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História Moderna I

Prof. Sinuê Neckel Miguel


Mercantilismo e transição socioeconômica: a
infraestrutura do nascimento do capitalismo
• Texto: LINEBAUGH, Peter e REDIKER, Marcus. Cap. 2: Rachadores
de lenha e tiradores de água. In: _______. A hidra de muitas
cabeças: marinheiros, escravos, plebeus e a história oculta do
Atlântico revolucionário. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
• Hércules como símbolo e modelo; exploração, comércio,
conquista e colonização do mercantilismo inglês.
• Classe dominante inglesa no século XVII
• Francis Bacon: Hércules e Prometeu, conhecimento e poder,
teoria da monstruosidade e justificativa da guerra e da pena de
morte.
• Genocídios (multidões que merecem a destruição): antilhanos,
cananeus, piratas, salteadores, assassinos, amazonas e
anabatistas.
A maldição do trabalho
• Expropriação, exploração e colonização
• Muitas expropriações: dos plebeus, pela privatização da terra e
pela conquista; do tempo, pela abolição puritana dos feriados; do
corpo, pelo roubo de crianças e pela queima de mulheres; e do
conhecimento, pela destruição das guildas e pelos ataques ao
paganismo.
• Essas expropriações fizeram surgir novos tipos de trabalhadores,
num novo tipo de escravidão imposta diretamente pelo terror.
• Movimento revolucionário na Inglaterra na década de 1640
• Os “rachadores de lenha e tiradores de água” > expressão usada no começo
do capitalismo. Tradução autorizada da Bíblia.
• A atividade no mundo real que a frase descreve é servil, penosa e suja.
• Usada até o século XX com conotação negativa. Frequentemente ligada a
contextos coloniais e raciais.
• Para os rachadores de lenha e tiradores de água africanos, europeus e
americanos do começo do século XVII, o trabalho era ao mesmo tempo
maldição e castigo.
• Trabalhadores indispensáveis ao crescimento do capitalismo > atividades
fundamentais de expropriação.
• Invisibilização historiográfica desses trabalhadores, apesar de terem
transformado a face da Terra construindo a infraestrutura da “civilização”.
As tarefas do lenhador e do aguadeiro
Três funções importantes:
• Fazer os trabalhos de expropriação
• Construir os portos e os navios e fornecer os homens do mar para
o comércio atlântico
• Manter diariamente as casas

Os trabalhos de expropriação incluíam o desbaste, a drenagem dos


pântanos, a recuperação de brejos e a guarnição com sebes dos
campos aráveis – em suma, a obliteração do habitus comunitário.
• Destruição das regiões de mata > civilização “agrária”:
cultivadores, “beneficiadores”, colonos, imperialistas e governos
• Havia emergentes economias de povos da floresta na Inglaterra,
Irlanda, Jamaica, Virgínia e Nova Inglaterra.
• Árvores derrubadas > indústrias do ferro, do vidro, das bebidas
fermentadas e da construção naval.
• Lenha: aumento de 300% no preço entre 1570 e 1640.
• 1641: Lei para a Limitação das Florestas > sinal de partida para a
destruição generalizada das florestas.
• 1649: Comitê Parlamentar para a Preservação da Madeira
• Fim do século XVII: apenas 1/8 do território inglês continuava
coberto de mata.
• América: colonos reivindicaram e limparam a terra para as
colônias agrícolas.
• Virgínia: colonos aprendem a fazer da madeira e seus produtos a
base de uma economia de exportação para Barbados e outras
partes das Antilhas.
• Barbados: empregados e escravos afundavam na floresta úmida
de Barbados, limpando lentamente a terra para o plantio e
enviando madeira para a Inglaterra.
• Cercas e sebes para delimitar a propriedade privada nas tomadas
de posse dos ingleses no exterior.
• Drenagem dos brejos: Lei do Parlamento de 1600 > torna possível
aos grandes acionistas dos charcos suprimir os direitos comuns
que pudessem impedir seus planos de drenagem.
• Novos planos e obras requeriam inédita concentração de mão-
de-obra.
• O rei Jaime organizou centenas de obras na drenagem e na privatização de
partes de Somerset no começo do século XVII, transformando uma
economia comunitária de pesca, aves domésticas, extração de junco e
escavação de turfa numa economia capitalista de criação de ovelhas.
• Cerca de 11 mil trabalhadores foram necessários para drenar os brejos ao
redor de Ely na década de 1650.
• Tecnologia para desviar rios e criar vias navegáveis.
• A “batalha dos brejos” começou em 1605.
• Capitalistas e caçadores de aves selvagens, homens dos brejos e plebeus.
• De um lado, assassinato, sabotagem e queima de aldeias.
• Do outro, disputa contínua, panfletagem e avançada ciência hidráulica.
• Explosões esporádicas de oposição à drenagem evoluíram para uma
campanha sustentada, na qual plebeus, geralmente chefiados por mulheres,
atacavam trabalhadores, valas, diques e ferramentas em Hatfield e noutros
lugares, no fim da década de 1620 e na de 1630.
• Cromwell se tornou comissário para drenar a Grande Planície > debelar
plebeus amotinados.
• Plebeus espoliados trabalhavam para espoliar outros > criação do idílico
“campo inglês”.
Construção dos portos para o comércio de longa distância >
tarefa essencial para a nova ordem capitalista.
• Divisão cidade/campo > porto/colônia
• Construção de cais: Londres, Bristol, Liverpool, Belfast, Dublin,
Wexford, Derry e Glasgow .
• Portos mediterrâneos: Trípoli, Argel e Salé > construídos por escravos
europeus capturados em alto-mar.
• Costa do Cabo: castelo construído em 1610 pelos portugueses,
operado pelos holandeses e tomado pelos ingleses em 1664.
• Dakar: holandeses exploram mão-de-obra africana e europeia para
construir o entreposto de tráfico de escravos da iilha de Gorée, em
1617.
• Portos das Antilhas: Bridgetown em Barbados e Port Royal e Kingston,
na Jamaica > tabaco e açúcar
• Boston, Nova York, Filadélfia e Charles-town.
• Quebrar, transportar e colocar pedras no fundo do mar para criar
um quebra-mar (um molhe, atracadouro ou píer) e proteger o
ancoradouro.
• Empilhar pedras para fazer muros de retenção, ou diques, com
drenagem e ladrões.
• Rachar a madeira, carregar e enfiar nos alicerces de pedra, em
andaimes de madeira.
• Abrir buracos e extrair terra para rampas, cais e docas.
• Poder da cooperação: carreteiros e cavadores, trabalhadores
sazonais e empurradores de carrinho de mão.
Manter a vida diária de comunidades
• Tarefas que iam do corte e colheita ao bombeamento e
transporte.
• Madeira e água eram a base da vida.
• Tiradores de água eram quase sempre mulheres.
• Trabalho sem fim, trabalho cotidiano > buscar água limpa e levar
água suja.
• Ciência financiada pelo Estado no século XVII: tirar água >
agricultura (drenar os brejos) e mineração (bombear água das
minas inundadas) > desenvolvimento da máquina a vapor.
• A tecnologia não diminuiu o trabalho.
• A mecanização aumentou o número de rachadores de lenha e
tiradores de água, como o fizeram as mudanças tecnológicas nos
sistemas de fornecimento de água.
• Até 1581 a água era de uso gratuito em Londres.
• Empresa privada de fornecimento de água foi construída na Ponte de
Londres. Os carregadores de água (eles e suas famílias chegando a 4
mil pessoas) peticionaram ao Parlamento contra os canos hidráulicos.
Mas a privatização prosseguiu: na década de 1660 a era da água
gratuita como direito de todos chegou ao fim.
• Os pobres voltaram a recorrer a poços e a canais alimentados pela
gravidade para obter água.
Os rachadores de lenha e tiradores de água construíram
uma infraestrutura para o capitalismo mercantil.
• Derrubaram florestas, drenaram pântanos e criaram campos para
a agricultura capitalista.
• Construíram portos para o comércio capitalista.
• Reproduziram famílias e trabalhadores para o trabalho capitalista.
• Tarefas geralmente executadas pelos membros mais fracos da
estrutura demográfica: os despossuídos, os forasteiros, as
mulheres, as crianças, as pessoas na Inglaterra, na Irlanda, na
África Ocidental ou na América do Norte mais fáceis de serem
sequestradas, levadas secretamente, trepanadas ou
“barbadosadas”.
• Trabalho como maldição, castigo e o terror. Com ou sem salário,
eram escravos, embora a diferença ainda não tivesse base racial.
Terror
• Expropriação do campesinato na Inglaterra: violência e terror
sistemáticos > penas criminais, buscas públicas, prisões, lei marcial,
pena de morte, desterro, trabalhos forçados e colonização.
• Leis cruéis: açoitar, desmembrar, marcar, enforcar e queimar milhares
de pessoas.
• Buscas secretas levaram para a prisão outros milhares de homens e
mulheres.
• Expropriações cruéis: negação de direitos comuns a aldeões e plebeus
sem propriedade (Caso Gateward, 1607).
• Multiplicação de cadeias e casas de correção na Inglaterra.
• Regime de trabalhos forçados a milhares de homens, mulheres e
crianças.
• Castigo e produção para criar a disciplina de trabalho.
• Pena de morte: poder definitivo do regime de terror.
• Morte sumária aos vagabundos
• Londres: lembranças da pena de morte > ao sul, cabeças dos malfeitores
eram enfiadas em estacas e expostas publicamente no lado sul da Ponte de
Londres; a leste, piratas eram enforcados em patíbulos instalados em
Execution Stairs, ou afogados em Wapping pelas correntes do Tâmisa; ao
norte, durante o reinado de Mary, os “fogos” martirizaram muitos
protestantes em Smithfield; a oeste ficava a forca de Tyburn, em atividade
até 1783.
• Enforcamentos em todo o reino: nos quarenta condados da Inglaterra, cerca
de oitocentas pessoas foram para a forca a cada ano do século XVII.
• Ladrões eram enforcados por roubarem bens cujo valor não passava de
dezoito pennies.
Mulheres eram alvo específico do terror.

• 4 mil bruxas queimadas e centenas enforcadas depois de 1604.


• Três pontos altos do terror: 1590-1597, 1640-1644 e 1660-1663.
• Jaime I interrogou pessoalmente mulheres acusadas de feitiçaria e
escreveu um tratado de erudita misoginia, Daemonologie, para
demonstrar aos céticos a realidade da feitiçaria e a necessidade da
pena de morte.
• Silvia Federici: auge da caça às bruxas entre 1550-1650 >
reorganização do trabalho em curso, de acordo com princípios
capitalistas.
• Mulheres torturadas: cadeira para punir com mergulho, açoite no
carro, marcação com ferro, pelourinho, jaula, músculo e capacete de
ferro com peça para prender a língua.
• Terror e imaginação coletiva: acervo de demônios e monstros
• Em torno do Atlântico: aventura militar, colonização e plantation.
• Vantagem da colonização tardia: a Inglaterra tinha uma imensa e
desesperada população que poderia ser transferida para além-mar.
• Uso de prisioneiros para expedições militares.
• Lei dos Indigentes, de 1598: o transgressor sem antecedentes deveria
ser despido e açoitado até que as costas sangrassem; na segunda vez,
era expulso da Inglaterra, começando a política de extradição.
• Milhares de soldados foram recrutados na Casa de Correção de
Londres entre 1597 e 1601, e em 16001 e 1602 quatro galés foram
construídas e tripuladas pelos delinquentes.
• Depois de 1617, o exílio foi ampliado como castigo legal de criminosos
> serviço nas galés e recrutamento para o Exército.
• A lei do desterro, depois da década de 1590: irlandeses, ciganos e
africanos.
• Irlandeses: o confisco de terra, o desflorestamento, o decreto
legal, a repressão cultural e a crise crônica de subsistência
provocaram a diáspora irlandesa > Inglaterra e América.
• Ciganos enforcados
• Expulsão de negros africanos
• Trabalhos forçados além-mar: servidão por contrato
• Comerciantes e sequestradores > embarcaram cerca de 200 mil
trabalhadores para a costa americana no século XVII
(condenados, sequestrados e desesperados).
• Companhia da Virgínia de Londres
• Prisões de vários tipos foram indispensáveis para as variadas
formas de tráfico de escravos do Atlântico, onde os prisioneiros
eram marujos, crianças ou criminosos, fossem eles da África ou
da Europa.
• Milhares de crianças pobres, de oito a dezesseis anos, foram
presas em Londres e despachadas para a Virgínia.
O espectro de Hércules
• Paradoxalmente, os piores lugares de opressão e terror ofereciam
oportunidades de colaboração.
• A prisão, como o naufrágio, era uma espécie de nivelador, em que o
protestante radical, o tratante robusto, o artesão excedente, o católico
não conformista, o irlandês indomável, o plebeu das erras comunais e
o batedor de carteiras estavam praticamente na mesma condição.
• Onda de motins nas prisões (década de 1620): encontro de heréticos e
ladrões, ou de prisioneiros políticos e prisioneiros comuns.
• Associação de delinquentes terrestres, como rebeldes irlandeses,
ciganos e assaltantes noturnos, com os marítimos, como marujos e
piratas.
• Rachadores de lenha e tiradores de água ajudaram a iniciar a
Revolução Inglesa.
• Caliban
• Nativos americanos
• Cananeus > plebeus despossuídos > ingleses, irlandeses e
africanos.
• Trabalhadores para as colônias: disponibilizados pelos
cercamentos, pelas guerras de atrito na Irlanda e pelo tráfico de
escravos.
• 504 mil irlandeses morreram entre 1641 e 1652, “dizimados pela
espada, pela praga, pela fome, pela necessidade e pelo desterro”.
• Piratas: corsários argelinos, comunidade poliglota dos piratas
mediterrâneos. Desertores
• O porto pirata de Sallé, foi transformado numa república, combinação
cultural de hereges e extremistas religiosos (metodistas e sufis).
• Caminheiros: de salteadores de estradas a pequenos ladrões. Lumpen
proletariado.
• Assassinos: regicidas
• Amazonas: mulheres armadas, a rainha pirata irlandesa Grace O’Malley, a
capitã Dorothy, motins por alimentos
• Anabatistas: o espectro comunista (igreja congregacional a partir de baixo,
pactos democráticos, igualitarismo, comunidade de bens, antinomianismo)
• Circulação internacional
• Conexões com a Revolução Inlgesa

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