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Se fossemos até esse antigo mundo arcaico numa máquina do tempo e puséssemos um pé

lá fora, voltaríamos para o interior da máquina muito rapidamente, porque a Terra tinha
tanto oxigénio nessa altura como Marte tem hoje em dia. Também continha imensos
vapores nocivos de ácido clorídrico e sulfúrico, suficientemente fortes para destruir a roupa
e deixar a pele cheia de bolhas. A sopa química que constituía a atmosfera de então não
teria permitido que bastante luz solar atingisse a superfície terrestre.
Durante dois mil milhões de anos, os organismos bacterianos foram as únicas formas de
vida. Eles viveram, reproduziram-se, proliferaram, mas não mostraram nenhuma inclinação
particular para evoluir para um nível de existência mais sofisticado. A certa altura, durante o
primeiro bilhão de anos de vida, as cianobactérias, ou algas azuis, aprenderam a viver de um
recurso disponível de forma irrestrita – o hidrogênio.
Num mundo anaeróbico (que não utiliza oxigênio), o oxigênio é extremamente venenoso. À
medida que as cianobactérias proliferavam, o mundo se enchia de oxigênio, para
consternação dos organismos para os quais o oxigênio era venenoso – e isso era todo
mundo naquela época. O nível de oxigênio em nossas células é apenas cerca de um décimo
daquele encontrado na atmosfera.
Os novos organismos consumidores de oxigênio tinham duas vantagens. O oxigênio era um
meio mais eficiente de produzir energia e vencer organismos concorrentes. Em suma, era a
Terra, mas uma Terra que não reconheceríamos como nossa.
As cianobactérias tiveram um sucesso imparável. No início, o excedente de oxigênio que
produziam, em vez de se acumular na atmosfera, combinou-se com o ferro, formando
óxidos de ferro que desceram, depositando-se nos leitos dos oceanos primitivos. Talvez aqui
e ali, em pequenas piscinas abrigadas, encontrássemos uma película espumosa de matéria
viva, ou uma camada brilhante de verdes e marrons nas rochas costeiras, mas, além disso, a
vida permaneceria invisível. Durante milhões de anos, o mundo literalmente enferrujou –
um fenômeno claramente registado nos depósitos de ferro que hoje fornecem a maior
parte do minério de ferro. Durante muitas dezenas de milhões de anos, não aconteceu
muito mais do que isso.
Onde quer que os mares fossem rasos, estruturas visíveis começaram a aparecer. Mas há
cerca de 3,5 mil milhões de anos, algo mais categórico tornou-se aparente. Durante suas
rotinas químicas, as cianobactérias tornaram-se levemente pegajosas, o que lhes permitiu
reter micropartículas de poeira e areia que, quando ligadas entre si, davam origem a
estruturas um tanto estranhas, mas sólidas — os estromatólitos, que apareciam nos
pântanos do cartaz pendurado. na parede do escritório de Victoria Bennett. O mundo teve
seu primeiro ecossistema.
Os cientistas sabem da existência de estromatólitos há muitos anos através de formações
fósseis, mas em 1961 tiveram uma verdadeira surpresa com a descoberta de uma
comunidade de estromatólitos vivos em Shark Bay, na remota costa noroeste da Austrália.
Foi uma descoberta absolutamente inesperada – na verdade, tão inesperada que só alguns
anos mais tarde é que os cientistas perceberam o que tinham realmente descoberto. Hoje,
porém, Shark Bay é uma atração turística — ou, pelo menos, tanto quanto pode ser um
lugar que está a dezenas de quilômetros de qualquer outro e a centenas de quilômetros de
um local minimamente habitado. Às vezes, quando você olha de perto, você pode ver
pequenas fileiras de bolhas subindo à superfície à medida que liberam oxigênio.
Foi levantada a hipótese de que as cianobactérias de Shark Bay são os organismos terrestres
de evolução mais lenta, não há dúvida de que estão atualmente entre os mais raros. Tendo
aberto o caminho para formas de vida mais complexas, a sua existência foi eliminada em
quase toda a parte pelos próprios organismos aos quais deram origem. Eles existem em
Shark Bay porque as águas são muito salinas para as criaturas que normalmente se
alimentariam delas.)
Uma das razões pelas quais a vida demorou tanto para se tornar mais complexa foi que o
mundo teve de esperar até que os organismos mais simples oxigenassem suficientemente a
atmosfera. Essa invasão mitocondrial (ou fenômeno endossimbiótico, como os biólogos gostam de
chamá-lo) tornou possível a vida complexa. Nas plantas, uma invasão semelhante produziu
cloroplastos, que permitem a fotossíntese nas plantas). Foram necessários cerca de dois mil milhões
de anos, em números redondos 40% da história da Terra, para que os níveis de oxigénio atingissem
mais ou menos os actuais níveis de concentração na atmosfera.
As mitocôndrias usam oxigênio para liberar energia das substâncias alimentares. Sem este passo
engenhoso para facilitar o processo, a vida na Terra hoje estaria limitada a um atoleiro de simples
micróbios. As mitocôndrias são muito pequenas – um milhão delas ocupam o mesmo espaço que um
grão de areia – mas também têm muita fome. Quase todos os nutrientes que absorvemos vão direto
para alimentá-los.
Não conseguiríamos viver nem dois minutos sem eles e, no entanto, mesmo passados mil milhões de
anos, eles comportam-se como se pensassem que as coisas ainda podem correr mal entre nós. É
como ter um estranho em casa, mas um estranho que está lá há um bilhão de anos. Eles se parecem
com bactérias, se dividem como bactérias e às vezes reagem aos antibióticos como bactérias. Eles
continuam a ter seu próprio DNA, RNA e ribossomos.
O novo tipo de célula é conhecido como eucariótica (que significa “verdadeiramente nucleada”), em
contraste com o tipo antigo, que é conhecido como procariótica (pré-nucleada), e parece ter
aparecido subitamente no registo fóssil. Os mais antigos eucariontes conhecidos, chamados
Grypania, foram descobertos em sedimentos de ferro coletados em Michigan em 1992. Esses fósseis
foram encontrados apenas uma vez, e não se sabia da existência de mais nenhum durante os 500
milhões de anos seguintes.
Os eucariontes eram maiores – possivelmente até dez mil vezes maiores – que seus primos mais
simples e tinham uma quantidade de DNA até mil vezes maior. A Terra deu o primeiro passo para se
tornar um planeta verdadeiramente interessante. Aos poucos, graças a essas conquistas, a vida
tornou-se complexa e criou dois tipos de organismos - os que expelem oxigênio (como as plantas) e
os que o consomem (como nós).
Os eucariontes unicelulares já foram chamados de protozoários (pré-animais), mas esse termo está
cada vez mais fora de uso. Hoje, o termo atual para eles é protistas. A simples ameba, uma célula
eminente e única, sem outra ambição senão a de existir, contém 400 milhões de bits de informação
genética no seu ADN - o suficiente, como disse Carl Sagan, para preencher 80 livros de 500 páginas
cada.
Finalmente, os eucariontes aprenderam um truque ainda mais raro. Demorou muito tempo - algo
em torno de um bilhão de anos - mas acabou sendo ótimo quando finalmente conseguiram. Mas
antes de nos entusiasmarmos muito com isso, vale lembrar que o mundo, como veremos a seguir,
continua pertencendo aos muito pequenos.

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