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A vida na corte e as transformações na cidade do Rio de Janeiro

A vinda da família real para o Brasil mudou, igualmente pelos salões que se vinham abrindo,
também, a fisionomia do Rio de Janeiro. para as reuniões elegantes, promovidas pela
A cidade que os estrangeiros acharam suja, feia e nobreza chegada com a corte. As residências, em
malcheirosa começou a se expandir e cuidar de sua consequência, já apresentavam um bom tom, que
aparência, abrindo-se às modas europeias. Para diferia profundamente das pobres moradias do
zelar pela segurança e policiamento da cidade, foi período anterior". Também mudavam
criada, ainda em 1808, a Intendência de Polícia, os costumes das famílias, quebrando a reclusão do
encarregada de todos os serviços de melhoria e lar para as mulheres, que passaram a frequentar os
embelezamento da cidade. Nessa época, foram espaços públicos, como as ruas e os teatros, e
construídos chafarizes para o abastecimento também a se dedicar à leitura de livros e ao estudo
de água, pontes e calçadas; abriram-se ruas e de outros idiomas. Multiplicavam-se as lojas de
estradas; foi instalada a iluminação pública; moda e os cabeleireiros, frequentados por senhoras
passaram a ser fiscalizados os mercados e ricas que não queriam fazer feio diante das damas
matadouros; organizadas as festas públicas, etc. da corte. Outra medida do príncipe regente permitiu
Essas melhorias eram realizadas, muitas vezes, a qualquer pessoa a abertura de escolas de
com a contribuição dos ricos moradores, que primeiras letras, na maioria das vezes funcionando
recebiam em troca benefícios materiais e títulos de na casa do próprio professor. Os filhos das famílias
nobreza do príncipe regente. Os viajantes que mais abastadas eram educados, em suas casas, por
visitavam o Rio de Janeiro se surpreendiam com a preceptores. Permanecia, entretanto, o trabalho
rapidez das mudanças sofridas pela cidade. Um escravo, necessário às atividades braçais nas
deles, o inglês Gardner, comentou: "O grande casas, sobrados e chácaras dos senhores. Muitos
desejo dos habitantes parece ser o de dar uma dos donos de escravos, entretanto, não os
fisionomia europeia à cidade. Uma das mais utilizavam apenas no serviço doméstico. Para
belas ruas da cidade é a Rua do Ouvidor, não aumentar seus rendimentos, empregavam seus
porque seja mais larga, mais limpa ou melhor escravos como "negros de ganho" e "negros de
pavimentada que as outras, mas porque é ocupada aluguel". Os negros de ganho trabalhavam nas ruas,
principalmente por modistas francesas, joalheiros, sendo obrigados a dividir com os senhores o que
alfaiates, livreiros, sapateiros, confeteiros, ganhavam. Os negros de aluguel eram alugados a
barbeiros". Durante o período de permanência outras pessoas, a quem prestavam serviços. Uns
de D. João no Rio de Janeiro, o número de vendiam de porta em porta todo tipo de mercadoria:
habitantes da capital dobrou, passando de cerca de aves, verduras, legumes, doces, licores, etc.; outros
50 mil para cerca de 100 mil pessoas. Chegaram armavam seus tabuleiros em esquinas
europeus das mais diversas nacionalidades, com movimentadas, nas escadarias das igrejas e nas
diferentes objetivos. Além daqueles que vinham praças, oferecendo aos gritos os artigos à venda.
"fazer negócio", muitos outros vinham tentando Essa utilização dos escravos rendia um bom lucro
"fazer a vida". Eram espanhóis, franceses, ingleses, aos seus senhores e, por isso, alguns deles
alemães e suíços, entre outros, das profissões as chegavam a ter mais de 40 escravos nessas
mais variadas, como médicos, professores, condições e outros, ainda, obrigavam suas escravas
alfaiates, farmacêuticos, modistas, cozinheiros, a se prostituírem. No entanto, a presença dos
padeiros, etc. Formavam um expressivo contingente escravos e dos homens livres pobres na cidade
de mão de obra qualificada. Instalavam-se no Rio, atemorizava a corte, deixando em permanente
também, representantes diplomáticos, pois sobressalto a população branca e proprietária. Era,
a cidade se tornara a sede do governo português. além do mais, uma preocupação constante para a
As moradias perdiam a aparência de austeridade e Intendência de Polícia da Corte, tirando o sono
isolamento, ganhando janelas envidraçadas e daqueles que eram conhecidos como os
jardins externos, à maneira inglesa. Com o passar "branquinhos do Reino". Para complicar a situação,
dos tempos, muitos dos funcionários mais negros fugidos das fazendas da região formavam
graduados começaram a adquirir chácaras ou quilombos nas matas da Serra da Carioca, que
quintas em locais próximos do centro da cidade, reuniam centenas de pessoas. O sentimento de
como a Rua Mata-Cavalos (atual Rua do Riachuelo), insegurança social era agravado pela possibilidade
ou em seus arredores, como Catumbi e São do "haitianismo", ou seja, o pavor de uma
Cristóvão. Segundo Sérgio Buarque, "a sociedade insurreição de escravos ou mestiços, como ocorrera
refinava-se, de outro lado, não apenas pelas no Haiti, em 1794.
novidades que lhe traziam os estrangeiros, mas

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