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— Tu irias amá-lo, como eu amo. Como amas esta terra cá. Portugal
e Brasil, hoje em dia, são ambos parte de um único reino, agora que Dom
João e toda família real vive cá. Compreendes, meu amor?
— Sim, eu compreendo. E como te amo, também amaria a tua terra –
ela disse, sorrindo novamente. – Mas tenho minha mãe, que eu também
amo.
— Querida! Sei o que sentes.
Miguel enlaçou-a, com delicadeza. Prisciliana sentiu-se protegida,
amparada, entre os braços fortes e o peito rijo do namorado. Recostou a
cabeça no ombro dele e por um momento, esqueceu tudo. As brigas com o
pai, as dificuldades que os ameaçavam, o medo de ser surpreendida, o
casamento arranjado.
Naquele momento, ela queria esquecer o mundo à sua volta e sentir-
se apenas dele, unida a ele, parte dele.
— Miguel, eu sei que sabes. Para mim, és como parte de mim
mesma. E quero ser tua mulher.
Ele a olhou no fundo dos olhos. Ela percebeu que o azul dos olhos
dele tinha a tonalidade do céu quando estava levemente nublado: Um
cinza-azul profundo e brilhante.
— E será, eu te juro. Mesmo que eu tenha de enfrentar o próprio
Rei!
— Quero amar-te. Agora, como tua mulher.
— Que dizes, minha princesa? – Ele ficou um pouco aturdido.
— Quero que me tomes em teus braços e me beijes, como o faria
com tua esposa.
Ela enrubesceu. Sabia de casos assim: Em que uma jovem tornava-
se “mulher” de um homem, sem ser casada. E depois, o pai a obrigava a
casar-se com ele. Talvez, ela pensou, se ela e Miguel se deitassem juntos.
Seu pai esqueceria a ideia de casá-la com Dr. Augusto, e aceitasse a ideia de
vê-la casada com Miguel.
— Mas, minha amada, tens certeza?
— Eu quero ser tua! – Ela gemeu, aproximando o rosto do dele.
Sentia o coração batendo forte, mas uma onda de desejo invadiu-a,
como uma daquelas rajadas de vento, quando há tempestade: Arrojam tudo
ao chão, derrubam árvores, arrancam as telhas das casas, carregam para
longe objetos. Assim ela se sentia, dominada por aquela emoção estranha e
fascinante.
— Minha bem-amada, eu também quero.
O jovem português dobrou-a com delicadeza, inclinando-se sobre
ela e beijando-a.
Os lábios e o beijo são doces como a voz dele, ela pensou. Oh, minha
Nossa Senhora, como eu gosto dele. Que Deus me perdoe!
Prisciliana entregou-se às carícias mais ousadas de Miguel, sem
resistir, apesar de sentir um vago temor.
Mas quando ele desatou o nó do corpete e tirou-o, quando ele, finalmente,
tocou-lhe a pele nua do colo, ela gemeu e estremeceu de prazer. E deixou
que ele escorregasse as mãos sobre seus seios, sobre seu ventre... Ela
mesma acabou de desatar os cordões das saias, e viu-o tirar a camisa,
mostrando o peito nu, levemente bronzeado.
Ele inclinou-se, então, beijando-a sempre e ela pôde sentir a
masculinidade dele roçando-lhe o corpo... Sentiu uma onda súbita de medo
e prazer, que a deixou indecisa...
— Miguel, por favor, sou uma virgem.
— Meu amor, sei disso, não me queres mais? – Ele perguntou,
erguendo o rosto suado, com os olhos brilhantes. — Estás com medo?
— Tenho. Por favor...
Ela o afastou de si, assustada. Ouvira um leve ruído na mata.
— Que foi, minha formosa princesa?
— Eu tenho medo. Ouvi alguma coisa, não ouviste também?
Ele sentou-se ao lado, ofegante e ficou de ouvidos atentos. Pareceu-
lhe ouvir um leve roçagar de alguma coisa contra as folhagens, mas achou
que era bobagem.
— Algum animalzinho. As matas são cheias de animais pequenos,
que fazem esse tipo de ruído.
— Mas – Ela baixou os olhos, e apanhou as saias, cobrindo a nudez
novamente. — Por favor, meu querido. Dá-me ainda algum tempo. Tenho
medo.
Ele sorriu.
— Querida, eu jamais te forçaria. Amo-te porque esse sentimento é
meu, e pronto. Não pelo que venhas a dizer, fazer ou conceder. Ainda que
não me amasses, ainda que me desprezasses e que eu jamais viesse a ter-te
em meus braços, ainda assim te amaria.
Prisciliana sorriu, e ele ajudou-a a vestir-se novamente.
— Eu te amo muito, Miguel. Quanto mais te conheço, mais acredito
na sinceridade do teu sentimento.
Após mais alguns minutos de mútuos afagos, eles se despediram,
com um longo beijo e a promessa de que se reencontrariam de novo.
SR. HORÁCIO Taques andava aperreado, como dizia Dona Maria. Ele
tinha gostado de conhecer seu novo vizinho, o Marquês de Suassuna, que
lhe comprara a fazenda. Era este um homem viajado, um homem da corte,
que tinha boas relações com alguns dos mais importantes fidalgos do Rio
de Janeiro, e Sr. Horácio tinha planos de unir-se a ele nesse círculo de “boas
relações”. Quem sabe, cair até nas boas graças de El Rei, Dom João? Sr.
Horácio ficara sabendo que o Marquês era íntimo de um guarda-roupas do
Rei, um tal de Antônio Andrada.
E, de repente, surgira-lhe a grande oportunidade! Casar sua filha
com o jovem Augusto, filho único do Marquês. Sim, era uma oportunidade
como poucas. Entraria para a família do ilustre vizinho, e quiçá, para seu
círculo de influentes amizades!
E agora, deparara-se com a birra de Prisciliana. A criatura
encasquetara que não queria casar-se com Augusto, e pronto.
Horácio andava irritadiço com a situação. Precisava dar à filha um
bom castigo, para que ela não ousasse mais rebelar-se contra sua
autoridade.
Prisciliana foi para casa, seguida de perto pelo pai. Assim que
entraram em casa, Dona Maria correu em direção a eles, aflita.
— Afasta-te, Maria! – Berrou Horácio. – Tua filha irá para o quarto
dela, e lá conversaremos... Não adianta querer intervir!
Prisciliana foi para o quarto, obediente.
Lá dentro, assentou-se sobre a cama, e olhou, aterrorizada, para o
pai.
— Meu pai, eu só tive pena! O pobre homem...
— Já te disse que negros não são “homens”! Filha desnaturada e
ingrata! É assim que pagas todos os anos em que eu e tua mãe te demos do
melhor...? É assim que pagas a teu pai pela boa vida que tens, pelos belos
vestidos, pelo conforto, pela educação...? Maldita sejas!
E Sr. Horácio ergueu a grande mão, esbofeteando a filha com
violência.
Prisciliana deu um grito e caiu sobre a cama, o rosto latejando,
lágrimas ardentes brotando-lhe dos olhos, uma angústia negra como as
trevas de um grande abismo, toldando-lhe a mente.
— E vais te casar com o Dr. Augusto, sim! Ousa dizer novamente
que não!
Horácio berrou, o rosto como uma máscara vermelha de raiva.
— Ficarás presa no quarto, pelo tempo que for necessário. Só sairás
daqui, quando tiveres posto a cabeça no lugar, e deixares de lado essas
tolas ideias de rebeldia.
E saiu, batendo a porta e fechando-a pelo lado de fora.
CAPÍTULO CINCO
O DIA amanheceu com uma leve aragem fria, mas por volta das oito
horas da manhã o movimento no engenho já era grande e o calor também.
Como costumavam dizer os cronistas franceses daquela época, num
engenho, tudo é trabalho, nada de apatia, não se perdia uma só gota de
suor.
Prisciliana levantava-se cedo, mas naquele dia, ainda mais. Sem
muitas delongas, tomou seu café e disse ao pai e à mãe que queria ir à uma
costureira da vila, mandar fazer um vestido com o lindo corte de rendas
que recebera de presente do Dr. Augusto.
Foi-se, antes das oito horas, acompanhada de Candinha. Passara na
costureira, mas ao voltar para casa, dirigiu a charrete para um atalho que
passava nos fundos do engenho. Candinha nada disse, mas imaginava o que
ia suceder.
A senhorinha parou numa estrada antiga, usada às vezes pelo
pessoal do engenho ou da Fazenda Suassuna, mas que no geral, estava
sempre deserta.
Desceu da charrete e disse à mucama:
— É por aqui. Tu ficas, Cândida, que logo volto.
O DIA foi saudado por uma canção de Dona Maria, tocada ao piano.
Era uma canção brasileira, alegre, que falava dos folguedos em dias
santificados, das ruas cheias de gente, de danças, de colorido.
[1] Engenhos eram propriedades, locais destinados à fabricação de açúcar, propriamente a moenda,
a casa das caldeiras e a casa de purgar. Tudo isso junto era chamado de engenho-bangüê, e passou
com o tempo a ser assim denominado, incluindo as plantações, a casa-de-engenho ou moita (a
fábrica), a casa-grande (casa do proprietário), a senzala (lugar onde ficavam os escravos) e tudo
quanto pertencia à propriedade.Até meados do século XX os engenhos eram a principal indústria de
açúcar e álcool no Brasil. N. da A.
[2] Tronco foi o nome dado a um instrumento de tortura e humilhação, com função semelhante à
do pelourinho. Foi usado na Europa e nos Estados Unidos até ao século XIX, e no Brasil, com o intuito
de castigar os escravos, havia uma variante do tronco onde os indivíduos eram chicoteados, também
como exemplo. N da A.
[14] Lengalenga: Linguajar popular, significa situação duvidosa, de difícil resolução ou conclusão.
[15] Galego: Português, natural de Portugal.
[16] Abilolar: Enlouquecer.
[17] Aperreio: Incômodo, problema, complicação.
[18] Fremoso: Formoso.