpétuo porque não pode controlar seu estranho
fascínio por homens de classes mais baixas?
Os olhos dela – castanhos xerez e rico – ferveram.
— Como ousa? — Ela andou até ele, suas bochechas
coradas, as mãos fechadas em punhos. — Você pode ter
quase sido meu cunhado uma vez, mas não tem a mínima,
nem um minúsculo bocadinho de autoridade no que se refere
a mim. — Ela apontou para o vestíbulo. — Eu arruinei a vida
daquele homem, Holstoke. Ele não fez nada para merecer
isso, além de ler Ivanhoé e tolerar a minha presença.
— Tolerar? — Provavelmente Eugenia entendeu, embora,
Phineas pôde ver por sua expressão que não o fazia.
Desconcertante, dadas as predileções dela. Mas então, ela não
era um homem. Talvez ela precisasse de um para lhe instruir.
— A tolerância de Moody está baseada na luxúria. Isso é
óbvio.
As mãos dela pousaram em seus quadris, levando seus
olhos para lá, logo abaixo do local onde seu traje de montaria
abraçava uma cintura surpreendentemente fina.
— Quanta asneira. — Ela alfinetou.
Como os quadris de uma mulher podiam ser tão
lindamente redondos e ainda assim magros? Ele franziu o
cenho, confuso com a contradição.
— Lewis Moody foi a única pessoa naquela loja que me
mostrou bondade e eu não retribuirei deixando-o na penúria.
Ainda distraído com a sua tentativa de conciliar as
formas geométricas de Eugenia, Phineas respondeu
honestamente, embora com voz rouca.
— Ele foi bondoso porque ele a quer.
Aqueles mistificastes quadris se aproximaram, trazendo-
a a seu alcance. Suas palmas e pontas dos dedos formigaram
em uma versão mais suave do raio. Ele esfregou os dedos
para reprimi-los. Uma sensação um tanto curiosa.
— Você é um péssimo juiz de caráter, Holstoke. Você
bem que poderia se confinar com as suas plantas e deixar a
nós, humanos, conduzir nossos assuntos.
Seu olhar subiu e encontrou o dela. As bochechas
estavam rosadas. Seus lábios, normalmente curvados como
as asas de um pássaro, estavam retos. Outra contradição.
Uma de muitas, parecia.
— Sou um homem, Lady Eugenia. É assim que sei o que
motiva as ações dele. O grande mistério é saber, quais são as
suas motivações?
— Minhas?
— Os riscos que corre são tanto idiotas...
— Incrível. Malditamente incrível.
— ... quanto destrutivos para aqueles a quem professa
amar. Sua família – seu pai, em particular – cedeu à sua
natureza indisciplinada por muito tempo.
Olhos magníficos como os de um gato se estreitaram em
um brilho de arrepiar.
— Saia.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Eu quis dizer isso, Holstoke. Vá. Antes que eu faça
algo indisciplinado e o estrangule com a sua cravat.
— Nós temos um acordo. Eu manterei até o fim.
— Está absolvido. Não volte para o jantar. Explicarei a
mamãe que foi vítima de uma doença infeliz. — Ela fungou. —
Em deferência ao carinho que ela sente por você, não
mencionarei que a doença é a sua personalidade.
Ele quase gargalhou. A vontade era outra contradição –
uma que não deveria se divertir com insultos. Mas Eugenia
Huxley estava provando ser a exceção à regra. Ele abaixou a
cabeça até conseguir inalar o cheiro dela, violetas e uma
elusiva pitada de fruta. Cerejas, talvez.
— Como dei a minha palavra. — Ele murmurou olhando
para os lábios dela. — Eu devo voltar, Lady Eugenia. Sinto
muito. — Lentamente ele sorriu apreciando sua face
descontente.
Por vários momentos ela o fitou, meio encantada, meio
enfurecida.
— Você não está nem um pouco sentido, então não finja.
E por que diabos está sorrindo?
O sorriso dele aumentou. Então balançou a cabeça,
incerto da resposta.
— Deve ser a companhia. — Ele disse. — Raramente sou
insultado com tal proficiência.
Ela deu de ombros diante disso, mas em seguida, seus
lábios se esticaram nos cantos. Ela golpeou o braço dele com
força e o empurrou em direção à porta.
— Vá ou demonstrarei minha proficiência com grande
prazer.
Ele lhe fez uma reverência. Depois gargalhou.
Ele ainda estava rindo ao passar por um alarmado
Emerson, colocou seu segundo melhor chapéu e desceu pela
Grovesnor Street, antecipando a noite por vir.

*~*~*

A mulher ossuda foi muito fácil. Magra e apática, o corpo


dela tomou o veneno dele como se estivesse faminta por ele.
— Eu...Eu não consigo... — Ela cambaleou para frente,
apertando o peito. Seus lábios já estavam ressecados.
Ele sorriu.
Ela derrubou a xícara que se estilhaçou. Caiu de joelhos.
Sangrou nos cacos.
— Ajude-me. — Sua voz era um chiado infernal, sua mão
uma garra desesperada para alcançá-lo.
Ele lhe dera uma viagem rápida. Ela deveria ser grata.
Inclinando-se para observar o sangue dela escorrer dos
joelhos cortados por seu vestido branco, ele sufocou o riso.
— Hora de voar, minha dama. — Sua voz tremeu. — Muito
bem.
Talvez ela fosse fácil demais. Mas o que importava era o
sacrifício. A fuga. A oferta. Quando ele saiu da casa do pai
dela, misturando-se à multidão da Brook Street, ele olhou para
o céu.
Sim. Sua missão estava indo de forma esplêndida.
Esplendidamente, de fato.
CAPÍTULO 5

"Crianças são, de fato, uma delícia". Eu acho que o charme


delas aumenta com a idade. Vinte anos devem bastar.

A Marquesa Viúva de Wallingham para sua nora, Lady


Wallingham, enquanto conserta o seu monóculo danificado
por seu neto mais novo.

— Sir Edwin, declaro-o Imperador do Reino! — Genie


sacudiu sua colher de madeira com um floreio e gentilmente
tocou os ombros de seu sobrinho. — Além disso, declaro,
neste dia, que seu reino será... — Ela parou antes de apontar
a colher com um gesto imitando a realeza, em direção ao
canto da sala de estar. — O sofá novo da vovó.
Sua mãe, atualmente conversando com Maureen e com
um solavanco, depositando o filho mais novo de Maureen
sobre a monstruosidade adornada e sem braços, olhou na
direção de Genie.
— É uma otomana 5, querida.
Genie ergueu seu queixo e mexeu sua colher no ar.
— Na realidade, Sir Edwin, seu reino será conhecido
como... — Genie lançou um olhar de soslaio a sua sobrinha,
Sophie, que batia suas mãos e esperava no lugar.
— Qual é, tia Genie? Conte-nos!
Genie deu uma piscada e fez uma reverência ao pequeno
Edwin.
— O Império Otomano.
Sir Edwin desabou rindo. A coroa de papel que ela fizera
para ele escorregou sobre seus olhos azuis escuros e o xale
índico de sua mãe deslizou por um pequeno ombro. Ele tinha
quatro anos de idade, então ela perdoava a sua falta de
decoro.
Alguém devia fazer concessões.
Ela sentiu um puxão nas costas de suas saias.
— Angie! Angie! Colo.
Ela fingiu confusão.
— Quem está aí?
— Colo!
Dando volta ao redor da pequenina várias vezes, ela
finalmente segurou a sua sobrinha de bochechas redondas e
cabelos ruivos, Meredith, por baixo dos braços e a ergueu em
um único movimento. Merry gritou e gargalhou enquanto elas
giravam.
— Eu percebo, Lady Meredith. — Genie disse enquanto
acariciava as mechas vermelhas da menina de dois anos de
idade. — Parece que perdeu o seu bonnet. — Ela estalou a
língua e beijou a bochecha de Merry. — Onde está, minha
querida?
Merry apontou para a janela com cortina vermelha.
E lá estava – o pequeno bonnet feito de jornal com
pequenas fitas rosas e duas pequenas margaridas. Ele estava
perto de um par bota polida, que pertencia ao homem a quem
estava tentando ignorar com toda a força de vontade.
Ela não precisava se preocupar, claro. Ao entrar na sala
de estar meia hora antes, ele cumprimentou Maureen
calorosamente – um pouco calorosamente demais, em sua
visão. Ela franziu o cenho para ele, se perguntando como um
olhar tão glacial podia ser afetuoso. Tão...gentil. Ele nunca
olhou para Genie daquela forma. Não, com ela, sempre que os
olhos dele se aqueciam, a causa era ultraje, raiva ou
indignação. Aqueles olhos verdes gelados alfinetavam e
faiscavam em vez de brilhar com admiração.
Dunston também percebera. Seu cunhado ficou irritado.
Lançou diversos insultos velados. Observava-o de uma
maneira mortal.
Normalmente Dunston era bem-humorado, espirituoso e
arrojado. Genie sempre o considerou muito divertido, capaz
de discutir a moda dos coletes, as tragédias shakespearianas
e as linhagens dos puros sangues com igual desenvoltura.
Mas ele também era um homem perigoso, que secretamente
caçara o assassino do pai durante uma década, trabalhando
tanto para os Ministérios das Relações Exteriores quanto o
Interior, escondendo seu lado sombrio até mesmo de sua
amada Maureen.
Embora procurasse proteger Maureen diminuindo a
relação deles a uma mera amizade, o par estivera apaixonado
por anos antes de Holstoke se interessar por ela. A corte de
Holstoke revigorou a natureza de Dunston, dura e possessiva
e, no fim, Dunston também fez sua proposta. Maureen
rejeitara Holstoke, casou-se com Dunston e deu-lhe lindos
quatro filhos.
Naturalmente, Genie soubera da escolha de sua irmã
antes de Maureen. Qualquer um com bom senso poderia ver a
preocupação incessante de Maureen com seu bonito e
elegante lorde. Na realidade, Holstoke nunca tivera uma
chance. Mesmo se Maureen o tivesse aceitado, Dunston teria
cortado Holstoke em dois com suas facas favoritas, antes de
permitir que ela se casasse com alguém mais.
E isso antes de descobrir que a mãe de Holstoke havia
matado o pai de Dunston – assim como numerosos outros –
ao longo de uma década de traição criminosa.
Então não era surpresa que Dunston alfinetasse seu
antigo rival. Por outro lado, a reação de Holstoke era muito
próxima do que Genie esperava. Sua fisionomia neutra e
inescrutável, ignorou Dunston, deu a Maureen um aceno
digno e se afastou para cumprimentar mamãe, papai, Kate e
Lady Wallingham. Então fixou aqueles olhos pálidos sobre
Maureen do outro lado da sala, observando sua irmã por
longos minutos antes de se afastar para conversar com papai.
Ele ignorou Genie completamente. Sem cumprimentos.
Sem olhares. Sem broncas sobre seu comportamento
inapropriado. O que era bom. Genie tinha pouca vontade de
colocar-se como assunto sob o alto julgamento de Holstoke.
Ainda assim, ele deveria ao menos ter tido conhecimento de
sua existência. Como Lady Wallingham gostava de dizer: “A
grosseria é uma arte que poucos dominam bem o bastante
para aplicar sem consequências.”
Enquanto brincava com os adoráveis filhos de Dunston e
Maureen, ela sentiu o olhar dele virar em sua direção mais do
que uma vez. Ela presumiu que o escrutínio dele tinha dois
propósitos: ele achava Genie muito indisciplinada para o seu
gosto ou ele estava curioso sobre os filhos de Maureen, talvez
até mesmo melancólico por eles não serem dele. A resposta
provavelmente era um pouco das duas opções.
Agora, enquanto Edwin e Sophie fugiam para reivindicar
a otomana e Merry se retorcia para ser colocada no chão,
Genie não pôde mais evitá-lo. Ela abaixou sua sobrinha no
tapete, observando a garotinha cambalear até seus irmãos.
Então, respirou e caminhou em direção à janela. Em direção
a ele.
— Holstoke. — Ela disse sentindo uma estranha agitação
enquanto os olhos dele fixavam nos dela.
— Lady Eugenia.
— Fiquei surpresa por ter vindo.
— Estranho. Eu lhe prometi.
Ela fungou e gesticulou em direção ao chapéu de papel.
— Minha sobrinha perdeu seu chapéu.
Lentamente ele se agachou e pegou a criação entre seus
dedos longos. Após erguê-lo completamente, avaliou o peso e
avaliou o objeto como se fosse uma nova espécie de planta.
— Você fez um para cada um deles, não foi?
— Dê-me, por favor.
Aqueles olhos moveram-se por toda extensão de sua
palma, deslizou lentamente pelo braço, corpete, garganta e,
finalmente, pousou em seu rosto. Um escrutínio tão intenso
produziu sensações estranhas. Pele pinicando. Calor. Arrepios
e formigamentos.
— Eu pensei que vocês gostavam de mim. — Ele disse,
seu tom meramente curioso.
— Minha família gosta. Eu estou aborrecida com você.
— Ainda?
— Você tem um traço rude, Holstoke. — Ela espetou. —
Se eu quiser ajudar o Sr. Moody, é um problema meu, não
seu. Por falar nisso, se eu quiser molhar as minhas saias e
caminhar pela Regente Street cantando “Deus salve a Rei”,
isso não teria nada a ver com você.
Ele inclinou a cabeça e a encarou, sua expressão intensa
e ilegível. Ele lhe fazia sentir arrepios da cabeça aos pés.
— Pare com isso.
— Com o que?
— Encarar.
Lentamente, o começo de um sorriso puxou os lábios
dele.
— Isso a irrita, Lady Eugenia?
Ela se aproximou mais, assim eles não seriam ouvidos.
Ela pegou o chapéu de papel das mãos dele.
— Sim. — Ela falou entre os dentes. — Seus olhos são
enervantes, assim como sabe muito bem.
O sorriso dele aumentou.
— São simplesmente olhos.
— Eles me dão arrepios.
— Humm. Quais efeitos supõe que as mãos teriam?
Seu coração disparou. Bons céus, ele estava flertando
com ela? Holstoke? Ela piscou e tentou recuperar o fôlego.
Não. Holstoke não flertou. E se ele o fazia, seria com
Maureen, sem dúvida. A provável explicação era que ele
estava curioso, um cientista tentando solucionar um enigma.
Vagamente ela ouviu sua mãe anunciando o jantar. Ela
sentiu a chegada dos criados – a ama das crianças
conduzindo seu rebanho ao berçário, Emerson calmamente
direcionando os lacaios. Ela ouviu um farfalhar de vestidos,
movimentos de lã e tons murmurados de sua família se
encaminhando em direção às portas da sala de estar.
Ainda assim ele permaneceu imóvel. Preso dentro de
uma batalha que ela nunca vira.
Ele não desistiria. Não a soltaria.
— Nós devemos ir. — Ela sussurrou.
— Para a sala de jantar. Sim.
— Holstoke?
Ele abaixou a cabeça. Seus olhos fixos em sua boca.
— Você realmente é o homem mais peculiar. — Sua voz
estava rouca e gutural. Talvez um pouco de vinho ajudasse.
Claro, ela já estava um pouco tonta. Formigando. Aquecida.
Atrás dela, a voz de trombeta de Lady Wallingham se
intrometeu.
— Lorde Holstoke! Eu solicito sua escolta, jovem. Vamos
ante a aparência do decoro.
Lady Wallingham não estava sozinha. Quando Genie
virou descobriu sua mãe lhe dirigindo um olhar agudo e
claramente maternal. Tanto o braço como os ouvidos de
Holstoke foram confiscados pela viúva que o levava até as
portas, descrevendo “a maneira adequada de atrair alguém
para seu anzol em águas turvas, querido rapaz.”
Genie franziu o cenho e perguntou a sua mãe.
— Quando Lady Wallingham começou a pescar?
— Eugenia. — Mamãe disse com um tom preocupado e
repreensivo. — Você entende que Holstoke está procurando
uma esposa?
Engolindo sua náusea repentina, ela provocou.
— Claro, mamãe. Eu não sou idiota.
Mamãe segurou suas mãos em um aperto quente, seus
olhos escuros bondosos, mas enrugados de preocupação.
Genie não via a sua mãe assim desde antes do escândalo,
quando havia gentilmente a aconselhado a parar de discutir
sobre a fabricação de chapéus com pretendentes elegíveis.
Agora, seu alerta era mais direto e... humilhante.
— Ele enfrenta muitos obstáculos nessa busca. Você não
deveria ser um deles, minha querida.
A lembrança do que ela era, de fato, o Grande Fardo de
Genie, atingiu com ainda mais força por ter sido inesperada.
A vergonha queimou dentro dela, um sentimento antigo e
doentio. Céus, ela pensou que já se acostumara com a dor.
Estava mais afiada do que nunca.
Olhos redondos e escuros brilhavam com remorso.
— Como eu desejava que as coisas tivessem sido
diferentes, minha querida. — Mamãe disse. — Como eu
desejava ter feito as coisas diferentes.
Genie cerrou os dentes e se endureceu contra a dor
asfixiante. Ela não ficaria parada ali chorando, pois isso não
resultaria em nada além de acrescentar dor a sua mãe.
Então, em vez disso, ela balançou a cabeça e fez uma
declaração própria.
— O escândalo foi minha culpa, mamãe. Não sua. Eu já
lhe disse isso.
Mamãe enxugou os olhos com um lenço com rendas.
— A temporada de Maureen foi tão fácil. Todos a
adoraram, até mesmo Holstoke. Eu presumi que sua
apresentação seria igual. Deveria ter percebido...
— Pare. — Genie disse delicadamente, puxando sua doce
e redonda mão para seus braços e dando palmadinhas em
suas costas. — Você não é a culpada e não ouvirei mais sobre
o assunto. — Ela deu um último tapinha e se afastou para
dar a sua mãe um sorriso. Foi forçado, mas necessário.
Mamãe havia sofrido muito por causa de Genie. Um sorriso
era o mínimo que ela podia fazer. — Agora, não sei o que
causou suas suspeitas, mas não há nada acontecendo entre
mim e Holstoke. Garanto-lhe.
Mamãe piscou e fungou.
— Vocês pareceram preocupados um com o outro,
querida.
— Não seja boba. Nós simplesmente tivemos uma
discussão.
— Uma bastante calorosa.
— Holstoke é grosseiro e peculiar. Eu poderia discutir
tortas de morango com o homem e ele argumentaria
veementemente a favor dos damascos.
— Eu nunca percebi que ele era contestador. Indiferente,
com certeza.
— Hum. Talvez ele goste de me aborrecer.
— Mamãe...
— Tudo o que peço é que exercite sua cautela até voltar a
Clumberwood. — Sua mãe deu um tapinha em sua mão. —
Eu soube que um novo médico se mudou para a vila.
Bastante bonito. Um viúvo com dois filhos que precisam de
uma mãe. — Sua mãe sorriu, o seu sorriso de casamenteira.
— Seria rude não o convidar para jantar, você concordaria?
Genie suspirou. Balançou sua cabeça e indicou as
portas.
— Talvez devesse focar no jantar que está oferecendo
agora.
— Oh! Sim, é claro. — Com os olhos brilhando, ela
passou os braços pelo de Genie. — São poucas coisas que não
podem ficar melhores...
— Com uma boa refeição. — Genie riu. — Eu ouvi dizer.
Pelas próximas duas horas, enquanto Genie ignorava a
conversa de Kate, fingindo comer e beber livremente o seu
vinho, ela dividiu sua atenção entre a toalha da mesa e
Holstoke. Mais Holstoke, para dizer a verdade.
Está bem, quase inteiramente em Holstoke.
Ele era peculiar. E alto. E agora que ela teve tempo para
uma avaliação apropriada, não era desagradável. Seu nariz,
embora longo e afiado como uma lâmina, era régio. Seu
cabelo, apesar de ser mais severo do que elegante, era grosso
e preto. Ela também gostava bastante dos lábios dele. Finos,
mas definidos. Eles eram fascinantes.
Ela franziu o cenho e girou o garfo. Fascinante? Que
tolice. Os lábios de um homem não eram fascinantes. Seus
olhos voltaram aos ditos lábios para verificação. Não. Eles
eram simplesmente mais atrativos do que ela supôs
inicialmente.
Bem, isso era melhor. Atraente. Sim, Holstoke era
atraente.
Bonito até. E seus olhos eram...cativantes.
Ela deu um gole em seu vinho, dando-se ao luxo de
estudá-lo através da mesa. Uma cor tão pálida, aqueles
verdes gelados. Os anéis quase desapareciam no branco. Mas
não faziam. Ao redor do gelo havia uma faixa mais escura.
Um tom de azul. Quase imperceptível, mas estava lá.
Fascinante.
— ... Você não está ouvindo uma palavra do que estou
dizendo, está?
Genie piscou. Virou-se para sua irmã mais nova, sentada
ao seu lado. A sala continuou girando, fazendo Genie recuar
um pouco. Ela se endireitou e respondeu.
— Sinceramente, Kate. Essa amargura não é a melhor
forma de iniciar uma conversa.
Kate bufou e balançou a cabeça, apontando em direção a
Holstoke.
— Se eu especificasse que ele era o assunto, capitaria
sua atenção?
Genie tomou as últimas gotas de sua taça vazia.
— Holstoke é grosseiro. Eu não me importo nada com
ele.
— Humm. Então não se importará com as fofocas que
estão piorando.
Franzindo o cenho, Genie acenou para o lacaio mais
próximo para encher sua taça.
— Piorando como?
— As suspeitas estão aumentando, particularmente
desde a morte da Srta. Froom. Sua mãe clama que ela foi
envenenada. Lady Wallingham reportou apenas essa tarde
que a Sra. Froom está acusando Lorde Holstoke de
assassinato, embora não publicamente. Naturalmente, o Sr.
Froom rejeita levantar acusações tão graves contra um par do
reino sem provas.
— Humph. E nem deveria. Holstoke não é um assassino.
Grosseiro. Estranho. Mas não um assassino. — Ele a estava
encarando novamente. Ignorando Lady Wallingham, enquanto
o velho dragão autoritário lançava opiniões indesejáveis na
direção dele, Holstoke parecia fixar no pescoço de Genie.
Maldito seja, por que ele não poderia se comportar como um
homem normal? Os arrepios estavam piorando, agora
acompanhados por ondas de calor.
Seu olhar não a abandonou até Emerson entrar para
anunciar que outra convidada havia chegado. A jovem mulher
era etereamente branca com os cabelos pretos e os olhos
iguais aos de Holstoke. Ela parou na porta da sala de jantar
vestida com camadas de gaze rosa. Aos olhos de Genie,
Hannah Gray sempre pareceu estranhamente composta, fria,
até, ao mesmo tempo em que tão frágil quanto o junco no
inverno.
Certamente a garota atravessara o inferno. E, até
Maureen a ter apresentado a Holstoke seis anos antes, ela
sobrevivera no inferno sozinha. Holstoke não hesitara em
tomar sua irmã sob sua proteção com toda a força de seu
título, sua fortuna e sua devoção. Agora sua devoção se
destacava à medida que Holstoke imediatamente franziu a
testa, afastou sua cadeira e foi até a irmã.
— Sobre o que acha que é isso? — Kate murmurou.
Genie a silenciou e escutou. Sentada perto das portas,
ela foi capaz de ouvir a maior parte, apesar de eles manterem
as vozes baixas.
— Phineas. — Hannah exalou. — Eu disse a ele, mas ele
se recusou.
— Quem?
— O homem da Bow Street. Sr. Hawthorn. Ele fez muitas
perguntas e eu... eu respondi antes que eu soubesse o porquê
de ele ter aparecido.
Holstoke gentilmente abraçou os ombros de sua irmã,
acalmando o tremor dela.
— Está tudo certo, pequena. Conte-me o que ele disse.
Hannah piscou para ele, sua testa franzida em angústia.
— Ele quis saber onde você esteve esta manhã. Eu disse
que você saíra logo após o desjejum. Ele disse que a filha de
Lorde Glencombers foi assassinada hoje. Envenenada.
Os ombros de Holstoke se tensionaram.
— Lady Theodosia?
Ela assentiu.
Apesar da tensão óbvia, ele acariciou o braço de sua irmã
e a segurou mais perto. Genie notou quão lenta e
cuidadosamente ele o fazia, como se Hannah fosse feita de
papel molhado. Hannah fechou os olhos e suspirou contra o
casaco dele.
Maureen correu do outro lado da mesa para se juntar a
eles, tranquilizando a garota com uma mão em seu pescoço.
O trio se amontou murmurando baixinho. Eles pareciam
como uma família, ligados pelos horrores do passado e por
uma profunda afeição.
Genie se apertou e retorceu por dentro. Ela deu outro
gole em seu vinho.
Ao seu lado, Kate sussurrou.
— Bons céus. A Srta. Froom e agora Theodosia? Não
tenho nenhuma ligação com elas, mas é... aterrorizante.
Acredita...?
— Não. — Genie disse estreitando os olhos sobre o trio
amontoado. — Se foi envenenamento, não foi Holstoke.
— Como pode ter certeza?
Ela observou a forma como ele segurava a irmã;
percebeu a soltura de seus braços como se ele nunca quisesse
que ela fosse levada novamente.
— Apenas sei. — Ela respondeu. — Além do mais, nós
sabemos quem era o assassino na família Brand. Dunston e
Maureen estavam lá quando Lady Holstoke foi atrás de
Hannah. Outras pessoas testemunharam também, o Sr.
Reaver e Sarah Lacey. O magistrado ficou bem satisfeito,
mesmo quando descobriu que Hannah foi quem...
— Parou-a.
Genie encontrou os olhos de Kate e assentiu. O incidente
foi mais do que devastador para a garota frágil, que tinha
apenas dezesseis anos quando foi forçada a atirar na mulher
louca para salvar a própria vida e a dos outros na sala.
Holstoke, conhecendo a sua meia-irmã apenas naquele dia,
ainda assim protegeu Hannah ferozmente, recusando-se a
permitir que o magistrado a interrogasse. Em sequência,
levou Hannah para Primvale Castle. Então, ele gastou
milhares de libras e muitos anos encontrando as vítimas de
sua mãe e oferecendo uma recompensa a família deles.
Era como Genie sabia que Phineas Brand não era um
assassino. Ele era um homem de profunda honra,
peculiaridades a parte. Ele merecia mais do que ser acusado
de envenenar duas jovens mulheres.
Ela olhou pela mesa para o seu cunhado, que encarava o
trio, obviamente lutando contra a sua natureza sombria.
— Dunston deve ajudá-lo.
— Ahn, Genie. Seria mais inteligente deixar Dunston fora
disso. Ele não gosta de Holstoke.
Genie ficou de pé, agarrando-se à mesa à medida que o
vinho a fazia sentir seus efeitos.
— Ele ainda deve ter contatos na Bow Street.
— Talvez você devesse deixar Maureen...
Kate poderia continuar a conversa, mas Genie estava
focada em chegar até Dunston sem tropeçar nos próprios pés.
Bons céus, quando o piso da sala de jantar ficou tão
inclinado?
Levantando uma única sobrancelha castanha ao chegar
ao lado da cadeira dele, Dunston lhe deu um sorriso afetuoso,
apesar da turbulência em seus olhos.
— Apreciando o vinho, pirralha?
Ela gesticulou recusando o gracejo.
— Você deve ajudar Holstoke.
O sorriso desvaneceu.
— Falho em ver um motivo.
— Bow Street suspeita que ele envenenou uma garota.
Talvez duas.
Dunston cruzou os braços.
— Posso dar-lhe o nome de um bom advogado.
Ela apoiou a mão sobre a mesa. A porcelana tilintou
quando ela errou o alvo.
— Ele é inocente, e bem, você sabe disso, Henry.
— Provavelmente. Mas não vejo como isso é da minha...
— Você se relaciona com todos os tipos de espiões. Nas
Relações Interiores. Na Bow Street. — Ela gesticulou em um
movimento circular. — Faça o que quer que seja e arranje
para que isso desapareça.
— Está me pedindo algo muito grande, considerando sua
perseguição anterior a minha esposa.
— Sim bem. Maureen lhe escolheu. Agora pare de agir
como um idiota ciumento.
— Eu já lhe fiz um favor hoje ao arrumar um trabalho
para o seu amigo, o Sr. Mudd.
— Moody.
— E agora, você quer que eu intervenha por Holstoke.
Ela ergueu o queixo.
— É a coisa certa a fazer.
Ele franziu a testa. Olhou por cima do ombro dela em
direção ao trio. Trincou os dentes até sua mandíbula
flexionar. Então olhou para ela.
— Muito bem. — Ele disse em voz baixa. — Mas apenas
porque Maureen recompensará a minha generosidade quando
eu disser que foi minha ideia.
Sorrindo triunfantemente Genie respondeu:
— Inteiramente ideia sua, querido irmão. Inteiramente.
Duas horas e mais duas taças depois, a cabeça de Genie
ainda mergulhava e começava a doer. Estava sentada em um
canto da sala de estar na terrível otomana de sua mãe.
Ao seu lado estava Lady Wallingham.
Talvez fosse a razão de sua dor de cabeça.
— Esse caso todo é uma besteira. — A idosa pronunciou
com uma fungada. — Holstoke é estranho, não homicida.
Genie suspirou.
— Exatamente o meu pensament...
— Quantas vezes eu o recordei, as pessoas contratam
jardineiros. Elas não se transformam em um. Não, não, não.
Suas excentricidades são numerosas, há poucas dúvidas
sobre isso. Os olhos são definitivamente fantasmagóricos. E
se alguma vez tiver necessidade de chegar ao estupor do
tédio, pergunte a ele qual variedade de trigo é preferível para
os invernos costeiros. Bom Deus. Os católicos empregam
menos latim.
Genie esfregou a testa com dois dedos.
— A mãe dele era vil, claro. Linda e vil. Nunca gostei
dela.
Genie silenciosamente contou até três.
— Mas então, eu sou mais inteligente do que a maioria.
Sim, de fato. Bem a tempo. Genie se perguntou se
conseguiria encontrar mais vinho na sala de jantar
abandonada. Com certeza uma pessoa deveria estar
totalmente bêbada para ser forçada a aturar o ataque verbal
de Lady Wallingham.
— Ela era francesa, sabe. Lady Holstoke. Fingia ser
inglesa. — Lady Wallingham bufou. — Os franceses sempre se
revelam no final, minha querida. Algo sobre o odor, suspeito.
Eles cheiram a presunção.
Fiel a sua palavra, Dunston havia chamado o seu amigo,
Sr. Drayton, que havia sido um policial de Bow Street por
anos. O homem abatido havia chegado a Berne House cinco
minutos antes e atualmente estava parado com Holstoke e
Dunston perto da lareira. Uma ruga profunda enrugava a
testa de Drayton.
Holstoke parecia calmo, mas Genie percebeu que ele
inflava as narinas de tempos em tempos. De alguma forma, a
irritação dele a confortou. Se ele achasse que as acusações
eram sérias, certamente exibiria sinais reais de raiva, como
ele fizera ao descobrir que Genie fora despedida.
— Aquele homem ali. O Sr. Drayton. Ele foi baleado
enquanto perseguia Lady Holstoke, não foi?
— O cúmplice. Um boticário, eu acho.
— Sabe, ele me lembra de Humphrey.
Genie rolou os olhos. Humphrey era o cachorro de Lady
Wallingham, um fedorento com mais rugas que o próprio
dragão. A idosa o considerava um acompanhante fiel e falava
sem parar sobre os melhores atributos do cão.
— O nariz de Humphrey é incomparável.
E lá estava.
— Uma das criadas roubou um par de chinelos no último
outono. Humphrey a rastreou por três vilas e depois entregou
os chinelos para mim, assim como uma quantidade
satisfatória de anáguas da pequena ladra.
Genie nunca sabia se acreditava nas afirmações do
dragão, apesar de saber que Lady Wallingham nunca estava
errada.
— Tranquilamente Humphrey descobriria o culpado
desse envenenamento vil facilmente. — Ela pigarreou. —
Muito melhor do que aos incompetentes de Bow Street, ouso
dizer.
Em frente a Genie e Lady Wallingham, Maureen e sua
mãe estavam sentadas com Hannah, que parecia mais calma
do que quando chegou. A garota bebia chá e assentia as
garantias de Maureen. Kate fora buscar um xale para a moça.
As crianças foram postas na cama. Papai estava se servindo
de conhaque.
Quanto a Genie, ela se perguntava como Holstoke
pretendia provar sua inocência. E ela não podia ouvir os
homens conversando enquanto Lady Wallingham estivesse
sentada tão perto. Era intolerável.
Ela se levantou.
— Não seja tola, garota.
Diante da repreensão severa, Genie piscou e olhou para
a idosa que insistia usar duas, em vez de três, penas em seu
turbante azul.
Lady Wallingham arqueou a sobrancelha.
— Você sempre foi impulsiva. Quando isso melhorou a
sua situação, hein?
Genie voltou sua atenção a Holstoke. Ele também franzia
o cenho. Fazia uma careta, na verdade. Esfregou as costas de
seu pescoço. Ele parecia...bravo.
— Tiros dados não podem ser revertidos, Eugenia. — A
velha senhora a alertou. — Saltos não podem ser
interrompidos. Deveria entender isso melhor do que ninguém.
— Eu preciso descobrir Lady Wallingham. — Ela virou-se
novamente para encontrar um par esmeralda e perspicaz. Ali,
habitava um pouco de simpatia.
Imagine isso. O dragão compreendia.
Genie lhe deu um pequeno sorriso.
— Eu irei só por um momento.
— Humph. Um momento é tudo o que tem, minha
querida.
CAPÍTULO 6

"É uma triste verdade, Meredith". Alguns homens escolhem,


infortunadamente, atirarem-se nos braços do fracasso do que
aceitar a ajuda de uma mulher. Eu disse alguns? Eu quis dizer
todos.

A Marquesa Viúva de Wallingham para Lady Berne após


receber a há-tanto-tempo esperada, resposta de Lorde
Holstoke sobre sua oferta de ajudá-lo nos assuntos
matrimoniais.

— Isso é um problema, milorde. Sinto dizer-lhe. — O


agente de Bow Street tinha bigodes maliciosos, um rosto
cansado e um brilho sombrio em seu olhar.
Phineas não gostou disso.
— Eu fui cavalgar. — Ele repetiu.
— Aye. — Drayton respondeu com um balanço de
cabeça. — Mas quem lhe viu?
— Ninguém. Eu tenho uma propriedade a menos de uma
hora daqui. Terras de fazenda aberta. Eu vou lá quando
desejo ficar sozinho.
Drayton lhe lançou um olhar cético e rabiscou em seu
caderno.
— Apenas terra? Sem casa? Sem criados?
Phineas se retesou, suas entranhas congelaram.
—Não. A terra é um experimento. Eu a uso para testar
novas plantas.
— E os homens que trabalham lá são...?
— Contratados temporariamente das terras vizinhas.
Ninguém deve ter me visto, Drayton. A plantação acabou.
O agente resmungou e alisou a barba grisalha com os
nós dos dedos.
— Você foi à reunião de dos Randalls, sim?
— Sim.
Dunston que estava com os braços cruzados ao lado do
agente, acrescentou:
— Ele saiu cedo. Eu o vi partir.
A boca de Drayton se retorceu. Ele suspirou.
— Não é um bom presságio, milorde. Nada bom.
Phineas olhou para os dois homens, um, um homem
privilegiado e bonito e o outro um cão abatido e viu a mesma
expressão dura em ambos. Eles passaram anos neste mundo
– o reino de assassinos, perigos e enganos. Eles haviam sido
fundamentais para descobrir os crimes de sua mãe e levá-la a
um fim justo.
Ambos pareciam como se a forca estivesse balançado do
lado de fora da porta, esperando pelo pescoço de Phineas.
— Não tenho nada a ver com isso. — Ele espetou. — Por
que diabos eu desejaria matar essas mulheres?
Drayton esfregou o queixo novamente.
— O homem com quem falei com… Hawthorn. Um tipo
bastante inteligente. Ele diz que tanto a Srta. Froom quanto
Lady Theodosia rejeitaram suas… atenções.
Phineas se enrijeceu ainda mais, sua nuca formigou, seu
olho direito começou a latejar.
Dunston sorriu.
— Um ponto a favor de Holstoke, talvez. Por esse critério,
cada dama da alta sociedade deveria ser envenenada.
— As mortes parecem similares ao trabalho de sua mãe.
Outra coisa… — Drayton prosseguiu, seu tom relutante,
olhos apertados em direção às notas. — O sobrinho de
Randall, o Sr. Capshaw, clama que você o ameaçou do lado de
fora da casa. Na mesma noite da morte da Srta. Froom.
— Maldição dos infernos. — Phineas murmurou,
passando a mão sobre a nuca.
— Aye, Capshaw disse que ameaçou envenená-lo e ao
seu amigo.
Droga. Ele deixara a raiva superá-lo e agora vinham as
consequências.
— Ambos cretinos. — Phineas disse, mantendo a sua voz
baixa. — Os insultos deles para...uma certa dama, foram
desprezíveis. Eu os ameacei apenas com o propósito de
motivar discrição.
Dunston ergueu uma sobrancelha torta.
— Qual dama? Nunca lhe imaginei como um homem de
sentimentos.
— Não importa.
O outro homem inclinou a cabeça, seu olhar ficou mais
agudo.
— Eu acho que sim.
Phineas o ignorou e se dirigiu a Drayton.
— Se eu sou inteligente o bastante para envenenar duas
mulheres sem nenhuma testemunha, faz pouco sentido supor
que eu anunciasse minhas tendências maníacas para um par
de idiotas bêbados assim que atravessei a porta.
— Vamos. — Dunston insistiu, ignorando ter sido
ignorado.
— Dê-nos o nome dela, velho companheiro. Por quem
agiu como um defensor galante?
Phineas lançou um olhar sobre o falso lorde janota.
— Acontece que é um membro de sua família.
Toda luz e charme abandonaram os olhos de Dunston,
substituídos pelo aço e pedra. Phineas já vira aquele olhar
antes: no dia em que sua mãe foi morta ao tentar assassinar
Maureen. O mesmo dia que Dunston segurou uma faca em
seu pescoço.
— Ele insultou a minha mulher? — O lorde disse agora
em voz baixa.
— Não.
— Então quem?
— Lady Eugenia.
Dunston piscou.
— Genie? O que diabos eles disseram?
— Nada que eu queira repetir.
— Foi o assunto do lacaio novamente?
O peito de Phineas ficou mais quente e apertado.
— Eu não desejo discutir isso, velho camarada.
Lentamente, o olhar de Dunston mudou de duro para
um avaliador e levemente divertido.
— Ah. Eles a chamaram de Rameira Huxley, não foi? —
Ele estalou a língua aborrecidamente. — Para ser justo, ela
flertava com os membros da equipe doméstica. — O sorriso
dele aumentou. — Ou deveria dizer, com os membros dos
membros?
Talvez tenha sido a dor latejante atrás do olho direito de
Phineas. Talvez tenha sido ser acusado de assassinato ou ser
forçado a confortar a sua irmã novamente ou simplesmente
ter que suportar a odiosa presença de Dunston a noite
inteira.
Independentemente disso. Em um momento ele estava
racional. No outro, a lapela de Dunston estava enfiada em seu
punho e uma voz gutural estava rosnando.
— Diga tal coisa novamente e eu encherei de sangue o
seu precioso colete.
Imperturbável, Dunston olhou para os punhos de
Phineas e sorriu.
— Tem sorte que eu deixei as minhas facas em casa,
claro. Mas, no fim, tudo bem.
Drayton pigarreou.
— Milordes. — Ele ergueu o queixo e apontou para as
costas de Phineas.
— Holstoke?
Uma voz feminina e rouca. O cheiro de violetas. Era ela.
Maldito inferno.
— Solte Dunston antes que ele o machuque, pelo amor
de Deus.
Relutante, ele o fez. Dunston arrumou seu colete e
continuou a sorrir.
— Agora, eu já esperei pacientemente, muito
pacientemente, considerando que eu estive sentado ao lado de
Lady Wallingham e já demorou o suficientemente. Conte-me o
que está acontecendo.
— Uma acusação de assassinato, ou dois. — Dunston
respondeu. — Nada que Holstoke não possa dissiparam com
seu charme vencedor. Ou um álibi. O que diz velho
camarada? Melhor um álibi, eu acho.
Phineas não se incomodou mais com Dunston. Ele olhou
para Eugenia em vez disso. Ela estava parada com as mãos
nos quadris, piscando para ele e, estranhamente, oscilando
de um lado para outro como se estivesse em um navio.
— Você deveria se deitar. — Ele lhe disse, aproximando-
se, caso ela tropeçasse. Obviamente ela tivera mais vinho e
menos comida do que ele pensava e a havia observado
diligentemente durante o jantar.
Atrás dele, Dunston riu.
— Tomando a aproximação direta, hein, Holstoke?
Eugenia franziu o cenho e olhou por cima de seu ombro.
— Oh, fique quieto, Dunston. Não é hora de ser divertido.
— Aí está.
Ela voltou a olhar para Phineas.
— Você precisa de um álibi?
— Não.
— Diga-lhes que esteve comigo.
Um choque atravessou seu corpo como um raio em uma
árvore. Viajou limpo até suas raízes.
— Não.
— Não seja tolo. Você esteve aqui comigo esta manhã.
Você visitou meu pai, então…
— Eu disse não, Eugenia.
— … nós saímos sozinhos pelo restante da tarde.
Simples.
Drayton se arrastou para a frente, mancando mais
pronunciadamente do que quando entrou.
— É verdade, milorde?
— Não.
— É lógico que é. — Eugenia mentiu, erguendo o queixo.
Phineas agarrou o cotovelo dela quando ela oscilou.
— Malditamente não. Você está bêbada e falando
besteira. — Ele quis sacudi-la. Calá-la, erguê-la e carregá-la
ao quarto antes que ela se arruinasse ainda mais.
— Besteira é você ser acusado de assassinato. — Ela se
afastou e se dirigiu a Drayton. — Eu jurarei para o seu agente
da Bow Street. Holstoke não pode ter envenenado Lady
Theodosia porque ele estava comigo.
Phineas pensou em simplesmente colocar a mão sobre a
boca dela para silenciá-la até que ela recuperasse seu bom
senso.
Felizmente, Dunston interveio.
— Genie, oferecer em sacrifício o que restou de sua
reputação por Holstoke é generoso, e um pouco perturbador,
mas eu posso sugerir que encerre a conversa? Seja uma boa
garota.
Phineas abriu a boca para reforçar a ideia, apenas para
ter Drayton interferindo.
— Isso esfriaria a perseguição de Hawthorn sobre você
milorde. Um álibi, particularmente envolvendo uma dama
amiga, o enviaria a procurar em outros lugares.
Eugenia fungou.
— Percebe? Uma solução elegante, prevejo.
— Ela não é minha dama amiga. — Phineas mordeu,
apertando o elegante braço feminino e a puxando para seu
lado para evitar que ela tombasse. Ela estava obviamente
bêbada.
— Certamente, milorde.
— Nós não passamos o dia juntos.
— Certo.
— Eu estive aqui para ver Lorde Berne. Depois fui
cavalgar. Sozinho.
Drayton olhou para onde a mão de Phineas que envolvia
a curva da fina cintura.
— Realmente, Holstoke. — Ela disse, segurando-se ao
braço dele como uma corda no mar. — Eu posso ficar em pé
por mim mesma. Agora seja o homem brilhante que sei que é
e aceite a minha ajuda.
— Não. — Ele ordenou que suas mãos a soltasse. Em vez
disso, elas apertaram mais e a puxou para mais perto.
— Eu não tenho nenhuma reputação para sacrificar,
pelo amor de Deus. Eu direi que estivemos juntos. Eles
acreditarão em mim. A Rameira Huxley e tudo mais.
Ele a girou para encará-lo, usando ambas as mãos para
a firmar.
— Você não fará nada disso. Por Deus, mulher, se repetir
esse termo vil novamente eu…
A mão nua dela tocou a bochecha dele.
O corpo dele estremeceu, um raio ondulando com o
contato.
— Às vezes eles apenas acreditam em uma mentira. —
Ela sussurrou.
— Não permitirei que minta por mim.
Ela apoiou a mão no ombro dele. Deu um tapinha suave,
acariciando o casaco e apertando sua cravat.
— E eu não permitirei que você seja enforcado por
assassinatos que não cometeu. Além do mais, eu parto para
Clumberwood em alguns dias. Se houver um pouco de fofoca,
não ouvirei.
Os ossos do peito dele se apertaram.
— Está partindo?
Ela olhou para o alfinete de sua cravat, sua boca torceu-
se ironicamente.
— Não há nada para mim aqui. Talvez Nottingham se
beneficie com uma nova e ousada chapeleira. Vou criar uma
moda. Fitas vermelhas e penas azuis sobre cada cabeça. —
Ela soltou uma risada melancólica. — A Sra. Pritchard ficaria
horrorizada.
Foi quando ele ouviu – o silêncio, espesso e distinto. Caia
em camadas sobre ele como um travesseiro.
Ele engoliu em seco. Endireitou-se. Forçou suas mãos a
se afastarem dela e lentamente se virou.
Lá estavam eles parados em meio círculo, todos com as
bocas levemente abertas. Hannah e Maureen pareciam
assustadas. Kate derrubou o xale que estava segurando. Lady
Berne cobriu os lábios com o seu lenço. Lady Wallingham os
analisava atentamente por trás de seus monóculos. E Lorde
Berne, com os braços cruzados, o encarava como um pai
irado.
Maldição.
— Para deixar claro, Holstoke. — Anunciou Lady
Wallingham. — Quando eu sugeri que jogasse sua linha em
águas mais desesperadas, não estava me referindo ao viveiro
de peixes Huxley.
— Dorothea! — ofegou Lady Berne.
Kate riu.
Maureen ficou rosa.
Hannah franziu o cenho em confusão.
Berne parecia uma nuvem cumulus, escura e trovejante.
— Holstoke. — Vociferou o homem normalmente
tranquilo. — Na biblioteca. Imediatamente.
Phineas se recompôs, percebendo quão intima a
conversa deles havia parecido ser, quão facilmente podia ser
interpretado errado. Ele movimentou-se pra se colocar entre
os expectadores e Eugenia, protegendo-a dos olhares diretos.
— Ela está bêbada. — Ele explicou, cruzando as mãos as
suas costas.
— Certamente não estou! O vinho me deixou um pouco
tonta, mas estou perfeitamente…
— Peço desculpa se as minhas tentativas em a ajudar
pareceram inapropriadas…
— … lúcida. Você é quem está fora da razão…
— …, mas, eu sinto que devo preveni-la de comentar um
grave erro em meu nome.
— … se acha que o Sr. Froom e Lorde Glencombe serão
apaziguados por…
— Cale-se, Genie! — Seu pai disse. — Holstoke,
conversarei com você na biblioteca. Agora.
Não vendo alternativa, Phineas assentiu e seguiu o
homem mais velho para fora da sala de estar. Talvez se ele
explicasse com maior clareza, Berne entendesse.
Ele apenas a tocou porque era necessário.
Ele não mencionaria como as suas mãos ainda
formigavam no local onde elas a tocaram, como sua bochecha
ainda pulsava estranhamente onde ela pusera suas mãos. Ele
não podia explicar o fenômeno para si mesmo, quanto mais
para o pai dela.
Berne fechou a porta da biblioteca com uma pancada
firme.
— Acredito que você é um cavalheiro de verdade.
— As coisas não são como parecem, sir.
— Não? Então, você não estava segurando a minha filha
como se quisesse levá-la para a cama mais próxima?
A franqueza de Berne o atingiu como uma flecha no
peito. Ele precisava de ar e uma resposta. Ele não tinha
nenhuma. A luxúria não o comandava, mas sim, a
necessidade de proteger a pequena tola de sua própria
impetuosidade. Obviamente Berne tinha entendido as coisas
erradas.
Totalmente erradas.
Talvez noventa por cento. Setenta e cinco, no mínimo.
— É... Ela está...minha intenção… — Phineas soltou o ar
e esfregou a nuca. — Maldito inferno.
— Maldito inferno, de fato. — O outro homem alfinetou.
— Parece que lhe dei a impressão errada esta manhã,
Holstoke. Permita-me esclarecer. Minha filha não é para se
brincar.
Os músculos de Phineas endureceram, sua cabeça
latejava ao máximo.
— Eu procurava apenas protegê-la, Berne.
O homem avançou, os olhos de avelã não eram mais
calorosos, mas enfurecidos.
— Quando era mais jovem, ela sofreu um lapso de
julgamento, um pelo qual ela já pagou centenas de vezes. Mas
qualquer homem que a confunda com uma ‘saia leve’ terá que
entender o risco no qual se envolveu. Nunca duvide que a sua
família a mantém protegida, Holstoke. Eu, por exemplo sou
malditamente bom em atirar. O irmão está na Escócia, mas
ele voltará em breve. E, por suas cartas, parece que ele
adotou totalmente os hábitos bárbaros das Terras Altas.
A mandíbula dele doía. Talvez porque ele estivesse
cerrando os dentes.
— Você pode não gostar de Dunston, mas saiba disso: o
último homem que tomou liberdades com Eugenia, recebeu
inúmeras cicatrizes de faca por tal problema. O outro
cunhado dela é o Duque de Blackmore. Devo dizer quantos
filhotes vulgares Blackmore arruinou por ousarem aplicar
aquele apelido odiosos a minha preciosa menina?
Dunston a defendeu? Mais cedo ele provocara Phineas
com o ‘apelido odioso’, invocando uma reação destemperada
de Phineas. Ele franziu o cenho. Talvez fosse essa a ideia:
provocar.
— Outra coisa, Holstoke. Minhas filhas não são
malditamente intercambiáveis.
A ruga em sua testa se aprofundou, seu pescoço
enrijecendo ainda mais. Sobre o que diabos o homem falava?
— Maureen e Eugenia são o sol e a lua. Mel e presunto.
Cada uma é um deleite à sua maneira, mas não são iguais.
Bom Deus, ele estava implicando que…?
— Usar uma como substituta da oura é o mais baixo…
— Basta. — A voz de Phineas foi uma alfinetada calma.
Felizmente, ele conseguiu controlar isso antes de gritar. Berne
achava que ele não entendia a diferença? Que tipo de canalha
depravado ele o considerava? — Deixe-me falar.
Levou um momento, mas Berne assentiu.
— Eu juro para você que eu não fui desonrado com a sua
filha de forma alguma. — Ele controlou a raiva novamente,
deixando-a surgir e inchar o seu peito antes de prendê-la. —
Pelo contrário. Eu admiro a sua família, sir. Eu procurava
apenas defender isso. E ela...Se parecemos...íntimos, foi
devido a nos conhecermos por muito tempo. Lady Eugenia
tem interesse em minhas atuais dificuldades. Estou tentando
fazê-la desistir da ideia.
O fogo paterno gradualmente diminuiu. Berne levou um
longo tempo para responder. Quando o fez, sua voz estava
mais calma.
— Como pôde ver. — Ele olhou para seus sapatos e
depois para Phineas. — Ela é cabeça dura.
Phineas quase riu diante da afirmação. Em vez disso, ele
assentiu e manteve a expressão neutra.
— Muito bem, Holstoke. Se jurar por sua honra que isso
é nada mais do que um erro de interpretação…
— É.
— ...então, eu direi apenas isso. — Os olhos de Berne,
mesmo retornado ao seu brilho amável, ainda estava
endurecido. — Ao primeiro vislumbre de impropriedade entre
vocês – particularmente em público – sua caça a uma esposa
acaba, meu rapaz, pois se casará com Eugenia. — Berne
virou-se e abriu a porta, acenando para Phineas adiantar-se.
— Eu posso não ter querido um lacaio como genro, mas o
Conde de Holstoke? — Berne bateu com firmeza em seu
ombro enquanto ele passava. — Você seria esplêndido.
CAPÍTULO 7

“A impulsividade é a abençoada companheira do escândalo de


Eugenia. Convide um e você pode muito bem sentar-se à mesa
com o outro.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para Lady Eugenia Huxley


após testemunhar a oferta imprudente da dama citada a um
certo conde de olhos pálidos.

No dia seguinte, em algum lugar entre a Bond e a Bow


Street, Phineas começou a se sentir melhor. A noite anterior
fora um desastre, verdade. Ele nunca fora ameaçado de
enforcamento e casamento ao mesmo tempo antes. Mas após
uma luta matutina no Angelo’s com um velho amigo de
Harrow – que era um espadachim medíocre e um excelente
Secretário das Relações Interiores – ele começou a pensar que
suas circunstâncias eram menos terríveis do que presumira.
Trinta ou quarenta por cento, talvez.
Quando a carruagem passou por uma mulher
ordenhando uma vaca, ele ignorou a cacofonia ao redor da
Covent Garden e refletiu sobre suas chances. Primeiro, ele era
um conde. Isso não era um fato insignificante. Mesmo Bow
Street hesitaria em acusar um colega de assassinato,
quaisquer fossem as suspeitas.
Segundo, ele pretendia ajudar na investigação. Se, como
Drayton reportou, os venenos usados nos assassinatos eram
parecidos com os de sua mãe, talvez ele pudesse ser útil,
como havia sido antes.
Nos anos após a morte de sua mãe, ele fez um esforço
exaustivo para identificar as vítimas, desenterrando seu longo
fascínio por venenos. Dunston, Drayton e o dono do clube de
aposta, Sebastian Reaver, ajudaram. Drayton havia até
mesmo se ferido enquanto rastreava o boticário que
misturava as fórmulas. Mas nenhum deles possuía o
conhecimento necessário sobre extratos botânicos. Phineas
sim. A única coisa que ele e sua mão tinham em comum, de
fato – além do sangue – era o interesse por plantas. Ela
empregara várias fórmulas através do tempo, elaborando-as
às suas necessidades.
Com seu pai, por exemplo, ela orquestrou uma morte
longa e debilitante, marcada por um declínio das faculdades
mentais. Ele se lembrava de seu pai antes da ‘doença’
começar. Simon Brand fora tranquilo. Pensativo. Remoto, mas
bondoso. Phineas recordava de seu pai o colocando sobre os
ombros para assistir balões subindo, explicando-lhe como o
calor mudava o peso do ar. Ele lembrava do dia em que ele
partiu para Harrow, como despedaçado seu pai parecera,
como se ele quisesse nada além do que manter Phineas com
ele.
Simon havia amado seu filho. Ele amara a mãe de
Hannah, que ele conhecera em uma viagem a Bath. Ele
amara a filha. Mas ele se casara com uma serpente. E o
veneno dela havia sido a sua morte.
Uma mulher de refinada frieza, sua mãe mirou seu pai,
um segundo filho, como uma serpente faz com sua presa. Em
três meses, Lydia Price virou Lydia Brand. Então, após
elaborar as mortes do tio e avô de Phineas, ela se transformou
na Condessa de Holstoke. Ela ansiava ter influência na
aristocracia, a perseguia com uma avareza bruta, presumindo
que um título garantiria a aceitação. Por um tempo, foi o que
aconteceu.
Finalmente, a ton a rejeitou. Além de um punhado de
homens suscetíveis que adoravam a sua beleza, ninguém
mais gostava de ficar perto de Lady Holstoke por muito
tempo. Muitos sentiam sua natureza insensível e procuravam
fugir dela, como Phineas fizera.
Por todos os direitos, um filho não deveria odiar a sua
mãe, mas, a não ser por ter lhe dado à luz, ela não fora uma
mãe. Ela o confiou aos cuidados de babás e tutores desde o
nascimento, preferindo criar entretenimentos e cultivar os
jardins de Primvale Castle. Mesmo na jardinagem, ela lhe
dava pouco crédito, frequentemente ridicularizando suas
opiniões e descartando o seu conhecimento.
Como a antipatia entre eles era mútua, Phineas
conseguiu evitar a companhia dela – e ela a dele – até seis
anos atrás, quando ele viera a Londres para procurar por
uma esposa. Quase inexplicavelmente, ela insistira em
acompanhá-lo. Mais tarde, ele percebera o propósito dela: ela
idealizara um esquema para vender venenos especializados
para famílias que desejavam apressar suas heranças. Phineas
fora sua desculpa para estabelecer as conexões necessárias e
para ela ficar na cidade.
Dificilmente fora a primeira imersão dela na
criminalidade. O apetite de sua mãe por riqueza e poder era
sem fim, e ela passara décadas nesse esforço. Seus esquemas
ilícitos variavam de contrabando a quadrilhas, ladrões de
bordéis e casas de jogos. Assassinatos simplesmente eram o
meio para alcançar seus fins.
Agora, enquanto sua carruagem diminuía e lentamente
se aproximava da Bow Street, Phineas considerava as mortes
da Srta. Froom e de Lady Theodosia. Sua mãe se fora, assim
como seus cúmplices, porém os métodos dela foram
impudicamente descritos no The Times e outros jornais.
Qualquer maluco que tivesse capacidade de ler naquele
tempo, poderia ter decidido imitar os crimes.
Talvez após os corpos serem examinados por cirurgiões,
ele pudesse deduzir se os venenos eram de fato iguais as
fórmulas de Lady Holstoke ou se era apenas uma horrível
coincidência.
A carruagem parou do lado de fora do escritório de
polícia de Bow Street. Ele esperou que uma carroça carregada
com flores e frutas passasse antes de sair e cruzar da porta.
Dentro do espaço sombrio ele percebeu uma estranha
variedade de bêbados beligerantes, patrulheiros de casacos
vermelhos, miseráveis de caras envergonhadas, jornalistas de
olhos agudos e prostitutas resignadas. Um policial empurrou
desleixadamente uma mulher. O homem riu quando ela saiu
correndo segurando o corpete e cuspindo em sua direção.
Phineas procurou por Drayton dentro de uma sala
escura e lotada, mas no meio da aglomeração, seus olhos
fixaram em uma anomalia.
Uma anomalia de cintura pequena, postura orgulhosa e
distintamente feminina.
Ele atravessou a multidão, aproximando-se.
Seu vestido de passeio era de lã verde e elegante. Seu
bonnet exibia duas peras em miniatura e três penas
douradas. As plumas balançavam enquanto ela falava com
um oficial de queixo quadrado e cabelos escuros, que parou
de tomar notas para arquear as sobrancelhas e reprimir um
sorriso.
— A noite inteira, minha dama?
— A noite inteira. — Sua voz doce e rouca insistiu. —
Todas as noites. Não há noites que ele não esteja comigo. A
maioria das manhãs e tardes também.
O oficial balançou a cabeça e perdeu o controle de seu
sorriso.
— Sua senhoria tem um vigor formidável, hein?
Por Deus, Phineas tinha que ter insistido que ela fosse
trancada em seu quarto. Agora era tarde demais para eles.
— Precisamente. Formidável. Sim. Então, como vê, ele
teria pouco tempo para envenenar alguém, já que estamos
sempre juntos. Exceto quando ele está no clube. Ou
frequentando algumas de suas entediantes palestras sobre
jardins. — Ela fungou. — A maioria do tempo, ele está
comigo.
O raio queimou através dele, incendiando cada fibra.
Quebrou, rachou e devorou até tudo desaparecer: as
prostitutas, os miseráveis, as janelas com barras e fedor do
desespero.
Não, havia apenas essa mulher e o destino que ela
desencadeou: Eugenia Huxley seria sua esposa. Não
precisava calcular probabilidades. Isso certamente era cem
por cento.
A percepção martelou sob sua pele. Acelerou seu
coração, sua respiração. Comprimiu sua virilha até ele mal
poder respirar. Automaticamente, suas pernas o levaram até
centímetros dela.
O oficial levantou o rosto. Olhos perspicazes e cansados
do mundo brilharam. Ele inclinou a cabeça.
— Meu lorde.
Plumas douradas roçaram o queixo de Phineas quando
ela se virou. Olhos intensos como os de gato arregalaram-se
embaixo das peras.
— Holstoke! — As bochechas dela ficaram vermelhas. —
Eu...Eu estava apenas explicando. — Os dedos dela
tremeram. — Para o Sr. Hawthorn, é isso. Estava lhe
dizendo…
— Eu ouvi. — Phineas alfinetou. — Estamos indo
embora.
Eugenia arregalou ainda mais os olhos com insistência,
balançando a cabeça emplumada na direção do oficial.
— Talvez devamos nos assegurar que o Sr. Hawthorn não
tenha mais perguntas.
O olhar do oficial caiu sobre as mãos de Phineas no
braço dela, depois para o caimento das calças dele. O sorriso
irônico voltou.
— Desnecessário, minha dama. — Hawthorn arqueou
uma sobrancelha e encontrou os olhos de Phineas. — Minhas
questões foram todas respondidas por enquanto.
— Oh. Bem, então. Devo desejar-lhe um bom dia, Sr.
Hawthorn. — Ela assentiu com vigor, como se passeasse pela
Bow Street em direção a Covent Garden em vez de ter
acabado de confessar passar ‘todas as noites’ sendo
violentada por um homem de ‘vigor formidável’.
— Diga a Drayton para vir me ver em Holstoke House. —
Phineas ordenou trincando os dentes.
Hawthorn assentiu batendo seu lápis contra seu
caderno.
Phineas empurrou sua impetuosa, louca e audaciosa
futura noiva através da multidão e saiu na Bow Street.
— Holstoke. — Ela gritou enquanto ele a arrastava em
direção à carruagem dele. — Eu posso pegar uma carruagem
de aluguel.
— Nós vamos conversar na carruagem. — Ele abriu a
porta. — Entre.
Olhos de xerez o fulminaram.
— Não seja…
Ele inclinou-se.
— Para. Dentro.
Alguma coisa na fúria dele deve tê-la convencido
finalmente, pois ela simplesmente engoliu em seco e entrou.
Ele gritou uma ordem ao seu cocheiro e também entrou na
carruagem.
Por segundos, ele respirou fundo e a observou
silenciosamente ordenando que sua raiva e ereção recuassem.
Nenhuma delas cooperou. Inferno maldito.
— Encarar é grosseiro, Holstoke. — Ela fungou. —
Deveria me agradecer.
— Agradecer? — Ele murmurou incrédulo.
— De nada.
— Maldição, mulher.
— Blasfemar também é rude.
— Eu lhe avisei para não fazer isso. É irreversível.
As penas dela balançaram quando ela ergueu o queixo.
— Bom. Minhas intenções eram exonerá-lo
irreversivelmente. E foi isso o que eu fiz.
— O que você fez… — Ele disse suavemente. — Foi forçar
a minha mão.
— Não seja ridículo. Eu resgatei o seu pescoço da corda.
Remediações adicionais são desnecessárias, desde que
estupidamente não me contradiga.
— Eu teria resgatado o meu próprio pescoço, sua tolinha.
Ela cruzou os braços e lhe lançou um sorriso de
descrédito.
— Como? Pode dizer?
— Ao encontrar o assassino verdadeiro.
Ela piscou. O sorriso desapareceu.
— Oh. — Ela mordeu o lábio inferior e depois apoiou o
cotovelo em seu pulso e bateu naquele lábio carnudo com um
dedo. O movimento atraiu o olhar dele como uma abelha por
uma flor. — Ainda assim, tal investigação pode levar
semanas. Meses, até. Até lá, estaria sob julgamento na Casa
dos Lordes e contaria apenas com a ajuda duvidosa de
Dunston. Isso seria ruim. Ele não gosta de você. Não, a minha
solução é melhor. Deixe Hawthorn caçar o assassino. Pela
aparência de seus trajes, ele poderia usar os fundos.
Ele não respondeu. No momento, o corpo dele estava
sendo crivado por raios e suas mãos apertavam o assento
para mantê-la longe dela.
— Além do mais, seria melhor que saísse de Londres.
Quando eu voltar a Nottinghamshire…
— Você não vai a Nottinghamshire.
Aquela boca – a que fazia o seu sangue correr mais
quente do que deveria – abriu-se e franziu.
— Sobre o que está…?
Ele encontrou os olhos dela.
— Eu sairei de Londres. — Ele disse. — E você virá
comigo.
A garganta dela ondulou.
— Não, não acho que seja necessário. Hawthorn pareceu
bem persuadido…
— Nos casaremos em uma semana.
— Casar — Ela murmurou a palavra. O peito dela
estremeceu e acelerou com respiradas rápidas. Suas mãos
caíram sobre o colo.
— Depois eu a levarei a Primvale, onde estará segura.
— Holstoke.
— Hannah ficará aliviada. Ela prefere Dorsetshire.
— Eu não quero um marido. Além do mais, no que diz
respeito às esposas em potencial, eu sou uma terrível
perspectiva. Terrível. Apenas pense na humilhação. O
escândalo.
Ele inclinou-se para a frente, lutando para não a
imaginar deitada embaixo dele, aqueles lábios finos engajados
em uma atividade mais valiosa do que discussões
intermináveis.
— Talvez pudesse ter considerado tais coisas antes de se
declarar minha amante.
Ela balançou a cabeça, penas douradas ondularam
agitadas.
— Não concordarei com isso.
— Uma licença leva alguns dias para sair, mas se a igreja
tiver disponibilidade, não haverá mais espera.
— Maureen mencionou que você deseja se juntar ao
pequeno clube de plantas de Lorde Gilforth. Uma esposa
notória certamente diminuirá as suas chances…
Ele franziu a testa.
— A Sociedade de Horticultura de Londres não é um
‘pequeno clube de plantas’. É a maior organização botânica da
Inglaterra. O propósito deles é a pesquisa científica.
— E se deseja tornar-se um membro, casar com a
Rameira Huxley apenas manchará…
— Eu já a alertei para não repetir essas palavras,
Eugenia.
— Negar a realidade não beneficia ninguém. Além do
mais, não desejo morar em Dorsetshire. Eles têm lojas de
chapéus lá?
— Vontades não importam. Escolhas sim. Você fez a sua.
— Ele trincou a mandíbula. — E a minha, pelo que parece.
— Besteira.
Sua resposta atrevida, assim como suas negativas
contínuas, o inflamou ainda mais. Seu corpo doía e latejava.
Forçou-se a afastar o olhar dela. Ajudou um pouco. Notou
que o dia ficara cinza.
— Escute-me Holstoke. — Ela disse após um longo
silêncio. — Você e um homem de caráter admirável.
Obviamente ela não sabia nada sobre os seus
pensamentos, pois eles estavam longe de serem ‘admiráveis’
quanto deviam ser. Ele queria entrar na boca e no corpo dela.
Como se a certeza do casamento tivesse aberto algum portão,
até então, desconhecido. Ele foi inundado por um desejo
quase incontrolável de reivindicá-la.
Eugenia Huxley, de todas as mulheres. Uma resposta
totalmente irracional a uma mulher totalmente irracional.
— Se acreditasse que o meu depoimento ao Hawthorn
iria prejudicar a mim, a Kate ou ao resto de minha família em
um grau significativo, não teria feito. — Ela continuou, sua
voz calma e racional, suas palavras, sem sentidos. — Mas
você deve compreender, todo dano já foi concebido três anos
atrás. Não há nada a ser salvo.
— De qualquer modo, nos casaremos.
— Mas...Eu sou desgraçada. Você não me quer e eu não
quero um marido e…
— E você será a minha esposa lá pelo fim desta semana.
— Ele se preparou antes de voltar a olhá-la. Por Deus, ela era
uma tentação. Desafiadora. Rebelde. Uma provocação cheia
de curvas e olhos de gato. — Aceite.
Um franzido de perplexidade enrugou a testa dela.
— Como eu posso aceitar algo tão absurdo?
Entre uma piscada e outra, ele moveu-se do assento dele
para o dela. Outra piscada e ele tinha Eugenia esticada
embaixo dele, assustada e enrubescida.
— Aceite. — Ele repetiu.
O bonnet dela escorregou sobre sua testa. Ele puxou a
coisa frouxa, avaliando seu cabelo. Ele queria vê-lo
escorregar. Espalhar e brilhar.
Ela piscou.
— Bons céus, você realmente está furioso comigo, não
está?
Furioso? Em parte, talvez. Quem diria que poderia
afirmar com tanta luxúria rondando? As porcentagens se
perderam em meio ao tumulto estrondoso, que queimava e
confundia.
Ele segurou a cintura dela com uma mão, envolveu-a
com a outra, tomando cuidado para não a deixar sentir sua
ereção. Se ela confundiu sua necessidade com raiva, melhor.
Talvez ela ficasse intimidada com a percepção.
— Aceite. — Ele exigiu mais uma vez.
— Lamentar-se-á, Holstoke. Há coisas que não sabe.
Ele abaixou-se até os seios suaves e doces amortecessem
o seu peito e os lábios suaves e doces estivessem perto o
bastante para um beijo.
— Aceite.
A respiração dela ofegou sobre o seu queixo, os olhos
procuravam os seus.
— Não me culpe quando lamentar de sua decisão.
Recorde-se deste momento.
— Oh, recordar-me-ei.
— Sim, muito bem. Apenas recorde-se de quem permitiu
que a besteira do cavalheirismo destruísse a sua vida e quem
lhe ofereceu uma saída. — Ela umedeceu os lábios e olhou
para os deles. — Este é você, neste caso.
Ele não queria sair. Ele queria entrar.
— Fale, Eugenia.
Ela suspirou, os olhos melancólicos.
— Pelo menos a minha família não carregará mais o
fardo.
— Fale.
— Muito bem, Holstoke. Eu me casarei com você.
CAPÍTULO 8

“Um chapéu, mesmo ostentoso, só pode esconder as


deficiências de seu usuário por um tempo, Meredith.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para Lady Berne em um


momento de aborrecimento com o comportamento rebelde de
Lady Eugenia Huxley.

Genie tivera certeza de que ele quis beijá-la. Aqueles


olhos pálidos tinham soltado faíscas escuras, a respiração
dele pairaram sobre seus lábios e seu peito a havia
pressionado contra o assento.
Por todas as razões, ele deveria tê-la beijado.
Porém a carruagem sacudiu ao virar uma esquina, ele
gemeu como se estivesse com dor e, qualquer que tenha sido
a emoção estranha que fez Holstoke se comportar tão
imprevistamente, dissipara-se ou foi ferozmente controlada.
Ele lentamente afastou-se dela, a endireitou e, calmamente,
recolheu o chapéu dela do chão da carruagem.
Ela deveria ter ficado aliviada, claro. Beijar não era a sua
preferência. Porém, ela desejava descobrir qual a sensação de
ter aqueles lábios sobre os dela. Desejou ser capaz de segurar
o rosto dele em suas mãos, aspirar seu cheiro de limão e
descobrir a fonte de calor que fizera o seu coração bater a um
ritmo estrondoso.
Agora, seis dias depois, ela vasculhava a sua cesta de
fitas vermelhas, esperando que seu maldito mal-estar
passasse logo.
— Talvez branco fosse melhor. — Ela murmurou. —
Flores brancas, gaze branca, penas brancas.
— Ugh. — Kate zombou. — Branco é tão… Não-Genie.
— Apropriado, quer dizer.
— Previsível. Você estará se casando. Com Holstoke! —
Kate riu e caminhou até o canto oposto da sala para se servir
de uma xícara de chá.
— Céus, tudo é tão surpreendente. Por que o seu chapéu
teria que ser menos?
Genie apoiou a cabeça sobre as mãos e ficou olhando
para o seu chapéu iniciado, que ela refazia pela terceira vez.
Surpreendente. Sim, ela acreditava que seu casamento
iminente era inesperado. A grande surpresa era Holstoke,
obviamente. A única coisa que ela mais temia era a viagem a
Dorsetshire. Três dias um uma carruagem fechada com a
silenciosa e frágil Hannah? Céus, Genie teria que cuidar de
cada uma de suas palavras.
— Sabe, isso me lembra de uma peça. — Kate disse.
Genie bufou.
— É claro que lembra.
— Em a Megera Domada, Katherina inicialmente briga
com Petruchio, mesmo saindo faíscas entre eles desde o
início. O casamento deles é controverso no começo, mas tudo
termina bem.
— Para Petruchio, talvez. — Genie murmurou.
— Ela até mesmo tem uma irmã mais nova que também
se casa. — Kate se jogou na cadeira ao lado de Genie. —
Exceto que o nome da irmã é Bianca. E o meu nome e
Katherine. E mesmo que o seu nome fosse Katherine, você
nunca concordaria em declarar que o sol era a lua por causa
dos caprichos de seu marido. — Ela bebeu o chá. — Você
provavelmente o enterraria debaixo da sua cama nupcial,
suspeito.
Genie puxou uma pena de pavão e uma fita violeta,
segurando-as contra a luz.
— Então está me dizendo que a minha circunstância não
tem nada a ver com a sua peça.
— A comparação desmorona após uma comparação mais
detalhada.
Esse era o motivo pelo qual Genie raramente prestava
muita atenção em Kate. Sua irmã – por mais adorável que
fosse – falava de modo enredado.
— Por falar nisso, Holstoke estaria mais propenso a
cortar um bruto como Petruchio do que virar um. — Outro
gole. — Especialmente se você fosse tratada com grosseria.
Céus, consegue imaginar? Ele ficou furioso com a Sra.
Pritchard! — Kate deu uma risadinha.
— Holstoke é honrado. — Genie descartou a pena de
pavão e a substituiu por uma de avestruz amarelo. — Muito
honrado, às vezes.
— Ele é bastante protetor com você.
Genie escolheu não responder.
— Alguns diriam que furiosamente.
— Você quer chegar a um ponto, Kate?
— Acho que ele gosta de você.
Seu coração se apertou.
— Ele gosta de Maureen.
— Isso foi há anos. Provavelmente você não acha que ele
ainda a ama…
— Holstoke é do tipo protetor. — Genie respondeu. —
Apenas observe como ele trata a irmã. Tenho certeza de que
ele protegeria um cachorrinho maltratado se encontrasse um
na rua, desde que o filhote não comece seu chapéu. É
simplesmente quem ele é.
— Humm. Duvido muito que ele proporia casamento a
um filhote maltratado.
— Ele não tem nenhum sentimento especial por mim,
tolinha. — Exceto que ele a derrubara no assento da
carruagem e exigiu que ela concordasse em se casar com ele.
Ela mal sabia o que dizer. Aqueles olhos perfuraram a cada
resposta, deixando-a cambaleante.
Ela quis contar-lhe a verdade. Depois ela pensou em sua
mãe, seu pai e em Kate. Deus, a enredada Kate com sua
obsessão por Shakespeare e noções doces e fantasiosas de
casamento por amor. Kate merecia ser feliz sem um
escândalo. Sua mãe e seu pai mereciam ficar livres do Grande
Fardo de Genie. Pelo que importava Dunston e Blackmore
mereciam um descanso de ameaçar a todos homens
grosseiros que a insultava.
Ela deveria ter contado a verdade a Holstoke. Mas,
depois de ser demitida pela Sra. Printchard, seu plano para
abrir uma loja e conseguir independência como uma
chapeleira de moda escandalosa sofrera um golpe. Se ela não
conseguia nem ao menos permanecer empregada como uma
assistente por um ano inteiro, como poderia esperar
administrar uma loja com sucesso?
Na verdade, a oferta de Holstoke – a exigência, na
verdade – veio em um momento de vulnerabilidade. Ela viu
uma saída e a aceitou. Ela se casaria com ele, transferiria o
Grande Fardo Genie para os ombros de Holstoke. Mesmo que
ela nunca fosse ser o tipo de esposa que qualquer homem em
plenas funções pudesse querer.
Ela tentaria. Aquele fora o seu voto silencioso ao se
deparar com aquele verde gelado surpreendentemente
aquecidos e deu a resposta que ele queria. Ela tentaria ser
uma boa esposa.
Certamente Holstoke não seria muito exigente. Ele
sempre lhe parecera bastante frio, mais interessado em
plantas do que em paixões. Ele não parecera frio na
carruagem, claro, mas certamente era mais raiva do que
ardor. Não, com toda a probabilidade, Holstoke pediria a ela
pouco mais do que fosse necessário para gerar um filho.
E filhos seriam adoráveis, mesmo que a geração deles
não fosse.
Kate bufou.
— Você é uma idiota. Após o casamento, perceberá que
estou certa. Sempre que está perto, ele parece,
inexplicavelmente febril. Não consigo explicar isso.
Genie balançou a cabeça e abaixou a pluma amarela e a
trocou pela fita de veludo marrom.
— Contos de fadas novamente?
Kate estalou a língua e inclinou-se sobre a mesa. Então,
ela puxou um pedaço de seda coral e envolveu no pulso de
Genie.
— A vermelha, querida. Foi a vermelha o tempo todo.
Mais tarde, enquanto Genie franzia o forro de cetim ao
redor de uma copa alta, ela contemplou as armadilhas e os
benefícios de se tornar a esposa de Holstoke.
Primeiro as armadilhas: eles tinham pouco em comum.
De acordo com Maureen, que se correspondia regularmente
com Hannah, Holstoke passava a maior parte de seu tempo
avaliando jardins e os vidros das casas, escrevendo artigos
científicos e depois submetendo-os ao pequeno clube de
plantas que continuamente negava a sua entrada. Genie não
conseguia imaginar algo mais tedioso. Ela não sabia nada
sobre plantas, além das melhores para decorar os penteados
femininos, mas, com certeza, haveria maneiras mais
emocionantes de se passar as horas.
Além do mais, ela não mentira sobre Dorsetshire. Vagar
pela zona rural costeira com nada além de ver flores silvestres
para desviar seus pensamentos da solidão abismal? Bons
céus. Ela deveria criar algum propósito útil ou enlouqueceria.
Enquanto desenrolava um pedaço de fita verde e
começou a enrolá-la no arame para criar galhos e folhas,
focou nos aspectos benéficos de se tornar a mulher de
Holstoke.
De verdade, ela admirava o homem. Ele era bondoso com
a irmã. Nobre. Alto. E, como ela percebera, bonito a sua
maneira. Os olhos eram extraordinários, claro. Os
lábios...sim, ele tinha lábios soberbos. Ela nem mesmo podia
imaginar beijar, se não fosse beijar Holstoke.
Suspirando, ela curvou sua videira verde ao longo da aba
do chapéu e a costurou no lugar. Melhor não se aprofundar
muito nas questões das relações conjugais. Isso fazia seu
estômago borbulhar e doer.
Ela franziu o cenho e mudou para considerações mais
práticas. Uma mesada generosa era provável. Ele era mais
rico do que qualquer homem que ela conhecia – incluindo o
Duque de Blackmore. Maureen descrevera o castelo de
Holstoke como “surpreendentemente palaciano para um
homem rígido”. Genie não tinha certeza se acreditava nela, já
que Maureen podia ser excessivamente generosa em seus
elogios. Entretanto, Lady Wallingham uma vez reclamara que
Holstoke estava ‘determinado a ser dono de cada semente do
solo inglês.' Suas posses devem ser vastas, de fato.
Provavelmente ele não teria má vontade em dar fundos
suficientes para sua esposa comprar alguns suprimentos de
chapelaria.
Ela sorriu diante do pensamento. Oh, quão esplêndido
seu novo local de trabalho seria – metros e metros de fitas,
acres e acres de renda. Tesouras adequadas, blocos
resistentes e uma mesa de tamanho adequado. Dez, não,
vinte metros pelo menos. Sim, uma mesa longa e bonita que
ela nunca precisaria dividir. Nem com Fancy Nancy. Nem com
ninguém mais.
Bons céus, este casamento pode ser a coisa certa. Pela
primeira vez desde que papai beijara a sua testa e apertara a
mão de Holstoke com uma aprovação calorosa, ela não se
sentia mais indisposta. Ela estava...bem.
Um marido alto, bonito e honrado a quem ela admirava.
Filhos, eventualmente – ela gostava bastante de crianças.
Uma mesada generosa. A possibilidade de uma chapelaria
verdadeiramente grande. Seu casamento prometia ser mais
palatável do que antecipara, especialmente se Holstoke
provasse ser um marido com poucas exigências.
Ela mordeu o lábio. Infelizmente ela não poderia ter
certeza da última parte até eles serem, de fato, marido e
mulher.
Uma batida soou à porta. Era Emerson.
— Desculpe-me, minha dama. Você tem uma visita. O
Sr. Moody pede para vê-la.
— Oh! — Ela exclamou. — Faça-o entrar.
Com as bochechas vermelhas e sorrindo, Lewis Moody
entrou na sala com seu chapéu em mãos e se inclinou.
— Milady. Obrigado por me receber.
Ela se levantou e foi cumprimentá-lo.
— Não seja tolo, Lewis. Fico feliz por ter vindo. Conte-me,
está gostando de trabalhar com o Sr. Smith?
— Esplêndido, milady. Ele é o chefe mais generoso. Eu já
aprendi novos métodos de costurar o feltro e… — Lewis
engoliu em seco e abaixou os olhos para seu chapéu,
apertando a coisa em suas mãos. — É por isso que eu vim,
milady.
— Lewis, chame-me de Eugenia. Nós uma vez fomos
conspiradores, você e eu. — Ela brincou. — Certamente não
há necessidade de ser tão formal.
Ele levantou os olhos, brilhantes e ávidos. As bochechas
redondas coraram ainda mais até suas sardas
desaparecerem.
— Lady Eugenia.
— Humph. Isso deve servir, suponho. — Ela lhe deu um
sorriso de repreensão. — Agora, diga-me o que o traz aqui?
Ele engoliu e seco novamente.
— E-eu desejo agradecê-la propriamente, mil..er, lady
Eugenia. — O homem corpulento soltou um suspiro e olhou
para o teto antes de encontrar seus olhos novamente. — Você
foi muito bondosa e sou muito grato.
— Isso é tudo? Oh, Lewis, não precisava fazer todo esse
caminho…
Ele se aproximou.
— É o que mais admiro. Você sempre me tratou com
bondade, apesar de ser uma dama e eu nada além de um
comum chapeleiro.
Ela inclinou a cabeça, reconhecendo seu agradecimento
ao dar um tapinha em seu ombro.
— Bem, fico feliz por ter caído em um bom lugar depois
que eu lhe causei problemas.
Abruptamente, ele caiu de joelhos e pegou a mão dela.
— Oh! O que…
— Eu desejo oferecer a mim mesmo a você, milady. Lady
Eugenia.
— Lewis, realmente. Não há necessidade…
Ele segurou seus dedos e elevou os olhos para ela com ar
de adoração.
— Eu serei seu cavaleiro, embora seja apenas um
humilde chapeleiro. E sempre que precisar de mim, eu virei
imediatamente. Ou tão rápido quanto consiga alugar uma
carruagem. Presumindo que andar não seja o mais rápido.
Ela engoliu a bolha de risada que ameaçava explodir.
Homem doce e tolo. Ele havia lido muito Ivanhoé.
— Você é um verdadeiro galante, Lewis Moody. — Ela se
perguntava se não deveria buscar a sua colher de pau e
declará-lo Cavaleiro do Império Otomano.
Ele beijou os dedos dela e segurou sua mão entre as
dele.
— Minha espada é sua, lady Eugenia. Agora e sempre.
Pelo canto dos olhos, ela viu uma sombra alta e elegante
mover-se através da porta aberta e entrar na luz da janela da
sala.
Droga. Droga, droga, droga.
— Para um homem que deseja continuar respirando,
seria aconselhado manter a sua espada a uma distância
apropriada de uma dama. — A voz baixa e dura flutuou das
paredes de painéis de carvalho como uma alfinetada fria. Os
olhos verdes brilhavam como gelo. — Especialmente esta
dama, que será a minha esposa.
O estômago de Genie afundou-se.
Os olhos de Lewis ficaram ridiculamente redondos. Ele
soltou a mão dela e lutou para ficar de pé. Virou para encarar
o lorde imponente.
— Holstoke. — Ela expirou, rapidamente se colocando
entre os dois homens. — Era um simples gesto de gratidão…
Ele a ignorou, caminhando lentamente em direção a
Lewis, perfurando o homem com o seu olhar. Céus, Holstoke
tinha um talento para intimidação. Ele parou a meros
centímetros dela, ereto, alto e frio, suas mãos cruzadas às
suas costas, os olhos fixos em Lewis por cima dos ombros
dela. Calmamente, ele falou uma palavra:
— Saia.
Lewis guinchou. Inclinou-se. E fugiu. Para um homem
corpulento, ele se movia rápido.
— Isso era mesmo necessário? — Ela disse, observando
Lewis fugir pela segunda vez em uma semana.
Ela esperava que Holstoke descongelasse após a partida
do outro homem, mas ele meramente transferiu seu olhar
frio, opaco e penetrante para ela.
— Por que está me olhando desta forma?
Nada mudou. Ele mal piscava, seu pescoço rígido, corpo
imóvel.
— Holstoke, diga alguma coisa.
Quando ele finalmente o fez, ela desejou não ter feito
essa exigência.
— Como nos casaremos amanhã, vamos esclarecer as
coisas, Eugenia. — Sua voz era baixa. Fria. — Quaisquer que
foram as suas inclinações anteriores, quando for a minha
esposa, comportar-se-á como convêm à minha esposa.
— Inclinações. — Ela murmurou, seu ventre agitando-se
dolorosamente.
— Não serei feito de idiota.
Levou um momento para ela recuperar o fôlego.
— É isso o que pensa de mim? Que eu tenho inclinações?
— Sou um homem racional.
Ela bufou.
— Racionalidade quer dizer seguir a razão e à evidência
até uma conclusão lógica. Onde estão as suas preocupações,
as evidências são abundantes.
Ela achava que ninguém mais a faria sangrar. Mas ele
fizera. O corte causou uma dor dilacerante no meio de seu
corpo. Doía respirar. Doía olhar para ele. Por que ela pensou
que ele seria diferente? Porque ele, também, recusava-se a se
conformar?
Que idiota. Mesmo um homem peculiar, ele ainda era um
homem.
Ele se aproximou, sem sinais de irritação ou raiva.
Simplesmente gelo. Ele cheirava levemente a limões. Do
contrário, acharia que era um estranho.
— Amanhã, quando prometer fidelidade, eu cobrarei
isso. — Ele disse em voz baixa. Cuidadosamente. Com
precisão. — O que quer que tenha acontecido antes tem
pouca importância. O que virá depois é uma grande coisa.
Isso é aceitável para você?
Ela cerrou a mandíbula. Endireitou a coluna. Abriu a
boca para falar.
Perdeu a coragem.
Ela assentiu.
Calmamente ele se endireitou.
— Então a verei na St. George. Boa tarde, Lady Eugenia.

*~*~*

Phineas desmontou dentro de Park Lane e passou as


rédeas de Caballus para seu cavalariço. Ele tomava cuidado
com os seus movimentos. Lentos. Firmes. Ele inclinou um
pouco a cabeça para bloquear o sol com a aba de seu chapéu,
mas também para ver o chão.
Ele estava meio cego no momento, vislumbres de branco
piscavam em torno de sua visão. Era nada além de um
aborrecimento.
A faca cravada em seu crânio era pior.
Mas nada disso se comparava ao que estava por baixo
disso. Ele esmagou aquela coisa sombria até ficar tão
pequena quanto ele podia. Ele a envolveu em lógica e forçou
mais para baixo da superfície.
Lá, queimava como brasa.
Ele havia ignorado isso enquanto finalizava o acordo de
casamento com Lorde Berne. Ele a ignorou na volta para
casa. Mas ela não gostava de ser ignorada.
Entrando em Holstoke House, ele passou seu chapéu
para o lacaio. O rapaz de rosto bonito entrou e saiu de sua
visão.
A brasa brilhava com força e ele a sufocou com mais
força.
— Meu lorde, gostaria de um bule de chá?
Ele respirou até a vontade de vomitar passar.
— Sim. Leve-a ao meu quarto, por favor.
O lacaio assentiu em entendimento, um vinco de
simpatia em sua testa bonita.
— Imediatamente.
Phineas foi até as escadas, subiu os três primeiros
degraus antes de ouvir vozes. Sua irmã. E um homem.
Ele franziu a testa, esfregou a têmpora direita. Subindo
ao primeiro andar, ele seguiu os sons até a sala de estar.
— Quando disse que Lorde Holstoke voltaria? — O
homem perguntou.
— Eu não disse.
— Humm. Pensei que havia dito.
— Pensou errado, Sr. Hawthorn. Diria que não é a
primeira vez.
— Isso foi um insulto, Srta. Gray? — A voz do homem
soava divertida. Intrigada.
— Uma observação. O insulto é sua presença aqui.
Como usual, a voz de Hannah estava totalmente calma,
mas Phineas a conhecia bem. Um fio de apreensão – medo e
preocupação – corria por baixo.
Ele se dirigiu para as portas abertas. Dentro, Jonas
Hawthorn estava parado perto demais dela, meros
centímetros. Não é de admirar que ela se sentisse ameaçada e
hostil.
— Hawthorn. — Ele espetou, estremecendo com sua
própria voz. — O que faz aqui?
O agente virou-se lentamente, como se relutasse remover
os olhos de Hannah. As bochechas dela estavam...rosadas. O
que diabos? Hannah raramente corava. Ele obviamente a
aborreceu profundamente.
Hawthorn cruzou a sala em passadas longas. Inclinou a
cabeça levemente enquanto se aproximava, o único sinal de
deferência ao título de Phineas.
— O inquérito do legista sobre a Srta. Froom está
terminado. Eles concluíram que a morte foi por
envenenamento. Espero os resultados de Lady Theodosia em
breve. Froom e Glencombe também contrataram cirurgiões.
Os relatórios devem chegar dentro de uma semana. Eles estão
convencidos de que você está por trás das mortes das filhas
deles. — Um sorriso lento surgiu. — Agora, eu? Eu não
acredito. Por que um assassino ofereceria ajuda para pegar a
si mesmo? — Hawthorn balançou a cabeça. — Você ainda
pretende cooperar, não é, Holstoke?
A luz brilhante, vinda das janelas iluminavam em halos e
obscurecia sua visão. Ele lutou para trazer o rosto de
Hawthorn ao foco. Cabelos castanhos, olhos cinzas. Queixo
quadrado e um profundo cinismo. Bonito, ele acreditava,
apesar de um pouco rude. Ele parecia ser da mesma idade de
Phineas, um centímetro ou dois mais baixo, um metro e
oitenta, talvez. Phineas piscou e examinou as roupas do
homem. Casaco áspero de lã preta. Calças marrons. Colete
simples. Todos mal ajustados e folgados, dando-lhe a
aparência de um vagabundo.
Eugenia estava certa. Hawthorn se vestia com muita
simplicidade, como se não pudesse pagar ou não se
incomodasse. Os agentes de Bow Street tipicamente recebiam
um salário médio, mas aqueles com ambição,
complementavam seus rendimentos como reivindicar
recompensas de homens como Froom e Glencombe. Um
oficial competente certamente poderia pagar por um casaco
descente. Um talentoso, poderia viver bastante confortável, de
fato. Se Drayton não tivesse garantido que Hawthorn era ‘o
mais esperto do lote de Bow Street’, Phineas teria assumido
que suas habilidades eram tão surradas quanto sua
aparência.
Mas ele já vira disfarces antes. Sua mãe usara um até o
fim.
Estreitando o olhar, ele avaliou Hannah, que permanecia
perto das janelas, suas mãos dobradas em sua cintura.
— Como dei a minha palavra, Sr. Hawthorn, e eu não
estou inclinado a quebrá-la, pode ter certeza da minha
cooperação. — Ele disse. — Entretanto, se eu o encontrar
sozinho com a minha irmã novamente, perderá muito mais do
que a minha ajuda. Entendeu?
O outro homem ergueu uma sobrancelha, lançou um
olhar sobre o ombro em direção a Hannah e voltou a sorrir.
Ele deu uma risadinha e balançou a cabeça.
— Entendi. — Seus olhos brilhavam calculadamente. —
Também entendi que pretende se casar com Lady Eugenia
Huxley amanhã.
— Sim.
Hawthorn vasculhou ao redor da sala, batendo seu lápis
contra o caderno.
— Esta é uma casa muito elegante, meu lorde. Elegante,
de fato. Ficará em Londres depois do casamento? Ou talvez
retorne a... — Hawthorn fingiu folhear suas anotações. — Ah,
sim. Dorsetshire. Primvale Castle. Grande nome.
Phineas já estava ficando cansado das charadas. O
homem não podia simplesmente falar abertamente? Mas
então, a faca em seu crânio o fazia querer arrancar os
próprios olhos, e sua paciência estava muito curta.
Além do mais, havia o incidente com Eugenia. A brasa
negra queimava forte, enquanto sua mente tocava as
lembranças - o sorriso dela, brilhante com uma diversão
afetuosa, dirigido a um homem que erroneamente tocava algo
que pertencia a Phineas – mas novamente, ele forçou isso a
retroceder. Ser dominado por sua dor, sua raiva ou pela
escuridão não identificada, era se render à fraqueza. Ele devia
ser forte. Por Hannah. Por Eugenia. Por si mesmo.
— Londres por vários dias. — Ele respondeu ao agente.
— Depois, partiremos a Dorsethsire. Você pode dar os
relatórios a Drayton. Ele garantirá que eu os receba.
— Oh, eu não gostaria que nenhum documento
importante se perdesse. Devo entregá-los pessoalmente, meu
lorde.
— Não se incomode.
— Não é incomodo. — Novamente o homem olhou para
Hannah. — Nenhum mesmo. — Então, ele virou-se e inclinou
com uma pontada de zombaria na direção de Hannah antes
de recolocar seu chapéu surrado e simples sobre a cabeça. —
Srta. Gray, uma esplêndida manhã para você. — Ele voltou-se
a Phineas e lhe deu um breve aceno. — Meu lorde.
Quando ele partiu, Phineas sentiu como se um lobo
tivesse acabado de sair da sala. Hannah parecia concordar,
deslizando em direção a Phineas com uma fisionomia de
alívio. Esse, foi rapidamente encoberto por preocupação.
— Phineas. — Ela suspirou. — Seu chá. Devo servi-lo
para você?
— Não. — Ele pressionou a palma da mão sobre sua
têmpora direita. Não ajudou, mas era algo. — Provavelmente
já está em meu quarto.
Ela assentiu, uma pequena ruga de preocupação se
acentuou.
— Deveria se deitar.
— O que ele disse antes de eu chegar?
Ela apertou os lábios. Suas narinas inflaram.
— Nada importante. Ele é uma criatura muito...irritante.
— Se ele lhe visitar enquanto estiver fora, faça-o voltar e
coloque um lacaio para segui-lo até que ele esteja bem longe
de Mayfair.
— Ele se considera encantador, acho. Eu não o vejo
assim.
Phineas abaixou a mão. Por Deus, sua cabeça estava
latejando. E a náusea agora era constante.
— Eu o acho presunçoso. E irritante.
— Você ficará bem, pequenina? — Ele murmurou,
focando seu controle em manter seu café da manhã onde ele
estava.
Ela piscou.
— Sim, claro. — Piscou novamente. — Deveria se deitar.
— Ela repetiu.
Ele assentiu e virou-se, apoiando-se contra o batente da
porta. Fez uma pausa, perdendo o controle da brasa negra.
Queimava, recordava e insistia.
— Hannah. Devo pedir um favor.
— Qualquer coisa.
— Preciso de uma lista de lacaios. Todos os lacaios de
Holstoke House e Primvale.
— Lacaios? Bem, suponho que possa pedir a Sackford ou
a Sra. Varney. Mas você realmente deveria descansar.
A brasa queimava ainda mais quente. Ele trincou a
mandíbula contra o poder dela.
— Eu devo fazer um… rearranjo antes de amanhã. Você
irá…
A pequena mão dela pousou sobre o seu braço.
— Claro que irei.
— Os cavalariços, também. Jardineiros. — Ele franziu,
esfregando a têmpora. — Todos os serventes do sexo
masculino, na verdade.
Ela suspirou.
— Muito bem. Vá agora, Phineas. Beba seu chá. Deixe o
amanhã para amanhã.
Ele desejou conseguir. Mas pelo menos, aquela brasa
estranha e negra se aquietara. Rearranjos. Sim. Uma resposta
altamente lógica para uma necessidade irracional.
Entrando em seu quarto, ele passou pelo bonito lacaio
novamente. Jovem agradável. Mostrando deferência e
preocupação por seu empregador.
William era o nome dele. William teria que ir.
Phineas fechou a porta e depois as cortinas. O seu valete
o ajudou a remover o casaco, colete, botas e a cravat. Ele
bebeu uma xícara de seu chá, esperando que a fórmula
funcionasse melhor do que a última. Seu valete levou a
bandeja embora. Finalmente Phineas atirou seus cobertores
de lado e se enfiou embaixo deles.
Seus olhos se fecharam. Então, na escuridão, ela
apareceu. Cabelos de mogno soltos e brilhantes. Olhos de
gato iluminados em desafio. Ela estava nua, sua confusa
geometria revelando aos seus olhos.
Seu coração chutou e seu corpo endureceu, desafiando a
dor em sua cabeça. Ele a tomaria no jardim, logo que o sol
cruzasse o horizonte. Ele a veria banhada em ouro.
Deixe o amanhã para amanhã, Hannah dissera.
Ele não sabia como. Pois, apesar da dor lancinante, a
coisa que o devorava agora era uma fome infernal e
inexplicável. O amanhã não mudaria isso.
Mas a tornaria dele. E talvez, ele pensou enquanto olhava
ao teto e a imaginava na doce luz do amanhecer. Talvez se ele
aplicasse lógica e racionalidade ao problema, tê-la fosse
suficiente.

*~*~*

Da porta do parque, ele observou o lorde entrar em sua


casa. O homem parou cuidadosamente, como se não pudesse
ver bem. Ele não passava de um eco obscuro da deusa que lhe
dera à luz, um eco da divindade era melhor do que nada,
afinal.
Mais cedo, um caçador esfarrapado entrara em Holstoke
House. Educadamente tocou a aba de seu chapéu.
Amabilidade fingida. O Suplicante não era tolo. Ele empregava
práticas similares. A maioria das pessoas nunca olhava além
da superfície.
Longos minutos se passaram. Diante dele, a Park Lane
fervilhava na luz brilhante. Carruagens douradas e montarias
reluzentes. Atrás dele, um desfile de vermes, exibiam suas
roupas, imitando deuses. Eles também eram nojentos. Ao
contrário do caçador e do filho da deusa, eles fingiam ser mais
do que eram, em vez de menos.
A porta da frente se abriu. O caçador saiu enfiando
alguma coisa em seu casaco largo. Ele tinha a aparência de ser
um oponente de valor – incisivo e selvagem. Passadas largas e
rápidas levaram o caçador pela Park Lane. Por um momento, o
Suplicante considerou ficar. Ele deveria observar
diligentemente a Holstoke House. O filho da deusa não merecia
menos que isso.
Mas o caçador era de interesse. Um oponente valioso. Sim.
Ele ajustou sua peruca. Deu a Holstoke House uma última
olhada. Então, com rápidas passadas, ele seguiu o homem de
casaco folgado. Um caçador disfarçado de cão de caça
inofensivo. Um oponente de valor, de fato.
CAPÍTULO 9

“A promessa de obediência quer dizer pouco quando foi


recentemente tão descartada em favor de satisfazer os apetites
ilícitos de alguns.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para seu alegre


companheiro, Humphrey, após o voto implícito de
desobediência de tal companheiro em troca de um pedaço de
presunto.

— Para amar, cuidar e obedecer. — O padre repetiu pela


segunda vez.
Genie engoliu em seco e levantou o olhar para Holstoke
que pairava sobre ela como um corvo de olhos verdes dentro
de um halo de renda belga e cetim marfim. Deus do céu, que
brilho. Ela realmente deveria completar seus votos. Mas as
palavras ficaram presas em sua garganta como uma espinha
de peixe.
— Milady. — Sussurrou o padre. — Deve repetir esta
parte também.
Holstoke segurou sua mão direita com força. Seu nariz
inflou. Seus olhos se estreitaram.
— Pa...para amar, cuidar....
O silêncio na igreja se intensificou. Seu estômago
apertou. Ele se recusava a desviar o olhar.
Finalmente ela forçou a saída das palavras.
— E obedecer.
O restante dos votos veio fácil, graças aos céus. Holstoke
deslizou um anel bastante simples em sua mão e eles foram
declarados marido e mulher. Eles se ajoelharam enquanto o
padre tagarelava sobre o amor do marido e a submissão da
esposa. A última parte significantemente mais longa do que a
anterior, ela notou.
Então, após muito esforço, acabou.
Ela era Lady Holstoke.
Enquanto se levantavam e viravam para encarar a igreja
juntos, ela observou seu marido. Algo sobre seu
comportamento havia mudado. Era sutil, uma suavidade nos
cantos de sua boca, um desgelo em seus olhos frios. Ela
piscou, incerta do que fizera isso. Ele parecia relaxado, como
se tivesse estado faminto e agora isso desaparecera.
Após a manhã do dia anterior, ela meio que esperava que
ele gritasse. Sua frieza a havia congelado, uma concha sem
ranhuras e impenetrável ao redor do homem que ela viera a
conhecer.
Mas ela o conhecia de verdade? Eles passaram os
últimos seis anos separados. Certamente, ela mudara neste
meio tempo, e Holstoke passara por muitas dificuldades. Isso
explicaria a reação estranha – e insultante - à declaração tola
do Sr. Moody. Talvez ele tivesse recordado a rejeição de
Maureen em favor de outro homem.
Sim, talvez fosse isso.
Uma dor estranha apertou seu peito. Seus olhos
vagaram para o banco onde estavam Dunston e Maureen.
Maureen embalava seu filho mais novo, sorriu e enxugou uma
lágrima que escorria por sua bochecha. Dunston parecia
divertido. Novamente, Genie lançou um olhar para Holstoke,
esperando que ele tivesse uma preocupação similar com
Maureen. Em vez disso, o achou olhando para ela. Um arrepio
atravessou sua pele.
O órgão começou a tocar uma música. Kate lhe passou o
buquê de violetas, botões de rosa, hera e extraordinários lírios
vermelhos que Holstoke enviara a Berne House naquela
manhã. Ela agarrou as flores e o braço de Holstoke. Respirou
profundamente e soprou para cima, ondulando a renda belga.
Silenciosamente ela rezou como nunca rezara antes para que
nenhum deles se arrependesse da decisão. Por favor, Deus. -
Ela implorou. - Permita que ele seja do tipo desapaixonado.
Pelo bem dele, e pelo meu.
Uma hora depois, sentada ao lado de Holstoke em Berne
House na mesa de jantar, ela se perguntava qual a melhor
maneira de testá-lo. Um beijo parecia prudente. Mas isso
poderia ser entendido como um convite para se retirarem
mais cedo, e ela certamente não tinha pressa. Ela suspirou e
procurou pela sala por um provável conselheiro de assuntos
de natureza amorosa.
Ela observou seu pai e depois sua mãe, que riam
alegremente das palhaçadas do pequeno Edwin e
perguntavam a Lady Wallingham:
— Diga-me Dorothea. Bain é inteligente o bastante para
ficar de cabeça para baixo?
— Humph. Ele é inteligente o bastante para não o fazer,
Meredith. — Lady Wallingham respondeu. — Meu neto tem
melhor uso para a sua cabeça do que trocá-la pelos pés.
Genie continuou sua avaliação ao longo da mesa.
Silenciosa e quieta, Hannah levava uma colher de syllabub6 a
seus lábios. A irmã de Holstoke observava Sophie e Merry
girando em seus pequenos vestidos brancos e coroas de hera.
Uma pontada de sorriso apareceu brevemente antes de ela
voltar seus olhos para a mesa.
Embora Hannah parecesse um papel e sem brilho
durante a manhã, seu vestido era adorável: gaze suave e
verde com um decote redondo e delicadamente babado,
bordado branco na bainha e uma faixa de tafetá branco na
cintura. Genie há tempos admirava o gosto da garota para
vestidos. Sua escolha para chapéus era simples, claro, mas
talvez com a influência de Genie, ela pudesse ser persuadida
a adicionar algumas penas ou até mesmo algumas pequenas
e vistosas frutas.
Mastigando uma porção de presunto, ela contemplou o
seu reflexo no talher de prata. Seu próprio chapéu era uma
obra de arte: seda marfim, renda belga, rosas vermelhas
coral, folhas verdes e videiras, e um pouco de azul celeste que
era a cor exata de seu vestido. Ela olhou para o corpete,
admirando novamente o corte enviesado de seda azul que
moldava suas formas. Sim, seu casamento parecia ser
totalmente Genie, como Kate observava. Mesmo mamãe havia
chorado ao vê-la, abraçando-a bem apertado enquanto
murmurava que linda noiva ela ficara. A garganta de Genie se
apertou e ela devolveu o abraço de sua mãe.
Mamãe estava livre agora. Assim como papai e Kate. Ela
tomara uma decisão apropriada por sua família.
Nenhum deles a ajudaria quando Holstoke decidisse
reivindicar seus direitos como marido.
O presunto ficou preso na garganta. Ela bebeu um pouco
de chá.
Droga. Tanto Jane quanto Annabelle haviam
recentemente dado à luz. Então estavam ocupadas nas
atividades domésticas com seus maridos em Yorkshire e
Nottinghamshire, respectivamente. A única irmã casada que
estava presente era Maureen.
E Genie preferia pedir conselhos de Lady Wallingham a
ela.
Havia Kate, claro, mas Kate era solteira e muito
fantasiosa. Provavelmente citaria um soneto de Shakespeare
comparando Holstoke a um dia de verão ou algo tão tolo
quanto.
Genie deu outro gole no chá enquanto completava o
circuito da mesa. Ela franziu a testa. Era terrível. Não havia
ninguém a quem fazer suas perguntas?
— Manteiga, meu lorde? — Um lacaio perguntou.
— Sim. Chá para a minha esposa. — A voz baixa e dura
soou ao seu lado.
Ela piscou. Pousou sua xícara vazia com um baque.
Virou seus olhos arregalados para ele.
E lá estava ele: olhos verdes gelados, cabelos pretos e um
leve sorriso. Ele calmamente passou manteiga em seu pão e
perguntou:
— O que a perturba?
O lacaio serviu o chá e uma criança gritou, sua família
ainda conversava, mas tudo se desvaneceu.
— Holstoke. — Ela suspirou.
— Eugenia. — Seu sorriso se aprofundou. Os olhos
voltaram-se para ela.
Ela se arrepiou, e não foi de frio.
— Tenho perguntas.
— Para mim?
— Eu acho...sim. Você...precisamente.
Ele colocou o pão no prato.
— Pergunte.
— Não aqui.
O sorriso dele se aprofundou mais de um lado.
— Onde?
Após um momento, ela sugeriu.
— Na biblioteca.
Ele conseguiu levá-los à biblioteca – sozinho –
aproximadamente três minutos depois. O homem era
eficiente, ela tinha que lhe dar créditos. Ele fechou a porta e
avançou em sua direção com as mãos cruzadas às costas.
— Bem. O que deseja perguntar?
Engolindo com dificuldade e apoiando o traseiro na
escrivaninha, ela cruzou os braços.
— Primeiro, deveria saber que eu não me arrependo de
nada.
Ele continuou em silêncio, embora continuasse a
avançar.
— Nosso casamento não pode ser revertido. E, embora
tenha sido injusto transferir o Grande Fardo Genie para as
suas mãos, eu, no entanto, achei que era certo.
Ele estava perto agora. Centímetros de distância. Os
olhos brilhavam nas sombras da sala.
— Bem. – Ela continuou desejando que a pressão de seu
peito diminuísse. — Certo, pelo menos para a minha família.
Seus olhos moveram-se para suas saias, depois para o
seu chapéu e então, para seus lábios.
— Além disso, você não fez muito melhor, Holstoke. —
Ela umedeceu os lábios para fazê-los parar de formigar. —
Assassinato não é um escândalo pequeno.
— Eugenia.
— Você foi quem insistiu que nos casássemos, lembre-se.
Eu estava pronta para voltar a...
— Faça suas perguntas.
Ela mordeu o lábio e assentiu.
— Quantas...quantas vezes desejará... — ela parou para
pigarrear, como se estivesse inexplicavelmente seca. — Isso é,
qual frequência vai exigir na área dos...
Ele franziu o cenho.
— Dos?
— Assuntos matrimoniais.
Ele estacou. Bem ali, diante de seus olhos. Como um
lago congelado por uma onda de frio.
— Há a tarefa necessária para gerar filhos, claro. — Ela
disse, esperando por um degelo. — Eu gostaria de ter filho,
acho.
Imóvel, ele não falou nada.
— Mas você pode achar minha natureza de alguma
forma...— Ela abaixou o olhar para o alfinete da cravat dele.
Uma esmeralda, ela notou. — Vazia. — Ela respirou
irregularmente. — Eu devo ter lhe dito antes, mas esse
casamento, eu o quis, Holstoke. Eu quero que ele funcione.
Mas, eu posso não ser uma esposa muito agradável para um
homem de...grandes apetites.
O silêncio caiu entre eles. Ela estava com medo de olhar
para cima. Com receio do que pudesse ver. Em vez disso, ela
observou o peito dele subir e descer em um ritmo estável e
controlado.
Finalmente, ele falou, sua voz quente e um pouco rouca.
— É um pássaro empoleirado em seu chapéu, Eugenia?
Seus olhos se levantaram e o encontrou franzindo para o
topo de seu chapéu.
— Sim. O “Esplendor da Natureza” é o tema. Percebe que
eu reduzi as plumas de avestruz para três, assim ele parece
estar equilibrado sob um jardim florescido...
— Se oporia a que eu o remova?
— O pássaro?
— Seu chapéu.
Ela piscou.
— Acredito que não. — Suas mãos subiram a aba.
As mãos dele chegaram primeiro.
— Deixe-me. — Gentilmente, ele removeu seus grampos
e tirou o chapéu.
Ela automaticamente começou a arrumar o os cabelos.
— Gostaria de vê-los soltos. — Ele murmurou, os olhos
sobre suas mechas sem dúvidas, lisas.
— Sim, bem. Se achar a minha aparência questionável,
pode se culpar depois. O penteado de uma dama requer
remontagem depois...
— Quando estiver em Primvale, mostrar-lhe-ei a minha
estufa.
Olhando para ele, ela grunhiu irritada.
— Você está evitando a minha pergunta, Holstoke.
— Humm. Qual era mesmo?
— Sabe muito bem.
— Recorde-me.
Soltando um assobio de exasperação, ela alfinetou.
— Quantas vezes desejará deitar-se comigo?
Os olhos dele voltaram a se fixar nos dela. Estavam
brilhantes.
— Frequentemente.
O estômago dela caiu aos pés, seu baixo ventre doeu.
Uma onda de calor formigante seguida de um desespero
opressor.
— E quanto...quanto a beijar?
— Isso também.
— Oh, Deus. Isso é um desastre.
— Como assim?
— Sou terrível nisso, Holstoke. — Ela confessou
apressadamente. — O beijo. O toque... tudo. — Mais uma vez,
ela focou no alfinete da cravat. Ela ficou feliz por ele ter
seguido seu conselho. Esmeraldas combinavam com ele.
Várias batidas do coração e silêncio foram seguidas por
uma única e suave palavra:
— Explique-se.
— Sou frígida.
— Não sua conclusão, Eugenia. Sua evidência.
Ela balançou a cabeça, depois ajustou as dobras da
cravat dele e riu de desespero.
— Minhas irmãs – as casadas – todas dizem a mesma
coisa: é maravilhoso, Genie! O formigamento, a aproximação,
o prazer, e tudo mais. — Ela rolou os olhos. — Humph.
Quanta bobagem. — Ela acariciou o alfinete de esmeralda
com a ponta de seu dedo. — Talvez para elas, seja prazeroso.
Duvido que elas mentiriam sobre ela. Elas parecem apreciar
as atenções de seus maridos. — Ela fungou e pousou a mão
no peito dele, bem à direita do alfinete.
Ele ficou em silêncio, embora o ritmo de sua respiração
tenha acelerado um pouco.
Seu dedo voltou a acariciar seu alfinete.
— Durante a temporada, eu experimentei. Deixei dois
cavalheiros diferentes me beijar. Minhas irmãs encheram a
minha cabeça com bobagens, claro, então talvez minhas
expectativas fossem muito altas, mas, mesmo contando com
isso, as duas ocasiões foram...bem, desapontadoras, para o
dizer o mínimo. O primeiro era considerado como bastante
experiente, mas eu achei os esforços dele apaticamente
evasivos. Um pouco como forçar um bocado de comida dentro
de sua boca. Primeiro, aquele pedaço de comida teria sido
melhor se fosse presunto, não um pato seco e fibroso
temperado com tabaco. Segundo, teria preferido usar o meu
próprio garfo, obrigada.
Enquanto ela falava, Holstoke se aproximou. Agora, ele
se inclinava sobre ela, suas mãos apoiando-se na mesa ao
lado de seu quadril. Ela gostava dessa posição. Deixava-a
descansar sua testa contra a lã suave e elegante de sua
lapela. Ela virou a cabeça para manter os olhos na esmeralda,
seu polegar acariciando e acariciando.
— Presumo que simplesmente selecionei o cavalheiro
errado. Então tentei novamente com outro. Não é por nada,
ele foi pior. Tive mais experiências prazerosas sendo lambida
pelo cão de Lady Wallingham.
— Qual o nome dele? — Holstoke falou em voz baixa.
— Humphrey. Ele é um bom cachorro. Adorável, de
verdade, até um pouco exuberante.
— Não o cachorro. O cavalheiro.
— Oh. Preston. Sr. James Preston. Outro experiente. —
Ela bufou.
— E o primeiro cavalheiro?
Ela suspirou.
— Tem pouca importância. Ele se casou com uma das
filhas de Lorde Aldridge dois anos atrás e eles estão
terrivelmente felizes. — Ela alisou a cravat de Holstoke e
estudou seu colete, um elegante brocado elegante. — Não, há
lago errado comigo. Por um tempo, considerei que eu sofria de
uma aversão antinatural por cavalheiros de uma certa
estatura. A ton é afligida pela insipidez, você sabe. — Ela
parou, reunindo coragem.
Holstoke era seu marido. Ele deveria saber a verdade.
— O escândalo. — Ela prosseguiu. — Foi outra
experiência.
Ele se retesou contra ela, seus ombros ficaram rígidos,
sua voz sombria.
— O lacaio?
— Eu formulei hipóteses. Não é o que os cientistas
fazem?
Ele não respondeu, mantendo-se imóvel.
— Bem, eu posso não ser uma cientista, mas eu
precisava de uma resposta, Holstoke. Eu precisava saber,
com certeza, se eu era...indiferente.
Ela fechou os olhos, recordando aquela noite. Ela vestiu
seu adorável vestido branco com mangas bufantes e um xale
requintado de renda francesa. Seu cabelo havia sido
elaborado, entrelaçado e tecido com pérolas e flores laranjas.
Ela havia bebido ponche de orgeat7 para enviar seu
mundo de cabeça para baixo. Então, ela se permitiu flertar
com o lacaio mais bonito que ela já vira – um que
provavelmente ela não veria novamente. Ela pagou a um
segundo lacaio por informações, grata ao descobrir que o
primeiro lacaio era conhecido por ‘brincar com seus
superiores’. A escolha ideal para uma atribuição
experimental.
Ela o atraiu para a estufa de Lorde Reedham, uma sala
de vidro que ficava azul pela luz da lua. Céus, ele era bonito.
Alto e forte. Confiante em cada movimento. Ela o convidou a
beijá-la, certa de que se sentiria diferente.
Não foi assim. Em vez disso, fora uma invasão, alheia e
estranha. O lacaio a tocara, agarrara, acariciava com
persuasão e sem esforço. Ele beijara seu pescoço e ombros. A
respiração dele ficara quente e úmida. Ela se lembrava de ter
pensado que parecia como se Humphrey estivesse respirando
sobre ela.
Ela quis apreciar as atenções dele. Quis tanto
experimentar o que as irmãs haviam descrito. Mas ela não
sentiu nada. Nem arrepios. Nem excitação. Apenas um vago
desgosto e um desespero vazio.
— Qual o nome dele?
Ela piscou. Arregalou os olhos. Droga. Droga, droga,
droga, droga. Ela deixara escapar toda sua história patética
para seu novo marido. Bem, exceto como tudo terminara. O
fim era a parte mais patética.
— O nome dele? Eu...não me recordo. Thomas, acho. Ou
Edward. Estava um pouco tonta.
O peito de Holstoke bombeava mais profundamente
agora com cada respiração.
Ela afastou a bochecha de seu casco e olhou para cima,
mas pairando sobre ela como ele estava, ela não conseguia
ver muito – apenas a parte de baixo de seu queixo. Os
músculos estavam tremendo.
— Você não deve se zangar, Holstoke. O escândalo foi
meu, não seu. Se eu tivesse bebido menos ponche, talvez não
tivesse escolhido uma sala feita de vidro para a nossa...
— Baseada em três experiências, concluiu que é frígida.
— Bem, sim. Uma evidência bastante persuasiva, deve
admitir.
O peito dele estremeceu. Ele inclinou a cabeça e depois a
balançou. Sua nova posição lhe deu uma visão melhor do
rosto dele. Seus olhos estavam próximos, sua fisionomia sem
sorriso e cuidadosamente imóvel. Ele exalou e abriu aqueles
olhos excepcionais.
— Eugenia.
Ela estudou o rosto dele, traçando as linhas de seus
lábios. Seu coração deu um chute inquieto.
— Sim?
— Proponho um quarto experimento.
— Eu não consigo ver como isso ajudará...
— Nós estamos casados agora. É válido tentar, não
acha?
Seu ventre se apertou quando ela levantou o olhar para o
seu novo marido. Um homem bom. Um homem honrado. E
evidentemente, um homem de apetites mais fortes do que ela
suspeitava. Sim. Pelo bem dele, ela tentaria.
— Então se prepare para ficar desapontado.
— Uma experiência livre de expectativa também é livre de
decepções. — Ele rebateu. — O propósito disso é responder a
sua questão. Daí, nos refinaremos em nossas conclusões com
mais experimentos até encontrarmos um caminho sensato a
seguir.
Ela estreitou os olhos na direção dele. Soava como
besteira. Mas talvez um homem como Holstoke precisasse
verificar as coisas por ele mesmo.
— Como isso soa, esses experimentos podem durar anos.
— Ela observou secamente.
Um pequeno movimento no canto dos lábios dele causou
uma pontada em seu peito.
— Deixe-nos começar com esse. — Ele murmurou.
— Muito bem. — Ela fechou os olhos e ergueu o rosto.
E esperou.
Nada.
Ela abriu os olhos. Holstoke a observava. Seu rosto era
ilegível, embora divisasse diversão.
— Holstoke?
— Você já conduziu suas experiências, Eugenia. Essa é
minha.
— E eu concordei em participar.
— Então fará como eu digo?
— Farei o que for necessário.
O nariz dele inflou enquanto ele inspirava. Sua exalação
tinha aroma com limão e menta.
— Aqui é como começaremos. Eu tocarei uma parte sua
e você me dirá como se sente. Está pronta?
— Por que você sempre cheira a limões?
Uma ruga se formou entre suas sobrancelhas pretas.
— Limões e menta. — Ela esclareceu.
— Isso a desagrada?
— Não. Gosto bastante.
— Provavelmente Melissa officinalis. Erva cidreira. Eu a
tomo em meu chá.
— Oh.
— Pare de evitar o experimento, Eugenia.
Ela fungou.
— Vá em frente, então. Toque-me.
Ele fez, mas não onde ela esperava. Ele tocou seu cabelo.
Levemente. Suavemente. Ele acariciou as pontas dos dedos ao
longo da metade de suas mechas perto de suas orelhas.
Então, ele traçou o polegar pela sensível linha onde seu
cabelo encontrava a nuca.
Quando ele parou, ela mal podia respirar. Sua pele
estava coberta de arrepios.
— Como se sente? Seja específica.
— Arrepiada. Pequenos formigamentos em todos lugares
Dessa vez, sua boca se curvou um pouco.
— Bom. Vamos tentar outro ponto, hã?
Seu polegar desceu para acariciar a lateral de seu
pescoço. Outros homens a haviam beijado ali com quase
nenhum efeito, então as expectativas dela eram fracas. Mas o
polegar de Holstoke tinha algo de mágico nele. As sensações
giravam como uma explosão. Seu toque era leve, como o
pouso de uma borboleta. Então pulsou como asas.
Ela perdeu o ar. Seus olhos se fecharam.
— O que...o que está fazendo?
— Isso?
— Humm.
— Apenas lhe tocando. Quanto gosta disso?
Ela engoliu em seco.
— Parece uma borboleta.
Uma pausa.
— É bom?
Ela assentiu, sem ar para formar palavras.
Ele deslizou o nó de um dedo ao longo de seu colo. A
mágica seguiu uma trilha brilhante. Com grande esforço, ela
abriu os olhos. Perguntava-se como seria se lhe tocasse do
mesmo jeito. No presente, seu pescoço estava coberto pela
cravat, mas não levaria muito para remediar. Seus dedos
agarraram a lapela dele.
— Diga-me, Eugenia. — Ele disse. — Já está quente?
Ela parou. Até ele perguntar, ela não teria usado tal
descrição. Havia muitos arrepios para pensar em calor. Mas
agora que ele mencionava isso, ela sentiu o calor. Quente, de
fato. Sua pele formigava e latejava como se o buscasse.
— Eu... Estou. — Um gemido escapou de sua garganta.
— Por que isso?
As mãos dele caíram para a sua cintura. Ele espalmou
uma mão sobre seu ventre, seus dedos segurando a parte
inferior, pressionando um pouco.
— E aqui?
— D-derretendo. Parece...Dói ali, Holstoke. — Com os
olhos arregalados, ela levantou e buscou o rosto dele.
Ele não lhe deu nada além de suas mãos, mantendo o
olhar sobre sua boca.
— Acho que deveria me beijar. — Ela sugeriu.
Fracamente, ele sorriu.
— De verdade. — Ela insistiu. — Não me importo.
— Vamos tentar outra coisa antes.
A impaciência a fez aumentar o aperto em suas lapelas.
— Eu quero sentir seus lábios, Holstoke. Agora.
Olhos verdes pálidos ficaram mais brilhantes e escuros.
— Você os terá.
Então, ele abaixou sua boca para o local onde seu
polegar a acariciara antes. Suavemente, ele pairou e respirou.
Soprou um fio gentil de ar sobre o pescoço dela.
Sem aviso, suas pernas cederam. Ele pegou sua cintura
em suas mãos, mantendo-a no lugar sem esforço. Os lábios
tocaram sua pele. Um beijo como borboleta. Quase lá, ainda
assim, poderosa, ela não conseguiu evitar as faíscas. Elas
viajaram por sua pele, girando em seu colo e descendo para o
lugar onde ele pressionava em seu ventre. E mais abaixo.
Ela ofegou, agarrou e gemeu.
— Que inferno, Holstoke? Eu...você deve...fazer alguma
coisa.
Ele fez, mas apenas tornou as coisas piores. Aqueles
lábios finos mordiscaram. Depois sugaram. Depois moveram-
se para o ombro dela, onde ele aplicou leves carícias com sua
língua. Finalmente ele moveu sua boca até suas orelhas, onde
o fôlego quente sussurrou:
— Como se sente, Eugenia?
Puxando o casaco dele com força, ela esmagou seus seios
contra o ele. Apenas ajudou um pouco.
— Pegando fogo. É assim que me sinto. Preciso que faça
alguma coisa.
— O que gostaria que eu fizesse? — Ele murmurou, sua
voz soou bruta em seus ouvidos.
Em resposta, ela inclinou-se para trás, esticando as
mãos e segurando as deles, levando-as aos seus seios.
— Oh, céus. — Os olhos dela se fecharam. — Sim. Assim
é melhor. Agora, beije-me.
A mão dele deslizou, suas palmas acariciaram seus
mamilos levemente antes de voltaram a sua cintura.
— Não, Holstoke. Coloque-as de volta. Deus, por favor.
— Está comandando a experiência novamente. Eu lhe
darei seu beijo, mas apenas se ficar muito quieta.
Foi quando ela percebeu que se contorcia. Ondulava
contra ele em uma tentativa de conseguir alívio. Ela olhou nos
olhos dele. O calor se aprofundava e queimava.
Ela examinou os lábios dele, firmes e definidos. A
necessidade fervente para senti-los contra os dela exigia que
ela fizesse o que fosse necessário. Segurando as lapelas, ela
forçou seus quadris a se apoiarem na mesa, forçou seu corpo
a ficar imóvel. Ela assentiu.
Ele abaixou a cabeça. Respirou contra os seus lábios, o
delicioso cheiro de limão, menta e...ele. Alguma coisa nele era
intoxicante. Ele fazia sua cabeça girar.
Aqueles lábios maravilhosos roçaram nos seus. Mais
uma vez, sua carícia foi leve como uma borboleta. Ela o
procurou, querendo mais do que as faíscas que pareciam
possuir cada centímetro de sua pele. Bons céus, que
pensamento. Ela podia tocar em qualquer parte do corpo dele
e fazer esse prazer estranho explodir onde quer que houvesse
contato.
Naquele momento, estava ocorrendo entre a boca deles.
Ele abriu a dela. Ela ficou tensa, abraçando a invasão. Mas
ela não veio. Em vez, disso, ele respirou. Acariciou seus lábios
com os dele. Apertou sua cintura e sorriu contra ela.
Ela franziu o cenho. Por que ele não invadia?
Uma centelha roçou seu lábio inferior. Quente. Úmida.
Macia, lenta e furtiva.
Ela...gostava disso. Buscando mais, ela ficou nas pontas
dos pés e inclinou a cabeça para moldar sua boca melhor
contra a dele.
Ele lhe deu o que ela pedia, mas sua língua era suave e
elusiva. Ela a perseguiu com a sua, seu coração batia
furiosamente enquanto experimentava o interior da boca dele.
Limpa. Deliciosa. Um banquete que ela queria devorar.
Ela gemeu, apreciando o zumbido agradável.
Repentinamente, as mãos dele moveram-se para as laterais
do seu pescoço, segurando e agarrando-a. Oh, sim. Era desse
jeito. Suas mãos amassaram a lã e puxaram com força. Seus
seios se deram prazer ao pressionarem contra ele. Seus
quadris dançaram por conta própria.
Suas bocas se fundiram. Ela não conseguia ter o
bastante. Ela nunca teria o bastante. Do beijo dele. Do toque
dele. Da língua dele.
Holstoke. Oh, Deus. Ela precisava de mais dele.
Seu coração acelerou – drum, drum, drum.
Drum, drum, drum.
Ele afastou aquela boca encantada, sua respiração era
rápida e quente contra seus lábios formigantes. Ele segurou
suas bochechas, acariciou sua testa com o polegar e depois
murmurou.
— Maldição.
— Holstoke! — Dunston gritou do outro lado da porta da
biblioteca. — Pelo amor de Deus, homem. Isso aí pode
esperar. Isso aqui não. Bang, bang, bang. Abra!
Desorientada, Genie piscou enquanto Holstoke roçava os
lábios contra os dela uma última vez antes de retirar seu
toque maravilhoso. Ele virou-se rigidamente, endireitou-se e
abotoou seu casaco, depois caminhou até a porta,
destrancando-a e a abrindo totalmente.
— O que diabos você quer?
Dunston não sorria e não estava sozinho. O Sr. Drayton
estava parado ao seu lado, igualmente sério. Atrás deles,
Maureen tinha um braço ao redor dos ombros de Hannah. A
irmã de Holstoke estava ainda mais branca do que o normal.
Drayton foi o primeiro a falar.
— Houve mais duas mortes, milorde. Lady Randall foi
encontrada essa manhã. Dois de seus cachorros também
morreram. Parece que ela alimentava os animais de sua
própria xícara.
Ainda se recuperando do calor vertiginoso dos beijos de
Holstoke e do choque e desolação de ter sido subitamente
removida, ela pôde apenas cobrir sua boca e segurar-se na
mesa atrás dela. Ela assistiu os ombros de seu marido
enrijecerem.
— Você disse duas mortes. — Ele disse, sua voz baixa e
surpreendentemente calma. — Acredito que não se referia aos
cachorros.
— Não, milorde. Sinto dizer-lhe, é sua governanta. A Sra.
Varney.
À distância, ela ouviu Maureen murmurar para Hannah.
Os lábios da garota estavam brancos. Genie percebeu uma
criada desconhecida com lágrimas escorrendo pelo rosto.
Uma das criadas de Holstoke House, sem dúvida, viera avisar
da notícia terrível.
Dunston olhou além de Holstoke e encontrou os olhos de
Genie. Ela vira seu cunhado tão sombrio apenas uma vez –
quando um jovem rico malditamente decidira ‘ter’ a Rameira
Huxley. Ela trabalhara até tarde na loja da Sra. Pritchard.
Dunston e Maureen, que havia oferecido levá-la até sua casa
na volta do teatro, estavam esperando na rua em frente, como
Genie normalmente pedia.
Quando ela saíra da loja, vasculhando em sua reticule, o
canalha estivera esperando por ela. Um pouco tempo depois,
assim que o homem a empurrara contra tijolos sujos e
agarrou um punhado de suas saias, Dunston e suas facas
chegaram para aplicar uma punição com uma precisão
implacável.
Genie ficara grata pela natureza sombria de Dunston
naquele dia. Mas, na verdade, ela esperava nunca mais ver
isso novamente, pois significava perigo para ela ou alguém a
quem ela amava.
— Henry. — Ela disse agora, suas entranhas geladas. —
Por que o envenenador está cercando Holstoke? E
como...como ele conseguiu chegar tão perto?
Ele entrou na sala, caminhando até ela e esquentou suas
mãos com as dele.
— Não sabemos ainda, pirralha. — Era seu apelido, um
adotado de Maureen e cheio de afeição fraternal. Ouvir isso a
fez querer abraçá-lo. — Mas nós descobriremos. Ouviu-me?
Nós descobriremos.
Ela assentiu e apertou sua mão, seu corpo todo começou
a tremer como geleia.
Do vão da porta, seu marido começou a ordenar coisas a
seu gosto com uma série de comandos. Sua voz era baixa,
porém, mais ressonante.
— Claudette, volte a Holstoke House e arrume os meus
pertences e da Srta. Gray e que eles sejam empacotados na
carruagem de viagem. Informe aos criados que eu chegarei
logo.
A criada fez uma reverência e murmurou um ‘sim,
milorde’ antes de sair apressada.
— Sr. Drayton. — Holstoke continuou secamente. —
Convoque o Sr. Hawthorn. E reitere as minhas intenções em
ajudá-lo na investigação. Talvez sabendo que eu estava na
igreja diante de um padre e uma dúzia de testemunhas
quando os crimes ocorreram o faça virar a sua atenção para
uma direção mais produtiva.
Ela perdeu o fôlego, depois o recuperou e expirou.
— Holstoke.
— Empacote seus pertences também. Partiremos a
Primvale esta noite.
CAPÍTULO 10

"Eu tenho as minhas suspeitas, sabia". Alguém que não


descobre coisas vis embaixo de seus carpetes sem perceber
que falta alguma coisa.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para o mordomo após


descobrir que sua governanta tem uma tendência a beber gin.

Agachado ao lado da governanta flácida, Phineas fez a


única coisa que um homem racional faria com a insondável
escuridão que o devorava por dentro.
Ignorou-a.
O que começara como uma brasa, havia florescido em
algo vasto e volátil. Nada seria resolvido se cedesse. Mas, se
ele aplicasse a lógica para problemas mais tangíveis – como
encontrar o diabo que havia assassinado a sua governanta e
três outras mulheres, por exemplo – talvez a escuridão
diminuísse por conta própria.
Assim, voltou sua atenção para a Sra. Varney, que
estava esparramada no tapete dourado da sala de jantar,
suas pupilas arregaladas de maneira incomum. Seus lábios
estavam enrugados e ressecados. Uma de suas mãos ainda
seguravam a perna de uma cadeira.
— Alguém desconhecido nas redondezas? — A pergunta
de Drayton foi direcionada ao mordomo de Holstoke House,
Sackford. — Novos criados?
— Não, senhor. — Sackford respondeu, sua voz sombria.
— Na preparação para a partida de vossa senhoria, a Sra.
Varney e eu começamos a reduzir os criados da casa.
— Visitantes? Entregadores ou algo parecido?
— Não que seja do meu conhecimento. Mas posso fazer
perguntas. — A voz de Sackford ficou mais fraca. — Ela às
vezes tomava chá quando colhia as ervas de vossa senhoria
todas as manhãs. Ela amava o jardim, a Sra. Varney.
Ao lado de Phineas, Dunston se ajoelhou com um
cotovelo apoiado em seu joelho. O outro lorde apontou para
os olhos da mulher.
— Viu isso?
— Sim. — Phineas respondeu. — Atropa Belladonna,
muito provavelmente.
— Erva moura. Sua mãe a usava, como me recordo.
— Não. Para os propósitos dela, a aparência de morte
natural era fundamental.
— Ainda assim, este vigarista parece determinado a ser
pego.
— Talvez não pego. — Phineas olhou para as mãos da
mulher, ainda envoltas ao redor do mogno canelado. — Mas
conhecido.
Dunston assentiu.
— Ele tem agido para capturar a sua atenção.
Sim, ele tinha. E aquilo fora um erro. A escuridão que
Phineas lutava para conter queria muitas coisas, mas nada
tão fervescente quanto eliminar a criatura aborrecida que
fizera isso. Ele prendeu sua respiração enquanto a escuridão
se expandia e ameaçava tomar o controle.
Uma mão apertou o seu ombro.
— Tente não vomitar, velho camarada. O fedor é bastante
pungente, mas pense na bagunça. Você está sem uma
governanta atualmente.
Ele soltou o ar e esfregou sua testa.
— Maldição, você é perverso.
— Ocasionalmente. Maureen raramente reclama,
entretanto. Sou um homem de sorte.
Phineas supôs que o comentário fosse uma provocação,
mas não funcionou. Ele franziu o cenho e examinou o outro
homem. Relaxado, embora focado, Dunston avaliava a sala
metodicamente, primeiro o corpo, depois as duas cadeiras
viradas.
Este era o homem que caçara a mãe de Phineas por uma
década, perseguindo a mulher que enganara todos – incluindo
seu marido e filho. Ao usar comparsas e intermediários, ela
conseguiu se esquivar de sua captura por muitos anos. Mas
ninguém chegara tão perto quanto o Conde de Dunston e
ninguém foi obstinado em sua perseguição. Mais tarde, um de
seus cúmplices confessara que Lady Holstoke há muito tempo
o temia. Ela pensava nele como um fantasma que assombrava
cada um dos seus movimentos.
Phineas devia proteger Eugenia e Hannah. Além do mais,
ele pediria ajuda a um homem como Dunston. Ele se virou e
encontrou os olhos duros como aço, grato por ver sua própria
resolução refletida ali.
— Eu preciso de homens. — Ele murmurou. — O
suficiente para mantê-la segura.
Um sorriso leve apareceu.
— A qual ‘ela’ se refere, Holstoke?
Piscando, Phineas parou. Ele não quis dizer em voz alta.
A escuridão falara por ele.
Dunston riu.
— Deixa para lá. Você dever ter cinco hoje à noite.
— Sete.
— Muito bem. Sete. Apesar de que devo alertá-lo, nunca
haverá homens o bastante para diminuir o aperto do torno em
volta de seu peito.
Inferno maldito. Foi preciso. Ele estava sendo esmagado.
Sufocado.
Phineas se levantou e esfregou o pescoço. Passou por
Dunston e caminhou pela sala. Procurava por alguma coisa.
Qualquer coisa que diminuísse a pressão.
Ainda assim, ele só via a Sra. Varney, vazia e fria.
O torno apertou até ele querer partir algo ao meio.
Hawthorn entrou assim que Drayton terminava de
interrogar a criada que descobrira o corpo da Sra. Varney.
Como costume, o agente de Bow Street parecia como se
tivesse caído da cama dentro das roupas de vagabundo.
— O que diabos o fez demorar tanto, Hawthorn? —
Phineas alfinetou.
O agente ocupou-se tirando seu caderno de dentro do
bolso. Deu a Phineas o que parecia um sorriso amigável antes
de bater no seu peito e puxar um lápis.
— Ah, aqui estamos. Parece que sempre atrasados. —
Ele se aproximou da Sra. Varney, observando as cadeiras
viradas e os sinais de envenenamento. — Desculpa pelo
atraso, Holstoke. Lorde Randall estava um pouco perturbado.
Ele gostava muito de um dos cães que morreu, percebe.
Phineas encarou o homem que havia se abaixado para
estudar o rosto da Sra. Varney.
— Dicky, acredito que era o nome do animal. —
Hawthorn continuou. — Randall mencionou um incidente
envolvendo o seu chapéu.
Enrugando sua testa, Phineas reprimiu a vontade de
atacar Hawthorn em vez de responder.
— Maldição, eu não mataria um cachorro porque ele
danificou o meu chapéu.
Hawthorn usou seu lápis para abrir a boca da Sra.
Varney, encolhendo-se com o fedor.
— Não o acusei, acusei? — Ele abriu o caderno e
começou a escrever. — Ainda assim. — Ele disse
distraidamente antes de sorrir para Phineas. — Seria
interessante se o cachorro fosse alvo de uma trama de
vinganças, não seria?
O que havia em homens como Dunston e Hawthorn e
seus perversos sensos de humor no meio do horror? Phineas
não achava isso engraçado. Nem uma maldita coisa.
Drayton se aproximou vindo do outro lado da sala,
mancando cada vez mais ao passar das horas.
— De acordo com a criada, a Sra. Varney estava agindo
de maneira muito estranha desde que voltou do jardim.
Irascível e risonha alternadamente. Depois ela começou a
tropeçar e reclamar da necessidade de se deitar. As criadas da
cozinha acharam que ela tinha bebido do conhaque de vossa
senhoria. Ela chegou à sala de jantar, quando a criada ouviu
o barulho. Deve ter sido as cadeiras caindo. Ela diz que
quando entrou, a Sra. Varney estava deitado onde podem vê-
la, agarrando-se à cadeira com tanta força quanto podia. —
Drayton olhou para as suas notas e coçou a cabeça. — Uma
coisa curiosa, milorde. Embora estivesse alguns metros de
distância, a garota diz que ouviu o coração da mulher
batendo como o som de cavalos galopando.
Tentáculos de mal estar começaram a voltar à mente de
Phineas. Era uma sensação familiar, uma que ele muitas
vezes sentia quando estava conduzindo experimentos ou
trabalhos através de uma nova teoria e uma parte do padrão
falhava em alinhar apropriadamente.
Ele olhou novamente para a mão da Sra. Varney. Estava
enrolada em torno da cadeira, mesmo na morte.
— A Sra. Varney disse alguma coisa? — Phineas
perguntou. — No fim.
Novamente Drayton examinou suas anotações.
— Apenas besteiras. Explodindo, foi o que ela disse. A
Sra. Varney reclamou que estava se explodindo no ar.
Aí estava. A parte que não se encaixava.
— Então ela se agarrou a coisa mais próxima. — Phineas
murmurou. — Não foi Atropa Belladonna. Ou pelo menos,
não, apenas Atropa Belladonna. O envenenador usou também
Hyoscyamus niger.
Os três homens se viraram para ele com a mesma
expressão dura.
— Fale em inglês, Holstoke. — Disse Dunston.
— Meimendro. Da mesma família da beladona –
Solanaceae. Efeitos similares quando ingeridas, exceto que o
meimendro dá a ilusão de voar e, algumas pessoas, de
explodir. — Ele franziu a testa e olhou novamente para a Sra.
Varney. — A dose deve ter sido bastante alta para matar tão
rapidamente. Estranho.
— O que é estranho nisso? — Perguntou Hawthorn.
— O gosto inicial teria sido amargo e, de fato, fedido. O
meimendro é bastante desagradável, como as plantas são.
Chá não teria disfarçado isso.
Hawthorn se endireitou, dispensando sua afabilidade
anterior.
— O gin poderia?
Phineas considerou.
— Uma possibilidade. Embora as concentrações
requeridas ainda impossibilitem o uso das plantas elas
mesmas, em minha estimativa. Os venenos devem ter vindo
de grãos medicinais encontrados nos...
— Boticários. — Dunston disse, sombria e suavemente.
— Como aquele que sua mãe empregou.
Drayton se arrastou, esfregando a coxa como se ela
doesse.
— Aquele lá está morto. Assisti ele sufocar de dentro
para fora. — O agente de Bow Street deu de ombro e deslizou
a mão por seu rosto enrugado. — Ainda tenho pesadelos.
— Lady Randall tinha preferência por gin. — Hawthorn
comentou. — Ela bebeu isso em vez do chá pela manhã. E,
aliás, ela dividiu com os cachorros.
— Em quanto tempo ela morreu? — Phineas perguntou.
— Não tão rápido quanto Dicky. — Hawthorn sorriu.
Novamente o humor negro do agente fez Phineas franzir a
testa, embora Dunston parecesse achar engraçado. — Mas
dentro de quinze minutos após ela terminar seu ‘chá’ da
manhã, ela morreu. Nós examinamos a xícara. Cheirava a gin
e orgeat.
— Orgeat. — O pescoço de Phineas formigou. — Quer
dizer amêndoas.
Hawthorn assentiu.
A xícara da Sra. Varney fora lavada por uma das criadas
de copa antes que alguém pudesse perceber que havia
alguma coisa errada. Mas Phineas apostava cada uma de
suas propriedades em Sulffolk que sua xícara tinha algo
parecido com a de Lady Randall. O cheiro de amêndoas fora
uma descrição comum nos assassinatos que a mão dele
orquestrara.
Dunston parecia seguir os seus pensamentos.
— Múltiplos venenos, então. Igual aos...
— Métodos de minha mãe. Sim.
— Voltamos aos boticários.
Phineas balançou a cabeça.
— Não necessariamente. Poderia ser alguém com
dinheiro suficiente para conseguir os medicamentos e tempo
o bastante para aperfeiçoar a fórmula, embora ele precisasse
de objetos para experiências. Animais, talvez.
— Ou pacientes. — Rebateu Drayton, outra vez
esfregando a coxa. — Quem questionaria o estoque de um
cirurgião?
— Não há relatos de cirurgiões visitando qualquer uma
das vítimas antes da morte delas. — Hawthorn interrompeu,
— O que elas tinham em comum, então? — Drayton
perguntou.
Hawthorn apontou para Phineas.
Phineas o encarou de volta.
— Bem, vamos ver. — Disse Dunston casualmente. — A
Srta. Froom e Lady Theodosia foram ao baile de Lady Randall.
Três das vítimas estavam bem ali. E a Srta. Froom foi, de fato,
envenenada naquele mesmo evento. Sugere que foi alguém
que esteve presente na casa de Lorde Randall naquela noite.
Drayton grunhiu.
— Dezenas de convidados naquela noite, milorde.
— Verdade. Inclusive eu. E Lorde Randall, que
aparentemente teve mais amor pelo falecido e lamentoso Dick
do que por sua esposa. Aliás, por mais que eu apreciasse ver
Holstoke ser levado à forca, ele partiu duas horas antes do
colapso da Srta. Froom. — Ele acenou em direção à Sra.
Varney. — Como podemos ver, os efeitos aparecem dentro de
quinze minutos.
Hawthorn virou-se novamente para Phineas.
— Lady Holstoke vendeu suas fórmulas para os parentes
das vítimas. Ela estava há quilômetros de distância quando o
veneno funcionava. Não foi assim, meu lorde?
A paciência de Phineas evaporou.
— Suas suspeitas sobre mim são perda de um tempo que
não temos. — Ele espetou. — Este canalha conseguiu matar
quatro mulheres dentro de um maldito mês, sem deixar uma
dica de sua identidade. Ele pode ser qualquer um. E, por
alguma razão terrível, ele colocou seus olhos sobre mim. —
Sua voz abaixou até a escuridão ficar violenta e agitada. —
Não tolerarei a ameaça para minha esposa e irmã, Hawthorn.
Com ou sem a sua ajuda, essa ameaça será encontrada e
eliminada. Sugiro que não fique no meu caminho.
O outro homem inclinou a cabeça. Ele olhou para
Dunston, depois para Drayton e voltou a Phineas
— Como pretende protegê-las, Holstoke? Como diz, o
assassino pode ser qualquer um.
— Nós sairemos de Londres esta noite.
— Para Dorsetshire.
— Sim.
Hawthorn assentiu.
— A Srta. Gray também?
— Dificilmente deixaria a minha irmã para trás.
— Tem homens?
Phineas piscou. Franziu a testa.
— Dunston está providenciando alguns.
Outro aceno.
— Quantos?
— Eu ofereci cinco. — Dunston respondeu. — Ele insiste
em sete.
Por um momento a máscara de Hawthorn desapareceu e
Phineas teve um vislumbre do verdadeiro homem.
Seus instintos iniciais estavam corretos. Hawthorn era
um lobo.
— Observe rostos novos. — O agente alertou, a voz dura
e o queixo mais duro ainda. — Qualquer um que se
aproximar e que não conheça a mais de seis meses, afaste-se
dele. Criados. Visitantes. Médicos e os malditos párocos. Não
confie em ninguém, Holstoke.
Phineas pesou a necessidade de ter a ajuda do lobo e a
necessidade de alertá-lo para ficar longe de Hannah. A divisão
era cinquenta por cento. Mas o aviso poderia esperar. Por
agora, um lobo estava ansioso para se juntar à caça e Phineas
não era tolo para recusar.
— Manterei a minha família segura. — Ele prometeu. —
Não tenha dúvidas.
O lobo sorriu.
— Então vá a Dorsetshire, meu lorde. E deixe Londres
para mim.
CAPÍTULO 11

“Encerrado? Enlouqueceu, garota? Uma viagem longa e árdua


exige preparação completa, extensão ao qual claramente ainda
não compreendeu."

A Marquesa Viúva de Wallingham para sua criada pessoal em


resposta a afirmação que um xale seria o suficiente para uma
noite no teatro.

— Droga. — Genie murmurou, jogando de lado suas


terceiras botas de cano baixo favoritas em troca de seu quinto
bonnet favorito. — Onde está Harry com o baú reserva?
Kate suspirou e pegou um par de chinelos de lantejoulas
carmesins.
— Eu sempre adorei esses.
Empurrando com força a pilha de vestidos, xales,
chapéus e reticules dentro de um baú abarrotado, Genie se
endireitou e ergueu as mãos quando a tampa se abriu.
— Como ele espera que eu empacote tudo em uma tarde?
Isso é loucura. — Ela assoprou e virou em direção a Kate, que
estava sentada na cama admirando os chinelos de Genie...em
seus próprios pés. — Kate!
Kate levantou o rosto.
— Eu já lhe dei o meu par verde.
— Mas estas combinarão com meu novo vestido xadrez.
— Para de cobiçar as minhas posses e venha me ajudar a
fechar esse baú.
Ela saiu da cama e juntas se sentaram sobre o baú. Após
Genie conseguir colocar a tranca no lugar, Kate sorriu e bateu
no seu joelho.
— O que você fará sem mim?
A inundação veio sem avisar, apressada e rolando
grossa. Seus olhos se encheram até o rosto de Kate – tão
parecido com o dela – borrar e rodar.
— Oh, Genie. — Os braços delicados de sua irmã a
envolveu forte e a segurou perto.
— Eu não sei. — Genie disse com a voz rouca, secando
as lágrimas e devolvendo o abraço de Kate. Sua garganta
doía. Seus olhos derramavam lágrimas. Pior de tudo, seu
peito doía como se alguém estivesse sentado sobre ele. — O
que alguém faz sem a melhor amiga? Definha, acredito. — Ela
secou mais lágrimas e deitou o rosto nos ombros de Kate.
— Você tem Holstoke agora.
Genie deu uma fungada úmida.
— E Hannah. Ela parece...agradável.
— Oh, Deus.
— Posso lhe fazer longas visitas E poderemos nos
escrever todo o tempo. Todos os dias.
— Odeio escrever.
— Envie os esboços. Chapéu após chapéu.
— Sentirei terrivelmente a sua falta.
— Mesmo de minhas cantorias?
— Sim, mesmo delas.
Kate riu, o som seco e sufocado.
Genie suspirou e se endireitou. Secou as lágrimas
gentilmente das bochechas de Kate e lhe deu um sorriso
trêmulo. Então ela assentiu e saiu de cima do baú.
— Nunca deixe a sua costureira a convencer a vestir
amarelo novamente, minha querida. Apenas Maureen fica
adorável nessa cor. Nós ficamos parecidas a limões.
Desta vez Kate gargalhou.
Do lado de fora, o som de rodas de carruagem ecoou pela
Grovesnor Street. Genie se moveu até a janela e afastou a
cortina.
— Droga!
— Ele já está aqui?
A carruagem de viagem era larga, mas simples. Bem
projetada e provavelmente cara, mas não ostentava nenhum
brasão ou ornamento. Era simplesmente um meio de
transporte, puxada por seis cavalos robustos.
— Droga, droga, droga. Eu dificilmente estou na metade.
— Vou sair e procurar Harry e Bess. Eles já devem ter
localizado o baú a esta hora.
Genie balançou os dedos na direção de Kate, mas
manteve os olhos na carruagem. Ele desceu um momento
depois, alto, magro e sombriamente bonito com seu casaco
preto, colete prateado e a cravat com o alfinete de esmeralda.
O coração dela acelerou e vacilou. Sua barriga aqueceu como
fizera mais cedo, quando ele a beijara.
Oh, céus. Como ele a beijara.
Seus dedos moveram-se aos seus lábios. Ela podia senti-
lo ali, mesmo horas depois. O que os lábios desse homem têm
que os outros não? É Holstoke, pelo amor de Deus. O frio e
peculiar Holstoke.
Ele falou com o cocheiro e assentiu para dois lacaios que
vieram para carregar a carruagem. Três passos em direção à
porta e ele parou. Olhou para cima. Aqueles olhos pálidos
brilhavam à luz de fim de tarde.
Encontrou-a.
Ela respirou. Colocou as pontas dos dedos no vidro.
O olhar dele aguçou-se, até seu abdômen ficar suave
como manteiga quente. Suas narinas dilataram e ele removeu
o chapéu. Mas não desviou o olhar.
— Desculpas, milady. — Harry disse atrás dela. — O baú
estava enterrado embaixo de uma pilha de cortinas velhas.
— Aye. — Concordou Bess, que servia como criada
pessoal de Genie e Kate. — Parece que um animal as rasgou.
Marcas de garras em todos os lugares.
Genie engoliu em seco e conseguiu afastar-se da janela.
— O gato de mamãe. — Ela disse, recordando a criatura
feroz. — Ele é uma ameaça.
Bess, uma jovem gorducha e agradável com cabelos
loiros e um sorriso com covinhas, sorriu e respondeu:
— Oh, eu adoro gatos.
— Sim, bem. Infelizmente para papai, minha mãe
também. — Genie deu uma risadinha e traçou a fina cicatriz
em sua mãe direita, uma lembrança da criatura irascível. —
Papai insiste que ela mantenha as cortinas como recordação
da última tentativa de ela trazer um para dentro de casa.
O gato fora enviado aos estábulos logo após Maureen ter
recusado a proposta de Holstoke e se casado com Dunston.
Ela ainda se lembrava da reação de Holstoke ao animal – ele
ficara perplexo com a indulgência de seu pai à fixação de sua
mãe por gatos.
Mais uma vez, Genie sentiu uma onda de sentimentos
inúteis e indesejados pressionando sobre ela. Seu querido pai
com seus espirros induzidos pelos gatos e sua paciência
infinita. Sua doce mãe com seus almoços solucionadores de
problemas e abraços longos e fortes. Como Genie sentiria
saudade deles.
Com um grande esforço, ela acalmou o lábio trêmulo.
Piscou para afastar as lágrimas sentimentais, agarrou uma
pilha de corpetes, anáguas e meias e as jogou dentro do baú
reserva.
— Ajude-me, Bess. Devemos nos apressar. Lorde
Holstoke já chegou.
Um pouco tempo depois, ficou óbvio que ela levaria
alguns de seus chapéus, mas não todos.
— Droga. — Ela jogou um bonnet rendado ao lado dos
lenços que Maureen bordara para ela e olhou o chapéu rosa
que normalmente usada com seu vestido de viagem rosa.
— Esse pode ser mais fácil refazer, milady. — Bess
comentou enquanto colocava as luvas de Genie em um canto
de uma valise protuberante. — Tem menos ornamentos.
— Humm. — Genie bateu nos lábios. — Mas a cor é de
um tom incomum. Quem pode dizer se um dia conseguirei
alcançá-lo novamente?
Atrás dela, ouviu Harry tossir enquanto entrava. Ela
olhou por cima do ombro e depois sorriu deliciada quando viu
o que ele entregava.
— Oh, que maravilha! — Ela correu para abrir o pequeno
baú. Pelo menos agora seria capaz de levar seu bonnet rosa. O
vestido de viagem rosa era simplesmente menos adorável sem
ele. — Eu o beijaria, mas isso começaria rumores que
nenhum de nós deseja.
O lacaio corou.
Genie bateu no braço dele e riu.
— É uma brincadeira, Harry. Obrigada. Isso é
precisamente o que eu precisava.
— Já são cinco horas, Eugenia. — Veio uma voz fria da
porta. — Por que não está pronta?
Ela se virou para encontrar Holstoke parecendo como se
uma nevasca o tivesse transformado em uma pedra de gelo.
Ela piscou, incerta do que mudara em alguns minutos, desde
que ela sentira a estranha carga de calor que subiu três
andares e a derreteu através do vidro. Apesar do
congelamento, ela plantou suas mãos no quadril e respondeu.
— Empacotar leva tempo, Holstoke.
— Você teve uma semana.
— Não planejava ir a Dorsetshire. Tem alguma ideia de
quantos baús são necessários para…
— Leve todos os baús prontos para a carruagem. Nós
partiremos em dez minutos.
Por um momento, ela pensou que a ordem fria era para
ela. Mas Harry bateu seus calcanhares e disse ‘sim, milorde’
antes que Genie pudesse dar uma resposta. O lacaio saiu
carregando um dos menores baús prontos.
— Dez minutos, Eugenia. O que quer que não esteja
dentro da carruagem ficará aqui.
Ela bufou.
— Incluindo-me?
Ele deu dois passos para dentro do quarto como se
impulsionado por uma força além do controle. Então parou e
endireitou os ombros.
— Você vai aonde eu for. Pronta ou não. — Ele olhou o
vestido dela. — Este é o seu vestido de viagem?
Ela olhou para a seda azul enviesada. Por dentro, uma
dor aguda se instalou entre o coração e o estômago.
— Este é o meu vestido de casamento, Holstoke. — Ela
ficara relutante em removê-lo, esperando manter em sua
memória o beijo deles por mais tempo possível. Cada
momento sem fôlego, formigante e cheio de arrepios. Para ele,
ao contrário, o encontro claramente havia sido insignificante,
sem significado e esquecível. — Talvez se eu fosse uma
planta, achasse estes detalhes de grande interesse.
Franzindo a testa duramente, ele deu outro passo à
frente.
— Há um único detalhe com que estou preocupado. Por
distância entre você e um assassino. Recorda-se que há um
assassino espreitando e envenenando governantas, não?
— Não sou uma idiota, Holstoke, embora pareça que
ache que...
— Nós devemos partir. Agora, Eugenia.
— Estou quase terminando. Um milagre, considerando
quão pouco tempo de aviso me deu.
Avançou outro passo. Os ombros dele estavam rígidos de
tensão.
— Você está pronta. — Ele disse calmamente. — Pegue
um xale. Estamos indo. — Aqueles olhos pálidos se cravaram
nela como se ele pudesse fazê-la se conformar.
Ela bufou.
— Uma hora aqui ou lá não fará...
— Dez minutos. Atrase e eu mesmo a carregarei para
fora.
Ela abriu a boca para responder.
— Não teste a minha paciência, Eugenia. Este foi um
maldito dia horrível.
Ela se encolheu. Piscou para afastar uma picada
repentina em seus olhos. Engoliu um súbito nó em sua
garganta. Horrível? Seria assim que ele se lembraria do dia do
casamento e do primeiro beijo deles? Horrível?
— Saia. — Ela disse calmamente, exalando a sua dor.
Ele não se moveu, os olhos em seus lábios.
— Descerei em breve. — Ela passou por ele para abrir a
porta. — Saia para que eu termine.
Ele fez o que ela pediu, mas seus movimentos eram
rígidos e relutantes. Ele voltou a olhar fixamente para ela
franzindo a testa.
Ela fechou a porta na cara dele e alinhou a coluna.
— Nós temos dez minutos. — Ela disse para uma Bess
de olhos arregalados. — Vamos fazê-los valer a pena.
Precisamente dez minutos depois, Genie subia na
carruagem de viagem simples e preta e acenou para a irmã
imóvel e silenciosa de Holstoke. Em seu interior, a carruagem
era luxuosa e espaçosa. Genie sentou-se em frente a Hannah,
empilhando o cobertor e a cesta de suprimentos ao seu lado.
Holstoke podia se sentar em qualquer lugar no que se
dizia respeito a ela.
— Phineas me pediu para informar-lhe que ele irá a
cavalo. — Hannah disse com seu usual tom sereno. — Ele
sugeriu que tentasse descansar, nossa primeira parada levará
horas a partir de agora e nós sairemos novamente de
madrugada.
Examinando a garota, Genie franziu o cenho. Elas eram
da mesma idade, ela e Hannah, ambas com vinte e dois anos.
E ainda assim, a outra moça parecia tanto mais nova quanto
muito mais velha.
Inocente e idosa. Essa era Hannah Gray.
Certamente, sua vida havia sido horrível até ela achar o
meio-irmão. Maureen havia feito isso: deu a Holstoke sua
amada irmã, deu a Hannah uma família com quem ela se
sentisse segura. Maureen era uma amiga para ambos.
Genie, por outro lado, era uma virtual estranha. Agora,
sentada em frente a Hannah, sentiu isso mais intensamente
do que nunca. A garota era sua irmã por casamento, e ainda
assim sua expressão era fechada. Composta. Fria.
Mesmo que Holstoke e Hannah não tivesse herdado
aqueles olhos marcantes, ela teria visto a semelhança. Ambos
tinham o dom de usar o inverno como uma máscara.
A carruagem começou a entrar em movimento. O sol de
fim de tarde entrava baixo e vermelho pela janela. Iluminou o
bonnet de Hannah.
Seu chapéu de palha comum.
— Já considerou colocar flores em seus chapéus? —
Genie perguntou, esperando passar o tempo de uma forma
que pudesse ser útil e talvez induzir um degelo.
Olhos pálidos e familiares piscaram e a examinaram
como se ela fosse um inseto. Um inseto repugnante.
— Não.
— Deveria.
Silêncio.
— Nada muito ousado, veja. Margaridas, talvez. Um
toque de fita para combinar...
— Gosto dos meus chapéus como eles são. — O inverno
claramente se estabeleceu sem sinal de degelo. — Eu gosto da
maioria das coisas como elas são. — A garota virou a cabeça
para a janela. — Ou eram.
As últimas duas palavras foram um sussurro.
Mas Genie as ouviu claramente.
Ela se recostou no assentou e cruzou os braços.
Estreitou os olhos e bateu nos lábios.
— As coisas raramente permanecem iguais, sabe. Nós
todos somos como sapos andando em uma carroça velha e
decrépita. Apenas quando nós nos estabelecemos em nossa
pequena e confortável vida de sapos, a carroça sai do
caminho e cai sobre uma cerca, e nós saímos voando. — Ela
usava a mesma analogia com suas sobrinhas e sobrinhos,
que em seguida exigiam saber o que acontecera com os sapos,
se eles encontraram novas casas perto de um lago adorável
ou em um bosque. Crianças eram bastante literais, ela
achava. — Alguém aconselharia a aprender a saltar e posar.
Por mais previsível que a estrada seja.
Novamente, silêncio.
— Agora, sobre os seus chapéus, eu tenho algumas
ideias, mas eu concordo que deve vê-los antes de concordar
se eles são brilhantes. — Genie bateu o dedo contra os lábios
novamente. — O que eles são.
A mandíbula levemente inclinada de Hannah se contraiu.
Por outro lado, ela não respondeu.
Genie vasculhou em sua cesta e puxou seu caderno e um
lápis.
— Seus vestidos são lindos. Não demorará a melhorar o
conjunto geral. Flores e folhagens aqui e ali, talvez. Eu adoro
penas, mas ... — Ela apertou os olhos em direção as feições
suaves de Hannah e sua pele pálida. — Não para você, eu
acho.
Ela começou a desenhar, deixando a garota sentada
olhar fixamente e ficar mal humorada, porque a vida estava
mudando mais do que ela gostaria.
— Eu prefiro os meus chapéus do jeito que eles são. —
Hannah repetiu, mantendo o olhar na janela.
Seria uma longa noite, Genie pensou enquanto começava
a desenhar uma nova criação. Uma longa noite de fato.

*~*~*

Ele não reivindicou sua esposa na primeira noite. A


pousada era rude e ele passou algumas horas da estada deles
conversando com os homens de Dunston. Eram sete, e todos
com uma aparência similar à de Dunston, Hawthorn e
Drayton ― duros e vigilantes.
A presença deles acalmara a sua mente em dez por
cento.
Também não reivindicou a sua esposa na segunda noite,
pois eles seguiram em frente, viajando direto.
No meio da manhã, eles pararam em uma estalagem há
uns trinta quilômetros de Primvale. Caballus estava exausto.
Phineas mal conseguia enxergar, sua visão estava cansada e
borrada. Ele precisava de um banho e de se barbear.
Ele precisava tomar sua esposa.
Por Deus, havia crescido espinhos em sua escuridão.
Feria seu interior e infectava a sua mente. Se ele
compreendesse, ele teria feito alguma coisa para controlá-la.
Mas ele não compreendia. Então ela cresceu.
E ela queria certas coisas. Queria matar o homem que a
ameaçava. Queria punir os lacaios e chapeleiros a quem ela
dedicava seus sorrisos. Queria deitá-la sobre uma cama, em
um banco ou sobre a grama e empurrar dentro dela até que
ela olhasse para ele do mesmo jeito que fizera na biblioteca.
Com admiração. Desejo. Descoberta.
A luxúria era vagamente familiar, embora fosse como
comparar um tufo de grama com um carvalho imponente. Ele
tivera amantes. Ele as estudara, de fato. Ele gostava de
explorar os prazeres de uma mulher, as texturas e
idiossincrasias até que o mistério desaparecesse. Às vezes
levava anos. Então, ele tivera quatro amantes em sua vida, a
mais recente durara dois anos.
Todas foram mulheres adoráveis e companhias
agradáveis. Nenhuma delas evocou o tipo de necessidade que
sentia por Eugenia. Esta, arranhava e exigia. Cavava e
cortava fundo.
Por outro lado, ele nunca contemplara atacar fisicamente
outros homens por causa de uma mulher. A noção era um
absurdo primordial. Irracional.
Mas a escuridão era definida por sua irracionalidade. E,
embora ele usasse o tempo da viagem para Primvale para
trabalhar neste problema, aqueles malditos desejos só haviam
aumentado.
Agora, dava palmadinhas no pescoço de Caballus e
desmontava em frente à estrebaria da pousada, esticou as
pernas cansadas e olhou para trás, em direção às duas
carruagens entrando no pequeno pátio. Uma carruagem
inteira foi requisitada para carregar os baús de Eugenia.
Felizmente ele antecipara a necessidade. Ele não sabia
quantos vestidos novos Hannah havia comprado durante a
temporada, mas isso também o deixava feliz por os ter
arranjado.
A carruagem da frente parou perto da porta da
hospedaria. Hannah saiu primeiro. Ela parecia tão exausta
quanto Caballus, com anéis escuros embaixo de seus olhos e
lábios pálidos e contraídos.
Phineas cruzou o pequeno pátio e se aproximou da irmã.
— Entre, pequenina. — Ele disse, segurando gentilmente
seu cotovelo enquanto ela pulava pilhas de sujeira. — Peça
algo para comer. Ainda há algumas horas até Primvale.
Ela suspirou e inclinou-se contra ele.
— Farei isso. Está preocupado com alguma coisa,
Phineas?
Ele começou a responder, mas sua atenção vagou. Fixou.
Em uma mulher descendo da carruagem. Seu bonnet surgiu
primeiro - era de um rosa delicado, como o interior de uma
concha. Depois, ele pôde ver seu corpete, do mesmo tom, um
pouco mais profundo e avermelhado. Uma vez ele criara uma
rosa assim. Ela emergiu da carruagem como uma pintura de
Vênus - pelo menos, era como parecia para ele, pois ela
brilhava como uma deusa.
— Phineas?
Sua pele era marfim e seus olhos de xerez em um raio de
sol. O que ela diria se ele simplesmente a erguesse novamente
para dentro da carruagem e lhe mostrasse como podia ser o
prazer?
— Phineas. — Um puxão em seu braço.
Ele olhou para baixo.
Hannah parecia aborrecida.
— Quer alguma coisa?
Sim. Ele queria uma cama e Eugenia. Ou apenas
Eugenia. A cama era preferível, mas secundária. Ele podia
tomá-la em pé em um estábulo, se necessário.
Engolindo em seco, ele observou sua esposa descer e
franzir o nariz. Ela ajeitou as saias, inclinou o queixo e seguiu
até a porta da pousada sem olhar sequer uma vez em sua
direção. Enquanto isso, seu coração trovejava. Sua visão se
aguçou sobre seus perfeitos e perturbadores quadris.
— Phineas!
— Nada. — Ele respondeu, sua voz um tom mais baixo.
— Entrarei em um instante.
Ele ouviu o que pareceu soar como um bufo ou uma
blasfêmia em voz baixa, mas deve ter sido um dos cavalos.
Hannah não fazia tais ruídos.
Não, isso era mais uma característica de Eugenia.
Ele quase sorriu diante do pensamento. Quando ela
estava aborrecida, em dúvidas ou simplesmente impaciente,
Eugenia fazia todo tipo de barulhinhos. Ela rolava os olhos e
dava severas reprimendas. Ela empurrava, esmagava e cuspia
fogo. Ele nunca tinha que se perguntar quando ela estava
brava. Eugenia não media palavras.
Lamentavelmente, ele a entristecera no dia do casamento
deles, enquanto ela empacotava as coisas e não falou com ele
durante toda a viagem. Bom Deus, a mulher tinha mais
chapéus do que bom senso. Ela não percebia o quanto a
situação era perigosa?
Talvez ele tenha sido bruto. Mas o que ela esperava? Ela
havia feito uma brincadeira sobre beijar um lacaio, de todas
as coisas, depois tocara no mesmo lacaio e lhe dirigiu um
sorriso deslumbrante de virar um homem ao avesso.
Eugenia precisava de barreiras. Ela precisava de uma
mão firme e regras claras. Ela precisava parar de tocar outros
homens.
— Eh! Você aí. Afaste-se!
Phineas piscou e olhou para trás. Um homem velho
olhava para baixo de cima de uma carroça lotada. A mulher
do homem, puxou seu crochê de dentro de uma cesta a seus
pés e franziu a testa.
Maldição. Ele estivera parado no meio do pátio da
pousada olhando a porta pela qual a sua esposa
desaparecera. Essa escuridão havia amolecido sua mente.
Ele esfregou o pescoço e entrou, perguntando se ela
falaria com ele se lhe comprasse presunto.
Eugenia se sentou perto de uma cansada Hannah,
bebendo em uma xícara de madeira com um farto apetite. Ela
largou a xícara e tagarelou com sua irmã, que olhava para
baixo, para o topo da mesa toda arranhada com uma
expressão de pedra.
Phineas procurou pelo estalajadeiro e pediu um pouco de
cerveja para ele, depois aproximou-se das damas e sentou-se
no banco a frente delas.
— Penas dão peso, sabe. Agora, para alguns, é uma
característica crucial. Lady Wallingham, por exemplo, nunca
sai sem uma pena ou duas. Eu também gosto delas grande.
Hannah soltou um suspiro pesado e virou-se para olhar
o pátio pela janela imunda.
Phineas olhou de uma dama para a outra e franziu o
cenho. Ele perdera algo, mas não tinha certeza do que era.
— Presumo que a conversa seja chapéus. — Aventurou-
se.
Eugenia fingiu que não o escutou.
— Normalmente não recomendaria penas para você, mas
no caso de uma roupa para cavalgar...
— Eu não cavalgo. — Hannah espetou.
A ruga em sua testa se aprofundou. O que diabos?
Fungando, Eugenia deu outro gole em sua cerveja.
— Deveria. — Ela disse a Hannah. — Ajuda a limpar a
mente.
— Minha mente é perfeitamente limpa.
— Melhora a disposição.
Desta vez, Phineas ouviu claramente um bufo.
Engraçado isso. Hannah bufando.
— Ouso dizer que cavalgar deve ajudar a curar um
humor intratável. Em minha experiência, é mais agradável do
que ficar remoendo autopiedade. — Deu outro gole. —
Embora, isso tenha seus méritos.
Phineas pigarreou.
— Eu a ensinarei. — Eugenia continuou. — Presumindo
que Primvale possua um estábulo adequado e que possua um
mínimo de capacidade, eu ouso dizer que cavalgará por prazer
pelo menos uma vez por dia. As manhãs são melhores.
— Eu não cavalgo.
A hostilidade fervilhante naquelas palavras o
surpreendeu. Ele nunca vira sua frágil e gentil irmã se
comportar daquele jeito.
Com alegria, Eugenia respondeu.
— Não cavalga agora. Essa é a razão pela qual eu devo
ensiná-la.
— Não desejo aprender.
— Bem, isso é bem evidente. — A expressão irônica de
Eugenia foi acompanhada de um virar de olhos.
O estalajadeiro pôs um grande copo de cerveja à sua
frente, mas Phineas não afastou o olhar da conversa bizarra
entre sua esposa e irmã, nenhuma delas tinha se incomodado
em reconhecer a sua presença.
— Infelizmente, muitos desejos não são realizados. —
Eugenia continuou. — Eu desejava trazer comigo mais quatro
chapéus e três bonnets, por exemplo. Até que fui forçada a
deixá-los para trás. Agora devo pedir o dobro da mesada que
Holstoke inicialmente planejou. — Ela estalou a língua. —
Refazer chapéus é caro, pois alguns desenhos exigem
materiais especializados.
O vinco na testa se aprofundou. Pelo menos ela estava
falando dele, embora indiretamente. Ele escolheu responder à
acusação dela com uma explicação útil.
— Nós tínhamos que partir quando o fizemos, Eugenia.
Atrasos poderiam aumentar as chances do envenenador...
— Então, quanto Holstoke lhe dá de mesada, Hannah?
— Não é problema seu. — Veio a reposta de Hannah.
— Talvez não, mas gostaria de saber. Vamos, conte-me.
Ele é surpreendentemente generoso, não? Sim, deve ser.
Estes seus vestidos são divinos. Trabalho de Madame
Legrande, se não estiver errada. Um talento incomparável,
grande, de fato. — Ela deu uma risadinha agora com sua
própria piada. — Eu tenho várias de suas criações. Papai não
é tão generoso quanto Holstoke. — Eugenia piscou e bateu
nos lábios com os dedos. — Agora que eu penso sobre isso,
até mesmo Holstoke não é generoso como vai ser. — Desta
vez, a mensagem de Eugenia foi afiada e destinada
exclusivamente para ele.
Maldição.
Ele fez uma tentativa de intervir.
— Eugenia, este é um assunto que é melhor reservar
para...
— Bem. Assim que chegarmos ao pequeno castelo de
Holstoke e tivermos uma oportunidade de estabelecer nossas
pequenas rotinas, devemos ajudá-la em sua habilidade na
sela.
— Eu prefiro caminhar.
— Humm. Sim. Estranhamente, as preferências são
parecidas com os desejos. Outro excelente exemplo: Holstoke
prefere não ser acusado de assassinato. E ainda assim, foi
precisamente o que aconteceu. Se não fosse por intervenções
no tempo, ele podia ainda estar sendo acusado com nenhum
álibi em vista.
Ele suspirou e bebeu sua cerveja. Estava fraca e
insípida. Talvez ele devesse voltar aos estábulos.
— No fim, suporia que um pouco de gratidão seria válido.
As intervenções oportunas não aparecerem todos os dias. —
Eugenia bebeu o restante de sua cerveja e apoiou o copo
sobre a mesa com alguma força. — Infelizmente, embora
alguém possa esperar por gratidão, poderá nunca receber a
menor atenção. E, embora, isso seja extremamente rude e
decepcionante, não é inesperado.
O estalajadeiro entregou uma cesta de pães e um prato
de presunto fatiado.
Graças a Deus, Phineas pensou. Talvez a comida melhore
as coisas.
Não o fez. Hannah imediatamente pegou um pedaço de
pão e uma fatia de presunto antes de se levantar da mesa e
avançar até a porta.
— Humph. — Genie murmurou antes de dar de ombros e
fazer o mesmo.
Phineas segurou o pulso dela quando ela passou por ele.
— Eugenia.
Ela parou, mas não olhou para ele.
Ele acariciou o pulso elegante dela com seu polegar,
novamente surpreso por ver o quanto ela era pequena.
— Eu sei que está...irritada comigo.
Uma fungada.
— Dar-lhe mais tempo seria colocá-la em grande perigo…
— Não foram os chapéus, Holstoke. — Sua voz estava
estranhamente baixa e uniforme.
Ele se levantou. Virou o rosto dela em sua direção.
Trouxe-a para perto até que ele pode cheirar as violetas.
— O que, então?
Ela manteve os olhos apontados em seu casaco. Os
lábios estavam apertados. Se ele quisesse ter a mínima
chance de beijá-la depois – e ele queria – acreditava que
descobrir o que ele fizera para aborrecê-la tanto seria uma
vantagem para ele.
Ele a puxou para mais perto. Abaixou a cabeça.
— Conte-me.
— Você exigiu que eu concordasse em me casar com
você, então eu o fiz.
Ele franziu o cenho.
— Para preservar a sua reputação depois que anunciou a
todos…
— Exigiu que eu o beijasse. E eu o fiz.
— Uma experiência que você gostou bastante, se me
recordo…
— Exigiu que eu deixasse a minha casa, as minhas
posses e todas as coisas familiares com tão pouco aviso,
quanto daria ao cozinheiro que queria peixe defumado no café
da manhã. E eu o fiz.
Ela ainda se recusava a encontrar seus olhos e isso
alimentava a escuridão dentro dele. Ele não gostava desta
Eugenia: calma, fraca e, de alguma forma, ferida. Ele queria a
mulher que ria e o tocava sem pensar.
— Você exigiu que eu o seguisse para essa terra de
gramas, vacas e nada. — Ela finalmente ergueu seus olhos
para encará-lo. Eles estavam disparando fogo. — E eu o fiz.
Ele não entendia. Ele explicou tudo. Racional e
razoavelmente. Não Explicou?
— O mínimo que tinha que ter feito era ter notado que eu
ainda estava usando o vestido de casamente e não um de
viagem.
Ela estava furiosa. Ferida. Ele conseguia ver isso pelo
brilho nos olhos dela. Mas os motivos dela não faziam
sentido. Ele olhou para o conjunto em tons de rosa. Não, esse
não era o mesmo que ela vestira no casamento deles. Aquele
outro era azul. De verdade, não importava o que ela vestia.
Tudo o acendia como uma tocha quando ela estava perto.
Mesmo um pequeno pássaro tolo empoleirado dentro de uma
floresta de penas-de-avestruz.
Franzindo a testa, ele tentou recuperar terreno.
— Um membro da equipe de funcionários da minha casa
tinha acabado de morrer.
— Sim. E?
— E ainda não sabemos quem é o assassino. Pode ser
qualquer um. — Ele suspirou e esfregou a nuca. — Qualquer
um que saiba formular venenos.
— Assim como um boticário.
O olhar dele aguçou-se sobre ela. Normalmente ele não
consideraria sobrecarregar Eugenia com conversas sobre
venenos e assassinos, mas a sua frustração o deixava
desesperado.
— Sim, apesar de o boticário que minha mãe usava está
há muito tempo morto.
Ela fungou inclinando o queixo.
— E o assistente dele?
Phineas piscou.
— A corporação não citou nenhum aprendiz.
— Não digo aprendiz. Digo assistente. Muitos lojistas
preferem evitar acordos nos quais ficarão obrigados a treinar
alguém por muitos anos. Em vez disso, eles trocam salário
pelo trabalho. Nenhum contrato. Contratação fácil, demissão
fácil. A Sra. Pritchard, por exemplo, clamava para si mesma
todo o trabalho. Na verdade, ela fazia muito pouco, embora
gostasse de receber os créditos por suas assistentes. Suponho
que ela considerava isso um privilégio do empregador. — Ela
deu de ombros. — Uma prática bastante comum.
A escuridão odiava recordar como a Sra. Pritchard
tratara Eugenia. Phineas a forçou a retroceder, acalmando-se
ao acariciar o braço dela com o polegar.
Ela continuou com uma altivez calma.
— Quem quer que seja o envenenador, duvido muito que
ele poderia escalar as paredes de Berne House e me matar
enquanto eu terminava de empacotar.
Ele franziu o cenho.
— Não poderia correr o risco. Precisava que você parasse
de se divertir e entrasse naquela maldita carruagem.
Ela se retorceu para escapar de seu aperto.
Evidentemente, a explicação dele não foi satisfatória.
Inclinando o queixo, ela disse asperamente.
— Como você nunca teve uma esposa antes e, sem
dúvida, suas tolas companhias mais próximas têm caules e
folhas, concedo que deve ser treinado, Holstoke. Um grande
treinamento. Até lá, sugiro que rumine sobre os benefícios de
mesadas generosas. — Ela virou-se sobre seus calcanhares e
seguiu até a porta.
— Quanto tempo? — Ele perguntou, observando seus
quadris perturbadores balançarem.
Ela parou. Ergueu uma sobrancelha questionadora sobre
seu ombro.
— Até eu ser perdoado. — Ele esclareceu.
Ela não respondeu, em vez disso, passou pela porta e
voltou a carruagem.
Ele voltou a mesa e tomou sua cerveja. Nada razoável
acontecera ali. Mas, pelo menos, ela estava falando com ele
novamente. Era alguma coisa.
Ele olhou para as migalhas remanescentes na cesta e
pegou o último e pequeno pedaço de presunto. Então, ele
pagou o estalajadeiro e foi aos estábulos.
Mulheres. Elas eram malditamente confusas.
Suspirou e mordeu o presunto. Um bocado seco e muito
salgado, mas serviria. Em seu caminho pelo pátio, olhou para
a carruagem onde sua esposa e irmã engajavam alguma
batalha estranha e feminina que ele não podia compreender.
Finalmente ele alcançou a Caballus – uma criatura sã. Falou
brevemente com o cavalariço que segurava Caballus – outra
criatura sã. Finalmente, deu instruções para os sete
cansados-porém-vigilantes homens, todos claramente com
altos níveis de sanidade.
E ele formulou uma hipótese de que as mulheres eram
mais sãs quando não estavam confinadas a espaços pequenos
por longos períodos. Proximidade com outras fêmeas parecia
especialmente problemático.
As complexidades de Eugenia eram maiores do ele
suspeitou inicialmente. Ele ainda não entendia o que fizera,
além de apressá-la um pouco. Mas, não importa quão
labiríntico fosse o pensamento dela, ele pretendia dominar o
assunto.
Um processo exploratório longo e complexo. Sim. Era
precisamente do que ele precisava.
A escuridão estava feliz com o plano. Assim como
Phineas.
Ele terminou seu presunto e esfregou o pescoço de
Caballus. O sorriso dele lentamente cresceu. Uma vez que
eles chegassem a Primvale, ele começaria a desvendar o
mistério que era a sua esposa. E isso queria dizer
experiências. Numerosas experiências. Um verdadeiro
cientista deve ser diligente, afinal.
CAPÍTULO 12

“Alguma coisa deve ser feita. Nós simplesmente não podemos


ter envenenadores agindo por Mayfair e reduzindo a população
de damas casadouras uma por uma. Quem sobrará para Lady
Gattigford fofocar?”

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Secretário de


Relações Interiores, Robert Peel, quanto a necessidade de
lidar com a criminalidade de uma maneira mais sensata.

O gigante feio e careca deixou cair uma caneca sobre a


mesa. Jonas Hawthorn lhe deu um sorriso irônico.
— Obrigado, Rude. Há meses que não tenho uma cerveja
decente.
Rude Markham grunhiu e coçou sua orelha em forma de
couve-flor.
— Aye. Faz tempo desde a última vez que lhe vi.
Perseguindo musselinas, ãh?
Jonas bebeu sua cerveja e suspirou, caindo para trás em
sua cadeira.
— Nada tão agradável. Ladrões e patifes, a maioria.
Rude assentiu e bateu no ombro com uma força
excessiva.
— É o que paga, suponho.
De fato, pagava. Jonas passava horas de vigília caçando
bugigangas de homens ricos e os desgraçados miseráveis que
as roubavam – então, um dia, ele poderia parar de caçar
bugigangas de homens ricos e os desgraçados miseráveis que
as roubavam. Homens rico pagavam fortunas para encontrar
seus relógios de ouro e colheres de prata. Os desgraçados
miseráveis pagavam com o pescoço.
Há anos que ele não dava uma maldita importância ao
desequilíbrio. Ainda mais porque ele gostava da perseguição.
Agora, enquanto observava o gigante feio e careca voltar
ao bar, ele pensava como era diferente as formas de se caçar
um assassino. Coisa curiosa.
Era como um verme em seu intestino. Ácido e fogo. Ele
queria este envenenador mais do que qualquer ladrão. Mais
do que qualquer coisa em um longo, longo tempo.
Ele pensou que Holstoke era o seu homem. As peças
combinavam. Mas a coceira em seu pescoço não diminuía,
não importa quantas formas ele questionava aonde as
evidências podiam levar.
Então, surgiu o problema de… dela.
Ele fechou os olhos e bebeu outro gole, a exaustão
quente deslizou como uma neblina em um vale. Não havia
sentido em pensar nela. Aquele era um pedaço de musselina
que ele nunca veria, quanto mais tocar.
— Boa hora para dormir, Hawthorn.
Jonas abriu seus olhos e dirigiu a Drayton um meio
sorriso e ergueu sua caneca.
— Ele vem, quando vem.
Enquanto Drayton puxava uma cadeira para si, o
enganadoramente elegante Lorde Dunston removeu seu
chapéu e tomou o assento em frente a Jonas. Os olhos do
homem eram mais aguçados do que seu antigo apelido:
Sabre.
— O que descobriu?
Suspirando, Jonas se endireitou. Apoiou um cotovelo na
mesa. Puxou do bolso um pedaço de papel dobrado.
— Entre Randall, Glencombe, Holstoke e Froom, apenas
um deles contratou um novo criado nos últimos dois meses.
Dunston desdobrou o papel e assentiu. Seu colete verde
brilhava na luz do fogo.
— Randall. Você suspeita que ele esteja envolvido?
— Improvável. — Jonas respondeu. — Ele se beneficiava
mais mantendo a esposa viva. O acordo deles lhe servia muito
bem.
Drayton franziu a testa.
— Acordo?
— Humm. — Respondeu Dunston. — Lady Randall
tolerava as afeições de Lorde Randall às companhias
masculinas. Algumas esposas não seriam tão compreensivas.
— Eu interroguei cada membro das quatro casas. —
Jonas prosseguiu. — O mordomo de Randall contratou dois
lacaios adicionais para servir os convidados no baile onde a
Srta. Froom foi envenenada.
— Conversou com estes homens?
Jonas assentiu e apontou para o papel.
— Os nomes estão aqui. Um esteve...ocupado com Lorde
Randall na maior parte da noite.
— E o outro? — Perguntou Drayton.
— Caiu doente uma semana antes. A mãe dele e dois
primos dizem que ele esteve na cama com febre durante todo
o dia e noite do baile dos Randalls. — Jonas olhou para
Dunston, que, além do colete, exibia poucos sinais do dândi
que ele fingia ser. — Eles também alegam que ele nunca foi
empregado de Lorde Randall.
O olhar de Dunston se estreitou.
— Nunca?
— Nunca foi contratado. Nem trabalhou. Nenhum
contato. O garoto diz que ele trabalhou para um capitão do
exército até que ficou doente e ainda não tinha forças para
procurar outro posto.
— Um impostor, então. — Dunston esfregou o queixo e
balançou a cabeça.
— Maldição. Inferno maldito. — Murmurou Drayton. —
Parece que temos outro fantasma, milorde.
Jonas vasculhou dentro de seu casaco e retirou um
segundo papel dobrado.
— Talvez não. — Ele disse, oferecendo a folha a Dunston
que a desdobrou. Piscou. Aguçou o olhar.
Jonas sorriu e deu um gole na ótima cerveja de Rude
Markham.
— Fantasmas não têm rosto, têm?
Ele sabia o que Dunston viu, ele desenhou. O nariz fino.
A sobrancelha delicada. Olhos redondos e gentis. Era um
homem, mas um com feições tão banais, que ele levou o diabo
de um dia incitando criadas e outros serventes para lhe
darem descrições suficientes. Ainda assim, era um rosto. Já
era alguma coisa.
Dunston passou o papel para Drayton.
— Reconhece-o?
— Não. Parece inofensivo.
Dunston encontrou os olhos de Jonas.
— Os mais inteligentes são.
Jonas ergueu sua caneca e saudou a afirmação correta
antes de dar outro gole.
— O mordomo de Glencombe disse que um dos lacaios
de Randall entregou uma mensagem para Lady Theodosia na
manhã em que ela foi morta.
— Deixe-me adivinhar. — Disse Dunston, deslizando o
esboço pela mesa. — Ele era o mensageiro.
Jonas assentiu e apoiou sua caneca quase vazia na
mesa, acenando para Rude. O proprietário jogou uma toalha
sobre o ombro e pegou uma jarra.
— Isso é o mais longe que conseguiremos ao questionar
os moradores. Randall não sabe de nada. Froom e Glencombe
querem a cabeça de Holstoke em uma bandeja. Holstoke alega
que não sabe o motivo pelo qual o envenenador deseja sua
atenção, além da fascinação pela mãe dele. — Jonas dobrou o
papel e a lista antes de guardá-los em seu bolso. — Preciso
saber mais do que sei. — Ele continuou acenando seu
obrigado a Rude, que bateu no seu ombro e serviu os três
homens.
— Isso é verdade, hein, Hawthorn? — Rude disse,
secando a jarra com a toalha. — Eu conversei bastante com
Reaver na semana passada. — O gigante careca olhou ao
redor do The Black Bull com orgulho e nostalgia. — Gostaria
de saber desde o começo o que sei agora. Mas eu era apenas
um lutador, um pouco brusco. Reaver me ensinou algumas
coisas quando eu comprei este lugar dele. Mas eu não sou
Reaver, pode ter certeza.
— Você faz bem, Rude. Bem.
— Ah, você é um amigo leal, Hawthorn. — Outro tapa
doloroso em seu ombro, junto com uma risada estrondosa. —
Avarento de vez em quando, mas um bom tipo.
Enquanto Rude se afastava, Drayton se endireitou e
apertou os olhos em direção à Jonas.
— Reaver deve lembrar de alguma coisa. Ele ajudou a
rastrear Lady Holstoke quando vossa senhoria casou e… —
Drayton lançou um olhar de soslaio a Dunston e ergueu uma
sobrancelha espessa. — Desistiu da perseguição. Por um
tempo, pelo menos.
Dunston murmurou sua concordância.
Sebastian Reaver era o proprietário de um clube de jogos
para cavalheiros que ocupava um quarteirão inteiro da St.
James. Os nobres gostavam de frequentar o lugar, ou isso
Jonas tinha entendido. Como ele não era um nobre, não era
um membro. Ele não conhecia o homem. Mas pela reputação
do Reaver’s, Jonas poderia supor que ele era tanto implacável
quanto eficaz.
— Do que ele poderia se lembrar? — Jonas perguntou.
Drayton terminou de engolir sua cerveja e balançou a
cabeça.
— Ele poderia saber algo sobre o boticário. — O homem
mais velho esfregou sua própria perna embaixo da mesa.
— Do que você lembra?
— Bem, como eu disse, nós seguimos o rastro dos
venenos do Investidor – que era Lady Holstoke – até uma
botica perto da Strand. Quando entramos, o lugar estava
destruído. O boticário usava nada além de uma camisa e
cueca. Ele estava péssimo. — Drayton deslizou uma mão pelo
rosto e deu um longo gole em sua cerveja antes de prosseguir.
— Sacudia-se e babava. Seus olhos estavam muito grandes.
— Muito grandes?
— Dilatados. Os centros estavam grandes também. Como
os da Sra. Varney. — Drayton deu um suspiro. — De
qualquer forma, Reaver levantou o pobre coitado e tentou
conseguir um nome. Nada. O homem estava sufocando.
Reaver me mandou procurar no jardim atrás da loja. Muros
altos. Um portão levava a um beco. — Ele esfregou a perna
novamente. — O tiro veio de repente. Mal pude me virar e o
bastardo magricelo já escapava pelo portão.
O pescoço de Jonas coçou.
— Magricelo?
— Aye. Magro como uma garota, mas se movia como um
menino.
— Viu o rosto dele?
— Não. Apenas um vislumbre de suas costas. Eu o tomei
como aprendiz. Após o cirurgião tirar a bala, eu tentei
encontrá-lo, mas o boticário não tinha nenhum aprendiz
registrado na corporação.
— Concluímos que o garoto foi pago para se livrar do
parceiro de Lady Holstoke. — Dunston disse. — Ela tinha
uma propensão a contratar jovens rapazes para livrá-la de
suas dificuldades.
— Então, você nunca descobriu o que fez o garoto atirar
em você.
Drayton balançou a cabeça.
— Ele desapareceu. Após esses anos, supunha que ele
teria retornado de onde veio ou caído na cova como muitos
outros que trabalharam para Lady Holstoke. — Ele deu de
ombros. — Talvez Reaver se recorde de mais coisas.
Jonas olhou mais uma vez a Dunston.
— Importa-se de fazer a apresentação?
O elegante lorde sorriu.
— Por que não?
Um pouco depois, Jonas e Dunston estavam parados
dentro de uma sala no terceiro andar de um dos mais
exclusivos clubes de cavalheiros de Londres. Jonas avaliou os
arredores, notando a limpeza e a robustez dos móveis. A sala
era menos luxuosa do que o resto do clube, porém, espaçosa
e confortável exatamente por isso. Levantando-se detrás de
uma massiva mesa de carvalho, um homem mais musculoso
e dois centímetros mais alto do que Rude Markham removeu
os óculos.
Dunston o apresentou como Sebastian Reaver.
Jonas pôde ver onde o gigante de cabelos pretos ganhou
sua reputação. Ele parecia que podia quebrar um homem
com um simples sopro.
— Hawthorn. — Ele retumbou, dando a volta na mesa.
Olhos pretos focaram em Jonas. — Já ouvi o seu nome. E as
reclamações.
— Ladrões. — Jonas deu uma risadinha. — Eles
cacarejam mais do que mil galinhas.
— Aye. Principalmente quando há um lobo entre eles e
nunca falha em pegar suas refeições. O que o traz aqui?
Jonas retirou o esboço e esticou ao gigante, que
recuperou seus óculos e deu uma olhada.
— Já o viu?
Reaver abaixou o esboço e balançou a cabeça.
— Quem é ele?
— Outro envenenador. — Dunston respondeu em voz
baixa. — Um admirador do trabalho de Lady Holstoke. —
Dunston descreveu os atos do assassino, sua aparente
fixação por Lorde Holstoke e a suspeita deles sobre seus
métodos.
Os olhos de Reaver brilharam e se estreitaram.
— As fórmulas são diferentes das dela, não são?
— Assim diz Lorde Holstoke. — Disse Jonas.
— Ele saberia. — Reaver grunhiu e balançou a cabeça. —
Malditamente brilhante aquele lá. E incansável também. Foi
atrás dos cúmplices de sua mãe como um demônio, vários
anos após a morte dela. Encontrou suas vítimas ao combinar
as descrições das mortes delas com os métodos de sua mãe.
Jonas sabia que era verdade. Holstoke friamente
explicara os motivos e seu exaustivo processo. Ele parecera
sem emoção, mas após ver a reação do conde a Lady Eugenia
Huxley, Jonas tendia a acreditar que era mais uma máscara
do que sua verdadeira natureza.
— Baseado nas análises de Holstoke, parece que as
fórmulas do assassino são parecidas com os venenos usados
no boticário de Lady Holstoke. Você esteve lá. Do que se
recorda daquele dia?
O gigante deslizou uma mão pelos cabelos e girou seu
ombro massivo.
— Não foi uma morte fácil. Na hora que nós chegamos, o
homem estava inconsciente. Engasgando.
— Você estava no jardim quando Drayton levou o tiro?
— Não. Eu ouvi o tiro e corri até lá. Vi uma figura voando
pelo portão.
— Feminina ou masculina?
— Masculina. Usava chapéu, casaco e calças marrons.
Movia-se como um garoto.
Drayton dissera a mesma coisa. Jonas apontou
novamente ao esboço.
— Poderia ser ele?
Reaver olhou novamente.
— Nunca vi o rosto dele. Eu o persegui, mas ele
desapareceu tão rápido quanto o rum de um marinheiro.
Acredita que o garoto que atirou em Drayton é o assassino?
Jonas coçou o pescoço.
— Talvez. Qual a altura dele?
— Mais baixo que você. Magro. Rápido.
Jonas elevou a mão abaixo da ponte de seu nariz.
— Mais ou menos dessa altura?
— Mais alto.
Jonas moveu a mão para sua testa.
— Aye.
Inferno maldito. Muito alto. O assassino fora descrito
pela equipe de Randall como tendo por volta de um e setenta
e cinco. Se a lembrança de Reaver estivesse certa, não podia
ser o mesmo homem.
Com uma carranca sombria, Reaver olhou para Dunston.
— A Srta. Gray sabe da fixação do canalha? — Reaver
perguntou. — Ela está segura?
Tudo dentro de Jonas ficou atento. Seu pescoço pinicou.
Suas mãos coçaram. Seus cabelos quase ficaram em pé.
Certamente sua reação era extrema, mas o último assunto
que ele esperava ouvir da boca de Reaver era...ela.
— Estou curioso em como a Srta. Gray foi seu primeiro
pensamento. — Jonas disse suavemente, mantendo seu meio
tom, apesar da estranha urgência que corria dentro dele. —
Por que isso, Sr. Reaver?
Dunston pigarreou.
— Perfeitamente razoável, meu bom homem. Ser irmã de
Holstoke a coloca na mira do assassino…
— Por que ela especificamente? — Jonas se aproximou
do gigante. — Por que não a mulher com quem Holstoke se
casou? Ou o próprio Holstoke?
Um olhar duro e sombrio vasculhou, avaliou, iluminou-
se e calculou. Finalmente Reaver respondeu:
— Porque se este filho da puta admira Lady Holstoke, ele
deve provavelmente eliminar a garota que atirou nela.
Atirou nela. Doce Cristo. A fria e intocável Srta. Hannah
Gray? Ele não conseguia imaginá-la pondo um de seus
delicados dedos sobre uma arma, muito menos atirando.
Jonas olhou para Dunston, uma fúria incontrolável crescendo
em seu peito.
Dunston olhou para Reaver.
— Havia pouca necessidade de contar a ele.
— Toda a necessidade. — O gigante respondeu. — Ela
estará em perigo. Novamente. Se ele quer parar este idiota, ele
precisa saber disso.
Em perigo novamente? Por que diabos ela estaria em
perigo afinal?
— Preciso saber de tudo, Dunston. — Jonas espetou. —
Tudo.
O outro homem suspirou.
— Hawthorn, tudo o que precisa saber é que a garota
sofreu muito por causa de Lady Holstoke. Ela atirou na
condessa para defender a sua vida e os outros na sala,
incluindo minha esposa e eu.
— Os relatórios do magistrado em Dorsetshire não fazem
menção a isso.
Reaver respondeu.
— Nós todos votamos para protegê-la e assim fizemos.
Maldito inferno, ela já havia passado por bastante coisa, né?
Dunston está certo. Você não precisa conhecer os detalhes.
Apenas saiba que ela pode ser um alvo novamente.
— Por que ela é bastarda? Lady Holstoke…
— Não importa. — Dunston disse categoricamente.
Importava. O bastante para fazê-lo querer esmurrar para
obter as respostas dos dois homens. Por que, ele não sabia
dizer. Hannah Gray era a mais arrogante das mulheres
arrogantes. Bonita, certamente. Pelo branca cremosa. Os
olhos mais impressionantes que ele já vira. Mas desde o
momento em que eles se conheceram, ela o tratou como os
dejetos de uma montaria malcriada – repulsivo e melhor
evitar.
Ele não deveria se importar se ela estava em perigo. Ele
não deveria se importar se ela havia ‘sofrido em demasia’ e
tinha ‘passado por muita coisa’.
Assim como ele não deveria sonhar com ela a noite e
ficar tão duro como uma rocha.
A vida era cheia de ‘deveres’.
Eles foram interrompidos pela esposa de Reaver, que
entrou sem bater. Ela era alta. Cabelos avermelhados.
Confiante e régia. Ela avançou em direção ao marido, uma
mão enluvada pousada sobre seu ventre redondo e cheio.
— Bastian, seus filhos decidiram roubar as botas do Sr.
Duff e o montam como um pequeno pônei. Talvez você
pudesse...oh! — Ela piscou. Olhando de Jonas para Dunston.
— Lorde Dunston e…?
Reaver moveu para o lado dela. O gigante deslizou a mão
ao redor dela, abraçando-a completamente.
— Esse é Hawthorn. Ele trabalha em Bow Street.
Ela inclinou a cabeça como uma rainha.
— Um prazer, Sr. Hawthorn. — Então, ela deu um
sorriso arrependido. — Cavalheiros, temo que devo roubar
meu marido.
Uma risada profunda e retumbante soou.
— Os garotos estão lhe dando muito trabalho, Gus?
Ela olhou para o marido com flagrante adoração. Então
deu uma batidinha em seu ventre.
— Este aqui está. Ele tem uma sincronia terrível.
Os pesados músculos de Reaver ficaram rígidos. Os
olhos pretos arregalaram-se.
— Não. Não por outro…
— Duas semanas. — Sua esposa suspirou com
expressão envergonhada. — Meus cálculos podem ter sido um
pouco errados.
— Maldito inferno.
— Peço desculpas, cavalheiros.
— Não se preocupe com eles. Devemos ir para casa.
Onde está a carruagem?
— No mesmo lugar de sempre. Pedi a Duff para pegar os
garotos. Eles não estão particularmente cooperativos.
— Hora de ir embora. — Reaver, parecendo em pânico,
abaixou-se e pegou sua esposa em seus braços.
— Bastian! Não sou nem inválida e nem uma valise. E
esta dificilmente é a primeira vez…
Sem outra palavra para Jonas e Dunston, Reaver saiu do
escritório carregando sua esposa que parecia estar prestes a
dar à luz a outro bebê.
Dunston pegou o esboço de Jonas do chão e estendeu a
ele com um sorriso irônico.
— Receio que essa será a extensão da ajuda dele. Reaver
é obstinado quando se trata de sua família.
Jonas guardou seu esboço no bolso e lançou a Dunston
um olhar duro.
— O que deixa apenas você para responder as minhas
perguntas. Um pouco mais completas desta vez, se não se
importa.
O elegante conde sorriu.
— Venha, Hawthorn. Acontece que sou membro do
Reaver’s. Vamos beber conhaque e fingir que somos
civilizados.
Jonas não sorriu.
— Eu ainda terei minhas repostas, meu lorde.
— Não duvido, meu bom homem. — Dunston bateu no
seu ombro com força que rivalizava com a de Rude Markham.
— Civilizados primeiros. Muito tempo para caçar galinhas
depois.
CAPÍTULO 13

“Jardinagem não é uma profissão para um cavalheiro, meu


querido rapaz. Nenhuma dama deseja descobrir que as mãos
que a carregam em uma valsa, tem terra embaixo das unhas."

A Marquesa Viúva de Wallingham para Lorde Holstoke em


uma carta explicando o papel apropriado de um conde e a
natureza imprópria das mãos sujas de terra, em tarefas que
era melhor deixar para os criados.

O primeiro vislumbre de Genie do Primvale Castle, veio


bem depois de seus arredores a terem deixaram sem voz e
sem fôlego. E isso depois de ela se desesperar com a
possibilidade de perecer por falta de civilização.
A paisagem de Dorsetshire era ondulante, o ar fresco
pela brisa marinha. Em suma, era muito parecido com outras
partes da Inglaterra que ela já vira antes, embora menos
populosa – a menos que se contasse as vacas.
Sua apreensão aumentou à medida que ela via menos e
menos vilas entre as gramas sopradas pelo vento. A última
havia sido a pelo menos cinco milhas atrás, pouco mais de
um aglomerado de chalés brancos com telhados de palha.
Nenhuma loja. Nenhuma outra carruagem. Nem mesmo uma
pousada. Ali, onde a terra se esvaziava, vales longos e rasos
pareciam água corrente, a própria grama ondulando como um
respingo. Parecia como se ela tivesse embarcando em uma
longa viagem marítima com poucos suprimentos, pouco
conforto e companhia desagradável.
Ela começara a resmungar silenciosamente a respeito do
vazio, quando a carruagem subiu uma das colinas e ela arfou.
Genie reservava as arfadas apenas para as mais
extraordinárias vistas. Esta era uma.
Em frente, ao longo do sinuoso caminho havia uma cerca
viva em pleno florescimento. Uma mistura de rosa e branco,
as flores estavam começando a cair, banhando o caminho
com uma profusão de pétalas brancas. Elas voavam até a
carruagem como uma benção de uma deusa da natureza.
Porém, ela teve pouco tempo para contemplar o efeito,
pois em todos os lugares, árvores altas, arbustos frondosos e
flores brilhantes como joias, formavam um cenário
espetacular como de uma pintura ao longo de cada curva do
caminho sinuoso.
Genie se perguntava se acabariam os ofegos antes de
chegarem ao destino. Então, lentamente, enquanto
contornavam um carvalho retorcido e antigo rodeado por
deslumbrantes lírios laranjas, o verde das árvores e das sebes
deu lugar para uma clareira em forma de meia-lua margeada
por um muro de pedras baixo. Um banco posicionado no meio
da curva. Era aí que o mar aparecia. Azul e infinito, fundindo-
se ao céu, a única distinção era o brilho sobre a água. O
maravilhoso azul era emoldurado por um arco de pétalas
brancas e galhos grandes que pareciam braços.
A carruagem passou, mas o coração de Genie ficou no
local, imaginando dedicar uma tarde para esboçar gloriosos
chapéus inspirados no mar.
À medida que seguia pelo caminho, ela experimentou a
mesma sensação – de deixar um pedaço de seu coração em
cada pequena alcova ou cenário habilmente desenhado – de
novo e de novo. De verdade, era uma série de maravilhas.
Então o caminho bifurcou. Para a esquerda ela
vislumbrou uma estrutura de tijolos quadrada com um
massivo arco no centro. Através do arco se via um pátio com
uma fonte e mais plantas exuberantes. A casa das carruagens
e estábulos, talvez? A carruagem continuou pela via da
direita, rodeando uma estátua de um dragão e um cavaleiro
de, pelo menos, três metros e meio de altura. Genie suspirou,
imaginando como o Sr. Moody estava se saindo. A carruagem
chegou ao topo e, enfim, o castelo entrou em sua visão.
Podia não ser tão grande quanto a gigantesca Grimsgate
de Lady Wallingham, mas então, poucos castelos era. Ainda
assim, era massivo – cinco esplendidos e simétricos andares
de pedra cinza e lisa. Quadrado e perfeito, Primvale ostentava
uma torre redonda em cada canto, múltiplas janelas e uma
série de degraus que levavam até um terraço parcialmente
coberto por um pórtico com um arco pontudo. Dentro de suas
sombras havia um enorme conjunto de portas de madeiras.
— Bons céus. — Genie exalou, notando outra fonte no
centro do caminho circular. — Isso é um grifo?
— Lutando com uma serpente marinha, sim. — Veio a
resposta de Hannah.
Genie quase se esquecera que a moça estava ali. Por
pura persistência, ela conseguira tirar algumas frases
civilizadas nas duas últimas horas. Era um progresso, mas
Genie antecipara dias de dificuldade pela frente para Hannah,
que não tinha a mínima noção de quão determinada a sua
nova cunhada poderia ser.
Enquanto a carruagem se aproximava da fonte, ela
apertou os olhos. As duas criaturas no centro se retorciam,
girando em direção ao céu. Ferido e na face da morte, as asas
do grifo estavam amarradas dentro das muitas voltas da
serpente que afundava suas presas na garganta da criatura
de penas. Era um retrato selvagem e convincente da morte e
dominação.
― Lady Holstoke a encomendou. — Hannah comentou
em voz baixa.
Por um momento, Genie pensou que a moça a criticava,
implicando que o novo título de Genie a tornava tão venenosa
quanto a sua dona anterior.
Mas pela expressão de Hannah, não fora petulante e nem
ressentida. Estava assombrada.
Seu coração se retorceu, levou um momento para uma
resposta casual.
― Humm. Trabalho bonito, mas uma recepção meio
sombria. Por que Holstoke a mantém?
― Não sei.
Sabendo um pouco do que Hannah sofrera nas mãos da
antiga Condessa de Holstoke, o coração de Genie se apertou
em um nó. Ela considerou desistir da tarefa autoatribuída
naquele momento.
Mas a última coisa que Hannah precisava era ser
mimada.
― Bem. — Genie respondeu, alisando as saias. — É
fantasmagórica. Primvale ficará muito melhor com a sua
remoção.
Hannah não respondeu, mas um vinco pensativo
apareceu entre as suas sobrancelhas.
A carruagem finalmente parou e Genie expirou em um
alto suspiro de alívio.
― Espero que as ofertas do almoço sejam melhores do
que o presunto desta manhã. Terrivelmente seco.
Piscando lentamente a moça respondeu:
― Nós não servimos o almoço.
Genie estalou a língua.
― Não seja tola. É claro que servimos. Uma boa refeição
melhora muitos, muitos males. E após uma longa viagem?
Isso é um requisito.
Hannah mais uma vez franziu o cenho.
― Confie em mim. Esta é uma mudança que gostará.
Antes que Hannah pudesse protestar e dizer que ela não
queria mudanças, Genie abriu a porta da carruagem e pisou
nas pedras angulares e lisas em forma de raio. Mais uma vez
ela suspirou. Que lugar magnífico. Maureen estava certa em
chamá-lo palaciano, embora Genie pensasse que ao menos
essa palavra fosse um pouco fraca. Talvez ela devesse ter
prestado maior atenção, mas Maureen tendia a tagarelar
sobre jardins de uma forma entediante.
Ela avançou em direção à medonha fonte e a circulou.
Em todos os lugares - de fato, em todos os lugares - havia
jardins como ela nunca vira. Jardins murados, jardins
afundados, jardins aquáticos, jardins floridos. Acres e acres
deles. Ela ofegou quando avistou um pavão empertigado sob
uma árvore próxima. A oeste, divisou o topo de casas de
vidros brilhando na luz do sol. A leste, uma extensão de cerca
viva dava lugar a pastos verdes vívidos pontilhados por vacas
e flores silvestres laranjas, brancas e índigo.
E ela era capaz de sentir o mar em cada brisa. Ela não
conseguia vê-lo parada na passagem ao lado da fonte, já que
o castelo ficava às centenas de metros ao interior, mas ela se
perguntou se seria ou não visível do primeiro andar.
Apressadamente ela subiu os degraus para a entrada e
se virou. Ali estava ele – uma faixa azul no horizonte sudeste,
emoldurada por gentis terras ondulantes e árvores frondosas.
Entre o castelo e o mar, outra série de jardins se estendia de
forma sinuosa. Ela suspeitava que a vista ficaria mais
espetacular à medida que alguém se aproximava da água ou
subia os andares do castelo.
Subindo pela passagem vindo da direção dos estábulos o
homem que criara este esplendor. Algo dentro do peito de
Genie se apertou. Deixou-a sem fôlego. Fez o seu coração
acelerar.
Ele estava cansado – ela viu isso em suas passadas, que
estavam mais cuidadosas do que o normal e pelo jeito que ele
apertava os olhos. Apesar de toda exaustão, ele era ágil, seu
semblante calmo.
Ela avaliou os arredores novamente e então voltou a
olhá-lo. Ela já sabia que ele era honrado. E todos sabiam que
ele era brilhante – alguém só precisava conversar com ele
algumas vezes para ser sentir intimidado por seu intelecto.
Ainda assim, ela não compreendera quão impressionante era
o seu marido até aquele momento.
O homem cansado, alto e brilhante que contornava a
fonte era seu marido. Imagine isso!
Céus, poderia a admiração infectar o coração e os
pulmões como uma doença? Ela estava queimando por
dentro. Queria descer os degraus dançando e beijá-lo
novamente. Era verdade que ele frequentemente era alheio às
nuances dos sentimentos, pisoteando seus sentimentos sem
perceber. Ele lhe dava ordens na maneira mais rude e
autoritária.
No entanto, ele se casou com ela. Protegia-a. Beijava-a de
uma forma que a fazia ansiar por outra experiência.
Seu coração acelerou a um ritmo estrondoso. Ela
balançou a cabeça e baixou os olhos para as pedras do
terraço do castelo. Ela deveria parar de sonhar com o homem.
Seus olhos voltaram para ele como se puxado por cordas.
Ele não parecia cansado. Ela percebeu isso na pousada,
quando ele ficara perplexo com a sua ira. Mordendo o lábio,
ela começou a planejar. Uma boa refeição e um banho serviria
para começar.
Ele subiu os degraus, seus olhos encontrando seus
quadris, subindo para os seios e finalmente pousando em seu
rosto.
― Eugenia. — Sua voz falhou como se também estivesse
cansado.
Ela conseguiu sorrir, embora por dentro, aquela pressão
em expansão brilhava, borbulhava e a fazia ficar sem ar.
― Holstoke. — Ela murmurou. — Mostre-me minha nova
casa.
As linhas de expressão em torno de sua testa
suavizaram. Ele suspirou ao chegar ao terraço e lhe ofereceu
o braço.
― Com prazer, Lady Holstoke.
Vislumbrando Hannah na base das escadas, imóvel e os
encarando, ela parou. Virou-se. Gesticulou para a moça
avançar. Hannah franziu o cenho e Genie estalou a língua.
Ela desceu os degraus até Hannah e gentilmente tocou no
ombro dela. Hannah saltou diante do contato, mas Genie não
prestou atenção aos reflexos.
― Foi uma longa viagem, ouso dizer. Devemos chamar
um lacaio para lhe carregar?
O olhar prolongado de Hannah foi a resposta.
― Oh, querida. Acompanhe-me. Precisarei de sua ajuda.
― Para que, pode dizer?
Genie arregalou os olhos.
― Planejar o almoço.
― Nós não…
― Sim, sim. Mas a frase correta seria ‘nós não
almoçávamos’. Tempo passado. Não se deve ficar apegado ao
que já passou sem poder imaginar algo melhor. — Ela
ofereceu seu braço. — Acompanhe-me.
Hannah fungou. Fuzilou com o olhar. Inclinou o queixo
teimosamente. Mas começou a subir as escadas em direção à
porta e agarrou um braço de um Holstoke totalmente
perplexo.
Genie sorriu e a seguiu, tomando o outro braço de
Holstoke enquanto esperavam que a porta gigante de madeira
fosse aberta. Um mordomo de cabelos brancos se inclinou
profundamente.
― Meu lorde. E Srta. Gray. Bem-vindos. — Seus olhos -
azuis e gentis - caíram sobre Genie. — Minha senhora. —
Outra inclinação. — Nós estamos honrados em recebê-la em
Primvale Castle.
Holstoke apresentou o mordomo, cujo nome era Walters,
antes de levar Genie e Hannah em direção ao saguão de
entrada. Que era enorme. O piso era de mármore branco e
cinza em forma de quadrado. As paredes eram de pedra cinza
aveludada. Os arcos tinham pontas. E no final havia cinco
conjuntos de portas de vidro que levavam ao pátio central.
― Céus. — Ela respirou. — Aquela é uma terceira fonte?
― Humm. — Holstoke respondeu. — Gostaria de vê-la?
Ela olhou-o. Percebeu a vermelhidão ao redor de seus
pálidos olhos verdes, o pó em seu chapéu e casaco, as linhas
de cansaço ao redor de sua boca.
― Não agora. — Ela murmurou antes de se virar ao
mordomo. — Walters, devo pedir-lhe um favor. A Srta. Gray
me informou que em Primvale raramente é servido almoços,
mas eu me encontro faminta após nossa viagem.
― Certamente, minha senhora. Será um prazer preparar
uma bandeja, se preferir.
― Obrigada, mas acho que uma refeição apropriada será
melhor. O que quer que tenha em mãos servirá. Vossa
senhoria e a Srta. Gray se beneficiarão do refresco também.
Hannah fungou.
― Nada para mim.
― Besteira. — Genie respondeu, esticando-se além de
Holstoke para encontrar a desafiante Hannah. — Deve comer,
essa é a única maneira de me sentir feliz em deixá-la sozinha.
— Ela sorriu sabendo que vencera.
Estreitando os olhos, Hannah bufou. Girou sobre seus
calcanhares. Explodiu pelo saguão através de um dos arcos
sem outra palavra.
― Walters, prepare a refeição, como Lady Holstoke
solicitou. — A voz de Holstoke estava baixa e calma – até o
mordomo sair. Então, ficou baixa e zangada. — O que diabos
está acontecendo entre você e a minha irmã?
Genie afastou a mão do braço dele e se afastou para
cheirar os lindos lírios laranjas que decoravam a mesa de
mármore.
― Não sei do que está falando. — Ela mentiu.
― Sim, sabe. Explique-se.
― Estas foram cortadas daquele ponto embaixo do
gigante carvalho, não foram?
― Eugenia.
Ela virou-se para encará-lo. Ele tinha uma carranca
intimidadora. Sua espinha estremeceu com arrepios.
― Confie em mim. É para o bem dela.
― Não tem a menor noção do que ela tem sofrido…
― Na verdade, eu tenho.
― Não permitirei que ninguém lhe faça mais mal.
Ela rolou os olhos.
― Como se eu quisesse isso. Crueldade era o esporte
favorito da sua mãe, Holstoke. Não o meu.
Ele soltou o ar e esfregou a nuca.
― Ela é frágil.
― Não tão frágil quanto pensa…
― Maldição, Eugenia. Você é uma maldita foice.
Ela piscou, oscilando com seu tom duro.
― Quando perceberá que não pode balançar-se
selvagemente, atendendo a todos os seus caprichos sem
cortar aqueles ao seu redor em tiras?
Engolindo em seco, ela abaixou o rosto e tentou absorver
a dor aguda e ardente. Ela tentou recordar que ele tivera
pouco sono e nenhuma refeição decente nos últimos dois
dias. Ela recordou a si mesma que aqueles minutos antes, ela
fora sobrecarregada pela admiração pelo homem e que sua
maneira protetora por sua irmã era um dos motivos.
Ele avançou até que as pontas de suas botas de
montaria entrassem em seu campo de visão.
― Já passou da hora de você controlar sua natureza
impetuosa. Ousadia do seu tipo não é charmosa. É descarada
e destrutiva.
― Já acabou? — Ela perguntou.
Silêncio, longo e tenso.
― Bem, então. — Ela disse para o queixo dele. — Sugiro
pedir ao seu valete que lhe arrume um banho, isso deve
melhorar seu humor. O almoço será servido em quarenta
minutos. Até lá, eu mesma vasculharei o castelo. — Ela
começou a passar por ele.
Ele a segurou pelo braço.
― Solte-me. — Ela disse suavemente.
― Não soltarei. — Ele grunhiu.
― Isso está se tornando um hábito cansativo. Solte-me,
Holstoke.
Ele a puxou para perto.
― Diga-me o que fiz de errado.
― Nós não temos esse tempo. No máximo eu viverei
apenas mais dezessete anos.
As mãos dele moveram-se para cintura dela, trazendo
seus quadris contra ele.
― Diga-me. — O rosto dele pairou sobre o dela, seu hálito
contra o queixo. — Por favor.
― Você despreza a minha ousadia.
Uma das mãos dele subiu para o meio de suas costas. A
outra soltou e removeu o seu bonnet. A mandíbula dele
abaixou e seu nariz tocou a têmpora dela.
― Mas sem isso, não estaria aqui. — Ela se retesou
contra o formigamento rebelde enquanto ele mordiscava o
lóbulo de sua orelha. — Pare com isso.
― Sua ousadia comete erros, Eugenia.
― De vez em quando.
― Isso a faz falar sem pensar.
― Humph. Isso só mostra como me conhece pouco. Eu
raramente falo sem pensar. Meus pensamentos são apenas
mais rápidos.
― Preste atenção em quantas vezes suas mãos pousam
nas pessoas. — As mãos de Holstoke voltaram a sua cintura.
Agora apertando como se estivesse agitado. — É impulsivo.
Inapropriado. — Seus lábios acariciaram seu pescoço. Roçou
o nariz e a atraiu para ele.
Os formigamentos invadiram seus sentidos.
Enfraqueceram seus joelhos.
― Estranhamente, você não se importa quando as
minhas mãos ousadas pousam em você.
― Eu não a quero tocando outros homens, Eugenia. —
Seu sussurro caiu quente em seus ouvidos. — Nunca mais.
― Humm. — Ela murmurou. — Algo mais? Devo abster-
me de falar fora de hora? Prefere que eu use amarelo?
O peito dele pulava agora, os olhos escureceram,
aqueceram e pousaram sobre a boca dela.
― Sem resposta? Então, tenho uma sugestão, se não for
muita ousadia.
Mãos a seguraram com força, ele fechou os olhos e
abaixou a testa contra a dela. Gentilmente, ela segurou o
queixo dele. Ele se sacudiu e depois esfregou o rosto nela
como um gato, seus pêlos ásperos contra sua palma.
― Ninguém conhece os meus erros, melhor do que eu,
Holstoke. Nem você, nem ninguém. É impossível eliminá-los,
pois se fosse possível, eu já teria feito. Não se suporta o maior
escândalo dos últimos três anos sem desejar que fosse de
maneira diferente.
Ele abriu os olhos. Fixou-se nos dela.
― Não peça para eu mudar minha natureza fundamental.
— Ela sussurrou. — Não funcionará e você nos tornará
infelizes.
Franzindo o cenho como se ela tivesse alguma coisa
bizarra, ele abriu sua boca. Levantou a cabeça, afastando-se
dela.
― Eu...eu não quero que mude.
― Não?
― Eu quero que prometa que não tocará em outros
homens.
A boca dela se curvou. Ela deixou a mão cair do peito
dele e lhe deu um tapinha. Ele realmente era o homem mais
peculiar.
― Se eu der a minha promessa, você deve me dar algo em
troca.
― O que?
― Confie em mim com sua irmã.
A ruga em sua testa se aprofundou.
― Esta é a minha condição. Eu até mesmo prometo não a
magoar. Vê como sou razoável? Ofereço duas promessas por
um punhado de confiança.
― Por que uma condição deveria ser necessária? A
obediência de uma esposa deveria ser…
― Eu já prometi obediência. Talvez tenha perdido esta
parte. Sem dúvida, estava distraído durante os votos. Meu
chapéu era de tirar o fôlego, admito.
― Eugenia…
― Agora, sua exigência por minha garantia de que eu não
irei tocar acidentalmente outros homens. Bastante irracional,
mesmo para os seus padrões e, ainda assim, eu estou
disposta a aceitá-lo. — Ela fungou. — Você se casou com uma
mulher muito generosa.
Ele parecia atormentado. Não havia gelo, nem barreiras.
Simplesmente uma batalha sombria e privada.
― Ela é preciosa para mim, Eugenia.
― Eu sei. — Ela esperou segurando o ar.
Suas mãos apertaram uma última vez, as pontas dos
dedos cavando sua pele. Não doeu, mas falava da intensidade
dentro dele. Confiar não era algo fácil para o filho de Lydia
Brand. Sua garganta ondulou quando ele engoliu em seco.
― Muito bem. — Ele disse. — Faça a sua promessa que
eu lhe darei a minha confiança.
Sua admiração, temporariamente amortecida por seu
mau humor, aumentou novamente. Ela conseguiu não beijá-
lo, mas com dificuldade.
― Você a tem.
Novamente, os olhos dele se fecharam. Ele a puxou e
pressionou os lábios no topo de sua cabeça, depois na testa,
depois no pescoço.
Ela pensou ouvir um sussurro, ‘taças aos céus’ ou
‘graças a Deus’ várias vezes, mas não tinha certeza. Seu
coração batia tão alto para ouvir qualquer outra coisa.
O valete de Holstoke, um homem magro com um anel de
cabelo ao redor da cabeça careca entrou no saguão.
― Peço perdão, meu senhor. Minha Senhora. O Sr.
Walters pediu que perguntasse a vossa senhoria se prefere ir
ao quarto antes ou após a refeição.
― Antes. — Respondeu Holstoke.
― Depois. — Respondeu Genie simultaneamente. Ela
piscou para seu marido, que a olhou. — Por que está
aborrecido?
― É muito tempo para esperar.
― Para ver um quarto?
Ele soltou o ar. Puxou as mãos. Virou-se e se afastou
dela enquanto esfregava o pescoço. Ele sussurrou ‘Maldito
Inferno’ ou ‘Antes do inverno’ várias vezes. Ela presumia que
era a primeira opção, mas a frustração dele fazia pouco
sentido. Que diferença faria uma hora ou duas?
Ela se aproximou do valete, cujo nome ela não recordava,
depois sorriu e acenou.
― Ross, minha senhora. — Ele disse calmamente,
inclinando a cabeça. — Ao seu serviço.
Graças aos céus pelos criados bondosos e
compreensivos. Ela quase esticou a mão para tocá-lo. Assim
que seus dedos se levantaram para fazer isso, ela os dobrou e
puxou até sua cintura.
― Obrigada, Ross. Por favor, diga a Walters que eu
apreciarei conhecer o meu quarto após a refeição. E, se não
for muito problema, poderia preparar um banho para Lorde
Holstoke?
Ross sorriu.
― Certamente, minha senhora. Posso fazer alguma coisa
por você?
Ela acenou e sorriu.
― Oh, não se preocupe, ficarei feliz com uma boa refeição
e uma chance de caminhar por este lugar magnífico. — Ela se
aproximou. — Eu vi apenas o saguão de entrada.
Ross deu uma risadinha.
― Posso sugerir ir com calma, minha senhora? A beleza é
melhor apreciada quando há tempo para absorvê-la.
― Concordo plenamente. Por que, quando estávamos
subindo pela trilha…
― Obrigado, Ross. Isso é tudo. — Apesar da ordem
grosseira ser para o valete, Holstoke olhava para ela.
Ela pôs as mãos nos quadris.
― E agora? Eu mantive a minha promessa.
― Você sorriu para ele.
― Honestamente, Holstoke. — Ela levantou a mão
quando ele começou a falar. — Não, eu não prometi segurar
meu sorriso, pelo amor de Deus, vá tomar um banho. Eu o
verei no almoço. — Ela balançou a cabeça, pegou seu bonnet,
escolheu um dos arcos pontudos antes de deixar o marido
com seus próprios planos.
Pelo resto da tarde, ela explorou o castelo e falou com os
criados. Primeiro, encontrou a governanta, a Sra. Green, na
sala de estar perto do saguão de entrada. As paredes eram
cobertas por uma suave seda amarela e os móveis eram de
um azul gentil com ocasionais pontos brancos. As janelas
eram altas e davam para o pátio.
A Sra. Green era adorável. Genie tomou chá com ela por
meia hora enquanto aprendia tudo o que ela podia sobre
administrar uma casa. Então ela deu à governanta uma lista
de coisas que ela queria mudar, começando pelo almoço.
Seria servido todos os dias precisamente às duas e o jantar às
oito.
Claro, o primeiro almoço deles não foi favorável. Holstoke
olhava de cara fechada do final da mesa na aconchegante sala
de desjejum, enquanto Hannah se recusava a falar,
apunhalando o prato com ressentimento. Genie notou,
entretanto, que os dois comeram cada pedaço do delicioso
cordeiro com ervas, o pão macio e os bolos de mel que foram
servidos. Os aspargos e o couve-flor, ela notou, foram
recebidos com menos entusiasmo.
Mais tarde, ela vagou pelo restante do castelo, passando
de sala para surpreendentemente amáveis salas. Em cada
câmara, ela conversava com os criados com que cruzava,
todos pareciam capazes, eficientes e, melhor de tudo,
bondosos. Cada um tinha uma coisa gentil sobre eles. Desde
as criadas da lavanderia até ao sub-mordomo, a Sra. Green e
o Sr. Walters, todos falavam com respeito e com uma calorosa
sinceridade que era notável.
Genie presumiu que era coisa de Holstoke. Ele não
queria criados arrogantes em torno de sua irmã. Pelo
contrário, só contratou aqueles que a tratavam com ternura.
Imóvel, ela notou um tema desconcertante no que se
referia aos criados masculinos, os lacaios, em particular. Para
um homem, eles eram...bem, bastante simples. Alguém
deveria dizer que eram pouco atraentes. Ela contou pelo
menos três cujos dentes mal cabiam em suas bocas. Outros
dois tinham manchas ou marcas de varíola. E ao resto
faltavam uma mandíbula perceptível, muita testa ou...droga.
Eles eram feios. Não havia meio de contornar isso.
Normalmente, os lacaios de um nobre, principalmente
em casas com a grandeza de Primvale, eles seriam altos e
bonitos. Era quase uma regra e Genie sabia muito bem que
Holstoke gostava de regras. Lacaios feios eram raros, os
baixos escassos, de fato. Ainda assim, todos os lacaios de
Holstoke cabiam em uma de descrição ou outra, se não, em
ambas.
Muito peculiar. Mas, então, Holstoke era um homem
peculiar. Algumas horas antes, ele exigiu que ela nunca
tocasse em outro homem. Estranho, de fato. Essa tendência a
possuir criados pouco atraentes deve ser outra de suas
idiossincrasias.
Ela deu de ombros afastando a observação e continuou
sua vista por Primvale Castle. Era magnífico, claro, desde a
biblioteca de dois andares com painéis de nogueira, a sala de
jantar de dez metros de comprimento pintada com um tom
incomum de âmbar até o dormitório principal com veludo
verde-esmeralda e seda prateada.
Conversando com o Sr. Ross, que mostrou como sua
senhoria preferia que seu quarto fosse pouco iluminado à
noite, Genie descobriu que Holstoke sofria de dores de
cabeça. Terríveis e debilitantes dores de cabeça, pelo que
soava. Felizmente, o amigável Sr. Ross presumiu que ela já
soubesse – uma suposição que ela não se incomodou em
corrigir.
Em seguida, ela vagou através das portas conectadas
para a suíte da senhora, que agora era dela.
Era amarela.
A mesma seda amarela que cobria as paredes da sala de
estar principal decorava o quarto reservado a esposa de
Holstoke.
Amarelo não era a cor favorita de Genie. Mas era a de
Maureen.
Lentamente, ela entrou no quarto, deslizando os dedos
pela colcha azul damasco, traçando os postes de mogno
dourado da cama de dossel. Os tapetes eram franceses, os
desenhos se misturavam em tons de azul e rosa. As janelas
eram largas e arqueadas. No centro havia um conjunto de
portas de vidro que levava a um terraço com vista para o mar.
Era uma maldita obra de arte. Cada pena esculpida do
querubim de mármore flanqueando a lareira, cada espiral
feminina da escrivaninha, cada maldita franja nas pequenas
almofadas azuis que estavam esperando para confortar a
senhora em um sofá de braços enrolados.
Era perfeito.
Para Maureen.
Um momento passou no qual ela teve certeza de que ia
desmaiar.
Ela sabia. Ela sabia que ele uma vez amara Maureen. Ela
percebera o risco de que os sentimentos dele podia não ter
mudado. Mas ela esperou que um homem, tão racional
quanto Holstoke, pudesse entender quão infrutífero esses
sentimentos eram, particularmente depois de seis anos.
Ainda assim, ali estava a verdade, vestida de amarela e
azul. Ele ainda amava Maureen. Ele manteve um quarto
inteiro para ela com penas de mármore e almofadas com
franja. Ele provavelmente desenhara os jardins para ela, fez
fortuna por ela e fora a Londres por ela.
O vazio se encheu de dor. Criou raízes e se infiltrou nas
fendas até ela pensar que podia se quebrar.
Ela apertou as mãos em punhos e olhou para o mar. A
noite se aproximava. Os raios de sol tornaram-se dourados.
Lentamente ela se forçou a avançar. Abriu as portas de vidro.
Saiu ao terraço.
A brisa quase a atirou de volta à câmara. Mas ela
precisava disso. Queria a força do vento. Ela agarrou a
balaustrada de pedra fria e inclinou-se para frente, mantendo
os olhos na água cintilante.
Era melhor que ela soubesse agora. Desta forma, ela
nunca esperaria mais do que ele podia dar.
Assistiu uma graciosa gaivota branca e cinza voar em
arco. Estava borrada e ela secou suas bochechas.
As fantasias infantis eram tolas de qualquer forma. As
damas eram muito indulgentes com o seu marido quando
estavam apaixonadas. Genie não seria tola. Seria firme.
Prática.
Secando as bochechas mais duas vezes, ela engoliu a
constrição ardente em sua garganta.
Ela sabia que ele não a amava. Que não poderia amá-la.
E ela sabia desde o começo. Era uma vantagem, de qualquer
forma. O conhecimento queria dizer que ela estupidamente
não imaginaria que um beijo queria dizer alguma coisa afinal.
― Minha senhora?
Ela fungou e exalou antes de se virar e dar a criada
bonita de cabelos vermelhos um sorriso educado.
― Sim?
― Sou Harriet, minha senhora. A Sra. Green sugeriu que
eu pudesse ser sua criada pessoal, se lhe agradar.
Genie assentiu.
― Isso seria ótimo.
A garota avançou.
― Você quer… que eu pegue o seu lenço, minha senhora?
Secando o rosto com dedos impacientes, Genie balançou
a cabeça.
― É apenas o vento. Um xale seria perfeito, no entanto. E
meu bonnet. O rosa, com flores.
Harriet pegou um suave xale branco e o bonnet, e Genie
saiu do quarto que agora apelidara de quarto de Maureen.
Então ela saiu para explorar as maravilhas que Holstoke
havia criado no exterior do castelo. Pelas próximas horas,
vagou de jardim e jardim, começando pelo lado norte do
castelo que apresentava um amplo terraço que levava a um
canteiro. Quadrados ordenada e formalmente arrumados
estavam preenchidos com flores. Entre os quadrados haviam
trilhas de cascalhos com bancos nas pontas. Ao centro, havia
uma quarta fonte cercada por mais flores. Bons céus, ela
nunca vira tantas flores. Mais além do formal jardim norte
tinha um lago cercado por árvores frondosas, iris e arbustos
floridos de um vermelho tão vívido que pareciam seda.
Lentamente ela explorou cada jardim, fazendo seu
caminho de norte a oeste, o último incluía dois jardins
murados e conectados, um dedicado inteiramente a ervas e o
outro, à vegetais. Mesmo estes funcionando como horta do
castelo, eles eram esteticamente agradáveis, com tudo, desde
repolho e pepinos a tomilho e lavanda arrumados em um
ornamento de padrão espiral. Cada seção de espirais era
ordenada e discretamente identificada com pequenos sinais
de madeiras fincados no solo. Quando ela vagou por uma erva
bonita identificada como ‘cidreira’, ela abaixou e pegou uma
folha, esfregando-a entre os dedos e aspirando-a.
Ah, sim. Limões.
Ela deu uma mordidinha, apreciando o sabor leve e
fresco.
Continuando a sua exploração, notou o ar girando da
mesma cor da lavanda que ela esfregou entre os dedos. O
crepúsculo se aproximava. O jantar seria servido em breve.
Ela aspirou os cheiros das ervas e lavanda. Apertou o
xale com mais força. Seguiu seu caminho até o portão de ferro
perto de um dos jardins de muro baixo.
Droga. Ela saiu pelo lado errado. Ela virou-se,
procurando por uma trilha fácil para voltar ao castelo. Foi
quando ela viu a sombra. Uma sombra alta, escura movendo-
se dentro de uma longa estufa.
Seu coração deu um pulo e tombou dolorosamente. Ela
apertou o xale entre os dedos. Talvez ela devesse
simplesmente voltar ao castelo e vê-lo no jantar.
Ele se moveu mais uma vez, e desta vez, ela conseguiu
vê-lo completamente através dos vidros e folhas. Alto. Sério.
Ele examinou alguma coisa na mesa diante dele e esfregou o
pescoço como se estivesse cansado.
O coração bateu em um ritmo rápido, ela começou a
voltar para a horta. Então parou. Deu meia volta. Foi para a
estufa.
Assim que entrou, uma rajada de ar quente e úmido a
envolveu. Ela colocou o xale sobre um braço e removeu seu
bonnet. Olhando ao redor, ela pôde ver Holstoke em cada
aspecto do lugar – as prateleiras ordenadas e identificadas
cheias de plantas, familiares e exóticas, grandes e pequenas.
A mesa longa com várias pilhas de papéis.
E lá estava Holstoke.
Ela levou a mão à barriga. Parou para pegar o ar.
Ele estava com as mangas da camisa dobradas. Sem
colete, sem a cravat e, certamente sem o alfinete da cravat.
Apenas com a camisa de linho e a calça escura.
Ela pensou que ele não podia ficar mais bonito. Estava
errada.
Movendo-se em direção a ele como se estivesse atada a
brisa que era Holstoke, olhou para as suas mãos, que redigia
notas cuidadosa e organizadamente, arrumadas como seu
mais formal jardim – em quadrados.
Bons céus, como os quadrados dele a faziam sorrir.
― O que está fazendo aqui, Eugenia?
Seus olhos voaram para ele, que estavam severos e
distantes.
― Explorando os jardins. E você?
Um músculo latejou em seu queixo.
― Pesquisa.
― Sobre?
― Plantas que podem mitigar os efeitos da Hyoscyamus
niger.
― Raio o que?
Os olhos dele estavam escuros, oscilando sobre sua boca
repetidamente.
― Meimendro.
Ela pôs o seu xale sobre a mesa entre as notas dele e um
vaso com uma planta com aparência estranha. Deslizou os
dedos sobre umas pontas grossas parecendo cera.
― O que é isso?
― Aloe.
Passou os dedos sobre as páginas onde ele separara as
notas em quadrados. Um sorriu puxou.
― Você é peculiar, Holstoke.
As mãos dele cobriram as suas. Segurou seus dedos.
Recusaram-se a soltar.
― Você deveria ir. — Ele murmurou, sua voz estava
rouca, como se estivesse ressequido.
Ela umedeceu os lábios e apreciou as sensações que ele
evocava todas as vezes que a pele dela tocava a dele.
― Gostaria de conduzir uma pesquisa por conta própria.
― Eugenia. — Seu nome foi quase um grunhido. —
Essa...essa não é a hora certa.
Deixando seu olhar subir pelas mãos dele, depois para o
peito, garganta e, enfim sua boca – aquela boca definida e
bonita – ela se aproximou.
― Eu gosto de seus jardins, Holstoke. Demais.
― Inferno maldito. — As duas palavras mal foram
sussurradas. Ele apoiou a mão livre sobra a mesa e dobrou-se
como se estivesse com uma grande dor ou com problemas
para ficar em pé.
O sorriso dela cresceu. Os arrepios se estenderam por
todos os lugares, desde os dedos dos pés, ao couro cabeludo a
as pontas de seus seios. Sua pele parecia viva com eles,
especialmente no local onde a mão dele segurava a sua como
se ela o segurasse na beira de um precipício.
— Talvez amanhã você possa me mostrar tudo. — Ela
falou, sua própria voz saindo um pouco rouca também. — Por
enquanto, gostaria de outra experiência. Nossa primeira foi
um sucesso, não concorda?
Aqueles pálidos olhos verdes abaixaram-se, as salientes
maçãs do rosto coraram. Ele estava olhando para os seios
dela? Ela achava que sim.
Ela não era muito boa em beijar e Holstoke sempre foi
um pouco difícil de ler, mas ela reconhecia a luxúria quando
a via. Isso a agradou bastante. Embora ele não pudesse amá-
la ela poderia fazer com que ele a desejasse. Talvez isso fosse
o suficiente.
— Você deveria ir. — Ele repetiu. — Eu não tenho… não
estou totalmente… — Seu peito arfou antes de estabelecer um
padrão rápido e áspero. — Foi um longo dia.
Olhando para os vidros ao redor deles e para o
crepúsculo escuro adiante, ela perguntou.
— Aqui é onde conduz as suas experiências, não é?
— Eugenia.
Ela jogou seu bonnet na mesa ao lado do xale.
— Eu experimentei um pouco, mais cedo.
Holstoke ficou rígido. Suas mãos apertaram as dela.
— Experimentou?
— Ã-hã. Estava vagando por sua horta e avistei uma
planta adorável identificada como ‘cidreira’. — Ela conseguiu
libertar o polegar e acariciou as costas da mão dele. — Folhas
tenras. Gosto da textura, áspera e nodosa.
O aperto dele afrouxou.
— Faz parte da família da menta.
— Recordei você dizer que o põe em seu chá. Então, eu
pensei que podia experimentar.
— Maldição, mulher. — Ele respirou. A outra mão dele
foi à sua cintura. Ele a puxou para os seus quadris até um
cume duro pressionar seu ventre.
Oh, sim. Ele a queria.
Ela sorriu para ele.
— Eu gostei disso, Holstoke. Quase tanto quanto eu
gosto de seus jardins.
— Solte os seus cabelos. — Os olhos dele estavam
derretidos e escuros, o centro negro quase engolindo o verde.
— Faz parte da experiência?
Ele não sorriu. Em vez disso, abaixou o rosto até os
lábios dele pairarem sobre os dela.
— Este sou eu dizendo para você ir pela terceira maldita
vez. Pois, se ficar, eu a tomarei e eu quero o seu cabelo solto
quando o fizer.
CAPÍTULO 14

“A questão não é se o fino verniz da civilização resistirá à


barragem do instinto primário. A questão é o que precede a
queda do primeiro e o reinado do segundo. Para alguns, é uma
maré. Para outros, um sussurro.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para Lady Dunston em


resposta às intenções da dama citada para limitar as doces
indulgências a uma quantidade mais razoável.

Não sobrou nada da racionalidade. Apenas a escuridão.


Ele mal reconhecia a sua própria voz, quanto mais os seus
pensamentos.
Eugenia era o seu tormento. Atrevida e entusiasmada.
Suave e forte. Docemente vestida em seda rosa e luz do
crepúsculo. Doía olhar para ela. Doía tocar a mão dela. A
necessidade opressora transformara-se em uma dor
incessante durante o almoço quando ele percebeu que ela
pretendia conhecer o castelo sozinha em vez de se retirar ao
seu quarto, ou ao dele, ou qualquer maldito lugar onde ele
pudesse reivindicá-la e diminuir a dor enlouquecedora.
Agora, ela estava parada diante dele naquele espaço – o
espaço dele – e o seduzia com um sorriso diabólico. Deus, ele
nunca sentiu esse tipo de excitação. Havia apenas uma
explicação: sua esposa sabia precisamente do que era capaz.
Como ela saberia que elogiar os seus jardins poderia
deixá-lo mais duro que pedra? Nem mesmo ele suspeitava
disso. Como explicar a simples incitação de dizer-lhe que ela
experimentara a erva-cidreira e descobriu que gostava dela?
A única coisa que ela não havia previsto foi o tanto que
ele ansiava por ver o seu cabelo. Não era dia. Não era
madrugada. Mas se ela estava determinada a seduzi-lo, ele
ficaria feliz em dar o que ela queria.
— Meu cabelo? — Ela perguntou, piscando lentamente e
se mexendo contra ele.
Os seios dela acariciaram o dele. Seu ventre pressionou
seu pênis. Ele grunhiu. Soou mais como um rosnado, mas
seu controle estava reduzido a um fio. Apenas uma coisa o
impedia de tomá-la como um bruto – o pensamento dos que
estiveram lá antes.
Sua esposa podia não ser pura, mas era dele agora. E ele
a queria obcecada com o prazer que apenas ele poderia lhe
dar.
— Pensei que você fosse me beijar novamente. — Ela
murmurou, seus lábios formando um leve beicinho.
— Eu irei. Solte os cabelos.
Ela levantou as mãos e soltou os grampos, depois
deslizou os dedos entre a massa grossa. O cetim de mogno,
brilhante e rico caia em ondas sobre os ombros e costas. Uma
mecha se enrolou no centro de seu seio direito. Esta era a
visão que lhe atormentava os sonhos. Exceto que ela estava
nua. Ela não estava agora, mas poderia estar.
E ele podia estar dentro dela.
— Maldito inferno. — Ele murmurou. Seu coração estava
levando-o a morte. Seu pênis estava perto de explodir. — Eu a
deixarei obcecada mais tarde.
Um vinco intrigado se formou entre as sobrancelhas
dela, mas ele não podia parar para explicar – não que ele
desejasse. Sua falta de controle quando ela estava
preocupada, era humilhação o bastante.
— Eu a levantarei sobre a mesa agora.
— Suponho que isso seria...Oh!
Ali. Ali estava melhor.
Ele puxou a camisa por cima da cabeça.
— Oh H-Holstoke? Isso é muito — ela engoliu sem seco
— inesperado. — As pontas dos dedos dela acariciaram o
peito dele, demorando-se sobre seu mamilo deixando
formigamentos como raios em uma trilha ardente.
Ele pegou o queixo dela e a beijou completamente – sem
brincadeiras ou provocações hesitantes com a língua. Ele a
clamava. Agora. Sua esposa.
Os lábios dela era suaves e sua boca deliciosa. Ela não
havia mentido. Ela tinha sabor de erva-doce. Deus, ele queria
devorá-la por completo.
Ela, em troca, segurou o pescoço dele, os polegares
acariciando a articulação de sua mandíbula.
— Humm. — Ela ofegou sobre seus lábios. — Estou
muito quente. Eu preciso… — Ela umedeceu os lábios e
olhou-o com uma excitação transparente. — Beije mais uma
vez.
Ele o fez, mas não parou com o beijo. Melhor, ele pôs
suas mãos para trabalharem, finalmente capaz de tocar seus
místicos quadris, a cintura fina e os seios fartos. Suas palmas
roçaram os mamilos dela. Eles estavam duros e,
provavelmente, inchados e doloridos. Eles precisavam de sua
atenção.
Seus dedos voaram pelos fechos da frente do vestido
dela, desabotoando três antes de perder a paciência e puxou,
não percebendo quanta força ele usara até que ouviu alguma
coisa rasgar-se.
Ela não reclamou. Ela estava ocupada beijando o peito
dele e voltando, de novo e de novo, a acariciar seus mamilos
com os polegares.
Ele puxou seu corpete para baixo, enfiou as mãos dentro
para levantar seus seios até eles ficarem altos e redondos. A
pele dela corou o mais belo rosa. Os mamilos, por outro lado,
eram vermelhos – o vermelho igual ao vestido. Como uma
rosa de meio de verão, os pontos duros floresciam e coravam
com desejo.
Ele tomou um em sua boca e o sugou com força.
Eugenia chiou, um som enferrujado. Mas suas unhas
cavaram em seu couro cabeludo, seus quadris se
movimentaram contra a mesa e seus braços o envolveram
com força ao redor da nuca, puxando-o mais para perto.
Tudo nela o levava a mais profunda obsessão. Os
mamilos em sua língua, as mãos sobre seu rosto e pescoço.
Sua respiração ofegante e pequenos grunhidos de
necessidade. Ele queria mais. Mais, mais e mais.
Ele sugou com mais força. Usou os polegares para
acariciar a pequena ponta madura que ele ainda não havia
saboreado. Ele guardaria isso para quando estivesse dentro
dela – o que teria que ser logo, se não quisesse envergonhar a
si mesmo. Segundos depois, ele segurou atrás dos joelhos
dela e separou suas coxas. Então, com a maior firmeza que
conseguiu, levantou as saias dela. Ele não queria soltar o
mamilo dela, mas para ver suas coxas e o lugar onde ele a
faria dele, deveria. Então, com relutância, ele o fez.
Ela arquejava. Tremia. Cada respiração balançava
aqueles seios redondos e celestiais. Ele levantou as saias
acima dos quadris e olhou.
As coxas brancas também tremiam. Ela usava meias,
mas sem roupa de baixo além das anáguas. E entre as coxas,
que ele havia separado bastante, estavam as pétalas úmidas e
brilhantes de Eugenia. Vermelhas como seus mamilos. Pronta
para ele.
Ele a abriu com seu polegar, expondo seu botão doce e
inchado. Ela brilhava ali, furiosamente excitada e
necessitada. Com um toque leve, ele a provocou com a ponta
de seus dedos. Observando as belas pétalas vermelhas
tremerem e escurecerem. O corpo inteiro de Eugenia ondulou
ao mesmo tempo em que ela jogava a cabeça para trás e
gemia. Ele nunca vira nada tão maravilhosos. Ele a
experimentaria e a devoraria. Passaria horas fazendo-a
florescer para ele. Deus, como ele queria aquilo. Mas ele
estava morrendo. E ele não podia mais prolongar.
Levou apenas um instante para ele abrir sua calça, pegar
seu pênis e colocá-lo ali. No precipício. Ele parou. Encontrou
os olhos dela. Eles estavam estranhamente arregalados, mas
ela esticou as mãos e puxou a boca dele para a dela antes
dele poder perguntar o porquê.
Ele a beijou. Mergulhou novamente em sua boca e
agarrou seus místicos quadris. Deslizou a mão até segurar as
coxas, puxando-a para penetrá-la.
O som que ela fez deveria tê-lo parado – um grito abafado
misturado com um arquejo. A forma como ela se retesou
deveria tê-lo parado, pois as suas unhas cravaram em sua
nuca e as costas ficaram rígidas.
Mas ela era tão. Malditamente. Apertada.
E ele esperou. Malditamente. Demais.
E a pele dele latejava, martelava e rugia como um raio.
Então ele empurrou novamente, ainda não totalmente
dentro dela. Ele sentiu o aperto ceder sob sua pressão. Ele
precisava ir mais longe.
Os braços dela a envolveram, sua respiração resfolegou
em seu pescoço.
Seda apertada e quente. Mas apertada do que qualquer
uma que ele já…
Nada se ajustou a ele tão…
Alguma coisa estava diferente. Mas ele não conseguia
identificar o que.
Ele estava ardendo. Ele precisava ir mais fundo. Então,
ele o fez.
Eugenia se agarrou a ele, seus gemidos abafados contra
a pele dele.
Ele a puxou mais para perto. Mais perto. Mergulhou
profundamente e empurrou mais alto. Sentiu os mamilos dela
arrastarem contra ele e deslizou a mão entre eles para
levantar o que fora negligenciado à sua boca. Ele sugava e
empurrava. Sugava e empurrava. Puxou os quadris dela com
mais força e sugou e empurrou.
Desta vez, o gemido dela foi mais longo e pontuado com
ofegos. Seus ofegos aumentaram e combinaram com o ritmo
dele e sua vagina apertou até ele pensar que poderia morrer
de prazer.
Ela se contorceu, suas coxas apertando os seus quadris.
Ele apoiou uma mão na mesa e penetrou mais fundo. Duro.
Enterrou seu rosto no pescoço dela, aspirando violetas e o
doce e inconfundível cheiro de sua mulher. Ele precisava dar-
lhe prazer. Ele precisava ver e sentir a ondulação em torno
dele.
Ele deslizou sua mão para o local onde eles estavam
unidos. Encontrou o pequeno botão inchado entres suas
pétalas. Afundou totalmente e acariciou ali, esperando que ele
pudesse durar. Ela olhou para ele, olhos de gatos suaves e
escuros no centro.
— Venha para mim. — Ele arfou.
Novamente, um vinco de confusão.
Por Deus, se ela não gozasse logo, ele iria deixá-la para
trás. Ele pressionou e acariciou, moderando o ângulo de suas
investidas para dar mais a ela. A pressão aumentando em sua
coluna e em seu pênis se insinuava como uma mola, apertado
o bastante para enlouquecê-lo.
Uma pequena ondulação foi o seu único aviso. Então,
Eugenia jogou a cabeça para trás e soltou um grito abafado
seguido de um gemido soluçante. Depois disso, ele perdeu a
cabeça.
A sua vagina o agarrou em um aperto liso e sedoso,
exigindo mais e mais para que ele lhe desse tudo o que ele
tinha. E assim ele fez.
A explosão veio em uma inundação repetida, lançando-o
além das paredes de vidro, para dentro do céu estrelado, onde
o prazer batia repetidamente como ondas atingindo as rochas.
E Eugenia foi com ele, segurando-se a ele com tanta força que
ele mal podia respirar. Por um momento, perguntou-se se ele
perdera a consciência, pois nunca experimentara nada como
aquilo. Sua liberação. O alívio. Preencher sua esposa. Tomá-la
e ser tomado de volta. Mesmo agora, minutos após o clímax, a
tensão de sua luxúria não estava completamente dissipada.
Ele estremeceu e respirou em seu pescoço. Sentiu a
sedosidade de seu cabelo contra o queixo e depois se afastou.
Sua coluna formigava, principalmente na base. As mãos dele
ainda a seguravam, receosos de que ela pudesse desaparecer.
— Hol-Holstoke? — O tremor em sua voz, a incerteza
prendeu-se a algo mais profundo e baixo dentro dele e o
retorceu com força. — Foi...normal?
Não. Longe disso. Mas o fato dela ter que perguntar o
esfriou. Ela era tão apertada. E agora que ele considerou isso,
tinha menos prática do que ele imaginou. Ele engoliu em
seco, suas suspeitas o enterrando.
Lentamente, ele se afastou até conseguir ver os olhos
dela. Estavam iluminados com as perguntas que ela fizera,
meio encantada, meio preocupada. Deus, ela era linda. Ele
correu os nós dos dedos sobre sua testa. Beijou-a nos lábios
gentilmente.
Então ele se retirou e, no momento a sentiu estremecer,
ele soube a verdade. A pequena macha de sangue na coxa
dela meramente serviu como seu acusador.
Sua esposa, a mulher que todos pensavam que flertava
abertamente com lacaios, aquela a quem chamavam de
Rameira Huxley, era virgem. E ele a tomou como um homem
faminto.
O que ele era.
Droga. A escuridão o queria agora mais do que nunca.
Ela se envaideceu e rugiu em triunfo. Exigia que a tomasse
novamente.
Em vez disso, ele abaixou as saias dela. Afastou-se.
Vestiu sua camisa. Levantou seu corpete e a ajudou a descer.
— Por que não me contou?
Ela balançou a cabeça.
— Contar o que?
— Que nunca se deitou com um homem.
Ela bufou.
— Sinceramente, Holstoke. Eu já lhe expliquei que não
gosto das atenções de outros homens. Você acredita que eu
terminaria o ato, apesar de achá-lo repulsivo? É demais para
a sua lógica tão alardeada.
Ele esfregou a nuca
Virou-se e caminhou até o final de mesa.
— Sabe, estou me sentindo um pouco sonolenta. — Ela
falou. — E as minhas pernas não estão firmes. Pedirei que a
Sra. Green leve uma bandeja com o jantar esta noite. Além
disso, um banho não seria ruim.
Apoiando-se contra a madeira. Ele apertou a borda e
focou em regular sua respiração.
— Conte-me o que aconteceu, Eugenia.
Silêncio. Depois uma fungada.
— Bem, eu andei bastante hoje. E, como você descobriu,
apesar de um pouco tarde para um homem com a sua
inteligência, não estou acostumado com as intimidades que
aconteceram aqui.
Ele apertou a madeira até que ela queimou contra a sua
palma e pontas dos dedos.
— O que aconteceu com o lacaio? — Sua voz estava
rouca. Gutural. Ele não conseguia ser suave, pois a escuridão
assumira o comando.
Atrás dele, ouviu a aproximação dela. Então, ela deu a
volta para encará-lo, as mãos nos quadris, o queixo erguido
em um ângulo de desafio.
— Eu já lhe contei. Qual o problema com você?
Seu cabelo – aquele cabelo mogno escuro e lustroso –
cascateava sobre os ombros e seios. Seus lábios estavam
inchados, suas bochechas ainda coradas.
— Conte-me novamente.
Ela soltou uma respiração exasperada.
— Eu o atraí para o conservatório de Lorde Reedham.
— Como?
— Nós flertamos um pouco. Sugeri que ele me ajudasse a
reparar a minha bainha. Honestamente, não me lembro de
tudo. Estava bêbada naquele momento.
— Você o deixou beijá-la. — Ele cerrou os dentes. —
Tocá-la. E então?
— Bem, você sabe como bebidas me tiram o equilíbrio.
Em minutos, eu decidi que a experiência foi um erro e
comecei a empurrá-lo. Ele me ignorou, então empurrei com
mais força e ele me soltou, mas foi súbito. Eu lembro de ter
caído de costas e agarrar em alguma coisa. A camisa dele,
acho. A próxima coisa que sei, eu estava de costas, ele deitado
sobre mim e minhas saias estavam... mais altas do que
deveriam estar. Evidentemente, ele confundiu a minha
pequena queda com paixão. Uma vez que recuperei a minha
capacidade de respirar, claro, eu lhe disse em termos incertos
que eu o queria longe de mim, mas então, nós fomos vistos do
jardim por Lady Gattingford e seu bando de fofoqueiras. —
Ela olhou através do vidro que os cercava. — Da próxima vez,
eu preferiria paredes, Holstoke. E uma cama, de preferência.
Ele olhou para a mulher que raramente escondia seus
pensamentos e que frequentemente o surpreendia – e a
queria. Não era luxúria, afinal. Era mais profundo. Ele queria
abraçá-la. Antes que ele pudesse pensar melhor sobre isso,
ele esticou os braços para fazer exatamente isso. Pegou-a em
seus braços. Trouxe-a para perto. Mergulhou as mãos em
seus cabelos. Levou algumas mechas ao nariz e aspirou
violetas e um leve aroma de cereja.
— Er, Holstoke? — As mãos dela bateram em suas
costas.
Ele a segurou com mais força, os braços totalmente ao
redor dela agora, pressionando-a suavemente contra ele.
Reconfortando-se no calor dela, no contato dos quadris até o
pescoço dela.
— Você está bem? — Sua voz foi abafada pela camisa
dele. — É uma de suas dores de cabeça, não é?
Ele passou os dedos entres os cabelos dela, apreciando a
textura acetinada.
— Você disse que elas lhe viram através do vidro, mas o
rumor sugere que Lady Gattingford e o resto entraram na sala
enquanto você estava...
— De fato. — Ela tremeu contra ele e agarrou o tecido
nas suas costas. — Noite terrível. Eu não gosto de lembrar.
— Elas a humilharam. De propósito.
— Sim. Delicioso demais para resistir, acredito. Pegar
uma garota Huxley com suas saias levantadas até os ombros
melhoraram significativamente a posição entre os fofoqueiros.
Ele fechou os olhos e lutou para não imaginar isso. Ela
era dele, agora. Apenas dele. Ele segurou as costas da cabeça
dela e a inclinou para um beijo, ignorando o gemido de
surpresa. Ele reivindicou a boca e lábios dela, amando a
maciez e ficando lisonjeado com o suspiro dela. Ele se
deleitou com a percepção de que ela nunca pertencera a
ninguém, e nunca pertenceria.
— O que... — Os cílios pestanejaram enquanto ele se
afastava para ver o rosto lindo e corado dela. — Por que isso?
— Não ficarei parado, Eugenia. Elas devem ser punidas.
Ela arregalou os olhos.
— Não. Não comece isso. Minha família já tentou e as
coisas ficaram piores. Lady Wallingham...
— Não fez nada. — A escuridão rosnou. Ele acariciou o
cabelo dela para acalmar a si mesmo. Estranhamente,
funcionou.
— Porque ela percebeu o que aconteceria. Lady
Wallingham não é tola. Ela conhece o jogo melhor do que
ninguém.
A escuridão não suportava o pensamento de Eugenia ser
zombada e desprezada. Ser chamada de rameira e ser
afastada da sociedade educada. Forçada a ser empregada, por
Deus. Ele queria arruinar a todos. Cada um dos que a
magoaram.
— Escute-me. — Ela disse, sua mão segurando o queixo
dele. Cada vez mais os toques dela eram menos
surpreendentes. Mais naturais. — Foi a pior decisão da
minha vida, uma que fiz no desespero. Isso custou muito,
Holstoke. Danificou a minha família e pôs a felicidade de Kate
em risco. Eu não deveria ter feito isso, justamente porque eu
sabia o preço que pagaria se fosse pega. O que veio depois
foi...horrível. — Ela engoliu em seco e acariciou sua bochecha
com o polegar, como se a confortasse tanto quanto a ele. —
Mas o erro foi meu. Então, a punição foi minha.
Ele notou que ela acreditava no que dizia, embora fosse
uma completa besteira. O que queria dizer, que ele deveria
agir sem o conhecimento dela. Então, em vez de discutir mais,
ele disse uma parte da verdade:
— Você não mereceu o que eles fizeram.
Ela sorriu para ele, os olhos brilhando.
— Obrigada por dizer isso, Holstoke.
Foi quando ele percebeu o quanto ela estava
desarrumada, notou as rugas no seu vestido, as ondas que
ele havia feito em seus cabelos. Ela estava sensual.
Intoxicante. E pequena. Os dedos roçaram onde ele a
segurava pela cintura. Por que ele não tivera mais cuidado
com ela?
— Um banho. — Ele murmurou olhando para o local
onde suas mãos a seguravam, amando o calor de suas
carícias em seu rosto. — Depois jantar. — O raio o atravessou
como anteriormente, mas agora parecia viajar até ela e voltar
ainda mais forte em um ciclo infinito. — Então paredes e uma
cama.
Por um momento, a decepção iluminou os olhos dela.
Sua mão se afastou do rosto dele. Ela pôs os olhos sobre seu
peito e assentiu.
— Eu vi o meu quarto esta tarde. É... adorável.
Ele franziu o cenho.
— Você gostará dele amanhã.
Olhos de gato voltaram a encará-lo.
— Amanhã? Está dizendo...Oh. — Ela engoliu em seco.
Fitou a boca dele. — Suas paredes. Sua cama.
— Serei mais cuidadoso com você desta fez. — Ele
garantiu. — Sem dores.
— Não foi tão terrível, de verdade. Especialmente no
final. É... é comum esse tipo de coisa, Holstoke? Não me
respondeu.
Ele abaixou a cabeça até seus lábios pairarem sobre os
dela. Roçando. Tocando. Sussurrando.
— Comigo, achará isso mais comum do que as coisas
comuns, Eugenia. Apenas comigo.
CAPÍTULO 15

“Sim de fato, Humphrey. Uma caminhada pelos jardins seria a


melhor coisa.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para seu fiel companheiro,


Humphrey, após um café da manhã estimulante.

Do outro lado de uma suculenta pilha de presunto,


Genie examinava o seu marido cuidadosamente. Cabelos
pretos, curtos e bastante severos. Maçãs do rosto que
poderiam ser consideradas exóticos, pois eram altas e
proeminentes. Sobrancelhas escuras e niveladas. Vívidos
olhos pálidos. Um nariz longo e distinto. E lábios que
poderiam arrancar gritos de êxtase de sua garganta por
horas.
Horas. Não minutos. Nem breves, passageiros ou
recatados. Gritos altos, longos por horas. Implorando
também.
Ela apoiou o cotovelo na mesa de café da manhã e deu
batidinhas nos lábios com os dedos.
Com sua expressão calma e neutra, ele bebia chá e lia
seu jornal. Como os cavalheiros normais em qualquer manhã
normal, ele cuidava de seus assuntos com a graça usual.
Como se fosse rotina.
Devastar sua esposa com prazer depois de abraçá-la
forte durante a noite enquanto os batimentos cardíacos dele
embalavam o seu sono. Então, acordá-la periodicamente para
mais. Finalmente, assim que ela pensou que a tempestade
acabara, ele a despertara para uma última vez com sua boca.
Entre suas...Sobre sua...
Bons céus. Ela bateu em seus lábios e estreitou os olhos.
Melhor não lembrar com muita precisão. O fogo poderia se
acender e então, o que seria dela? Ser deitada de costas sobre
uma pilha de presunto como travesseiro, era o que seria.
— Você está me encarando há vinte minutos, Eugenia. —
Ele calmamente abaixou a página do jornal sem levantar os
olhos. — Tem alguma pergunta?
— Não. — Uma mentira. Ela tinha uma pergunta. Mais
do que uma, na verdade. Mas ela não poderia fazê-la na mesa
do café da manhã. Poderia?
Ele levantou os olhos. Arqueou uma sobrancelha. Bebeu
um gole de seu chá e devolveu a xícara ao pires com um leve
clique.
Ela agora se via examinando as mãos dele. Dedos longos,
sensíveis e elegantes que detinham alguma forma obscura de
magia. Ele provara ser capaz de produzir arrepios nos lugares
mais extraordinários. Descansou o queixo sobre as costas de
suas mãos e contemplou os ombros, que eram magros, mas
musculosos, como ela descobrira quando ele tirou a camisa
no dia anterior. Os mamilos dele eram adoráveis. Ela os
apreciou tanto quanto ele apreciara as atenções dela.
Porém, apesar de possuir olhos, lábios e mãos
extraordinários, ele era um homem comum. Alto. Certamente
atrativo do jeito dele. Incrivelmente inteligente. Muito bem,
talvez comum fosse a palavra errada. Mas ela conhecera
homens que se esperava poder produzir o tipo de reação
transcendente que ele causava nela. O Marquês de
Rutherford, por exemplo, que fora um libertino de algum
renome antes de casar-se. Lorde Atherbourne era outro. Até
hoje ela não tinha posto os olhos em um homem mais bonito.
Seriamente, se ela tivesse se casado com qualquer um deles,
suas reações não a teriam surpreendido tanto.
Mas ela se casou com Holstoke.
Holstoke.
Esse era Phineas Brand, o maldito Conde de Holstoke.
Ele era estudioso e sério. Brilhante e frio. Honrado e
ilegível.
Não era o tipo de homem que uma mulher implora para
tocá-la.
E ela queria implorar. Após a noite passada e esta
manhã, ela não deveria ter energia para contemplar isso. Ela
estava fazendo mais do que contemplar. Estava quase
derretendo-se na manteiga.
— Posso lhe mostrar os jardins restantes hoje, Eugenia.
— Os olhos dele encontraram os dela. Sua língua limpou uma
gota de chá do lábio inferior. Então, sua boca curvou-se em
um canto. — Se quiser.
Oh, Deus querido. Ela não sobreviveria a isso.
Olhou para o prato. Bem, sobreviveria, estritamente
falando. Ela comera três fatias de presunto e dois ovos. Ela
nunca comera com tanta vontade.
Possivelmente isso não podia ser normal. Ela abriu a
boca para dizer-lhe, mas ele já dobrava o jornal e levantava-se
da cadeira.
Ele estendeu a mão.
— Venha. Mostrar-lhe-ei os jardins e você poderá me
fazer as suas perguntas.
Droga. Ela não era capaz de resistir a ele. Deslizou a mão
na dele.
Ele a puxou até ela ficar de pé e depois descansou
levemente seus dedos mágicos em sua cintura.
— Não se esqueça do bonnet. — Ele murmurou com
outro sorriso brincando em seus lábios.
Droga, droga, droga. Ele a fazia se esquecer de tudo além
dele. Não, isto, no mínimo, não era normal.
Ela pediu a Harriet para pegar o seu bonnet verde com
flores brancas e depois agarrou-se ao braço de Holstoke,
enquanto ele a levava através da porta da sala de café da
manhã para o pátio. Esta fonte – a qual, ela notou, tinha a
forma agradavelmente simples com camadas em formas de
flores – deve ter sido uma adição dele. Ao redor haviam vasos
de plantas, pequenos bancos e estátuas. Era realmente
maravilhoso. Uma parede de pedra equivalente a cinco
andares os cercava, apesar de possuir janelas e portas que
levavam de volta ao castelo. O céu era o teto e mesmo assim,
ela se sentia protegida.
Ele a levou através de outro conjunto de portas e depois
para o terraço norte, que se estendia entre as duas torres
redondas do castelo. Desta posição, era possível ver o jardim
submerso se estendendo ao norte por pelo menos duzentos
metros. As laterais inclinadas floresciam em faixas vermelhas,
roxas e amarelas, separadas por ocasionais conjuntos de
escadas de pedra. No chão do longo retângulo, cercas de
buxos perfeitamente quadradas formavam um canteiro
impressionante cheio de todos os tipos de rosas, lírios e
outras delícias. O único alívio na simetria quadrada era a
fonte circular esculpida no centro e rodeada por círculos
concêntricos de flores de vários tons de roxo e azul. Os anéis
pareciam água. No topo da fonte havia uma sereia abraçada
por um feroz e protetor Netuno. O deus do mar empunhava
um tridente contra criaturas invisíveis.
Genie suspirou, tão encantada quanto estivera no dia
anterior.
— Amo este jardim. — Era tudo o que Holstoke era:
complexo, contido e bonito, mas em seu coração,
transbordava bravura.
— Enviei trinta e cinco novas variedades de lírios e
dezessete novas rosas à Sociedade de Horticultura. — Ele
falou. — Todas exibem uma resistência superior às pragas
comuns. Em algumas, estendi o tempo de floração em
cinquenta por cento.
Ela não tinha ideia do que isso queria dizer, mas soava
impressionante.
— Alguma cor nova? — Ela perguntou.
Ele franziu o cenho.
— Quatro.
— Bem, então me mostre.
Ele a levou para o jardim afundado, parando aqui e ali
para explicar sobre a polinização. A voz dele era baixa e séria,
então ela assumiu que as descrições dele tinham um
significado educacional. Se ela tivesse compreendido metade
disso, teria achado também.
Em vez disso, ela apenas queria as mãos dele sobre ela.
A boca dele sobre a dela. Os olhos brilhando enquanto ele
deslizava o olhar por seu ventre e seios com a coisa mais
próxima a posse que ela já vira em um homem.
Não deveria ser assim. Ela se sentia fora de controle.
Talvez outro assunto ajudasse. Ela interrompeu
exatamente quando ele estava falando sobre ‘a natureza
receptiva do pistilo’8 para perguntar como a fonte era
alimentada.
— O lago. — Ele respondeu após uma pausa. —
Colocamos canos embaixo do solo. — Ele indicou para a parte
mais ao norte do jardim afundado, que fazia margem ao lago
com arbustos de flores vermelhas. — O lago é mais alto do
que a fonte, a gravidade cria uma pressão, que força a água a
subir.
Ela observou a boca dele enquanto ele falava sobre
câmaras para controlar a pressão, o avançado sistema de
drenagem e as formas que a água era usada no jardim nos
tempos de seca. Pelos céus, não importava o que ele dizia.
Aqueles lábios bem definidos eram a sua obsessão. Ele era a
sua obsessão.
Em seguida eles caminharam ao longo do lago, onde
patos nadavam com seus patinhos e os arbustos de flores
vermelhas – rododentros, de acordo com Holstoke – pareciam
rubis sob os grandes salgueiros e os pequenos pinheiros.
Holstoke descrevia agora que após herdar o título, ele
comprou uma casa para a mãe dele em Weymouth e a enviou
para lá. Depois, começou e escavar. Primeiro, ele escavou os
jardins que Lady Holstoke havia criado, formando o jardim
afundado. Depois, criara o lago de dois riachos submersos.
Com o tempo, ele substituíra cada pedaço de solo que as
mãos da mãe dele tocara.
Exceto a fonte na entrada do castelo, é claro. Ela notou
que ele não a mencionou.
— Você raramente fala sobre ela. — Genie observou. —
Sua mãe. Presumo que vocês dois não se davam bem. Antes
de descobrir suas tendências assassinas, quero dizer.
Ele estremeceu enquanto eles seguiam em direção ao
jardim oeste. Entraram nos pomares antes de ele responder.
— Não.
Ele ficou quieto por um tempo enquanto passavam por
árvores frutíferas de uma variedade estonteante: maçãs,
damascos, peras e ameixas. Quando entraram na seção com
as nozes e castanhas, a curiosidade dela chegou ao limite.
— Como... — Ela levantou os olhos para ele, percebendo
como ele mantinha seus olhos ao sul, em direção ao mar. —
Como é? Ser filho dela?
Ele não respondeu. Seu rosto permaneceu sem
expressão, embora continuasse virado aos jardins sul.
— Eu a encontrei uma vez, não sei se recordará. — Ela
prosseguiu, esperando diminuir a tensão. — Astley. Lembra?
Um aceno.
— Devo confessar que não gostava da sua mãe, Holstoke.
Não, nem um pouco. Ela era rude enquanto fingia não ser.
Oh! — Genie virou os olhos. — E que gosto terrível para
chapéus. Simples, simples, simples. Maçantes, maçantes,
maçantes.
Uma longa piscada. Os músculos dos braços dele
relaxaram embaixo de sua mão. Mas a tensão em torno da
boca permanecia.
— Se ela tivesse sido a minha mãe, não a teria enviado
para viver em Weymouth. Penso que Groelândia seria mais
apropriado. O frio combinava com ela.
Desta vez, a mandíbula dele relaxou. Ele até mesmo
olhou brevemente para ela.
— Sim, Groelândia. Ninguém para incomodar, exceto as
baleias. — Ela estalou a língua. — Pobres baleias. Talvez uma
cabana em algum lugar mais para o interior. Sim, ideal. Ela
poderia usar os seus bonnets maçantes e viver na escuridão e
no frio com nada além de sua própria companhia. Uma
solução adequada para uma mãe como a sua.
Os lábios se levantaram em um dos cantos.
— De fato, adequado.
Ela sorriu triunfantemente e escutou quando ele
começou a explicar como ele criou a divisão entre o pomar e
os jardins sul com uma técnica chamada espadeira, em que
os galhos das árvores eram treinados para cresceram
lateralmente, formando um cerca viva.
— Oh, me Deus! — Ela apertou-lhe o braço enquanto
eles atravessavam um arco formado por folhas, galhos e
pequenas frutas do tamanho de seixos. — Foi isso que fez na
estrada.
O sorriso dele ficou enorme.
— Com as macieiras? Gostou?
— Por Deus, Holstoke, é maravilhoso. Flores brancas e
rosas por todos os lugares. Senti-me como se tivesse entrado
no próprio céu.
— Você pode encontrar o céu sempre que desejar,
Eugenia. É só pedir.
Droga. Sua maldita luxúria voltou de supetão e tão
poderosa quanto o mar que ela ouvia batendo na costa.
Quando ele a olhava daquele jeito, tudo o que ela conseguia
pensar era sobre limão, menta e como se sentia quando ele a
penetrava, seus olhos gloriosos a incendiando. Uma brisa
soprou, trazendo o cheiro do mar e do sabão de barbear dele.
Ela se esforçou a afastar o olhar. Pigarreou. Focou nas
coisas maravilhosas à sua frente. Ela não esperou muito, pois
a trilha logo os levou a um túnel de madeiras em formas de
arcos entrelaçadas por videiras. Ela piscou. Parou. Soltou o
braço dele e examinou as folhas atentamente.
— Uvas. — Ela murmurou. — Você arranjou as videiras
em arcos. Que lindas!
— Linda. Bastante. — A voz dele estava estranhamente
rouca. — A colheita é bastante simples, na verdade. Espere
até que tudo amadureça. Então todas cairão em suas mãos
por conta própria. Carnudas. Suculentas. Deleitáveis.
Ela virou-se para encontrá-lo olhando o seu traseiro.
— Holstoke!
Ele ergueu a sobrancelha.
— Sim?
— Pare com isso.
— O que?
— Você está me comparando com frutas.
      Ele lambeu os lábios.
— Apenas na forma mais cortês.
— E está tentando me seduzir. No jardim. De novo.
— Estritamente falando, você me seduziu, Eugenia.
— Talvez na primeira vez. E eu tinha pouca ideia do que
estava fazendo.
Ele olhou para o corpete dela com uma intensidade
impressionante, como se ele pudesse queimá-lo com apenas
um olhar.
— Eu sei.
— Pare com isso.
Um sorriso lento.
— Por que devo parar agora?
Ela gemeu levando uma mão sobre o ventre, onde o calor
aumentava e doía. Ela queria desnudá-lo. Ela queria deitá-lo
debaixo do arco de folhas e deixar que ele a possuísse. — O
que você fez comigo?
Franzindo a testa, ele inclinou a cabeça.
— Não me dirija esse olhar confuso. Você sabe muito
bem como me sinto exatamente agora.
Lentamente o vinco em sua testa desapareceu,
substituído por um sorriso sutil. Aqueles olhos pálidos
trilharam de seus joelhos ao bonnet, deixando um caminho de
arrepios.
Isso não era normal.
— Diga-me o que fez. — Ela exigiu.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Posso fazer novamente, se quiser recordar.
Ela explodiu em sua direção.
— Sou frígida. Isso não é normal.
Ele cruzou as mãos às costas. Estreitou os olhos,
examinando-a como um espécime.
— Alguns mistérios podem apenas ser solucionados por
meio de experimentos.
— Esta não é uma resposta.
— É a única que tenho a dar.
Levantando o queixo, ela falou:
— Então, aqui está a minha experiência. Nós não vamos
mais ter intimidades até que me explique o que fez.
Um vinco profundo marcou sua testa, escureceu seus
olhos como uma nuvem sobre o sol.
— Não seja tola, Eugenia.
— É a erva-doce, não é? As folhas produzem uma
loucura luxuriosa. Conte-me a verdade.
Ele piscou. Seu rosto ficou incrédulo. Depois, ele
gargalhou. O som explodiu dele, profundo e impiedoso,
enquanto ele esfregava a testa com o polegar e o indicador.
— Não. — A risada diminuiu a uma risadinha enquanto
ele balançava a cabeça. — A cidreira não tem propriedades
estimulantes. Pelo contrário. Há um motivo para ela ser
chamada de bálsamo.
Ela sentiu as bochechas aquecerem.
— Alguma outra coisa, então. Outra erva. Ou o seu
sabão de barbear.
— Não a estou envenenando com afrodisíacos. Bom
Deus, você tem mais espinhos que uma roseira, mulher.
— Uma roseira, eu? — ela fungou. — Bem, então, talvez
devesse evitar me beijar. Não desejaria...
— Está sendo irracional.
— ...se ferir esses lábios elegantes. E nem me tocar.
Precisará de suas mãos...
— Eugenia.
— ...para cultivar suas plantinhas...
Ele parou as palavras dela com sua boca, segurando e
deslizando a sua língua em um único movimento.
Previsivelmente, o corpo dele se deslocou em direção ao dela,
cada fibra, cada pedaço. Ele queria fundir-se, escalar, sentir a
pele dela. Ela gemeu pelo prazer dos lábios dele. Agarrou-se
às lapelas de lá e arranhou o tecido do colarinho ao redor do
pescoço dele.
O calor dele. Não podia ser natural. Ela nunca se sentiu
assim: um vazio doloroso que apenas ele podia preencher,
formigamentos que apenas ele podia provocar. Aquelas eram
as cordas da loucura. Ele as mantinha tão apertada que ela
perdeu o fôlego.
Ela se afastou, puxando as mãos dele de sua cintura e
recuando até as folhas de uvas roçarem a sua saia. O seu
coração batia forte contra os ossos de seu peito em um ritmo
desesperado.
Ele ficou imóvel. Sombrio. Um corvo de olhos verdes a
assistindo cuidadosamente.
— Você não tem nada a temer de mim. — Ele disse com
a voz rouca.
Mas ela tinha. O medo a preenchia como a maré subindo
enquanto ela segurava seu olhar no dele. Examinou aqueles
lábios fascinantes. O nariz longo. As maçãs do rosto
orgulhosas e as sobrancelhas alinhadas.
Seu adorável rosto.
Esse homem amado.
Não. Não, não, não e não. Ela não podia amá-lo.
Porque ele nunca a amaria enquanto ainda amasse
Maureen.
Amor sem reciprocidade tornava uma pessoa escrava de
um desejo sem fim e uma esperança inútil. Tornava uma
fonte sem água, apenas pedras vazias e secas.
Ela se recusava a cair em tal armadilha. Ela escaparia.
Tudo o que ela precisava era de um plano. Esse era Holstoke,
afinal. Provavelmente não seria difícil evitar se apaixonar por
Holstoke.
— Doce roseira. — Ele murmurou como se falasse
sozinho. — É o que você é. Uma única floração vale por
espinho.
Deus santo. Resista. Resista. Ela deve resistir.
— Se...Se me chamar novamente de roseira, começarei a
lhe chamar... — Ela lutou para pensar em algo, mas a sua
mente estava nadando na embriagues de luxúria. Tudo o que
ela conseguiu foi outro dos nomes dele. — Phineas.
Os olhos dele incendiaram. Os ombros ficaram rígidos.
Sua cabeça inclinou e ele umedeceu os lábios. Bons céus, ele
parecia um predador.
— Temos um acordo, Roseira.
Oh, não. O ventre dela estava quente e vibrando de uma
maneira sinistra. Ela balançou a cabeça.
— Isso não era um acordo.
Ele avançou até ela, as mãos ainda às costas.
— Soou como uma para mim.
— Holstoke. Phineas. Honestamente. — Ela engoliu em
seco e levantou a mão. — Sou frígida. Sou sim.
Sua mão encontrou o peito dele à medida que ele se
aproximava. Ele se abaixou e soprou uma gentil rajada de ar
sobre o pescoço dela.
Calafrios tomaram conta. Arrepios subiram. Seus
mamilos ficaram dolorosamente duros.
— Não comigo. — Ele sussurrou. — Lembre-se disso,
minha Roseira. Talvez outras flores floresçam imediatamente
por qualquer mão. Você exige a minha.
CAPÍTULO 16

“Humph. Mesmo os melhores homens têm falhas. Uma dama é


inteligente para identificar cedo para que o treinamento comece
cedo. Os maridos exigem tratamento cuidadoso, sabe.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para Lady Katherine


Huxley sobre a declaração da dama sobre sua admiração por
um agradável barítono de um pretendente.

Ela sentiu o coração dele sob as pontas de seus dedos.


Impressionantemente, ele galopava quase tão rápido quanto o
dela. Ele sempre parecia tão calmo, tão indiferente à sua
proximidade.
Porém o coração dele contava uma história diferente.
Suspirando, ela inclinou-se até ele. Aspirou limão, menta
e sabão de barbear.
Ela ergueu sua cabeça para lhe dar um melhor acesso,
mesmo enquanto lutava para não perder o coração.
— Holstoke. Phineas.
— Será Phineas.
— Eu...acho que fez alguma coisa comigo. Alguma coisa
perversa.
— Não ainda. Mas eu pretendo fazer.
Ela fechou os olhos.
— Não posso pensar claramente quando está me
beijando.
— Pensar não é exigência.
Reunindo cada grama de força de vontade que ela
conseguiu, ela o empurrou. Ele parou de beijar o pescoço
dela, mas não se afastou.
— Phineas. — Ela grunhiu.
Calmamente ele desfez os nós das fitas embaixo do
queixo dela e removeu o bonnet, jogando-o sobre o cascalho.
— Roseira.
Ela encontrou seus olhos. Invocou força.
— Conte-me algo horrível. Sobre você.
A fisionomia dele não mudou: firmemente resolvida e
intensamente escaldante. Ele deslizou os nós dos dedos pela
bochecha até roçar no lábio superior.
— Por quê?
— Gostaria de estar informada.
— Humm. Bem, minha paciência é curta quando aqueles
de quem gosto são insultados ou ameaçados.
— Isso é natural, não terrível. Você deve ter qualidades
indesejadas. Todos têm.
— Alguns me acusam de ter uma conversa entediante.
— Não, não. Pior.
Ele balançou a cabeça.
— Como?
— Não sei! Pés doente e podres. Ou crueldade com
filhotes. Ou um desejo secreto por cebolas cruas.
Os cantos da boca dele se curvaram.
— Meus pés são bastante saudáveis, temo. E eu prefiro
as cebolas cozidas. — Seu sorriso ficou maior com uma pitada
de provocação. — Filhotes assados com cebolas...meu prato
favorito.
Ela golpeou o braço dele.
— Fale sério.
Ele deu uma risadinha.
— Muito bem. Aqui está a verdade: no momento, meu
único desejo secreto é por Roseira. Doce e selvagem Roseira.
— Oh, Deus. — Um pânico agitado se estabeleceu. — Por
favor, Phineas. Conte-me algum ruim. Algo que não desejaria
que eu soubesse.
Os olhos dele ficaram sérios. Ele virou o rosto em direção
ao barulho do mar. Por longos segundos ela pensou que ele
não responderia. Então ele o fez.
— Eu odiava a minha mãe. — Sua voz estava distante. —
Eu ainda a odeio.
Ela respirou através da dor em seu peito. Forçou as
mãos a se apertarem em vez de tocá-lo.
— Todos a odiavam...
— Não assim. Muito antes de eu saber as coisas que ela
fazia, antes que eu pudesse lembrar, de fato...eu queria... —
Ele respirou irregularmente. — Eu queria que ela morresse.
— Dentro do verde maravilhoso estava a dor de sua confissão.
A batalha que ele lutou e perdeu. — Um filho não deveria
desejar tais coisas.
E lá se foi. Sua última e débil esperança de manter seu
coração. Ela sentiu a corda se desfazer. Escorregar de suas
mãos.
Ela fechou os olhos, mas o que conseguiu ver foi um
garoto. Cabelos pretos. Olhar pálido e solene. Inteligente
apesar da idade. Pequeno como Edwin, porém muito mais
quieto. Aquele garoto sentiu o mal na mãe dele. E, sendo um
tipo protetor, desejou a sua morte.
Ele pensou que este era o pior segredo a ser revelado.
Mesmo agora, ela sentia a expectativa dele de que ela sentisse
nojo. Mas ela sentia apenas arrepios. Mais e mais até eles se
transformarem em bolhas de luz brilhante, quente e
expansivas. As sensações viajavam através de suas veias para
pulsar e esticar cada pedaço de pele.
Pelos céus, ela o amava. Talvez sempre o amou. Agora
ela entendia o quão ela o conhecia. Ela o conhecia. Até o
fundo de sua alma valente.
Como ela poderia ter esperado manter seu coração em
segurança? A resposta era óbvia: ela não conseguiria.
— Phineas. — Ela sussurrou abrindo os olhos. Rosto
amado. Homem amado. — Beije-me.
Um brilho de surpresa. Um fogo de desejo. Depois os
braços dele a envolveram, meio levantando-a. Os lábios dele
pousaram sobre os dela. O peito dele grudou-se ao dela. Ele
deu prazer à sua boca e a encostou na treliça frondosa e
apertou sua ereção contra ela.
— Maldito inferno, Roseira. — Ele ofegou. — Como faz
isso comigo?
Ela? Era ele. Alto, fascinante e com feitiçaria em seu
toque. Ele a deixou obcecada. Possuía-a. Ela era como uma
videira em sua treliça, sua forma permanentemente alterada
pela presença dele.
Ele segurou seu rosto e a beijou novamente, profunda,
longa e pulsantemente. Ela acariciou os braços e pulsos dele.
Freneticamente desabotoou seu casaco. Deslizou o braço para
dentro dele, ao redor de sua cintura, assim poderia sentir o
calor dele contra ela.
Logo ele puxou as saias dela. Levantando-as
freneticamente, mas com muita precisão. Depois, seus dedos
– aqueles dedos mágicos – estavam dentro dela. Deslizando e
circulando.
Ela afastou as pernas para ele, agarrando-se ao seu
colete.
Gentilmente, mas com uma firmeza crescente, os dedos
dele geraram uma tempestade. Deslizando. Deslizando.
Deslizando. Dentro e fora. Girando e girando. Contornando o
local que amadureceu até explodir.
— Isso me pertence. — Ele sussurrou contra os lábios
dela, sua respiração era quente e rápida. Ele inseriu um
segundo dedo. — Seu desejo é meu. Seu néctar é meu. Sua
flor é apenas para mim.
A cabeça dela caiu para trás, amparada pelas folhas e
videiras. O prazer estava turvando, ondulando, correndo
como um riacho. Subia e descia. Inchando-se em direção ao
toque dele.
— Não, Phineas. — Ela se contorceu para forçar o
polegar dele para o local onde precisava dele. — Aqui.
Ele deslizou deliberadamente por seu centro enquanto
acariciava seu interior com os outros dois dedos. A pressão
interior aumentou, mas não onde ela precisava dele.
— Por favor. — Ela implorou. — Deus por favor. — Foi
assim a noite passada. Ele lhe dava prazer com os dedos,
lábios, língua e seu membro. Implacavelmente, ele a
persuadia em direção a alturas inimagináveis, atrasando cada
pico repetitivo de explosão até que ela lhe implorasse. Agora,
mais uma vez, ele liberava o prazer, os olhos brilhando sobre
ela com uma luz febril. Dedos longos e duros pressionavam
mais forte e mais profundamente. O seu polegar talentoso
acariciava perto, embora não no centro de sua necessidade.
Quando o pico veio, levou-a a um gemido longo e
ofegante. Ondas fortes e poderosas a forçaram a ficar nas
pontas dos pés enquanto ele sussurrava em seu ouvido:
— Isso mesmo, minha doce Roseira. Floresça. Deixe-me
sentir isso.
Anéis de prazer a atravessou, um após outro, enquanto
ele a apertava com força e beijava a sua garganta. Os
estremecimentos seguiam mesmo após ele retirar a sua mão
amada e doadora de prazer e deixou as saias dela caírem.
Mesmo depois de ele se abaixar e a pegar em seus
braços.
Ela ofegou novamente, mal conseguindo entender a sua
nova posição. Agarrou-se ao pescoço dele, tremendo com os
ecos que ele deixara dentro dela.
Com urgência, ele a carregou até a curva do túnel. Ela
avistou uma pequena abertura entre as treliças – uma janela
para o mar – antes que ele, gentilmente, a pusesse de pé. Ele
acariciou seu rosto com ternura, então tirou o casaco e o pôs
sobre um banco de pedra sob a janela.
Ela ficou se balançando e estudando, não entendendo o
que ele estava fazendo até ele sentar-se sobre o casaco e
puxá-la para dentro de suas pernas. Em seguida, abriu a
calça. Ergueu as suas saias. E sem dizer uma palavra, a
posicionou escarranchada sobre ele com seus joelhos em
cima do casaco e seu traseiro sobre as suas coxas.
Ela suspirou e abraçou o pescoço dele. Enterrou o nariz
no tecido. Sob ela, sentiu seu membro duro pressionar onde
ela ainda estava escorregadia e sensível. Piscou. Respirou
profundamente quando as sensações voltaram. Ela gemeu e
recuou para encará-lo. Segurou o queixo dele e deslizou o
polegar por seus lábios esplêndidos.
— Phineas. — Sussurrou, amando o quanto ele estava
próximo nesta posição. Como ela conseguia ver os anéis azuis
ao redor do verde escurecido pelo calor. Como ela conseguia
beijá-lo tão facilmente.
Ela roçou os lábios na boca dele. Correu a língua por
cima dos lábios dele.
Ele estava dizendo alguma coisa, mas seu sangue batia
forte, o mar batia forte e tudo era prazeroso.
— ...erguê-la. Apenas relaxe.
Ela sentiu os braços fortes ao redor de sua cintura.
Sentiu a ponta de seu membro, quente e divisor. Alongando e
completando. Deslizando profunda e…
— Oh. Isso é... quase…
Demais. Era quase demais. Enquanto ele a abaixava
sobre seu membro, ele mergulhou até a raiz. Seu prazer
anterior facilitou sua passagem, eliminando a maior parte do
desconforto, embora ainda tivesse uma dorzinha da noite
anterior e dessa manhã.
Mas, Deus, como ele a completava. Como os olhos
brilhavam e a consumia.
— Tome-me. — Ele murmurou.
Sim. Sim, ela tomaria. Ela o teria dentro dela e faria
amor com ele. Porque ela o fazia. Ela o amava. Seu coração
estava prestes a explodir de alegria. E assim, estava prestes a
chorar.
Ela o amava. Phineas. Seu Holstoke.
Ela inclinou a testa contra a dele. Fixou aqueles olhos
surpreendentes. Viu um reflexo que parecia uma fome voraz.
Sentiu-o roçar algo em seu pescoço.
— Phineas. — Ela sussurrou, doendo agora. Entre as
coxas. Em seu estômago. Em seu peito e coração.
As mãos dele seguraram seus quadris. Um vinco
doloroso obscureceu sua fisionomia.
— Não posso esperar muito, minha doçura. Preciso de
você agora.
Ela o beijou. Assentiu.
— O que precisa que eu faça?
— Mova-se. — Ele proferiu, sua voz por um fio. — Você
sabe cavalgar. É o mesmo ritmo. Tome o que conseguir. E
mova-se.
Levou alguns momentos de dúvida sobre o ângulo, mas
uma vez que ela apoiou os braços nos ombros dele, foi capaz
de elevar os joelhos. Seus olhos se arregalaram com a fricção
ao retirar. Em seguida eles se fecharam quando ela afundou.
Oh, para ser preenchida novamente. O prazer disso! A
adequação.
— Maldito inferno, Roseira. Está me matando.
— Oh. — Ela sorriu provocante. — É você, Phineas!
Estava dando um passeio tão agradável.
Os músculos de sua mandíbula flexionaram.
— Acelere a marcha ou tomarei as rédeas.
Um pequeno arrepio cruzou sua pele, zumbindo entre as
suas coxas e em seus seios.
— Talvez devesse. — Ela inclinou-se para a frente e
testou a teoria sussurrando contra os lábios dele. — Sou
nada além de uma aprendiz, sabe. Um cavaleiro hábil deveria
me ensinar.
Ele gemeu, profundo e dolorosamente. Uma luz sombria
explodiu em seus olhos. O braço dele envolveu sua coluna e a
segurou com força. Então ele empurrou. Puxou-a sobre ele e
empurrou mais fundo. Mas bruto. A cada estocada, ele a
preenchia totalmente e se retirava até a ponta. De novo, de
novo e de novo. Seu ritmo era nada como o dela. Isso era
duro, rápido e incontrolável. O calor aumentava dentro de sua
vagina, a fricção das estocadas renovava o fogo. Logo, ela o
ajudava a mantê-lo, esfregando seus quadris nos dele,
beijando sua deliciosa boca.
A mão que estava sob a sua coxa moveu-se e a tocou
levemente, logo acima onde eles se uniam. Ela arquejou.
Suspirou o nome dele. Agarrou-se a ele. Sentiu o ponto
culminante subir repentinamente e explodir em êxtase.
Deus, era doloroso sentir tanto prazer. Ela gritou entre
os dentes cerrados, arranhou os ombros dele e o apertou
dentro dela, tentando mantê-lo no lugar.
Ele não obedeceu. Continuou com seu ritmo acelerado,
tocando em seu centro inchado e rígido, forçando-a a subir
até que sua voz se desmanchou e seu corpo foi percorrido por
ondas rapsódicas. Com os olhos fechados, ela enxergava a
luz. Explosões luminosas que eram anda além de um fraco
reflexos do seu prazer.
Quando voltou a abrir os olhos, viu algo ainda mais
bonito: seu marido estava com os olhos fixos nela, perto da
loucura com o prazer que ela lhe dava. E, naquele momento,
seu desejo aumentou. Ficou selvagem. Cresceu a ponto de
incluir um novo objetivo: ela lhe daria o prazer que ele nunca
imaginou. Ela se tornaria a obsessão dele, assim como ele era
a dela. Sua recompensa seria ver isso todos os dias. Phineas
em estado de êxtase. Ela sentiria isso todos os dias. Phineas
explodindo dentro dela.
Ah, sim, ela pensou, sorrindo e acariciando sua
mandíbula endurecida, segurou-lhe o pescoço enquanto ele
segurava sua cintura e grunhia sua liberação contra a
garganta dela. Se isso fosse tudo o que ela teria dele, se ele
nunca pudesse amá-la, então ela tomaria cada pedaço. O
prazer dele. A necessidade dele. O nome e os bebês dele.
Ela secou uma lágrima estúpida enquanto ela acariciava
as costas e pescoço dele, beijou sua orelha e olhou para a
maré subindo.
Maureen podia ter o coração e isso era certamente um
problema. Mas tudo mais pertencia a Genie. E, o que quer
que acontecesse, ela pretendia manter o que era dela.
CAPÍTULO 17

“Bah! Aquela gentalha arrogante de Bow Street. Ouso dizer


que esse assunto já teria sido resolvido semanas atrás se ele
simplesmente tivesse aceito a sua ajuda. Um bom caçador
conhece as vantagens de um cão superior.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para seu fiel companheiro,


Humphrey, após receber a resposta do Sr. Jonas Hawthorn à
sua mais generosa oferta.

A prostitua não foi envenenada. Ela fora descoberta no


interior de uma casa em Knightsbridge, a garganta aberta, o
rosto foi tão golpeado que ela ficara irreconhecível. Presa em
seu vestido, entretanto, havia uma flor, murcha e seca.
Meimendro. Jonas a reconheceu à primeira vista, graças aos
esboços botânicos que Holstoke lhe enviara.
Agora, enquanto batia seu lápis no caderno e observava
um policial puxar um bêbado para se apresentar diante do
magistrado, Jonas esfregou os olhos e silenciosamente
praguejou. Nos dois dias desde que o vigia encontrara o
corpo, ele não dormia. Alguma coisa sobre esse assassino
piorava a coceira em seu pescoço.
Veneno era uma arma refinada, distante e limpa. Punhos
eram algo pessoal. Enfurecido.
Ele vasculhou a área ao redor de Knightsbridge,
perguntando aos vizinhos o que eles haviam notado. Ninguém
havia escutado ou visto nada. A casa estava fechada há anos
e Knightsbridge não era conhecida por suas prostitutas. Mas
ela estava vestida como uma, seu corpo mostrava sinais de
sua profissão. Isso era tudo o que ele sabia.
— Dormindo de novo, Hawthorn?
Jonas olhou para cima e encontrou Drayton mancando
em sua direção.
— Diga que descobriu alguma coisa.
Drayton jogou o caderno sobre a mesa em frente a Jonas
e se jogou sobre uma cadeira, esfregando a perna como se
essa doesse.
— Ela era uma prostituta chamada Mary Bly. A cafetina
dela, Old Sally Sawyer, diz que ela está desaparecida há uma
semana.
Uma semana. Jonas se inclinou para frente, sua pele
pinicando.
— O que mais Old Sally disse?
— Não muito. — Drayton parecia tão cansado quanto
Jonas, seus olhos mais caídos do que o normal. — A Srta. Bly
estava nisso há um ano ou mais. Uma garota com certa
popularidade.
— Popular?
— Aye. — Drayton piscou e esfregou a perna com mais
força. — Os cavalheiros a chamavam de Mary Meia Noite por
causa do cabelo dela. Uma verdadeira beleza. Isso foi tudo o
que a cafetina disse. Você conhece Old Sally. Se importa mais
com seu gin do que com as garotas.
Jonas saltou da cadeira e pegou o casaco e chapéu.
— Hawthorn! Onde diabos está indo, homem?
— Falar com Old Sally. — Ele tinha uma sensação
doentia em suas entranhas. Essa morte foi diferente. Era uma
mensagem. Ele apenas não a decifrara ainda.
Drayton grunhiu e se levantou. Ignorando o homem mais
velho, Jonas saiu do escritório na Bow Street e seguiu para a
Castle Street, onde Old Sally residia. Ele estava no meio do
caminho quando sentiu algo. A coceira em seu pescoço
intensificou, descendo por sua espinha como um fio de água.
Ele olhou por cima do seu ombro. Viu Drayton mancando
tentando alcançá-lo, mas falhando. Ele examinou os
vendedores ambulantes e os patifes indolentes que
frequentavam os arredores da Covent Garden. Pequenos
batedores de carteira disparavam entre os pedestres.
Carroças cheias de bacias, frutas e galinhas passavam
pesadamente. Uma jovem garota vendeu um punhado de
margaridas a um jovem casal do interior. O cúmplice da
garota roubou a carteira do homem com a mesma destreza
com que Jonas se barbeava.
Maldito inferno, seus nervos estavam em chamas. Ele
caminhou rápido, disfarçando a sua velocidade com uma
postura desleixada e passos largos. A noite estava chegando.
A luz cinza gradualmente engrossava o crepúsculo.
Ele encontrou Old Sally inclinada sobre o painel de
madeira na esquina de sua casa, combinando o preço com
um homem seco com três vezes a idade da garota cujo braço
ele segurava.
— Num mi venha com as suas! — A cafetina gritou,
puxando o outro braço da garota. — Essa, vale duas libras e
meia ou nada, seu véio idiota. — Ela empurrou o homem com
força. Ele tropeçou para o caminho de uma carruagem. O
cocheiro gritou e desviou, quase o acertando.
Ignorando a briga, a jovem prostituta ajustou o corpete e
sorriu lindamente a Jonas que se aproximava.
— Ooh, você é bonito, não é? Gostaria de uma queda?
Old Sally levantou o rosto das moedas que ela contava.
— Eh. Num s’incomode, garota. Ele está mais para
dividir do que a pagar por isso. Num é, Hawthorn?
— Fale-me sobre Mary Bly, Sally.
A cafetina fungou.
— El’ está morta. O qui tem a dizer?
Enquanto ele se aproximava, pôde sentir o gin em seu
hálito, o suor do calor do verão. Ela era uma mulher carnuda,
o cabelo uma mistura de cinza e laranja, nariz vermelho e
brilhante, mesmo na luz difusa.
— Mais do que contou a Drayton. — Ele proferiu,
puxando seu caderno e lápis do bolso. — Quem foi o último a
contratá-la?
— Já disse a Drayton, estava indisposta. Ela mesma
cobrou.
— Qual a aparência dela?
A cafetina deu de ombros.
— Cabelo preto. Seios planos.
— Fale-me sobre o rosto.
Um vinco aprofundou as já existentes rugas da mulher.
— Bonita o bastante para valer quatro guinéus.
Inclinando a cabeça, ele permitiu que ela tivesse um
vislumbre de sua impaciência.
— Detalhes, Sally. Agora, se possível.
A cafetina estremeceu nervosamente, olhou-o com os
olhos semicerrados e engoliu em seco.
— Olhos claros. Pele clara. Bons dentes. Como disse,
quatro guinéus. Poderia ser cinco se não fossem os seios.
A sensação ruim que ele lutava para ignorar aumentou.
Ficou gelada. Não sendo uma característica, ela poderia estar
descrevendo Hannah Gray.
— Ei! — A cafetina gritou passando por ele para
empurrar o homem que quase encontrara o seu fim embaixo
de uma carruagem. O homem estava importunando outra das
garotas de Sally.
Jonas soltou o ar tentando acalmar a maldita coceira.
Precisava de mais respostas. Precisava saber quem contratara
Mary Bly e depois a matou da maneira mais brutal.
— Sr. Hawthorn?
Ele virou-se.
A jovem prostituta de cabelos amarelos com hematomas
se formando nos braços olhava para ele com a testa
enrugada.
— Você está procurando pelo homem que matou Mary?
— Estou.
— Eu...Eu posso ter visto ele.
Maldição.
— Quando?
— Há uma semana. — Os olhos castanhos da garota
brilharam com as lágrimas. — Pobre Mary.
— É verdade que b-bateram nela?
Gentilmente ele pegou o cotovelo da moça e a levou para
as sombras da pensão.
— Apenas me conte o que lembra. Pode descrevê-lo?
A garota fungou e secou o nariz.
— Mary tinha os olhos mais adoráveis. Como a luz da
lua, eles eram. Deixava os homens loucos.
Por dentro, ele ficou mais frio. Levou a mão ao bolso
mais baixo de seu casaco e retirou o esboço que ele mantinha
escondido, um que era apenas para os seus olhos.
Cuidadosamente, ele desdobrou o papel.
— Ela se parecia com essa?
A moça olhou para seu desenho. Franziu o cenho.
— Aye. Ela era um pouco mais dura, entende? Não tão
adorável como essa. Mas parecidas.
Ele dobrou o esboço, guardou-o e ofereceu um lenço à
garota.
Ela o pegou e assoou o nariz.
— Eu preciso saber sobre o homem com quem Mary
saiu. Como ele parecia?
A moça fingiu enxugar os olhos. Fungou novamente.
Secou outra lágrima. Então, calmamente ela estendeu a mão.
Ele olhou para a mão pequena e vazia. Recuou pra
encontrar os jovens olhos de jade.
O diabo o levasse. Como ele odiava esse mundo.
Ele vasculhou e achou duas libras e cinco xelins e pôs o
dinheiro na mão aberta dela.
— Agora. — Ele disse suavemente. — Conte-me.
— Ele era mais baixo do que você.
Ele colocou a mão na altura do nariz.
Ela assentiu.
— Agradável de olhar. Olhos suaves, entende? Redondos,
como um menino inocente. Mas não era. Havia frieza neles.
Eu disse a Mary para não ir. Mas ele ofereceu cinco. Ninguém
faz isso.
— Cinco guinéus?
Ela assentiu novamente.
— Da última vez que vi Mary Bly, ela estava subindo na
carruagem com ele.
Ele pegou algo em seu bolso superior e desdobrou o
esboço agora desgastado.
— Esse é o homem que viu?
Ela arregalou os olhos.
— Aye. É ele mesmo.
A urgência dele aumento cem vezes. O canalha atacaria
Hannah Gray. Ele não sabia o motivo, mas isso malditamente
importava. Tudo o que importava era chegar até ela. Mantê-la
a salvo.
— Você esqueceu a cicatriz.
Ele franziu o cenho e olhou para o esboço.
— Que cicatriz?
Ela traçou um dedo ao longo da lateral do pescoço do
homem.
— Da orelha ao ombro. Uma cicatriz longa e branca. De
uma faca, acho. Mal curada, no entanto.
— Ele não usava um lenço no pescoço?
— Nada além de uma camisa e um colete. Simples. Como
o seu. Por isso eu notei. Parecia muito pobre para oferecer
cinco xelins, quanto mais cinco guinéus.
Jonas não entendia o jogo do homem. Ele se vestiu de
lacaio para invadir a casa de Randall – traje completado com
peruca empoada. Um disfarce eficaz se um homem deseja se
misturar ao cenário. Depois, solicitou uma prostituta usando
roupas simples e humildes que expunham a sua notável
cicatriz. Sem perucas. Sem disfarce.
Por que mudar os padrões com Mary Bly? Por que não a
envenenar e deixá-la em algum lugar na Covent Garden, onde
ela seria reconhecida por seu trabalho?
Knightsbridge era bastante distante. O canalha pagou
pela carruagem de aluguel. Ele pagou cinco guinéus para a
Srta. Bly. Ele conseguiu entrar em uma casa vazia e matar
uma mulher sem que os vizinhos percebessem.
E ele poderia estar em qualquer lugar.
Mais uma vez, Jonas olhou ao redor, observando a
multidão na Castle Street. As casas de trabalho. As
hospedarias. O homem seco discutindo com a cafetina.
Ele acenou para a moça e guardou o caderno e o esboço.
Em seguida começou a se mover. Ele precisava ir a
Dorsetshire. Ele precisava estar onde Hannah Gray estava. O
formigamento em seu pescoço e o fogo em sua espinha
gritaram até seu passo virar quase uma corrida.
Ele virou a esquina da Hart Street e sentiu seu pescoço
pegar fogo. Foi por puro instinto que ele se jogou para a
esquerda.
Uma dor lancinante se espalhou por seu ombro.
Ele piscou, desorientado pela força do golpe. Ele foi
empurrado de lado, para uma parede de tijolos.
O sangue pulsava com força. Martelava e martelava. Sua
mão ficou dormente. Pingava.
Ele olhou para todos os lugares, mas a escuridão havia
caído enquanto ele conversava com a prostituta de cabelos
amarelos. Ninguém em sua visão. Uma única luz. Brilhava
dourada na janela do segundo andar. A janela estava aberta.
Sua respiração aguçou. Ele se afastou dos tijolos.
Cambaleou para frente, em direção ao brilho dourado. Uma
figura apareceu em forma de silhueta. Alto. Diferente do que
ele desenhara. Ele piscou, o dourado e a sombra se
misturaram.
Um golpe silencioso. Outra onda de agonia. Sua coxa
direita.
Ele caiu duramente de joelhos. Seu sangue martelava e
martelava. Penetrava e agrupava. O que quer que o tenha
atingido, fez sua visão borrar. Ele mal conseguia enxergar
suas próprias mãos segurando pedras e terra.
Ele encontrara a morte antes. Eles eram velhos amigos.
Não era assim que as coisas deveriam terminar.
Ele precisava chegar à janela dourada. Isso era tudo. Ele
precisava matar um homem antes que ele... a matasse.
Apoiando sua mão nos tijolos, ele se forçou a levantar-se.
Forçou os pés a sustentar, suas mãos a impulsionar e sua
perna esquerda a carregar todo o seu peso. A rua imunda se
inclinou. Ondulou e duplicou. Ele balançou a cabeça. Deu um
passo.
Uma explosão angustiante atravessou sua perna direita.
Ele olhou para baixo. Duas flechas gêmeas plumadas
projetavam-se de sua coxa. Não, não gêmeas. Uma estava em
sua perna e a outra em seu ombro.
Cristo, seu sangue continuava a martelar e martelar. Ele
tinha que chegar à janela. Tinha que matar o homem.
Outro passo. Outra explosão angustiante. Uma terceira.
E uma quarta.
— Hawthorn!
Um quinto. Sua respiração entrava e saía entrecortada.
Ele focou na porta que levava ao segundo andar e ao canalha
que queria...matá-la.
— Maldição, maldito inferno, homem. Isso são flechas?
— Era Drayton.
Ele caiu de joelhos novamente quando o outro homem o
alcançou.
— J-Janela. — Ele agarrou o braço de Drayton,
tremendo. — Segundo andar. Vá. — Ele empurrou, mas
estava fraco. Malditamente muito fraco.
Drayton tentou levantá-lo.
— Vá! — Jonas rosnou, apontando em direção à janela
dourada.
Um galope mancando e praguejando levou o outro
homem embora.
Jonas tentou convencer o chão a ficar estável. Mas ele
apenas ficou mais úmido.
Seu sangue martelava e martelava. A escuridão veio
cinza nas beiradas.
Agora a respiração era fraca. Ele piscou. Soou
enfraquecido. Uma mulher passou, suas saias balançando
para longe dele.
Uma mulher. Pele clara. Olhos de luar. Cabelo da meia-
noite. Milhas acima dele. Léguas. Fria e intocada como um
lago no inverno.
— ... Doerá como o maldito inferno, Hawthorn. Mas deve
ser feito...
Fogo. Em seu ombro e perna. Uma explosão branca atrás
de seus olhos, então a escuridão, cinza e borrada. Depois um
balanço. Luzes verde de gás pulsando.
— ... Ver o cirurgião de Dunston. Aguente firme, homem.
Quase lá.
Por um momento, sua visão melhorou. Ele viu Drayton
sobre ele em uma carruagem. Uma alugada, talvez. As rodas
batiam no pavimento em um ritmo furioso.
— Pegou-o? — Jonas ofegou.
Drayton passou uma mão por seu rosto enrugado e
barbudo.
— Não. Ele se foi. Deixou o arco para trás, no entanto.
Sujeito generoso.
Jonas ergueu o braço ileso e cuidadosamente agarrou a
lapela do casaco de Drayton. Ele puxou o homem para baixo,
assim ele podia escutá-lo melhor. As luzes verdes de gás
estavam diminuindo. Desfocadas.
— Deve ir a Dorsetshire.
— Hawthorn...
— Dorsetshire. — Ele gritou, embora tenha saído como
um chiado irregular. — Ela está em perigo.
Drayton franziu o cenho, os olhos brilhando na luz que
passava.
— Quem?
— Gray. — Ele sussurrou. — Hannah Gray.
— Você está fora de si. Assim que o cirurgião tiver
chance de...
— Prometa-me. — Ele rosnou, sacudindo Drayton com
tanta força quanto ele conseguiu colocar, o que não era
muita. — Deve ir a Dorsetshire. Alertar Holstoke. Protegê-la.
— Aye. Dorsetshire. Partirei à primeira luz do dia.
— Nós. — Ele corrigiu. As luzes verdes se acinzentaram.
Borraram-se, desapareceram.
O seu aperto perdeu força enquanto ouvia a risada rouca
e áspera de Drayton.
— ...idiota, Hawthorn...foi golpeado...malditas flechas,
pelo amor de Deus.
Os olhos de Jonas se fecharam até que a única coisa que
ele viu foi...ela.
— Estou indo. — Ele sussurrou, perguntando-se se ele
não estava falando aquelas palavras apenas em sua mente. —
Não é assim que termina.
CAPÍTULO 18

“Quando eu o aconselhei a assumir novas atividades


cavalheirescas, eu deveria ter sido mais específica: equitação,
arco e flecha. Essas são todas apropriadas. Note que não
mencionei moda feminina.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para Lorde Holstoke em


uma carta que respondia ao pedido do dito cavalheiro por
uma lista de periódicos que serviriam melhor a persuasão
feminina.

Vinte dias após a sua chegada a Primvale, Phineas


recebeu seu terceiro relatório de Drayton. Ele se afastou da
sua mesa na biblioteca e jogou a carta de lado.
Droga.
Esfregando as costas de seu pescoço, ele foi até a janela,
observando o jardim afundado e balançando sua cabeça em
descrença.
Outra mulher fora morta. Desta vez, a vítima não era da
aristocracia e nem mesmo uma criada. Ela era uma
prostituta. Seu corpo foi descoberto dentro de uma casa em
Knightsbridge. A casa estava vazia há anos.
Natural, ele supôs. Poucas pessoas desejariam viver onde
um demônio havia sido abatido com justiça. O demônio era
Horatio Syder – parceiro de sua mãe e sequestrador de
Hannah. Syder havia sido o mal puro, o que explicava porque
Lydia Brand se sentira atraída por ele em primeiro lugar.
Descobrir outra vítima no mesmo lugar onde Syder havia
morrido, não deixava dúvidas sobre as intenções do
envenenador. O canalha tinha fixação na mãe de Phineas e,
por extensão, em Phineas.
Quase ninguém sabia da conexão de sua mãe com
Horatio Syder. Dunston certamente. Um punhado de outros.
Mas o fato de Syder ter sido advogado e parceiro de negócio
dela por anos, havia permanecido secreto, em parte porque
Phineas pagou grandes somas para os oficiais chaves e
editores de jornais. Ele também usou todas as suas conexões
adquiridas em Harrow e Cambridge, incluindo o atual
Secretário de Assuntos Interiores.
Ele poderia ter feito mais para proteger Hannah.
Qualquer coisa. Felizmente, suas medidas foram suficientes.
Até agora.
De alguma forma o envenenador sabia. Sobre Syder.
Sobre a morte dele e sua associação com Lydia Brand.
Phineas, por outro lado, sabia muito pouco sobre o
envenenador. Ele enviara a Drayton numerosas teorias,
incluindo a ideia de Eugenia sobre o boticário ter um
assistente. Drayton questionou pelas lojas das redondezas e
descobriu que um jovem chamado Theodore Neville havia
trabalhado ali por vários anos antes da morte do boticário.
Entretanto, ele desaparecera, os rumores apontavam que ele
fugira para o norte. Drayton, Dunston e Hawthorn logo o
descartaram como envenenador, já que a descrição dele não
combinava com a do infiltrado na casa de Randall.
Além do mais, o envenenador devia ter alguma ligação
com a mãe de Phineas. Ele deve saber produzir os venenos e
deve adquirir os ingredientes dos farmacêuticos. As
concentrações eram muito altas para ser de outra forma. De
acordo com Drayton, Hawthorn fizera um esboço do
envenenador e o carregou a cada botica de Londres. Ninguém
o reconheceu.
Phineas passara semanas tentando esclarecer, seu único
resultado foi a frustração.
Uma leve batida soou à porta. Antes que ele pudesse
dizer uma palavra, a porta abriu.
— Aí está você. — Disse a mulher que nunca deixava os
seus pensamentos. — Pretendo persuadir Hannah a montar
mais do que alguns passos essa semana. Estaremos
praticando nos pastos leste, desde que ela não me ataque com
seu chicote de equitação. Não se alarme.
Ele sorriu. Virou-se. Ergueu uma sobrancelha.
— Isto é uma noz?
Eugenia inclinou o queixo e tocou a grande aba de palha
de seu chapéu.
— Pois, sim. É sim. O tema é “Plante uma semente e eis,
ela cresce.” Você aprova?
Sorrindo, ele caminhou até ela. Ele sorria há semanas.
Nunca gargalhou, riu ou sorriu tanto em sua via toda. Era
ela. Ela o tornava...leve. Apenas vê-la o fazia se erguer uns
três metros do chão. Talvez cinco.
— Sim, Roseira. Aprovo.
— Não acha que é demais? — Seu sorriso permanecia
provocante, mas um fio estranho de incerteza corria por
baixo. Ele sentiu dúvidas similares quando ela lhe mostrara
seu novo local de trabalho: uma sala de descanso perto do
quarto que ela transformara com mesas, prateleiras, blocos
para chapéus e penas suficientes para construir uma
escultura de avestruz do tamanho de um castelo. Enquanto
ela tagarelava, descrevendo todas as razões porque ele não
devia se alarmar com as contas que em breve chegariam à
sua porta, ele observou as mãos dela. Aquele tremor nervoso
o surpreendeu. Ele perguntara sobre os planos dela, se ela
ainda pretendia abrir uma loja um dia.
Ela ficara assustada, aquela incerteza nublando seus
olhos.
— Não. — Disse ela em voz baixa. — Condessas não
abrem lojas assim como os Huxleys.
Ele começara a argumentar que condessas –
especialmente a condessa dele – poderiam fazer o que lhes
agradasse, mas ela o distraiu com beijos e o levou a almoçar
com ela e Hannah perto do lago.
Naquele mesmo dia ele começara a sua pesquisa. Ela
não sabia ainda e talvez ele esperasse para lhe dizer até
terminar suas averiguações. Mas as dúvidas dela o corroía.
Sua Roseira deveria ser destemida, crescendo para qualquer
que fosse a direção que seu coração a levasse. Essa era a sua
natureza, embora alguma coisa tenha obviamente balançado
sua confiança. A dispensa da Sra. Pritchard talvez.
Agora, olhando para seu chapéu de aba larga com folhas,
nozes e fitas, ele sentiu a compulsão em substituir a incerteza
dos olhos dela por seu usual brilho de ousadia.
Ele pigarreou. Cruzou as mãos às costas.
— Eu vi chapéus parecidos com os seus.
Ela piscou. Balançou a cabeça.
— Onde?
— Na edição recente da La Belle Assemblée.
A boca dela ficou redonda. Ela franziu o cenho.
— Por que, se posso perguntar, está lendo uma
publicação conhecida, principalmente, por suas gravuras de
moda?
Novamente ele pigarreou.
— Os artigos são edificantes.
— Phineas.
— Pesquisa.
— Sobre?
— Moda feminina. Chapéus, especificamente.
Silêncio e um olhar perplexo.
— Minhas descobertas são preliminares. O grau para
alguém ter certeza de suas conclusões a respeito das
preferências efêmeras de moda de cabeça é assunto para...
— Phineas. — Desta vez o seu nome emergiu gutural e
suave.
— Suas criações são, até onde posso determinar, estão
no topo da moda. Se desejar abrir a sua própria loja, tenho
poucas dúvidas que teria sucesso.
Embora ele tenha apenas dito a verdade, a respiração
dela acelerou. Uma mão enluvada pousou sobre seu busto.
A reação dela era encorajadora.
— Grande sucesso. — Ele enfatizou, mais uma vez
movendo-se em direção a ela. Ele achava que ela estava feliz.
Talvez sentindo-se amorosa. Essa fora uma excelente ideia.
— Eu gosto do seu chapéu, Roseira.
— Oh, céus. — Os olhos dela ficaram suaves do jeito que
sempre ficavam quando ela acariciava seu rosto ou quando
ele a pegava olhando-o, quando ele estava trabalhando em
sua estufa. — Quantas publicações você...
— O suficiente.
— Quantas?
— Cinco. Vários anos de publicações. — Ele pigarreou. —
Notei um aumento acentuado tanto no tamanho quanto nos
enfeites nos últimos dois anos. As damas parecem gostar de
tais estilos cada vez mais.
O sorriso dela começou lento e cresceu. Cresceu até ela
rir.
— E você gosta de meus chapéus.
Ele assentiu. Desamparado, os olhos dele caíram sobre
os seios dela, redondos e cheios embaixo da seda dourada.
— Eu também gosto do seu vestido.
Ela fechou os olhos e riu de novo, sua mão caindo para
seu ventre.
— Oh, Phineas.
Deus, ele amava ouvir seu nome nos lábios dela. Ele
amava seus chapéus bobos e elaborados. Ele amava tirá-los
da cabeça dela, soltar os cabelos e cheirar a cerejas doces e
escuras.
Ela abriu os olhos. Ele se aproximou dela, esperando
mais. Mais da risada e do brilho dela.
Ela suspirou e depois levou a mão ao peito e gemeu.
— Droga. Eu não posso passar o dia na cama com você,
por mais que eu adorasse. As lições da sua irmã têm sido
muito esporádicas. Nesse ritmo, ela chegará a velhice antes
de aprender a galopar.
Ele a prendeu entre os braços, prendendo-a contra a
porta. Então, ele mergulhou sob a aba do chapéu e capturou
a sua boca. Doce. Linda. Boca deliciosa.
— Phns. Dvms parar. Humm. — Ela empurrou seu peito
do dele e ele se afastou, feliz em ver os olhos dela quentes de
desejo. — Bem, talvez...se formos rápidos... — Eugenia
pressionou a palma sobre o ventre o gemeu. — Não. Não
posso ficar. Sua irmã está me esperando. Levou uma hora no
desjejum para convencê-la a aceitar outra lição.
— Por que está tão determinada que ela aprenda a
montar?
Ela suspirou.
— Às vezes me faço a mesma pergunta. — Ela se afastou
da porta, beijou-o muito rapidamente e se virou para sair.
— Fique à vista dos homens. — Ele alertou.
— Certamente. — Ela abriu a porta e lhe deu um sorriso
perverso por cima do ombro. — Sou sempre uma esposa
obediente, não sou? — Ela arrumou o chapéu e foi embora.
Ele teve que se encostar em uma estante e sacudir a
cabeça como um cachorro sacudindo água, antes que seus
pensamentos racionais voltassem. Sua ereção levou vários
minutos a diminuir.
Nunca fora assim. Seu desejo por ela era uma maré sem
vazante. Certamente, isso poderia ser temporariamente
acalmado depois de uma liberação explosiva. Naqueles
momentos que os braços finos dela se agarravam a ele, suas
mãos acariciavam e o calor sedoso dela o engolia, a paz era
diferente de tudo o que ele imaginou.
Porém, sua fome ressurgia diante da mínima provocação:
um vislumbre de seus quadris nus. Inalar o seu aroma de
violeta. Um fio de sua voz doce dizendo que era hora do
desjejum.
Ele tinha trinta e três anos, pelo amor de Deus. Ainda
assim, sempre que Eugenia estava perto, ele parecia ter
dezessete novamente. Não, pior que isso. Ele recordava ter
dezessete.
Sua necessidade por Eugenia era imprevisivelmente
forte.
Esfregando as costas do pescoço, ele foi até a mesa e
afundou-se na sua cadeira.
Estava confuso com a sua própria obsessão. Ela não era
o tipo de mulher que ele imaginou se casar. Pelo contrário,
Maureen havia sido sua companheira ideal. Eles tinham
muito em comum – o interesse de Maureen em jardinagem e
paisagens quase eram compatíveis com as dele. Ela falava
amorosamente sobre sua família e, uma vez que os conheceu,
ele quis tal família para si mesmo. Ele sabia que ela seria
uma mãe extraordinária. E ela era.
Ele não estivera errado. Maureen fazia mais sentido do
que Eugenia. Se ela tivesse aceitado a sua oferta em vez da de
Dunston, ele suspeitava que teriam tido uma vida bastante
satisfeita juntos.
Com Eugenia, ele não estava satisfeito. Ele era
consumido. Ela alimentava a escuridão dentro dele até que
ela falasse por ele, pensasse por ele e exigisse que ele a
possuísse de novo e de novo.
Ele fechou seus olhos e esfregou a mão no rosto.
Precisava recuperar o controle. A escuridão o endurecia e,
embora ela não tivesse reclamado, ele frequentemente se
perguntava se ela sabia o quão louco ele estava.
Soltando o ar, ele pegou sua caneta e puxou uma folha
de papel. Então ele começou a raciocinar. Ele desenhou
quadrados. Fez listas. Criou argumentos baseados em
evidências dos motivos pelo qual ele não deveria ficar
obcecado por Eugenia. Era argumentos sensatos baseados em
evidências. Racionalidade. Quando terminou, se recostou em
sua cadeira e releu o que escreveu.
As palavras desapareceram. Em seu lugar, a escuridão
mostrava-lhe uma visão de Eugenia – sua linda Roseira –
fazendo bonnets para seus bebês. Exibindo aquele sorriso
malicioso enquanto tirava os grampos do cabelo e o quanto
ela achava estimulante os sabores de erva-doce e menta.
Olhando-o com a boca entreaberta encantada enquanto
estava em pé embaixo de um monte de flores brancas.
Ele esfregou os olhos tentando forçar a visão a ir embora.
Mas, no fim, elas permaneceram, satisfazendo os desejos da
escuridão. Ele jogou sua lista na mesa. Deixou a biblioteca e
pediu a Ross para pegar seu chapéu.
Primeiro, ele foi até o estábulo. Perguntou ao seu
cavalariço qual montaria Hannah escolhera para a sua lição.
O cavalariço assegurou-lhe que Lady Holstoke insistiu em
usar uma égua tranquila que ele comprara seis anos atrás
quando buscava uma esposa. Ele assentiu e, enquanto ele
entrava no pátio do estábulo, parou. Virou-se.
— Qual montaria sua senhoria levou, George?
— Nenhuma, milorde. Ela disse que já que estará
ensinando a Srta. Gray, ela não precisará de nenhuma.
Franzindo a testa, ele seguiu seu caminho em direção ao
pasto leste. Eugenia pretendia ensinar a Hannah? Ele
presumira que ela empregaria da ajuda do chefe de estábulo
ou de um dos cavalariços, todos os quais eram excelentes
cavaleiros. Certamente, nenhum deles era mulher, coisa que
Eugenia certamente era. Em cada centímetro de curvas e
atrevimento dela. E ela sabia como usar a sela lateral.
Ele balançou a cabeça enquanto passava pela fonte da
entrada sul do castelo e seguiu em direção às orquídeas.
Ainda assim, ele não entendia o motivo de Eugenia assumir
tal tarefa. Durante os últimos quinze dias, Hannah recuperou
suas maneiras, mas seguia com sua teimosia em relação às
propostas de Eugenia. O padrão era previsível: Eugenia
sugeriu ensinar Hannah como fazer flores de seda e Hannah
educadamente recusou. Então, Eugenia demonstrou sua
técnica na mesa do café da manhã. Eugenia ofereceu
acompanhar Hannah nas caminhadas diárias dela e Hannah
protestou que ela gostava da solidão. Então Eugenia a
acompanhou todos os dias. Eugenia perguntou se Hannah
poderia lhe ensinar xadrez e Hannah a aconselhou a aprender
com Phineas, já que ele era um jogador superior. Então
Eugenia declarou que ela assistiria os dois jogando.
Tudo era desconcertante: a perseguição de Eugenia, a
frieza de Hannah e o fato de nenhuma das duas discutir o
assunto com ele. Enlouquecedora bobagem feminina.
Ele chegou ao topo da elevação onde as cerejeiras
farfalhavam com os ventos surpreendentemente fortes.
Nuvens se moviam deixando o dia escuro. Ele olhou para o
sul, em direção ao mar. A chuva estava chegando.
Ele olhou para o pasto. À distância, ele as viu. Elas
estavam a meio caminho do vale, Eugenia com seu largo
chapéu de noz e Hannah agarrada a uma sela em cima da
égua cinza. Eugenia liderava o caminho, parando a cada
poucos passos para olhar para cima e conversar com
Hannah, que parecia tanto temerosa quanto descontente.
Ele parou embaixo de uma cerejeira. Encostou seu
ombro sobre o tronco. Observou sua esposa e irmã
negociarem no pasto, a batalha delas. Ficou satisfeito ao ver
três dos homens de Dunston posicionados em intervalos ao
longo dos limites norte e oeste do pasto. Eles também
vigiavam.
Por um longo momento, ele observou as damas,
admirando a coragem de Hannah e a paciência de Eugenia. O
vento aumentou e soprou o chapéu de noz de sua Roseira. Ela
não parou de liderar o cavalo. Quando elas alcançaram o
canto sudeste do pasto, Hannah olhou para cima e começou a
falar freneticamente.
Foi quando o cavalo se afastou de Eugenia que tropeçou
e perdeu o controle sobre a égua. O animal dançou para os
lados. Mesmo à distância, Phineas conseguiu ver Hannah
agarrar as rédeas apertadamente, puxando com força em um
esforço para recuperar o controle. Eugenia correu em direção
ao par na tentativa de pegar as rédeas de Hannah, que se
afastou. A égua movimentou em direção à sua esposa,
derrubando seu pequeno corpo.
O corpo de Phineas ficou gelado. Ele se afastou da árvore
no momento em que ela atingiu o solo. E quando o cavalo
dançou perigosamente perto, o ar cristalizou dentro de seus
pulmões. Ele foi em direção a ela em uma corrida mortal.
Porém, mesmo enquanto ele saltava a cerca, ele sabia que não
era rápido o bastante.
Não havia nada que ele pudesse fazer. A escuridão
rosnou. E finalmente-finalmente – se libertou.

*~*~*

O dia começara de uma maneira tão adorável. Genie


tinha acordado com uma luz do sol brilhante e dourada, céu
azul com tufos de nuvens e a boca de seu marido
mordiscando sua garganta enquanto suas mãos seguravam
seus seios. Como eles estavam deitados na cama dele, suas
costas para ele, ela olhou pela janela em direção ao mar e
saboreou o maravilhoso prazer de suas estocadas.
Céus, como podia um dia ter um começo melhor?
Então viera a relutante revelação de Phineas sobre a sua
‘pesquisa’ sobre moda feminina, obviamente um esforço para
entender a preocupação de Genie com a arte da chapelaria.
Observando sua expressão orgulhosa e infantil, seu coração
ficara quente e suave. Ela se perguntou se um dia, ele poderia
gostar dela como ela gostava dele.
Não. Nunca assim. Seu amor consumia tudo.
Provavelmente era demais para se esperar. Mas amizade.
Companheirismo. Carinho. Estas coisas eram possíveis.
Infelizmente, o prazer e a possibilidade viraram lama e
atoleiro em pouco tempo.
Primeiro veio o desjejum. O chá ficara muito tempo na
infusão e a Sra. Green informou-lhe que eles tinham pouco
presunto e serviram enguia no lugar. Enguia. Ela preferia
comer o prato em que ela fora servira.
Depois, Hannah reclamou por uma hora de outra aula de
equitação. Genie tinha sido forçada a usar ameaças de se unir
a ela em suas caminhadas diariamente em vez de
ocasionalmente. Grunhindo, Hannah concordou.
A lição delas também começara desfavoravelmente. Com
muita persuasão, Genie conseguiu fazer com que a moça
montasse o cavalo. Ela também ajudou a escolher a sela
apropriada e elas circularam grande parte do pasto sem
incidentes. Mas a má vontade deixava Hannah tensa, o que
deixava nervosa a égua calma.
Genie tentou conversar com ela, mas a moça estava
claramente ficando sem paciência com a sua nova cunhada,
ficando petulante em uma tentativa de derrotar os esforços de
Genie.
— Esse chapéu não combina comigo.
Olhando para cima, além da aba larga do próprio
chapéu, Genie olhou para a pequena confecção, um chapéu
de cavalgada simples coberto da lã verde mais escura. Tinha
uma fita de seda verde mais clara e duas pequenas penas
brancas gêmeas perfeitamente costuradas.
— Oh, querida. Você parece adorável. Agora, pare de
fingir que detesta. Afinal, é parcialmente um projeto seu.
Uma quinzena atrás, Genie e Hannah se aventuraram no
mercado da cidade de Bridport, que ficava há alguns
quilômetros a leste de Primvale. Aliviada ao descobrir
civilização muito mais perto do que ela pensara, passou um
dia inteiro convencendo Phineas de que ela morreria se não
adquirisse logo materiais suficientes de chapelaria. Da mesma
forma, ela foi forçada a prometer a Hannah um dia inteiro
livre de sua companhia antes que a moça concordasse em ir
com ela.
Cercada por seis dos homens de olhos aguçados de
Dunston, ambas se sentiram expostas, mas logo que
entraram no armarinho, a excitação de Genie diminuiu o
desconforto. Hannah, normalmente opaca e quieta, aqueceu-
se consideravelmente enquanto Genie mostrava como
poderiam usar aquela fita ou aquela caixa de lantejoulas.
Quando saíram da loja para o armarinho seguinte, Hannah
tagarelava, contando a Genie, as suas ideias para uma nova
reticule para combinar com seu vestido verde folha. Aqueles
olhos pálidos se acenderam e a moça esquecera-se de ser
rude por todo o passeio. O coração de Genie disparou com a
mudança, vendo que os seus esforços estavam, enfim,
ganhando terreno.
Ela ficou ainda mais feliz quando, no almoço uma
semana depois, Hannah concedeu que se sentia melhor tendo
uma refeição ao meio-dia.
— Isso melhorou as minhas caminhadas, acredito. — A
moça confessara. — E meu sono.
Genie domou seu sorriso e assentiu.
— Notei que é parecida comigo, não consegue comer
muito de uma vez. Comer mais vezes equilibra a constituição.
Hannah concordara, depois pediu a um lacaio ao seu
lado que lhe trouxesse outra fatia de pão. Estranhamente, ela
o chamara pelo nome errado.
Genie se inclinou e sussurrou.
— Ned.
— Perdão?
— O nome dele. Ned, não David.
Um pequeno vinco enrugou sua testa.
— Oh. Às vezes me confundo entre um e outro. Phineas
insiste em reorganizá-los tantas vezes.
Desta vez, foi Genie quem franziu o cenho.
— Que tipo de arranjo ele faz?
— Ele enviou duas dúzias de criados para outras
propriedades e trouxe um número similar aqui para substituí-
los. Ainda não tenho certeza dos motivos dele.
Genie também ficou intrigada. Mas Phineas era um
homem peculiar. Ela e Hannah terminaram a tarde juntas
com uma agradável caminhada pela praia. Elas conversaram
por duas horas sem um único momento de discordância.
Agora, entretanto, enquanto elas caminhavam juntas
pelo pasto, Hannah se agarrava ao seu ressentimento com
tanta força quanto colocava nas rédeas da égua cinza.
— Eu não gosto desse chapéu, e nem do seu.
Genie suspirou e acariciou o pescoço da égua enquanto
levava-os através da grama na altura dos tornozelos e uma
trilha de flores silvestre roxas.
— Você percebe que tem vinte e dois anos e não doze.
— O que a minha idade tem a ver?
— Seu comportamento é infantil, Hannah. Outros podem
temer dizer isso, mas eu não.
Um longo silêncio. Então, o ressentimento afiou-se até o
ponto da amargura.
— Casar-se com o meu irmão lhe deu um título, Lady
Holstoke, não a minha guarda. Vinte e dois anos me dá o
direito de administrar os meus próprios assuntos. Não há
necessidade e ainda menos desejo a sua ajuda. Ou de sua
companhia frívola, por falar nisso.
Genie cerrou os dentes, reprimindo a sua irritação e
tentando recordar seus objetivos.
— Casar com Phineas me tornou sua irmã. Irmãs
ajudam umas às outras...
— Maureen é muito mais uma irmã para mim do que
você. — Hannah sibilou. — Phineas deveria ter se casado com
ela. Tudo seria melhor.
A ironia atingiu Genie como um chute no peito. Hannah
quisera feri-la e finalmente encontrou sua arma. Por longos
minutos, Genie não foi capaz de falar. Uma rajada de vento
soprou e tentou tomar seu chapéu. Distraidamente ela o
segurou no lugar e piscou para afastar o borrão em sua visão.
Ela não queria chorar. Ela não choraria.
Após um tempo, ela engoliu a dor em sua garganta e
instruiu.
— Solte um pouco as suas mãos. Lembre-se de usar as
suas pernas para segurar os cepilhos.
— Maureen entende o motivo para eu não desejar
montar. Ela não teria me obrigado a fazê-lo.
Genie não respondeu, mantendo os seus olhos na
elevação que se aproximava.
— Ao contrário de você, ela é bondosa. Boa.
— Relaxe o chicote. Sua montaria reage à pressão.
— Eu detesto esse maldito chicote, Eugenia. — A moça
espetou. — Eu odeio isso.
Novamente as palavras de Hannah machucaram, embora
de um jeito diferente. O coração de Genie ansiava desistir.
Puxá-la do cavalo e segurá-la com força até o passado dela ir
embora.
— Eu sei. — Ela murmurou em vez disso.
O vento voltou. Desta vez, foi bem-sucedido em tirar o
chapéu de Genie. Genie o deixou levá-lo e seguiu em frente.
— Nós...nós devemos parar e pegar o seu chapéu. —
Hannah disse.
Os cabelos soltos voaram para o rosto de Genie.
— Não é importante.
— É sim. Você gastou horas nele.
— Farei outro.
Novamente o silêncio caiu, quebrado apenas pelo
resfolegar da égua, o rangido da sela e o vento que soprava
mais forte.
— Eu roubei um cavalo uma vez, sabia. — A voz de
Hannah era um fio, quase inaudível acima do vendaval. — Eu
esperei até que ele entrasse na casa. Eu sempre conseguia
ouvir quando ele chegava. A bengala. Ele batia.
Genie não teve que perguntar quem era “ele”. Horatio
Syder conseguia atormentar a moça muito depois de sua
morte. Ela respirou fundo, afastando a súbita pressão em seu
peito.
— Um cavalo lhe serviria pouco, já que não sabe
cavalgar.
— Verdade. Eu cai enquanto tentava montá-lo. Então, o
cavalo disparou. Eu o persegui por mais de um quilômetro.
A égua se moveu de lado nervosamente. Genie deu
pequenas palmadas carinhosas no pescoço do animal,
desejando que pudesse acalmar Hannah com a mesma
facilidade.
— Ele me encontrou não muito depois. Estava muito
zangado.
Genie assentiu, mantendo seus olhos em frente
enquanto elas começavam a subir.
— Foi corajoso tentar, Hannah.
— Foi estupidez tentar. Eu não deveria ter feito isso.
— Corajosa. — Genie insistiu. — Agora, você sabe que eu
não mentiria para poupar os seus sentimentos.
Hannah bufou.
— Não. Você não poupa os meus sentimentos.
Genie sorriu. Ela gostou que ela bufasse. Ela gostava do
sentimento, irônico e familiar. A vitória era pequena, mas um
progresso.
À medida que elas se aproximaram da cerca no canto do
pasto, Hannah falou:
— Deveríamos recolher o seu chapéu. Você gostará de
usá-lo da próxima vez que formos a Bridport.
O sorriso de Genie cresceu. Ela assentiu e levou a égua
para cima. Ao chegarem no topo, ela levantou o rosto e notou
que Hannah franzia a testa. Era profundo e alarmado.
— Deus querido. — Hannah sussurrou. — Elas estão
mortas. Estão todas mortas.
Genie seguiu seu olhar. E viu um horror. Vacas – duas
dúzias, pelo mínimo – deitadas imóveis no meio da grama e
flores do pasto vizinho.
— Devemos retornar, Eugenia. Devemos contar a
Phineas.
A agitação de Hannah fez com que a égua se movesse
para cima de Genie. Ela tropeçou para trás, suas botas
deslizando na ladeira da colina. Assim que ela se recuperou,
viu Hannah lutando para trazer o cavalo a seu controle.
Assustada, Hannah puxou as rédeas com muita força e Genie
segurou suas mãos tentando ajudá-la.
Ela mal soube o que aconteceu a seguir. Hannah afastou
o contato. Seu chicote deve ter batido no flanco oposto do
cavalo, pois, momentos depois, o animal de meia tonelada
derrubou Genie de costas, fazendo-a ofegar ao tentar respirar.
O cavalo relinchou. Dançou. Cascos arranharam e
cavaram o solo perto da cabeça de Genie. Um casco pegou um
pedaço do cabelo dela embaixo dele e ela sentiu uma dor
horrível e dilacerante, enquanto rolava para se afastar. Ela
tentou se levantar, mas a única coisa que conseguiu foi ficar
de joelhos e rastejar em direção à cerca. Suas saias a
atrapalharam. Suas mãos cavavam e arranhavam a grama e a
lama do pasto.
Um filete quente escorreu desde sua testa até o queixo.
Ela se agarrou a estaca mais baixa. Arrastou-se para ficar de
pé. Virou-se. Viu a égua empinar. Viu Hannah soltar o chicote
e se agarrar à crina da égua. Viu a garota virar o cavalo
assustado o suficiente para evitar que a cabeça de Genie fosse
esmagada.
— Eugenia! — Hannah gritou. — Afaste-se!
A moça não pediu por ajuda. Ela queria evitar que Genie
se ferisse. O coração de Genie estava cheio e acelerado
quando encontrou sua chance. Ela viu os cascos da égua
abaixarem mais uma vez e então correu para segurar o freio.
Frágil e relinchando, os flancos da égua tremiam. Mas ela
ficou no solo. Não fugiu e nem lutou.
— Venha, Hannah. — Genie disse gentilmente, virando o
cavalo para o lado da cerca. Ela gesticulou para a moça
completamente branca, ainda agarrada às crinas da égua. —
Eu a ajudarei a desmontar.
Hannah balançou a cabeça. Seu pequeno e elegante
chapéu escorreu para o lado.
Genie sorriu para ela.
— Você conseguiu, querida. Você fez isso. Permaneceu
montada. Evitou que esta garota grande caísse sobre mim. —
Ela deu uma palmadinha no pescoço da égua. — Muito bom
para uma novata, ouso dizer.
Lágrimas iluminavam os olhos pálidos.
— V-Você quase foi...
Genie esticou a mão para Hannah e sinalizou para ela
vir. — Venha. Solte a crina da égua. É hora de descer.
Finalmente. Após um longo e doloroso processo para
afrouxar os pulsos, Hannah soltou as rédeas e a égua. Entre
Genie e as estacas, ela foi capaz de descer da montaria. Ela
tremia tanto que suas pernas quase se dobraram. Genie
automaticamente envolveu os braços ao redor da cintura dela
e a segurou. Hannah estremeceu. Depois, sem aviso, os
braços da moça a envolveram. Um pequeno chapéu elegante
caiu no chão. Sua bochecha posicionou-se contra a de Genie,
fria e trêmula.
— Eu pensei. — Hannah sussurrou. — Pensei que a
tinha matado.
Genie a apertou com força e sorriu.
— Não. Você só mata aqueles que merecem isso.
Outra hesitação. Hannah recuou procurando o rosto de
Genie. Uma mão trêmula roçou na trilha vermelha e úmida do
queixo de Genie.
— Lady Holstoke mereceu. — Um brilho duro apareceu
em seus olhos, recordando a Genie de Phineas em seus
humores sombrios. — Ela matou a minha mãe. E papai.
Genie assentiu.
— Tudo bem. E quando encontrou sua oportunidade de
atirar, você aproveitou.
— Sim. Aproveitei.
— E quando aquele monstro a manteve contra a sua
vontade, você aproveitou das oportunidades também.
Uma adorável sobrancelha se ergueu. Adoráveis olhos
pálidos se fecharam.
— Mas não consegui escapar.
Genie a segurou com mais força.
— Você resistiu. Você sabe de quanta força de vontade
isso requer? — Ela fungou. — Muito mais do que montar em
um cavalo ou enfrentar as fofocas das matronas na Rotten
Row. Todos a tratam como papel molhado. Humph. Você é
mais forte do que qualquer um que conheço.
— Você perdeu cabelo, Eugenia.
— Ele crescerá.
Um longo silêncio no meio das rajadas de vento. Depois,
um fraco sussurro.
— Não suportarei.
— Sim. Irá. Se se permitir. — Genie entrecerrou os olhos.
— Pouco a pouco, minha querida. Pouco a pouco.
À distância, ela ouviu os homens gritando. Os olhos de
Hannah arregalaram-se.
— Oh! Nós devemos contar...
— Phineas. — Genie disse, embora houvesse pouco som.
Seu ar se fora.
Hannah se virou e viu o que Genie via: Phineas subindo
a colina, sombrio como se fosse o próprio diabo. Genie deu
um tapinha na cintura de Hannah.
— Leve a égua para um daqueles homens agradáveis
com pistola, sim? — Ela sinalizou em direção a um dos
homens de Dunston mais perto, que evidentemente correra
pelo pasto quando o cavalo empinou. — Falarei com Phineas.
Por que Phineas deveria estar ali no pasto leste, ela não
sabia dizer. Ele devia estar observando. Sempre o irmão
protetor, ela supôs. Tremendo, Hannah se abaixou para pegar
seu chapéu e depois fez o que Genie pediu.
Phineas caminhou até ela com uma fúria negra em seus
olhos. Ela se preparou para um sermão sobre por Hannah em
risco. Mas na hora que ele se aproximou dela, o peito dele
estava ofegante. Talvez pelo esforço. Provavelmente por causa
da raiva.
Ela ergueu uma mão.
— Ante de começar...
— Nem uma palavra, Eugenia. — Sua voz era rude e
afiada. Ele segurou seu antebraço com uma força implacável
e imediatamente a arrastou em direção ao castelo.
— Espere! Pelo amor de Deus, Phineas. — Ela tropeçou
atrás dele. — Vamos! Você deve ver...
— Eu vi mais do que o suficiente.
— O que quer dizer?
Ele a arrastou meio caminho colina abaixo antes de
parar. Ele a puxou para perto.
— Mulher imprudente. — Ele falou entre os dentes. —
Percebe o que quase aconteceu?
— “Os quases” não importam. Solte o meu braço.
— Você é um maldito desastre.
— Imprudente e um desastre. Suas lisonjas viram a
minha cabeça, Lorde Holstoke.
— Você nunca me ouve.
— Não, você é quem não está escutando! — Ela torceu o
braço em um grande círculo até o aperto dele afrouxar. —
Deixe-me. Ir.
Os ombros dele agitaram-se como um cavalo impedido de
fugir. Mas ele a soltou.
Imediatamente ela começou a voltar a subir, parando
brevemente para gritar:
— Bem, acompanhe-me. Não subirei esta colina
novamente porque desejo reviver a glória.
Finalmente ele a seguiu, carrancudo por todo o caminho.
Quando ela alcançou a cerca, apontou para o pasto
adjacente, onde um de seus rebanhos obviamente fora
envenenado.
Ele diminuiu o passo ao chegar ao seu lado. Olhou para
o vale. Seu rosto ficou branco. Endureceu até virar uma pedra
incrustada de gelo.
— Ele está aqui, Phineas. Não sei como e nem o porquê,
mas ele está aqui.
Após várias respirações, ela pensou que ele não falaria
nada.
Então, ele falou. E suas palavras, murmuradas como se
para ele mesmo, cortou o seu coração.
— Eu nunca deveria ter me casado com você.
CAPÍTULO 19

“A embriaguez é frequentemente a causa e não o consolo para


os problemas. Talvez se abandonasse a garrafa por uma
abençoada hora, chegaria a esta óbvia conclusão.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para a seu sobrinho


durante uma discussão com o dito sobrinho lamentando as
perdas nas mesas de azar.

O chão do corredor de mármore se inclinou em um


ângulo estranho. Genie cambaleou e quase perdeu a garrafa
que segurava. Felizmente, as portas da sala de estar estavam
ali. Ela apoiou seu ombro dolorido contra elas e se endireitou.
— Esta sala. Ah, esta sala foi feita para a minha irmã,
Sr. Ross. Ela simplesmente adora seda amarela. — Ela
escancarou as portas e tropeçou para dentro. Lá fora, no
pátio, a chuva batia nas janelas. — Por outro lado, eu não
gosto. — Ela bebeu novamente, a sala girou, amarela e azul,
amarela e azul.
— Minha senhora, talvez devesse sentar...
— Não. — Ela balançou a cabeça e se afundou nas
almofadas azuis. — Oh. Sim. Talvez devesse.
— Posso servir um bule de chá?
— Não. — Ela ergueu a garrafa e sorriu. — Este é para
você, Sr. Ross. Um bom valete. Um verdadeiro cavalheiro. —
Ela bebeu até que o vinho aquecesse seu estômago. — Talvez
devesse instruir Holstoke. Um cavalheiro não deveria dizer a
sua mulher... — Um buraco se abriu. Ela fechou os olhos
contra isso. Respirou até conseguir falar novamente. — Aonde
foi Harriet?
— Ela está lhe preparando um banho, minha senhora.
Genie olhou para baixo, para seu vestido. Arruinado. A
seda dourada estava manchada pela água da chuva e lama do
pasto. Um tufo de grama estava preso em um dos bordados.
— Algumas coisas nunca ficam limpas, Sr. Ross.
O valete se ajoelhou diante dele. Sua cabeça lisa e careca
refletiu a luz tempestuosa das janelas.
— Algumas coisas sim, se trabalhar nelas.
Ela apoiou a bochecha no braço do sofá.
— Eu me esqueci que sou o Grande Fardo Genie. Eu não
deveria ter esquecido. Ele me lembrou. Ou talvez ele sempre
soube. — Ela fechou os olhos. Abriu-os novamente. — Eu não
gosto dessa sala. Embora seja adorável. Muito amarela. — Ela
se forçou a levantar, esperando que a tontura parasse –
amarela e azul, amarela e azul. Em seguida ficou de pé. O Sr.
Ross pegou o braço dela, ajudando-a a manter a dignidade.
Não que isso importasse. A dignidade foi abandonada anos
atrás.
— Obrigada, Sr. Ross. — Ela se soltou e foi para as
portas. — Sua Senhoria pode não ficar feliz por você me tocar,
mas eu sim. Você é um cavalheiro.
— Você é muito bondosa, minha senhora.
Ela pensou que a voz dele soou divertida, mas tudo
estava girando e ela não pôde definir. Vagando pelo corredor e
atravessando um conjunto de portas de vidros em direção ao
pátio, ela levantou o rosto para a chuva. Ela gostava disso.
Gotas frias em sua pele.
— Ele criou para si mesmo um paraíso. — Ela disse,
jogando seus braços e fechando os olhos. — Um lugar
magnífico. Ela amava isso, sabia. Chamava de ‘palaciano’.
Quanta verdade.
— ... talvez um xale...
A chuva caia sobre ela. Esfriando e molhando-a.
Ela contornou a fonte e se desviou de um vaso.
Encontrou outro conjunto de portas. Outro corredor.
Perseguia-a a dor. Perseguia e perseguia. Ela não queria ser
pega. Ela bebeu vinho e balançou a cabeça. Bateu na parede
com o ombro dolorido. Piscou.
— ... minha senhora, por favor. Deixe-me ajudá-la...
Devo seguir em frente, ela pensou. Isso a perseguia e
perseguia. Outra porta. Ela a abriu e encontrou o silêncio
revestido de madeira. Pela janela, ela avistava o jardim
afundado, estendendo-se até o lago. Ao centro, Netuno lutava
contra o vendaval. Ela afundou-se na mesa embaixo da
janela. Deu outro gole.
— Pedirei à Sra. Green para preparar chá, minha
senhora. Um adorável e quente bule de chá.
O silêncio aumentou quando ele saiu. Nesta parte do
castelo, ela podia ver a chuva mais do que ouvia o seu
tumulto. Ela encostou a testa contra o vidro que se embaçou
com a sua respiração.
A chuva viera enquanto ela estava na elevação com
Holstoke. Gotas grossas respingara em seu nariz e bochechas.
Ela ficara adormecida por um minuto ou mais depois do que
ele dissera... o que ele dissera. Então a dor veio, uma
rachadura bem no centro. Ela o chamara de nomes feios e o
empurrou com força. Ela descera a colina ignorando os gritos
dele. Ele enviara um dos homens de Dunston atrás dela. Ela
acusou o homem de ter uma prostitua como mãe.
Mas tarde ela se desculparia. Ela nem mesmo conhecia a
mãe dele.
Agora, horas depois, ela ainda bebia. Suspirou. Antes do
vinho, sua têmpora e seu ombro doíam terrivelmente. O
pânico da égua causara algum dano. Mas nenhuma dor era
comparada ao corte de Holstoke. Era o que a perseguia.
Ela fechou os olhos. Segurou seu estômago. Talvez ela já
soubesse, Ele não queria se casar com ela. Não de verdade.
Não com ela.
Respirando rápido agora. Ela deslizou da mesa
derrubando um candelabro no chão. O baque ecoou no
silêncio. Ela o ignorou. Moveu-se para a cadeira. Colocou a
garrafa na mesa. Descansou os braços ao lado da garrafa e
sua cabeça sobre os braços.
O papel farfalhou quando ela se mexeu. Ela viu
quadrados.
E palavras.
Lentamente, muito lentamente, ela se levantou. Leu as
palavras dentro dos quadrados.
A rachadura se alargou até virar um abismo. Estavam
preenchidos com as palavras de Holstoke: sentimentos que
ela há muito suspeitava, mas esperava que não fossem reais.
Deus, que tola cega e apaixonada ela fora. A esperança é
um veneno viciante.
Em um lado do papel, embaixo do nome de Maureen,
estavam frases agradáveis e verdadeiras: atraente; interesse
em jardins. Companhia agradável, muito admirada e excelente
mãe.
Do outro lado, embaixo da palavra “Eugenia” o registro
pesava em uma direção decididamente oposta: irritante;
irracional; muito ousada; atrai escândalos; mostra pouco
entendimento em botânica, desnecessariamente
argumentativa, muita familiaridade com os criados; teimosa;
provoca os piores instintos masculinos e indisciplinada.
As listas eram longas, seguindo de maneira similar por
várias páginas. Em particular a de Eugenia que tinha duas
páginas a mais de papel. Ele até mesmo notara seus ‘chapéus
‘chapéus absurdos’.
Não era de se admirar que ele lamentava ter se casado
com ela. Lendo a lista. Ela mal conseguia tolerar a si mesma.
A dor da qual fugia a inundou. Empurrou-a no abismo e
uivou triunfantemente.
Ela não conseguia respirar.
Ela não conseguia respirar.
A pressão se formou e ela não podia respirar.
Quando finalmente o fez, foi ofegante. Depois um soluço.
O abismo se abriu ainda mais. Ficou mais fundo.
— Eugenia? — Mãos gentis pousaram sobre seus
ombros.
Ela não conseguiu responder. Apenas ofegar e gemer. Ela
cobriu a boca com ambas as mãos.
Braços gentis a envolveram por trás. Uma bochecha fria
pressionou sobre a sua.
— Não chore, Eugenia. Por favor.
Hannah a segurou e a embalou por longos minutos até
os tremores diminuírem e ela recuperar o controle. Genie não
soube quando a moça pegou a lista de Holstoke de suas
mãos, mas ela se fora. Ela sentiu uma agradável tensão
quando Hannah se afastou, ordenando que Genie usasse seu
lenço.
O pedaço de tecido branco estava borrado a sua frente,
mas ela o pegou. Assoprou seu nariz. Secou os olhos. Sentiu-
se vazia e doente.
Hannah assumiu o comando, seu braço envolveu a
cintura de Genie enquanto a ajudava a subir as escadas para
o seu quarto.
O quarto de Maureen.
A palavra girou em tons de amarelo e azul. Amarelo e
azul. Então, ela foi deitada sobre a cama que ela não passara
uma única noite desde a sua chegada a Primvale.
Distantemente, percebeu que Hannah a ajudava a se despir
até sua camisa, que a moça agora lavava o rosto de Genie
com um pano úmido e quente.
Genie olhou para a sua adorável cunhada, cujas
bochechas estavam marcadas por trilhas brilhantes.
— Sinto muito. — Hannah sussurrou, aqueles olhos
pálidos brilhantes e nus. — Sinto muito por... dizer aquelas
coisas. Sobre Maureen. Sobre você. Eu nunca quis dizer
aquilo. Eu nunca quis, Eugenia, juro.
Genie fechou os olhos. Assentiu. Abriu-os novamente e
olhou para o mar. As ondas tinham topo branco de fúria.
— Eu...Eu desejava manter as coisas como elas estavam.
Depois...do período ruim, Phineas veio para casa. Ele é a
minha família. Meu amigo.
O pano acariciou sua bochecha de novo, gentil e quente.
— Estava errado ao pensar que você o tiraria de mim.
Isso não é o que aconteceu afinal.
Quando Genie não respondeu, Hannah começou a tirar
os poucos grampos remanescente e gentilmente acariciou o
cabelo de Genie. Ela se afastou e depois voltou para escovar
as mechas, tomando cuidado para não puxar muito perto do
machucado de Genie.
— Você é minha amiga agora, Eugenia. E eu sou sua.
Genie fechou os olhos mais uma vez. Os sons da
tempestade diminuíram e por um tempo ela dormiu. Quando
acordou estava sozinha. O céu estava escuro, o mar agitado.
A dor era a mesma: aguda, opressora e insuportável. Ela se
virou para escapar dela, mas ela a perseguia, perseguia e
perseguia. Ela jogou os cobertores de lado e foi para o sofá
encantador, com uma encantadora almofada ornada com
franjas.
A fúria a varreu como ondas. Ela destruiu as franjas.
Arrancou-as. Rasgou a delicada seda bem no meio e jogou a
bagunça sem estofamento do outro lado do quarto. Ela abriu
as portas de vidro e saiu para o terraço, estremecendo quando
as portas se fecharam. As pedras estavam escorregadias e
frias sob seus pés descalços. A chuva colou a sua roupa sobre
a pele em segundos. Ela sentiu o gosto de sal. Ouviu o mar
rugir a sua ira.
Agarrando o balaústre, ela inclinou-se para a frente e
fechou os olhos. Ali fora, no precipício, a dor perseguia,
perseguia e perseguia. Fugir não lhe resultava. Sempre a
encontrava. Enchia o abismo até o topo.
Olhou para baixo. Viu a fonte. Uma serpente e um grifo
lutavam por domínio. A água da chuva caía de seu cabelo por
vários andares até o círculo. Ela observou as gotas descerem,
perguntando-se como algo tão belo quanto amoroso podia
machucar tanto.
Atrás dela, a porta fez ruído ao ser aberta.
E a fúria de outra fonte rosnou:
— O que diabos está fazendo?

*~*~*

Pela primeira vez em semanas, sua cabeça latejava. Ele


raramente ficara muito tempo sem suas dores de cabeça. No
entanto, ele viveu um maldito pesadelo naquele dia. Assistir
Eugenia – corajosa, mas tão pequena – ser derrubada por um
cavalo descontrolado em seguida. Vê-la chegar a centímetros
de... Deus, ele não conseguia suportar. O pensamento de vê-
la ferida, quanto mais esmagada, enviou-o para uma fúria
assassina.
Ele faria qualquer coisa para mantê-la em segurança.
Qualquer coisa. Mesmo que isso a deixasse infeliz por um
tempo. Eugenia tinha que permanecer segura e viva. Isso era
o que importava.
Após a discussão deles, ele passara horas com os
fazendeiros e trabalhadores diários. Eles acharam raízes de
Cicuta virosa, entre as pastinacas usadas como suplemento
alimentar na alimentação diária das vacas. Alguém
envenenara seu rebanho com a maldita cicuta. Aquelas eram
as vacas cujo leite, creme e queijo alimentavam toda a casa.
Ele presumiu que cada pedaço de comida em sua despensa,
estava contaminada, assim ele se livrou do lote. Em seguida,
enviou o cozinheiro e dez lacaios para Bridport para fazer
novo estoque. Enviou os guardas de Dunston com a tarefa de
questionar a todos que tinham acesso ao castelo. Então, ele
ordenou a setenta por cento de seus funcionários restante
procurarem no castelo e em suas terras por sinais de invasão.
Eles voltaram como nada. Malditamente nada.
Pior de tudo, Phineas sabia que isso era um subterfúgio.
O canalha queria que ele ficasse agitado e distraído. Estava
funcionando. Seu corpo zumbia com a necessidade de matar.
Mais cedo, ele enfureceu Eugenia quando ela entendeu
errado algo que ele dissera. Na hora que ele percebeu como as
suas palavras deviam ter soado, ela já lhe informava – em voz
alta – que ele era um ‘tolo sem graça, malditamente maçante’
para tentar uma ovelha, quanto mais uma mulher. Ela
menosprezou ainda mais os seus modos, suas deficiências
matrimoniais e sua masculinidade em termos incrivelmente
perversos.
Sua declaração murmurada e impensada fora dirigida a
si mesmo, não para a sua mulher. Casar-se tinha sido
egoísmo, o ato de um homem possuído por um encantamento
sombrio. Ao reivindicar Eugenia como sua, ele a pôs em
perigo, o que era intolerável.
Mas ele também não devia ter dito o que disse. Ele a
magoara. Intencionalmente. Sua Roseira tinha espinhos em
grandes quantidades, mas ela também era formada de pétalas
doces e ternas e folhas suaves e felpudas. Ela podia ser
ferida. Ele a ferira. No entanto, ele devia reparar o dano.
Enviou um dos homens de Dunston para protegê-la,
pretendendo explicar-se assim que ele lidasse com o gado.
Agora, horas mais tardes, ele descobriu que ela invadira a
adega, levara seu valete em uma perseguição alegre e, no
momento, acomodada em seu quarto. Ele suspirou, esfregou
a nuca e atravessou a porta de conexão com o seu quarto.
O quarto estava envolto em uma luz azul e sombras
cinzas. Ele procurou por ela, vendo a cama bagunçada, mas
vazia. Estranhamente, uma pequena almofada estava no
chão, despedaçada. Então, ele teve um vislumbre de algo
branco. E molhado. E Eugenia – sua preciosa esposa –
inclinada sobre o balaústre no meio de uma tempestade de
verão.
Inferno maldito. Medo, escuridão e raiva emergiram.
Explodiram.
Ele disparou em direção a ela. Escancarou as portas de
vidro. A escuridão falou antes que ele pensasse.
— O que diabos está fazendo?
Ela se endireitou e virou-se. O tecido fino de sua camisa
estava molhado. Grudado. Transparente.
Bom Deus. Ela estava incompreensivelmente bela. Sua
cintura, quadris e seios – todas com curvas primorosas. Ele
afastou sua fascinação e avançou. Precisava levá-la para
dentro antes que ela alcançasse a morte.
— Saia.
A frieza na voz dela o fez parar. Eugenia era muitas
coisas – impetuosa, espinhosa e direta – mas nunca fria. Sua
pele estava branca, seus lábios sem cor. E os olhos. Deus, os
olhos o matavam.
— Eugenia...
— Eu disse para sair. Deixe-me, Holstoke.
Holstoke. Não Phineas. Ele deve tê-la magoado mais do
que percebeu.
— Eu nunca a deixarei.
Ela inclinou a cabeça em um ângulo inquisitivo.
— Por que não?
Porque você é minha, a escuridão rosnou. Ele se recusou
a falar. Ele não ousava revelar sua loucura para ela. Em vez
disso, ele se aproximou, ignorando os arrepios gelados
correndo por sua nuca.
— Entre, Roseira.
— Pare de me chamar assim. — Seu rosto estava branco,
suas palavras calmas. Essa não era sua Eugenia.
— O que eu disse mais cedo... Que eu não deveria ter me
casado com você...Foi um erro.
— Não. — Ela balançou a cabeça devagar. Sorriu sem
sorrir. — Foi a verdade.
— Em um sentido e apenas um. Como minha esposa,
você está em perigo. — Ele bateu no próprio peito. — Eu a
pus em perigo. Se eu tivesse pensado em qualquer coisa além
de quanto eu a quero, o risco a sua vida por parte do
envenenador não existiria. Esse risco me dilacera, Eugenia.
Ela piscou, a chuva voando de seus cílios. Ela respirou
entrecortada e começou a tremer. Um trovão soou. O vento
soprou. A chuva caiu.
— Pelo amor de Deus, mulher. Entre.
— Para onde?
— Para o seu quarto, para começar.
— Não é meu. Assim como você não é meu.
Ele franziu o cenho. Ela não fazia sentido.
— Você está bêbada.
Novamente o sorriso que não sorria.
— E se eu estiver?
— O que quer dizer com o quarto não é seu?
— Pertence a Maureen.
Isso o obrigou a levar a cabeça para trás. Que diabos?
— Maureen não esteve aqui durante seis anos. Além do
mais, ela está casada com Dunston e é mãe de cinco filhos
dele.
— Quatro.
— Cinco. Eu soube com boa autoridade. — Ele balançou
a cabeça e deu um passo à frente, mas ela recuou para o
balaústre, as mãos agarrando-se às pedras em cada lado de
seu quadril. — Isso não importa. Você está casada comigo.
Um dia, será a mãe dos meus filhos, Roseira.
— Não me chame...
Ele parou perto. Inclinou-se para baixo. Apoiou as mãos
à lateral dela.
— É quem você é. Minha esposa. Minha Roseira. Talvez
eu tenha sido egoísta em reivindicá-la. Que assim seja. O que
foi feito, está feito. Agora, eu devo mantê-la em segurança. —
Ele inclinou sua cabeça, respirando água de chuva e violetas.
— E eu irei, minha doçura. Eu prometo que a protegerei.
Ela estava tremendo agora. Seus dentes cerrados por
causa do frio. Estremecimentos destruíam sua forma
pequena.
— Eu...eu nunca duvidei disso. Proteger é o que você faz.
— Entre.
— Não aí. — Ela apontou em direção ao quarto dela. —
Não é meu.
A frustração comia as entranhas dele.
— É claro que é.
— Não. É amarelo. Eu odeio amarelo.
Ele suspirou e esfregou a nuca.
— Então nós mudaremos. Maldição. Tudo isso por causa
de uma cor.
— A cor dela. — Sua garganta ondulou. Sua sobrancelha
franziu. Os olhos brilharam. — Talvez deva adicionar à sua
lista: Eugenia odeia amarelo.
Lista. O gelo correu através de seu corpo em uma onda.
Droga. Ela vira sua lista idiota e desesperada?
Os braços dela envolveram seu ventre. Os ombros
curvados.
Intolerável. Ele se abaixou e a pegou e seus braços. Foi
uma prova do estado de espírito dela que não protestou,
apenas apoiou a cabeça em seu ombro. Embalando seu
precioso peso bem perto, ele atravessou o quarto que ela de
alguma forma decidira que fora desenhado para a sua irmã e
seguiu para o quarto dele. Cuidadosamente, ele a pôs de pé
ao lado de sua cama. Em seguida pegou um par de toalhas,
usando uma para tirar a água de seu cabelo sedoso cor de
mogno. Então, ele tirou a camisa do corpo dela e usou a
segunda toalha para secar sua pele.
Ao terminar, seu corpo estava totalmente excitado, mas
seu corpo podia malditamente esperar. Ele a magoara. Sua
mulher. Sua Roseira. Mais profunda e dolorosamente do que
pensava ser possível.
Ele puxou os cobertores, ergueu-a novamente e a deitou
gentilmente sobre o colchão. Após tirar suas próprias roupas,
ele deitou-se ao seu lado. Ela se afastou, mas ele a pegou pela
cintura e trouxe as costas dela para perto dele. A pele dela
estava gelada e arrepiada. Ele lhe deu seu calor. A abraçou
apertado.
— Escute-me. — Ele sussurrou em seu ouvido. — Você
sabe sobre o que era aquela lista?
— Sim. — Ela murmurou.
— Acho que não sabe.
— Você estava resolvendo as coisas. Nos quadrados. Tal
como um homem peculiar.
O coração dele bateu forte. Ela o conhecia bem. Melhor
do que ele imaginara.
— Eu estava dando a mim mesmos motivos, Roseira. —
Ele se preparou. Segurou-a com mais força; Deus, ele não
queria contar-lhe. Ele não queria que ninguém soubesse. Mas
a dor dela era mais importante do que o seu orgulho. —
Razões sensatas do porquê eu não deveria ser obcecado por
você.
O corpo dela estremeceu junto ao dele. Um choramingo
emergiu. Ela balançou a cabeça.
— Não minta para mim.
Ele beijou sua orelha. Seu pescoço.
— Como eu gostaria que isso fosse uma mentira, minha
doce Roseira.
— É. Sua obsessão é com Maureen...
— Não. Seis anos atrás, eu quis casar-me com ela. Ela
fazia sentido para mim. Uma escolha altamente lógica.
— Ela era seu ideal.
— Naquele tempo, talvez. Eu nunca percebi antes que
uma família como a sua era possível. Maureen abriu meus
olhos. Fez com que eu quisesse algo para mim que nunca
experimentei. Mas do que simplesmente um casamento. Um
caminho diferente, bem diferente do que eu conhecia.
— Por isso você manteve um quarto para ela. — A voz de
Eugenia era fraca.
Ele suspirou e espalmou sua mão sobre o ventre dela,
trazendo seu traseiro mais perto dos quadris dele, assim ela
podia sentir o que ela fazia com ele.
— O quarto foi decorado dois anos antes de eu conhecer
a sua irmã.
— Não pode ser verdade.
— Pergunte a Walters. Ou à Sra. Green. Os jardins não
foram os únicos lugares onde eu quis apagar as lembranças
de minha mãe. A sala de estar havia sido previamente azul.
Mudei para amarelo, pois minha mãe não gostava. Tínhamos
seda o bastante para mudar as paredes do seu quarto. Aquele
quarto era dela. Amarelo pareceu...apropriado.
Timidamente a mão dela deslizou sobre a dele. Ela
suspirou e tremeu.
— Mas isso combina perfeitamente com Maureen.
Ele beijou sua bochecha. Sua orelha.
— Feche os olhos. — Ele esperou até que ela o fizesse. —
Imagine o quarto. — Ele roçou em seu pescoço. — Fez isso?
Ela assentiu.
— Agora imagine-o com paredes vermelhas. O mesmo
tom dos lírios que eu lhe dei em nosso casamento.
Ele prendeu o ar.
— Para quem isso é perfeito?
A respiração dela acelerou. Ela apertou as mãos dele,
entrelaçando os dedos.
— Abra os olhos.
Ela o fez.
— Olhe ao redor.
— Phineas.
— O que vê?
— Esmeralda. E prata.
Ele a cheirou. Violetas e cerejas. Mar e pele. Gentilmente
ele beijou seu ombro machucado.
— Há apenas uma sala que eu mudei por causa de uma
garota Huxley. Preciso lhe dizer qual foi?
— Não. Não pode ser.
— É.
— Eu era apenas uma menina.
— Uma menina que não se importava com os limites.
Que me tratou como um amigo desde o início, dizendo-me que
eu deveria rir mais e usar alfinetes esmeraldas com as
minhas cravats prateadas, porque elas refletiam meus olhos
para melhor.
— Elas refletem. — Ela murmurou, virando sua
bochecha em direção à boca dele. — Você tem olhos
maravilhosos, Phineas.
— Eu não tinha a mínima noção com o que fazer com
você, mesmo naquela época. — Ele sorriu. — Só sabia que
seu conselho estava correto e foi oferecido sem expectativa.
Como isso é raro, Roseira. Para alguém enxergar tão
claramente, oferecer ideias não como moeda, mas como um
presente.
— Eu...não entendo. Sua lista. — A voz dela retorceu-se.
— Páginas e páginas, Phineas.
O peito dele se apertou. Os braços dele apertavam. A
escuridão apertava sobre a única coisa que malditamente
importava: ela. Queria reconhecimento. Queria possuí-la
novamente, reivindicar o seu direito. Seu pênis inchou com a
demanda.
Ela se enrijeceu ao sentir a mudança contra o seu
traseiro.
— Não fique assustada. — Ele disse, embora sua voz
fosse mais gutural do que gostaria.
— A-assustada? Eu...Phineas. — Ela gaguejou
nervosamente. — Eu não entendo.
— Eu lhe contarei. Mas deve ficar. Ficar comigo.
Os dedos dela apertaram o braço dele.
— Prometa. — Ele murmurou. — Por favor.
Ela respirou fundo. Apertou a mão dele entre a dela.
— Prometo.
Ele fechou os olhos. E lhe contou a verdade.
— Existe um tipo de...loucura dentro de mim.
Ela esperou. Respirou. Paciente e calma.
— Ela a deseja loucamente, Eugenia.
O ventre dela ondulou sob sua palma. Os quadris se
moveram de forma fascinante, deslizando sua carne ao longo
de sua extensão.
— Eu tive essa impressão.
— Você não entende.
Ela estalou a língua.
— Bem, isso foi o que eu disse. Prossiga, então. Ajude-
me a compreender.
— Ela a deseja, sim, mas ela quer mais. Muito mais. Ela
quer tudo para si mesma. Não tocar outro homem. Maldito
inferno, ela odeia quando você sorri para outro homem. Ela
quer matar aqueles que a ameaçam. Cortar em pedaços. Ela
fica furiosa quando você é magoada. — Ele beijou o
machucado no ombro dela novamente, precisando do contato.
— Ela é selvagem. Não civilizada. Eu a tenho contido, mas ela
tem crescido até eu mal conseguir pensar. — Ele engoliu em
seco. — A escuridão tem me dominado agora. Noventa por
cento, pelo menos. Não ficará confinada. Eu tentei. Deus,
Roseira. Como eu tentei. Foi por isso que fiz a lista. Eu
precisava equilibrar a obsessão com lógica. Você é a obsessão,
para ser claro.
Ela ficou em silêncio por um longo tempo. Se o corpo
dela não tivesse continuado calmo, o polegar ternamente
acariciando as costas de sua mão, ele teria presumido que ela
ficara assustada. Com razão, ela deveria estar. Mas, em vez
disso, ele concluiu que ela estava pensando. Reunindo as
informações do jeito labiríntico dela. Após uma espera
interminavelmente longa, ele provou estar certo.
— Phineas.
— Sim, Roseira.
— Eu te amo.
O coração dele parou. Então, voltou a bater, batendo
dolorosamente contra os ossos.
— Você me ama?
— Sim. Amo os seus jardins. Suas mãos. Seus olhos.
Sua mente brilhante. — Ela puxou os braços dele até ele
afrouxá-lo o suficiente para ela se deitar de costas e o olhar
com aqueles olhos de gatos brilhantes. — Amo sua natureza
peculiar e a coisa que faz com a língua quando deseja ser
particularmente persuasivo. — Ela sorriu. Gargalhou. Olhou
para ele. — Achei que deveria saber. — Sua mão acariciava
seu queixo com ternura. — Isso pode fazer com o que estou
prestes a lhe dizer seja mais fácil de suportar.
O coração parou novamente. Suas entranhas congelaram
até ele mal conseguir sentir a pele dela. Dormente. Ele estava
entorpecido. Não. Ela não podia deixá-lo. Ela prometeu ficar.
— Roseira. — A palavra saiu sem fôlego.
Os olhos dela encheram-se de lágrimas. Ela sorriu e
acariciou sua bochecha com o polegar.
— A loucura não está separada de você, meu querido. A
loucura é você.
CAPÍTULO 20

“Maridos estão sujeitos ao erro. Por isso Deus inventou as


joias, minha querida.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para Lady Dunston sobre a


reclamação da dita dama sobre o comportamento não
civilizados de Lorde Dunston.

Genie olhou para o amado rosto de seu marido que


parecia como se ela tivesse enfiado suas tesouras no peito
dele. Verdes pálidos mostrou sua negação antes que ele
dissesse uma palavra.
— Está errada.
Ela esperou, observando a confusão dele, a mente
incrível analisando o que ela dissera.
— Essa maldita escuridão não é racional.
— Humm. Então, ela deve estar separada de você. É isso
o que quer dizer?
Ele piscou.
— Sim. Eu sempre preferi a razão em detrimento ao
impulso e à emoção.
— Altamente sensato. Você é um cientista.
Os olhos dele caíram sobre os lábios dela.
— Exatamente. A racionalidade exige rigor. Uma pessoa
deve examinar a sua lógica até as raízes. O grau de desvio de
tal exame está altamente relacionado com os erros e,
consequentemente, com os resultados errados. A razão é o
meio que eu tenho praticado desde que era um garoto em
Harrow. — Ele balançou a cabeça. — Se eu fosse louco, a
racionalidade consistente não seria possível. Além disso,
outros provavelmente teriam percebidos esses lapsos. Meus
tutores. Meus instrutores. Os amigos de Cambridge. Não,
essa escuridão é recente. Começou logo depois de nossa
conversa na loja de chapéus. Suspeito que as dores de cabeça
estão relacionadas de alguma forma, já que elas melhoraram
significativamente desde o nosso casamento. Talvez se eu
desenvolvesse uma fórmula apropriada, como tenho feito para
o meu chá, isso acabaria. Eu devo conduzir mais pesquisas.
— Beije-me.
O nariz dele dilatou-se. Os olhos escureceram e afiaram-
se em direção aos lábios dela.
— Você quer, não quer?
— Eu quero mais.
— Certamente. Mas vamos começar com um beijo.
Considere isso uma pesquisa.
A mão dele deslizou por baixo de sua nuca, envolvendo-a
e levando a boca dela em direção à dele. Céus, como ela
amava a boca dele, quente e deslizante. A língua elegante e
sensual. As mãos, fortes e gentis.
O gemido dela vibrou contra os lábios dele enquanto ela
envolvia os braços ao redor do seu pescoço e mergulhava
mais fundo. Seus mamilos ficaram duros. Enviou um prazer
quente diretamente para seu útero quando eles se esfregaram
no peito dele.
Muito cedo, ele se afastou. Ofegante. Enrubescido.
— O que pretendia provar?
Ela deslizou as mãos pelos ombros dele e desceu pelo
peito.
— Nada. Eu queria que me beijasse.
Ele bufou uma risadinha.
— Atrevida.
— Entretanto, irei propor uma experiência.
— Com qual finalidade?
— Eu demonstrarei que essa ‘escuridão’ que fala é nada
mais do que a sua natureza peculiar, a qual eu já conheço há
algum tempo.
Os ombros dele enrijeceram. Sua respiração parou.
Ela pôs sua palma da mão no meio do peito dele,
apreciando a sensação de sua pele e pêlos pretos e crespos, a
sólida batida do coração.
— Confiará em mim? — Ela murmurou, massageando
seus ombros rígidos, roçando levemente os seus mamilos.
Ele não respondeu.
— Phineas. — Ela deslizou a mão sobre as costelas,
depois quadris. — Deixará que eu conduza a minha
experiência?
Após um longo silêncio e um suspiro profundo, ele
assentiu.
— Bom. Eu lhe tocarei e você me dirá como a escuridão –
não é assim que a chama? — Ela esperou pelo aceno dele. —
Você me dirá como a escuridão reage.
Um vinco profundo marcou sua testa.
— Não é uma boa ideia, Roseira.
— É claro que é. Se recordo corretamente, você
concordou em confiar em mim, Lorde Holstoke.
— Droga.
— Bem, então. Vamos começar. Deite-se de costas, por
favor.
Com relutância, ele virou de costas. Ela seguiu e se
apoiou sobre ele, sua boca pairando perto da dele. Suas mãos
foram para a cintura dela. Apertaram.
— Posso começar aqui. — Ela acariciou a boca dele com
seus dedos. — Seus lábios são... — Um arrepio quente a
atravessou. — Fascinantes.
— Eu poderia usá-la de uma maneira melhor.
Ela sorriu, apreciando o fato de ter estado errada. Ele
não amara Maureen; Maureen havia feito sentido para ele.
Genie, por outro lado, levava-o a loucura. Loucura era melhor
do que fazer sentido. Felizmente, com Phineas, ela poderia ter
os dois. Ela apenas tinha que ajudá-lo a ver isso.
— Mais tarde. — Ela respondeu. — Por enquanto, diga-
me como se sente.
— Excitado.
— Phineas.
— Altamente excitado. Você percebeu que está nua?
— E?
— Não posso pensar quando você está nua.
— Diga-me o que a escuridão pensa.
Os olhos dele se iluminaram.
— Ela pensa que eu devia estar dentro de você.
— Você concorda?
— Maldito inferno, Roseira. Sim.
Ela o recompensou, e a si mesma, com um beijo, longo,
sensual e doce. Quando os arrepios e formigamentos
brincaram sobre a sua pele, ela foi trilhando beijos até a
garganta. Depois peito. Então sua barriga com músculos
duros e pele quente.
— O que a escuridão quer agora?
Ele grunhiu. Os músculos de sua mandíbula e barriga
ondularam e flexionaram-se.
— Tome-me em sua boca.
Ela acariciou o membro longo e duro com a mão antes,
apreciando a textura sedosa e a flagrante necessidade. Com a
bochecha na barriga dele, ela olhou-o nos seus olhos. Verdes
brilhantes, quase eram engolidos pelos centros negros.
— Concorda, Phineas? Você também deseja que lhe tome
em minha boca?
— Sim. — Ele grunhiu, os quadris ficando mais duro em
suas mãos.
Sorrindo em aprovação, ela respondeu à necessidade
dele, e a dela, primeiro lambendo, depois sugando a ponta
arredondada.
— Doce inferno maldito. — A mão dele se enrolou em
uma mecha do cabelo úmido dela.
Ela apertou com firmeza sua base e a coxa musculosa
com a outra mão. Como ela adorava seu sabor – sal, almíscar
e luxúria. Como ela precisava reassegurar o desejo dele por
ela. Cada contorção dos quadris dele causava um calor que
inflava dentro dela, preenchendo-a como uma nuvem. Vibrava
sobre sua pele, corava seus seios, pulsava em seu âmago
enquanto ela o provocava fazendo círculo com sua língua e
longos puxões com sua boca.
— Basta, Roseira. — Ele rosnou, sua barriga tremendo, a
mão em seu cabelo, agarrando e soltando. Agarrando e
soltando. — Basta. Preciso estar dentro de você.
Ela lhe deu uma última e prolongada carícia com seus
lábios, depois encontrou a mão que se segurava aos lençóis e
entrelaçou os dedos com os dele.
— Você ou a escuridão? — Sua própria voz estava rouca
pela excitação.
Antes que ela pudesse piscar, ele a puxou ao logo do
corpo dele e rolou, até ficar por cima dela, os olhos ferozes e
em brasas. Tão rápido quanto, ele separou suas pernas e
puxou seus joelhos para as laterais de seus quadris até ela
estar totalmente aberta e agradavelmente presa embaixo dele.
— Nós dois. — Ele suspirou. As narinas dele se
dilataram. Ele se nivelou à entrada de seu centro, a ponta
quente e insistente. — Deixe-me entrar.
Ela segurou o pescoço dele, seus dedos agarrando-se a
sua nuca. A necessidade de corresponder era dolorosamente
gigantesca, um pulsar ardente. Isso não era meramente fazer
amor. Essa era uma demonstração – uma que ela devia
completar.
— Deixarei. — Ela sussurrou. — Mas antes, responda-
me uma pergunta. A escuridão gosta de saber que você e o
único homem que já esteve dentro de mim?
A cabeça dele caiu para frente e apoiou-se em seu
ombro. Ele grunhiu e beijou seu pescoço.
— Sim. Maldição, sim.
— Por quê?
— Porque você é minha. Apenas minha.
— De quem sou a mulher?
— Minha.
— Eu pertenço a Phineas.
— Corretíssima.
— Você gosta de ser o primeiro? — Ela beijou a orelha
dele. — Você gosta de saber que é o único homem cujos
toques me faz desejá-lo até doer?
Os quadris dele se moveram, forçando vários centímetros
do grosso e duro Phineas para dentro dela. Desta vez, o
grunhido dele foi quase um grito, torturado e oprimido.
Ela remexeu seus quadris, afundando-os no colchão até
que ele saísse dela.
— Responda-me.
Ele se apoiou sobre ela, os músculos de seus braços e
ombros ondulando uma fina tensão. O rosto dele estava
corado, os olhos derretidos. Selvagens.
— Sim. — Cerrou os dentes. — Eu gosto.
Ela deslizou a mão pelo rosto dele. Correu o polegar por
seus lábios.
— Então, não é apenas a escuridão.
— Não.
— Você deseja me manter todinha para si mesmo,
Phineas?
— Sim.
— Você deseja matar o homem que me ameaça?
— Quero cortá-lo em pedaços e espalhar os pedaços no
mar.
Ela envolveu as pernas ao redor dos quadris dele e os
braços ao redor do pescoço. Então, colocou os lábios contra
os deles e sussurrou:
— Tome-me.
A primeira estocada foi dura e profunda. A segunda,
ainda mais dura, a terceira e a quarta, mais ainda, forjando e
preenchendo até sua vagina esticar. À medida que seus
movimentos aceleravam, a fricção ficava escaldante. Anéis
apertados de prazer ondulavam para fora como água. As
mãos dele apertaram sua cintura e seguraram seu cabelo,
controlando os movimentos dela e deixando-a imóvel para
suas investidas furiosas e fortes. Os quadris dele batiam nos
dela, seu membro grosso mantinha um ritmo brutal enquanto
o peito dele roçava e dava prazer aos seus seios.
Deus, como ela amava este homem.
O mero pensamento deixou tudo o que ele acendera
dentro dela ficar em chamas. As chamas cresciam selvagem,
subindo, lambendo o céu. Em uma explosão de chuvas de
fagulhas e combustão, seu corpo paralisou. Arqueou.
Gritando contra a pele de seu pescoço. Ela arranhou as
costas e a nuca dele, incapaz de suportar a intensidade. Ela
choramingou o nome dele, de novo e de novo, enquanto ele a
dominava. Calor e luz. Calor e luz. Calor e luz.
Em consequência, ela sentiu o clímax dele se aproximar
― a impossível dureza dos músculos dele, o ritmo urgente de
suas estocadas, o calor das vibrações de seus grunhidos no
pescoço dela. Acariciando os ombros e as costas, ela apertou
as pernas em volta dele, o corpo dela o envolvendo. Ela o
segurou com tanta força que conseguia e sussurrou:
— Não é loucura. É você. Toda a escuridão. Toda a
racionalidade. Cada parte é você, Phineas. O homem que
amo.
A explosão caiu sobre ele repentinamente, dura e
devastadora. O nome dela foi um rosnado desesperado. Ele
estremeceu, sacudiu e grunhiu enquanto o corpo dele
preenchia o dela.
Ela lhe daria o que quer que ele precisasse: sua boca,
seu corpo e seu coração. Ela não sabia se seria o bastante.
Ela apenas sabia que ele tinha de alguma forma separado sua
natureza fundamental em duas partes, e a parte que ele
desejava negar era a parte que a amava.
Isso não funcionaria.
Ela o segurou com força, acariciando o cabelo e ombros,
beijando a orelha e sussurrando seu amor enquanto ele
tomava seu prazer com uma avidez indecorosa.
Ele era dela. Apenas dela. E ela teria tudo dele. O
cientista. O marido. A escuridão. O homem.
Agora que ela sabia que ele a queria, Eugenia, não
Maureen, e nenhuma outra mulher, ela teria tudo dele, e
nada menos serviria.
CAPÍTULO 21

“Pouquíssimas circunstâncias exigem tais medidas extremas.


Mas essa, ouso dizer, é uma delas.”

A Marquesa Viúva de Wallingham enquanto dispensava sua


mais recente criada, a segunda em um único dia.

A noite chegou cedo graças à tempestade. Sem trovões,


mas cheia de vento. Uivou e sacudiu Jonas em rajadas
furiosas. Ele tentou se recompor na sela e quase gritou com
um lampejo de dor. A chuva o ensopara horas atrás. A
umidade diminuiu o calor de sua pele, que latejava e nublava
a sua mente. Seu ombro e perna estavam sangrando
novamente.
Mas ele estava ali. Por Deus, ele estava ali.
Ele puxou seu cavalo para parar ao lado da fonte do
castelo, respirando e piscando enquanto suas próprias mãos
oscilavam em sua visão. A chuva cascateava pela aba de seu
chapéu. Ele sabia que deveria se mover, mas não lembrava
como.
À sua direita ele ouvir o rangido da sela de Drayton
enquanto o outro homem desmontava.
— Maldito tolo suicida.
À sua frente, ele assistiu Dunston desmontar e
aproximar-se. O elegante conde fez uma careta.
— Espero que isso valha a sua morte, Hawthorn.
Ele abriu a boca para dizer que valia. Ele teria ido mais
longe e sofrido mais para salvá-la. Mas nada saiu. Sua
garganta estava seca. Seu rosto quente. Lentamente ele
piscou.
— Isso doerá. — O alerta de Dunston veio um segundo
antes de ele e Drayton arrancarem Jonas de sela. A dor
explodiu. Não meramente em seus membros, mas em todo
lugar.
Escuridão. Fraqueza. Umidade. Dor, dor e dor.
Dunston que passara seu braço ileso por cima dos
ombros dele, segurou Jonas em pé e o arrastou até as portas
de madeira. As portas se abriram. Um homem de cabelos
brancos fez uma pergunta.
Jonas mal pôde ouvir por causa do vento, da chuva e do
latejar em sua cabeça.
O vestíbulo ecoou, mas não havia mais chuva. Apenas
mais calor. Outros homens chegaram. Lacaios, ele pensou.
Vagamente ouviu Dunston e Drayton conversarem. Dois
homens tentaram pegar seu peso.
Ele grunhiu quando a dor irradiou para fora de seu
ombro e perna.
— Sr. Hawthorn? — Era a voz dela. Pura e suave como a
neve caindo.
Piscando, ele forçou seus olhos a entrarem em foco.
Quadrados cinza e branco se recusavam a focar.
— ... aconteceu a ele? — A voz dela era aguda. Ela soava
angustiada. — Busque o médico de Lorde Holstoke. Agora.
Vá!
Ele piscou novamente. Tentou levantar a cabeça. Cristo,
ele estava fraco. Quente e fraco.
O rosto dela apareceu diante dele, mais pálida que o
usual, mas ainda mais bonita do que ele lembrava. A testa
suave estava enrugada com a preocupação e por medo.
Por ele? Não. Improvável.
Ele precisava dizer-lhe alguma coisa. Como ela era
bonita.
Aqueles lábios parecidos com botões de rosas estava se
movendo. Dando ordens.
— ... ele lá para cima. O quarto azul. Ele não tem
permissão para morrer. — Olhos de luar voltaram-se para ele.
As delicadas narinas dilataram-se. — Isso está claro, Sr.
Hawthorn? Você não morrerá.
A ordem dela foi a última lembrança por um longo
tempo. A coisa seguinte que ele percebeu, ele estava nu e
gritando em agonia. Sem som. O grito estava em sua cabeça.
A luz do fogo iluminava as paredes azuis. O calor pulsava. Ele
forçou seus olhos a se abrirem.
Viu-a. Manchas escuras marcavam a pele embaixo dos
olhos de luar verdes. Tufos de meia-noite enrolavam-se nas
bochechas brancas cremosas. Ela estava sentada ao lado de
sua cama, as mãos cruzadas e retorcidas.
— Mantenha-o vivo, Phineas. — Veio a voz calma e suave
dela. — Faça o que deve ser feito.
Alguém derramou uma bebida fermentada e amarga em
sua garganta. Ele engasgou e lutou, mas não teve sucesso.
Então veio a dor como nunca sentira antes. Desta vez, o seu
grito foi real, cortando sua garganta, ecoando pelas paredes
azuis.
O quarto ficou escuro. Quando a luz voltou, ela estava
ali. Olhos de luar estavam rodeados de vermelho, encarando o
fogo. Ela se balançava para frente e para trás na cadeira,
como se precisasse de conforto. Ele tentou esticar o braço em
direção a ela, mas ele pesava doze toneladas.
Ele estava quente. Malditamente quente e sedento. Sua
cabeça latejava. Inferno, latejava em todos lugares. Ele queria
falar, mas conseguiu apenas um resmungo.
O olhar dela voou em sua direção. Ela se levantou e se
aproximou, suas mãos continuavam se retorcendo na cintura
até os nós dos dedos ficarem brancos.
— Descanse. — Ela advertiu. — Você já fez dano o
bastante a si mesmo.
— P-Perigo. — Ele disse, sua respiração curta em uma
única palavra.
— Eu sei. — Ela respondeu com uma carranca feroz. —
Lorde Dunston nos informou sobre suas descobertas. O que
não entendo é porque você empreendeu está viagem tola após
ser... alvejado. — Os lábios dela ficaram apertados e brancos.
Brevemente, ela fechou os olhos. — Poderia ter morrido.
— Ele está aqui. — Jonas ofegou. Juntou força. — Então,
eu devia estar aqui.
Ela se afastou, os ombros tremendo com a agitação. Ele
a observou se retrair e lutou para focar quando ela entrou nas
sombras no canto do quarto.
— O... o esboço. — Ele ofegou.
— Arruinado. — Ela disse com calma, mantendo as
costas para ele. — Seu s-sangue o ensopou.
Ele fechou os olhos. Droga. Ele teria que desenhar o
canalha novamente quando conseguisse mexer as mãos.
Ela se virou. Deslizou em sua direção. Parou ao lado da
cama com uma compostura perfeita.
— Descanse, Sr. Hawthorn. Meu irmão e Lorde Dunston
garantirão a nossa segurança.
— A sua segurança. — Ele disse, as palavras eram quase
um resmungo chacoalhando em sua garganta seca.
As piscadas dela ficaram mais rápidas, assim como sua
respiração. Aquelas mãos delicadas e elegantes se
entrelaçaram até ele não aguentar mais ver a angustia dela.
Forçou seus músculos a reagir. Esticou o braço. Pegou
as mãos dela. Estava tremendo quando seus dedos roçaram
os dela.
Como se a tivesse queimado, ela estremeceu
violentamente e recuou vários passos. Cruzou os braços na
altura da barriga, afastando as suas mãos. Os olhos dela se
arregalaram como os de uma lebre quando encurralada por
um caçador. Os seios dela subiam e desciam um pânico.
O braço dele caiu sobre o lençol. Ele não conseguiria
mantê-lo levantando por mais tempo e ela, obviamente, não
queria suas mãos repugnantes sobre ela.
Mulher arrogante, extraordinária, inesquecível.
No silêncio a dor diminuiu. Seus pensamentos ficaram
mais pesados e lentos, como se seu corpo flutuasse sobre a
cama.
Logo ele deixou seus olhos se fecharem, mas ele ainda
era capaz de senti-la, fria como um lago no inverno. Tão
malditamente bonita, ela era tanto dor quanto prazer. Calor e
gelo. Força de vontade e fragilidade.
A escuridão penetrou. Ele deslizou em direção a ela com
prazer, a dormência revestindo a dor. Enquanto ela o
encobria, ele imaginou sentir cócegas sobre seus lábios.
Delírio, provavelmente. A febre ou o láudano. Mas parecia
real.
Então, um sussurro, suave e dolorosamente doce.
— Descanse agora, Jonas Hawthorn. — Disse. — Eu não
sou fácil de matar.
CAPÍTULO 22

“A praia em um dia claro é um ótimo lugar para passear,


Humphrey. Em um dia chuvoso, entretanto, é apenas um bom
lugar para se afogar.”

A Marquesa Viúva de Wallingham a seu fiel companheiro,


Humphrey, em resposta à sua preferência por praias,
passeios e chuvas.

A quarta pluma era o ingrediente chave, Genie tinha


certeza disso. Ela esboçou o acréscimo. Semicerrou os olhos.
Franziu o nariz.
Droga. Agora o chapéu parecia bobo.
Suspirando, ela fechou seu caderno de desenhos,
agarrando-o ao peito e olhando pela janela da biblioteca.
Cinco dias após a tempestade, a chuva continuava a piorar.
Para onde fora o verão? Foi levado em direção a um condado
diferente de Dorsetshire, isso era certo.
Ela odiava ficar presa. O tédio a engolia, grossa como
lama. Claro, ela não teria ficado entediada se Phineas e
Hannah estivessem disponíveis. Especialmente Phineas. Ela
suspirou e estremeceu recordando como não fora entediante a
noite passada.
Mas Phineas estava passando os dias investigando. Após
a chegada de Dunston e do Sr. Drayton, assim com o quase
morto Sr. Hawthorn, Phineas voltara todo seu considerável
foco sobre a busca do envenenador. Ele posicionara homens
em cada entrada do castelo. Ele insistira que Genie e Hannah
deviam ficar dentro. Junto com Dunston e o Sr. Drayton, ele
visitara Bridport para interrogar os lojistas, os cocheiros dos
correios e proprietários de casas públicas, pousadas e
tavernas.
Dia após dia, Phineas ficava mais sombrio e silencioso.
Todos eles esperavam o Sr. Hawthorn acordar. Hannah mal
saía de perto do homem em cinco dias. Eugenia havia levado
a Hannah o jantar todos os dias, sentando-se com ela por
várias horas e conversando, principalmente sozinha. Como
Phineas, Hannah se retirava ao silêncio e um foco implacável
em uma única tarefa: manter o Sr. Hawthorn vivo pela força
de vontade.
Várias vezes, quando o Sr. Hawthorn ficava inquieto,
Genie notava que Hannah se inclinava, como se desejasse
tocá-lo. O coração de Genie doía por sua cunhada, que
parecia desolada e partida.
Em Londres, o cirurgião de Dunston havia removido as
flechas que perfuraram o Sr. Hawthorn antes de fechar as
feridas. De acordo com Dunston, o cirurgião fora pessimista
mesmo antes de o Sr. Hawthorn ter insistido em viajar de
Londres a Dorsetshire a cavalo. O médico de Phineas também
duvidava das chances do agente de Bow Street.
— Tolo louco e apaixonado. — Dunston murmurou,
balançando a cabeça. Genie tinha dado uma cotovelada nele e
apontado que se Maureen estivesse em perigo, ele teria feito
tolices iguais. — Talvez. — Ele admitiu. — Pirralha.
Ela virou os olhos e estalou a língua.
Então ele a envolveu em um abraço apertado e lhe disse
que a manteria em segurança, já que Maureen nunca o
perdoaria se ele não o fizesse. Genie não se sentiu
desconfortável até aquele momento. Henry Thorpe raramente
falava assim.
Levantando-se da mesa, Genie vagou até a janela e olhou
para o jardim afundado. A fonte de Netuno jorrava alto no ar.
Ela franziu o cenho, a curiosidade aguçada. Apoiando seu
caderno sobre a mesa, foi buscar respostas. Normalmente,
Genie preferia criar a ler, mas após subir a escada em espiral
para o segundo nível da biblioteca, ela achou um livro com
respostas e ilustrações. Genie gostava de ilustrações. Ela
traçou o dedo suavemente sobre as penas requintadas e o
bico orgulhoso, a musculatura feroz e garras afiadas. Ela
sentou-se no chão, pôs o livro sobre o colo e leu como se fosse
o Sr. Moody ou sua irmã Jane; com completa absorção.
Consequentemente ela não sabia dizer quanto tempo
ficou sentada antes de vozes no corredor atrair a sua atenção.
Era Hannah e Phineas...discutindo? Genie fechou o livro e
franziu o cenho. Sim. O tom de Hannah era estridente, o de
Phineas exasperado. Rapidamente Genie deslizou o livro na
estante antes de descer correndo a escada circular e sair ao
corredor.
Hannah estava tremendo, agarrando papéis em seus
punhos e olhando para o irmão com alguma coisa próxima à
fúria.
— Você está exausta. — Phineas tolamente observou. —
Talvez um dos meus chás possa ajudar. Valeriana officinalis
tem um distinto efeito calmante, particularmente para
mulheres sofrendo...desconforto prematuro.
Genie quase rosnou. Normalmente ela era quem recebia
a enlouquecedora besteira masculina de Phineas. Vê-lo tratar
sua irmã com similar desnorteamento quase a deixava
aliviada, se não fosse por Hannah. Ela observou os olhos da
moça arregalarem.
Oh, Deus.
— Maldição, Phineas! Eu não serei descartada com
presunções idiotas e chá de valeriana.
Talvez Genie devesse intervir. Ela pigarreou. Os dois a
ignoraram.
— Eu já expliquei a lista a Eugenia.
— Mas você não lhe pediu perdão.
Phineas fez uma cara feia.
— Nós já discutimos o assunto dias atrás e o assunto foi
resolvido. Agora, se simplesmente me der os papéis para eu...
Hannah afastou a mão.
— Os chapéus dela não são absurdos!
Ele esfregou o pescoço.
— Hannah.
— E ela pode ser grosseira, mas ela é honesta e
verdadeira.
— Eu não preciso que me fale sobre a minha mulher.
Hannah balançou os papéis perto do queixo dele.
— Isso diz o contrário!
O coração de Genie se torceu. Hannah a defendia. Como
uma amiga faria. Ou uma irmã.
— Dê-me a lista e eu queimarei a maldita coisa. —
Phineas disse.
— Esta não é a solução. Você deve se desculpar.
Ele piscou.
— Eu o fiz.
Finalmente um deles notou Genie. Hannah virou-se para
ela com os olhos vermelhos.
— Ele o fez?
Genie hesitou antes de responder.
— Ele me explicou porque a escreveu.
Phineas suspirou.
— Viu? Sua reação exagerada é completamente
desnecessária...
— Mas ele não se desculpou. — Genie terminou. — Não
com estas palavras.
Hannah assentiu e se aproximou de Genie, estendendo-
lhe os papéis amassados com uma mão trêmula.
— Como eu pensei. Ele deveria, Eugenia. Isso é o mínimo
que merece.
Genie pegou a lista, mas ela segurou também os dedos
de Hannah. Eles estavam frios e trêmulos.
— Obrigada, minha querida. — Ela apertou e sorriu. —
Como está o Sr. Hawthorn?
As narinas de Hannah inflaram. Os lábios ficaram tão
brancos quanto a pele dela.
— Ele...ele ainda não acordou. O médico está com ele
agora. Ele diz que se a febre não baixar logo, ele
provavelmente...
Genie avaliou o cabelo desgrenhado de sua cunhada e
seu vestido amassado. Hannah estava mais despenteada do
que ela já vira.
— Você já comeu?
Hannah balançou a cabeça, os olhos atordoados. A moça
esguia começava a desmanchar de exaustação.
Gentilmente, Genie a puxou para perto e segurou seu
cotovelo.
— Bem, esse é o problema. Tudo melhora com uma boa
refeição.
Um pequeno bufo.
— Você sempre diz isso.
— Apenas porque é verdade.
Suspirando, Hannah alisou os fios negros que caiam ao
longo de seu rosto. Então olhou para baixo, para sua saia de
musselina com raminhos verdes, a que usava há dois dias.
— Talvez um banho também.
Genie deu um “humm” não comprometedor e empurrou
sua cunhada – não, sua irmã – em direção à criada pessoal
dela, que pairava discretamente atrás de uma urna nos
últimos minutos.
— Vá com Claudette, agora. Coma. Descanse. Deixe o
médico fazer o trabalho dele. Eu conversarei com Phineas.
Hannah assentiu e partiu.
— Malditamente não compreendo.
Diante da reclamação murmurada de seu marido, Genie
se virou.
— Qual parte?
— Qualquer uma.
Ela parou. Ouviu. Sorriu.
— A chuva parou.
— Ela mal conhece Hawthorn. Eles conversaram um
bocado de vezes. Ela está se comportando como se a morte
dele pudesse...
— Phineas. Vamos dar uma volta juntos.
Ele olhou feio para ela, a mancha ao redor dos seus
olhos e testa sinalizavam sua frustração.
— Devo voltar às minhas pesquisas.
Ela enlaçou o braço ao redor do dele e o puxou em
direção ao vestíbulo, parando para recolher o bonnet, que ela
deixara na mesa do lado de fora da biblioteca.
— Não. Você precisa passear comigo. Preciso escapar
deste castelo.
Ele a deixou levá-lo para fora, embora relutante.
— Para onde iremos?
— À praia.
Ele suspirou impacientemente.
— Dê-me a lista.
Ela enfiou o quadrado dobrado em sua longa manga.
— Não.
— Maldição, mulher.
Arqueando uma sobrancelha ela atou as fitas de seu
bonnet embaixo do queixo e o puxou pela fonte da entrada do
castelo.
— Nós temos assuntos a discutir.
— Eu não quero discutir. Nem quero andar até a praia.
Apreciaria, entretanto, levá-la para a cama.
— Talvez mais tarde.
As narinas dele dilataram-se.
— Dê-me a lista, Eugênia.
— Não.
— Quero queimá-la.
— Às vezes, o que queremos não é o que deve ser.
Ele ficou calado, mas continuou andando. Eles
atravessaram os jardins sul ao longo do túnel de uvas e
saíram onde a grama molhada crescia alta na falésia. Phineas
segurou a cintura de Genie enquanto ela descia a trilha do
penhasco. Embora desgastada pela chuva e vento, ela fora
esculpida alternando encosta e degraus que serpenteavam a
face do penhasco até Primvale Cove. O vento a golpeou
levando suas saias para o meio de suas pernas. Mas Phineas
sempre estava ali, suas mãos a equilibrando e seus passou
firmes levando-a em segurança.
Ela apoiou a mão contra e pedra quando uma brisa
úmida fez suas saias enrolarem e diminuírem seus passos.
— A primeira vez que visitei a praia. — Ela começou
acenando um agradecimento pela ajuda dele em um ponto
escorregadio. — Pensei que deve ter levado anos para esses
degraus serem esculpidos.
— E levaram. — Ele respondeu. — Antes o caminho era
de fato traiçoeiro.
Ela estacou. Eles caminharam, talvez, dois terços do
caminho para baixo. Segurando o braço dele, ela suspirou e
olhou para o Canal, brilhando cinza sob o céu nublado.
— Tão belo.
— Sim.
Ela olhou para cima e encontrou os olhos dele sobre ela,
queimando intensamente. Ela engoliu em seco. Sentiu as
bochechas queimarem. Forçou-se a ficar no caminho que ela
estabelecera para eles. Quando finalmente chegou à praia, ela
correu em direção à margem e girou, rindo.
— Como poderia qualquer lugar ser mais esplêndido do
que esse, Phineas? — Ela gritou acima do bater das ondas.
Ele não respondeu, apenas olhou-a, sem sorrir.
Ela tirou seu bonnet. Soltou os cabelos dos grampos.
Estendeu os braços para os lados e girou, erguendo o rosto
para o céu.
— O que está fazendo, Roseira? — Sua voz estava mais
perto agora.
— Espojando-me, Phineas. Estou me espojando.
— Não poderia se espojar na minha cama?
Ela parou. Riu sem fôlego. Olhou para seu marido.
Ele não estava rindo, nem mesmo sorrindo. Em vez
disso, parecia faminto. Perdido.
— Eu te amo. — Ela disse em voz baixa.
A testa dela franziu de um jeito que parecia dor. Ainda
assim, ele não disse nada.
Ela cruzou a areia suave e pedras redondas tirando
longas mechas de cabelo do rosto. Quando parou a
centímetros do marido, viu a batalha que ele travava. Sentiu o
tumulto brilhando em seus gloriosos olhos pálidos.
— Eu te amo. — Ela disse novamente.
O peito dele estremeceu, os olhos pareciam
desesperados.
— Todas suas partes.
Ele virou o olhar para a água.
— Não deveria.
— Por quê?
Mais uma vez ele ficou em silêncio, sua mandíbula
apertada.
Suspirando, ela segurou a mão dele e o puxou para onde
as ondas arranhavam a areia.
— Eu li um bocado hoje cedo. — Ela deu uma risadinha.
— Eu sei. Eu sei. Um pouco incomum para mim, mas estava
curiosa sobre algo. — Ela balançou a mão dele. — Pergunte-
me sobre o quê.
— Sobre o que estava tão curiosa?
— Grifos.
Ele congelou. Ficou imóvel. A mão ficou frouxa entre a
dela, mas ela se recusou a soltá-lo.
— Você sabe o que eles são?
A respiração dele acelerou. Os longos músculos do
pescoço pareciam cordas. Ele piscou-lhe como se ela tivesse
plantando seu punho em seu estômago.
— A águia e o leão, as duas raças mais nobres, unidas
em uma criatura extraordinária.
— Pare, Roseira. — Suas palavras ficaram perdidas,
levadas pelo vento.
Mas ela as ouviu.
— Grifos são protetores. — Ela continuou. — Ferozes e
corajosos. Melhor não os desafiar, pois eles matarão
selvagemente àqueles que tentarem machucar qualquer coisa
ou qualquer um que lhes importe.
Um olhar atormentado foi sua resposta.
— Eles também se acasalam para o resto da vida, ou
assim diz a lenda. — Ela sorriu e o puxou para ela, alinhando
seus antebraços e pulsos enquanto entrelaçava os dedos nos
dele.
— Eu gostei especialmente deste pedaço.
A água molhava os pés deles, encharcando os sapatos
dela. Genie não se importou. O seu marido precisava parar de
lutar consigo mesmo. Isso o estava rasgando.
Ela fixou os olhos nos dele, recusando-se a abandoná-
los.
— Você apagou todos os vestígios dela, Phineas. Os
jardins. As paredes de seda azul. Mas não a fonte. — Ela
inclinou a cabeça. — Por que isso?
— Eu deveria tê-la impedido.
Ela esperou.
— Eu deveria ter visto o que ela era e tê-la impedido.
— Mas você viu isso.
Ele balançou a cabeça, claramente confuso.
— Você queria que ela morresse. Não foi isso o que me
disse? Tanto tempo, quanto se lembra. Isso quer dizer que,
mesmo quando criança, sentiu o mau dentro dela.
— Não. Eu...eu a odiava.
— Claro que odiava. Você é um protetor, Phineas. Essa é
a sua natureza. Os protetores não conseguem suportar
ameaças em seu meio.
— Como pode falar sobre a minha natureza com tanta
certeza? Você não tem ideia da escuridão dentro de mim.
A dor dele a rasgou. Ela levou a mão dele aos seus
lábios, beijando os nós dos dedos e acariciando seu braço,
dando-lhe o conforto que podia.
— Eu duvido da minha própria insanidade, Roseira. — A
confissão sussurrada quebrou o coração dela.
— Nunca duvide disso. — Ela disse ferozmente. — Você
me perguntou como posso ter certeza sobre você. A resposta é
que eu o conheço desde o início. O que acha que eu quero
dizer quando me refiro a sua natureza peculiar?
Ele olhou feio e piscou.
— Meus interesses em plantas, suponho.
Ela bufou.
— Lorde Gilforth tem interesse em plantas. Assim como
Maureen.
— Então, o que quer dizer?
Ela esticou a mão para acariciar o queixo dele, unindo
seus pensamentos antes de explicar.
— Você tem duas partes em um homem. A primeira
parte é a cabeça: Claramente da visão, precisão e foco. Essa é
a parte que prefere mostrar ao mundo. — Ela pousou a mão
sobre o peito dele. — Mas há uma parte, meu amor. A sua
parte coração. A protetora. A guerreira. Aquela que reconhece
o mau e anseia por sua morte.
— A escuridão.
Ela sorriu. Acariciou o peito dele com sua mão.
— Sim.
— Ela não é civilizada.
— Nem um pouco.
— Irracional.
— Oh, sim. — Seu sorriso aumentou. — E ela...não. Você
é magnífico.
Por longos minutos, ele a encarou. Depois a mandíbula
suavizou o aperto. O pescoço lentamente relaxou. Ele
suspirou, longa e profundamente.
— Quando era criança, eu vinha frequentemente aqui. —
Ele virou o rosto além dela, em direção à uma pedra grande
arqueada no mar como um dragão bebendo água. — Ela
exigia que eu ficasse fora de sua vista quando meu pai estava
fora. — Os deles dele apertaram onde estavam entrelaçados
com os dela. — Eu sonhei com a morte dela de novo e de
novo. Eu sonhava ser o grifo. Rasgando a serpente e jogando-
a ao mar.
— Tais sonhos assustariam qualquer um, quanto mais
um menino. Mas ela merecia esse destino, Phineas. O que
acha que é escuridão é apenas o seu instinto.
— Eu deveria ser capaz de controlá-la.
— Você a controla. Ela é você, pelo amor de Deus. — Ela
estalou a língua. — Se parasse de tentar com tanta força
negar a sua própria natureza, poderia descobrir que os
instintos lhe servem muito bem. — Ela fungou. — Certamente
tem servido a mim.
— Você.
— De fato. O que acredita que me levou até você?
— Isso também a levou a fazer experiências com um
maldito lacaio.
Ela sacudiu a cabeça.
— Isso não foi instinto. É precisamente o que estou lhe
alertando.
— Como assim?
— Eu neguei a minha própria natureza. Todos esperam
que a filha de um conde na idade de dezenove anos faça sua
apresentação, tenha uma temporada, dance, faça bonitos
elogios e pense com propriedade. — Ela rolou os olhos. — Isso
se parece comigo?
Sua boca se repuxou.
— Não. Bem, talvez dançar.
— Eu tentei desesperadamente ser o que todos
esperavam. Outra garota Huxley que se casa bem e se
estabelece na benção doméstica. Mas eu nunca fui igual a
Annabelle ou Jane.
— Ou Maureen. — Ele disse suavemente, seu polegar
acariciando as costas da mão dela.
Ela fungou e ergueu o queixo.
— Exatamente. Eu era diferente. E, em vez de
permanecer firme nesta ideia, como deveria ter feito, eu
nivelei a minha vida como a delas. Este foi o meu erro. O
escândalo foi simplesmente a consequência.
Os olhos dele ficaram curiosos.
— O que teria feito de diferente, se pudesse?
Ela deu de ombros.
— O que estava fazendo quando o pobre pug de Lady
Randall comeu o seu chapéu.
Ele franziu o cenho.
— Trabalhar?
— Aprendendo. Descobrindo como administrar uma loja
por conta própria. — Ela se aproximou, alinhando seus
corpos, assim ela poderia sentir o calor dele. — Agora, é a sua
vez. O que teria feito de diferente?
Olhos verdes pálidos se acenderam.
— Eu nunca teria escrito esta maldita lista.
Ela o soltou para pegar a lista de sua manga.
— Você quer dizer, esta aqui?
— Droga. — O nariz dele dilatou-se ao ver o papel. —
Sinto muito, Roseira. O pensamento de como eu a magoei,
maldito inferno, é uma agonia. Por favor, perdoe-me.
— Oh, já perdoei.
— Perdoou?
— Sim. Sou uma mulher muito generosa. Eu deveria ter
mencionado isso antes. — Ela balançou o papel dobrado. —
Agora, então, quando escreveu esta lista, qual era o objetivo?
Um vinco na testa.
— Controlar a escuridão.
— Isso! — Ela bateu no peito dele com a lista. —
Percebe? É precisamente isso!
Ele balançou a cabeça confuso.
— A tentativa de sufocar a sua verdadeira natureza o fez
agir de uma forma que o levou a lamentar-se.
— Mas eu devo controlá-la. Se não o fizer, nunca sairá
da minha cama. — Ele pareceu genuinamente confuso, o
motivo pela qual a gargalhada dela começou. — Estou falando
sério.
Ela segurou a barriga e tentou parar, mas não
conseguia.
— Eugenia. Sobre o que diabos está rindo?
— De você. — Ela ofegou, secando uma lágrima. Deu
várias respirações profundas e soltou uma risadinha final. —
É como se estivesse dizendo: “por causa da minha fome,
deverei comer um presunto inteiro de uma vez.” O que pode
soar adorável, mas uma pessoa sensata sabe como
administrar tais impulsos, assim, a pessoa não vomita à mesa
de jantar.
— Você certamente não tem ideia de quanto eu lhe
quero.
Ela estalou a língua em desaprovação.
— Que bobagem.
— Ou a extensão a qual iria para mantê-la só para mim.
Ela apoiou as mãos nos quadris.
— Tais como?
— No dia anterior ao nosso casamento, eu reorganizei
toda a equipe masculina de Primvale.
Ela piscou, recordando a menção de Hannah a tal
medida.
— Você...você fez isso por...
Ele assentiu.
Ela arregalou os olhos. Oh, Deus.
— Você contratou criados feios por minha causa?
— Não, eu realoquei de outras propriedades. Eu tenho
muitas.
— Criadagem?
— Propriedades.
— Humm. — Ela estreitou os olhos sobre ele. — E você
escolheu homens feios por qual propósito?
Ele ficou distintamente desconfortável.
— Para manter os seus olhos ao local a que eles
pertencem.
Ela ergueu uma sobrancelha.
— Sobre o seu marido.
— O qual, para esclarecer, é você.
A intensidade que ela via nos olhos dele quando faziam
amor, brilhou ali agora.
— Sim. — Ele falou entre os dentes. — E você é minha.
Lentamente, o sorriso dela começou. Então ficou maior.
— Bem, tudo isso é muito primitivo, não? — Ela
caminhou até ele, seus pés afundando na areia molhada. —
Você é um homem muito possessivo, Lorde Holstoke.
— Apenas com você.
— E eu reservo os meus olhares luxuriosos apenas para
você, então me cercar de homens feios, foi quase
desnecessário, não diria?
Ele assentiu, os olhos eram uma mistura extraordinária
de calor e posse.
Ela balançou a lista perto do peito dele.
— O que gostaria de fazer com isso?
Sua resposta veio profunda, dura e sem hesitação.
— Rasgar em pedaços.
O sorriso dela ficou mais largo.
— E?
— Atirá-la ao mar.
Ela levantou o papel em sua palma.
— Então faça isso, Phineas.
Ele piscou. Uma batida do coração depois, ele pegou as
páginas e as rasgou em pedaços. Depois, ele caminhou para o
fundo, para as ondas e jogou os pequenos pedaços na água.
Os ombros dele estavam pesados no fim. Talvez de frio. Talvez
por ele ter tomado uma decisão.
Ela sentiu aquilo. Viu a mudança nos olhos dele. Ela
andou até as ondas e parou ao seu lado enlaçando os dedos
com os dele.
— Muito bem, meu querido.
O peito dele pesou várias vezes.
— É impossível para mim explicar o quanto eu a amo,
Roseira. — Ele olhou para ela, os olhos incendiando. —
Impossível.
Ela sorriu para ele com todo o amor que brilhava dentro
dela, um sol inteiro queimando forte e quente.
— Então você simplesmente terá que oferecer evidências
até que eu seja totalmente convencida. Um homem da ciência
não faria menos.
A onda seguinte atingiu os joelhos dela enquanto ele
segurava seu rosto e a beijava com uma ternura maravilhosa.
Talvez fosse esse o motivo pelo qual ela mal pôde ficar de pé
quando ele terminou. Ou talvez fosse ele, Phineas, e seus
lábios fascinantes.
— Levá-la-ei para a cama agora. — Ele sussurrou.
Incapaz de falar, ela assentiu. Subitamente ele se
abaixou e a ergueu acima das ondas antes de caminhar
rapidamente em direção ao penhasco, as saias pingando água
do mar. Ela estava rindo e lhe dizendo para pô-la no chão,
que não seria possível ele carregá-la todo o caminho trilha
acima, quando algo chamou a sua atenção. Uma sombra
entre a grama no topo do penhasco. Parecia um homem, alto
e magro, segurando alguma coisa longa, fina e curva.
— Phineas?
Ele franziu o cenho diante do tom dela e a pôs de pé.
Ela piscou. E a figura sumiu.
Ele olhou para cima, na direção que ela olhava
fixamente.
— O que foi?
Um calafrio se instalou.
— N-nada, eu acho. Apenas uma sombra. Talvez um dos
jardineiros.
A mandíbula de Phineas se endureceu. Ele pegou a mão
dela e a puxou encosta acima. Quando terminaram a longa
escalada até o topo, as saias e sapatos úmidos de Genie
haviam acabado com qualquer calor que sentira nos braços
de Phineas. Ele a puxou rapidamente pela grama alta, mas
quando eles passaram pelo ponto onde ela vira a sombra, ela
não conseguiu evitar puxá-lo para uma parada.
— Foi aqui que o viu? — Phineas perguntou calmamente.
— Sim. — Não havia nada além de grama agora.
Phineas foi examinar o ponto.
— Sem pegadas na lama. — Ele notou. — Sem grama
pisoteada.
Ela franziu a testa. Ela imaginara?
— Talvez tenha sido simplesmente uma sombra
estranha. A brisa às vezes move a grama de maneira
estranha.
— Venha, amor. — Ele disse voltando ao lado dela e lhe
oferecendo sua mão. — Vamos retornar ao castelo e deixá-la
quente e seca.
Ela olhou ao seu marido cujos olhos e mãos
continuavam firmes. Fortes. E ela soube, o que quer que ela
tivesse visto – um jardineiro, o envenenador ou uma sombra –
Phineas a protegeria. Ele protegeria tudo o que considerasse
dele.
Lentamente o seu sorriso voltou. Ela pegou a mão dele.
— Paredes e uma cama, hein?
— Principalmente uma cama.
Ela se esticou nas pontas dos pés para beijar seu
magnífico grifo, demorando um longo e doce tempo.
— Com uma oferta tão tentadora, como posso recusar?
CAPÍTULO 23

“Como previamente notei, maridos requerem uma mão


cuidadosa. Mas se a esposa faz seu trabalho com diligência e
inteligência, um homem pode encontrar a si mesmo sendo
refeito pelas mãos dela ante de perceber que ela removeu as
luvas.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para Lady Katherine


Huxley em um almoço semanal cheio de conselhos sonoros e
inteligência feminina.

Do outro lado do quarto, Phineas examinou a forma nua


de Eugenia. Ela dormia com a barriga para baixo no meio dos
lençóis amassados, ombros pálidos e a curva da coluna nua e
iluminada pelo sol. Seus quadris perturbadores estavam
cobertos por seda prata e veludo verde. Um pé pequeno saia
de baixo do cobertor.
Seu coração ainda estava em carne viva. No dia anterior,
quando ela o levou à praia, ele pensou que enlouqueceria,
apesar das garantias dele do contrário. Com sua teimosia
usual, ela se recusou a aceitar a conclusão dele. Em vez
disso, ela sistematicamente o abrira e o forçara a se auto
avaliar mais profundamente.
Talvez tenha sido o cenário, a persistência de Eugenia ou
a anomalia de discutir com Hannah, mas quando ele ficou de
pé na margem do mar com a mulher que amava, ele sentiu
como se o tempo tivesse revertido. Novamente se viu um
menino, sentado entre a areia, pedras e água, tentando
prender a escuridão dentro de caixas. Mas desta vez, ele não
estava sozinho. Eugenia estava ali, assegurando-lhe que não
havia necessidade de caixas, porque a escuridão não era
fraqueza, mas força. Sua força.
Ele era um protetor, ela dissera. Era sua natureza, assim
como a natureza das folhas procurarem o sol, água para
limpar, raízes para ancorar e ramificar. A natureza tinha
padrões. O dele fora definido há muito tempo.
Ele se abaixou e depositou um beijo sobre a bochecha
dela, perto do ponto onde seu cabelo fora arrancado. Sua pele
já estava se curando. O cabelo cresceria. Ele beijou o ombro e
saboreou o calor suave dela contra seus lábios. Sua preciosa
mulher.
Sim, ele era um protetor. Ele sentia o conhecimento
surgir dentro dele agora, como aço até o seu âmago. O que
quer que acontecesse, ele a manteria em segurança. Esse era
o motivo pelo qual nascera.
Ele fez uma última carícia, na brilhante seda cor de
mogno e depois se forçou a deixar o quarto. No andar de
baixo, na sala de desjejum, ele encontrou Dunston e Drayton
comendo ovos cozidos e discutindo a averiguação de Drayton
ao penhasco.
— Sem sinais de um homem. — Drayton disse após
cumprimentar Phineas. — Todos os jardineiros dizem que não
estavam perto do penhasco quando você e Lady Holstoke
foram à praia. — Drayton deu outra mordida, engoliu e
continuou. — Tem certeza do que ela viu, milorde?
— Sim. — Phineas respondeu sem hesitar. — Minha
esposa viu um homem. Não tenho dúvidas sobre isso.
Drayton meramente assentiu, mas Dunston lançou um
olhar irônico a Phineas.
— Eugenia é conhecida por cometer erros de tempos em
tempos, Holstoke.
Phineas balançou a cabeça.
— Não neste caso. Ela não é o tipo fantasiosa e seus
instintos são sólidos.
O sorriso de Dunston era aprovador.
— Então, esse é você escravo do amor, hein, velho
camarada?
Assentindo, Phineas bebeu seu chá e sorriu de volta.
— Bom. — Os olhos de Dunston ficaram sérios. — Cuide
dela.
— Cuidarei. — Mais uma vez, ele sentiu a certeza de
suas palavras, como elas ressonavam através dele como
música.
— Agora, então. — Dunston continuou. — O canalha
deve estar perto. Onde não procuramos?
— Há cavernas nas redondezas? — Perguntou Drayton.
Phineas balançou a cabeça.
— Nenhum que eu já não tenha procurado.
Na verdade, eles procuraram em todos os lugares, na
propriedade inteira de Primvale, nas cabanas e fazendas ao
redor, nas duas vilas a uma caminhada de distância,
pousadas e pensões em Bridport. Eles não encontraram
nenhuma pista do envenenador, mesmo com a descrição de
Dunston do homem, recolhida do esboço de Hawthorn.
Phineas olhou para o seu chá. Viu alguns pedaços de
ervas – erva-doce, menta e tanaceto – flutuando na superfície.
Ele havia formulado o chá para tratar das dores de cabeça
que o atormentava desde os dezesseis anos. A dor alarmante,
cegueira parcial e a enxaqueca haviam, em parte,
incentivando-o a pesquisar aplicações medicinais das plantas,
então, de certo modo, elas o levaram por um caminho que ele
não teria seguido de outra forma. Mas as plantas, por si só o
intrigava. Elas sempre o fizeram.
Agora, enquanto considerava tudo o que ele descobrira
sobre o envenenador, perguntava-se se eles estavam fazendo
tudo errado.
O envenenador também tinha uma motivação. Uma
natureza. Seus ataques estavam centrados em Phineas, mas o
próprio Phineas não era o alvo. Pelo contrário, parecia que o
envenenador queria a sua admiração. O porquê, ele não
sabia. Todas as vítimas tinham uma conexão com Phineas,
exceção a prostituta. E a morte dela havia sido violenta afinal.
Ela se parecia com Hannah, que havia sido odiada e caçada
por anos por Lydia Brand e era a pessoa que parou Lydia
para sempre com um único tiro.
Phineas franziu o cenho. O padrão do envenenador
parecia levar a uma direção, como as folhas que cresciam em
direção ao sol. Levava a Phineas, sim. Mas sua natureza era
melhor alinhada com a mãe dele. Ele olhou para o lado de sua
xícara. Flores e vinho. Caules crescendo na mesma direção.
Plantas parecidas. Padrões parecidos. A resposta surgiu
dentro dele como se estivesse esperando ali, guardada em
uma caixa que agora era aberta.
— Ele está em Weymouth. — Phineas murmurou, a
certeza ressonando nele como música. Ele ergueu os olhos
para encontrar os de Dunston que agora estava alerta e duro.
— Ele ia querer estar onde ela viveu antes de ser morta. Não
aqui em Primvale, mas na casa dela em Weymouth.
Dunston não perguntou se ele tinha certeza. Ele
levantou-se da cadeira, bateu nos ombros de Phineas e disse:
— Pedirei a Walters para preparar nossas montarias. Se
tiver uma pistola, Holstoke, sugiro que traga com você.
— Eu prefiro espadas.
Dunston sorriu. Um brilho de entusiasmo em seus olhos.
— Decerto, um bom caçador deveria usar a arma que
melhor lhe serve.
Eles saíram de Primvale quando o sol da manhã pintava
a grama molhada com luz amarela. Antes de partirem,
Phineas assegurou-se que os homens de Dunston
permanecessem em guarda, enquanto eles estivessem fora e
enviou Ross para informar Eugenia sobre os planos deles.
Weymouth, uma cidade litorânea era o local preferido
para refúgio de verão de reis e lordes, ficando a trinta e dois
quilômetros a oeste. Cavalgando duro, eles chegaram à antiga
residência de sua mãe em menos de duas horas. A casa de
Lydia Brand ficava no final de uma fileira de elegantes casas
com terraços ao longo da Weymouth Bay. Tinha vários
andares, brancos e simétricos, com um jardim de dois lados
cercado por um muro alto de tijolos. Ele manteve a casa por
um ano após a morte dela. Depois, vendera a um barão que
usava para a amante. Phineas não sabia quem possuía a casa
agora, mas quando eles estavam à duas casas de distância,
ele viu que ela era mal mantida. A pintura da porta estava
descascando, o portão de ferro de cada lado da entrada estava
enferrujado, a grama estava alta ao redor das paredes do
jardim.
— Parece vazia, milorde. — Drayton notou, esfregando a
coxa como se ela doesse. — Alguma ideia de quantos podem
morar aí?
— Não. — Phineas desmontou e depois se aproximou ao
redor do cabo de sua espada. Ela cabia em sua mão tão
perfeitamente quanto as curvas da cintura de Eugenia. A
lâmina longa e fina caía ao longo de sua coxa, passando de
seu joelho. — Talvez ninguém more.
Eles pagaram a um rapaz para cuidar de seus cavalos e
depois avançaram para a casa de três direções: Drayton pela
entrada lateral mais baixa, Dunston pela porta da frente e
Phineas pelo portão do jardim.
Phineas bateu na aldrava enferrujada do velho portão de
ferro com uma pedra, depois o abriu lentamente,
estremecendo com o ruído das dobradiças. Olhou para a
esquerda e para a direita antes de entrar, observando os
vasos de tijolos transbordando de folhagem. Diferente do
exterior, o jardim havia sido não apenas cuidado, como
cultivado. Em todos os lugares que ele olhava haviam ervas e
flores crescendo em abundância. O frio se instalou em seus
ossos quando ele avistou uma flor amarela com veias
desenhadas pesadamente e centro escuro no canto mais
distante do jardim. Hyoscyamus niger. Meimendro. Até
mesmo respirar seu odor fétido poderia causar intoxicação.
Cicuta branca e rendada agitava-se na proximidade.
Torres altas de dedaleira. Ele reconheceu várias outras
variedades tóxicas, todas ordenadamente plantadas e
prosperando dentro de vasos e canteiros.
Era o maldito jardim do envenenador.
Ele retirou a arma de sua bainha, a arma de um velho
amigo em sua mão. Lentamente ele seguiu seu caminho em
direção a entrada traseira, parando brevemente para arrancar
uma folha ou duas de várias variedades, grato pela proteção
das luvas.
Assim que ele agarrou a maçaneta da porta, ouviu
Drayton gritar. Ele correu pela porta em direção ao interior
escuro e úmido, movendo-se pela copa e pequena cozinha em
direção aos sons de pés batendo e gritos masculinos.
Ele virou uma esquina e achou Dunston agachado do
lado de fora da entrada da sala de jantar. O outro homem
sinalizou por silêncio com um dedo em seus lábios.
Lentamente retirou uma adaga da bainha amarrada em
sua coxa, Dunston a colocou no chão no centro da entrada.
Levantou-se, mantendo as suas costas na parede. Então ele
gritou para a sala:
— Solte-o agora, meu bom homem. Não há sentido matar
alguém quando pode ir embora com o pescoço intacto.
Gargalhadas – altas, rápidas e loucas – foi a resposta. O
som congelou o sangue de Phineas.
— Ele quer voar, meu lorde. Eu posso libertá-lo. Ele
voará e voará.
Dunston balançou a cabeça enquanto Phineas ficou
tenso.
— Deixe-o ir e nós partiremos imediatamente. Sem danos
feitos.
— Oh, mas você serve a sua senhoria. E sua senhoria
quer meu fim.
Um olhar duro e inflexível caiu sobre Phineas.
— Bobagem total. Todos sabem que eu desprezo
Holstoke. Ele tentou roubar a minha mulher.
— Ele é o filho de uma deusa. Por que ele não deveria
pegar o que ele quiser?
O rosto de Dunston ficou sombrio. Ele murmurou a
palavra ‘louco’ e gesticulou para indicar que o envenenador
tinha uma pistola direcionada à cabeça de Drayton.
Phineas assentiu e cuidadosamente se posicionou no
lado oposto da porta.
— Diga-me o seu nome. — Dunston gritou.
— O Suplicante.
— Não, meu bom homem. O seu sobrenome.
— Eu sirvo uma deusa. Meu nome não é nada. — A voz,
estranhamente aguda e nervosa, soou mais próxima. As botas
arranhavam a madeira. — Ela apenas exigia tributo.
Sacrifício. Ela oferecia grande poder àqueles que lhe serviam.
A vida que gera a morte. Suas belas sementes mandavam um
homem ao céu.
Phineas envolveu sua mão enluvada ao redor da lâmina e
trouxe a sua extensão lentamente. Então, encontrou os olhos
de Dunston e acenou para indicar que estava pronto.
Dunston devolveu o aceno, desembainhando sua
segunda adaga do interior de seu casaco e gritou pela porta.
— Drayton seria um pobre sacrifício, de fato, mancando
como ele manca. Pois, eu duvido que ele pudesse agarrar as
bolas de outro homem com força suficiente para...
O grito alto e agudo foi o sinal. Dunston se moveu
primeiro, mas apenas alguns centímetros. Lá dentro, Drayton
agarrava o homem menor em dois lugares. Um era seu pulso.
O outro fez Phineas estremecer. Dunston avançou e removeu
a arma das mãos do jovem.
Phineas o olhou dos pés à cabeça. A descrição de
Hawthorn fora precisa: olhos azuis redondos, feições suaves.
Havia apenas uma diferença, a cicatriz longa e irregular no
pescoço do homem. O envenenador era franzino e parecia
inofensivo. Ele obviamente estava comendo erva-moura,
provavelmente meimendro, pois as suas pupilas estavam
arregaladas de uma maneira não natural. Agora de joelhos,
segurando sua virilha danificada, o jovem olhou para Phineas
com algo parecido a assombro.
— Meu lorde. — Ele disse, sua voz entrecortada pela dor
que Drayton infligiu. — Eu tenho agido bem, não tenho?
Inclinando a cabeça. Phineas o examinou, perguntando-
se como um desgraçado tão patético como aquele conseguira
fazer o que fizera. O jovem era apático. Magro. Fraco como
mingau aguado. Além disso, estava claramente louco. Não do
mesmo modo que a mãe de Phineas, que fora desalmada e
calculista. Ele era incontrolável. Intoxicado por seus próprios
venenos.
— Holstoke. — O tom de Dunston era cauteloso, como se
acalmasse um cavalo rebelde. — Talvez fosse melhor esperar
lá fora, velho camarada. Não deve privar o carrasco o que lhe
é devido.
A ponta da espada tirou uma gota de sangue da garganta
do envenenador. Ele nem se lembrava de ter levantado a
espada.
— Como você a conheceu?
Um sorriso largo e beatificante. O jovem fechou os olhos
brevemente.
— Ela me encontrou.
— Em Weymouth.
— Durante um passeio. Ela me convidou a entrar. Ela
me fez voar.
— Maldito inferno. — Drayton murmurou. — O menino
não podia ter mais do que catorze anos na época.
— O menino assassinou cinco mulheres. — Dunston
falou entre os dentes.
— Assassinatos não. — O jovem disse, seus olhos
arregalando. — Oferendas.
Tudo dentro de Phineas ficou gelado e escuro. Mesmo
sua fúria ficou gelada.
— Quantas?
— Nunca o bastante. A deusa deveria ter mais.
Phineas se abaixou perto do rosto do jovem. Ele podia
sentir o cheiro da morte nele.
— Conte-me quantas você matou. — Ele disse
suavemente.
Uma risada estranha.
— Mais de cinco até agora. — Ele zombou. O seu peito
estremeceu como se ele não pudesse controlar sua risada. Ele
virou sua cicatriz irregular em direção a Phineas. — Tentei me
oferecer uma vez. Mas a deusa precisava de minhas mãos. A
deusa é gananciosa.
— A deusa está morta. — Phineas disse. — E logo você
estará, em breve.
Ele gargalhou. Alto. Ele gargalhou até as lágrimas
rolaram por suas bochechas.
— Ela...ela nunca morrerá, meu lorde. Enquanto houver
Suplicantes para servi-la. — Ele engasgou com a última
risada. O peito dele estremeceu. Um pequeno vinco
desfigurou seu sorriso. — Acreditou que eu era o único?
Calafrios percorreram sua coluna, deixando sua pele em
chamas.
No silêncio, Dunston praguejou.
Drayton murmurou:
— Dois deles? Maldito inferno.
Phineas se endireitou. Aumentou o aperto em sua
espada.
— Quem mais?
O jovem sussurrou.
— Ele a vingará, meu lorde.
— Quem? — Phineas berrou.
— Serei a oferenda final. — Ele sorriu. Balançou. — Uma
jornada ao céu. — Fechou os olhos.
Jogou-se para frente.
E forçou a espada de Phineas atravessa sua própria
garganta.

*~*~*

Genie espetou um pedaço de presunto com o garfo.


— Ele poderia ter esperado até que eu estivesse
acordada.
Ross pigarreou.
— Sim, minha senhora.
— Ou ele poderia ter me acordado, ele mesmo. Ele tem
mostrado um talento notável a esse respeito.
— Certamente, ele deve ter mostrado.
Ela mastigou seu presunto e deu um gole no chá. Ficara
em infusão em demasia novamente. Outra irritação.
— Em qualquer caso, ele não deveria pedir a seu valete
para entregar a mensagem.
— Tenho certeza de que ele não lhe desejou preocupar,
minha senhora.
— Bem, eu estou preocupada. Assim, a ideia é uma
bobagem. Já faz horas que ele partiu.
Ross inclinou sua cabeça meio careca.
— Ele queria que eu transmitisse as minhas mais
humildes desculpas.
O olhar foi a resposta dela, mas ela escolheu
acrescentar.
— Quanta besteira. — Jogando o seu guardanapo sobre
o prato, ela se afastou da mesa e levantou-se. — Entregue a
mensagem que deve, Sr. Ross, mas não minta. Holstoke
apenas se desculpa sob a mais severa coação. Aposto que ele
prefere ser assado como um presunto.
Um movimento na porta da sala de desjejum atraiu sua
atenção. Era Hannah. Seus olhos e bochechas brilhavam com
lágrimas. A visão fez uma dor terrível ondular no estômago de
Genie. Ela correu até a moça, que atirou seus braços ao redor
dela e a apertou.
— O que foi, querida? O que aconteceu?
— Ele...ele...
Oh, Deus. Só podia ser Hawthorn. Ele morrera naquela
noite?
— Respire. — Ela murmurou. — Então me conte.
Hannah soltou dois suspiros antes de conseguir falar.
— Ele acordou.
— Oh! — Genie recuou e segurou os ombros da moça. —
Mas são notícias maravilhosas!
Hannah assentiu, suas lágrimas continuaram a fluir.
— Ele pediu papel e... e um lápis. Ele deseja desenhar o
envenenador novamente.
— Claro. — Ela olhou para Ross que assentiu e
murmurou que iria pegá-lo imediatamente. Ela examinou os
olhos de Hannah. Viu dor e alegria brigarem ali. — Venha. —
Ela levou sua irmã em direção à mesa e depois lhe passou um
guardanapo. — Seque seus olhos.
Hannah secou as bochechas.
— Ele disse alguma coisa para você? — Genie aventurou-
se. — Além do súbito desejo de desenhar, quero dizer.
Olhos pálidos caíram para o guardanapo retorcido em
suas delicadas mãos.
— Ele me perguntou sobre o envenenador. Se eu fora
atacada.
Genie assentiu.
— Prossiga. Obviamente lhe disse que não.
Os lábios da moça tremeram.
— E-ele me perguntou porque eu estava ali com ele.
— E você disse?
Ela levantou os olhos aos de Genie.
— Eu não tenho uma resposta, Eugenia.
Ela sentiu dor ao ver a turbulência de Hannah. A concha
perfeita de indiferença era a única coisa que a protegia. Ainda
assim, ela não podia descartar que ela fora alcançada pelo
que mais queria: amor. Genie fora forçada a golpear
implacavelmente a concha até quebrar a coisa. Ela fora
recompensada com uma nova irmã, então tinha valido a pena.
Mas tinha um problema. Genie não sabia se um homem tinha
este tipo de paciência.
— Ele interpretou o meu silêncio como...não sei ao certo.
Uma descortesia, suponho. Ele sugeriu que o meu propósito
era garantir que ele vivesse o bastante, para providenciar uma
imagem do homem que ameaça a minha vida. Ele pediu papel
e lápis. — Suas mãos retorceram o pano com mais força. —
Depois pediu que o deixasse.
Genie engoliu o nó em sua garganta e levantou o queixo.
— Talvez ele precisasse usar o penico.
Hannah piscou. Apertou os lábios. Arregalou os olhos.
Depois, ela explodiu em uma gargalhada.
Genie sorriu e deu risadinhas com ela.
— Bem, o homem dormiu por vários dias, você sabe.
Quando a tensão saiu dos ombros de Hannah, Genie
insistiu que ela comesse. Então, enquanto estavam sentadas
juntas na mesa, ela elogiou a roupa de Hannah, que era um
elegante vestido rosa gelo com pequenas rosinhas vermelhas
na bainha. Ela discutiu os planos para um novo chapéu para
combinar com o vestido azul. Seda, não veludo. Não, a outra
seda.
Ela esperou até que Hannah tivesse comido tudo do
prato antes de revelar que Phineas, Dunston e Drayton
haviam partido a Weymouth, suspeitando que era lá que o
envenenador estava escondido.
Hannah empalideceu. Cuidadosamente, ela colocou o
garfo no prato.
Os lacaios entraram e começaram a limpar as travessas
do aparador. O tilintar das porcelanas e o grito das gaivotas lá
fora, foram os únicos sons por um longo tempo.
Então, Hannah segurou a mão de Genie.
— Você teme por ele. — Ela disse suavemente. — Assim
como eu. — Olhos verdes vividamente brilhantes a
encaravam. — Phineas é forte. Brilhante e forte. Eu nunca
ganhei um jogo de xadrez contra ele. Nem uma única vez. E
eu sou uma jogadora excelente.
Genie assentiu, as lágrimas escorrendo de seus próprios
olhos.
— Eu sei. Mas ele é o meu coração, Hannah. Tanto
quanto é verdade, e sempre foi a verdade, eu sofrerei com a
ausência dele.
Ross retornou à sala de desjejum vinte minutos depois
com o novo esboço de Hawthorn em mãos. Genie o pegou e
examinou o rosto. Ela franziu o cenho.
— Você o reconhece? — Ela perguntou a Hannah.
— Não. Eu não gosto dos olhos dele.
— O que tem eles?
— Eles são maus, fingido que são bons.
Hannah vira o mal o bastante em sua vida, assim Genie
aceitou sua afirmação sem hesitar.
— De fato. O pior tipo de olhos, ouso dizer.
Mais porcelana tilintou quando um dos lacaios pegou
sua bandeja. A atenção de Genie recaiu sobre ele. Ele vestia o
uniforme de Primvale, claro. Uma peruca. Casaco azul com
forros verdes, calças douradas com meias brancas. Mas ele
era alto. Um metro e oitenta, talvez.
Ela franziu o cenho. Phineas não ‘reorganizara’ todos os
lacaios altos?
O homem se virou. Ele não era feio. Bastante agradável,
de fato.
Um arrepio correu por sua espinha e cruzou seu couro
cabeludo.
Os olhos dele encontraram os dela. E ela viu novamente
o que Hannah descrevera. Má intenção fingindo ser boa.
O frio a varreu como um lago gelado através de uma
fonte. Ela precisava alertar os homens de Dunston. Ela
precisava levar Hannah para longe dele.
Ele se abaixou para pegar o prato de Hannah. Genie
segurou o braço de sua irmã e a levantou. Foi quando o chão
se inclinou. As paredes giraram. Ela puxou com força,
arrastando Hannah com ela até a porta. Ela piscou. A porta
estava fechada.
O tempo estava devagar. Seus movimentos estavam
desajeitados e trôpegos. Seu coração batia forte dentro do
peito. Ela empurrou Hannah para trás dela, virando o rosto
para o homem mau que fingia ser bom. E logo antes da arma
aparecer, ela o viu sorrir.
CAPÍTULO 24

“Agora escute atentamente. Os cães de caça não se parecem


em nada com lobos. Lobos nascem ferozes. Eles enlouquecem
quando estão feridos ou famintos. E eles apenas brincam
quando estão tomando medidas de batalhas.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para seu neto mais velho,


Bain, em resposta a sua reclamação que Humphrey brincava
com muita grosseria.

Phineas ouviu o grito enlouquecido do lado de fora do


castelo. O guarda na entrada sumira. As portas estavam
amplamente abertas. Ele deslizou de Caballus enquanto o
cavalo arfante ainda se movimentava e subiu correndo os
degraus. Correu pelo vestíbulo.
Encontrou Jonas Hawthorn, nu, exceto pelas bandagens
e uma calça rasgada, incrivelmente branco, magro e barbudo.
Ele estava inclinado contra uma parede, berrando ordens
para um dos homens de Dunston.
— Cada homem que tiver. Envie todos. Encontre-a,
maldito!
Phineas avançou correndo. Hawthorn levantou os olhos.
Desesperado. Quase enlouquecido.
Phineas sentiu o chão desaparecer. Não ouvia nada além
do vento soprando em rajadas altas e rítmicas. Hawthorn
estava falando agora. Phineas balançou a cabeça. Ele
precisava pensar. Ele precisava ouvir.
— ... levou as duas, Holstoke. Ninguém sabe para onde.
Deus todo poderoso. As duas. Hannah e Eugenia. Se
foram.
Sua irmã. Sua esposa. Se foram.
Não. Ele devia pensar. Ele devia encontrá-las.
Ele fechou os olhos por um momento. Imaginou Eugenia
como ela estivera ontem – cabelos bagunçados pelo vento,
braços abertos, amor brilhando nos olhos de gatos. Ele a
encontraria. Ele faria. Mas apenas se ele pudesse controlar
sua própria perturbação por tempo o bastante para pensar.
Ele abriu os olhos e percebeu uma folha de papel
amassada nas mãos de Hawthorn. Sem perguntar ele a pegou
das mãos do outro homem. Era uma duplicada do esboço do
homem que a espada de Phineas despachara menos de duas
horas antes.
— Este não é ele. — Phineas falou, sua voz dura como o
gelo. — Este homem está morto.
Hawthorn balançou a cabeça.
— Não. Esse é o envenenador.
— Há dois dele.
Hawthorn ficou da cor das cinzas.
Dunston e Drayton correram pelo vestíbulo, Drayton
mancando pesadamente e Dunston segurando uma de suas
adagas.
— É verdade? — Dunston exigiu. — Ambas mulheres
estão desaparecidas?
Hawthorn assentiu e cedeu contra a parede. Sua cabeça
caiu para frente.
— Devemos encontrá-las. Ele a matará.
— Como ele entrou? — Phineas perguntou. Novamente, a
frieza em sua própria voz o surpreendeu. O medo estava lá,
sombrio e devorador. Mas sua mente estava funcionando,
analisando o que ele sabia, descobrindo o que não sabia.
Hawthorn explicou que o médico de Phineas fizera uma
visita mais cedo naquela manhã, trazendo com ele um
boticário cirurgião de Weymouth para ajudá-lo com o
tratamento de Hawthorn. Mas Hawthorn já havia acordado
antes da chegada dele e o boticário partiu logo.
— Ou assim nós pensamos. Um dos homens encontrou
seu cavalo vagando pelo orquidário. Suspeitamos que o
envenenador o atacou. Depois, seu homem, Ross, disse que
não conseguia localizar as mulheres. Nós temos procurado
desde então.
Phineas levantou o desenho.
— Pelo homem errado.
Hawthorn grunhiu, parecendo atormentado.
Phineas se virou para Dunston.
— Um boticário de Weymouth.
Dunston assentiu.
— Isso se encaixa.
— Você pode desenhá-lo? — Phineas perguntou a
Hawthorn. — Lembra-se do rosto dele?
Hawthorn assentiu.
— Alto. Um e oitenta. Magro. — Seus olhos se
estreitaram em Drayton. — Como o homem que atirou em
você.
— Então vamos encontrar o canalha. — Drayton
resmungou, movendo-se até Hawthorn e passando um braço
sobre os seus ombros. — Você o desenha. Eu atirarei nele.
Enquanto Drayton ajudava o outro agente a ir até a
biblioteca, Dunston se aproximou de Phineas com um olhar
sombrio.
— Por que levar as duas mulheres?
Phineas balançou a cabeça. Na verdade, sua mente mal
conseguia pensar sem o horror devorá-lo completamente.
— Nós devemos encontrá-las. Isso é tudo o que sei.
Ele passou os próximos quinze minutos questionando
Ross, Walters e a Sra. Green, as criadas, lacaios e guardas.
Ele precisava de cada fato que pudesse reunir: onde Eugenia
e Hannah foram vistas por último? Na sala de desjejum. Foi
feita uma busca no castelo, de cima a baixo: Sim, meu lorde.
Quais partes da propriedade já haviam sido revistadas? Os
jardins oestes e norte. O leste e sul estavam sendo
analisados. Sua mente automaticamente catalogou cada
pedaço de informação, buscando fios para levá-los em uma
direção. Em direção a ela.
Um dos homens de Dunston entrou e deu a Dunston um
pedaço de tecido.
— Nós encontramos em um dos pastos leste, milordes,
preso a algumas flores silvestres e grama.
A seda era transparente, rosa e rasgada. Em sua
extensão havia uma fileira de rosas vermelhas.
Um raio o cortou. Era ela. Sua Roseira.
— Nós encontramos mais, milordes.
Phineas olhou para cima, o coração batendo com uma
urgência frenética.
— O que? — Dunston exigiu.
— Sangue. — O homem engoliu em seco, seu olhar
vigilante estava triste. — Uma grande quantidade de sangue.

*~*~*

A cabeça dela estava mergulhando. Doendo. Ela não


sabia como Phineas conseguia suportar suas enxaquecas,
pois as dores de cabeça eram uma distração miserável. Seus
olhos doíam. E seu coração estava prestes a saltar de seu
peito. Tudo estava muito brilhante e sua boca seca e sedenta.
Ainda havia um braço ao redor de sua garganta.
Apertado. Sufocante. Seu corpo parecia como se quisesse voar
e partir-se.
Ela olhou para a sua mão. Em sua visão, flutuava.
Separada de seu pulso.
Não. Ela fechou os olhos. Isso não era real.
O braço ao redor de seu pescoço era real. A dor em sua
cabeça era real.
Ela estava sendo arrastada. Para baixo e para baixo.
Passando por rochas úmidas, pedras soltas e tufos de grama.
O vento era real.
A voz dele era real.
— Em frente, Srta. Gray. — Uma placidez suave e
estranha pontuada por uma respiração ofegante. — Temos
uma oferenda a fazer.
Ele as levou da sala de desjejum. Ele apontou uma arma
ao coração de Genie e falou com perfeita calma. Hannah
poderia se oferecer a deusa, ele disse, ou Lady Holstoke se
juntaria a sua homônima em morte.
Esperta Hannah. Ela pegara seu garfo, escondendo-o nas
dobras de suas saias.
O homem de aparência agradável as forçara para esperar
dentro do castelo e depois sair, passando por um guarda que
corria para ver um cavalo mordiscando cerejas.
Ele as forçara a montar. Mover-se de lugar em lugar
como coelhos evadindo-se de armadilhas. Primeiro o jardim
murado. Depois as árvores ao redor do lago. Depois o pasto
leste mais distante, além da elevação.
Onde as vacas morreram. Pobres vacas.
Foi lá que Genie teve certeza de que morreria. O homem
de aparência agradável gritou quando Hannah enfiou o garfo
em seu ombro.
Ele soltou seu aperto. Hannah agarrou o pulso flutuante
de Genie e gritou “Corra!”
Genie correu. Mas seus pés estavam flutuantes também.
Eles caíram juntos nas flores roxas e grama verde, enrolaram-
se em confusão. Havia uma bainha de Hannah lá.
Genie sabia que deveria dizer a ele.
Phineas. Seu amor. Seu coração.
Ela devia dizer-lhe que nunca iria embora de boa
vontade.
Então, ela rasgou uma tira e deu um nó apertado
enquanto o homem de aparência agradável estava se
levantando. Apontou a pistola contra a cabeça de Genie.
Forçou Hannah a ficar de pé com um empurrão brutal.
Agora, eles viajavam para baixo e baixo. Passando rocha
dourada de areia dourada. Pedras cinzentas golpeavam seu
chinelo. Seus pés estavam se separando.
Não. Ela estava andando. A praia era real. A água era
real. O grito de gaivotas e brilhantes, céu azul era real.
Ela respirou sal e mar. Recordou os olhos de Phineas
quando estiveram ali juntos. Ele era seu grifo Ele viria.
Ele partiria a serpente em pedaços.
Ela piscou. Focou em Hannah, cujos lábios sangravam
vermelhos no branco delicado. Uma gaze delicada flutuava
enquanto ela recuava em direção às ondas. Os olhos como o
de Phineas brilharam com um poder incandescente.
— Ele o encontrará. Ele o matará. — Sua irmã disse. —
Nunca duvide disso.
O braço ao redor da garganta de Genie apertou-se.
— Não antes de fazer a minha oferenda. — Alguma coisa
redonda afundava dolorosamente no quadril dela. — Para o
mar, agora. — Ele disse. — Ela sempre preferiu o mar.
Gaze rosa umedeceu. Até seus tornozelos. Depois
joelhos. Então suas coxas.
— Não, Hannah. — Genie gritou, seu coração frenético
batendo até a morte. Sufocando-a até a morte. — Arruinará o
seu vestido, querida.
Olhos como os de Phineas sorriram de volta.
— Diga ao Sr. Hawthorn que eu fiquei porque eu... eu
não podia fazer o contrário. Diga-lhe... eu não queria ir
embora.
As respirações ofegantes ficavam mais altas à medida
que o homem que sufocava Genie as levaram a frente, para
mais perto de sua irmã. A água alcançava a cintura de
Hannah. As ondas a empurrou até ela tropeçar.
Genie não podia deixá-la arruinar o vestido. Hannah
ficava tão adorável de rosa.
Ela viu um pulso. Não o dela. Parecia presunto.
Ela o pegou em suas mãos e o mordeu.
Um grito.
Um tiro. O fogo atingiu o seu quadril.
Ela empurrou o braço sufocante. Cuspiu o sangue de
serpente de sua boca. Correu em direção à sua irmã, cujas
saias a arrastavam para o fundo do mar.
Hannah soluçou seu nome. Cambaleou em sua direção.
Os pés de Genie tentaram alcançá-la, mas eles continuavam a
afundar na areia e pedras.
Oh, Deus, ela continuava a se partir. A dor em seu
quadril queimava. Seus pés se foram. Apenas seus joelhos
ficaram. Suas mãos agarravam-se a areia profunda e suave.
Ela olhou para Hannah que estava parada nas ondas
como uma deusa marinha colérica, condenando um homem
que ela logo destruiria.
Genie se virou para vê-lo – o homem mau que fingia ser
bom. Alto e magro. Segurando algo longo e curvo. Seus
ombros pingavam sangue. Sua boca falava de oferendas. E,
enquanto ele puxava o arco para enviar a sua flecha ao
coração de Hannah, ele olhou para o céu.
— Por você, minha senhora. — Ele disse. — Tudo por
você.

*~*~*

Encontrar sangue quase o matou. Ensopava a lama do


pasto. Salpicou nas margaridas brancas e nos gerânios roxos.
Trilhava além da cerca.
Manchou a madeira.
Phineas há muito perdera a sanidade. Nada restava além
da necessidade. A necessidade de encontrá-la. A necessidade
de matar.
Ele manteve isso na memória. Como ela brincava com
seu alfinete de esmeralda e o desafiava a lhe dar prazer como
nenhum homem fizera. Como ela brilhava quando ele beijava
seu ventre nu e como ela se abria como uma flor. Como ela
riu e girou enquanto o vento brincava com seus cabelos.
Como ela entrou nas águas profundas e segurou sua mão.
Como ela o amava - cada parte dele – como se ele fosse dela
para sempre.
Eugenia o mantinha. Focava-o. Levava-o ao longo da
cerca em direção ao mar.
Dunston o seguia, assim como três de seus vigilantes.
Drayton seguia também, pistola em uma mão e o rosto
enrugado sombrio na luz do sol. Ele reconhecera o homem
que Drayton desenhara – ele falara com ele em uma loja em
Bridport.
Drayton queria este homem morto. Mas Phineas o teria.
Essa era a sua tarefa. Sua.
Quando se aproximaram dos penhascos, Phineas
começou a correr. Ele conseguia senti-la. Ele não sabia como.
Mas ela estava ali. Perto. Ele correu mais rápido. Atrás dele,
ele ouviu o alerta de Dunston para os seus homens estarem
prontos. Ele ouviu as gaivotas gritaram e as ondas
quebrarem.
Ele ouvia o seu próprio coração. Batendo, batendo,
batendo.
À frente, a trinta metros do topo da trilha da praia, um
objeto chamou a sua atenção. Ali, perto de onde Eugenia
avistara a sombra no dia anterior, a grama fora pisoteada até
formar um ninho. No centro do ninho estava um arco de
madeira e uma pilha de flechas.
O ar entrava e saía, seus pulmões queimavam após a
corrida por centenas de metros. Ele parou ao alcançar o
ninho. Abaixou-se e pegou uma flecha. Era bem feita. Madeira
e chifre. Ele olhou para as flechas. Pegou uma delas. Notou
também, igual qualidade.
— O canalha gosta de arcos e flechas. — Disse Dunston
atrás dele. — Eu prefiro adagas.
— Assim como eu... — Phineas murmurou, pesando o
arco e a flecha em suas mãos.
— Espadas. Sim, recordo-me. — Dunston averiguou a
área ao redor do ninho. — Nenhum sinal de sangue aqui. Tem
certeza de que este é o caminho pelo qual eles vieram?
Phineas olhou em direção ao mar.
— Sim.
— Então, para onde vamos, velho camarada?
Antes que Dunston terminasse de falar, Phineas se
moveu. Caminhou. Correu em direção à base da praia. Ele
parou quando chegou à beira do desfiladeiro.
Ali. Duas figuras. Não, três.
Hannah estava parada com os quadris afundados na
água.
E Eugenia. Oh, Deus. Eugenia era segurada – pendurada
e sufocada – por um maldito louco. Seu cabelo estava meio
solto. Seu vestido estava enlameado. Sangue.
Perto, ele ouviu Dunston conversar em tom baixo. Então,
Drayton chegou mancado até um ponto ao seu lado. O agente
de Bow Street segurava um rifle de caça. Provavelmente
emprestado de um dos homens de Dunston. Ele o levou ao
ombro e apontou para a praia.
O rosto enrugado de Drayton estremeceu.
— Maldito inferno. — Ele abaixou a arma para o chão.
— Eu o matarei. — Phineas prometeu. — Mas eu devo
me aproximar. Fique aqui. Mantenha a cabeça dele em sua
mira.
Sem outra palavra, ele começou a descer a trilha,
movendo-se tão rápido quanto era possível sem escorregar.
Ele precisava que o canalha não o percebesse. Não até que
fosse tarde demais.
Hannah falava agora. O homem arrastou Eugenia para
frente com ele para a beira da água. Hannah tropeçou quando
uma onda a atingiu.
Depois tudo aconteceu lentamente e ao mesmo tempo.
Ele viu o ombro do homem arquejar no que parecia agonia.
Um tiro soou. Uma mancha vermelha no quadril de Eugenia.
Phineas assistiu Eugenia empurrar o braço do homem e
depois cuspir seu sangue na areia. Ela o mordera. Por Deus,
ela o mordera. E ficara ferida. Ela se arrastava em direção à
Hannah. Caiu de joelhos na areia.
Ele correu. Seu coração batia, batia, batia e batia. Ele
precisava de uma posição melhor. O homem estava
recolhendo alguma coisa perto da pedra. Outro arco.
Maldito inferno. Sem tempo. Sem tempo para um tiro
melhor.
Ele parou no passo seguinte. Esticou a flecha. Exalou.
Apontou para a cabeça do canalha.
Um tiro soou. O outro homem se dobrou quando a bala
atingiu sua coxa.
Drayton. Maldito inferno.
O canalha mirou novamente. Desta vez de joelho. Ele
apontou a flecha para Hannah.
Phineas apontou sua flecha para a serpente. Então,
respirou. E a deixou voar.
Ela perfurou a garganta do homem, levando sua mira
para o alto. A flecha do homem caiu no mar. Atrás dele, ouviu
gritos. Acima dele, gaivotas.
Mas Eugenia estava agora deitada na areia, esticando os
braços para Hannah.
Ao chegar perto dela, Hannah embalava sua cabeça em
seu colo. Ambas mulheres chorando.
— Phineas! — Hannah chorou. — Graças à Deus. Ela foi
ferida. Não tão mal, acho, mas ela está falando algumas
besteiras.
Ele caiu de joelhos ao lado de sua esposa. Pegou-a em
seus braços. Apertou-a tão forte quanto ousava fazer, sem
saber a extensão dos ferimentos dela.
Ele respirou seu aroma. Violetas e cerejas. Sentiu os
braços dela envolverem seu pescoço. Balançou-a para frente e
para trás.
— Meu grifo. — Ela sussurrou em seu ouvido. — Eu
sabia.
Ele gemeu na pele de seu precioso pescoço. Beijou a pele
de sua preciosa bochecha. Deslizou as mãos pelas dobras de
suas preciosas orelhas.
— O que você sabia, minha doce Roseira?
Ela segurou seu queixo em sua mão. Ele afastou para
encontrar seus olhos de gato. Os centros escuros e largos
condiziam a erva-moura. No entanto, ainda eram os olhos de
Eugenia. E ela estava viva.
— Eu sabia que me encontraria.
Ele sorriu.
— Sabia?
Ela assentiu, assegurando perfeitamente.
— É a sua natureza, meu amor.
CAPÍTULO 25

“Você me surpreendeu, querido rapaz. Eu só tinha escutado


você falar de sua esposa e de seus coletes em tão bons
termos.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para Lorde Dunston diante


do inesperado elogio do dito cavalheiro aos numerosos
talentos de Lorde Holstoke.

Uma semana depois, Dunston ainda comemorava o tiro


de Phineas.
— Por que nunca disse que era um arqueiro, meu bom
homem? Pensei que preferia espadas.
Phineas ergueu uma sobrancelha.
— A preferência por um não implica na incompetência de
outra.
Ele retirou uma de suas adagas. A lâmina brilhou na luz
da sala de desjejum.
— Verdade. Da próxima vez que for a Fairfield Park, nós
devemos testar sua habilidade com facas.
— Henry. — Genie o repreendeu. — Afaste-as. As únicas
facas que devemos discutir em minha mesa são as exigidas
para fatiar presunto.
Seu cunhado lhe deu uma piscadinha e devolveu sua
lâmina à bainha.
Ela terminou os ovos e empurrou o presunto de lado. Ela
ainda não conseguia comê-los. Uma vez que a lembrança de
morder o braço de um louco diminuísse, talvez o presunto se
tornasse palatável novamente.
A sua volta, Dunston, Phineas e o Sr. Drayton
cumprimentavam-se um ao outro. O Sr. Drayton estava
inexplicavelmente orgulhoso da ferida na perna do
envenenador.
— Caiu muito bem a ele. — O Sr. Drayton se remexeu
em sua cadeira. Ele atirou em mim antes.
De fato, o destinatário do tiro do rifle do Sr. Drayton era
exatamente o mesmo homem que, seis anos antes, atirara no
Sr. Drayton para evitar ser preso. Theodore Neville possuiu
uma botica em Weymouth por quatro anos. Antes disso, ele
fora um associado de Lady Holstoke, usando sua posição
como boticário assistente em Londres para obter suprimentos
para as fórmulas dela. Ele envenenara o seu empregador
quando o Sr. Drayton e o Sr. Reaver foram ao local. Então,
fugira de Londres e vagou de cidade em cidade por um tempo.
No fim, foi atraído a Dorsetshire, onde Lady Holstoke viveu
por último. Ele se estabeleceu como boticário. Todos
pensavam que ele era uma pessoa agradável, incluindo o
médico de Phineas, que expressara o seu horror ao descobrir
a insanidade assassina do homem.
Na verdade, a obsessão de Neville por Lady Holstoke o
enlouquecera. Ele comprou a antiga casa de Lady Holstoke e
em seguida pegou outro ex-associado dela, Edgar Erwin. A
família de Edgar pensava que ele se afogara ou fugira ao
visitar Weymouth, pois ele simplesmente desaparecera sem
deixar nenhum traço. Em vez disso, Lady Holstoke o
recrutara. Drogou-o. Seduziu-o. Usou-o.
Um garoto de treze anos.
Genie quis vomitar quando descobriu essa parte.
Mais tarde, Neville se mudara para a casa de Lady
Holstoke e, ele e Erwin começaram com alguns hábitos
estranhos. Eles tinham feito experiências com venenos,
especialmente plantas, usando a si mesmos ou o gado dos
fazendeiros locais para testar suas novas fórmulas. Eles
guardaram pilhas e pilhas de notas detalhadas, crônicas
sobre os achados deles.
Eles regularmente sacrificavam coelhos, galinhas e
várias ovelhas para a mulher que eles adoravam como uma
deusa. Talvez tenha sido as substâncias que eles bebiam, a
influência maligna ou simplesmente a loucura, mas Neville e
Erwin tinham adoração por Lydia Brand. As mortes eram as
oferendas deles.
Além do mais, eles mantinham registros. Pilhas e pilhas
de registros. Phineas achara uma vasta coleção de anotações
e diários nas prateleiras alinhadas no segundo andar inteiro
da casa. Neville havia anotado seus sacrifícios e experiências
com mais cuidado do que um reitor mantinha os registros de
uma igreja. Estranho, de fato.
Era Neville quem misturava os venenos e Erwin quem os
entregava às suas vítimas. No caso da pobre mulher que se
parecia com Hannah, Erwin a levara até a casa em
Knighsbridge, onde Neville a matara.
Phineas achou bastante difícil explicar as coisas ao
magistrado. Outra série de ocorrências sinistras e mortes por
envenenamentos. Outra morte nas terras de Primvale. E desta
vez, o assassino não tinha simplesmente levado um tiro com
uma pistola. Ele fora atacado por um garfo, mordido como um
presunto, levou um tiro de rifle de caça e teve seu pescoço
perfurado por uma flecha. Deus do céu, era um milagre que o
magistrado houvesse exigido apenas que Phineas entregasse
os diários.
Agora, dias depois, Dunston e o Sr. Drayton estavam
preparados para partir. Assim como o Sr. Hawthorn. O oficial
de Bow Street continuava fraco por causa de suas feridas. O
Sr. Hawthorn estava sentado à mesa do outro lado de Hannah
parecendo tão sombrio quanto a morte, sua mandíbula
quadrada estava dura, seu interesse no café da manhã era
escasso.
Mas então, Hannah também não comera mais do que
uma mordida ou duas. Ela estava friamente composta e
lindamente vestida. Ela bebia o chá e se recusava a olhar
para o Sr. Hawthorn por qualquer motivo.
Ele se recusava a tirar os olhos dela.
Genie sentia a dor dos dois, mas ela fizera tudo o que
podia. Hannah fechara seu coração ao homem.
Compreensivelmente, ela acreditava. Tendo sofrido
profundamente, com feridas permanentes, o passado de
Hannah distorcia o formato de seu futuro da mesma forma
como o de Edgar Erwin. Avançar em direção ao amor,
arriscando seu coração forte-embora-frágil, estava
simplesmente fora de questão.
— Um dia, você vai desejar muito isso. — Genie lhe disse
gentilmente na noite anterior. — E então, você será corajosa.
Porque você é. Embora não esteja pronta.
Uma única lágrima escorreu pelas bochechas de
Hannah. Ela inclinou o queixo em um ângulo orgulhoso.
— Eu aprenderei a cavalgar, Eugenia.
Genie sorrira. Apertou sua mão.
— Esplêndido. Nós começaremos por aí, querida.
Agora, enquanto o café da manhã terminava e os homens
se preparavam para partir, Hannah se recolheu ao seu quarto
enquanto o Sr. Hawthorn a olhava com visível fome. Dunston
havia arrumado uma carruagem para levá-lo de volta a
Londres. Assim que ela saiu de vista, ele entrou nela sem
dizer uma palavra.
Genie enlaçou o braço com o de Phineas enquanto eles
estavam parados nas escadas do castelo observando os
homens desaparecerem pela estrada.
— Eu gosto bastante do Sr. Hawthorn.
Phineas franziu o cenho.
— Ele foi útil, suponho.
— Você também deveria tentar gostar dele.
— Falho em ver o motivo. A probabilidade de que eu
ponha os meus olhos sobre ele novamente é baixa. Cinco por
cento. Talvez dez.
— Oh, eu colocaria mais alto do que isso.
Os olhos dele encontraram os dela.
— Eu prefiro contemplar a probabilidade de que estará
nua dentro de uma hora.
Ela deu uma risadinha. Puxou-o para um beijo.
— Facilmente cem por cento, ouso dizer.
Ele suspirou e tocou sua testa na dela. Os aromas de
limão e menta a varreram. Os olhos dele fecharam por um
momento.
— Preciso tocá-la novamente, Roseira. Preciso ver que
você está...bem.
Sorrindo, ela acariciou o queixo dele e olhou para seus
olhos verdes brilhantes.
— Eu pensei que já tinha verificado minha melhora
várias vezes nesta noite.
— Um homem da ciência deve ser diligente.
— E nesta manhã.
— Inconclusiva.
— Duas vezes antes do café da manhã, se me recordo.
— Experimentos adicionais são necessários para garantir
o rigor total.
Ela gemeu, seu ventre aquecendo.
— Eu gosto do seu rigor.
Ele se abaixou e a pegou em seus braços. Ela se agarrou
ao seu pescoço, beijando seu queixo, orelha, os cantos de
seus fascinantes lábios. Cada parte que ela podia alcançar.
Quando ele a deitou na cama, ela estava tremendo com
calafrios quentes. Deslizando entre os veludos esmeraldas e
sedas prateadas, ela se ergueu sobre os cotovelos para
assisti-lo se despir. Os olhos dele brilhavam quando se
demoraram em seus seios e quadris.
Lentamente, ela puxou as saias para cima de suas
pernas.
— Quanto despida devo estar para a sua experiência,
meu lorde? — Ela parou sobre seus joelhos. — Despida
assim?
— Mais.
Suas coxas.
— Assim?
Ele descartou suas calças e subiu na cama, apoiando-se
em cima dela.
— Mais.
— Mostre-me. — Ela sussurrou contra a boca dele.
Ele tirou as meias dela. As saias. Seu corpete, espartilho,
anáguas e camisa. Ele deslizou as palmas de suas mãos sobre
os mamilos. Tomou as pontas duras em sua boca – primeiro
um, depois o outro. Ele beijou todo o caminho para baixo,
demorando-se como frequentemente fazia, sobre seu ventre.
— Nosso bebé crescerá aqui, Eugenia. — Ele esfregou o
nariz em seu umbigo. — Nossa família crescerá aqui.
Ela sorriu e acariciou seu cabelo.
— Como está certo, meu amor.
Em seguida ele traçou um dedo ao longo de seu quadril,
perto de onde a bala de Neville a atingira. A ferida ainda doía
um pouco, mas estava se curando incrivelmente bem graças
aos chás e pomadas de Phineas. Ele depositou um beijo suave
acima e abaixo do curativo.
— Como se sente? — Ele perguntou.
— Febril.
Os olhos dele voaram aos dela, enrugando preocupados.
— Seu toque me deixa ardendo. — Ela acariciou a
bochecha dele, os quadris ondulando no cobertor. — Agora,
prossiga com isso.
Ele riu, baixo e duro. O som era perversamente
prazeroso.
Ele beijou seu ventre. Mais embaixo. Depois mais
embaixo.
— Suas pétalas são macias, Roseira. Ansioso. — Os
dedos dele separaram as dobras e deslizaram com carícias
enlouquecedoras ao redor de se centro inchado. Os olhos dele
a devoravam ali, quase um outro toque. Ele abaixou a cabeça.
Provocou o pequeno núcleo com a língua. — Néctar doce,
doce. — Ele sussurrou, seu fôlego era outro estímulo. Dois
dedos deslizaram facilmente para dentro dela enquanto sua
língua trabalhava, trabalhava e trabalhava.
A explosão de calor e luz expandiu indefinidamente como
uma nuvem de tempestade sobre o mar, enquanto ela se
erguia na boca dele. Contorcendo-se e agarrando-se a seda
prateada, ela exigiu:
— Agora, Phineas. Oh, por favor, meu amor. Agora.
Em segundos ele a preenchia. Duro, profundo e
verdadeiramente. Ela prendeu os olhos aos dele. Beijou seus
lábios. Agarrou-se apertada a ele e lhe deu cada grama de
prazer que era capaz.
Porque ele era dela. Cada parte dele. O cientista, o
marido, o protetor. O homem. Inteiro e maravilhoso.
— Deus, como eu te amo, Roseira.
— Phineas. — Ela exalou. — Meu coração.
Quando o pico chegou, o corpo dele empurrou dentro
dela com uma fúria enlouquecedora. Os olhos dele ardiam,
desesperados e devoradores. Ela os prendeu aos seus o tanto
que foi capaz, esperando que ele visse o seu êxtase. Para
saber que seu toque era o único que poderia causar isso. E,
enquanto o nome dele quebrava de sua garganta com um
soluço violento, ela conseguiu ver que ele já sabia.
Ela era dele e ele era dela.
Ela o faria rir quando ele ficasse muito sério e ele a
fortaleceria quando sua confiança oscilasse. A família deles
cresceria. O amor deles cresceria.
Genie sabia tão certo quanto sabia que as rosas de seda
vermelha ficavam vistosas no azul índigo.
Pois, embora o casamento deles tenha sido plantado no
solo do escândalo, as raízes deles agora e sempre estariam
entrelaçadas.
EPÍLOGO

“Um grifo? Ora, é parte águia e parte leão. Interessantemente,


a lenda diz que esta criatura seleciona um parceiro para toda a
vida. Bastante parecido com os dragões, nesse aspecto.”

A Marquesa Viúva de Wallingham enquanto lia para seu neto


mais velho, Bain, em uma pacífica manhã de inverno.

A geada cintilava nas pedras do caminho. De cima, a


paisagem de Primvale parecia pintada em um branco
iridescente. O mar suspirava à distância. O sol brilhava claro
e puro.
Phineas pegou o coberto do sofá de Eugenia e caminhou
em direção ao terraço.
Ele envolveu o coberto vermelho e suave ao redor dos
lindos ombros de sua esposa. Então. Envolveu-a com seus
braços.
— O que acha? — Ele murmurou em seu ouvido.
Ela se recostou nele e depois apoiou o cotovelo no pulso
e bateu nos lábios com o dedo.
— Levou muito tempo.
— Sim.
— E gerou muita despesa.
— E aqui está.
— Eu nunca recuperarei o sono que eu perdi ao ser
acordada todas as manhãs por martelos, escultor e artesãos
muito jocosos.
Ele riu. Beijou o pescoço dela. Sentiu o seu arrepio.
— Mas?
— Está perfeita, Phineas. Mas perfeita do que eu
imaginei.
A felicidade o tomou. Orgulho e prazer se moveram
através dele como um raio.
Ele não havia permitido que ela visse o seu desenho até o
dia anterior, quando enfim, o escultor terminou seu trabalho.
E sua reação inicial não foram palavras: lágrimas. Levou uma
tarde apaixonada demonstrando sua apreciação com a boca,
mãos e seu delicioso corpo.
Mas ele queria ouvir as palavras dela. E agora, ela o fez.
A fonte da mãe dele fora transformada. O grifo
permaneceu. Mas onde a serpente antes se enrolava, agora
galhos, folhas e flores se entrelaçavam. Os espinhos da
roseira protegiam o grifo, e o grifo protegia as preciosas flores.
Eles se entrelaçavam em direção ao céu fortalecidos por seu
abraço.
— Fico feliz por ter gostado, Roseira.
Ela levou a palma da mão dele para seu ventre, agora,
redondo e entrelaçou os dedos entre os dele.
— Eu amei isso. E eu amo você. — Ela fungou. — Eu
também amo o meu novo quarto. — Eles haviam trocado a
seda amarela por vermelha em setembro. — Embora eu não
veja porque nós mantemos uma cama ali, já que não posso
dormir em outro lugar que não seja com você. Talvez eu a
transforme em uma sala de estar. Ou uma sala de trabalho.
— Outra sala de trabalho?
— Se eu for trazer a última moda para as damas de
Bridport, eu devo ter uma sala para criar, Phineas.
Ele suspirou.
— Eu achei que duas salas eram suficientes…
— Você tem apenas um jardim? — Ela perguntou
atrevidamente.
Ele optou pelo silêncio.
— Muito bem. Além do mais, Hannah sugeriu expandir
as minhas ofertas a Weymouth. Ela é brilhante, sua irmã.
Não tinha ideia de que ela tinha tal cabeça para lucros e
porcentagens.
Ele beijou o topo da cabeça de Eugenia e apreciou a
sensação do bebê deles crescendo sob sua mão.
— Entre, minha doçura. Está frio para ficar fora por
muito tempo.
— Não tenho preocupações neste assunto.
Sorrindo, ele murmurou:
— Não?
Ela sorriu também, os olhos brilhando com amor
enquanto ela se virava em seus braços.
— Você sempre me mantém aquecida, Phineas.
Ele tocou sua testa na dela. Respirou. Violetas e cerejas.
— E eu sempre o farei, Roseira. Sempre.
Notas

[←1]
       O chapéu de palha de Florença ficou conhecido universalmente como
“leghorn”, deriva do nome em inglês da cidade de Livorno, pois a distribuição
do chapéu acontecia do porto desta cidade para todo o mundo.
[←2]
       Fancy significa criativa, imaginação, fantasia.
[←3]
       Bedlam foi um sanatório.
[←4]
A cravat é um lenço para o pescoço, precursora da moderna gravata e
gravata borboleta, originada de um estilo usado por membros da unidade
militar do século XVII
[←5]
       otomana é um pufe, mas por causa do jogo de palavras com o Império
Otomano (durou de 1299 a 1922), mantive como o original.
[←6]
       Syllabub é um prato doce da culinária inglesa, feito coalhando creme ou
leite doce com um ácido como o vinho ou a cidra. Foi popular entre os
séculos 16 e 19.
[←7]
       O xarope de orgeat é um xarope doce feito de amêndoas, açúcar e água
de rosas ou água de flor de laranjeira. Foi originalmente feito com uma
mistura de cevada e amêndoa. Tem um sabor pronunciado de amêndoa e é
usado para dar sabor a muitos coquetéis.
[←8]
O pistilo é um órgão sexual feminino de vegetais do grupo angiosperma. Esta
parcela da flor é também chamada de gineceu e é responsável pela
reprodução das flores.

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