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As águas e a cidade de Belém do Pará: história,

natureza e cultura material no século XIX

TÓPICO: 3.2. A Água e a labuta com as roupas

AUTORA:
CONCEIÇÃO MARIA ROCHA DE ALMEIDA, É Mestre em História pela UFPA (2006) e Doutora em
História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História da PUC/SP (2010). De 1983 a 2016 desenvolveu
atividades docentes na educação básica e de 1992 a 2018, também no ensino de graduação. Aposentada da
carreira de Magistério de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) da Escola de Aplicação da
Universidade Federal do Pará desde 2016, desenvolveu atividades docentes como professora colaboradora em
turmas do PARFOR/História, na UFPA, até 2018. Atualmente é Professora credenciada do Mestrado
Profissional em Ensino de História (PROFHISTÓRIA), coordenado pela UFRJ e do qual a UFPA é instituição
associada, desenvolvendo atividades docentes no Campus de Ananindeua

OBJETIVO:
Mostrar um pouco da realidade das lavadeiras( mulheres, em sua maioria escravizadas, livres ou libertas, ou de
baixa condição financeira) de Belém no século XVIII. Desde da necessidade de seu ofício, os mecanismos que
utilizavam para se manter na ativa e o modo como a sociedade as enxergava.

CONCEITOS:
Gênero
Século XVIII
Subsistência
Saneamento
Urbano

FONTES:
Diário Notícias - Jornal da época
Listas de abaixo assinados
Auto de Perguntas feitas a Severiana Thereza da Fonseca
A República- Jornal da época
O Velho Brando do Amazonas- Jornal da época
Diário de Gramm Pará- Jornal da época
Diário de Belém - Jornal
Planta da Cidade
A Província do Pará - Jornal da Época

Em sua maioria, as fontes foram encontras pelo Centur e pelo APEP


ARGUMENTOS:
No século XIX, a lavagem de roupas era um serviço de grande necessidade para muitos daqueles que habitavam
em Belém. Aliás, a cidade não se constituiu numa exceção a esse respeito. Num tempo em que ainda não havia
as máquinas de lavar, nem os tanques metálicos, com apoio para a esfregação da roupa, ou os varais suspensos,
pensados para poupar espaço no processo de secagem das peças, era essencial poder contar com os serviços das
lavadeiras. - Pág 183

Os jornais do século XIX que circulavam em Belém, apresentam uma quantidade expressiva de anúncios
referentes à oferta e demanda de lavadeiras. Em grande parte, os anúncios em questão eram sucintos e
também expressavam a conexão entre os serviços de lavagem e engomação das roupas. Por outro lado, há
também uma longa lista de anúncios referentes às criadas que realizassem todos os serviços de uma casa
de família, inclusive a lavagem e a engomação das roupas. Há também anúncios que advertem que a
“criada” seria necessária tanto para os interiores, ou seja, “para dentro”, quanto para fora do domicílio,
ou seja, deveria também dar conta de atender aos chamados “mandados” que emanavam do interior da
moradia Pág 183 - 184

A cidade de Belém do Pará, como muitas outras do Brasil daqueles tempos, conviveu com verdadeiras
vagas epidêmicas durante todo o século XIX, inclusive era muito provável que persistisse entre os
moradores, as lembranças da cólera, que ceifou muitas vidas nos anos cinquenta. E que as autoridades
médicas e dirigentes demandavam certos esforços no sentido de, levar a população a não relaxar nos
cuidados em relação à limpeza das moradias e das ruas. Aliás, em relação a essa questão também
participaram de tal campanha exortativa em prol da limpeza, do asseio, da higiene, redatores de diversos jornais
da cidade [...] O que me parece também é que emerge em variada documentação, a preocupação com a
lavagem das roupas e nesse sentido, é importante considerar que o termo “roupas” talvez se referisse não
só aquelas de uso pessoal, como também às de cama, às redes e até mesmo aos panos usados em móveis
contidos nos interiores das moradias. - Pág 184

No século XIX em Belém, eram as mulheres escravizadas, libertas ou livres, ou ainda de condição social
menos favorecida, que essencialmente dedicavam-se ao trabalho da lavagem de roupas. A documentação
que pesquisei não contém registros que indiquem a participação masculina neste tipo de ofício referente ao uso
da água, no decorrer dos oitocentos. Da mesma forma não encontrei indícios relacionados ao envolvimento de
quaisquer mulheres de condição social abastada e residente em Belém, na labuta com lavagens de roupa.
Contrariamente, a documentação revela o envolvimento de mulheres menos afortunadas, consideradas
pobres, cujos ganhos com as lavagens eram direcionados para o sustento próprio e, às vezes, ao da família
também. - Pág 185

Conforme afirmei anteriormente, inúmeras daquelas mulheres não eram exclusivamente lavadeiras.
Comumente, aquelas que lavavam também engomavam as peças, embora ocorressem concentrações de
habilidades, ou seja, uma boa lavadeira poderia não ser tão boa engomadeira e vice versa. Não raramente,
quando trabalhavam no interior da residência de seus senhores e/ou patrões, elas realizavam um conjunto de
atividades que desaguava no funcionamento da casa como um todo, ou seja, na rotina doméstica. Então não é
exagero considerar que a lavagem da roupa fosse uma atividade muito importante na organização do
domicílio. Inclusive, no caso deste pertencer e/ou acolher uma família de camada social abastada, o lavar
e o passar e engomar adquiriam proporções consideráveis, posto que seriam inúmeras as peças a serem
limpas, tais como: guardanapos, fronhas, cobertores, toalhas de vários tipos, redes, lençóis, além das
roupas de uso pessoal em si e das chamadas “roupas de casa”, as quais também deveriam ser lavadas e
passadas pela lavadeira, ou criada em serviço na residência. - Pág 186

Eles analisam que, no caso da predileção por portuguesas, havia a possibilidade de que essas fossem pensadas
como “mulheres mais civilizadas”, com possibilidade de corroborar para a “limpeza étnica” e aprimorar os
costumes na capital do Pará. - Pág 187
É importante lembrar que nem todas as criadas desenvolviam suas atividades exclusivamente nos
interiores do domicílio, muitas eram mandadas às ruas para efetuar compras na praia, ou no mercado, ou
buscar água em poço próximo, ou levar recados. Além disso, havia lavadeiras que exerciam seu ofício em
suas próprias residências, ou mesmo em praças da cidade, à revelia das proibições escritas pelos
dirigentes locais, desde a primeira metade do século, tais como a que se segue:364 “Tambem he vedado
corar, enchugar, ou estender roupas nas praças, largos, ruas, e travessas, em armadilhas, e cordas, ou
mesmo no chão. O infractor incorrera na multa de cinco mil réis ou dous dias de prisão - Pág 188

Não obstante haver referido lavadeiras escravizadas, havia em Belém nos oitocentos, aquelas que não o
eram. De qualquer modo, escravizadas ou não, enquanto as casas não estavam abastecidas com o sistema
de água encanada ou eram desprovidas de poços, a lavagem das roupas dependia das saídas das
lavadeiras até os lugares de lavagem, o que poderia demandar o dia inteiro, pois era preciso também,
esperar a roupa secar, retirá-la das cordas, arrumá-las e transportá-las cuidadosamente pelas ruas, até o
local onde seriam passadas e engomadas. O cuidado no transporte da roupa lavada poderia evitar
momentos de desassossego e contrariedade às lavadeiras, pois caso as peças fossem alvejadas com
respingos de lama e similares indesejáveis, elas precisariam repetir todo o processo da lavagem. No caso
específico de Belém, considerando que na segunda metade dos oitocentos várias eram as ruas e praças e largos
ainda não pavimentados, bem como precisando de reparação por parte do poder público, esses cuidados
tornavam-se não só importantes como até indispensáveis, sobretudo no período das chuvas, quando a lama
proliferava em vários trechos da cidade, dificultando a mobilidade dos transeuntes, bem como de carroças e
carros-pipas e ameaçando a limpeza das roupas lavadas nos poços. Pág 189

Inúmeras lavadeiras, por desenvolverem seu ofício em torno dos poços públicos espalhados em inúmeros
lugares da cidade, percorriam ruas, largos, praças igualmente espalhados por Belém – há indicações de
que realizavam lavagens na travessa da Piedade, nas proximidades dos poços, também nas praças do Rosário, do
Carmo, da Trindade e de São José. Dessa forma, elas desenvolviam vasto conhecimento sobre a cidade e
sobre aqueles que nela circulavam. Aprendiam a desvendar certas tramas assim como a urdir outras
tantas, consideradas necessárias à trajetória de sua existência. - Pág 192

Até o presente momento detive-me na utilização dos serviços de lavagem, coadunado ou não a outros, no
interior do domicílio, no contexto dos oitocentos. Mas, a lavagem da roupa podia ser uma atividade
desenvolvida no interior do ambiente doméstico da própria lavadeira, ou seja, em sua própria casa e até mesmo,
com o auxílio de familiares. Nestes casos, o trabalho poderia acontecer nos quintais, sob o sol ou chuva - Pág
193

Com a inauguração da “Companhia das Águas”, instalaram-se torneiras em vários estabelecimentos da cidade.
Segundo Ernesto Cruz, os citados locais de instalação foram: rua da Indústria, depois chamada Gaspar Vianna,
no estabelecimento da Firma Ribeiro & Freitas; travessa 1º de Março, na casa de Antonio Ferreira da Graça;
Praça Dom Pedro II, na residência de Romão Peres; Largo de Nazaré, depois chamado praça Justo Chermont, no
prédio onde morava João José do Nascimento; estrada da Independência, depois denominada avenida
Magalhães Barata, na casa da firma Batista Rodrigues & Silva; rua do Espírito Santo, posteriormente Dr.
Malcher, nas casa de Reinaldo Marques da Silva e Manuel Francisco Esteves Pág 194

Mas, ainda segundo o autor, poucos eram os moradores a se servirem daquelas torneiras

INSULTO Á POPULAÇÃO. Em diversas tabernas d´esta cidade, vê-se


uma chapa de metal pregada á parede com esta inscripção em
letras grandes: COMPANHIA DAS AGUAS – torneira publica n° ...
O publico, porem, se quer água, compra-a por bom dinheiro, do
taberneiro em cuja casa se acha a torneira publica. Isto é uma
grande affronta, que se faz ao povo paraense; porquanto é sabido
que essa felizarda companhia, para quem a província não regateou
favores, não dá uma só gota d´água e esta generosa população,
que, se fosse n´outro qualquer paiz, teria arrancado aquellas
insultos as placas a atirado-as na cara da companhia ou de quem
teve a lembrança de mandal-as collocar.

Problemas como esse contribuíram para que os moradores continuassem recorrendo ou aos poços públicos e/ou
aos aguadeiros - desde que dispusessem de recursos para custear os recipientes com água - ou aos criados que
iam às ruas em busca desse líquido. Acredito inclusive, na possibilidade de que raras fossem as lavadeiras
que buscassem o recurso daquelas torneiras a fim de desempenhar seu ofício. Justamente porque a
demanda de água para lavagem de roupa dificilmente seria reduzida, o que resultaria em maiores gastos
para a lavadeira, ou para os senhores/patrões, além do desgaste em relação a deslocamentos, esforço
físico, entre outros. Conforme procuro mostrar neste estudo, grande parte delas recorria aos poços
públicos, ou aos particulares, inclusive nos anos noventa - Pág 195

Havia também as lavadeiras que desenvolviam seu trabalho nas praças e largos da cidade, sobretudo em
dias de sol forte. Nesses lugares, era possível ver as lavadeiras acocoradas sobre suas tinas, com as saias
erguidas e presas entre os joelhos como um “calção turco”, ou junto aos antigos poços, puxando água e
conversando em altas vozes. Lugares que outrora foram área suburbana como a travessa da Piedade, a praça da
Trindade e do Carmo, eram, na década de oitenta, regularmente frequentados pelas lavadeiras. As roupas
lavadas eram postas a secar nas praças, o que gerava um espetáculo singular naqueles pontos da cidade. Não
raramente, elas também preparavam suas refeições nos mesmos lugares em que procediam à lavagem. O jornal
“A Provincia do Pará” criticou duramente o poder público por tolerar a presença de lavadeiras nas
praças e largos da cidade - Pág 196

No ano de 1891, o jornal “A Republica” publicou, ressalvando que foi uma medida acertada, que as
lavadeiras de Belém foram intimadas a não mais estenderem as roupas lavadas nas praças e ruas da
cidade. As infratoras seriam multadas. Medidas como essa restringiram cada vez mais o desempenho
desse trabalho ao âmbito do domicílio, fosse este o dos patrões, ou o da própria lavadeira. Estudos indicam
que muitas lavadeiras, em São Paulo, por exemplo, passaram a trabalhar nos quintais das residências dos
patrões, inclusive com água encanada.
Possivelmente essa prática reproduziu-se em várias cidades do Brasil, inclusive em Belém. - Pág 197

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