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Uma Exposição Exegética, Interpretativa e Cultural

sobre as 42 Parábolas Contadas por Jesus

MANUAL BÍBLICO EXPOSITIVO SOBRE AS

PARABOLAS ´
de JESUS

Matheus Soares
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(22) 99955-8919
Sumário
Introdução 7

1. O Sal da Terra | Mt 5.13 | Mc 9.50 | Lc 14.34-35 | 9

2. A Candeia | Mt 5.14-16 | Mc 4.21-23 | Lc 8.16-17 | 13

3. A Porta Estreita e a Porta Larga | Mt 7.13-14| Lc 13.22-24 | 17

4. Os Dois Fundamentos | Mt 7.24-27 | Lc 6.46-49 | 21

5. O Vinho Novo e as Vestes Novas | Mt 9.14-17 | Mc 2.18-22 | 27

6. Os Meninos na Praça | Mt 11.16-19 | Lc 7.31-35 | 33

7. O Reino Dividido e o Homem Mais Valente | Mt 12.24-30 | Mc 3.23-29 | Lc 11.17-23 | 39

8. O Semeador | Mt 13.3-9 | Mc 4.3-9 | Lc 8.5-8 | 47

9. O Joio e o Trigo | Mt 13.24-30 | 55

10. O Grão de Mostarda | Mt 13.31-32 | Mc 4.30-32 | Lc 13.18-19 | 61

11. O Fermento | Mt 13.33 | Lc 13.20 | 65

12. O Tesouro Escondido e a Pérola de Grande Valor | Mt 13.44-46 | 69

13. A Rede | Mt 13.47-52 | 75

14. O Credor Incompassivo | Mt 18.23-35 | 79

15. Os Trabalhadores da Vinha | Mt 20.1-16 | 87

16. Os Dois Filhos | Mt 21.28-32 | 95

17. Os Lavradores Maus | Mt 21.33-44 | Mc 12.1-11 | Lc 20.9-18 | 99

18. As Bodas e o Homem sem Vestes | Mt 22.2-14 | 107

19. A Geração da Figueira | Mt 24.32-35 | Mc 13.28-31 | Lc 21.29-33 | 115


20. Os Dias de Noé, a Hora da Chegada do Ladrão e o Porteiro
| Mt 24.36-39; 43-44 | Mc 13.34-37 | Lc 12.39-40; 17.26-27 | 119

21. O Servo com Dois Comportamentos | Mt 24.45-51 | Lc 12.41-48 | 125

22. As Dez Virgens | Mt 25.1-13 | 131

23. Os Talentos | Mt 25.14-30 | 141

24. O Julgamento dos Bodes e das Ovelhas | Mt 25.31-46 | 151

25. A Semente que Germina Secretamente | Mc 4.26-29 | 157

26. Os Dois Devedores | Lc 7.36-50 | 161

27. O Bom Samaritano | Lc 10.25-37 | 171

28. O Amigo Importuno | Lc 11.5-8 | 183

29. O Rico Insensato | Lc 12.13-21 | 187

30. A Figueira Estéril | Lc 13.6-9 | 195

31. Os Primeiros Assentos |Lc 14.7-14| 201

32. O Grande Banquete | Lc 14.15-24 | 205

33. O Construtor da Torre e o Rei que vai a Guerra | Lc 14.28-33 | 211

34. A Ovelha Perdida | LC 15.3-7 | Mt 18.12-14 | 217

35. A Dracma Perdida | Lc 15.8-10 | 223

36. O Filho Pródigo | Lc 15.11-32 | 229

37. O Mordomo Infiel | Lc 16.1-9 | 241

38. O Rico e o Lázaro | Lc 16.19-31 | 247

39. O Servo Inútil | Lc 17.7-10 | 263

40. O Juiz Iníquo e a Viúva Penitente | Lc 18.1-8 | 269

41. O Fariseu e o Publicano | Lc 18.9-14 | 273

42. As Dez Minas | Lc 19.11-28 | 283

Bibliografia 291
Introdução

“P
orque Jesus falava por parábolas?” - Essa talvez seja uma
das perguntas mais repetidas em relação aos ensinos de
Jesus.
Cerca de 1/3 dos ensinos de Jesus foram feitos em parábolas. As
parábolas eram histórias que Jesus contava para explicar verdades
muito maiores. O termo parábola vem do grego “parabolé”, que signi-
fica “colocar ao lado”. Ou seja, ele “colocava uma história ao lado” para
explicar aquilo que, de fato, ele queria ensinar.
Nessas histórias, ele ia criando cenários e inserindo personagens
que iam sendo usados para comparar e ilustrar as principais verdades
do seu Reino.
No entanto, raramente Jesus explicava uma parábola para a
multidão em geral. Os discípulos, porém, sempre o perguntavam em
momentos a sós sobre qual o significado e a explicação das parábolas
que ele havia contado, e era através dessas explicações, que uma nova
mentalidade nos discípulos ia sendo formada.
Porém, um dos textos que mais nos intrigam em relação as pa-
rábolas é Mateus 13.10-14:

“E, acercando-se dele os discípulos, disseram-lhe:


Por que lhes falas por parábolas? Jesus respondendo, dis-
se-lhes: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do Rei-
no dos Céus, mas a eles não lhes é dado; porque àquele
que tem se dará, e terá em abundância; mas aquele que
não tem, até aquilo que tem lhe será tirado. Por isso, lhes

7
falo por parábolas, porque eles, vendo, não veem; e, ou-
vindo, não ouvem, nem compreendem. E neles se cumpre
a profecia de Isaías, que diz: Ouvindo, ouvireis, mas não
compreendereis e, vendo, vereis, mas não percebereis”.

Diante disso, entendemos que as parábolas eram uma forma co-


dificada que Jesus usava para construir os seus ensinos, e só com o
passar dos tempos que todos eles iriam compreender verdadeiramen-
te a totalidade do que muitas daquelas histórias ensinavam.
Porém, mesmo com o passar dos séculos, ainda existem até hoje
muitas questões que são debatidas e mal compreendidas acerca dos
valores e princípios que Jesus se propôs a ensinar.
Diante disso, o propósito desse livro é apresentar a você cada
uma dessas possibilidades interpretativas, de modo que te seja am-
pliada a compreensão acerca do verdadeiro sentido que possuía a
mensagem de Jesus através de suas parábolas.
Parabéns por ter adquirido esse livro. Está em suas mãos um
material que é fruto de alguns anos de pesquisas e estudos. Você está
diante de uma verdadeira mina de conhecimento. Certamente essa
obra irá abençoar muito a sua vida!

Matheus Soares, O Autor

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38
O Rico e o Lázaro
| Lc 16.19-31 |

“Ora, havia um homem rico, e vestia-se de púrpura e de linho finíssi-


mo, e vivia todos os dias regalada e esplendidamente. Havia também
um certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas à
porta daquele. E desejava alimentar-se com as migalhas que caíam
da mesa do rico; e os próprios cães vinham lamber-lhe as chagas. E
aconteceu que o mendigo morreu e foi levado pelos anjos para o seio
de Abraão; e morreu também o rico e foi sepultado. E, no Hades, er-
gueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão e Lázaro,
no seu seio. E, clamando, disse: Abraão, meu pai, tem misericórdia
de mim e manda a Lázaro que molhe na água a ponta do seu dedo
e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama.
Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens
em tua vida, e Lázaro, somente males; e, agora, este é consolado, e tu,
atormentado. E, além disso, está posto um grande abismo entre nós
e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não po-
deriam, nem tampouco os de lá, passar para cá. E disse ele: Rogo-te,
pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos,
para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham também
para este lugar de tormento. Disse-lhe Abraão: Eles têm Moisés e os
Profetas; ouçam-nos. E disse ele: Não, Abraão, meu pai; mas, se algum
dos mortos fosse ter com eles, arrepender-se-iam. Porém Abraão lhe
disse: Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco acreditarão,
ainda que algum dos mortos ressuscite”
Lucas 16:19-31

247
O Rico e o Lázaro

E
ssa é uma das mais ricas histórias que Jesus contou. Está regis-
trada apenas nos escritos de Lucas. Essa parábola se encontra
logo após a parábola do mordomo infiel, intercalada apenas por
um comentário de Jesus sobre o amor ao dinheiro e um pequeno de-
bate entre Jesus e os fariseus.
Os fariseus haviam zombado de Jesus devido a parábola do mor-
domo infiel e do ensino sobre o relacionamento errado em relação as
riquezas (Lc 16.14), e foi por causa disso, que Jesus contou a parábo-
la do Rico e o Lázaro. Tragicamente, os fariseus possuíam uma vida
de luxo e desperdício, e viviam para amar ao dinheiro se interessando
apenas nos prazeres dessa vida que o dinheiro pode comprar.
Alguns versículos antes dessa parábola, Jesus estava ensinan-
do sobre Deus e Mamom (Lc 16.9-13). Este ensino pode ser entendido
também como uma introdução a essa parábola. Nele Jesus fala sobre
o perigo de servir a dois senhores e amar mais ao dinheiro do que
a Deus. Tendo Lucas 16.9-13 em mente como contexto, o leitor des-
se Evangelho é presenteado com a parábola do Rico e do Lázaro. Era
como se Jesus estivesse dizendo: “Agora vou lhes contar uma história
de duas pessoas, uma servia a Deus e a outra a Mamom”.
Essa parábola é a terceira de uma trilogia do Evangelho escrito
por Lucas. Na primeira, um pródigo desperdiça os bens de seu pai (Lc
15.11-32). Na segunda, o mordomo infiel desperdiça os bens de seu se-
nhor (Lc 16.1-8). Na terceira, um homem rico desperdiça seus próprios
bens (por viver regaladamente e por não o investir no campo da eter-
nidade).
Um aspecto interessante sobre essa parábola é que apenas nela
Jesus deu nome aos personagens. Ao mendigo ela chama Lázaro, e
ao outro ele identifica como “certo homem rico”. Isso tem feito muitos
pensarem que não se tratava de uma parábola, mas sim, de um relato
sobre pessoas que, de fato, haviam existido. A tradição diz que o ho-
mem rico se chamava Dives – que é a tradução da palavra “rico” em la-
tim. Por isso, a Vulgata Latina chama-o de Dives. No entanto, há os que
defendem que o nome do rico era Níneve, e que Dives seja somente
uma tradução da palavra rico. O certo é que é uma longa e interminá-
vel discussão a existência ou não desses personagens na vida real.
Outro aspecto interessante está no fato de que o único nome
que Jesus citou foi o do mendigo e não o do rico. Essa foi uma atitude
consciente para mostrar que a ordem espiritual das coisas é inversa da

248
Manual Bíblico Expositivo Sobre as Parábolas de Jesus

ordem comum. Pois no mundo, os nomes que são venerados são os


dos ricos, ao passo que os dos pobres, são desconhecidos e indignos
de serem lembrados.
Incrivelmente essa história salta da vida humana para a eterni-
dade em um sincronismo quase que imperceptível. É profundamente
relevante o fato de Jesus ter escolhido dois indivíduos, sendo um deles
um homem muito rico, e o outro, um mendigo extremamente pobre
e sem amigos para ilustrar o que acontece com as pessoas depois da
morte.
Jesus contou que o rico se vestia de púrpura e linho. Louis-Clau-
de Fillion escreve que essa púrpura vinha de Tiro e o linho do Egito.
Púrpura era um tecido tingido com uma tinta muitíssimo cara, que
era extraída de um molusco, o murex, que era encontrado somente
em águas muito profundas. A quantidade de liquido extraído de cada
molusco era pouquíssima, o que aumentava mais ainda o valor dessa
tinta. Havia três tons de púrpura – violeta, escarlate e azul – ambos
muito concentrados em sua tonalidade, e era usado como a peça ex-
terna na vestimenta. O linho era também um tecido finíssimo, e era
usado como a roupa de baixo. Juntos, essa combinação representava
a principal opção em vestimentas de luxo. O termo usado para esse
linho no texto original grego é “byssos”, que só aparece aqui em todo
o Novo Testamento – termo tão raro quanto o objeto que ele designa
– significa “o linho mais fino”. Russel Norman Champlin chega a dizer
que esse linho egípcio era vendido por duas vezes o mesmo peso em
ouro (para cada duas gramas de linho, pagava-se uma grama de ouro).
Essa combinação era apenas usada por pessoas muito ricas ou que
possuíam certa posição real, como príncipes e reis.
Além disso, Jesus também contou que esse homem se banque-
teava “regalada e esplendidamente todos os dias”. Kenneth Bailey, faz
uma observação interessante sobre essa questão em relação à prática
do judaísmo: “Se ele fazia banquetes todos os dias, isso é sinal de que
ele não guardava o sábado. Seus servos não possuíam um dia se quer
de descanso, e assim, toda semana, ele violava os dez mandamentos”.
Ou seja, seu estilo de vida ostentoso era mais importante para ele do
que a Lei de Deus.
Este homem tinha tudo quanto poderia desejar na vida, e vivia
com prazeres e despreocupação. Vivia entre os prazeres que a riqueza
pode proporcionar. Ele tinha a sua disposição todas as “coisas boas da

249
O Rico e o Lázaro

vida”. Ele era um conhecedor das iguarias finas, e cada refeição em sua
mesa era uma verdadeira festa da gastronomia. Não se pode chamá-lo
de inescrupuloso, pois a forma que obteve a sua fortuna não é contada.
Ele não era avarento, pois nenhum avarento vive “regaladamente” fa-
zendo festas todos os dias. Não se diz que ele cometeu qualquer outro
“pecado grave”, o problema deste homem eram os pecados comuns
e quase imperceptíveis que acabaram o tirando do céu. Como disse C.
S. Lewis: “O caminho mais confortável para o inferno é gradual: possui
um declive suave, é macio debaixo dos pés, não tem curvas fechadas e
não possui marcos, nem placas”.
Precisamos entender também que a situação desagradável do
rico não se devia às suas riquezas (afinal de contas, o “Pai Abraão” da
história também tinha sido rico), mas, sim, à sua negligência com a
prática dos ensinos das escrituras. Repare que não é a negligência do
conteúdo das escrituras, mas sim, da prática delas. O rico – como filho
de Abraão – sabia o que as escrituras diziam, mas não as vivia. Ele sabia
que deveria amar a Deus acima de todas as coisas, mas não amava; Ele
sabia que deveria amar ao próximo como a ele mesmo, mas não amou
a Lázaro. O problema dele não foi a ignorância das escrituras, mas foi
a negligência delas. Ser rico não era o seu crime – era a sua oportuni-
dade. Seu crime foi o amor próprio mundano e uma profunda falta de
espiritualidade que fazia secar nele a cada dia a fonte de humanidade
e compaixão que deveria existir. Em outras palavras, o rico não foi salvo
não “pelo que ele fez”, mas sim, “pelo que ele não fez”.
Francis Nichol observa algo interessante sobre a postura do rico:
“É verdade que o rico não maltratou a Lázaro. Seu relacionamento com
Lázaro não envolveu atos de maldade, mas sim, a omissão de atos de
misericórdia”. A atitude do rico foi semelhante à de Caim, quando dis-
se: “acaso, sou eu tutor (responsável) de meu irmão?” (Gn 4.9). Infeliz-
mente, a nossa omissão ao bem nos torna – ainda que indiretamente
– praticantes do mal.
Leon Morris escreve que a essência do “pecado” do rico estava
na decisão de viver exclusivamente só para si. Myer Pearlman ensina
que o rico representa a pessoa que não soube empregar seu dinheiro
em Deus e nas pessoas, e ao passar para a eternidade, viu-se pobre,
sem amigos e abandonado. Todos os recursos que ele tanto agarrara
durante sua vida física haviam sido lhe tirados.

250
Manual Bíblico Expositivo Sobre as Parábolas de Jesus

Essa verdade sempre esteve presente nos ensinos de Jesus. Je-


sus sempre ensinou em suas mensagens que tudo que é investido
no Reino de Deus e nas pessoas, se transforma em investimentos e
tesouros na eternidade (Mc 10.17-21). Ou seja, a única riqueza dessa vida
que nós vamos conseguir de alguma forma levar conosco para a eter-
nidade será aquela que nós não guardamos para nós. O rico aparente-
mente não entendeu isso.
O rico havia escolhido a lógica errada sobre o dinheiro para a sua
vida. Existem pelo menos três grandes lógicas que regem o mundo
acerca do dinheiro:

• Primeira lógica: O que é meu é meu. O que é seu é meu.


• Segunda lógica: O que é meu é meu. O que é seu é seu.
• Terceira lógica: O que é meu é seu. O que é seu é seu.

A primeira lógica é a lógica que rege a marginalidade. É a ló-


gica praticada pelos ladrões, políticos corruptos e pessoas que usur-
pam o próximo. Esses tipos de pessoas seguram o que é “deles” para
eles e ainda tomam o que é do próximo. A segunda lógica é a lógica
daqueles que pensam só em si, e não estão interessados pela dor do
próximo que chora ao lado. Essa era a lógica do rico. Ele entendia que
o que era dele era dele, e o que era de Lázaro era de Lázaro, e sendo
assim, ele não considerava nenhuma possibilidade de ajudar Lázaro. E
a terceira lógica – por incrível que pareça – é a lógica que a palavra de
Deus propõe para as nossas vidas. Essa última lógica é a consequência
do entendimento de não cobiçar, nem invejar o que é do próximo (Dt
5.21) – assim como Paulo fez com os irmãos de Éfeso (At 20.33-34) – e
entender que o que Deus nos entrega, serve também para abençoar
àqueles que estão a nossa volta. Na verdade, essa lógica é fruto da
consciência de que o dinheiro que temos pertence ao Senhor, e Ele
nos colocou apenas como mordomos e despenseiros dos recursos que
pertencem a ele. Ou seja, esta parábola confronta um tipo muito espe-
cifico de riqueza: a riqueza que não enxerga a pobreza e o sofrimento
que está ao lado.
O outro personagem da história é o mendigo Lázaro. Esse ho-
mem, jazia diante do portão do rico. Vivia doente, faminto e esfarra-

251
O Rico e o Lázaro

pado, e desejava só umas migalhas que caia da mesa do rico. Essas


“migalhas” que Lázaro desejava, não se tratava das migalhas ociden-
tais – por mais estranho que pareça em nossa cultura – essas migalhas
eram pedaços de pão que eram utilizados para a limpeza das mãos
antes das refeições e depois eram atirados, sem proveito algum, em
baixo da mesa. Eram pedaços de pão que eram usados como se fos-
sem guardanapos.
Lázaro nunca fora convidado para uma refeição pelo rico. O ver-
bo “desejar” é usado no Evangelho escrito por Lucas para designar
algo que uma pessoa quer, mas não consegue ter. O filho pródigo,
em Lucas 15.16, por exemplo, desejava comer as vagens com que os
porcos se alimentavam, mas não as teve. Sendo assim, Lázaro estava
sempre exposto a fome, coberto de chagas e com o corpo a cada dia
se desfazendo.
Klyne Snodgrass diz algo interessante sobre a porta do rico: “O
homem rico vivia de forma opulenta e cheio de honrarias em um lado
da porta, e Lázaro, vivia de forma miserável do outro lado. Essa porta
poderia ter servido como uma abertura para o serviço e o socorro a Lá-
zaro, mas o rico preferiu que ela servisse como um protótipo do abis-
mo que também existiria entre eles dois após a morte”.
O verbo “jazia” aqui está no pretérito perfeito, e significa “atirar”
ou “colocar”, dando a entender, que alguém havia o colocado ali, pro-
vavelmente para que ele sobrevivesse ou da esmola de quem passava
por ali ou das migalhas da mesa do rico. Esse é o mesmo termo que foi
usado para os doentes que eram deixados no tanque de Betesda (ja-
ziam – Jo 5.3). Ou seja, seu estado é ainda mais crítico: Lázaro vivia tão
debilitado que não podia nem andar e nem deslocar-se a si mesmo.
Essas chagas eram úlceras terríveis que lhes proporcionava mui-
tas dores, além da constante fome que ele sofria. Não está claro se o
lamber das chagas pelos cães aumentava a agonia de Lázaro, ou se lhe
dava algum consolo, enquanto estava ali desamparado. Se esses cães
lhe traziam consolo, forma-se então um grande contraste na história:
os cães lhe produziam consolo e o pobre rico lhe proporcionava sofri-
mento. Os cães haviam sido mais sensíveis a Lázaro do que o rico.
O mais provável é que o “lamber das chagas” que os cães faziam,
de fato, serviam para consolar a Lázaro. Os cães, por exemplo, lambem
suas próprias feridas. Isso para eles também é um sinal de afeto. Pes-
quisas científicas recentes descobriram que a saliva deles contém “an-

252
Manual Bíblico Expositivo Sobre as Parábolas de Jesus

tibióticos peptídeos endógenos”, o que facilita a cicatrização. De algu-


ma forma, esses animais sempre souberam que quando eles lambiam
uma ferida, ela se cicatrizava mais rápido. Curiosamente, o rico não faz
nada por Lázaro. Faz pelos cachorros – por Lázaro não. Os cachorros
comem – Lázaro não. Mas esses cães, que provavelmente estavam na
casa do rico para atacarem estranhos, sabem que Lázaro é amigo de-
les, e fazem o que podem por Lázaro – tentam cicatrizar suas feridas.
Essa bela cena diz muito sobre a pessoa e a alma gentil de Lá-
zaro. Ele era um homem amável e vivia em harmonia com o mundo a
sua volta. Ele possuía – não se sabe como – contentamento. Por mais
que fosse tão hostil o ambiente e as pessoas que estavam em sua vol-
ta, a sua pessoa ainda conseguia transmitir paz.
O extraordinário dessa história é que Jesus levou a narrativa para
além do ponto em que todo biógrafo humano é obrigado a parar: a
morte. Fazendo assim, Ele revela o que acontece no outro lado do tem-
po. Descortina o mistério da morte e revela que esse evento não mar-
cava o fim, nem para o rico, nem para o Lázaro – pelo contrário – na
verdade, quando os dois morrem é que a história de fato começa. A
história tem 13 versículos (Lc 16.19-31). Somente nos 3 primeiros versícu-
los eles estão vivos. No quarto versículo todos os dois já estão mortos,
e ainda restam mais de 3/4 (três/quartos) da história para acontecer. A
grande parte da história acontece com eles mortos nessa vida e vivos
para sempre na eternidade – no céu e no inferno. Ou seja, a vida de
fato se inicia quando morremos. Aqui na terra é tudo muito rápido. Na
eternidade é que o tempo não terá fim. Esse é o perigo de só vivermos
para essa vida. Aqueles que vivem pensando apenas nessa vida, mal
sabem, que quando essa vida terminar, na verdade a história estará
apenas começando.
“Veio morrer o mendigo (Lázaro), e foi levado pelos anjos para o
seio de Abraão” (Lc 16.22). Reclinar no “seio de Abraão”, dentro do con-
texto cultural dos judeus, significava reclinar em volta de uma mesa
em forma de U (triclínio), no lugar de honra, à direita de Abraão. Na
última ceia, por exemplo, João reclinou-se “no/sobre o peito (seio) de
Jesus” (Jo 13.23). Esse era o lugar de honra reservado na eternidade
para Lázaro, ao lado de Abraão. A idéia que o texto sugere é que os an-
jos transportaram Lázaro para o seio de Abraão e lá Abraão deu uma
festa e um banquete para receber a Lázaro. O mendigo que desejava
– e não tinha – uma migalha de pão da mesa do rico, parece ter sido

253
O Rico e o Lázaro

recebido com um banquete na eternidade. Em contrapartida, para o


rico que desfrutava todos os dias de banquetes na vida, sobrou apenas
tormentos, consequentes de uma vida sem Deus.
Lázaro teve a sua alma levada pelos anjos, enquanto que o seu
corpo, aparentemente, não teve muita atenção. Se para Lázaro teve
um funeral (o que é pouco provável), deve ter sido tão obscuro e triste
que é melhor deixá-lo em silêncio. O rico, em contrapartida, deve ter
tido todo o cerimonial que é de costume à uma pessoa do alto escalão
da sociedade. No entanto, a sua alma parece não ter sido carregada
em boa companhia. Como teria sido diferente se Deus, e não as rique-
zas, estivessem estado em primeiro lugar em sua vida!
Campbell Morgan diz que os mendigos – assim como Lázaro era
– na maioria das vezes não eram sepultados. Quase que inevitavelmen-
te, as pessoas pegavam o corpo desconhecido e o lançavam no campo
de lixo da cidade, que também era chamado de Geena. Em Jerusalém,
o Geena era no vale de Hinom, e ali eram queimados juntamente com
todo o lixo. Isso acontecia, porque na maioria das vezes, não havia ne-
nhum ente querido para prestar solidariedade e realizar as cerimônias
finais. Essa era uma realidade conhecida na época, e o próprio fato de
não sermos informados sobre o sepultamento de Lázaro, nos leva a
crer que possivelmente este tenha sido seu fim. O texto diz que mor-
reu Lázaro e já foi levado ao seio de Abraão, sem nos informar sobre
alguma cerimônia de despedida que possa ter sido realizada.
Entretanto, embora os anjos tivessem levado Lázaro ao paraíso,
nada se diz a respeito sobre quem acompanhou o rico após a sua mor-
te até o Sheol. Aqueles que rejeitam ou desconsideram Deus nesta
vida, perdem o direito de ter os anjos de Deus os assistindo em sua
morte, e certamente atraem o convívio de espíritos semelhantes a
eles. Judas, por exemplo, antes de trair Jesus, teve Satanás entrando
nele (Jo 13.27). Satanás, certamente estava presente na morte de Ju-
das. Os anjos acompanham apenas os santos.
Fritz Rienecker escreve que para Lázaro a morte trouxe o fim de
seu sofrimento, e para o rico, o fim de sua felicidade. É bem provável
que o rico tenha vivido por longos anos. Certamente, viveu bem mais
que Lázaro (o texto fala primeiro da morte de Lázaro), que exposto ao
tempo e a desnutrição, foi vitimado por úlceras malignas e finalmente
levado à morte precoce. No entanto, mais uma verdade fica clara nes-

254
Manual Bíblico Expositivo Sobre as Parábolas de Jesus

ta parábola: Tanto a glória quanto a miséria dessa vida um dia chega-


rão ao seu fim.
O texto não diz quanto tempo Lázaro esteve à porta do rico, mas
certamente, foi um tempo suficiente para este, ao entrar e sair, fami-
liarizar-se com a sua feição, pois ele logo o reconheceu ao vê-lo no seio
de Abraão. O rico não podia, portanto, alegar ignorância às necessi-
dades do mendigo. A grande questão, é que o rico via Lázaro apenas
com os olhos, e nunca com o coração. Como disse D. L. Moody: “O rico
tropeçou num pobre e caiu no inferno”.
Hades aqui é traduzido por inferno. Significa a habitação dos
mortos, sejam bons, sejam maus. Esse local era dividido em dois am-
bientes: o seio de Abraão, habitação provisória dos salvos, e o inferno,
habitação eterna dos ímpios. Quando Cristo morreu, aparentemente
ele visitou esses dois ambientes. Pregou aos espíritos em prisão (1 Pe
3.19), e mudou o seio de Abraão de lugar: “subindo ao alto, levou cativo
o cativeiro” (Ef 4.8-9). No versículo 9, Paulo escreve aos Efésios que ele
“leva o cativeiro ao alto” depois de descer às partes mais baixas da ter-
ra. Temos então, a impressão de que após a sua morte e ressurreição,
Cristo mudou o seio de Abraão de lugar, e isso permanece até o dia em
que os salvos irão, enfim, para a habitação eterna, a Nova Jerusalém
(Ap 21.1-27).
No entanto, no Novo Testamento, o termo Hades nunca é usado
em relação aos salvos. Nesse contexto, parece ser equivalente ao que
também é chamado de Geena, que também é considerado o lugar do
castigo eterno, pois o rico estava em tormentos. Essa palavra (tormen-
tos) se origina de uma pedra de toque que era usada para que o ouro
e outros metais fossem feridos para serem testados, e depois passou
a ser usado como um objeto para torturar pessoas. Entretanto, esses
tormentos do rico não eram apenas por causa das chamas, ele tam-
bém era atormentado por remorsos tardios e desejos não cumpridos.
Como se não fosse o suficiente, o que aumentava mais ainda essa dor
era olhar e ver Lázaro no seio de Abraão e notar sua felicidade. Tragi-
camente, o inferno é o lugar onde a consciência nunca morrerá. Não
há como fugir da consciência do juízo de Deus no inferno. No inferno
não haverá ateus. O inferno nunca terá fim. Faz parte da eternidade e
será para sempre. Como disse Thomas Brooks: “os ímpios viverão no
inferno enquanto Deus viver no céu”.

255
O Rico e o Lázaro

O Senhor ainda nos informa que entre essas duas esferas ha-
via um grande abismo, e esse abismo era um abismo permanente. A
palavra grega traduzida como “abismo” aqui é chasma, que significa
um abismo profundo e largo. Ele é proposital para evitar contato e co-
municação dos que estavam no seio de Abraão com os que estavam
no Hades. Era este abismo que impedia o trânsito entre o lugar de
descanso eterno e o lugar de tormentos eternos.
Charles Spurgeon faz um comentário interessante sobre esse
abismo: “A engenharia humana ao longo dos anos, muito tem feito
para tentar superar grandes abismos. Há no mundo rios e precipícios
tão largos que a sua extensão de margem a margem não pode ser
superada, assim como torrentes tão furiosas que nada consegue do-
miná-las. Mesmo assim, o homem consegue estender uma bela e fir-
me ponte que os consegue transpor. Há, no entanto, um abismo que
nenhuma habilidade ou engenharia humana jamais conseguirá trans-
por; uma imensa brecha que nenhuma asa jamais conseguirá cruzar:
é o abismo entre os salvos e os condenados. Não existe passagem en-
tre o céu e o inferno!”.
Quem havia criado esse abismo entre os dois? A resposta é cla-
ra: o rico! O abismo que havia entre os dois na eternidade era apenas
consequência do abismo que o rico havia criado entre ele e Lázaro na
terra. É o abismo que o havia separado, em sua abundancia, de Lá-
zaro, em sua miséria. A única coisa que o rico não havia considerado,
era que Deus estava do mesmo lado do abismo que Lázaro. Ao fechar
Lázaro do lado de fora de sua casa, ele estava fazendo o mesmo com
Deus.
Um dos principais conceitos ensinados por Jesus nessa pará-
bola é a imortalidade da alma. Jesus nos conta que o rico ao sair do
seu corpo mortal, viu-se ainda consciente. Teria de viver para sempre
com essa realidade. O rico teve de descobrir que depois de deixar o
seu corpo, sua alma ainda existia fora do corpo. Tendo vivido na terra
por longos anos, a vida física lhe parecia ser o único tipo de vida. Na
eternidade ele percebeu, entretanto, que havia uma vida após a morte
e não havia mais nenhuma possibilidade de voltar à terra. Jesus está
ensinando aqui que os que já partiram não estão dormindo, mas ple-
namente acordados. Alguns estão salvos e outros estão sofrendo.
Enquanto vivia, o rico teria considerado uma vergonha “rebaixar-
-se” para falar a um elemento tão desprezível quanto era Lázaro. Agora,

256
Manual Bíblico Expositivo Sobre as Parábolas de Jesus

paradoxalmente, ele tinha que erguer os olhos para ver a Lázaro. As in-
versões que acontecem quando se passa para a eternidade são assusta-
doras. Não lhe sobrara absolutamente nada de que se pudesse orgulhar.
Quando o rico percebeu que lhe fora dado o privilégio de falar
com Abraão, que estava do outro lado do abismo – no paraíso – e ven-
do Lázaro com ele, aproveitou a oportunidade de fazer seu pedido! E o
que ele pede? Implora para ter uma oportunidade de entrar no paraí-
so? Não! Ele reconhece que isso não é mais possível. Pede uma opor-
tunidade para escapar do Hades? Também não. Embora ele mesmo
reconheça que lá é um lugar de tormentos, ele já havia percebido que
era impossível também sair de lá. Curiosamente, ele pede por um pou-
co de água e pela salvação dos seus entes queridos. O inferno havia
gerado nele um sentimento que ele nunca havia sentido: preocupa-
ção com a salvação de sua família.
Há aqueles que negam que os mortos estão conscientes. Se essa
história enfatiza alguma verdade, certamente é esta: os homens estão
conscientes depois da morte. E este não é um texto isolado. Muitos
outros textos da Bíblia ensinam sobre essa verdade (Mt 10.28; Lc 23.43;
Lc 20.38; Fp 1.23-24; 2 Co 5.6-8; 2 Co 12.1-4; 1 Pe 3.18-20; Ap 6.9-11).
O homem não somente tem um corpo físico, ele possui um es-
pírito e uma alma. Após a morte a tricotomia de desmonta. O espírito
volta para Deus (Ec 12.7), o corpo volta para o pó (Ec 12.7) e a alma se-
gue para o juízo (Hb 9.27 – é a alma que segue para o Hades ou o “seio
de Abraão” – At 2.27,31).
Jesus estava ensinando aqui, que assim como o corpo humano
possui cinco sentidos, a alma também possui sentidos corresponden-
tes. O rico estava bem consciente no Hades:
• Conseguia ver: “No inferno (Hades) estando em tormentos,
levantou os olhos e viu ao longe Abraão e Lázaro no seu
seio” (Lc 16.23).
• Conseguia ouviu: Ouvia o que Abraão falava (vv. 25-31).
• Conseguia falar: Rogou a Abraão que deixasse Lázaro ir até
ele (v. 24).
• Possuía o paladar: Queria um pouco de água para aplicar em
sua língua (v. 24).
• Podia sentir as coisas: Estava em tormentos (v. 23).
• Tinha memória: Lembrou de seus irmãos e queria avisá-los
(v. 28).

257
O Rico e o Lázaro

O rico no Hades tinha consciência e seus sentidos estavam bem


aguçados. Como era possível que o rico visse, depois de seus olhos te-
rem sido vitrificados com a morte? Como poderia ter olfato, tato ou au-
dição se seu corpo estava no túmulo? A resposta é simples: Assim como
o corpo tem sentidos físicos, a alma também possui sentidos espirituais.
Quando uma pessoa sonha enquanto dorme, por exemplo, seus olhos
podem estar completamente fechados. Seus ouvidos não estarem cap-
tando nada, mas nem por isso, ele deixa de “ver” ou “ouvir” em um so-
nho. Um sonho pode ser tão real para a mente humana como qualquer
coisa experimentada quando o corpo está ativo e acordado. Enquanto
o homem dorme, o que ele vê é real para ele. Da mesma forma, o que a
alma humana vê, pode ser tão real para a consciência humana quanto
aquilo que o corpo humano também percebia e sentia.
Algumas coisas precisam ser observadas em relação ao diálogo
entre o rico e Abraão: A atitude do rico para com o grande patriarca foi
respeitosa, pois o chama de Pai Abraão, e suas palavras de petição são
humildes. Mas há um tom de arrogância em sua fala em relação Láza-
ro, pois, o rico ainda achava que o pobre Lázaro poderia ser “mandado”
para lhe prestar um serviço (v. 24). Ironicamente, ele estava no inferno,
e achando que ainda podia dar ordens. Ele ainda não havia percebido
que os valores da terra não valem mais na eternidade. Pensava ele ain-
da estar falando com o pobre mendigo que vivia à porta de sua casa.
O pedido do rico era que Lázaro pudesse molhar a ponta dos
dedos e refrescar a língua dele. Craig Evans faz um comentário inte-
ressante sobre esse pedido: “O paraíso tem água em abundância, mas
o inferno é seco e quente”.
Abraão recusou o pedido do rico, explicando-lhe que a eternida-
de havia o feito viver uma revira-volta. Na vida, o rico havia desfrutado
de coisas boas, mas as suas escolhas haviam lhe construído uma reali-
dade muito diferente daquela que ele vivia outrora.
O pronome adjetivo “teus” no versículo 25 é significante. Ele já
havia tido tudo que escolhera. Poderia ter passado algum tempo com
as coisas de Deus e se deleitado nelas. Poderia ter ajudado a Láza-
ro. Poderia ter se preocupado mais com a eternidade, do que com a
rápida vida na terra. Mas, ele havia escolhido aquilo que considerava
“coisas boas” e agora teria que ficar com a consequência delas. Lázaro
tinha recebido na vida apenas males, e nesse caso, não há o adjetivo
“teus”, pois Lázaro não fora culpado pelos males que sofria.

258
Manual Bíblico Expositivo Sobre as Parábolas de Jesus

Curiosamente, o rico chama Abraão de “Pai Abraão”, e este lhe cha-


ma de “Filho” (v. 24 e 25). Os textos semíticos dizem “Abi Abraão” (meu
Pai Abraão). Essas versões acrescentam o pronome possessivo, que tam-
bém se encontra implícito no texto original escrito em grego. O rico está
jogando sua “cartada racial”. Ele tinha o sangue de Abraão nas veias, e
Abraão era o patriarca de seu clã. Este rico, provavelmente era circuncida-
do, o que na cultura da época certamente lhe fazia pensar que garantiria
a assistência de Abraão. Na cultura antiga, quando você estava em extre-
ma necessidade sempre se podia voltar ao patriarca da família e suplicar
a sua misericórdia, porque o patriarca era obrigado a ajudar. O mais inte-
ressante é que Abraão não desconsiderou a filiação genealógica do rico
que sendo judeu era seu descendente. Entretanto, o fato de ser filho de
Abraão não significava nada diante do compromisso pessoal com Deus
em relação a salvação que aquele rico deveria ter tido. A filiação humana
não garante a filiação divina. Infelizmente, o rico aprendeu tarde demais
que a paternidade física não garante a paternidade espiritual.
Depois de frustradamente lembrar a Abraão sua ligação familiar,
o rico verbalizou o grito tradicional do mendigo: “Tem misericórdia de
mim” (v. 24). Ironicamente, na eternidade, o rico era quem era o men-
digo. Dives não gostava de mendigos, e obviamente não falava com
eles. Agora ele havia se tornado um deles. No Hades, ele havia deseja-
do se tornar um “Lázaro” (que significa, “Aquele a quem Deus ajuda”),
mas infelizmente, já era tarde demais.
Tragicamente, foi no inferno que pela primeira vez na história o
rico demonstrou interesse por outras pessoas (v. 27), (no entanto, mais
uma vez não pensou nos pobres, mas apenas nos assuntos dos teus).
Ele pediu que seus cinco irmãos fossem advertidos quanto àquilo que
os aguardava. Mais uma vez, ele propõe que Lázaro fosse enviado com
um recado aos seus irmãos. Como disse acima, isso parece indicar que
ele ainda permanecia com seu senso profundo de superioridade em
relação a Lázaro. Em vez de pedir desculpas, ele ainda exigia serviços.
Aparentemente, existem níveis de soberbas e superioridades que nem
o inferno consegue quebrar.
O que o rico estava sugerindo é que se Lázaro não pudesse ser
usado com garçom – para entregar-lhe um pouco de água – certamente
poderia ser usado como um “garoto de recados” para servir ao interesse
dos seus “superiores”, como o rico e seus irmãos. Mais uma vez não há ne-
nhum indício de arrependimento do rico diante de Abraão e nem um pe-

259
O Rico e o Lázaro

dido de desculpas a Lázaro. A estratificação medíocre de uma sociedade


seletiva e separatista ainda estava intacta dentro da consciência do rico.
Curiosamente, ele pede a Abraão para que envie Lázaro, em vez
de pedir que ele mesmo fosse. Aparentemente, ele já havia entendido
que o inferno é um lugar onde não existe saída.
Um ponto que nos emudece nessa parábola é o contraste entre
as contundentes falas do rico, e o impressionante silêncio do Lázaro no
decurso da história. Lázaro não fala em momento algum (nem mesmo
em vida – o máximo que ele fez na porta do rico foi desejar um pouco
de migalhas de pão). Lázaro não se queixou de sua situação difícil na
terra, não exultou sobre o rico depois da sua morte e nem muito me-
nos expressou ressentimento contra as tentativas do rico de enviá-lo
de volta para fazer tarefas. Ele simplesmente estava em silêncio. Isso
parece nos sugerir que precisamos ser mais sensíveis para perceber-
mos, em meio as distrações e ilusões da vida, aqueles que estão próxi-
mos a nós e pouco falam.
Há os que pensam que isto seja um indício de que a eternida-
de para os salvos será um lugar onde as memórias dolorosas da vida
terrena já não mais existirão (Ap 21.4). De algum modo, lembraremos
apenas das coisas boas, como por exemplo, a memória sobre Abraão,
Isaque e Jacó (Mt 8.11), mas as tristezas da vida não existirão mais ali.
Abraão, respondendo ao pedido do rico, claramente, lembrou-
-lhe sobre as escrituras. Moisés, naturalmente, está aqui represen-
tando a lei e os profetas estão aqui representando todo o restante do
Antigo Testamento que estava à disposição daquela geração que o
rico fizera parte. Abraão estava dizendo que as escrituras davam aos
irmãos do rico tudo o que eles precisavam saber sobre Deus e sobre a
eternidade. Essas palavras nos dizem muita coisa. O rico e sua família,
enquanto em vida, tinham acesso às escrituras. Ou seja, a ausência da
prática delas não era pela ignorância do conhecimento, mas sim, por
negligência voluntária.
A parábola termina, com a afirmação solene de Abraão, de que o
aparecimento de alguém ressuscitado dentre os mortos não traria con-
vicção alguma para aqueles que recusam diariamente as escrituras. A
grande prova disso, é que um outro Lázaro (irmão de Marta e Maria),
ressuscitou durante o ministério de Jesus, e em vez de crerem mais em
Deus, por causa de um morto ressuscitado, preferiram querer matar à

260
Manual Bíblico Expositivo Sobre as Parábolas de Jesus

Lázaro e também a Jesus. Mortos ressuscitados não causam muito efei-


to naqueles que dentro do seu coração já decidiram rejeitar a Deus.
A conversa que o rico teve com Abraão não o levou a nada. Cada
pedido que ele fez, teve de ser recusado. Fica óbvio que no Hades, as
orações não são atendidas. Os clamores podem até serem feitos, en-
tretanto, não podem ser aceitos.
Este episódio apresenta uma grande verdade: Não pode haver
comunicação entre os vivos e os mortos. Os espíritos não voltam, a não
ser que retornem em seus corpos e ressuscitem por um mandado de
Deus – como aconteceu, por exemplo, com o Lázaro de Betânia (Jo 11).
O foco principal dessa parábola não é a “inversão de papéis na
eternidade”, mas sim, dar resposta a uma pergunta: “Como devemos
reagir à graça e aos sofrimentos da vida?”. A virtude de Lázaro não era
a pobreza, e nem muito menos a desgraça do rico era a riqueza. Lázaro
não foi para o céu por ser pobre. Este é um postulado com características
próximas às da teologia da libertação, que não tem apoio nas escrituras.
A questão não era o que eles possuíam, mas sim, quem possuía eles. O
rico tinha tudo menos Deus. Lázaro não tinha nada senão Deus. O rico
era servo de Mamom, e Lázaro servia ao Senhor. E esta devoção de Láza-
ro não era devido à ausência do dinheiro. O rico poderia também servir
ao Senhor, apesar de ser rico. Abraão e Jó foram ricos. A questão não é o
que você tem como posses, mas sim, de quem o seu coração se tornou
posse. O rico foi para o inferno porque decidiu viver uma vida desligada
de Deus. Lázaro foi salvo, porque independente da sua pobreza finan-
ceira, possuía uma riqueza dentro de si – riqueza essa que não se desfaz
como as riquezas de Mamom – Lázaro servia ao Senhor.
A salvação de Lázaro choca a todos os adeptos da teologia con-
temporânea obcecada pela prosperidade. Dentro do padrão atual,
quem deveria ser salvo era o rico e não o Lázaro. Todos aqueles que
estão iludidos pelo entendimento de que as limitações financeiras de
uma pessoa são uma maldição (fruto de uma vida fora do plano cen-
tral de Deus) não conseguem assimilar a essência disso.
O que Jesus está ensinando aqui é que um mendigo pode ser
salvo e um milionário ser condenado, assim como também, um milio-
nário pode ser salvo e um mendigo condenado. O nível de espirituali-
dade de uma pessoa ou a proporção da satisfação que ela pode causar
em Deus, nunca será medido pelo padrão financeiro que ela possui.
A quantidade de riquezas que uma pessoa possui pode impressionar

261
O Rico e o Lázaro

a nós, não a Deus. A essência da teologia da prosperidade é humana,


e não divina! A graça salvadora está livre aos homens, independente-
mente do nível social que eles possuem e do que eles podem oferecer
para as nossas denominações e instituições.
“Por que Lázaro sofria?”, é uma pergunta que não se responde
facilmente. A vida às vezes não é justa, mas apesar disso, Lázaro não
se queixava. Ele fora até mais paciente do que Jó. Ele pode ser cha-
mado de “O Jó do Novo Testamento”. O Jó do Antigo Testamento era
rico, perdeu tudo, sofreu, foi justificado e no final foi restaurado e ficou
duas vezes mais rico. Lázaro simplesmente foi mendigo e morreu em
meio a fome, dores e angústia.
O que nós precisamos entender é que a consolação e o conten-
tamento são dois mistérios de Deus. Só Deus pode gerar isso na gente.
O que precisamos é que Deus desenvolva em nós a capacidade de não
perder a fé, mesmo em meio ao sofrimento. Pois de alguma forma, a
eternidade produzirá consolo no mesmo nível que, inexplicavelmente,
a vida nos produziu dor (v. 25).
A pergunta que não se cala nessa parábola é: E nós? O que esta-
mos fazendo com os nossos Lázaros que sofrem a nossa volta? O pro-
blema não é ser o rico. Ser o rico é bom. O problema é ser um rico que
não enxerga e compadece dos Lázaros. Essa parábola retrata os dois
extremos da sociedade que subsiste até os dias de hoje: o da extrema
riqueza e da extrema pobreza. De um lado, a extrema riqueza que já
não sabe mais como gastar o dinheiro que tem, e do outro lado, a ex-
trema pobreza que já não sabe mais como saciar a fome que os assola
todos os dias. Esse é o retrato de um escandaloso desajuste social que
impera no mundo até os dias de hoje. O que precisamos entender é
que nós também precisamos encontrar e cuidar dos nossos Lázaros!

262
Sobre o Autor
Matheus Soares é formado em Teo-
logia, é pastor, escritor e conferencista.
Comentarista da série de documentários
histórico-cristãos “Pelos Caminhos da Bí-
blia e da História”, gravada em 15 países.
Já tendo pregado em mais de 25 nações,
tem realizado conferências em todo o
mundo. É casado com Mara, e pai de Ben-
jamin e Luigi.

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