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GIANPAOLO POGGIO SMANIO

FELIPE CHIARELLO DE SOUZA PINTO


ANA CLÁUDIA RUY CARDIA ATCHABAHIAN
ANA CLAUDIA POMPEU TOREZAN ANDREUCCI
MICHELLE ASATO JUNQUEIRA
Organizadores

PESSOAS INVISÍVEIS
PREVENÇÃO E COMBATE AO TRÁFICO
INTERNO E INTERNACIONAL DE SERES
HUMANOS

PESSOAS INVISÍVEIS
PREVENÇÃO E COMBATE AO TRÁFICO
INTERNO E INTERNACIONAL DE SERES
HUMANOS
ORGANIZADORES

GIANPAOLO POGGIO SMANIO


FELIPE CHIARELLO DE SOUZA PINTO
ANA CLÁUDIA RUY CARDIA ATCHABAHIAN
ANA CLAUDIA POMPEU TOREZAN ANDREUCCI
MICHELLE ASATO JUNQUEIRA

PESSOAS INVISÍVEIS
PREVENÇÃO E COMBATE AO TRÁFICO
INTERNO E INTERNACIONAL DE SERES
HUMANOS

Londrina/PR
2020
© Direitos de Publicação Editora Thoth. Londrina/PR.
www.editorathoth.com.br
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Smanio, Gianpaolo Poggio. Pinto, Felipe Chiarello de Souza. Atchabahian, Ana


Cláudia Ruy Cardia. Andreucci, Ana Claudia Pompeu Torezan. Junqueira, Michelle
Asato. Pessoas invisíveis: prevenção e combate ao tráfico interno e internacional de
seres humanos / Organizadores - Gianpaolo Poggio Smanio, Felipe Chiarello de
Souza Pinto, Ana Cláudia Ruy Cardia Atchabahian, Ana Claudia Pompeu Torezan
Andreucci, Michelle Asato Junqueira. – Londrina, PR: Thoth, 2020.
478 p.

Inclui Bibliografia.
ISBN 978-65-86300-08-6

1. Direito. 2. Direitos humanos. I. Título.

CDD 323.09

Índices para catálogo sistemático


1. Direitos Humanos : 323.09

Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização.


Todos os direitos desta edição reservardos pela Editora Thoth. A Editora Thoth não se
responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra por seu autor.
SOBRE OS ORGANIZADORES

ANA CLAUDIA POMPEU TOREZAN ANDREUCCI


Pós-Doutora em Direitos Humanos e Trabalho pelo Centro de Estudos
Avançados da Universidade Nacional de Córdoba, Argentina. Pós- Doutora
em Novas Narrativas na Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo (ECA/USP). Pós Doutora em Direitos Humanos e
Democracia pelo Instituto Ius Gentium, Universidade de Coimbra,
Portugal. Doutora e Mestre pela PUC/SP. Graduada em Jornalismo
pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero e em Direito pela
UPM. Professora do Curso de Graduação da Faculdade de Direito da
UPM. Professora Convidada do Curso de Pós Graduação Lato Sensu
da ECA/USP. Líder do Grupo de Pesquisa Emergente – CriaDirMack-
Direitos da Criança do Adolescente no Século XXI da Faculdade de
Direito da UPM. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Pessoas Invisíveis
da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

ANA CLÁUDIA RUY CARDIA ATCHABAHIAN


Doutora e Mestre em Direito I pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. Professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro
da International Law Association – Ramo Brasileiro (ILA-Brasil) e
Conselheira da Seção Latino-Americana da Global Business and Human
Rights Scholars Association. Coordenadora do Grupo de Pesquisa
“Pessoas Invisíveis: Prevenção e Combate ao Trá co Interno e Internacional
de Seres Humanos” Financiado pelo MackPesquisa. Advogada.

FELIPE CHIARELLO DE SOUZA PINTO


Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana
Mackenzie. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e
Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Colaborador no
Programa de Pós-Graduação da Universidade de Passo Fundo. Líder do
Grupo de Pesquisa CNPq “Estado e Economia no Brasil”. Pesquisador do
Grupo de Pesquisa “Pessoas Invisíveis: Prevenção e Combate ao Tráfico
Interno e Internacional de Seres Humanos”, Financiado pelo MackPesquisa.

GIANPAOLO POGGIO SMANIO


Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana
Mackenzie. Líder do Grupo de Pesquisa CNPq “Políticas Públicas como
Instrumento de Efetivação da Cidadania. Membro da Escola Superior do
Ministério Público. Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo. Líder
do Grupo de Pesquisa “Pessoas Invisíveis: Prevenção e Combate ao Tráfico
Interno e Internacional de Seres Humanos”, Financiado pelo MackPesquisa.

MICHELLE ASATO JUNQUEIRA


Doutora e Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie-UPM. Especialista em Direito Constitucional
com Extensão em Didática do Ensino Superior. Vice-líder dos Grupos
de Pesquisa “Políticas Públicas como Instrumento de Efetivação da
Cidadania” e “Direitos das Crianças e dos Adolescentes no século XXI”.
Pesquisadora do grupo de pesquisa CNPq “Estado e Economia no Brasil”.
de Pesquisa “Pessoas Invisíveis: Prevenção e Combate ao Trá co Interno
e Internacional de Seres Humanos”. Coordenadora de Pesquisa e TCC da
Faculdade de Direito da UPM.
APRESENTAÇÃO

“E por falar em saudade


Onde anda você?
Onde anda os seus olhos
Que a gente não vê ....”
(Vinícius de Moraes e Tom Jobim)

Este texto representa o início de algo que finaliza o que não tem
fim. Os artigos produzidos nesta obra são frutos de um ano de trabalho,
discussões, pesquisas, inquietações e esperança, muito esperança, de poder
contribuir para o combate ao tráfico de pessoas, assunto que, sob muitas
faces, nos mostrou a sua complexidade e transdisciplinaridade.
O projeto “Pessoas Invisíveis: prevenção e combate ao tráfico
interno e internacional de seres humanos” nasce em continuação ao projeto
de pesquisa “Mulheres Invisíveis: panorama internacional e a realidade
brasileira do tráfico transnacional de mulheres”, ambos financiados pelo
Mackpesquisa e sediados na força conjunta dos grupos de pesquisa CNPq
“Políticas Públicas como Instrumento de Efetivação da Cidadania” e
“Estado e Economia no Brasil”, do Programa de Pós-graduação Stricto
Sensu em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
O primeiro projeto, adstrito à análise tráfico de mulheres, foi o
primeiro contato dos pesquisadores, em 2017, com a temática inquietante
e perturbadora do crime de tráfico de pessoas, que pode ter origem por
diversos fatores sociais, econômicos e até mesmo culturais. Contudo, era
premente a necessidade de se ampliar os estudos e foi o que aconteceu no
ano de 2019.
O segundo projeto foi ampliado para o tráfico de pessoas, no cenário
nacional e internacional. Já cientes da legislação sobre o tema, das instituições
de combate ao crime e apoio às vítimas, da interpretação doutrinária e
jurisprudencial do tema, foi possível estabelecer um diálogo interdisciplinar
entre o Direito Penal, o Direito Internacional e o Direito Internacional
dos Direitos Humanos e, além do universo jurídico, promover um diálogo
com outros campos que influenciam nas estatísticas relacionadas ao tráfico
internacional de pessoas e nas formas de escravidão moderna tais como a
Sociologia, a Psicologia, o Serviço Social, a Arquitetura, dentre outros.
Não obstante os esforços das instituições públicas e privadas em
promover o debate da problemática, partimos da premissa de que o tráfico
nacional e internacional de pessoas ainda sofre da invisibilidade diante da
sociedade brasileira, o que dificulta um debate eficiente para a prevenção e
combate.
Nos aproximamos do grupo de pesquisa emergente “CriADirMack:
Direitos da Criança e do Adolescente no Século XXI” para inserir com
mais cuidado a análise do tráfico de crianças e adolescentes, oportunidade
em que assuntos como a adoção ilegal, o trabalho infantil, crianças-soldado
e o desaparecimento de crianças ganharam destaque.
Considerando os atuais arranjos institucionais na sociedade
internacional, que conta com maior participação de novos atores, como
as empresas transnacionais, e seu maior envolvimento nas violações aos
Direitos Humanos, os aportes de Direitos Humanos e Empresas recebidos
a partir das discussões no grupo de estudos “Mack DH&E” resultaram
na análise conjunta do tráfico de pessoas e a submissão de trabalhadores
a condições análogas à escravidão ( escravidão moderna) e o papel da
exploração de migrantes pelas corporações.
Ademais, a análise da vulnerabilidade dos seres humanos, do gênero,
das migrações, da atuação estatal na promoção de políticas públicas e da
tecnologia também foram tratadas com espírito crítico e reflexivo. São
alunos de graduação, pós-graduação e professores que não se furtaram do
desafio de dar vez, voz, cor e corpo às pessoas invisíveis.
Por trás dessas reflexões acadêmicas há histórias de vida inacabadas
e incertezas, com as quais o direito convive e deve procurar interferir pois,
mais do que “dever ser”, precisamos interagir com a realidade que “é”.
Se tudo que é humano pertence ao estudo do direito, que a humanidade
nunca nos escape na busca de um mundo melhor, mais justo e solidário,
fundado na dignidade da pessoa humana.
Boa leitura, na certeza de que continua sendo o começo.
São Paulo, verão de 2020.
Gianpaolo Poggio Smanio
Felipe Chiarello de Souza Pinto
Ana Cláudia Ruy Cardia Atchabahian
Ana Claudia Pompeu Torezan Andreucci
Michelle Asato Junqueira
SUMÁRIO

SOBRE OS ORGANIZADORES�����������������������������������������������������������������5
APRESENTAÇÃO�������������������������������������������������������������������������������������������7

PARTE I
MIGRAÇÃO E TRÁFICO DE PESSOAS: DESAFIOS ATUAIS�������20

CAPÍTULO 1
Izabela Zonato Villas Boas
Letícia Moreira Graça
REFUGIADOS VÍTIMAS DO TRÁFICO DE PESSOAS: UMA
ANÁLISE SOCIOLEGAL E FILOSÓFICA SOB O PONTO DE
VISTA DA CONDIÇÃO HUMANA ARENDTIANA��������������������������22
Introdução������������������������������������������������������������������������������������������������������22
1 Aspectos legais do tráfico de pessoas e do refúgio e a conexão entre
ambos��������������������������������������������������������������������������������������������������������������24
2 A condição humana e o refugiado����������������������������������������������������������29
2.1 A condição em que os refugiados vivem������������������������������������������29
2.2 Hannah Arendt e o ser refugiado������������������������������������������������������30
2.3 A condição humana Arendtiana��������������������������������������������������������32
3 O refugiado como vítima do tráfico humano internacional���������������33
Considerações finais�������������������������������������������������������������������������������������35
Referências�����������������������������������������������������������������������������������������������������35

CAPÍTULO 2
Richard Luz de Andrade
CRISE MIGRATÓRIA VENEZUELANA: A VULNERABILIDADE
COMO FATOR AGRAVANTE DE RISCO PARA O TRÁFICO
DE PESSOAS E A ATUAÇÃO BRASILEIRA EM AÇÕES DE
PREVENÇÃO VOLTADAS A MIGRANTES E REFUGIADOS������40
Introdução������������������������������������������������������������������������������������������������������ 40
1 A crise migratória venezuelana e o papel do Estado brasileiro na
acolhida dos migrantes e refugiados���������������������������������������������������������� 42
2 A indissociável relação entre tráfico de pessoas e migrações –
vulnerabilidade como fator agravante de risco����������������������������������������� 44
3 Política de prevenção ao tráfico de pessoas no Brasil – A necessidade
de uma proteção específica a migrantes e refugiados����������������������������� 48
Considerações finais������������������������������������������������������������������������������������� 50
Referências����������������������������������������������������������������������������������������������������� 51

CAPÍTULO 3
George Takao Komesu
Rafael Pepe Romano
CRISE HUMANITÁRIA NA REPÚBLICA BOLIVARIANA DA
VENEZUELA: VERIFICAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA
O ACOLHIMENTO, INTEGRAÇÃO E INTERIORIZAÇÃO DE
MIGRANTES E REFUGIADOS E ANÁLISE SOBRE CASOS DE
VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS CONTRA CIDADÃOS
VENEZUELANOS NA REGIÃO NORTE DO BRASIL�������������������� 54
Introdução������������������������������������������������������������������������������������������������������ 54
1 A crise humanitária na Venezuela e seus desdobramentos����������������� 55
2 A Operação Acolhida, Política de Interiorização e seu caráter
provisório.................................................................................................������ 58
2.1 Pontos Positivos da Operação Acolhida����������������������������������������� 58
2.2 Pontos Negativos da Operação Acolhida��������������������������������������� 60
3 Fenômeno migratório na fronteira e seus desdobramentos. Radiografia
do Conselho Nacional de Direitos Humanos, papel do Ministério
Público, Defensoria Pública da União e da Sociedade Civil Organiza-
da��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 61
Considerações finais������������������������������������������������������������������������������������� 71
Referências����������������������������������������������������������������������������������������������������� 74

CAPÍTULO 4
Ana Carolina D’Ascenção Botelho
GÊNERO, MIGRAÇÃO E TRABALHO ESCRAVO NA CIDADE DE
SÃO PAULO: UM OLHAR À LUZ DOS OBJETIVOS DA AGENDA
2030 PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL������������������� 76
Introdução������������������������������������������������������������������������������������������������������ 76
1 Breves considerações acerca das condições de vida e trabalho dos
migrantes na cidade de São Paulo�������������������������������������������������������������� 79
2 O enfrentamento ao tráfico de pessoas e ao trabalho escravo em
âmbito internacional������������������������������������������������������������������������������������ 84
2.1 O Protocolo de Palermo e o enfrentamento ao tráfico de pessoas:
uma nova perspectiva�������������������������������������������������������������������������������� 84
2.2 O trabalho escravo e as Convenções da OIT��������������������������������� 86
3 Tráfico de pessoas e trabalho escravo ou em condições análogas na
legislação brasileira��������������������������������������������������������������������������������������� 88
3.1 Tráfico de pessoas: do Código Penal à Lei nº 13.344/2016��������� 88
3.2 Tipificação do trabalho escravo e sua relação com o tráfico de
pessoas��������������������������������������������������������������������������������������������������������� 92
4 Agenda 2030: novos horizontes no enfrentamento ao tráfico de
pessoas e ao trabalho escravo�������������������������������������������������������������������� 94
4.1 Trabalho decente e crescimento econômico����������������������������������� 96
4.2 Igualdade de gênero���������������������������������������������������������������������������� 97
Considerações finais������������������������������������������������������������������������������������ 99
Referências�������������������������������������������������������������������������������������������������� 100

CAPÍTULO 5
Bianca Isabelle Lourenço de Sousa da Silva
NAS COSTURAS DE SÃO PAULO: OS IMPACTOS DA
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA NO TRÁFICO DE BOLIVIANOS
PARA A INDÚSTRIA TÊXTIL NA CAPITAL������������������������������������ 104
Introdução��������������������������������������������������������������������������������������������������� 104
1 Migração boliviana para São Paulo: origens e aliciamento��������������� 105
2 Indústria têxtil e fashion law: a histórica mão de obra análoga à escra-
va������������������������������������������������������������������������������������������������������������������ 109
3 Impactos da norma brasileira federal e local: o que mudou para os
migrantes?��������������������������������������������������������������������������������������������������� 113
4 Programa municipal de enfrentamento e novos fluxos de tráfico de
Bolívia-Brasil����������������������������������������������������������������������������������������������� 118
Considerações finais���������������������������������������������������������������������������������� 119
Referências�������������������������������������������������������������������������������������������������� 120

CAPÍTULO 6
Ana Cláudia Ruy Cardia Atchabahian
Gianpaolo Poggio Smanio
Felipe Chiarello de Souza Pinto
A COMPLACÊNCIA DO ESTADO BRASILEIRO COM A
ESCRAVIDÃO MODERNA: DA DECISÃO NO CASO “FAZENDA
BRASIL VERDE V. BRASIL” AOS DESDOBRAMENTOS DA
LEGISLAÇÃO NACIONAL SOBRE O TEMA����������������������������������� 126
Introdução����������������������������������������������������������������������������������������������������127
1 Escravidão moderna: interpretação internacional sobre tráfico de
pessoas e Direitos Humanos e Empresas����������������������������������������������� 128
2 A escravidão moderna e o Brasil no banco dos réus: o Caso “Fazenda
Brasil Verde v. Brasil”���������������������������������������������������������������������������������130
3 Consequências legislativas nacionais do Caso “Fazenda Brasil Verde v.
Brasil”: novas normas de combate ao tráfico de pessoas e à exploração
laboral praticada por empresas�����������������������������������������������������������������134
Considerações finais�����������������������������������������������������������������������������������137
Referências���������������������������������������������������������������������������������������������������138

PARTE II
TECNOLOGIA E TRÁFICO DE PESSOAS: USO DE DADOS E
REDE DE COMBATE AO CRIME���������������������������������������������������������142

CAPÍTULO 7
Giovana Auricchio Cardoso
Gustavo Acioli Gondim de Almeida
O SPOTLIGHT NO COMBATE À PROSTITUIÇÃO DECORRENTE
DO TRÁFICO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS������������������������� 144
Introdução�������������������������������������������������������������������������������������������������������144
1 Tráfico internacional de crianças: por que a prostituição?���������������� 147
2 Cenário brasileiro da prostituição infantil decorrente do tráfico
internacional de crianças����������������������������������������������������������������������������151
3 A utilização da tecnologia no combate ao tráfico de crianças e
adolescentes: análise do Spotlight �����������������������������������������������������������157
4 Boas práticas no combate ao tráfico de crianças e adolescentes por
meio do uso da tecnologia: análise da possibilidade de implementação do
Spotlight no Brasil��������������������������������������������������������������������������������������161
4.1 Marco da inovação no Brasil������������������������������������������������������������ 161
4.2 O uso da Inteligência Artificial no Brasil e a possibilidade de adoção
do Spotlight�����������������������������������������������������������������������������������������������164
Considerações finais�����������������������������������������������������������������������������������165
Referências���������������������������������������������������������������������������������������������������167
CAPÍTULO 8
Antonio Jonas Dias Filho
REDE DE DADOS E INFORMAÇÕES SOBRE O TRÁFICO
DE PESSOAS NO BRASIL: O DESAFIO DA PRODUÇÃO,
DA INTEGRAÇÃO E DO COMPARTILHAMENTO
INTERINSTITUCIONAL��������������������������������������������������������������������������174
Introdução����������������������������������������������������������������������������������������������������174
1 Dados e informações: o que precisamos compreender���������������������175
2 Bases de dados e fontes de informações globais��������������������������������177
3 Bases de dados e Fontes de informações do Brasil����������������������������180
Considerações finais�����������������������������������������������������������������������������������186
Referências���������������������������������������������������������������������������������������������������188

CAPÍTULO 9
Clarisse Laupman
Marília Gagliardi
A TECNOLOGIA A FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS:
COMBATE AO TRÁFICO DE PESSOAS POR MEIO DA CRIAÇÃO
DE BASES DE DADOS COMPARTILHADOS E O TRATAMENTO
DE DADOS PESSOAIS NO ÂMBITO INTERNACIONAL������������190
Introdução����������������������������������������������������������������������������������������������������190
1 A relação entre o tráfico de pessoas, a tecnologia e a proteção de da-
dos�����������������������������������������������������������������������������������������������������������������192
1.1 As formas de tratamento de dados pessoais nos casos de tráfico de
pessoas��������������������������������������������������������������������������������������������������������194
1.1.1 Âmbito Internacional...................................................................194
2 As bases de dados sobre tráfico de pessoas e as medidas adotadas para
a proteção pelas fontes de dados��������������������������������������������������������������201
2.1 A Organização Internacional para as Migrações���������������������������202
2.2 Escritório das Nações Unidas sobre drogas e crime��������������������204
2.3 IBM������������������������������������������������������������������������������������������������������205
Considerações finais�����������������������������������������������������������������������������������207
Referências���������������������������������������������������������������������������������������������������208

CAPÍTULO 10
Carolina Naves Silvestre
TRÁFICO DE PESSOAS: DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO DE
UMA REDE SISTEMATIZADA DE DADOS PARA O COMBATE
DO FENÔMENO NO BRASIL���������������������������������������������������������������212
Introdução����������������������������������������������������������������������������������������������������212
1 Perspectivas gerais sobre o tráfico de pessoas e análise de sua evolução
legislativa no Brasil��������������������������������������������������������������������������������������213
2 Análise da integração de dados oficiais sobre o fenômeno do tráfico de
pessoas����������������������������������������������������������������������������������������������������������220
3 Interface de informações entre entes governamentais sobre a notícia
dos desaparecimentos��������������������������������������������������������������������������������231
Considerações finais�����������������������������������������������������������������������������������237
Referências���������������������������������������������������������������������������������������������������238
Anexos����������������������������������������������������������������������������������������������������������244

CAPÍTULO 11
Maria Eduarda Soares de Alvarenga
CIDADES INTELIGENTES E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO
COMBATE AO TRÁFICO DE SERES HUMANOS��������������������������246
Introdução����������������������������������������������������������������������������������������������������246
1 O tráfico de seres humanos: evolução, conceitos e aspectos
socioeconômicos�����������������������������������������������������������������������������������������248
2 Cidades Inteligentes: um novo mundo�������������������������������������������������250
3 Impactos da Inteligência Artificial e de Cidades Inteligentes na
segregação de vulneráveis��������������������������������������������������������������������������252
4 Avanços tecnológicos no embate ao Tráfico de Seres Humanos����254
Considerações finais�����������������������������������������������������������������������������������256
Referências���������������������������������������������������������������������������������������������������258

PARTE III
TRÁFICO DE MULHERES E CRIANÇAS: OBJETIFICAÇÃO,
CONSENTIMENTO E DESAPARECIMENTO���������������������������������262

CAPÍTULO 12
Ana Beatriz Ribeiro da Silva
Monique Peixoto de Souza
PESSOAS E PREÇOS: AS DISTORÇÕES NARRATIVAS QUE
MERCANTILIZAM OS SERES HUMANOS NO CONTEXTO DO
TRÁFICO INTERNACIONAL����������������������������������������������������������������264
Introdução����������������������������������������������������������������������������������������������������264
1 Desterritorialização e o “cidadão do mundo” - uma construção
histórica��������������������������������������������������������������������������������������������������������266
2 A colonização das vítimas����������������������������������������������������������������������268
2.1 A feminização da pobreza�����������������������������������������������������������������269
2.2 O abuso das situações de vulnerabilidade��������������������������������������270
3 Narrativas apresentadas ao Judiciário Brasileiro���������������������������������271
Considerações finais�����������������������������������������������������������������������������������275
Referências���������������������������������������������������������������������������������������������������276

CAPÍTULO 13
Alline Pedra Jorge Birol
Thamara Duarte Cunha Medeiros
ENTRE DISSENSOS E CONSENSOS: TRÁFICO DE PESSOAS E
SITUAÇÕES DE VULNERABILIDADE����������������������������������������������278
Introdução����������������������������������������������������������������������������������������������������278
1 Tráfico de pessoas no Brasil: marco legal e conceitual����������������������279
2 Consentimento da vítima no crime de tráfico de pessoas e situações de
vulnerabilidade��������������������������������������������������������������������������������������������282
Considerações finais�����������������������������������������������������������������������������������287
Referências���������������������������������������������������������������������������������������������������287

CAPÍTULO 14
Rayane Cardoso dos Santos Rocha
CRIANÇAS-SOLDADO, DA GUERRA À FAVELA: UM TEMA DE
TRÁFICO DE PESSOAS����������������������������������������������������������������������������290
Introdução����������������������������������������������������������������������������������������������������290
1 Análise do termo “Crianças-Soldado” e a questão do consentimen-
to��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������291
2 Tráfico de pessoas, exploração da mão-de-obra infantil e o recrutamento
de crianças para conflitos armados e o crime organizado��������������������295
3 Crianças-soldado na África��������������������������������������������������������������������298
4 Crianças-soldado no Brasil���������������������������������������������������������������������301
5 Combate ao uso de crianças-soldado���������������������������������������������������306
Considerações finais�����������������������������������������������������������������������������������311
Referências���������������������������������������������������������������������������������������������������312

CAPÍTULO 15
Maria Luiza Bortoloto Morata
ENTRE “PINÓQUIOS” E “STROMBOLIS”: O TRÁFICO
INTERNACIONAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES PARA
FINS DE EXPLORAÇÃO NA PRÁTICA DE DELITOS E SUA
PROJEÇÃO POTENCIAL NO CONTEXTO BRASILEIRO�����������314
Introdução����������������������������������������������������������������������������������������������������314
1 Tráfico de crianças e adolescentes: mapeando contextos e
vulnerabilidade��������������������������������������������������������������������������������������������316
Considerações finais�����������������������������������������������������������������������������������327
Referências���������������������������������������������������������������������������������������������������328

CAPÍTULO 16
Gabriel Ferreira da Silva
INFÂNCIAS ROUBADAS E TRÁFICO RECEPCIONADO: UMA
ANÁLISE DO TRABALHO DOMÉSTICO INFANTIL NO BRASIL
SOB A PERSPECTIVA DO TRÁFICO INTERNO DE PESSOAS�330
Introdução ��������������������������������������������������������������������������������������������������330
1 O trabalho infantil no Brasil������������������������������������������������������������������332
2 O tráfico de crianças e suas peculiaridades com tema abordado�����333
3 O sentimento de legalidade, caridade e solidariedade permeando um
crime. O berço da banalidade do mal������������������������������������������������������338
Considerações finais�����������������������������������������������������������������������������������341
Referências���������������������������������������������������������������������������������������������������342

CAPÍTULO 17
Alicia Baptista Rodrigues
QUEM TEM MEDO DO LOBO MAU? A EXPLORAÇÃO DA
VULNERABILIDADE DE RELAÇÕES FAMILIARES E O
PROCESSO DE ADOÇÃO NO BRASIL COMO MARGEM PARA O
TRÁFICO DE CRIANÇAS������������������������������������������������������������������������344
Introdução����������������������������������������������������������������������������������������������������344
1 Panorama do tráfico de pessoas: A relação entre tráfico de crianças e a
adoção�����������������������������������������������������������������������������������������������������������345
1.1 O esquema persuasivo do tráfico: as diferentes modalidades e o
“modus operandi”������������������������������������������������������������������������������������345
1.2 Análise das legislações e Políticas Públicas para o combate ao tráfico
de pessoas no Brasil e a adoção ilegal���������������������������������������������������346
2 Perspectivas da lei da adoção e regulação no Brasil���������������������������350
2.1 Levantamento de dados nacionais: estatísticas e o processo de
adoção���������������������������������������������������������������������������������������������������������351
3 Relacionando Tráfico e Adoção: consequências psicológicas e sociais
do crime��������������������������������������������������������������������������������������������������������353
3.1 Exploração dos traficantes da vulnerabilidade de casais que sonham
com a parentalidade����������������������������������������������������������������������������������353
3.2 Crianças: Quais as consequências sociais e psicológicas?������������354
Considerações finais�����������������������������������������������������������������������������������358
Referências���������������������������������������������������������������������������������������������������359

CAPÍTULO 18
Alana Paterno Godoy
CONSIDERAÇÕES SOBRE O ATUAL CENÁRIO DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE CRIANÇAS
E ADOLESCENTES NA MODALIDADE ADOÇÃO ILEGAL�����364
Introdução����������������������������������������������������������������������������������������������������364
1 Conceito de políticas públicas���������������������������������������������������������������366
2 Mecanismos de implementação de políticas públicas������������������������367
3 A importância da atuação do Poder Judiciário nas políticas públi-
cas������������������������������������������������������������������������������������������������������������������369
4 O sistema de garantias e direitos da criança e do adolescente����������371
5 Instrumentos de enfrentamento ao tráfico de pessoas����������������������373
6 O atual cenário de políticas públicas de enfrentamento ao tráfico de
crianças e adolescentes�������������������������������������������������������������������������������377
7 Considerações sobre a atual gestão de políticas públicas de
enfrentamento ao tráfico de crianças e adolescentes na modalidade
adoção ilegal no Brasil��������������������������������������������������������������������������������380
Considerações finais....................................................................................380
Referências���������������������������������������������������������������������������������������������������386

CAPÍTULO 19
Ana Cláudia Pompeu Torezan Andreucci
Michelle Asato Junqueira
Valéria Jabur Maluf Mavuchian
AONDE ESTÁ VOCÊ AGORA? “MÃES DA SÉ” NOS ENCONTROS
E DESENCONTROS POR CRIANÇAS DESAPARECIDAS:
NARRATIVAS DE PROTAGONISMO, CIDADANIA E
SOLIDARIEDADE��������������������������������������������������������������������������������������392
Introdução����������������������������������������������������������������������������������������������������393
1 Desaparecimento como narrativa de um luto inacabado������������������396
2 Mães da Sé: quando os vocábulos dor e luta se tornam sinônimos�398
3 Mães da Sé: diálogos com fontes normativas de proteção à criança e ao
adolescente���������������������������������������������������������������������������������������������������401
4 Mães da Sé: comunicação como instrumento para a sensibilização
nossa de cada dia ����������������������������������������������������������������������������������������403
4.1 Imagens, impressões, cartazes, bola em campo: parcerias
multiplicadoras de engajamento social��������������������������������������������������405
4.2 Quando narrativas ficcionais e reais se encontram: telenovelas
comunicando discussões sociais�������������������������������������������������������������406
4.3 Ciberativismo��������������������������������������������������������������������������������������411
Considerações finais�����������������������������������������������������������������������������������414
Referências���������������������������������������������������������������������������������������������������414

CAPÍTULO 20
Natalia Larissa L. Ribeiro
MULHERES, ESTIGMAS E VULNERABILIDADE: BREVE
ANÁLISE HISTÓRICA DA POSTURA ESTATAL BRASILEIRA
ANTE À CONDIÇÃO DA MULHER TRAFICADA, SOB O PRISMA
DO DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS418
Introdução����������������������������������������������������������������������������������������������������418
1 Vítimas de Tráfico para fins de Exploração sexual e o estigma social da
prostituição��������������������������������������������������������������������������������������������������421
1.1 O tráfico de escravas brancas e a omissão estatal�������������������������423
1.2 Protocolos de Palermo����������������������������������������������������������������������429
2 Principais instrumentos internacionais contra o tráfico de mulhe-
res������������������������������������������������������������������������������������������������������������������433
3 Análise dos dados expostos�������������������������������������������������������������������443
3.1 Declaração sobre a eliminação de todas as formas de discriminação
contra a mulher: suas implicações à postura brasileira��������������������������443
3.2 Um adendo à resistência internacional à CEDAW�������������������������443
Considerações finais�����������������������������������������������������������������������������������446
Referências���������������������������������������������������������������������������������������������������448

CAPÍTULO 21
Ana Flávia Francisco Facury
Juliana Vigarani Beluzzo
A EXPLORAÇÃO DA MULHER NO CONTEXTO DE CONFLITOS
ARMADOS: DA VULNERABILIDADE DE GÊNERO AO TRÁFICO
DE PESSOAS������������������������������������������������������������������������������������������������453
Introdução�������������������������������������������������������������������������������������������������������453
1 O que é um conflito armado?����������������������������������������������������������������454
2 Um panorama global sobre o tráfico de mulheres no contexto de
conflitos armados���������������������������������������������������������������������������������������457
3 A questão de gênero e a vulnerabilidade����������������������������������������������460
4 O perfil socioeconômico das vítimas���������������������������������������������������464
5 As formas de tráfico de mulheres recorrentes no contexto de conflitos
armados��������������������������������������������������������������������������������������������������������466
Considerações finais�����������������������������������������������������������������������������������474
Referências �����������������������������������������������������������������������������������������������������475
PARTE I

MIGRAÇÃO E TRÁFICO
DE PESSOAS: DESAFIOS
ATUAIS
CAPÍTULO 1

REFUGIADOS VÍTIMAS DO
TRÁFICO DE PESSOAS: UMA
ANÁLISE SOCIOLEGAL E
FILOSÓFICA SOB O PONTO DE
VISTA DA CONDIÇÃO HUMANA
ARENDTIANA

IZABELA ZONATO VILLAS BOAS


Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Pós-
Graduanda em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola
Paulista de Direito, Mestre em Sociologia Jurídica pelo Instituto
Internacional de Sociologia Jurídica de Oñati na Espanha. Membro do
Grupo de Pesquisa “Pessoas Invisíveis: Prevenção e Combate ao Tráfico
Interno e Internacional de Seres Humanos”.

LETÍCIA MOREIRA GRAÇA


Graduanda em Direito e Letras pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie.

INTRODUÇÃO

O aumento exponencial do número de pessoas que migram ao


redor do Planeta é mais uma das consequências do mundo globalizado. A
facilidade migratória que se tem atualmente representa inúmeros benefícios
à sociedade, como oportunidades de estudo e trabalho, direito à segurança,
dignidade e proteção, o que se tem com o instituto do refúgio, por exemplo.
No entanto, há também uma faceta contraproducente da facilidade
migratória, que se resume na possibilidade da perpetuação de crimes em
escala transnacional, como o tráfico de pessoas.
O fato de o refúgio e o tráfico de pessoas serem duas questões
relevantes em constante crescimento, tanto pela importância, quanto pela
gravidade que simbolizam, evidenciam que o ser humano é o foco do
Direito Internacional e justificam a escolha da temática para esta pesquisa.
O refúgio é instituto que possibilita a concessão de proteção de um
país ao migrante, porém com requisitos a serem observados, como será
melhor explicado adiante. De acordo com o Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados (ACNUR), há cerca de 25,9 milhões de pessoas
refugiadas no mundo. Já o tráfico de pessoas é crime que assola pessoas com
os mais diversos gêneros, características e idades, e está entre as atividades
criminosas mais rentáveis do mundo.
Diante disso, tem-se como problema de pesquisa verificar se é possível
associar a condição humana do refugiado vítima de tráfico de pessoas com
o animal laborans arendtiano. Além disso, como questão subsidiária, busca-
se analisar se há efetiva proteção desses indivíduos, em âmbito nacional e
internacional, tendo em vista a sua vulnerabilidade.
Tem-se por objetivo principal analisar as violações de direitos sofridas
pelas pessoas em situação de refúgio que são vítimas do tráfico de pessoas.
Como objetivo secundário verificar se ocorre efetiva proteção legal desses
indivíduos.
Sendo assim, trabalha-se com a hipótese de que ainda que refugiados
vítimas de tráfico de pessoas sofram violações mais severas, quando
identificada a ocorrência do crime há efetiva proteção ou ainda de que
além destes indivíduos sofrerem incontestáveis violações, não se verifica
a adequada proteção à essas pessoas por se tratar de crimes que não se
tornam visíveis.
Para atingir o objetivo proposto, este trabalho será desenvolvido por
meio de pesquisas bibliográfica, documental e legal com caráter descritivo
e exploratório, combinadas ao método indutivo para alcançar as principais
conclusões.
Nesse sentido, são utilizadas como principais fontes documentos
oficiais da Organização Internacional para as Migrações, da Organização
das Nações Unidas, através de representações como Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), o Escritório das Nações
Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), bem como de organizações do
terceiro setor, e legislações e tratados internacional e nacional.
Sendo assim, inicialmente são explanados e conectados o crime de
tráfico de pessoas e o instituto do refúgio. Posteriormente, será tratada a
teoria da Condição Humana de Hannah Arendt, de forma a estabelecer
o marco teórico desta pesquisa, e, por fim, busca-se conectar este crime,
trazendo como vítimas as pessoas protegidas pela condição de refugiados,
correlacionando-os com a condição humana de Hannah Arendt.

1 ASPECTOS LEGAIS DO TRÁFICO DE PESSOAS E DO REFÚGIO


E A CONEXÃO ENTRE AMBOS

O instituto do refúgio é disciplinado internacionalmente pela


Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e por seu Protocolo
de 1967, que conceituam refugiado como sendo a pessoa que:
temendo ser perseguida por motivos de raça, religião,
nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se
encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode
ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção
desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra
fora do país no qual tinha sua residência habitual em
consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido
ao referido temor, não quer voltar a ele.1
No Brasil, a Lei n° 9.474/1997, conhecida como Estatuto dos
Refugiados, adota um conceito ampliado de refugiado, trazendo, além do
conceito visto acima, a hipótese do art. 1º, inciso III que traz a possibilidade
de grave e generalizada violação de direitos humanos em que o indivíduo é
obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro.2
Já o crime de tráfico de pessoas é tratado pelo artigo 3 do Protocolo
Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico
de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, conhecido também por
Protocolo de Palermo, assim o detalha:
o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento
ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou
uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à
fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de
vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos
ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa
que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.
A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da
prostituição de outrem ou outras formas de exploração
sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou

1. ACNUR. Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951. Disponível em: <https://www.
acnur.org/fileadmin/Documentos/portugues/BDL/Convencao_relativa_ao_Estatuto_dos_
Refugiados.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2019
2. BRASIL. Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997. Define mecanismos para a implementação do Estatuto
dos Refugiados de 1951, e determina outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/leis/l9474.htm>. Acesso em: 22 nov 2019.
práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção
de órgãos;3
Trata-se de crime que pode ocorrer em âmbito nacional e também
transnacional. Além da severidade descrita pelo Protocolo de Palermo,
a gravidade do crime é trazida também no art. 7º, 2, “c” do Estatuto de
Roma, que trata o tráfico de pessoas como crime contra a humanidade4.
Ainda que o controle de fronteiras seja cada vez maior e mais rigoroso,
o crime de tráfico de pessoas continua ocorrendo também em proporções
maiores. Isso pode se justificar em razão da associação entre crime e
globalização. Nunes entende que, com a globalização, pode ser possível a
revelação de novas modalidades de crimes, bem como novas configurações
de antigos crimes através das novas tecnologias e informações do mundo
globalizado5.
Nesse sentido, após breve conceituação e contextualização do
instituto do refúgio e do crime de tráfico de pessoas, passa-se à abordagem
que busca aproximá-los. Para tanto, utiliza-se o Relatório Global sobre o
Tráfico de Pessoas6, bem como o Documento Temático do Escritório das
Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) sobre a Luta contra o
Tráfico de Pessoas em Situações de Conflito7, ambos publicados em 2018.
Conforme o Relatório Global, conflitos armados podem aumentar a
vulnerabilidade ao tráfico em razão da falta de recursos e grandes níveis de
pobreza, o que torna precário o Estado de Direito e propício o ambiente
para traficantes cometerem o crime, tendo em vista o clima de impunidade.
3. BRASIL. Decreto nº5.017 de 12 de março de 2004. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção
das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do
Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5017.htm>. Acesso em: 03 nov. 2019.
4. Artigo 7º. Crimes contra a Humanidade.  1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por “crime contra
a humanidade”, qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou
sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:(...) c) Escravidão; (...) 2. Para
efeitos do parágrafo 1º: c) Por “escravidão” entende-se o exercício, relativamente a uma pessoa, de um poder ou
de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa, incluindo o exercício desse
poder no âmbito do tráfico de pessoas, em particular mulheres e crianças; BRASIL. Decreto nº 4.388, de
25 de Setembro de 2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4388.htm>. Acesso em: 05 nov.
2019. 
5.   NUNES, Laura M. O crime da globalização e a globalização do crime. Revista da Faculdade de
Ciências Humanas e Sociais, n° 7, p. 402 - 410. Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa,
2010. p. 404.
6. UNODC. Global Report on Trafficking Persons. Vienna: 2018. Disponível em: <https://www.
unodc.org/documents/data-and-analysis/glotip/2018/GLOTiP_2018_BOOK_web_small.
pdf> Acesso em: 06 nov. 2019.
7. UNODC. Thematic Paper on Countering Trafficking in Persons in Conflict Situations. Vienna: 2018.
Disponível em: <https://www.unodc.org/documents/human-trafficking/2018/17-08776_
ebook-Countering_Trafficking_in_Persons_in_Conflict_Situations.pdf>. Acesso em: 03 nov.
2019.
Além disso, somam-se condições socioeconômicas precárias, situações de
perseguição, o que faz com que pessoas nessas circunstâncias sejam mais
facilmente enganadas por situações de exploração disfarçadas de propostas
fraudulentas, acarretando crises humanitárias, vulnerabilidade entre a
população e lucro entre os criminosos8.
O Relatório também indica que grupos armados podem utilizar o
tráfico como estratégia que potencializa o domínio territorial, disseminando
o medo e exercendo controle sobre a população. Além dos grupos armados,
há outros autores envolvidos no tráfico de pessoas em regiões de conflitos,
como grupos criminosos e traficantes individuais, que possuem como alvo
civis, refugiados e populações deslocadas internamente em campos formais
e informais de refúgio9.
Dessa forma, o documento informa a existência de casos em campos
de refugiados no Oriente Médio, em países como Síria e Iraque, bem como
em locais de conflito na África Central e Ocidental, onde, por exemplo,
crianças são usadas como combatentes, meninas e mulheres jovens são
submetidas à “escravidão sexual”, ao casamento forçado (como forma
apelativa a recrutar novos potenciais recrutas masculinos), à exploração
sexual, além de outras formas criminosas e violentas10.
Aprofundando, o Documento Temático do UNODC sobre a
Luta contra o Tráfico de Pessoas em Situações de Conflito, alerta que as
violações por abuso sexual contra homens e meninos pode aumentar em
situações de conflito11. Nessa linha, argumenta que crianças, especialmente
desacompanhadas, que fogem de conflitos, correm maiores riscos, pois
são particularmente suscetíveis às formas de trabalho exploratório. Os

8. UNODC. Global Report on Trafficking Persons. Vienna: 2018. Disponível em: <https://www.
unodc.org/documents/data-and-analysis/glotip/2018/GLOTiP_2018_BOOK_web_small.
pdf> Acesso em: 06 nov. 2019. p. 11 e 12. e UNODC. Thematic Paper on Countering Trafficking
in Persons in Conflict Situations. Vienna: 2018. Disponível em: <https://www.unodc.org/
documents/human-trafficking/2018/17-08776_ebook-Countering_Trafficking_in_Persons_
in_Conflict_Situations.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2019. p 1 e 2.
9. UNODC. Global Report on Trafficking Persons. Vienna: 2018. Disponível em: <https://www.
unodc.org/documents/data-and-analysis/glotip/2018/GLOTiP_2018_BOOK_web_small.
pdf> Acesso em: 06 nov. 2019. p. 11.
10. UNODC. Global Report on Trafficking Persons. Vienna: 2018. Disponível em: <https://www.
unodc.org/documents/data-and-analysis/glotip/2018/GLOTiP_2018_BOOK_web_small.
pdf> Acesso em: 06 nov. 2019. p.11. e UNODC. Thematic Paper on Countering Trafficking in Persons
in Conflict Situations. Vienna: 2018. Disponível em: <https://www.unodc.org/documents/
human-trafficking/2018/17-08776_ebook-Countering_Trafficking_in_Persons_in_Conflict_
Situations.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2019. p. x, executive summary.
11. UNODC. Thematic Paper on Countering Trafficking in Persons in Conflict Situations. Vienna: 2018.
Disponível em: <https://www.unodc.org/documents/human-trafficking/2018/17-08776_
ebook-Countering_Trafficking_in_Persons_in_Conflict_Situations.pdf>. Acesso em: 03 nov.
2019. p. x, executive summary.
exemplos são diversos, como ocorre com crianças afegãs e sudanesas
desacompanhadas que vivem em campos de refugiados em Calais e
Dunquerque na França, traficadas para exploração sexual, forçadas ao
cometimento de crimes, como roubo e venda de drogas12.
Ademais, o Documento relata a existência de casos de refugiados
sírios que foram traficados para trabalhar em setores como agricultura,
indústria, manufatura, restauração em Estados vizinhos à Síria. Há também
casos em que sul-asiáticos foram enganosamente recrutados e traficados
para trabalho forçado em zonas de conflito em áreas do Oriente Médio.
Casos também ocorrem tendo Estados contratando particulares para
recrutar trabalhadores migrantes para apoiar operações militares de grande
escala13.
Sendo assim, nota-se que não há perfis específicos para vítimas de
tráfico, podendo se tratar de pessoas de todas as classes sociais, idades, sexo,
gênero, população fora de conflito ou em ambientes conflitantes, migrantes
em situações regulares ou irregulares, requerentes de asilo e até refugiados14.
Além disso, importa salientar que, ainda que exista o consentimento para a
exploração, isso não altera o crime de tráfico de pessoas15.
Diante da ausência de características específicas e da invisibilidade
do crime, tem-se a dificuldade na verificação de casos e da identificação
de vítimas e criminosos, e, portanto, aplicação insuficiente da legislação.
Tal precariedade é inclusive manifestada pela Corte Europeia de Direitos
Humanos (CEDH) em julgamento de tráfico de mulheres nigerianas na
França, ao reconhecer a dificuldade que essas mulheres têm para que seu
problema chegue ao conhecimento das autoridades e para que possam
obter proteção16.

12. UNODC. Thematic Paper on Countering Trafficking in Persons in Conflict Situations. Vienna: 2018.
Disponível em: <https://www.unodc.org/documents/human-trafficking/2018/17-08776_
ebook-Countering_Trafficking_in_Persons_in_Conflict_Situations.pdf>. Acesso em: 03 nov.
2019. p. 16.
13. UNODC. Thematic Paper on Countering Trafficking in Persons in Conflict Situations. Vienna: 2018.
Disponível em: <https://www.unodc.org/documents/human-trafficking/2018/17-08776_
ebook-Countering_Trafficking_in_Persons_in_Conflict_Situations.pdf>. Acesso em: 03 nov.
2019. p. 15.
14. UNODC. Thematic Paper on Countering Trafficking in Persons in Conflict Situations. Vienna: 2018.
Disponível em: <https://www.unodc.org/documents/human-trafficking/2018/17-08776_
ebook-Countering_Trafficking_in_Persons_in_Conflict_Situations.pdf>. Acesso em: 03 nov.
2019. p. 8
15. UNODC. Thematic Paper on Countering Trafficking in Persons in Conflict Situations. Vienna: 2018.
Disponível em: <https://www.unodc.org/documents/human-trafficking/2018/17-08776_
ebook-Countering_Trafficking_in_Persons_in_Conflict_Situations.pdf>. Acesso em: 03 nov.
2019. p. viii, executive summary.
16. UNODC. Thematic Paper on Countering Trafficking in Persons in Conflict Situations. Vienna: 2018.
Disponível em: <https://www.unodc.org/documents/human-trafficking/2018/17-08776_
Visando encontrar solução para problemas de tamanha magnitude,
o Documento Temático alerta que os esforços dos Estados para combater
não devem aumentar a inadvertidamente a vulnerabilidade das pessoas
para o tráfico. Assim, propõe medidas como  não criminalização da
migração17, estabelecimento de caminhos seguros para que as pessoas
saiam com segurança das áreas de conflito de maneira regular e ordenada,
estabelecimento de serviços de registro civil adequados e gratuitos, para
migrantes e pessoas deslocadas internamente nos campos de refugiados.
Além disso, o acolhimento de pessoas em situação de refúgio pode ajudar a
evitar que essas pessoas sejam vítimas de outras violações, além das que as
fizeram buscar refúgio, como o tráfico de pessoas.18
O Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos
Humanos deixa claro em seu sétimo princípio que pessoas traficadas não
devem ser criminalizadas, seja pela ilegalidade de entrada, residência ou
ainda por crimes que tenham cometido no curso de seu tráfico19. Não há
dúvidas que, ainda no que tangencia a proteção das vítimas, a atuação dos
Estados é essencial. Estes, de acordo com a Convenção Internacional sobre
a proteção dos direitos de todos os migrantes trabalhadores e membros
de suas famílias (ICRMW Convention), devem promover uma proteção
efetiva contra violência, violação física, ameaças e intimidação por oficiais
públicos ou particulares20.

ebook-Countering_Trafficking_in_Persons_in_Conflict_Situations.pdf>. Acesso em: 03


nov. 2019. p. viii, executive summary.  “La Cour, bien que consciente de l’importance du phénomène
de la traite des femmes nigérianes en France et des difficultés pour ces personnes à se faire connaître des
autorités en vue d’obtenir une protection, ne peut que constater, au vu de ce qui précède, que la requérante
n’a pas tenté d’interpeller les autorités sur sa situation.” COUR EUROPÉENNE DES DROITS
DE L’HOMME. Cinquième section. Siégeant le 29 novembre 2011. Requête no 7196/10.
Disponível em: <https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-108003%22]}>.
Acesso em: 04 dec. 2019.
17. O artigo 31(1) da Convenção dos Refugiados específica que: Os Estados Contratantes não aplicarão
sanções penais em virtude da sua entrada ou permanência irregulares, aos refugiados que, chegando diretamente
do território no qual sua vida ou sua liberdade estava ameaçada no sentido previsto pelo art. 1º, cheguem ou
se encontrem no seu território sem autorização, contanto que se apresentem sem demora às autoridades e lhes
exponham razões aceitáveis para a sua entrada ou presença irregulares.
18. Como exemplo tem-se:UN Women and WFP provide safe spaces in refugee camps to build resilience
among refugee women, for instance at the Za’atari refugee camp in Jordan, which shelters tens of thousands
of women who have fled conflict in Syria. UNODC. Thematic Paper on Countering Trafficking in Persons
in Conflict Situations. Vienna: 2018. Disponível em: <https://www.unodc.org/documents/
human-trafficking/2018/17-08776_ebook-Countering_Trafficking_in_Persons_in_Conflict_
Situations.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2019. p. 44.
19. OHCHR. Recommended Principles and Guidelines on Human Rights and Human Trafficking. Disponível
em <https://www.ohchr.org/Documents/Publications/Traffickingen.pdf>. Acesso em: 07
dez. 2019.
20. OHC. International Convenetion on the Protection of the Rights of All Migrants Workers and Members of
their families. Disponível em <https://www.ohchr.org/EN/ProfessionalInterest/Pages/CMW.
aspx>. Acesso em: 07 dez. 2019.
O protocolo sobre tráfico de pessoas também especifica que o Estado
deve prezar pela segurança física de tais pessoas21. O Estado, portanto, tem
obrigação de proteger as vítimas, mesmo que em situações irregulares pois,
justamente a irregularidade intensifica a sua vulnerabilidade para que o
crime ocorra.
Ainda nessa ótica, é garantido a essas pessoas acesso à alojamento
adequado, aconselhamento e informação, assistência médica, psicológica e
material e oportunidade de emprego, educação e formação. Tais direitos
estão previstos no artigo 6 do Decreto nº 5.017, o Protocolo de Tráfico de
Pessoas.
Assim, com o auxílio adequado, garante-se que estas pessoas
continuem tendo direito a ter direitos22, de forma a garantir a dignidade
da pessoa humana. Dessa forma, passa-se a análise da condição humana
Arendtiana e suas peculiaridades.

2 A CONDIÇÃO HUMANA E O REFUGIADO

Neste tópico em questão, visa-se compreender a condição em que as


vítimas de refúgio e a sua condição humana de animal laborans, terminologia
usada por Hannah Arendt, em sua obra “A Condição Humana”, de 1958,
para então tornar compreensível como a própria condição dessas pessoas
potencializa o tráfico humano internacional.

2.1 A CONDIÇÃO EM QUE OS REFUGIADOS VIVEM 

A condição dos refugiados está intrinsecamente relacionada com a


ocorrência de guerras civis no plano internacional, que possuem inúmeros
motivos, como religioso, econômico, político ou étnico. 
Além disso, essas situações de conflito colocam em risco indivíduos
e grupos, que, por sua vez, estão sujeitos a sofrer não somente graves
ameaças ou perseguições, mas principalmente as atrocidades que são
viver em um campo de guerra. Vivem-se em zonas de conflito, que se
assemelham à campos minados. Onde se vive, não há segurança ou garantia
de que permanecerão vivos, e faltam necessidades básicas23. Há somente o

21. BRASIL. Decreto nº5.017 de 12 de março de 2004. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção
das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do
Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5017.htm>. Acesso em: 07 nov. 2019.
22. AREDNT, Hannah. As origens do totalitarismo. Tradução Roberto Raposo. São Paulo: Companhia
das letras, 2012.
23. UNODC. Global Report on Trafficking Persons. Vienna: 2018. p. 11.
constante medo da morte, da perda de familiares e amigos. Deve-se lutar
pela sobrevivência, mesmo que essa sobrevivência seja sinônimo de uma
grande incógnita, que será somente encontrada em outras terras. Em terras
distantes, em outro continente, do outro lado do oceano. Essas vítimas,
vulneráveis pela sua atual condição, quando chegam a uma nova nação,
dotadas de sentimentos antagônicos, como medo e positivismo, enfrentam
novos desafios, como, por exemplo, o linguístico e cultural, que, mais uma
vez, dificulta e vulnerabiliza, ainda mais, a sua própria condição.
Perante as tragédias em plano internacional causadas pelas guerras
civis, é compreensível que os Estados se preocupem com sua segurança. De
acordo com Juan Carlos Murillo24 a segurança e a luta contra o terrorismo
vieram exacerbar as políticas restritivas de asilo, já implementadas por
muitos Estados em diferentes partes do mundo. 
Dessa forma, o refugiado é percebido não como uma vítima que
precisa de amparo e proteção, mas sim como uma ameaça à segurança do
Estado25, podendo, até mesmo, ter a sua condição de refugiado cancelada
ou revogada. 

2.2 HANNAH ARENDT E O SER REFUGIADO

Diante da situação previamente descrita, Hannah Arendt, filósofa


política contemporânea que vivenciou os horrores de regimes totalitários,
fala com propriedade sobre a condição em que os refugiados vivem. Em
sua obra “Nós, os Refugiados”, publicada em 1943 no jornal The Monorah
Journal, a autora fala com clareza e intimidade de quem são os refugiados:
Um refugiado costuma ser uma pessoa obrigada a procurar
refúgio devido a algum ato cometido ou por tomar alguma
opinião política. Bom, é verdade que tivemos que procurar
refúgio; mas não cometemos nenhum ato e a maioria de
nós nunca sonhou em ter qualquer opinião política radial.
O sentido do termo “refugiado” mudou conosco. Agora
“refugiados” são aqueles de que nós que chegaram à
infelicidade de chegar a um novo país sem meios e tiveram
que ser ajudados por comitês de refugiados.26

24. MURILLO. Os Legítimos Interesses de Segurança dos Estados e a Proteção Internacional de Refugiados.
Sur, Rev. int. direitos human., São Paulo , v. 6, n. 10, p. 120-137, jun 2009. Disponível em:
<http://www.scielo.br>. Acesso em: 07 dez. 2019.
25. MURILLO. Os Legítimos Interesses de Segurança dos Estados e a Proteção Internacional de Refugiados.
2010. Sur, Rev. int. direitos human., São Paulo , v. 6, n. 10, p. 120-137, jun 2009. Disponível
em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 07 dez. 2019. p. 11.
26. ARENDT, Hannah. Nós, os refugiados. The Menorah Journal. 1943. Disponível em: <http://
www.lusosofia.net/textos/20131214-hannah_arendt_nos_os_refugiados.pdf>. Acesso em 07
dez. 2019. p.7.
Estes, por sua vez, buscam reconstruir sua vida, adotando uma
visão otimista, mesmo frente à inúmeros obstáculos enfrentados, como a
perda de suas casas, a familiaridade com a vida quotidiana e até mesmo
a confiança no mundo. Perde-se a língua, os familiares e amigos, mortos
pelas atrocidades vivenciadas em seu país de origem que se encontra em um
estado minimamente caótico27.
O otimismo, anteriormente mencionado, serve para evitar
especialmente alusões aos acontecimentos de sua pátria-mãe. Este
sentimento, por sua vez, é uma forma de lidar com este futuro incerto que
os circundam. De acordo com Arendt, “depois de tanta má sorte queremos
um percurso infalível. Portanto, deixamos a terra com todas essas incertezas
para trás e lançamos o nosso olhar para o céu”28.
Por outro lado, o otimismo exacerbado não é suficiente para superar
todos os problemas que ainda serão enfrentados. Para a autora, os refugiados
são excluídos das fronteiras estatais. Além disso, são, igualmente, seres
desprovidos de cidadania, já que esta, por sua vez, engloba o conceito de
proteção e pertencimento a um Estado29.
Dessa forma, de acordo com Wermuth e Nielsson, ao interpretar
o posicionamento de Arendt, é entendido que a crise dos Direitos
Humanos está diretamente relacionada à crise do Estado, na medida em
que este, sedimentado na cidadania nacional, deixou de alcançar as pessoas
desprovidas de nacionalidade30.
Em outras palavras, o mero direito de pertencer a uma nova
nação lhes é negado. Evidencia-se, a perda de lugar no mundo, o que
exclui a humanidade destas vítimas, intensificando, mais uma vez, a sua
vulnerabilidade simplesmente pelo que são: nascidos na raça errada, ou na
classe errada31.

27. ARENDT, Hannah. Nós, os refugiados. The Menorah Journal. 1943. Disponível em: <http://
www.lusosofia.net/textos/20131214-hannah_arendt_nos_os_refugiados.pdf>. Acesso em 07
dez. 2019. p.8
28. ARENDT. Nós, os refugiados. The Menorah Journal. 1943. Disponível em: <http://www.
lusosofia.net/textos/20131214-hannah_arendt_nos_os_refugiados.pdf>. Acesso em 07 dez.
2019. p.9
29. ARENDT. Nós, os refugiados. The Menorah Journal 1943. Disponível em: <http://www.
lusosofia.net/textos/20131214-hannah_arendt_nos_os_refugiados.pdf>. Acesso em 07 dez.
2019. p.9
30. WERMUTH, Maiquel Angelo Dezordi; NIELSSON, Joice Graciele. De Hannah Arendt a Judith
Butler: em busca da humanidade perdida nas fronteiras do estado-nação. Pensar Revista de Ciências
Jurídicas, Fortaleza, v. 22, n. 1, p. 301-334, jan/abr. 2017. Disponível em: <https://periodicos.
unifor.br/rpen/article/view/4322>. Acesso em 07 dez. 2019
31. ARENDT. A condição humana. 11. Ed. Trad. R. Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2010 p. 328.
2.3 A CONDIÇÃO HUMANA ARENDTIANA

Diante das situações descritas sobre os refugiados, faz-se possível a


abertura de espaço para as terminologias, análises e conceitos de Hannah
Arendt acerca da condição humana destes seres marginalizados. A autora
em sua obra “A Condição Humana” de 1958, visa fazer uma análise do ser
humano, a partir das perspectivas da ação, trabalho e labor. 
A condição humana, em termos gerais, se ocupa em refletir sobre o
que o homem faz. Nesta perspectiva, Arendt define três atividades centrais
que correspondem às condições básicas da vida humana: a ação, o trabalho
e o labor, sendo este o mais relevante para a relação que, posteriormente,
será feita com o tráfico de pessoas com fins exploratórios.32
De acordo com a filósofa, o labor, condição básica para vida humana,
significa ser escravizado pela necessidade33. Em outras palavras, o labor
é condição de vida a homens que são sujeitos à necessidade de prover a
própria subsistência. É dessa necessidade que surge o termo animal laborans
para definir, ou até mesmo reduzir, a condição dos homens.
O animal laborans é definido, então, como um homem que reduziu
a sua felicidade ao interesse único e exclusivo de buscar a subsistência e
manutenção de sua vida. Esse ser perdeu a fé, o mundo comum, a capacidade
de pensar, agir. O homem, portanto, se torna um ser condicionado a
necessidade, que perde seu senso de humanidade e valores gerais definidos.
É assim que ele é reduzido a um simples objeto. Para ele, é impossível
compreender a relatividade dos valores, pois, para ele, só existe o valor
absoluto da necessidade. Com este pensamento, o animal laborans trata todas
as coisas como objeto de consumo gerando uma massiva desvalorização de
todos os valores34.
Ainda nessa ótica, o labor está relacionado à ideia de servidão, e por
isso nunca está relacionado ao produto final das atividades. Ele é sempre
fragmentado ao máximo, devido à inesgotabilidade da produtividade do
animal laborans. Assim, o que o labor produz é a força de trabalho humano.

32. FIORATI, Jete Jane. Os direitos do homem e a condição humana no pensamento de Hannah Arendt.
Brasília. Revista de informação legislativa, v. 36, n. 142, p. 53-63, abr./jun.1999. Disponível em:
http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/475. Acesso em: 07 dez. 2019.
33. AREDNT, Hannah. A condição humana. 11. Ed. Trad. R. Raposo. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2010.
34. FIORATI, Jete Jane. Os direitos do homem e a condição humana no pensamento de Hannah Arendt.
Brasília. Revista de informação legislativa, v. 36, n. 142, p. 53-63, abr./jun.1999. Disponível em:
http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/475. Acesso em: 07 dez. 2019.
3 O REFUGIADO COMO VÍTIMA DO TRÁFICO HUMANO
INTERNACIONAL

Em meio a incontestável vulnerabilidade em que vivem os refugiados,


a questão do tráfico de pessoas é mais uma dura agravante à esta realidade.
Por se tratar de um mercado ilegal e invisível no mundo globalizado
e cada vez mais sem-barreiras, o tráfico de refugiados é um fenômeno que
carece de medidas protetivas, tanto no âmbito interno quanto externo,
dada a impossibilidade de controlar as pessoas que entram e saem de um
país, especialmente em um país que acolhe as vítimas de conflitos externos
internacionais.
De acordo com Queila Paula Rosa e Carlos Henrique Costa Tavares,
a fórmula do tráfico de refugiados é a soma do desespero social pautado
pela ânsia de sobrevivência e segurança em conjunção com a transformação
dessas pessoas em alvos fáceis para os traficantes, em decorrência da
vulnerabilidade35.
Dessa forma, o refugiado que é traficado, para exploração de trabalho,
sexual ou até mesmo para escravização, é duplamente vitimizado e tem a
sua condição humana reduzida. Sem nação, sem família, documentos ou
amparo estatal, este ser, que de acordo com o paradigma de Hannah Arendt36
é marginalizado pelo Estado-Nação por não ser titular de nacionalidade,
quando deveria ser, na verdade, protegido, é agora explorado, subjugado,
marginalizado, esquecido, ameaçado e traficado, para dentro de um mercado
invisível que, mais uma vez, fará com que a condição humana da vítima
desse crime seja questionada. 
O tráfico de pessoa é entendido como uma forma moderna de
escravidão, que, por sua vez, é uma das principais finalidades deste mercado
clandestino. Dentre as novas formas de trabalho escravo, pode-se citar a
servidão em setores industriais informais, como, por exemplo, a produção
de confecções e calçados, produção de produtos alimentícios e lapidação
de pedras.
O Protocolo de Palermo, dessa forma, em seu artigo 3°, define o tráfico
de pessoas como o recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou
acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou outras
formas de coação, rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade para
35. ROSA, TAVARES. O tráfico internacional de refugiados sob a ótica dos direitos humanos. Disponível
em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direitos-humanos/o-trafico-internacional-de-
refugiados-sob-a-otica-dos-direitos-humanos/>. Acesso em: 07 dez. 2019.
36. ARENDT. Hannah. Nós, os refugiados. The Menorah Journal.1943. Disponível em: <http://
www.lusosofia.net/textos/20131214-hannah_arendt_nos_os_refugiados.pdf>. Acesso em 07
dez. 2019.p.10.
obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre a outra
para fins de exploração. Esta exploração pode incluir mais de uma forma de
exploração simultaneamente, dentre elas, exploração sexual, de trabalho ou
serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão
ou remoção de órgãos37.
Verifica-se, portanto, a perda de valores, a escravização pela
necessidade, a servidão e a objetificação do ser elementos intrínsecos tanto
na condição humana do animal laborans arendtiano como na vítima do tráfico
humano em condição de refúgio. 
O refugiado, que nesse cenário é vítima do tráfico humano, é
escravizado para sua própria subsistência. Em outras palavras, para que
sua sobrevivência seja assegurada, essa vítima, vulnerável por essência, se
submete às atrocidades que o crime de tráfico humano pode sujeitá-la, como
exploração de trabalho ou sexual. Assim, a servidão é essencial para que
se compreenda a condição do animal laborans. A servidão para assegurar a
subsistência causa a perda de valores, uma vez que não há valores, somente
a do consumo e da produção. 
Havendo a perda de valores, a objetificação ocorre de forma orgânica,
já que a tal carência faz com que o animal laborans se submeta a inenarráveis
situações, com o único objetivo de sobreviver. Assim, a falta de valores
pode ser identificada facilmente, pois o refugiado traficado os perde, assim
como sua própria humanidade, pois não há a esperança de sobreviver ou
contemplar uma vida melhor. Há, mais uma vez, a preocupação com a
sobrevivência em um ambiente hostil, que o explorará até o seu fim. 
Com a exploração incessável, a vítima, que se sujeita à exploração
para sobreviver, se torna um mero objeto, passível de ser consumido e,
claramente, explorado até a sua deturpação. Em outras palavras, as vítimas
serão exploradas até que a sua função não tenha mais proveito. A grande
descartabilidade destas vítimas caracteriza o seu perfil de objeto, passível de
consumação e de ser descartado com facilidade, pois haverá outra vítima,
que vive nas mesmas situações e se encontram na mesma situação de
vulnerabilidade.

37. GUIA, Maria João. Sete ligações perigosas entre imigração e tráfico de pessoas. In: Mulheres invisíveis:
panorama internacional e realidade brasileira do tráfico transnacional de mulheres. SMANIO,
Gianpaolo P., PINTO, Felipe Chiarello de S., ATCHABAHIAN, Ana Cláudia Ruy Cardia.,
JUNQUEIRA, Michelle A., ANDREUCCI, Ana Cláudia P. Torezan. (Orgs.). Curitiba: CRV,
2018. p. 17-36
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se contextualizar o instituto do refúgio, bem como o crime


de tráfico de pessoas, de forma a conectá-los, trazendo exemplos de
refugiados que foram vítimas de tráfico. Nesse sentido, foi apresentado o
Documento Temático do UNODC, que traz a necessidade de integração
de esforços contra o tráfico de pessoas no trabalho relacionado ao conflito.
Dessa forma, verificou-se que quanto ao problema de pesquisa há
possibilidade de associar a condição humana do refugiado vítima de tráfico
humano com o animal laborans de Hannah Arendt, uma vez que ambos
partilham das mesmas características essenciais para a sua condição de
coisa, ou seja, a servidão para subsistência, a perda de seus valores e a sua
objetificação, que, por sua vez, é resultado das características anteriores.
Em sequência, restou confirmada a hipótese de que a proteção
adequada à essas pessoas não é verificada, pois, apesar de existirem
institutos jurídicos que legislam sobre a matéria, especialmente de cunho
internacional, há grande deficiência em sua aplicabilidade, tendo em vista,
especialmente, o cenário sem-fronteiras e a situação de vulnerabilidade
das vítimas, que facilita exponencialmente que o crime não só aconteça de
forma invisível, mas que continue impune.
Sendo assim, compreende-se que para que seja efetiva não só a
proteção social em geral, mas principalmente em relação aos refugiados
traficados, é necessário que recebam apoio adequado, ajuda humanitária,
jurídica e financeira essencial às vítimas, para que se garanta acesso efetivo
a serviços e soluções. Assim, pode-se evitar a dupla vitimização a qual
esses indivíduos são submetidos, proporcionando proteção e reprimindo a
exploração, marginalização e esquecimento.

REFERÊNCIAS

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ARENDT, Hannah. Nós, os refugiados. The Menorah Journal.1943.
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arendt_nos_os_refugiados.pdf>. Acesso em 07 dez. 2019.
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de Roma do Tribunal Penal Internacional. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4388.htm>. Acesso em: 05 nov.
2019.
BRASIL. Decreto nº5.017 de 12 de março de 2004. Promulga o Protocolo
Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de
Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5017.htm>.
Acesso em: 03 nov. 2019.
______. Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997. Define mecanismos para a
implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
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BRASIL. Lei nº 13.344, de 6 de outubro de 2016. Dispõe sobre prevenção
e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de
atenção às vítimas; altera a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, o Decreto-
Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e o
Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); e revoga
dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código
Penal). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2016/Lei/L13344.htm>. Acesso em: 05 nov. 2019.
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em: <https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/glotip/2018/
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UNODC. Thematic Paper on Countering Trafficking in Persons in
Conflict Situations. Vienna: 2018. Disponível em: <https://www.unodc.
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Trafficking_in_Persons_in_Conflict_Situations.pdf>. Acesso em: 03 nov.
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WERMUTH, Maiquel Angelo Dezordi, NIELSSON, Joice Graciele. De
Hannah Arendt a Judith Butler: em busca da humanidade perdida nas
fronteiras do estado-nação. Pensar Revista de Ciências Jurídicas, Fortaleza,
v. 22, n.1, p.301-334, jan./abr. 2017. Disponível em: <https://periodicos.
unifor.br/rpen/article/view/4322>. Acesso em 07 dez. 2019.
CAPÍTULO 2

CRISE MIGRATÓRIA
VENEZUELANA: A
VULNERABILIDADE COMO
FATOR AGRAVANTE DE RISCO
PARA O TRÁFICO DE PESSOAS
E A ATUAÇÃO BRASILEIRA
EM AÇÕES DE PREVENÇÃO
VOLTADAS A MIGRANTES E
REFUGIADOS

RICHARD LUZ DE ANDRADE


Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e
membro do grupo de Pesquisa Pessoas Invisíveis: Prevenção e Combate
ao Tráfico Interno e Internacional de Seres Humanos.

INTRODUÇÃO

Atualmente, segundo dados fornecidos pela plataforma R4V (Resposta


a Venezuelanos), existem mais de 224 mil venezuelanos considerados
refugiados ou migrantes no Brasil1. Tal plataforma, criada pela Organização
das Nações Unidas (ONU) em parceria com entidades da sociedade civil
disponibiliza dados atualizados sobre a imigração venezuelana no Brasil,
além dos pedidos de refúgio, dados sobre a interiorização e relatórios
atualizados.
Para que seja disponibilizada a base de dados R4V, segundo matéria
publicada pela UNAIDS, programa da ONU que tem a função de criar
soluções no combate à AIDS, mais de 20 membros participam incluindo
dados no sistema, fornecendo relatórios de monitoramento, fichas sobre

1. Dados obtidos na plataforma online Resposta a Los Venezolanos. Disponível em https://r4v.


info/es/situations/platform. Acesso em 30/01/2020.
o acolhimento e interiorização dos venezuelanos e até mesmo orientação
sobre a vida no Brasil2.
O presente artigo tem por objetivo abordar a importância da
coleta, uso e administração dos dados obtidos dos migrantes e refugiados
venezuelanos, partindo da premissa de que, para que haja maior eficácia nas
políticas de acolhida, é imprescindível que o Estado Brasileiro se atente ao
perfil sociodemográfico dos imigrantes.
A partir da análise de dados, é possível identificar vulnerabilidades
que, se administradas, podem culminar numa política de prevenção ao
tráfico de pessoas e ao trabalho escravo que seja efetiva. Além disso, o
artigo se propõe a analisar as vulnerabilidades identificadas como fatores
agravantes de risco para o crime de tráfico de pessoas.
Para que se entenda a vulnerabilidade, é necessário além de considerar
o indivíduo em si, considerar fatores da comunidade, o que, segundo Neuza
Guareschi, desloca a questão de vulnerabilidade para as configurações do
contexto social3.
Nesse sentido, a vulnerabilidade não deve ser verificada e analisada de
maneira individual, mas inserindo os elementos configuradores do status de
vulnerável sobre uma camada social volátil, que pode sofrer mudanças de
acordo com a conjuntura político-econômica e social. Para que se entenda
o indivíduo vulnerável, é necessário entender o contexto social em que este
está envolvido.
Destaca-se neste ponto a pesquisa realizada pela Diretoria de Análise
de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas, que concluiu pela ausência
de infraestrutura em Boa Vista, uma das principais cidades acolhedores de
migrantes e refugiados venezuelanos4:
O cenário de Boa Vista apresenta parcela da população local
carente de políticas integradas de educação, de inserção
digna no mercado de trabalho, e de ampliação dos serviços
de saúde. A prefeitura, sem o apoio dos governos estadual e
federal para atrair projetos de desenvolvimento econômico
para a região, não consegue prover o necessário a uma
população majoritariamente desempregada, ou inserida no
mercado informal, e pouco instruída.

2. UNAIDS. Plataforma reúne dados sobre venezuelanos no Brasil. 2019. Disponível em:
https://unaids.org.br/2019/09/plataforma-reune-dados-sobre-venezuelanos-no-brasil/.
Acesso em 30 nov. 2019.
3. GUARESCHI, Neuza M. F. et al . Intervenção na condição de vulnerabilidade social: um
estudo sobre a produção de sentidos com adolescentes do programa do trabalho educativo.
Estud. pesqui. psicol., Rio de Janeiro , v. 7, n. 1, jun. 2007. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.
org>. acesso em 02: dez. 2019.
4. FGV DAPP. Desafio Migratório em Roraima – Repensando a política e gestão de migração no
Brasil. Policy Paper – Imihração e Desenvolvimento. pp. 03. 2018
Sendo assim, a partir do reconhecimento da situação vulnerável e
delicada presenciada pelos imigrantes venezuelanos que ingressam no Brasil,
o uso estratégico de meios que possibilitem uma permanência ou passagem
da maneira menos gravosa possível, observadas todas as garantias legais aos
refugiados e migrantes, é medida essencial para a promoção dos Direitos
Humanos e o respeito à dignidade da pessoa humana, princípio basilar da
Constituição Federal do Brasil, bem como das convenções internacionais
hoje vigentes.
Entretanto, necessário entender, preliminarmente, a origem do fluxo
migratório venezuelano ao Brasil, além do perfil dos migrantes e refugiados,
bem como suas condições de permanência no país ou de passagem para o
destino final em outro território.
A presente pesquisa, portanto, se projeta em um cenário de crise
migratória na América Latina e busca, através da análise da vulnerabilidade
inerente à condição de refugiados e migrantes, verificar se o Brasil tem
adotado medidas protetivas que visem prevenir o tráfico de pessoas e outras
graves violações aos direitos humanos.
Para tanto, será utilizada a base bibliográfica atual sobre tráfico de
pessoas, bem como dados fornecidos pelo Governo Federal, Ministério
da Justiça e Segurança Pública, institutos internacionais e outros agentes
participantes no processo de acolhimento dos migrantes e refugiados
venezuelanos.

1 A CRISE MIGRATÓRIA VENEZUELANA E O PAPEL DO


ESTADO BRASILEIRO NA ACOLHIDA DOS MIGRANTES E
REFUGIADOS

Para se entender o êxodo venezuelano para os países da América


Latina, é necessário entender o contexto político conturbado vivido pela
Venezuela desde a crise mundial de 2008.
Em abril de 2002, assumiu o poder o Ex-presidente Hugo Chávez,
reeleito em 2006 para mais um mandato, caracterizado pela economia
baseada principalmente na produção de petróleo para o mercado externo5.
Por basear sua economia basicamente no setor petrolífero, o mercado
venezuelano entrou em crise em 2008, momento em que o mundo inteiro
também sofria economicamente. Ainda assim, Chávez foi reeleito em 2012,
não assumindo em razão de sua morte.6
5. VILLA, Rafael Duarte. Venezuela: mudanças políticas na era Chávez. Estudos Avançados, São
Paulo, v. 19, n. 55, p. 153-172, dez. 2005.
6. GOMES, Eduardo Biacchi; LEAHY, Érika, ANDRETTA, Juliane Tedesco. A eficácia da nova
Após a morte de Hugo Chávez, assumiu a presidência Nicolás Maduro.
Já nos primeiros meses, foi acusado de ilegitimidade pelos opositores, que
defendiam que o presidente interino, no período anterior às novas eleições
necessárias após a morte de Chávez, deveria ser o presidente da assembleia
nacional venezuelana.7 Inobstante, Nicolás Maduro se candidatou e
ganhou a corrida presidencial, tendo seu governo, desde o início, sido
marcado por manifestações populares veementemente reprimidas pelo
Estado venezuelano.
Em meados de 2014, o país adentrou novamente em grave crise
econômica, com uma inflação projetada de 1.000.000% ao ano8. Ato
contínuo, houve crise de abastecimento de medicamentos, itens de higiene
pessoal e alimentos, causando emigração em massa e diversas manifestações
e protestos no país.
Em 2019, segundo informações da Agência das Nações Unidas para
os Refugiados (ACNUR) e da Organização Internacional de migrações,
o número de venezuelanos que deixaram o país em decorrência da
grave crise humanitária superou 4 milhões de pessoas, incluindo crianças
desacompanhadas9.
Segundo a R4V, após a atualização de 30 de setembro de 2019,
constatou-se que existem 224.102 imigrantes e refugiados no Brasil. Além,
a plataforma aponta que 104.858 venezuelanos possuem visto temporário
ou definitivo de residência no brasil, estando pendentes 119.244 pedidos
de refúgio.
De fato, o recebimento de tal número de imigrantes e refugiados em
curto lapso temporal gera dificuldades no aparato público, em especial nos
sistemas de saúde e ensino. Em agosto de 2018, a ministra do Supremo
Tribunal Federal Rosa Weber indeferiu pedido de tutela antecipada em
Ação Civil Originária proposta pelo Estado de Roraima em face da União
Federal, que objetivava o fechamento temporário da fronteira entre Brasil e
Venezuela ou a limitação do ingresso de imigrantes venezuelanos no Brasil.
Em sua decisão, a ministra relatou que a característica da política
migratória brasileira é ser pautada sob a prevalência dos direitos humanos

legislação migratória no contexto da crise da Venezuela. Revista eletrônica [do] Tribunal Regional do
Trabalho da 9ª Região, Curitiba, PR, v. 8, n. 78, p. 32-46, maio 2019.
7. VILLA, Rafael Duarte. Venezuela: mudanças políticas na era Chávez. Estudos Avançados, São
Paulo, v. 19, n. 55, p. 153-172, dez. 2005
8. Encuesta Condiciones de Vida (ENCOVI) 2015. UCAB-USB-UCV. 2014 a 2017. <https://
www.ucab.edu.ve>. Acesso em: 05 dez 2019
9. WELLE, Deutsche. Número de Refugiados e migrantes da Venezuela chega a 4 milhões. 2019.
Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2019-06/numero-de-
refugiados-e-migrantes-da-venezuela-chega-4-milhoes. Acesso em 20 nov. 2019.
e em observância à cooperação entre os povos para o progresso da
humanidade, de forma que indeferiu o pedido de tutela pleiteado.10
Em especial após o período de redemocratização, o Brasil passou
a ser um país considerado acolhedor para migrantes e refugiados. A lei
brasileira e os tratados subscritos pelo Brasil fazem com que o país seja
considerado possuidor de uma legislação avançada no sentido de garantir
previsões a refugiados.
Isso se dá em especial em razão dos mecanismos internacionais
dos quais o Brasil é signatário, em especial a Convenção de 51 e a Lei de
Migração11, que garantem um tratamento digno e equiparação de direitos
com os brasileiros, entre outros benefícios.
Há, para a acolhida, uma rede que envolve entes estatais, organizações
não governamentais e membros da sociedade civil, que têm se mobilizado
cada vez mais para auxiliar nessa realidade. Nesse sentido, nasce a necessidade
de uma consciência coletiva acerca dos riscos aos quais os imigrantes e
refugiados estão mais vulneráveis.

2 A INDISSOCIÁVEL RELAÇÃO ENTRE TRÁFICO DE


PESSOAS E MIGRAÇÕES – VULNERABILIDADE COMO FATOR
AGRAVANTE DE RISCO

Antes de se analisar os dois fenômenos, faz-se necessário conceituar,


sob à luz da legislação vigente no Brasil, o tráfico de pessoas, migração e
refúgio.
A recente Lei 13.344/2016, sancionada pelo presidente Michel
Temer e editada sob os moldes do Protocolo de Palermo12, modificou o
Código Penal Brasileiro com o intuito de acrescentar o artigo 149-A, que
define “agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou
acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso,
com a finalidade de...”. Entre os incisos I e V do referido artigo, constam
as finalidades determinou as modalidades de tráfico que seriam acolhidas
pela legislação penal brasileira, quais sejam, o tráfico de órgãos e tecidos
(inciso I), a submissão à trabalho análogo à de escravo (inciso II), servidão

10. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tutela provisória na Ação Cível Originária 3.121 –
Roraima. Autor: Estado de Roraima. Ré: União. Brasília, 06 de agosto de 2018.
11. BRASIL. Lei 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. Brasília, DF. Maio de
2017.
12. BRASIL. Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004. Promulga o Protocolo Adicional
à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à
Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças.
Brasília, DF, março de 2004.
de qualquer tipo (inciso III), adoção ilegal (inciso IV) e exploração sexual
(inciso V).
A Lei 13.344/2016 não só alterou a definição de tráfico de pessoas,
mas também instituiu diretrizes para a prevenção, proteção e assistência às
vítimas, trazendo à legislação interna os princípios presentes no Protocolo
de Palermo13.
Em relação às políticas migratórias brasileiras, merece destaque outra
recente modificação legislativa, que alterou substancialmente o prisma
de acolhimento de migrantes no Brasil. Trata-se da Lei 13.445 de 2017,
chamada Lei de Migração.14 O diploma legal foi introduzido à legislação
pátria em substituição ao antigo Estatuto do Estrangeiro, que trazia em seu
bojo princípios da segurança e interesse nacional em detrimento de direitos
individuais e dos Direitos Humanos.
Portanto, utiliza-se do conceito de migração como “o fenômeno (...)
nos remete à ideia de um fluxo de indivíduos ou de grupos de indivíduos
que transpassem fronteiras territoriais internas ao Estado-Nação de origem
ou ultrapassam limites territoriais estabelecidos com outros países. Fazem-
no via de regra por motivações de cunho econômico ou político.”15.
Já a nova legislação regulamentadora trata o migrante como sujeito
de direitos, devendo o estado brasileiro reconhecê-lo como tal através de
medidas afirmativas, tratando o migrante com igualdade e garantindo o
direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e à propriedade.16
Para Gomes, a nova legislação verifica-se como sendo um avanço
na política migratória, em especial para a acolhida humanitária, que já
era praticada pelo Brasil. Entretanto, com a inclusão expressa na Lei de
Migração, fica demonstrada a nova mentalidade de legislação adotada pelo
Brasil, que observa os princípios constitucionais de não discriminação e
promoção de condições dignas a todos.
É indissociável, portanto, que se analise o contexto das migrações
venezuelanas sem uma percepção de que a vulnerabilidade dos migrantes

13. CARDOSO, Gleyce Anne. Tráfico de pessoas no Brasil: de acordo com a Lei 13.344/2016.
Curitiba: Juruá. 2017. P. 57.
14. BRASIL. Lei 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. Brasília, DF. Maio de
2017.
15. SCHUMACHER, Aluisio Almeida; SALUM, Gabriel Cunha. Reconhecimento Social e
orientação de políticas públicas para migrantes e refugiados. Revista Interdisciplinar de Direitos
Humanos. Volume 5, n. 1, p. 17-36. Jan/jun de 2017.
16. GOMES, Eduardo Biacchi; LEAHY, Érika, ANDRETTA, Juliane Tedesco. A eficácia da nova
legislação migratória no contexto da crise da Venezuela. Revista eletrônica [do] Tribunal Regional do
Trabalho da 9ª Região, Curitiba, PR, v. 8, n. 78, p. 32-46, maio 2019.
e refugiados é um fator que gera um maior risco de violação aos Direitos
Humanos dos acolhidos. Guia segue no mesmo sentido:
é importante que se reflita sobre a maior facilidade de
ludibriar, enganar e impor a força sobre indivíduos que
se encontram em circunstância de grande vulnerabilidade,
como é o caso de uma parte significativa dos migrantes
(voluntários ou forçados) e dos requerentes de proteção
internacional. Tal não significa que todos s e encontrem em
vulnerabilidade ou num mesmo grau da mesma.17
O tráfico de pessoas, dentre as violações de Direitos Humanos,
é uma das modalidades a qual os imigrantes estão mais sujeitos, dada a
sua vulnerabilidade, seja pelo idioma, pela falta de recursos financeiros e
educacionais ou pelo não acolhimento adequado. 18
Segundo a UNODC, Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e
Crime, como a maioria das vítimas de tráfico de pessoas são de países com
más condições sociais e econômicas, é possível concluir que estes fatores
influem nas chances de haver o tráfico de imigrantes. Por conta disso, o
tráfico de pessoas, a imigração e o refúgio são fenômenos que devem ser
analisados conjuntamente na presente pesquisa.19
O Protocolo de Palermo por sua vez, ao definir o tráfico de pessoas
em seu art. 3º, considera o uso do recurso à situação de vulnerabilidade da
vítima para a tipificação do crime:
O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento
ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou
uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à
fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de
vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos
ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa
que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.
A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da
prostituição de outrem ou outras formas de exploração
sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou
práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção
de órgãos.

17. GUIA, Maria João. Sete ligações perigosas entre imigração e tráfico de pessoas. In: SMANIO,
Gianpaolo P.; CHIARELLO de S. Pinto, Felipe; ATCHABAHIAN, Ana Cláudia Ruy Cardia
; ASATO Junqueira, Michelle; ANDREUCCI, Ana Cláudia P. Torezan (Orgs.) . Mulheres
invisíveis: panorama internacional e realidade brasileira do tráfico transnacional de mulheres. 1.
ed. Curitiba: EDITORA CRV, 2018. v. 1. 282p .
18. ONU. Tráfico de pessoas aproveita vulnerabilidade de migrantes e refugiados, diz ONU.
Disponível em https://nacoesunidas.org/trafico-de-pessoas-aproveita-vulnerabilidade-de-
migrantes-e-refugiados-diz-onu/. Acesso em 02 dez 2019.
19. RUIVO, Joana. The Fragilities of Human Traffiking Victims. In. GUIA, Maria João (org.). The
Illegal Business of Human Traffiking. Springer. 2015.
O UNODC, para orientar os países signatários do Protocolo de
Palermo, emitiu uma Nota orientativa em que definiu vulnerabilidade como
sendo “qualquer situação em que a pessoa envolvida não tenha alternativa
real e aceitável a não ser submeter-se ao abuso em questão”20 (tradução
livre do autor). Sendo assim, considerando que os migrantes e refugiados
venezuelanos chegam ao Brasil sem condições financeiras, tornam-se
grupo de fácil aliciamento por criminosos, visto que provavelmente não
terão alternativas reais de recusar propostas de trabalho, por exemplo, ante
o desconhecimento de direitos básicos.
Nesse sentido, considerando que o Brasil é signatário do referido
Protocolo, é medida essencial que as vulnerabilidades sejam fatores
importantes a se considerar nos momentos de criação e implementação
de políticas públicas de prevenção ao tráfico de pessoas, pois agravam
demasiadamente o risco de aumento do tráfico de pessoas no Brasil, tanto
em sua modalidade interna, em especial para fins de exploração laboral e
sexual, quanto em sua modalidade externa.
Além de considerar os fatores pessoais dos grupos vulneráveis,
os países devem utilizar métodos inteligentes de uso e administração de
dados, objetivando evitar que os migrantes, naturalmente mais propensos
a se tornarem vítimas de tráfico de pessoas, sejam captados por redes de
exploração.
Tanto o tráfico de pessoas quanto as migrações no contexto
globalizado atual possuem a característica transnacional inerente a ambos
os fenômenos. A partir de uma análise crítica, pode-se observar que, não
raras vezes, há similitude entre o perfil típico das vítimas traficadas e o perfil
dos migrantes e refugiados.
É inevitável, portanto, tratar de tráfico de pessoas e migrações como
fenômenos que não guardam relação entre si, antes, é essencial que se
reconheça que possuem fatores comuns, estando interligados. Se exercida
uma análise conjunta dos fatores de vulnerabilidade e dos dados coletados
dos migrantes e refugiados, pode-se mitigar o risco de vitimização, causando
diminuição nos casos de violação de direitos humanos.

20. UNODC. Nota orientativa sobre el concepto de “abuso de una situación de vulnerabilidad”
como medio para cometer el delito de trata de personas, expresado em el artículo 3 del
Protocolo para prevenir, reprimir y sancionar la trata de personas, especialmente mujeres
y niños, que complementa la Convención de las Naciones Unidas contra la Delincuencia
Organizada Transnacional. Oficina de las Naciones Unidas contra la droga y el delito, 2012.
Disponível em: <http://justica.sp.gov.br/wp-content/uploads/2017/07/UNODC_2012_
Guidance_Note_Abuse_of_a_Position_spanish1.pdf>. Acesso em: 05 dez 2019
3 POLÍTICA DE PREVENÇÃO AO TRÁFICO DE PESSOAS NO
BRASIL – A NECESSIDADE DE UMA PROTEÇÃO ESPECÍFICA A
MIGRANTES E REFUGIADOS

Como já mencionado, em 2016 foi instituído o marco legal do Tráfico


de pessoas no Brasil através da Lei n° 13.344/2016. Entretanto, referida
lei não alterou apenas o Código Penal Brasileiro, mas também instituiu
diretrizes de prevenção ao tráfico de pessoas.
Em seu capítulo II, “da prevenção ao tráfico de pessoas”, a lei dispõe
sobre os mecanismos estabelecidos:
Art. 4º A prevenção ao tráfico de pessoas dar-se-á por meio:
I - da implementação de medidas intersetoriais e integradas
nas áreas de saúde, educação, trabalho, segurança pública,
justiça, turismo, assistência social, desenvolvimento rural,
esportes, comunicação, cultura e direitos humanos;
II - de campanhas socioeducativas e de conscientização,
considerando as diferentes realidades e linguagens;
III - de incentivo à mobilização e à participação da
sociedade civil; e
IV - de incentivo a projetos de prevenção ao tráfico de
pessoas.
Deve-se notar que o inciso II autoriza que, considerando as
diversas realidades e linguagens, se faça campanhas específicas voltadas
a determinados grupos, observadas, inclusive, as vulnerabilidades. Ora,
trazendo ao caso concreto, em vista o ingresso de refugiados e migrantes
venezuelanos, tem-se que se faz necessário políticas específicas a esses
grupos.
Vale ressaltar que, no caso de o imigrante se encontrar em situação
migratória irregular, para os fins da aplicação da Lei 13.344, tal fato é
irrelevante, visto que o inciso IV do artigo 2º veda a discriminação por
motivos de situação migratória.
Outro instrumento que se destaca ao trazer em seu bojo mecanismos
de efetivação de direitos dos migrantes e refugiados é o III Plano Nacional
de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (III PNETP), através das metas
estabelecidas para todos os entes que fazem parte do pacto de proteção
instituído no plano21.

21. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. III Plano Nacional de Enfrentamento


ao Tráfico de Pessoas. Disponível em https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-
pessoas/coletanea-de-instrumentos-de-enfrentamento-ao-trafico-de-pessoas. Acesso em 30
nov. 2019.
O III PNETP, que estará em vigor entre 2018-2022, estabelece diversas
medidas para a prevenção do tráfico de pessoas, como o “Fortalecimento
e expansão dos Postos Avançados de Atendimento Humanizado ao
Migrante”, com atenção às zonas de fronteira e a “Análise do progresso na
internalização da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos
de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas famílias”.
Preocupou-se o Governo Federal, ao editar o decreto que instituiu
o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, em estabelecer
metas específicas para populações e áreas vulneráveis, não distinguindo
entre brasileiros ou não brasileiros.
No anexo do III PNETP, que elenca as metas estabelecidas em cada
eixo, percebe-se a preocupação do estado brasileiro em se trabalhar os
dados e a vulnerabilidade ao se combater e prevenir o tráfico de pessoas.
O Eixo número 2 do plano foi dedicado especialmente à Gestão
da informação, tendo em seu bojo a meta de desenvolver um sistema
integrado de informações sobre o tráfico de pessoas com base nos sistemas
já existentes que registram dados sobre o tema. Além disso, é proposto
um trabalho conjunto entre o poder executivo através de seus Ministérios,
o Judiciário e atores não-governamentais para a criação de um sistema de
diagnóstico do cenário nacional sobre tráfico de pessoas (item 2.2).
A vulnerabilidade, por sua vez, foi tratada em dois eixos do PNETP,
quais sejam, o eixo 5 (assistência à vítima) e o eixo 6 (prevenção e
conscientização pública).
Ao tratar das metas de assistência à vítima, o plano estabeleceu a
necessidade do estabelecimento de acordos para a inclusão produtiva e
educacional de populações vulneráveis e, à longo prazo, a criação de um
projeto de assistência comunitária em parceria com a sociedade civil em
comunidades com alto índice de população vulnerável.
Em especial, a vulnerabilidade como fator agravante de risco foi
tratada no eixo 6 do PNETP vigente, através da meta de desenvolver
parâmetros de escuta qualificada de grupos vulneráveis ao tráfico de
pessoas, medida especialmente específica que, cumulada com políticas
públicas de acolhimento, faria com que migrantes e refugiados tomassem
conhecimentos de direitos básicos concedidos pela legislação brasileira.
De maneira a proteger o migrante, um dos planos de ação contínua
elaborado pelo Governo Federal é a divulgação de isenção de taxa para
tornar o migrante vítima de tráfico de pessoas regular no país. Tal medida
mostra-se importante na medida que evita que o migrante acredite que estar
em situação irregular vá leva-lo de volta ao país de origem.
Em se tratando de medidas práticas adotadas pelo Estado, em
especial através da operação acolhida, não foram informados nos relatórios
oficiais medidas específicas de prevenção ao tráfico de pessoas voltadas aos
migrantes e refugiados venezuelanos através da Operação Acolhida.
No sistema de interiorização adotado pelo Governo Federal,
a conscientização dos venezuelanos que chegam ao Brasil ocorre
principalmente através da atuação de organismos internacionais, como a
ACNUR22, que presta assistência tanto informando os venezuelanos que
chegam ao Brasil quanto fornecendo cursos de capacitação a agentes
nacionais sobre as possíveis violações e como identificá-las23.
Portanto, no tocante às políticas migratórias adotadas pelo Brasil,
nota-se que o país tem se mostrado acolhedor diante da crise migratória
presente na América Latina nos últimos anos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tráfico de pessoas consiste em um crime de grave violação aos


direitos humanos, envolvendo desde a violência física até a coação moral e
total privação de liberdade e dignidade. Apesar da diversidade de finalidades
e meios, fato é que comunidades vulneráveis estão mais propensas a terem
vítimas de tráfico humano, sendo a vulnerabilidade fator agravante do risco.
Atualmente, a comunidade Sul-americana está passando por
uma crise migratória caracterizada pela saída em massa da população
venezuelana para países fronteiriços. No Brasil, os imigrantes entram
principalmente pelo Estado de Roraima, usando diversos meios de
transporte e com características sociais semelhantes, existindo, inclusive,
crianças desacompanhadas atravessando a fronteira em direção ao país.
Cabe ao Estado Brasileiro, tanto em pedidos de refúgio quanto em
pedidos de residência temporária ou permanente coletar as informações
básicas dos solicitantes e, a partir disso, utilizar esses dados para formulação
de políticas públicas, considerando a necessidade de informar através de
campanhas de conscientização a população vulnerável, para que estes não
se tornem vítimas de tráfico de pessoas.

22. ACNUR. Refugiados e migrantes venezuelanos acessam serviços de documentação e


interiorização da Operação Acolhida em Manaus. Disponível em https://www.acnur.
org/portugues/2019/11/07/refugiados-e-migrantes-venezuelanos-acessam-servicos-de-
documentacao-e-interiorizacao-da-operacao-acolhida-em-manaus/. Acesso em 15 nov 2019
23. ONU. Onu capacita oficiais do Exército para combater exploração sexual de venezuelanos
em Roraima. Disponível em https://nacoesunidas.org/onu-capacita-oficiais-do-exercito-para-
combater-exploracao-sexual-de-venezuelanos-em-roraima/. Acesso em 15 nov 2019
O Brasil, nesse cenário, possui legislação apta ao fomento de meios de
prevenção específico para a população venezuelana migrante, naturalmente
vulnerável ao chegar ao Brasil, em especial através do III Plano Nacional
de Enfrentamento ao Tráfico de pessoas, vigente até 2022, que estabelece
diversas metas para que haja uma rede de enfrentamento multidisciplinar
com a participação de diversas entidades sociais atuantes na questão
migratória e de tráfico de pessoas.
Cabe ao Poder Público, a partir da possibilidade legislativa, fomentar
projetos e campanha que primeiramente retirem os migrantes e refugiados
venezuelanos da linha de vulnerabilidade, através de políticas públicas
inclusivas e que os conscientizem acerca de seus direitos, para que se evite
o maior risco de ocorrência do crime de tráfico de pessoas.

REFERÊNCIAS

ACNUR. Refugiados e migrantes venezuelanos acessam serviços de


documentação e interiorização da Operação Acolhida em Manaus.
Disponível em https://www.acnur.org/portugues/2019/11/07/
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e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas
de atenção às vítimas; altera a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, o
Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal),
e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); e
revoga dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal).. Brasília, DF. Outubro de 2016.
BRASIL. Lei 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração.
Brasília, DF. Maio de 2017.
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VILLA, Rafael Duarte. Venezuela: mudanças políticas na era Chávez.
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venezuela-chega-4-milhoes. Acesso em 20 nov. 2019.
CAPÍTULO 3

CRISE HUMANITÁRIA NA
REPÚBLICA BOLIVARIANA DA
VENEZUELA: VERIFICAÇÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O
ACOLHIMENTO, INTEGRAÇÃO
E INTERIORIZAÇÃO DE
MIGRANTES E REFUGIADOS
E ANÁLISE SOBRE CASOS DE
VIOLAÇÃO DE DIREITOS
HUMANOS CONTRA CIDADÃOS
VENEZUELANOS NA REGIÃO
NORTE DO BRASIL

GEORGE TAKAO KOMESU


Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Membro do Grupo “Pessoas Invisíveis” da Faculdade de Direito da
Universidade Presbiteriana Mackenzie.

RAFAEL PEPE ROMANO


Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Membro do Grupo “Pessoas Invisíveis” da Faculdade de Direito da
Universidade Presbiteriana Mackenzie.

INTRODUÇÃO

A Venezuela atravessa um momento difícil de sua história. Em


meio à desintegração econômica1, convulsão social e repressão política,
1. International Monetary Fund. 2019. World Economic Outlook: Global Manufacturing
Downturn, Rising Trade Barriers. Washington, DC, October, pp. 175 e 178.
milhares de pessoas, marcadas pela fome, violência e opressão, deixaram
o seu país de origem em busca de melhores condições de vida. O Brasil
se tornou um dos principais destinos desses imigrantes e refugiados. O
chamado êxodo venezuelano fez com que a fronteira entre os dois Estados
sofresse profunda mudança na dinâmica local. Pacaraima, cidade irmã - no
extremo norte do estado de Roraima - com a cidade venezuelana de Santa
Elena de Uairén, se tornou a principal porta de entrada dos imigrantes
e refugiados venezuelanos em território nacional. O fluxo intenso e
constante de pessoas conclama as autoridades brasileiras e a sociedade civil
organizada a refletirem sobre a confecção, implementação e manutenção
de ferramentas institucionalizadas de acolhimento, integração e proteção
contra as vulnerabilidades atreladas aos fenômenos migratórios intensos,
como o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, trabalho análogo
à escravidão e adoção ilegal de crianças e adolescentes. É preciso articular os
propósitos de prevenção e repressão policial aos crimes transfronteiriços,
bem como tutelar e consolidar as políticas públicas de assistência social
voltadas ao acolhimento digno, integração social adequada às maiores
vítimas desta Crise Humanitária: às Pessoas.
Trata-se de estudo empírico, descritivo, de natureza documental,
com base na leitura dos Relatórios sobre violação de Direitos Humanos
contra imigrantes venezuelanos (CEDH) e Missão Roraima, elaborado pela
Defensoria Pública da União (DPU), que visa verificar a condição atual
dos imigrantes e refugiados venezuelanos e apontar a postura do Estado
Brasileiro frente às novas necessidades atinentes à realização de políticas
públicas para acolhimento, integração desses cidadãos e medidas de
combate e prevenção ao tráfico de pessoas.

1 A CRISE HUMANITÁRIA NA VENEZUELA E SEUS


DESDOBRAMENTOS

Em “Noite em Caracas”2 , é retratada a saga de uma jovem mulher,


Adelaida Falcón, que tem a vida desestabilizada pela morte da mãe em
uma realidade de colapso e desintegração que tomou conta da Venezuela.
Adelaida diante das adversidades e agruras cotidianas, dá início a uma
jornada desafiadora de busca pela própria sobrevivência fora de sua terra
natal.
Em um país cuja falência institucional é flagrante, com a violência,
anarquia e fome, o verbo “perder” se tornou uma marca indelével na história
dos cidadãos venezuelanos.

2. BORGO, Karina Sainz. Noite em Caracas. Ed. 1. Rio de Janeiro : Intrínseca, 2019.
Em sua obra, Borgo, não apenas aborda a situação dramática de um
país e o período da sua história recente, mas sim de todos aqueles que
foram e são compelidos a deixar a sua terra, história e vínculos identitários;
que são e foram tirados de seu lugar no mundo, que perderam o direito de
existir no lugar onde nasceram.
A história de Adelaida é a realidade de tantas pessoas que deixaram
um pedaço de si para trás e que, em um ato corajoso e desesperado por
estabilidade e sobrevivência, buscam a chance de começar uma nova vida.
A situação venezuelana, traz consigo relevantes desdobramentos
geopolíticos de nível regional e global. Dentre eles, o sintoma mais evidente,
a crise humanitária responsável pelo deslocamento generalizado de pessoas
para a cidade de Pacaraima, extremo norte do estado de Roraima, e outros
países vizinhos, como Colômbia, Panamá e Peru. Segundo dados oficiais
do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), entre
janeiro e julho de 2017, Roraima recebeu um total de 5787 pedidos de asilo3,
sendo que, nos três meses seguintes, mais de 30 000 pessoas atravessaram
a fronteira entre Santa Elena de Uairén e Pacaraima. Em outubro do
mesmo ano, totalizaram-se mais de 14 mil pedidos de asilo, segundo
dados da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH). Enquanto
a instabilidade se agrava, o fluxo e quantidade de pessoas provenientes do
país vizinho estão cada vez maiores.
A crise humanitária que afeta a Venezuela é um desafio para o Brasil,
na medida em que lhe é imposto o imperativo de articular e fortalecer os
propósitos de acolhida e integração dos cidadãos venezuelanos que chegam
em território nacional em situação de vulnerabilidade.
Atravessar uma fronteira possui implicações muito profundas,
especialmente em situações marcadas pela fragilidade em que se encontram
as pessoas afetadas pelas crises humanitárias de caráter agudo. A República
Federativa do Brasil, por meio da Nova Lei de Migração (Lei. 13.445),
sancionada em 2017, cujo propósito é delinear a política migratória
brasileira, passou a compreender a imigração não mais como uma ameaça
à segurança nacional, mas sim como Direito inerente à condição humana.
Por esse motivo e, em consonância com o Estado Democrático de Direito,
se faz necessário verificar como as instituições da Administração Pública
brasileira estão abordando tal problemática com o objetivo de buscar
mecanismos de aperfeiçoamento das políticas públicas atinentes ao
recebimento e integração de imigrantes e refugiados, compatíveis com os
tratados de Direitos Humanos dos quais o Brasil é contratante, bem como,

3. EL futuro del programa de reasentamiento brasileño. - Revista Migraciones Forzadas, Latinoamérica


y el Caribe , United Kingdom, ano 2017, n. 56, p. 1-84, outubro 2017.
de articulação com segmentos da sociedade civil organizada engajados em
dirimir e erradicar os efeitos perversos da crise.
A marginalização dos imigrantes está diretamente atrelada às violações
de Direitos Humanos. Por este motivo, torna-se imperativa a importância
do estabelecimento de mecanismos de comunicação dinâmicos entre
órgãos e instituições responsáveis pela repressão ao crime, bem os como
aquelas cujas atribuições estão atreladas ao recebimento e integração social
dos imigrantes e refugiados.
O Tráfico de Pessoas, crime previsto na legislação brasileira, através
da Lei 13.344 de 20164, em consonância com o Protocolo de Palermo5,
pode ser um dos graves desdobramentos dos grandes fluxos migratórios
cuja origem consiste nas crises de caráter humanitário combinadas com
a incapacidade das autoridades e instituições daqueles Estados que
recebem pessoas que encontram-se em situação de vulnerabilidade, de
oferecer a devida assistência. Como aponta o Relatório Missão Roraima,
confeccionado pela DPU, há a verificação de um aumento no fluxo de
prostituição em Boa Vista, cuja maioria das mulheres, são venezuelanas.
Não obstante, o Relatório sobre Violações de Direitos Humanos contra
Imigrantes Venezuelanos, elaborado pelo CEDH, é corroborada a denúncia
sobre a prática de tráfico de pessoas na capital de Roraima, segundo fontes
da Polícia Federal.
Diante de tal problemática, nos é colocada urgência de mapear, estudar
e verificar os desdobramentos do fluxo intenso de imigrantes venezuelanos,
identificar os grupos com maior potencial de risco, a estrutura de assistência
e desenvolvimento social por parte do Poder Público e sua capacidade de
resposta frente aos desafios impostos pela Crise Humanitária, pois, como
escrito por Karina Borgo, “todas as histórias de mar são políticas e nós
pedaço de algo em busca de uma terra”6.

4. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA SECRETARIA-GERAL SUBCHEFIA PARA


ASSUNTOS JURÍDICOS. Lei nº 13.344, de 6 de outubro de 2016. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13344.htm. Acesso em: 9 set. 2019.
5. PROTOCOLO de Palermo: Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a
Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do
Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças. [S. l.], 2013. Disponível em: http://
sinus.org.br/2014/wp-content/uploads/2013/11/OIT-Protocolo-de-Palermo.pdf. Acesso
em: 29 set. 2019.
6. BORGO, Karina Sainz. Noite em Caracas. Ed. 1. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019,p 24.
2 A OPERAÇÃO ACOLHIDA, POLÍTICA DE INTERIORIZAÇÃO
E SEU CARÁTER PROVISÓRIO

Em fevereiro de 2018 entrou em vigor a Medida Provisória nº 820


que dispõe sobre medidas de assistência emergencial para acolhimento a
pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório
provocado por crise humanitária. Logo após, foram criados dois decretos
com a temática imigração: o Decreto 9.285/2018 reconhece a situação de
vulnerabilidade causado pela crise humanitária na Venezuela e o Decreto
9.970/2019 pelo qual cria o comitê federal de assistência emergencial
para acolhimento de pessoas desassistidas, tendo como presidente a casa
civil da Presidência da República que coordena os trabalhos de outros 11
Ministérios.

2.1 PONTOS POSITIVOS DA OPERAÇÃO ACOLHIDA

As três forças armadas brasileiras (Marinha, Exército e Força Aérea)


foram acionadas para integrar a Força Tarefa composta por agências
nacionais, internacionais e organizações não governamentais que atuam no
estado de Roraima.
O grau de vulnerabilidade dos imigrantes que chegam ao Brasil,
exige ações imediatas da Força Tarefa que ao longo de todo o processo,
realiza trabalhos de triagem, identificação documental, políticas de
vacinação, construção, recuperação e ampliação de abrigos destinados aos
venezuelanos.
Segundo informações do Exército Brasileiro, aproximadamente
7.6007 imigrantes foram interiorizados para diversos locais do Brasil. Esse
importante pilar consiste em identificar oportunidades em todo o território
nacional seja de vagas de emprego, reuniões familiares ou sociais e oferecer
a logística necessária para que essas pessoas possam reconstruir suas
histórias.
Cerca de 15 mil venezuelanos entram mensalmente pelo Estado de
Roraima. É importante salientar que a cooperação de todos os estados
brasileiros, aliados a sociedade civil organizada (setores públicos +
privado), proporcionará rapidez e eficácia no processo de interiorização
dos imigrantes.

7. OS REFLEXOS da atual situação Venezuelana para os Estados de Roraima e Amazonas, nas


expressões econômica e psicossocial. Orientador: Guilherme Naves Pinheiro. 2018. Trabalho
de Conclusão de Curso (Especialização em Ciências Militares) - Escola de Comando e Estado-
Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2018. p. 82. Disponível em: bdex.eb.mil.br. Acesso em: 29
set. 2019.
Segundo Yssyssay Rodrigue, coordenadora de Projetos da OIM
(Organização Internacional de Migração), os relatos das empresas que
contrataram os imigrantes são positivos. Grande parte dos venezuelanos
que chegam no Brasil possuem competências e formação qualificadas,
fazendo com que o mercado de trabalho os absorva rapidamente.
No dia 02 de outubro de 2019 em cerimônia realizada em Brasília,
no Palácio do Planalto, inaugurou-se a nova fase da Operação Acolhida
pela qual segue na campanha de interiorização humana. A reunião contou
com a presença de representantes da Casa Civil e Fundação Banco do
Brasil (FBB) que assinaram um Acordo de Cooperação Técnica (ACT)
e um Protocolo de Intenções entre a União e a Confederação Nacional
dos Municípios (CMN), O Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados (ACNUR), a Organização Internacional para as Migrações
(OIM) e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).
O acordo tem por finalidade maximizar a ajuda humanitária aos
imigrantes venezuelanos e a criação de um fundo privado em parceria com a
FBB para administrar as doações advindas em razão da Operação Acolhida.
“A Fundação Banco do Brasil disponibilizará soluções para o
recebimento de doações, por meio de contas exclusivas, e realizará a gestão
dos recursos que estão integralmente investidos em ações de ordenamento,
abrigo e interiorização, alinhadas pelas decisões emanadas pelo Comitê
Federal, coordenado pela Casa Civil”8, afirmou o Diretor de Governo do
Banco do Brasil, Ênio Ferreira.
Uma das principais formas de inserção ocorre pela reunião familiar: o
imigrante é levado para locais em que haja parentes que já estão estabelecidos
no território brasileiro, facilitando a adaptação e reestabelecendo os laços
afetivos que foram interrompidos.
Outra forma bem-sucedida de inserção ocorre via vagas de trabalho:
as empresas parceiras do projeto entram em contato as ONG’s que traçam
um perfil de competências e encaminham os imigrantes que atendam aos
requisitos profissionais demandados.
Os estados de Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul e Rio Grande do Norte merecem destaque na política de
interiorização. O apoio ocorre na forma de recepção em seus abrigos e no
processo seletivo de vagas de trabalho.

8. Disponível em: https://www.defesa.gov.br/noticias/61414-governo-federal-lanca-nova-fase-


da-operacao-acolhida-para-acelerar-interiorizacao-de-venezuelanos. Acesso em: 1 nov. 2019.
2.2 PONTOS NEGATIVOS DA OPERAÇÃO ACOLHIDA

Segundo o pesquisador sênior da Human Rights Watch, Cesar


Muñoz: “A emergência humanitária está levando as crianças e adolescentes
a partir em 7h sozinhos da Venezuela, muitos procurando comida ou
serviços de saúde”9. Essa situação coloca os menores em flagrante situação
de vulnerabilidade, uma vez que grande parte das crianças e adolescentes
desacompanhados acabam vivendo nas ruas, sendo vítimas da atuação e de
facções criminosas locais.
A Defensoria Pública (DPU) e o Fundo das Nações Unidas para
a Infância (UNICEF) informaram que os menores desacompanhados de
responsáveis legais não possuem acesso aos serviços de saúde e educação
pública. A falta de políticas governamentais de acolhimento dos menores
agrava ainda mais a situação de vulnerabilidade. Além disso, os abrigos que
acolhiam as crianças e adolescentes desacompanhados, administrados pelos
Conselhos Tutelares de Roraima, atingiram a superlotação. Nesse contexto,
os menores foram realocados para os abrigos da ONU que recebiam
famílias venezuelanas com crianças.
Em 8 de outubro de 2019 o corpo de Jesús Alisandro Sarmerón
Pérez, 16 anos, foi encontrado com sinais de tortura e estrangulamento nas
proximidades do abrigo da ONU em que vivia. A ONU se posicionou em
relação ao acontecido e acredita que Sermerón foi executado por integrantes
de uma facção criminosa local.
A Operação Acolhida apresenta um déficit em relação ao acolhimento
de crianças e adolescentes venezuelanos desacompanhados. “Ainda que as
autoridades brasileiras estejam fazendo um grande esforço para acolher
as centenas de venezuelanos que chegam ao Brasil a cada dia, elas não
estão dando a essas crianças e adolescentes a proteção urgente que eles
precisam”, concluiu Cesar Muñoz.

9. BRASIL: Crianças e adolescentes venezuelanos fogem sozinhos para o Brasil: As autoridades


brasileiras dão proteção insuficiente. Nova York: Human Rights Watch, 6 dez. 2019. Disponível
em: https://www.hrw.org/pt/news/2019/12/05/336329. Acesso em: 10 dez. 2019.
3 FENÔMENO MIGRATÓRIO NA FRONTEIRA E SEUS
DESDOBRAMENTOS. RADIOGRAFIA DO CONSELHO
NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS, PAPEL DO MINISTÉRIO
PÚBLICO, DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO E DA SOCIEDADE
CIVIL ORGANIZADA

A Missão Pacaraima surgiu, com centenas de pessoas deixando a


República Bolivariana da Venezuela em direção ao estado de Roraima em
busca por melhores condições de vida, frente a um cenário de efeitos de
uma crise de insegurança alimentar, altos níveis de criminalidade, repressão
política e colapso econômico10. Nesse sentido, as autoridades brasileiras
foram obrigadas a burilar uma força tarefa logística de caráter humanitário
composta por ação interministerial do Governo Federal, o Exército
Brasileiro, a Polícia Federal, com parcerias da Organização Internacional
para as Migrações (OIM) e a Agência da ONU para os refugiados (ACNUR),
com o objetivo principal de ordenar a fronteira, regularizar o controle
migratório, organizar os pedidos de refúgio e de autorização de residência.
De acordo com a portaria nº 9, de 2017, a operação ficou conhecida como
Operação Acolhida.
Entendemos que, a situação instalada na cidade de Pacaraima exigia
medidas para além daquelas de caráter provisório. Dessa forma, as políticas
públicas de caráter permanente, institucionalizadas, que visam tutelar a
dignidade e o bem-estar do imigrante refugiado, se fazem extremamente
necessárias para que exista a possibilidade de as pessoas reconstruírem as
suas vidas com segurança e estabilidade.
O que vem se verificando, na maioria dos casos, é a interiorização de
venezuelanos através da via não institucionalizada, ou seja, muitos cidadãos
estão se deslocando de Roraima para outras unidades da Federação brasileira
em busca de melhor assistência, dada a precariedade dos serviços básicos
na fronteira, a provisoriedade abre brecha para a vulnerabilidade e, merece
muita atenção o crime de tráfico de pessoas para fins de exploração laboral
e sexual como desdobramento perverso. Como elemento norteador deste
artigo, será objeto de análise e interpretação o Relatório sobre Violação
de Direitos Humanos contra Imigrantes Venezuelanos, confeccionado
pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos, a fim de, a partir de uma
análise crítica, lúcida e construtiva, constatar a verdadeira realidade dos
serviços públicos brasileiros, bem como suas características e gargalos, com

10. WORLD REPORT. Nova York: Human Rights Watch, 2019. p. 646-647. Disponível em:
https://www.hrw.org/sites/default/files/world_report_download/hrw_world_report_2019.
pdf. Acesso em: 18 dez. 2019.
o objetivo de propor o aperfeiçoamento e amadurecimento dos programas
de execução de políticas sociais, para se compreender o funcionamento
das instituições e órgãos responsáveis por oferecer serviços públicos
fundamentais à população.
O Relatório Das Violações de Direitos Contra Imigrantes Venezuelanos
no Brasil, divulgado em janeiro de 2018, foi resultado de uma missão
realizada pelo Comitê Nacional de Direitos Humanos, entre os dias 18 a 26
de janeiro, integrada por membros da sociedade civil organizada, Conectas
e Missão Paz, e instituições judiciárias, o Ministério Público Federal, a
Defensoria Pública da União e a Organização Internacional para Migrações,
vinculada às Nações Unidas, dada a grave situação verificada nos estados
de Roraima, Amazonas e Pará em virtude do intenso fluxo de imigrantes
e refugiados de origem venezuelana. Em janeiro, a então governadora de
Roraima, Suely Campos (PP), decretou estado de emergência e solicitou ao
Supremo Tribunal Federal (STF), o fechamento da fronteira entre Brasil e
Venezuela, sob alegação dos fortes efeitos associados à segurança e saúde
públicas, decorrentes da crise migratória.
Conforme Relatório da Missão Roraima elaborado pela Defensoria
Pública da União11, a cidade fronteiriça dobrou de tamanho e uma
verdadeira situação de caos se instalou na região. Pessoas em condição de
rua se tornaram a paisagem natural do município e situações envolvendo
xenofobia se tornaram cada vez mais recorrentes. A insuficiência sobre o
fornecimento de serviços básicos como saúde, educação e segurança pública,
agravaram a situação de penúria pela qual a cidade vivencia diariamente.
Em busca de melhores condições de vida e, com o caráter provisório
da Operação Acolhida, muitos venezuelanos começaram a se deslocar para
cidades no interior do país, cada vez mais distantes da fronteira. A partir
desse acontecimento, foi possível identificar o surgimento de cada vez mais
imigrantes nas cidades de Boa Vista (RR), Manaus (AM), Santarém (PA) e
Belém (PA). Faz-se atenção especial a indígenas pertencentes à população
indígena Warao que também se deslocaram da Venezuela para o Brasil em
virtude da situação de inseguridade social e ausência de serviços básicos no
país vizinho.
A radiografia de verificação sobre a efetividade dos serviços de
amparo aos venezuelanos começou em Belém (PA) e merece atenção
bastante especial devido ao fato de ter-se verificado a existência de fluxo
índios Warao vindos do país vizinho para o Brasil.

11. RELATÓRIO DA MISSÃO RORAIMA. Brasília: Assessoria de Comunicação Social -


ASCOM, 2018. Disponível em: https://www.dpu.def.br/images/stories/pdf_noticias/2018/
relatorio_missao_roraima.pdf. Acesso em: 20 nov. 2019.
Em reunião com integrantes da organização sem fins lucrativos Cáritas
e Membros do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Pará, constatou-
se que um grande grupo de índios Warao se encontravam ou se encontram
na capital e que não estavam ou estão sendo devidamente atendidos tanto
pelo Estado quanto pelo Município. Faltava estrutura adequada com abrigos
sem condição de acolhimento e sem alimento suficiente. Não estavam
registrados junto ao Sistema Único de Saúde, portanto não tinham acesso
às Unidades Básicas de Saúde e Hospitais Regionais, sendo que foram
apontados problemas de saúde com a proliferação de escabiose e de ameaça
às suas integridades físicas, já que houve relatos de violência por parte da
população de rua brasileira contra os indígenas, que agrediu e matou dois
integrantes Warao em um abrigo municipal.
Outra informação preocupante foi o relato de que brasileiros estariam
se oferecendo para levar as crianças Warao para suas casas com o objetivo
de cuidá-las. O conselho tutelar de Belém alegou que as crianças ficam
nas ruas pedindo dinheiro e que a sua estrutura é insuficiente para lidar
com essa situação. Foi verificado que as instituições judiciárias como DPU,
MPF e DPERS – Núcleo de Direitos Humanos, estão articuladas entre
si, trocando relevantes informações, entretanto, o Ministério Público do
Estado do Pará não se pronunciou.
O diagnóstico feito pela DPU, e que posteriormente foi confirmado
em reuniões com a Polícia Federal e conversas com os indígenas, é que a
quase totalidade das solicitações de refúgio é feita em Roraima, primeiro
estado de chegada dos imigrantes. A DPU também confirmou a impressão
da sociedade civil de que quase nenhum indígena possui Carteira de Trabalho
e Previdência Social (CTPS), e que haveria uma compreensão informal dos
agentes da prefeitura - Fundação Papa João XXIII (FUNPAPA/PA) -, e do
Estado, pela Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego
e Renda (SEASTER), de que só haveria sentido a emissão da CTPS através
de um programa voltado para a capacitação e adequação daquela população
ao mercado de trabalho. A DPU também externou grande preocupação
ao fato de que a Prefeitura Municipal de Belém até o momento não havia
demonstrado mobilização para obtenção de recursos junto ao Ministério
do Desenvolvimento Social com o objetivo de auxiliar a sua política de
assistência social frente às novas necessidades que se impuseram diante da
realidade.
A atuação do Ministério Público Federal, através de Ação Civil
Pública, foi um chamamento à Prefeitura Municipal de Belém a adotar
medidas mínimas e necessárias para não permitir que os índios Warao
vindos da Venezuela continuassem sem abrigo nas imediações do Mercado
Ver-o-Peso. No que tange à Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o MPF
e a DPU receberam um ofício da fundação explicando que sua competência
de atuação estava relacionada com grupos de indígenas brasileiros aldeados.
Outra questão delicada levantada foi a ação do Conselho Tutelar
em separar as crianças das mães que se encontravam em situação de
mendicância nos semáforos da cidade, que revelou o sintoma importante de
não perceber a complexidade social da questão posta, violando, inclusive, os
Princípios do Melhor Interesse e Proteção Integral da Criança consagrados
no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA, Lei. 8069/1990).
A Delegacia de Imigração da Polícia Federal da capital paraense
informou à Missão que não havia informação clara e específica sobre os
pedidos de refúgio da população indígena Warao uma vez que no caminho de
Pacaraima para Belém, seus integrantes pedem status de refúgio nos postos
existentes. A Polícia Federal avaliou que há “camadas”, representadas por
cidades, no que toca o número de pedidos de refúgio pelos Warao. Boa Vista
(RR) seria a primeira camada com maior absorção de número de pedidos,
seguido de Manaus como segunda, Santarém como terceira e Belém como
quarta. Isso explicaria o baixo registros e as informações imprecisas sobre
pedidos de refúgio feitos em Belém. Pelo fato de os índios Warao possuem
baixo nível de escolaridade e muitos serem analfabetos, o que dificulta o
preenchimento do formulário de pedido de refúgio que é extenso e exige
o fornecimento de muitas informações, fazendo com que o processo se
torne complexo e moroso. Não foi registrado pedido de venezuelanos não
indígenas.
No tocante à questão de Belém, verificou-se uma dificuldade de
mobilização por parte das autoridades estaduais e municipais, e não
obstante, a carência de infraestrutura básica, em especial na seara de
assistência social para o atendimento à população de indígenas, que merece
um protocolo de abordagem específico, capaz de atender adequadamente
às particularidades socioculturais dessa população por meio de ações de
caráter transversal, isto é, o envolvimento das instituições judiciárias como
o Ministério Público, as secretárias municipais e estaduais de assistência
social, a FUNAI, a sociedade civil organizada, bem como as Defensorias
Públicas, em consonância com o artigo 134 caput da Constituição Federal de
1988 que estabelece a defensoria como “instituição essencial em termos de função
judicial do Estado, encarregada da orientação jurídica e da defesa, em todos os níveis,
dos necessitados”12

12. RELATÓRIO DA MISSÃO RORAIMA. Brasília: Assessoria de Comunicação Social -


ASCOM, 2018. Disponível em: https://www.dpu.def.br/images/stories/pdf_noticias/2018/
relatorio_missao_roraima.pdf. Acesso em: 20 nov. 2019, pp. 27.
Não se pode ignorar o fato de que o Poder Público, se viu diante de
uma situação emergente e complexa, contudo, a gravidade da conjuntura
política, econômica e até mesmo orçamentária, exige um esforço de soma
de forças por parte dos órgãos, fundações e instituições do poder público
para oferecer a dignidade necessária e oferta mínima de serviços básicos,
fundamentais para a garantia da existência humana, em especial, pessoas em
extrema situação de fragilidade e vulnerabilidade.
No dia vinte de janeiro a Missão chegou em Santarém, também no
estado do Pará, para verificar o funcionamento de toda a estrutura pública
de assistência e segurança social relacionada ao atendimento aos Warao
provenientes da Venezuela. Foi realizada com membros do MPF, professores
da Universidade Federal do Oeste do Pará, a OAB/PA e a comissão Justiça
e Paz, ligada à Igreja Católica. O que pode se saber, é o relato da sociedade
civil sobre a dificuldade de atuação da prefeitura do município bem como de
articulação dos seus órgãos com organizações capazes e voluntariosas em
ajudar na implementação e processos de atendimento e acolhimento dos
migrantes. Pôde-se verificar também, desde o início, que a concentração
consideravelmente maior de indígenas em relação a Belém.
Os índios foram alocados e abrigo municipal construído de maneira
improvisada com dificuldades de armazenar alimentos, insumos básicos
além de comportar pessoas para além da capacidade do local. Foi relatado
também que foi demonstrada insensibilidade por parte dos servidores
públicos municipais no tocante à particularidade indígena do grupo de
venezuelanos, deixando de levar em consideração questões essenciais
à cultura da população Warao. A partir, destes relatos preliminares, nos
é adequado salientar a importância de os governos articularem seus
ministérios, secretarias e outros órgãos de maneira transversal, viabilizando
maior comunicação e efetividade nos serviços essenciais, em especial aqueles
responsáveis por garantir seguridade e assistência social. Por parte do
Governo Federal, deve haver a sensibilidade de ajudar os entes federativos
em suprir uma necessidade fática de caráter orçamentário e logístico, de
liberação de recursos para que medidas afirmativas sejam adotadas com
caráter célere e imediato.
A Missão verificou através de relatos de representantes locais do
Ministério Público Federal, a Prefeitura Municipal de Santarém vem
enfrentando com dificuldades a questão dos migrantes de etnia Warao
já que o governo local estava agindo isoladamente sem qualquer tipo de
apoio por parte do governo estadual e do governo federal. Importante
elencar que a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) se dispôs a atender os
indígenas, apesar de haver um único funcionário sem as mínimas condições
materiais para atendê-los. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma
(INCRA) disse estar disposto a trabalhar para a disposição de áreas para o
estabelecimento de políticas voltadas ao estímulo de atividades econômicas
e culturais compatíveis à identidade dos Warao.
Igual ao problema constatado em Belém sobre a emissão da Carteira
de Trabalho e Previdência Social devido a um problema geral de emissão
das carteiras bem como o Conselho Tutelar que demonstrou inabilidade
no trato com os indígenas focando-se em adotar uma postura descuidada
e repressiva. No que tange à Polícia Federal, as informações são bem
semelhantes em relação à superintendência da capital: número de solicitações
de refúgio extremamente inferior em relação aos migrantes Warao que se
encontram nas ruas. Isso nos faz verificar uma subnotificação importante
de ser percebida bem como dificuldade de comunicação interna dentro da
própria polícia, já que se acredita que os pedidos são feitos em sua maioria
nos postos de Roraima ou durante o caminho até Santarém.
No dia vinte e dois de janeiro, a Missão chegou a Manaus, realizando
reunião com membros da sociedade civil, a saber: Caritas e Pastoral dos
Imigrantes, e membros do Ministério Público Federal e Conselho Federal
de Psicologia.
Verificou-se desde logo relatos de imigrantes venezuelanos que
estavam com muita dificuldade de acessar os serviços básicos de educação
e saúde. No primeiro, pais contaram que as escolas municipais de ensino
infantil e fundamental estavam solicitando documentação traduzida do
espanhol para o português além de protocolo de refúgio para efetuar a
matrícula das crianças venezuelanas. No quesito saúde, há uma questão
muito delicada a ser levada em consideração que é a questão cultural dos
imigrantes Warao. A maioria dos indígenas considera como tratamento o
trabalho feito por pajés e não por médicos que fazem parte do programa
municipal de saúde “consultório na rua”, o equivalente a médico da família
em São Paulo. Por esse motivo, houve dificuldade em oferecer serviço
médico aos integrantes da etnia Warao.
O fenômeno, contudo, não pode nos pode fazer fechar os olhos para
o conflito bastante sensível que é a revolta dos indígenas de Manaus para
com o povo Warao, já que houve uma articulação por parte das instituições
e órgãos do Estado para apoio e assistências aos indígenas venezuelanos,
além disso, não houve nenhum movimento para se estabelecer uma rede de
assistência aos venezuelanos não indígenas.
As instituições do sistema de justiça desempenham um papel
fundamental, que auxilia ao Poder Executivo adequar e aperfeiçoar as
suas posturas que versam sobre a realização de políticas públicas sempre
voltadas em especial, à parcela mais carente da população. O ideal é que
esta postura de parceria seja sempre cada vez mais fortalecida. Isto pôde
ser percebido com a atuação do MPF em conjunto com a Prefeitura e o
Ministério do Desenvolvimento Social para dirimir o efeito da ausência de
assistência aos migrantes não indígenas através da montagem de um espaço
de acolhimento, e não obstante, as Defensorias Públicas que defendem
os direitos do imigrante, que denunciam os deslizes do Poder Público no
atendimento a essas pessoas, bem como, articular medidas de apoio aos
imigrantes com o ACNUR, OIM e UNODOC.
No que tange a infraestrutura relativa aos abrigos, verificou-se que
as casas disponibilizadas para estes espaços de acolhimento não eram
suficientes para acolher os 234 indígenas. Quem os organiza é a prefeitura
que oferece materiais para higiene pessoal e alimentos. Os próprios
indígenas limpam e cozinham e mantém a organização dos abrigos. Chama
atenção ao fato de que não há nenhum programa do estado do Amazonas
no que versa sobre medidas de inclusão social e geração de renda. Vale
salientar que a Caritas e ACNUR, através de convenio entre si, é quem estão
fornecendo insumos para a confecção de artesanatos.
Pensar sobre a situação dos não-indígenas se faz extremamente
necessária. Os venezuelanos não pertencentes a nenhuma população
indígena foram negligenciados por parte do Poder Público, pois não
receberam nenhum tipo de assistência efetiva, sofrendo, portanto, com o
abandono do Poder Público.
No que se refere à regularização migratória, cuja competência de
gestão e gerenciamento é da Polícia Federal, foram verificados pontos
sensíveis que merecem especial atenção. O agendamento para atendimento
aos venezuelanos possuía um tempo de espera médio de três meses e,
quinhentos e treze já foi o número de pessoas no aguardo para atendimento,
devido ao fato de haver apenas um servidor que ficava responsável pelo
atendimento de onze pessoas por dia. Ficou, portanto, evidente a necessidade
de a Polícia Federal se mobilizar e se articular com outras instituições um
procedimento para maior agilidade nos atendimentos, capaz de atender a
grande demanda de seus serviços.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR),
assinou um protocolo de cooperação com a Polícia Federal para dar mais
efetividade ao atendimento aos imigrantes. Com o aumento de pessoal,
hoje, as três etapas de atendimento são feitas no mesmo dia, fazendo com
que trinta e seis pessoas passassem ser atendidas por dia. Essa experiência
verificada apenas na cidade de Manaus, nos permite fazer uma reflexão
sobre o programa de acolhimento brasileiro para refugiados e os tratados e
declarações internacionais que versam sobre este assunto:
O Brasil, em 2004, com o motivo da celebração da Declaração de
Cartagena de 1984, propôs um programa de reassentamento regional de
refugiados13. A Declaração de Cartagena de 1984, conclamou todos os países
da América Latina e o Caribe a pensar sobre mecanismos mais efetivos sobre
o recebimento e proteção de refugiados. Tal declaração trouxe movimentos
muito interessantes, como exemplo, o Plano de Ação do México que se
desenvolveu como um programa solidário de acolhimento de refugiados
da região, em especial, provenientes da Colômbia e o Triângulo Norte da
América Central, região compreendida com os países da Guatemala, Belize,
El Salvador e Honduras. O Brasil foi o país que mais recebeu e reassentou
refugiados da região, inclusive, vale salientar, que de 2002 até 2018, o governo
brasileiro esteve bastante sensível a esta questão. A chamada estrutura
tripartida do programa é a maior vantagem contemplando representantes
do governo, da sociedade civil e do Alto Comissariado das Nações Unidas
para Refugiados (ACNUR).
O Comitê Nacional para Refugiados (CONARE)14 desempenha,
de característica interministerial, um papel fundamental de suporte legal
e burocrático em parceria com ACNUR no processo de acolhimento aos
refugiados. O programa brasileiro de reassentamento foi reconhecido e
elogiado internacionalmente. Entretanto, nos fica a seguinte questão: Por
que o Brasil não consegue receber e reassentar uma maior quantidade
de refugiados e vem apresentando dificuldades em lidar com a crise
venezuelana?
Para compreendermos melhor a situação brasileira nos é importante
pensar na forma em como foi concebida a maneira de financiamento do
programa de reassentamento que compreende apenas o ACNUR como
agência responsável por subsidiar essa importante iniciativa. O ACNUR
tem as atribuições de implementar o programa de acolhimento e, ao mesmo
tempo, financiá-lo. É compreensível que isso ocorra dado que a agência
tem a capacidade de arrecadar fundos da comunidade internacional, o que
a maioria dos países não consegue fazer. Por outro lado, os países para
os quais o ACNUR destina os fundos, poderiam arrecadar coletivamente
recursos da comunidade internacional por conta própria o que traria maior
capilaridade, ampliação e efetividade ao atendimento de refugiados. Se
faz necessário que o Brasil reafirme os seus esforços para fortalecer os
13. EL futuro del programa de reasentamiento brasileño. - Revista Migraciones Forzadas, Latinoamérica
y el Caribe , United Kingdom, ano 2017, n. 56, p. 1-84, outubro 2017.
14. MORAES, Ana Luisa Zago de, Crimigração: a relação entre política migratória e política criminal no
Brasil, Porto Alegre, 2016. pp. 313.
mecanismos de recebimento e acolhimento de refugiados, ratificando a sua
consideração sobre a imigração como Direito Humano e à importância
para o acolhimento digno. Os conflitos geopolíticos que acarretam no
deslocamento generalizado de pessoas, em especial no Oriente Médio,
fazem com que o ACNUR possua recursos bastante limitados e, por
isso, o trabalho estreito com a sociedade civil organizada, acompanhado
da articulação com órgãos, conselhos e instituições governamentais, em
sintonia com os tratados e orientações internacionais, se faz fundamental
para que o programa não apenas exista, mas sim, seja perene e efetivo.
A missão do CNDH deu prosseguimento às suas atividades no dia
vinte e quatro de janeiro em Boa Vista (RR). A superintendência da Polícia
Federal de Roraima informou que foi registrado um aumento significativo
para demanda de atendimento à imigrantes procedentes da Venezuela e
que o tempo médio para tanto é de vinte dias apesar de todo o esforço
feito. Foram verificadas todas as etapas de atendimento e, mais uma vez,
foi constatado o apoio extremamente importante do ACNUR, que auxilia
e subsidia os processos de organização dos atendimentos. Vale salientar
o valoroso apoio da sociedade civil organizada em pareceria com o Alto
Comissariado, a Universidade Federal de Roraima (UFRR) através do
Centro de Apoio ao Migrante, polo idealizado por essas duas instituições
a fim de, conjuntamente com a Polícia Federal, estabelecer mecanismos de
maior celeridade no atendimento aos imigrantes podendo atender maior
quantidade diária de pessoas. No caso de Roraima, com a nova estrutura,
cerca de trezentas pessoas em média passaram a ser atendidas.
Na superintendência da Polícia Federal em Boa Vista (RR), verificou-
se uma grande quantidade de agendamentos, mil e cinquenta pessoas estavam
agendadas para terem acesso ao atendimento de entrada de protocolo de
refúgio e outras, pedido de residência temporária. Segundo dados oficiais,
da própria instituição, os pedidos de residência temporária ocorrem em
maior número em relação aos pedidos de refúgio.
Como confirmado pelo relatório, não há casos registrados de crianças
venezuelanas chegando em território nacional desacompanhadas, elas
vêm acompanhadas de suas famílias ou pessoas com grau de parentesco
próximo, sejam irmãos mais velhos, tios, avós e pais. Mesmo assim, se
faz extremamente necessária a atenção especial por parte das polícias, a
vara da infância e juventude para se estabelecer protocolos de abordagem
adequados aos infantes recém-entrados no Brasil, como o objetivo de
verificar a veracidade do vínculo entre os acompanhantes e as crianças.
Essa situação nos faz também pensar a necessidade sobre deixar de lado a
ideia de políticas migratórias voltadas a um padrão que não reflete mais a
realidade: o homem jovem e solteiro que imigra em busca de estabilidade
financeira e com o objetivo de estabelecer a sua família em um novo país.
Se faz necessário pensar a imigração e suas múltiplas faces, que são capazes
de mostrar a complexidade social da situação envolvendo famílias e suas
diversas possibilidades de constituição, atendendo sempre à importância
da diversidade como preceito fundamental para a elaboração adequada de
políticas públicas e a consagração dos Direitos Humanos.
Os crimes transfronteiriços sempre serão assuntos sensíveis
principalmente quando se trata de um intenso e contínuo fluxo migratório
como decorrência de uma grave crise humanitária. O conceito de crimigração15
é um ponto que não deve ser ignorado. Consiste em usar a imigração como
um mecanismo para alcance de sucesso de determinada prática criminosa. O
tráfico de pessoas é uma das faces odiosas decorrentes das vulnerabilidades
de uma crise migratória, eivada de desassistência, sem atenção e tutela
necessárias àquelas pessoas que se encontram em condição de fragilidade e
vulnerabilidade.
Segundo a Superintendência da Polícia Federal em Roraima, há
indícios de tráfico de pessoas ocorrendo em Pacaraima e Boa Vista para
fins de exploração sexual. Eles podem ser reforçados devido à localização
geográfica do estado, que faz fronteira com a Venezuela, bem como o
primeiro ponto de chegada dos imigrantes, onde o fluxo e os dramas da crise
saltam aos olhos. Outrossim, as mulheres jovens podem ser compreendidas
como a parcela mais vulnerável nesse grande fluxo entre Venezuela e Brasil.
A questão sobre o Trabalho e suas relações é outro tema sensível,
em especial no Estado de Roraima, já que por conta da xenofobia,
venezuelanos trabalham na informalidade e que recebem valor em dinheiro
baixo do teto do salário mínimo. O Ministério Público do Trabalho (MPT),
em conjunto com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) esteve
preocupado em desenvolver um projeto de inserção de venezuelanos no
mercado de trabalho em Pacaraima (RR), Boa Vista (RR) e Manaus (AM),
já que foram verificados indícios de trabalho análogo à escravidão na área
rural dos estados de Roraima e Amazonas. Um problema que pôde ser
verificado é a dificuldade da atuação do Ministério do Trabalho e Emprego,
hoje, incorporado ao Ministério da Economia, em incluir e considerar os
imigrantes venezuelanos que sequer conseguem emitir a Carteira de Trabalho
e Previdência Social. Através, também, do Ministério Público do Trabalho,
foi verificada a ausência de atuação das secretarias de estado quanto aos
impactos causados pelo Êxodo Venezuelano, o que torna, mais uma vez,

15. MORAES, Ana Luisa Zago de, Crimigração: a relação entre política migratória e política criminal no
Brasil, Porto Alegre, 2016. p 19.
evidente a inércia e dificuldade da administração pública em compreender a
magnitude da crise, bem como lidar com seus desdobramentos.
Sobre a situação em Pacaraima, cidade limítrofe com o município
venezuelano de Santa Elena de Uairén, foram iniciados os trabalhos
no posto de fronteira da Polícia Federal, que é o primeiro contato dos
venezuelanos com as autoridades brasileiras. Verificou-se que o posto
atende aos trâmites migratórios delineados pela nova Lei de Migrações. O
posto possui estrutura deficitárias e lá são verificados os motivos de entrada
e os requisitos legais para a entrada de estrangeiros no país. Os casos mais
complexos, como pedidos de refúgio e residência permanente, são tratados
pela superintendência regional. Vale salientar, que o número de policiais
federais que trabalham na fronteira não é suficiente para atender ao grande
fluxo, bem como, muitos oficiais não falam espanhol.
Os registros da Polícia Federal, mostraram que no fluxo migratório
da cidade, 70% das pessoas eram estrangeiros, em sua grande maioria
venezuelanos que entraram, mas não saíram do Brasil. Documentos da
instituição evidenciam o aumento expressivo de pessoas nos primeiros
meses de 2017, sendo que em um só dia mil e quatorze venezuelanos foram
atendidos em um só dia. A Polícia Federal informou, ainda, que a maioria
dos venezuelanos entrantes não solicitam refúgio, entram como turistas,
havendo, portanto, permanência autorizada para noventa dias. Há uma
hipótese subjetiva a ser levantada: o temor de haver impedida a sua entrada
no Brasil.
A análise mais cuidadosa sobre as constatações feitas pela missão
no Conselho Nacional de Direitos Humanos sobre a violação de direitos
humanos contra cidadãos venezuelanos que se encontram em território
nacional devido à crise humanitária que assola e corrói o país vizinho,
nos exige ponderações que nos permitam, através da análise concreta
de dados documentados, pensar sob a ótica brasileira a melhor maneira
de, referendada pelo nosso ordenamento jurídico, acolher os imigrantes
provenientes da Venezuela de forma a integrá-los à sociedade brasileira e
garanti-los dignidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que pôde ser estudado e documentado aqui, foi uma fragilidade


brasileira no tocante às suas políticas de assistência, inserção e inclusão
social, que sabemos, não apenas assola os venezuelanos vítimas de uma
crise sem precedentes, como de cidadãos brasileiros que também sofrem
com a pobreza, a exclusão social e que também estão vulneráveis a crimes
gravíssimos como o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, de
órgãos e tecidos e adoção ilegal de crianças no exterior.
O Estado Social Democrático de Direito é uma recente e importante
conquista do Brasil, país de raízes autoritárias e historicamente pensado em
favor dos interesses exclusivos das elites. A Constituição Federal de 1988
é a concretização dessa conquista. O caminho, entretanto, é ainda muito
longo e árduo para que, aquelas matérias dispostas no texto constitucional,
tenham a devida eficácia.
Ingo Wolfgang Sarlet definiu os direitos fundamentais como conjunto
de prerrogativas, faculdades e instituições reconhecidos e positivados no
direito constitucional de determinado Estado e atribuídos à pessoa humana16
nos possibilita construir a reflexão acerca da suas perspectivas subjetiva,
que ressalta o indivíduo como titular de direito e objetiva que salienta a
norma como aquela responsável pela valiosa função de garantir instituições
fortes, atuantes e independentes. Essa dualidade de prospectiva nos
permite ponderar, desde logo, a democracia como um sofisticado sistema
de engrenagens, que exige senso de institucionalidade e responsabilidade
por parte de todos.
As instituições judiciárias como os Ministério Público e as Defensoria
Pública possuem papel preponderante para a manutenção do Estado
Democrático de Direito, bem como a das Garantias Fundamentais e
Direitos Sociais Difusos. Ao longo da história a Assistência Social registrou
grandes mudanças no Brasil. A sua alteração do ponto de vista passageiro e
emergencial, enquanto ação filantrópica, para sua compreensão na condição
de política pública comum para todos, consagrada como um direito do
cidadão e um dever do Estado.
Assim sendo, com a Constituição Federal de 1988 e a promulgação
da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), a Assistência Social passa
a ser um dos componentes fundamentais na luta pela concretização das
práticas de igualdade e justiça estabelecidas no texto constitucional.
No que tange ao êxodo venezuelano, situação excepcional, de grave
crise humanitária na Venezuela, o papel das instituições judiciárias vem
sendo condição sine qua non para a efetividade de garantias mínimas de
reivindicação de direitos por parte dos imigrantes e refugiados venezuelanos.
Portanto, por meio da análise extensiva dos relatórios sobre violação
de Direitos Humanos contra imigrantes venezuelanos, feito pelo Conselho
Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e Missão Roraima pela DPU, é
16. SARLET, Ingo Wolfgang, A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais
na perspectiva constitucional. Revista Atual da Livraria do Advogado Editora: Porto Alegre, 2012.
pp. 211.
possível verificar uma situação de sistemática desassistência em relação a
esta população. Os serviços básicos de assistência, se existem, carecem
de estrutura e efetividade adequadas e, quase sempre, possuem caráter
de provisoriedade. Chama atenção a ausência de comunicação entre as
prefeituras dos municípios visitados, bem como de articulação dos seus
órgãos da administração direta e indireta entre si e com membros da sociedade
civil organizada. A ausência de diálogo, de abordagem e apoio técnicos
tornam potencializadas as vulnerabilidades vividas pelos venezuelanos e,
como resultado, se fortalecem as violações de direitos humanos.
As agruras vividas pelos refugiados e imigrantes, também são muito
semelhantes com aquelas vividas pelos cidadãos brasileiros que convivem
diariamente com serviços precários de saúde, educação, segurança pública
e assistência social. Os gargalos brasileiros mostram-se flagrantes. As
estruturas de governo funcionam em caráter de inércia frente às necessidades
decorrentes da crise, e têm postura de rejeição de competência quanto
às atribuições de execução de políticas públicas de assistência social e
acolhimento, em desconformidade quanto às diretrizes do pacto federativo.
A sociedade civil organizada, através das ONG’s e OI’s como ACNUR e
OIM, é verdadeira protagonista de medidas de acolhimento e integração
dos migrantes na sociedade brasileira.
Em um paralelo com a história, como pontua Ana Luisa Zago de
Moraes, em “Crimigração: a relação entre política migratória e política
criminal no Brasil”, o país encarou a imigração sob diferentes perspectivas
ao longo de sua história. Desde a primeira república, perpassando pelo
Estado Novo e a Ditadura Civil-Militar, a imigração esteve atrelada à ideia
de ameaça e criminalização. A transição democrática no final da década dos
anos 1980, trouxe novas perspectivas em relação a esse assunto com o esforço
consagrado na Constituição de 1988 de abertura aos Direitos Humanos e
garantias fundamentais, compreendendo, portanto, o imigrante não apenas
como sujeito de direitos, como também, “sujeito de” vulnerabilidades
transnacionais de controle e criminalização do Estado. É por isso que se
faz primordial tratar-se sobre a consolidação de uma política migratória
democrática, pautada no respeito à pluralidade e promoção dos Direitos
Humanos e de descriminalização; capaz de reverberar na capacidade do
Poder Público de oferecer ao imigrante a devida estrutura de acolhimento
e integração, bem como inteligência policial, efetividade judiciária no
combate e enfrentamento ao tráfico de pessoas e outros crimes de natureza
transfronteiriça que acontecem devido à negligência e a inércia do Estado
perante a vulnerabilidade das pessoas deslocadas dos seus países em virtude
de guerra, fome, repressão, perseguição e miséria.
A mais importante reflexão que até aqui pode ser feita, é a de que a
descoordenação do Estado nas políticas públicas voltadas para acolhimento
e a sua postura refratária e perante o papel das ONGs é o caminho aberto
para um cenário falimentar de descaso e de terreno fértil para violações de
Direitos Humanos.
Outrossim, olhar para as falhas do serviço público no que tange às
orientações de assistência social e oferta aos serviços básicos fundamentais
exige abordagem de caráter estrutural e reformista, pautado na revisão
do pacto federativo, descentralização orçamentária e maior autonomia de
gestão aos municípios; atrelada às diretrizes fundantes de construção e
execução de políticas públicas voltadas à dignidade e bem estar de todos
os cidadãos.
O Governo Federal estendeu o projeto acolhida até março de 2020.
Entretanto, é nítida a impossibilidade de realocar o contingente de imigrantes
nesse curto espaço de tempo. Desse modo, fica claro a necessidade do
caráter perene do Projeto Acolhida. O prazo final do projeto só deverá ser
colocado em pauta quando todos os imigrantes receberem as condições
humanitárias dignas para o bom desenvolvimento social.
A Operação Acolhida vai muito além da atuação sistêmica do Governo
Brasileiro e de Agências Internacionais. É uma missão humanitária que tem
por finalidade recepcionar pessoas que tiveram seus sonhos interrompidos
e que por situações socioeconômicas externas não podem mais chamar de
lar o lugar em que nasceram.
Destarte, mais do que um ideal, a Operação Acolhida tornou-se
sinônimo de esperança para todos aqueles que escolheram o Brasil para
começar uma nova história. Sendo assim, é imprescindível que ocorra
a mais vigorosa sinergia entre as parcerias público-privada, somada à
atuação complementar da Sociedade Civil Organizada e dos Organismos
Internacionais. De modo que haja uma ascensão no nível de eficiência
na Operação Acolhida, garantindo todos os direitos dos imigrantes e
refugiados de forma plena.

REFERÊNCIAS

BORGO, Karina Sainz. Noite em Caracas. Ed. 1. Rio de Janeiro : Intrínseca,


2019.
BRASIL: Crianças e adolescentes venezuelanos fogem sozinhos para o
Brasil: As autoridades brasileiras dão proteção insuficiente.. Nova York:
Human Rights Watch, 6 dez. 2019. Disponível em: https://www.hrw.org/
pt/news/2019/12/05/336329. Acesso em: 10 dez. 2019.
MORAES, Ana Luisa Zago de. Crimigração: a relação entre política
migratória e política criminal no Brasil, Porto Alegre, 2016. pp. 17, 313.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA SECRETARIA-GERAL SUBCHEFIA
PARA ASSUNTOS JURÍDICOS.  Lei nº 13.344, de 6 de outubro de
2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2016/Lei/L13344.htm. Acesso em: 9 set. 2019.
PROTOCOLO de Palermo: Protocolo Adicional à Convenção das
Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional relativo
à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial
de Mulheres e Crianças. [S. l.], 2013. Disponível em: http://sinus.org.
br/2014/wp-content/uploads/2013/11/OIT-Protocolo-de-Palermo.pdf.
Acesso em: 29 set. 2019.
RELATÓRIO DA MISSÃO RORAIMA. Brasília: Assessoria de
Comunicação Social - ASCOM, 2018. Disponível em: https://www.dpu.
def.br/images/stories/pdf_noticias/2018/relatorio_missao_roraima.pdf.
Acesso em: 20 nov. 2019.
SARLET, Ingo Wolfgang, A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria
geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Revista Atual
da Livraria do Advogado Editora: Porto Alegre, 2012.
WORLD REPORT. Nova York: Human Rights Watch, 2019. Disponível
em: https://www.hrw.org/sites/default/files/world_report_download/
hrw_world_report_2019.pdf. Acesso em: 18 dez. 2019.
CAPÍTULO 4

GÊNERO, MIGRAÇÃO E
TRABALHO ESCRAVO NA
CIDADE DE SÃO PAULO:
UM OLHAR À LUZ DOS
OBJETIVOS DA AGENDA 2030
PARA O DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL

ANA CAROLINA D’ASCENÇÃO BOTELHO


Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Pessoas invisíveis da Faculdade de
Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

INTRODUÇÃO

Os movimentos migratórios são indissociáveis da dinâmica


humana e estão intimamente relacionados à conformação histórica e ao
desenvolvimento sociocultural dos grupos populacionais. A migração
econômica é uma das principais causas de mobilidade humana, juntamente
com a migração decorrente de conflitos armados, crises ambientais e
questões políticas1.
Na atualidade, observa-se a ocorrência da colonização reversa,
fenômeno que consiste no deslocamento de contingentes populacionais
de países em desenvolvimento para países desenvolvidos, em razão da
degradação das condições de vida em seus locais de origem. Nos países

1. CASTRO, Sara Andréia da Silva; GASPAR, Renata Alvares. A condição do trabalhador


migrante: interfaces entre globalização, migração e trabalho sob a perspectiva regional. In:
BAENINGER, Rosana et al. Migrações Sul-Sul. 2. ed. Campinas, 2018, p. 875. PAES, Vanessa
Generoso. Fronteiras políticas em movimento - dilemas e tendências de novos fluxos imigratórios em São
Paulo: trabalho, gênero e direitos. 2018. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018, p. 329.
de destino, porém, esses grupos são frequentemente estigmatizados
em decorrência da condição de imigrante, dificultando ou mesmo
impossibilitando sua integração e mantendo-os à margem da sociedade2.
A marginalização dos migrantes os torna mais suscetíveis ao tráfico
de pessoas, à exploração e ao trabalho irregular e em condições precárias3,
fatores que estão, a priori, intimamente relacionados. No Brasil, os imigrantes
econômicos possuem significativa participação no setor produtivo nacional,
desempenhando, principalmente, atividades em oficinas de costura, na
construção civil, em ambientes domésticos, em fazendas, carvoarias ou na
extração de cana-de-açúcar4.
Nesse ponto, cabe destacar que se acredita na influência da variável
“gênero” como elemento relevante para determinar o setor no qual os
migrantes desenvolvem suas atividades. A esse respeito, Juliana Felicidade
Armede comenta que para identificar o perfil das vítimas de trabalhos
forçados, é preciso identificar o setor produtivo em que estas estão inseridas5.
Cenário muito semelhante pode ser observado em relação ao tráfico
de pessoas. Sabe-se que, costumeiramente, mulheres e meninas são traficadas
com a finalidade de serem sexualmente exploradas ou de prestarem
serviços domésticos; enquanto homens e meninos são traficados para fins
de trabalho escravo ou para serem soldados. Todavia, essa segmentação não
é estanque e pode variar conforme a região considerada.
Considerando esse quadro, percebe-se que o enfrentamento ao tráfico
de pessoas, assim como à submissão de migrantes a trabalhos forçados
demanda ações em âmbito regional e global. Partindo dessa premissa, a
pesquisa visa a investigar se há relação entre os fenômenos de tráfico de
pessoas e submissão de migrantes a trabalho análogo ao escravo a partir de
um recorte espacial.
Ademais, considerando as ações desenvolvidas pela Organização das
Nações Unidas (ONU) no que tange ao enfrentamento ao tráfico de pessoas,
à promoção do trabalho decente, à redução das desigualdades de gênero e
ao empoderamento das mulheres, pretende-se investigar de que maneira
os objetivos estabelecidos pela Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável contribuem para atingir tais propostas.

2. CASTRO; GASPAR, op. cit., p. 877.


3. CASTRO; GASPAR, op. cit., p. 882.
4. PAES, Vanessa Generoso. Fronteiras políticas em movimento - dilemas e tendências de novos fluxos
imigratórios em São Paulo: trabalho, gênero e direitos. 2018. Tese (Doutorado em História Social)
- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2018, p. 329.
5. PAES, op. cit., p. 350.
Em relação aos aspectos metodológicos, foi realizada pesquisa
bibliográfica e documental, organizada em três etapas, conforme descrito
a seguir.
Na primeira etapa, buscou-se traçar um panorama da situação dos
migrantes oriundos de países latino-americanos e residentes na cidade de
São Paulo, a fim de identificar as condições de vida e trabalho desse grupo
populacional. Tendo em vista as dimensões continentais do Brasil, foi
preciso realizar um recorte espacial, a fim de viabilizar a pesquisa. Elegeu-
se, então, a capital paulista por esta ser a maior metrópole do país e por
constituir-se como um dos principais destinos dos imigrantes que adentram
o território brasileiro na atualidade.
Por razões metodológicas, esta fase de pesquisa foi essencialmente
bibliográfica. Foi realizada pesquisa em artigos científicos, teses e
dissertações e optou-se por utilizar como principais referenciais teóricos
Luís Felipe Aires Magalhães, Lúcia Bórgus, Rosana Baeninger e Vanessa
Generoso Paes. Os dados obtidos nessa etapa inicial da pesquisa foram de
suma importância não só para contextualizar este estudo, mas também para
subsidiar as análises desenvolvidas ao longo de todo o trabalho.
Na segunda fase, analisou-se o arcabouço jurídico nacional e
internacional, com o intuito de identificar o desenvolvimento da legislação
referente ao tráfico de pessoas e ao trabalho escravo. A seleção das
normativas nacionais e internacionais a serem analisadas deu-se a partir
de informações obtidas em artigos científicos que abordavam as temáticas
ora em estudo. Para fins de investigação, foram considerados como pontos
de partida as Convenções nº 29 e 105 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) e o Protocolo de Palermo, em âmbito internacional, e as
disposições do Código Penal acerca dos delitos de tráfico de pessoas e de
redução à condição análoga a de escravo, em âmbito nacional.
Finalmente, na terceira etapa de pesquisa, estudou-se a Agenda 2030
para o Desenvolvimento Sustentável, investigando-se especialmente o
processo de elaboração do documento e de seus objetivos. Posteriormente,
buscou-se investigar como os objetivos fixados na Agenda 2030 contribuem
para o enfrentamento do trabalho forçado e do tráfico de pessoas, sempre
considerando as especificidades decorrentes da migração e das questões de
gênero.
No que tange à estruturação deste artigo, o mesmo encontra-se
organizado em quatro seções, nas quais aborda-se, respectivamente, a
situação dos migrantes na capital paulista; o desenvolvimento do arcabouço
jurídico nacional e internacional relativo ao enfrentamento ao tráfico de
seres humanos e ao trabalho escravo; e as contribuições da Agenda 2030
para tal finalidade.

1 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONDIÇÕES DE


VIDA E TRABALHO DOS MIGRANTES NA CIDADE DE SÃO
PAULO

O Brasil, mais especificamente São Paulo, sua maior metrópole,


consolidou-se nos últimos anos como destino para migrantes internacionais
e refugiados, tanto em razão de uma realocação do País no cenário geopolítico
latino-americano, quanto em virtude de um novo posicionamento no
contexto geopolítico global. Dentre os principais fluxos migratórios
observados atualmente, percebe-se a prevalência de sul-americanos (com
destaque para bolivianos, peruanos e paraguaios) e sul-coreanos, grupos
já tradicionais, acrescidos de novos fluxos migratórios compostos por
haitianos, senegaleses e chineses6.
No que tange especificamente à cidade de São Paulo, observa-
se uma concentração de imigrantes bolivianos e peruanos acrescida por
refugiados sírios e africanos, como quenianos e angolanos. Em razão disso,
a capital paulista mostra-se um rico cenário para o estudo da migração e
do refúgio internacional, revelando uma diversidade de fluxos migratórios7.
Apresentado esse breve panorama, passa-se agora ao estudo das condições
de vida e trabalho dos migrantes na capital paulista.
De acordo com Luís Felipe Aires Magalhães, Lúcia Bórgus, Rosana
Baeninger8 e Vanessa Generoso Paes9, a chegada de novos grupos de
migrantes vem modificando a paisagem social e urbana da capital paulista.
Os migrantes e refugiados trabalham principalmente no comércio, na
indústria da costura, na construção civil e em empreendimentos étnicos
como restaurantes e salões de beleza situados na região central da cidade,
com destaque para os bairros da Liberdade, Sé, República, Bom Retiro,
Brás e Pari.

6. MAGALHÃES, Luís Felipe Aires; BÓRGUS, Lúcia; BAENINGER, Rosana. Migrantes


e refugiados Sul-Sul na cidade de São Paulo: trabalho e espacialidades. In: BAENINGER,
Rosana et al. Migrações Sul-Sul. 2. ed. Campinas, 2018, p. 402.
7. Ibid., p. 405.
8. Ibid., p. 405.
9. PAES, Vanessa Generoso. Fronteiras políticas em movimento - dilemas e tendências de novos fluxos
imigratórios em São Paulo: trabalho, gênero e direitos. 2018. Tese (Doutorado em História Social)
- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2018, p. 335.
No contexto das migrações, observa-se um contingente cada vez
maior de mulheres migrantes, as quais tornam-se protagonistas desse
processo. A despeito desse protagonismo, elas enfrentam uma série de
dificuldades como barreiras linguísticas, preconceito e xenofobia. A
dificuldade de integração repercute, consequentemente, na inserção desse
grupo no mercado de trabalho e, não por acaso, as mulheres alocam-se em
serviços de baixa remuneração, informais e com condições precárias, tais
como na indústria da costura ou serviços domésticos10.
Nesse ponto, é essencial destacar que as mulheres migrantes muitas
vezes são invisíveis às fontes tradicionais de dados demográficos empregadas
para estudar os fluxos migratórios. Por essa razão, foi necessário recorrer a
resultados obtidos por meio de pesquisas qualitativas11. Para tanto, escolheu-
se o trabalho de Magalhães, Bógus e Baeninger, em que foi realizada uma
abordagem etnográfica acerca da migração feminina, trabalho e cultura na
capital paulista12.
O trabalho acima mencionado aborda a trajetória de mulheres
migrantes oriundas de diferentes regiões do globo. No que se refere
a mulheres oriundas de países da América do Sul, merecem destaque as
bolivianas, que atuam principalmente na indústria da costura e no comércio
de rua.
Para compreender como ocorre o labor das bolivianas no setor têxtil, é
necessário entender, de início, a dinâmica que impera nas oficinas de costura,
apontando, ainda que brevemente, o perfil dos trabalhadores, assim como
a maneira pela qual se estabelecem as relações de trabalho nesses espaços.
Nessa esteira, verifica-se que prevalece o labor de bolivianos, paraguaios
e peruanos, os quais costumam ser subcontratados por bolivianos ou
coreanos que ascenderam na indústria da costura. Os agenciadores, com os
quais os trabalhadores frequentemente possuem relação de compadrio ou
apadrinhamento, assumem os custos da viagem, hospedagem e alimentação,
despesas estas que passam a constituir uma dívida a ser quitada por meio
do trabalho13.

10. BOTEGA, Tuila. Editorial: Por um olhar mais humano sobre as mulheres migrantes. Resenha:
migrações na atualidade, v. 27, n. 105, p.2-3, nov. 2016. Trimestral, p. 2.
11. MAGALHÃES, Luís Felipe Aires; BÓRGUS, Lúcia; BAENINGER, Rosana. Migrantes
e refugiados Sul-Sul na cidade de São Paulo: trabalho e espacialidades. In: BAENINGER,
Rosana et al. Migrações Sul-Sul. 2. ed. Campinas, 2018, p. 403.
12. Para mais informações acerca da metodologia utilizada, vide MAGALHÃES, BÓGUS e
BAENINGER, p. 403.
13. PAES, Vanessa Generoso. Fronteiras políticas em movimento - dilemas e tendências de novos fluxos
imigratórios em São Paulo: trabalho, gênero e direitos. 2018. Tese (Doutorado em História Social)
- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2018, passim.
Essa forma de contratação, marcada pela subjugação, por jornadas de
trabalho exaustivas, desenvolvidas em ambientes insalubres e em condições
de segurança precárias, assemelha-se ao trabalho precarizado e análogo ao
escravo. Apesar dessas semelhanças, a relação ora analisada difere-se da
mera exploração entre patrões e empregados, uma vez que predominam
também fatores culturais, religiosos, compromissos familiares, dentre
outras características que a tornam peculiar e ocultam violências materiais
e simbólicas14.
O cotidiano da indústria da costura revela-se ainda mais perverso
para as mulheres, às quais, visando atingir a produtividade necessária,
são submetidas a um regime de exploração da força de trabalho maior se
comparado àquele imposto aos homens. Isso porque o maquinário, muitas
vezes antigo e pesado, demanda maior esforço físico das operadoras do
gênero feminino. A despeito disso, a remuneração das mulheres costuma ser
inferior àquela conferida aos homens, pois comumente a elas são atribuídas
tarefas de menor remuneração ou atividades tidas como não passíveis de
remuneração15.
Além do labor na confecção, as mulheres também são responsáveis
pela limpeza do ambiente de trabalho e pelo preparo das refeições,
reforçando a vinculação da figura feminina à atividades domésticas. Ainda,
nos contextos em que o local de residência e de trabalho são compartilhados,
as migrantes ficam mais suscetíveis a inúmeras formas de violência, tais
como assédio e abuso sexual, remetendo às desigualdades de gênero e de
poder e evidenciando um grave problema de saúde pública, visto que essa
violência provoca sequelas físicas e psicológicas em suas vítimas16.
Denunciar os agressores e obter proteção estatal não é tarefa fácil
mesmo para mulheres brasileiras. No caso das mulheres migrantes, tal
situação mostra-se ainda mais crítica, pois as condições a que elas estão
sujeitas coloca-as à margem da sociedade, de modo que desconhecem seus
direitos, bem como os mecanismos existentes para buscar auxílio e proteção
e acreditam que por não possuírem documentos não podem denunciara
violência sofrida17.

14. PAES, op. cit.


15. MAGALHÃES, Luís Felipe Aires; BÓRGUS, Lúcia; BAENINGER, Rosana. Migrantes
e refugiados Sul-Sul na cidade de São Paulo: trabalho e espacialidades. In: BAENINGER,
Rosana et al. Migrações Sul-Sul. 2. ed. Campinas, 2018, p. 408.
16. Ibid., p. 408.
17. PAES, Vanessa Generoso. Fronteiras políticas em movimento - dilemas e tendências de novos fluxos
imigratórios em São Paulo: trabalho, gênero e direitos. 2018. Tese (Doutorado em História Social)
- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2018, passim.
A fala da advogada Marina Novaes, extraída da tese de Vanessa
Generoso Paes18 bem exemplifica essa situação. Segundo relata a advogada,
ao realizar seu primeiro atendimento no CAMI, esta auxiliou uma senhora
que sofrera violência doméstica, todavia, acreditava que não podia denunciar
o agressor, uma vez que não possuía documentos. De acordo com Novaes,
“[...] isso exemplifica um pouco que essa mulher está tão à margem e a
vulnerabilidade dela chega a esse ponto, de achar que não tem direito por
não ter documento [...]”.
A desinformação dos migrantes que residem na capital paulista não se
restringe a esse aspecto, estendendo-se também a outras temáticas como o
direito à educação, conforme aponta Veronica Yurja. Para exemplificar essa
situação, ela conta que muitos imigrantes desconhecem que essa condição
não constitui impedimento para estudar em instituições públicas no País19.
Essas situações são apenas dois exemplos de como os migrantes,
sejam eles do gênero feminino ou masculino, são marginalizados e ficam
em uma situação de extrema vulnerabilidade, privados de direitos básicos.
Ainda em relação à integração social e às condições de trabalho das
mulheres migrantes, Tatiana Solimeo20 com apoio em entrevistas realizadas
com 15 bolivianas que se estabeleceram na região da Penha, relata que
as mulheres migrantes enfrentam o preconceito por parte da população
brasileira devido à condição de migrante. Já aquelas que não são casadas
deparam-se com dificuldades de integração e de empregabilidade dentro
de seus próprios núcleos culturais, pois os espaços de socialização são
pensados para a família (que é sinônimo de casamento) e as oficinas de
costura possuem o enredo familiar como pedra fundamental.
Visando romper as barreiras à sua integração na sociedade brasileira,
as mulheres migrantes organizam-se em coletivos e utilizam-se cada vez
mais das redes sociais para se articular e lançar luz à sua condição21. Abordar
minuciosamente as pautas mobilizadas pelos coletivos de mulheres migrantes
mostra-se uma tarefa incompatível com a os objetivos do presente trabalho,
de modo que este limita-se a mapear os principais temas discutidos por
esses grupos.

18. Ibid., p. 410.


19. Ibid., pp. 389-390.
20. SOLIMEO, Tatiana. Mulheres bolivianas na zona leste de São Paulo. Territorialidade e gênero.
In: BAENINGER, Rosana et al. Migrações Sul-Sul. 2. ed. Campinas, 2018, pp. 813-814.
21. PAES, Vanessa Generoso. Fronteiras políticas em movimento - dilemas e tendências de novos fluxos
imigratórios em São Paulo: trabalho, gênero e direitos. 2018. Tese (Doutorado em História Social)
- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2018, passim.
Infere-se da leitura de Paes22 que dentre as pautas mobilizadas
pelos movimentos de mulheres migrantes estão o parto humanizado e as
especificidades culturais relacionadas a esse procedimento, a ocorrência
de violência obstétrica e a liberdade de escolha das mulheres, violência
doméstica, racismo e xenofobia. Outra questão abordada refere-se à
migração como processo identitário, definido como um “entre lugar” ou
um “estado do reconhecimento do deslocamento”23.
Segundo a autora, muitos migrantes, após o processo de migração,
não conseguem reconhecer-se como pertencentes à cultura de seu país de
origem, tampouco àquela do país de destino. Esses indivíduos assumem,
então, o status de “migrante” que vive na fronteira entre ambas as culturas.
Tal situação acentua a importância de se estabelecer políticas de integração
dos migrantes à sociedade, a fim de que estes estejam a par de seus direitos
e das dinâmicas culturais do país de destino, bem como com o objetivo
de que a sociedade que os recebe tenha conhecimento das especificidades
da condição de migrante, fomentando uma integração plena e o convívio
respeitoso.
Diante do exposto até aqui, pode-se concluir que o processo
migratório possui um significado simbólico bastante particular para todos
os indivíduos que nele se lançam: o sonho de recomeçar, a busca por
melhores oportunidades e o desejo de proporcionar melhores condições
de vida e trabalho para si e para seus familiares. Para as migrantes do
gênero feminino, em particular, o movimento migratório representa uma
oportunidade de autonomia, emancipação e concretização de projetos e
sonhos, os quais esse grupo talvez não pudesse realizar em seu país de
origem24. Em síntese, para as mulheres, a migração representa uma forma
de empoderamento.
Durante esse processo, os imigrantes veem-se em uma situação de
extrema vulnerabilidade, o que os torna mais suscetíveis a violações de
direitos, tais como discriminação e exploração da mão de obra. No caso
das mulheres, esse quadro é agravado pelas questões de gênero, tal qual
demonstrado nesta seção.
Para compreender o processo de migração e o que é o “ser mulher”
nesse processo, porém, não basta entender a situação dos migrantes no
país de destino. É preciso analisar também como este protege e promove
os direitos dos indivíduos que a ele se dirigem. Para tanto, foi realizado um

22. Ibid., pp. 333-357.


23. Ibid., p. 443.
24. BOTEGA, Tuila. Editorial: Por um olhar mais humano sobre as mulheres migrantes. Resenha:
migrações na atualidade, v. 27, n. 105, p.2-3, nov. 2016. Trimestral, pp. 2-3.
estudo do arcabouço jurídico internacional e nacional no que se refere ao
enfrentamento ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas, duas condutas
às quais os migrantes, sejam mulheres ou homens, estão frequentemente
expostos. Os resultados dessas análises encontram-se expostos nas seções
que seguem.

2 O ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS E AO


TRABALHO ESCRAVO EM ÂMBITO INTERNACIONAL

O enfretamento ao tráfico de pessoas e ao trabalho escravo são questões


que se destacam há décadas nas pautas da comunidade internacional. Ao
longo de muitos anos, foram elaborados diversos instrumentos normativos
com o objetivo de prevenir e coibir tais práticas.
No âmbito do enfrentamento ao tráfico de pessoas merece
destaque o Protocolo de Palermo, elaborado pela Organização das Nações
Unidas; no âmbito do enfrentamento ao trabalho escravo destacam-se as
Convenções nº 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho. Esses
três instrumentos normativos são objeto de análise nesta seção.

2.1 O PROTOCOLO DE PALERMO E O ENFRENTAMENTO


AO TRÁFICO DE PESSOAS: UMA NOVA PERSPECTIVA

Uma análise do histórico das convenções relativas ao tráfico de


seres humanos permite afirmar que até o início do século XX a noção
de tráfico de pessoas estava associada à exploração de mulheres brancas,
principalmente europeias e estadunidenses, para prostituição no exterior.
Entre as décadas de 1900 e 1930, a Liga das Nações elaborou quatro
disposições, entre acordos e convenções internacionais, com o objetivo de
prevenir e coibir o tráfico de crianças e mulheres adultas, a saber: I) Acordo
Internacional para a Supressão do Tráfico de Escravas Brancas (1904); II)
Convenção Internacional para a Supressão do Tráfico de Escravas Brancas
(1910); III) Convenção Internacional para Combater o Tráfico de Mulheres
e Crianças (1921) e IV) Convenção Internacional para a Supressão do
Tráfico de Escravas Brancas (1933)25.
Foi somente no final da década de 1940, com a formulação da
Convenção das Nações Unidas sobre a Supressão do Tráfico de Pessoas
e a Exploração da Prostituição de Outros (1949), que a perspectiva
do tráfico de escravas brancas começou a ser superada. Contudo, esse

25. PISCITELLI, Adriana; VASCONCELOS, Marcia. Apresentação. Cad. Pagu, Campinas, n. 31,
pp. 9-28, dez. 2008, p. 11.
instrumento normativo, ao definir o tráfico de pessoas como deslocamento
de uma pessoa com a finalidade de exercer a prostituição, continuava a
vincular ambas as práticas, apontando para a necessidade de eliminá-las.
Isso porque a Convenção de 1949 entendia que estas eram incompatíveis
com a dignidade humana e representavam um perigo para o bem-estar do
indivíduo, da família e da comunidade26.
Notam-se dois problemas nessa definição. O primeiro, a vinculação
do tráfico de pessoas à prostituição, tratando ambas as condutas como
sinônimos. Sabe-se que um dos principais objetivos do tráfico de seres
humanos é a exploração sexual, todavia, não se pode reduzi-lo a esse intuito,
uma vez que o tráfico de pessoas possui inúmeras finalidades, tal qual o
trabalho forçado. O segundo, a estigmatização das vítimas de tráfico, o que
as coloca em uma situação de revitimização, impõem uma série de barreiras
à sua reinserção em seus núcleos de origem e dificulta a localização e a
punição dos agressores.
Por outro lado, um ponto positivo observado no texto da Convenção
de 1949 é a superação, ainda que parcial, da noção de escravas brancas.
Todavia, apenas após a elaboração do Protocolo de Palermo, pôde-
se observar mudanças mais significativas no que tange às normativas
internacionais destinadas ao enfrentamento ao tráfico de pessoas27.
Embora tanto a Convenção de 1949, quanto o Protocolo de Palermo
enfoquem as mulheres e as crianças como principais sujeitos passivos do
crime de tráfico de pessoas, ambos se distinguem em relação aos requisitos
para caracterização do delito. Enquanto a primeira não exige que o
deslocamento seja forçado, o segundo vincula o cometimento do crime à
ocorrência de coerção, fraude ou abuso de situação de vulnerabilidade em
qualquer fase do processo de deslocamento envolvendo adultos. No caso
de crianças, a coerção é irrelevante.
Outra distinção entre ambos os dispositivos é que segundo o
Protocolo de Palermo, o tráfico de pessoas não é considerado como
sinônimo de prostituição, tampouco é reduzido à exploração dessa
atividade. Pelo contrário, o conceito de tráfico de pessoas contido nesse
dispositivo adquire uma perspectiva mais ampla, que engloba o trabalho
forçado, a escravatura ou práticas análogas, ou ainda a servidão, situações
que podem ser verificadas em qualquer atividade, conforme se observa na
indústria têxtil e em outros setores produtivos que empregam mão de obra

26. Ibid., p. 12.


27. PISCITELLI, Adriana; VASCONCELOS, Marcia. Apresentação. Cad. Pagu, Campinas, n. 31,
pp. 9-28, dez. 2008, p. 9.
migrante na capital paulista. Ademais, esse instrumento normativo também
considera a remoção de órgãos como finalidade do tráfico de pessoas28.
Ainda, o Protocolo de Palermo distingue-se da Convenção de 1949
por apresentar disposições voltadas para a prteção dos direitos fundamentais
das vítimas por meio do fornecimento de alojamentos, assistência médica,
psicológica e material; oferta de educação e formação; oportunidades de
emprego e medidas legislativas que possibilitem que pessoas em situação
de tráfico permaneçam no local de destino de forma temporária ou
permanente. Por todos esses aspectos, pode-se afirmar que o Protocolo
de Palermo representa uma ruptura com a Convenção de 1949 e inicia um
novo debate acerca do tráfico de pessoas29.
Esse debate, diferentemente do que ocorrera em relação às
discussões das décadas pregressas, cuja questão central eram os requisitos
para configurar o tráfico de pessoas, pauta-se na análise das inúmeras
definições elaboradas pelas legislações internas dos Estados signatários do
Protocolo de Palermo, assim como nas ambiguidades existentes no próprio
documento no que tange à tipificação do crime30.
Segundo o Protocolo de Palermo, o cerne da definição de tráfico de
pessoas é a exploração, a qual pode dar-se de várias maneiras, inclusive por
meio do trabalho forçado31. Assim, a subseção seguinte visa compreender a
lógica que sustenta a exploração a partir do conceito de trabalho escravo ou
em condições análogas.

2.2 O TRABALHO ESCRAVO E AS CONVENÇÕES DA OIT

A interface entre tráfico de pessoas e trabalho forçado vem sendo


considerada pela legislação internacional desde o século XIX. Existem duas
modalidades de trabalho escravo, quais sejam: formas tradicionais e novas
formas. De acordo com a OIT, as primeiras englobam a servidão por dívida
no meio rural, e outras maneiras de exploração dos indivíduos ancoradas
em costumes e tradições. As segundas, por seu turno, estão relacionadas
com a exploração de trabalhadores e trabalhadoras migrantes no local de
destino e possuem íntima relação com o fenômeno do tráfico de pessoas32.

28. Ibid., p. 13.


29. Ibid., p. 13.
30. Ibid., pp. 13-14.
31. VASCONCELOS, Marcia; BOLZON, Andréa. Trabalho forçado, tráfico de pessoas e gênero:
algumas reflexões. Cad. Pagu, Campinas, n. 31, p. 65-87, dez. 2008, p. 67.
32. Ibid., p. 68.
O primeiro documento internacional a abordar a questão do trabalho
escravo foi a Convenção nº 29 da OIT, a qual conceituou esse fenômeno
de maneira abrangente, a fim de apresentar uma definição que não estivesse
restrita a regiões, países, setores econômicos ou modalidades de exploração
específicos. Assim, foi elaborada a seguinte definição: constitui trabalho
forçado “todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de
sanção e para o qual ela não tiver se oferecido espontaneamente “33.
Duas décadas depois, diante da pouca repercussão dessa norma
perante os Países Membros que ratificaram a Convenção, a OIT elaborou
novo documento, a Convenção nº 105, a qual vedou o emprego de trabalho
forçado para promover o desenvolvimento econômico ou para educar
politicamente, discriminar, impor disciplina ou sancionar indivíduos que
participassem de greves34.
A despeito da necessidade de se elaborar uma definição abrangente
que englobe uma série de práticas capazes de caracterizar trabalho escravo,
a formulação de um conceito amplo impõe uma série de dificuldades e
imprecisões para a aplicação da normativa, uma vez que o cerceamento da
liberdade pode dar-se em diferentes contextos e momentos e a imposição
de ameaça pode manifestar-se de várias maneiras35. Por esse motivo, é de
suma importância atentar-se aos elementos fáticos que permitem identificar
a ocorrência de trabalho escravo nos mais variados contextos.
Ao analisar os fluxos migratórios mais recentes com destino à
capital paulista, observa-se que a maioria dos imigrantes chega à cidade
por intermédio de parentes ou conhecidos, os quais custeiam suas despesas
durante o período de deslocamento. Já em São Paulo, são infligidos a
trabalhar para reembolsar essas despesas, normalmente residem no local
de trabalho e as mulheres são frequentemente vítimas de violência sexual.
Observam-se nesses contextos elementos que apontam para a ocorrência
de trabalho escravo.
A partir da constatação de que determinada prática caracteriza trabalho
escravo ou em condições análogas, é preciso investigar se existe relação
entre essa conduta e o tráfico de seres humanos, a fim de delinear uma
estratégia de atuação. Para isso, é essencial integrar as normativas nacionais
e internacionais que versam acerca das referidas condutas. Destaca-se que
no Brasil a legislação pátria criminaliza ambas.
Tendo isso em vista, a seção subsequente busca identificar de que
maneira o Código Penal brasileiro tipifica os delitos de tráfico de pessoas
33. Ibid., pp. 68-69.
34. Ibid., p. 70.
35. Ibid., pp. 71-73.
e redução à condição análoga a de escravo, previstos, respectivamente,
nos artigos 149-A e 149. Para tanto, será elaborado um breve histórico
da tipificação dessas condutas pela legislação penal brasileira. Ao final,
pretende-se analisar quais são os pontos de convergência e de divergência
entre as normativas nacionais e internacionais.

3 TRÁFICO DE PESSOAS E TRABALHO ESCRAVO OU EM


CONDIÇÕES ANÁLOGAS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

3.1 TRÁFICO DE PESSOAS: DO CÓDIGO PENAL À LEI Nº


13.344/2016

O tráfico de pessoas encontra-se tipificado pela legislação pátria


desde o Código Penal Republicano (1890). À época, esse delito era
entendido como uma forma de favorecimento da libidinagem alheia, ainda
que sem proveito pessoal; por esse motivo, foi inserido no Capítulo acerca
do Lenocínio. Tal tipificação visava proteger a moral da família, o decoro e
o pudor público36.
Posteriormente, após a edição do Acordo Internacional para a
Supressão do Tráfico de Escravas Brancas, em 1904, foi preciso reformular
a tipificação do tráfico de pessoas, prevista no artigo 278 do Código
Penal Republicano. Tal reformulação deu-se por meio da edição da Lei nº
2992/1915, que modificou o caput do referido dispositivo legal e acrescentou
três parágrafos a ele37.
Em relação ao tipo penal, foram acrescidas as condutas de manter
e explorar casas de tolerância; e no que tange às penalidades aplicáveis,
procedeu-se ao aumento da pena privativa de liberdade e a incorporação
da pena de multa proporcional ao quantum de pena privativa aplicado.
Além dessas alterações, os parágrafos do artigo 278 trouxeram novos
parâmetros para caracterização do delito e novas regras para processamento
e julgamento do mesmo38.
O parágrafo primeiro afastou a necessidade do consentimento da
vítima para caracterização do delito de tráfico de pessoas, de modo que,
mesmo se a mulher fosse menor de idade, estaria configurado o crime.

36. CUNHA, Bianca de Morais; PIMENTEL, Gabriela Regina. Tráfico internacional de mulheres
no Brasil: panorama histórico. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio et al. Mulheres invisíveis: panorama
internacional e a realidade brasileira do tráfico transnacional de mulheres. Curitiba: Editora CRV, 2018,
p. 154.
37. Ibid., p. 155.
38. Ibid., p. 155.
Também estabeleceu que a ameaça, o engano, a fraude, a violência, o abuso
ou qualquer outra forma de coação seriam condutas aptas a caracterizar o
delito39.
O segundo parágrafo representou uma inovação no âmbito da
legislação pátria, pois determinou que o delito de tráfico de pessoas, mesmo
se praticado no exterior, seria processado e julgado no País. Finalmente, o
parágrafo terceiro dispunha acerca da ação penal, estabelecendo que esta
seria pública ou privada40.
O Código Penal de 1940 trouxe novas modificações ao tipo penal, que
passou a englobar somente o tráfico de mulheres para fins de exploração
sexual. O artigo 231 desse dispositivo legal definia o tráfico internacional
de pessoas como a promoção ou a facilitação da entrada de mulheres que
viessem exercer a prostituição no Brasil ou a saída daquelas que objetivassem
fazê-lo no exterior41.
Assim como ocorrera no Código Penal Republicano, o tráfico de
mulheres continuou associado ao lenocínio, inserido no Capítulo “Do
lenocínio e do tráfico de mulheres”; no entanto, ao contrário do que se
verificou naquele diploma legal, o Código Penal de 1940 objetivava tutelar
a moralidade sexual e os bons costumes42. Observa-se nesse diploma legal a
prevalência de um entendimento reducionista em relação ao tráfico de seres
humanos, isto é, a associação desse crime exclusivamente à prostituição.
Percebe-se também a ocorrência de uma visão estigmatizada acerca
da prostituição, visão esta que se aproximava daquela apresentada pela
legislação internacional da época e evidenciava o esforço dos Estados e
da comunidade internacional para tutelar a moralidade sexual e os bons
costumes em benefício da coletividade.
Em relação às causas de aumento de pena, o parágrafo primeiro do
artigo 231 estabelecia que esta seria aumentada caso a vítima fosse maior
de 14 e menor de 18 anos, e se o agente fosse ascendente ou descendente,
irmão, cônjuge ou companheiro, tutor, curador ou pessoa a quem a
vítima estivesse confiada para fins de educação, tratamento ou guarda. O
parágrafo segundo também continha uma hipótese de aumento de pena, a
qual ocorreria se houvesse o emprego de violência, fraude ou grave ameaça.
Nesse caso, seria aplicada também a pena correspondente à violência. Por
39. Ibid., p. 155.
40. CUNHA, Bianca de Morais; PIMENTEL, Gabriela Regina. Tráfico internacional de mulheres
no Brasil: panorama histórico. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio et al. Mulheres invisíveis: panorama
internacional e a realidade brasileira do tráfico transnacional de mulheres. Curitiba: Editora CRV, 2018,
p. 155.
41. Ibid., p. 158.
42. Ibid., p. 158.
fim, o parágrafo terceiro determinava que se o delito fosse cometido com
finalidade lucrativa, o agente estaria sujeito não só a pena privativa de
liberdade, mas também a de multa43.
Em 2005, após a ratificação do Protocolo de Palermo pelo Brasil,
a Lei nº 11.106/2005 alterou o caput do artigo 231 do Código Penal com
o intuito de inserir o verbo “intermediar” dentre as condutas puníveis e
substituir o termo “mulher” por “pessoa”. Ademais, inseriu o artigo 231-A,
a fim de tipificar também o tráfico interno de pessoas44.
Esse artigo tipificava a referida conduta como a promoção,
intermediação ou facilitação, em território nacional, do recrutamento,
transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoa que
viesse exercer a prostituição. No que tange às causas de aumento de pena,
o parágrafo único determinava que seriam aplicáveis as disposições dos
parágrafos primeiro e segundo do artigo 231 do Código Penal45.
Quatro anos depois, a Lei nº 12.015/2009 alterou os artigos 231
e 231-A e renomeou o Título IV e o Capítulo I, os quais receberam a
denominação de “Dos crimes contra a dignidade sexual” e “Dos crimes
contra a liberdade sexual!, respectivamente46.
Dentre as principais alterações observadas nos referidos artigos,
pode-se apontar a supressão do termo “intermediar”, a incorporação
das condutas de agenciar, aliciar, comprar ou vender a pessoa traficada
e transportar, transferir e alojar pessoa quando houver conhecimento de
que esta é vítima de tráfico de pessoas. Ademais, o parágrafo segundo do
artigo 231-A inseriu dentre as causas de aumento de pena a ausência de
discernimento da vítima em razão de enfermidade ou deficiência mental, e
a existência de relação de parentesco ou outra forma de relação íntima entre
vítima e agente47.
Com base nas informações supramencionadas, percebe-se que
as principais transformações decorrentes das Leis nº 11.106/2005 e
12.015/2009 são a desvinculação do tráfico de pessoas da atividade de
prostituição, a substituição do termo “mulher” por “pessoa” e a ampliação
das finalidades do tráfico de seres humanos, que passaram a englobar outras
formas de exploração sexual.
43. Ibid., p. 158.
44. CUNHA, Bianca de Morais; PIMENTEL, Gabriela Regina. Tráfico internacional de mulheres
no Brasil: panorama histórico. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio et al. Mulheres invisíveis: panorama
internacional e a realidade brasileira do tráfico transnacional de mulheres. Curitiba: Editora CRV, 2018,
pp. 161-162.
45. Ibid., p. 162.
46. Ibid., p. 162.
47. Ibid., p. 162.
A despeito desses avanços, foi somente em 2016, com a sanção da
Lei nº 13.344, que o Brasil começou a contar com uma legislação específica
a respeito do tráfico de pessoas. Referida lei constitui o marco legal para
a prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, assim como para
a adoção de medidas destinadas à proteção e assistência às vítimas desse
crime. Ademais a Lei nº 13.344/2016 trouxe inúmeras alterações ao Código
Penal48, as quais serão detalhadas a seguir.
O artigo 13 da Lei 13.344/2016, inserido no Capítulo V, intitulado
“Disposições Processuais”, acrescentou o artigo 149-A ao Código Penal,
que definiu o tráfico de pessoas como o agenciamento, aliciamento,
recrutamento, transporte, transferência, compra, alojamento ou acolhimento
de pessoa, utilizando-se de grave ameaça, violência, coação, fraude ou
abuso49.
O referido artigo 149-A foi inserido no Capítulo VI, intitulado,
“Dos crimes contra a liberdade individual” e representou uma mudança de
paradigma no que diz respeito ao bem jurídico tutelado pelo crime ora em
estudo. As legislações anteriores visavam tutelar a moralidade, o decoro e a
dignidade sexual; já a legislação atual evidencia que o bem jurídico protegido
não é apenas a moralidade, tampouco somente a liberdade sexual, mas sim
a liberdade do indivíduo de maneira ampla.
Essa mudança também pode ser observada ao analisarem-se as
modalidades de tráfico de pessoas apresentadas pelo artigo 149-A. Para além
da exploração sexual, o dispositivo legal contém outras quatro espécies de
tráfico de seres humanos, a saber: I) remoção de órgãos, tecidos ou partes;
II) trabalho em condições análogas à de escravo; III) servidão de qualquer
natureza; e IV) adoção ilegal50.
A partir da análise desses aspectos, pode-se concluir que a Lei nº
13.344/2016 acompanhou a tendência da legislação pregressa e manteve
uma definição ampla para o crime de tráfico de pessoas. No que tange à
interface entre esse delito e o trabalho escravo ou em condições análogas,
observa-se que a legislação penal pátria incorporou o entendimento
já prevalente em âmbito internacional de que ambas as práticas estão
intimamente relacionadas.

48. Ibid., p. 163.


49. BRASIL. Lei nº 13.344, de 6 de outubro de 2016. Dispõe sobre prevenção e repressão ao
tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas; altera a Lei nº
6.815, de 19 de agosto de 1980, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de
Processo Penal), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); e revoga
dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). Brasília, DF.
50. BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Dispõe sobre o Código Penal.
Brasília, DF.
Apresentado esse breve histórico acerca da tipificação do crime de
tráfico de pessoas pela legislação penal brasileira, a subseção seguinte visa
abordar a evolução histórica do delito de redução à condição análoga à de
escravo e analisar criticamente a relação que existe entre ambas as.

3.2 TIPIFICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO E SUA RELAÇÃO


COM O TRÁFICO DE PESSOAS

A redação original do artigo 149 continha uma definição imprecisa do


delito em estudo, a qual limitava-se a conceituá-lo como “restringir alguém
à condição análoga à de escravo”. Essa definição resultava em inúmeras
lacunas que não refletia o espírito das Convenções da OIT ratificadas pelo
País51.
Na prática, para caracterizar o crime de redução à condição análoga
à de escravo, era necessária a associação entre alguma forma de privação
de liberdade (retenção de documentos pessoais, isolamento geográfico do
local de trabalho, servidão por dívida, vigilância constante, por exemplo)
e elementos das condições de trabalho (má alimentação, alojamentos
precários, ausência de assistência médica e humilhações, por exemplo)52.
Por essas razões, o referido artigo foi alterado pela Lei nº 10.803/2003,
a qual estabeleceu quatro condutas para caracterizar o delito de redução à
condição análoga à de escravo, quais sejam: I) submeter um indivíduo a
trabalhos forçados; II) impor jornada de trabalho exaustiva; III) sujeitar
alguém a trabalho em condições degradantes e IV) restringir a liberdade
de locomoção do indivíduo devido à existência de dívida contraída com
o empregador. Cabe ressaltar que o artigo 149 do Código Penal é um tipo
penal misto alternativo, portanto, basta a ocorrência de uma das condutas
para caracterizar o delito53.
Ademais, o §1º do referido dispositivo legal equipara à redução à
condição análoga à de escravo as três práticas seguintes: cercear o uso de
qualquer transporte pelo trabalhador; manter vigilância ostensiva no local de
trabalho e apoderar-se de documentos ou objetos pessoais do trabalhador,
todas com a finalidade de retê-lo no local de trabalho54.
Em relação à interface entre trabalho escravo ou em condições
análogas e tráfico de seres humanos, pode-se afirmar que, embora o

51. VASCONCELOS, Marcia; BOLZON, Andréa. Trabalho forçado, tráfico de pessoas e gênero:
algumas reflexões. Cad. Pagu, Campinas, n. 31, p. 65-87, dez. 2008, pp. 76-78.
52. Ibid., p. 78.
53. Ibid., pp. 76-77.
54. Ibid., p. 77.
aliciamento, o transporte e a recepção de trabalhadores e trabalhadoras
seja uma prática comum em casos de tráfico, a caracterização do trabalho
escravo não depende da ocorrência daquele55. Nesse sentido, o professor
Mohsen Rezaeian56, da Universidade de Ciências Médicas de Rafsanjan,
afirma que:
Na literatura, o tráfico de seres humanos é considerado
como uma forma de escravidão moderna, ou ao menos,
como um subtipo desta. No entanto, do meu ponto de
vista, deveria ser considerado um mediador da escravidão
moderna. A intensão do tráfico de seres humanos é
capturar pessoas e vendê-las a alguém que queira comprá-
las para utilizá-las em várias atividades que constituem a
escravidão moderna. O objetivo desse comércio é obter
ganhos econômicos. A escravidão moderna pode incluir
prostituição, exploração sexual, trabalho forçado, trabalho
escravo, trabalho forçado infantil, crianças soldados e
remoção de órgãos [...] (tradução simples)57.
Nesse excerto, Rezaeian apresenta um dos entendimentos atuais
acerca da interrelação entre tráfico de pessoas e trabalho escravo e esclarece
que o tráfico de seres humanos pode ser uma espécie de trabalho escravo.
Essa perspectiva distingue-se daquela utilizada pela legislação pátria, a qual
considera o trabalho escravo como uma modalidade de tráfico de pessoas.
Embora as duas correntes partam de pressupostos distintos, resta
evidente um ponto de convergência entre ambas: a existência de uma
interface entre as duas condutas. Isso posto, resta ainda um questionamento
sem solução: dentre os dois entendimentos, qual o mais adequado?
A resposta a essa pergunta não é categórica. Ao refletir sobre as
considerações de Rezaeian, conclui-se que a linha divisória entre o tráfico
de seres humanos e o trabalho escravo ou em condições análogas é muito
tênue. Por essa razão, o enfrentamento a ambas as práticas requer uma
análise cuidadosa do caso concreto, tendo sempre em mente que um crime
de tráfico de pessoas pode ocultar um delito de trabalho escravo e vice-
versa.

55. VASCONCELOS, Marcia; BOLZON, Andréa. Trabalho forçado, tráfico de pessoas e gênero:
algumas reflexões. Cad. Pagu, Campinas, n. 31, p. 65-87, dez. 2008, p. 77.
56. REZAEIAN, Mohsen. The emerging epidemiology of human trafficking and modern slavery.
Middle East Journal Of Business, v. 11, n. 3, pp. 32-37, jul. 2019, p. 32.
57. Original: Within literature human trafficking is considered as modern slavery or at the very least
as a subtype of it. However, in my point of view, it should be more considered as a mediator
for modern slavery. The ultimate intention of human trafficking is to capture humans and sell
them to someone who wants to buy and abuse humans in one of the various types of modern
slavery, for economic gain from such trade. Modern slavery may include: prostitution, sexual
exploitation, forced labor, bonded labor, forced child labor, slavery, servitude, child soldiering,
brides and removal of organs for economic gain.
Conforme já está evidente, a discussão acerca do trabalho escravo e
do tráfico de pessoas passa, necessariamente, por um estudo de normativas
internacionais e do papel das organizações internacionais no enfrentamento
dessas práticas. Por esses motivos, na próxima seção será analisado de que
maneira a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável pode contribuir
para esse fim. Para tanto, , será apresentado sucintamente o contexto de
formação do referido documento e será desenvolvido um estudo mais
detalhado acerca dos ODS pertinentes à temática deste trabalho.

4 AGENDA 2030: NOVOS HORIZONTES NO ENFRENTAMENTO


AO TRÁFICO DE PESSOAS E AO TRABALHO ESCRAVO

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável advém do


engajamento de organizações internacionais para estabelecer uma agenda
destinada a financiar o desenvolvimento sustentável durante o período
compreendido entre 2015 e 2030. Para elaborar o referido documento,
foram organizadas conferências e cúpulas internacionais durante a Rio
+20, evento que originou o Relatório Global para o Desenvolvimento
Sustentável (GRSD, sigla em inglês)58.
Segundo o referido relatório, o objetivo central da Agenda 2030
é contribuir para o fortalecimento da interface entre ciência e política e
fomentar o desenvolvimento sustentável. Para tanto, foram mobilizados
pesquisadores de diversas áreas do conhecimento e oriundos de diferentes
localidades do globo, a fim de propiciar uma ampla gama de conhecimentos
acerca das ciências da sustentabilidade59.
O resultado desse trabalho foi a elaboração do GRSD, o qual
constitui-se em uma avaliação dos relatórios produzidos em 2014 e 2015
e busca explorar possíveis abordagens para se analisar a interrelação entre
ciência e política. O documento também visa subsidiar políticas baseadas
na integração entre diferentes setores que possuem propósitos distintos,
de modo a dialogar acerca de questões relacionadas ao desenvolvimento
sustentável60.
A partir dos estudos desenvolvidos, a Agenda 2030 foi desenhada
em torno de um tema central, a saber, “garantir que ninguém seja deixado
para trás”. Essa temática possui dois pilares principais: a) ações focadas em

58. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Global sustainable development report. Nova York:
Julho/2016, p. 1.
59. Ibid., p. 1.
60. Ibid., p. 1.
grupos desfavorecidos, tais como mulheres e migrantes, e b) ações focadas
na redução das desigualdades entre os países61.
Com o intuito de auxiliar na abordagem da questão e na formulação
dos objetivos previstos pela Agenda 2030 foram elaboradas quatro questões
base a fim de auxiliar na identificação dos indivíduos deixados para trás e nas
razões pelas quais o são, bem como para identificar métodos e mecanismos
para alcançá-los e estratégias apropriadas para modificar essa realidade62.
Diante do exposto até então, pode-se concluir que o principal
objetivo da Agenda 2030 é fomentar o desenvolvimento em suas variadas
dimensões e proporcionar um cenário em que nenhum indivíduo seja
colocado à margem da sociedade. Para isso, pensou-se em três dimensões
chave: enfrentamento da pobreza; busca da inclusão e enfrentamento das
desigualdades. A seguir discorre-se brevemente acerca de cada uma dessas
dimensões.
A dimensão do enfrentamento à pobreza, tal qual ocorrera com os
Objetivos do Milênio, permaneceu como ponto central na Agenda 2030 e
relaciona-se diretamente aos ODS 1 (erradicação da pobreza), 8 (trabalho
decente e crescimento econômico) e 10 (redução das desigualdades). A
busca pela inclusão está relacionada com o empoderamento, com o princípio
da não discriminação e com à necessidade de incluir todos os indivíduos
nos processos sociais. A ideia transmitida é de que as pessoas devem ter
oportunidades efetivas e voz para determinar o curso do desenvolvimento.
Essa última dimensão faz-se presente nos ODS 5 (igualdade de gênero), 10
(redução das desigualdades) e 16 (paz, justiça e instituições eficazes)63.
Por fim, a busca pela igualdade (ou enfrentamento às desigualdades)
também ocupa uma posição de destaque na Agenda 2030. O enfrentamento
às desigualdades parece como uma meta autônoma, prevista pelo ODS 10
e inscrito nos ODS 3 (saúde e bem-estar), 4 (educação de qualidade) e 5
(igualdade de gênero)64.
De acordo com o GRSD, O conceito de igualdade apresenta duas
dimensões tradicionais associadas à igualdade de resultados e igualdade de
oportunidades. A igualdade de resultados pode ser observada em variados
contextos e está relacionada à distribuição de bens e recursos. Já a igualdade
de oportunidades refere-se a oferta de oportunidades semelhantes para que

61. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Global sustainable development report. Nova York:
Julho/2016, pp. 3-4.
62. Ibid., p. 4.
63. Ibid., p. 4.
64. Ibid., p. 4.
indivíduos ou segmentos da sociedade possam participar ativamente de
processos decisórios que repercutam no desenvolvimento65.
Depreende-se da leitura do relatório que para atingir a essa igualdade,
é preciso superar barreiras explícitas e implícitas impostas por meio de
legislações, práticas e costumes discriminatórios. Para além do significado
tradicional, a igualdade pode ser entendida também como um caminho para
empoderar grupos vulneráveis66.
Tendo em vista essas considerações, percebe-se que o desenvolvimento
sustentável inclui o desenvolvimento econômico e social, que por sua
vez inclui o enfrentamento às desigualdades, à discriminação e a todas as
formas de violência e violações de direitos. A partir disso, clarividente a
importância da Agenda 2030 para o enfrentamento do tráfico de pessoas
e do trabalho escravo, visando proteger os migrantes e garantir que estes
gozem plenamente de seus direitos
Diante disso, foram selecionados, dentre os 17 ODS da Agenda 2030,
aqueles que apresentavam pertinência direta com a temática deste artigo.
Escolheram-se, pois, o ODS 8 (trabalho decente e crescimento econômico)
e 5 (igualdade de gênero). As subseções seguintes objetivam analisar
criticamente o conteúdo dessas disposições, ressaltando a maneira como
os ODS podem contribuir para o enfrentamento ao tráfico de pessoas e ao
trabalho escravo.

4.1 TRABALHO DECENTE E CRESCIMENTO ECONÔMICO

Segundo o disposto na Agenda 2030, o ODS 8 foi estabelecido com


o intuito de incentivar a promoção do crescimento econômico sustentado,
inclusivo e sustentável, do emprego pleno e produtivo e do trabalho decente
para todos. Nesse sentido, estabelece uma série de metas que envolvem
fomentar o incremento da renda per capta e do PIB nos países menos
desenvolvidos, diversificar e agregar valor aos setores produtivos por meio
de inovação tecnológica, e apoiar a formulação de políticas voltadas para o
incentivo ao empreendedorismo e à inovação, geração de emprego decente
e formalização de micro e pequenas empresas67.
O referido ODS propõe ainda que sejam adotadas medidas imediatas
e eficazes para erradicar o trabalho forçado, a escravidão moderna e o tráfico
de pessoas, bem como garantir de imediato a proibição e a eliminação das

65. Ibid., p. 5.
66. Ibid., p. 5.
67. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.
Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/. Acesso em: 20 jun. 2019.
piores formas de trabalho infantil, incluindo recrutamento e utilização
de crianças soldado, e erradicar completamente qualquer modalidade de
trabalho infantil até 202568.
No que tange às pessoas em situação de migração, o ODS 8 estabelece
que deve-se proteger os direitos trabalhistas e promover ambientes de
trabalho seguros e protegidos para todos os trabalhadores, inclusive os
trabalhadores migrantes e em especial as mulheres migrantes69.
Da análise do ODS 8, conclui-se que a referida disposição busca
garantir tanto os direitos dos migrantes que trabalham sob regime de
contratação, quanto daqueles que, trabalhando como autônomos, deparam-
se com o empreendedorismo. Há também disposições voltadas para o
combate e a prevenção do trabalho escravo e à garantia do trabalho decente,
uma das principais violações de direitos às quais os migrantes estão sujeitos.
Não se pode esquecer também do enfrentamento ao tráfico de seres
humanos, visto que o esse crime é muitas vezes um caminho utilizado pelos
agenciadores para promover o deslocamento dos indivíduos de seu local
de origem até o local de destino. Assim, as metas estabelecidas pelo ODS 8
estão intimamente relacionadas entre si e possuem considerável relevância
para o enfrentamento ao tráfico de pessoas e trabalho escravo.
Retomando as considerações realizadas ao longo deste trabalho, não
se pode fechar os olhos para as especificidades das mulheres migrantes,
cujas trajetórias são marcadas pela questão do gênero. Diante disso, a
próxima seção visa elucidar como o ODS 5(igualdade de gênero) relaciona-
se com o enfrentamento ao tráfico de pessoas e ao trabalho escravo.

4.2 IGUALDADE DE GÊNERO

O texto da Agenda 2030 ao enunciar o ODS 5 assim o faz: “alcançar


a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”. Esse
intuito é reforçado já na primeira meta estabelecida pelo documento, a
qual objetiva eliminar todas as formas de discriminação contra mulheres e
meninas em toda parte70.
Desse primeiro objetivo decorre uma série de metas que visam
repercutir na esfera social e cultural. Como exemplos pode-se mencionara
eliminação de todas as práticas nocivas contra a população feminina, tais
como os casamentos prematuros e forçados e as mutilações genitais, bem
como a promoção da responsabilidade compartilhada na esfera familiar e a
68. Ibid.
69. Ibid.
70. Ibid.
disponibilização de serviços públicos, infraestrutura e políticas de proteção
social que fomentem o reconhecimento e a valorização do trabalho
doméstico e assistencial não remunerados71.
No que tange especificamente ao enfrentamento do tráfico de pessoas,
a Agenda 2030 estabeleceu como uma de suas metas a eliminação de todas
as formas de violência contra mulheres e meninas tanto na esfera pública,
quanto na privada, considerando inclusive o tráfico de seres humanos e a
exploração sexual72.
Analisando-se as metas fixadas pela Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável, percebe-se que estas possuem elevado
potencial para contribuir com o enfrentamento às violências sofridas pelas
mulheres em situação de migração e para a melhoria das condições de vida
e trabalho das mesmas.
Ao pesquisar acerca das condições de vida e trabalho dos migrantes na
capital paulista observou-se que, embora todos estejam sujeitos a inúmeras
violações de direitos, as mulheres frequentemente são mais suscetíveis, em
razão da própria condição feminina. Dessa feita, além de serem submetidas
a trabalho em condições análogas à escravidão, estão expostas a outras
formas de violência, como violência doméstica e exploração sexual.
Os marcadores de gênero também se revelam na remuneração
recebida por tarefas desempenhadas. Constatou-se ao longo da pesquisa
que, mesmo nas atividades em que é atribuída uma pequena remuneração,
costuma-se destinar para as mulheres atividades que, no entendimento
corriqueiro, não exigem remuneração.
Situações como as observadas durante esse estudo revelam que as
mulheres migrantes estão duplamente vulneráveis e enfrentam não apenas
as barreiras decorrentes da condição de migrantes, mas também aquelas
típicas da condição feminina. Em outras palavras, ao estudar a migração
feminina, percebe-se que existem inúmeras questões interseccionais que
devem ser consideradas para uma correta compreensão do quadro.
A pesquisa não evidenciou a ocorrência de tráfico de mulheres
latino-americanas para fins de exploração sexual, tampouco apontou para
o emprego de mão de obra infantil em qualquer das atividades analisadas.
Tal conclusão, no entanto, não afasta a relevância da Agenda 2030 para o
enfrentamento do tráfico de seres humanos e da exploração sexual, visto
que essa é uma das principais formas de violência contra as mulheres e há
décadas vem sendo combatida pelas legislações nacionais e internacionais.
71. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.
Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/. Acesso em: 20 jun. 2019.
72. Ibid.
Em síntese, ao analisar os ODS 5 e 8 da Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável, conclui-se que o referido documento possui
forte potencial e grande relevância para auxiliar no enfrentamento ao
tráfico de pessoas e ao trabalho escravo. Isso ocorre porque seus objetivos
foram pensados com a finalidade de repercutir nas diferentes dimensões
sociais, respeitando as peculiaridades culturais de cada nação, e buscando
combater a ocorrência de violações aos direitos humanos em nome do
desenvolvimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou investigar se existe relação entre os


fenômenos de tráfico de pessoas e submissão de migrantes a trabalho
escravo a partir de um recorte espacial que englobou a cidade de São
Paulo. Também se investigou de que maneira os objetivos estabelecidos
pela Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável contribuem para o
enfrentamento dessas práticas. As questões de pesquisa foram respondidas
e as hipóteses foram parcialmente confirmadas.
Analisando-se os fluxos migratórios atuais na capital paulista,
identificou-se um predomínio de migrantes latino-americanos oriundos
principalmente da Bolívia e do Peru, os quais são acompanhados por
refugiados sírios e africanos. Esses migrantes trabalham normalmente na
informalidade e atuam principalmente na indústria têxtil e no comércio. Há
também aqueles que trabalham em empreendimentos étnicos, com destaque
para o setor gastronômico. As fontes utilizadas durante o desenvolvimento
da pesquisa não permitiram apurar com profundidade as causas dos
deslocamentos desses migrantes.
Observou-se, ainda, que a maioria dos migrantes concentra-se na
região central da cidade e no eixo que liga o centro à zona leste. Nessa
região situam-se a maioria das indústrias têxtis, nas quais predomina o labor
de bolivianos. Analisando-se a dinâmica laboral que impera nas oficinas
de costura, nota-se que nesse setor predominam relações de submissão
entre empregado e empregador, condições de trabalho precárias, jornadas
abusivas, retenção de salário para custear dívidas (ou remuneração aquém
daquela devida) e a informalidade, caracterizando trabalho análogo ao
escravo.
Outro elemento observado nas relações empregatícias é o predomínio
de fatores culturais que legitimam uma série de violações aos direitos
dos migrantes. Esse fator, somado às barreiras linguísticas, coloca esses
indivíduos em situação de extrema vulnerabilidade. No caso das mulheres,
existe ainda outro elemento: os marcadores de gênero. Durante a pesquisa,
constatou-se que as mulheres que trabalham nas oficinas de costura são
submetidas às mesmas dinâmicas de trabalho impostas aos homens e exige-
se delas a realização de tarefas domésticas.
Além disso, nas sombras da indústria têxtil, as mulheres migrantes
estão sujeitas à violência doméstica e violência sexual. Conclui-se, pois,
que a despeito das peculiaridades da população feminina migrante, esta
encontra-se exposta a violações de direitos bastante semelhantes àquelas
vivenciadas pelas mulheres brasileiras.
No que diz respeito ao desenvolvimento das normativas nacionais
e internacionais acerca do tráfico de seres humanos e do trabalho escravo,
observou-se um afastamento da vinculação do tráfico de pessoas da
prostituição e da exploração sexual, bem como uma aproximação entre
o delito de tráfico e o de trabalho forçado. Nesse aspecto, existem três
entendimentos: o primeiro que entende o trabalho escravo como uma
modalidade de tráfico de pessoas; o segundo que considera o trabalho
escravo como uma espécie de tráfico de pessoas e o terceiro, o qual considera
que o tráfico é um mediador do trabalho escravo.
Considerando essas três correntes, é certo que existe uma relação
entre o tráfico de seres humanos e o trabalho escravo. A maneira como tal
relação se estabelece, porém, deve ser analisada caso a caso, tendo em vista
os elementos da situação específica.
Em relação às contribuições advindas da Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável, pode-se afirmar que o referido documento
possui forte potencial para colaborar para o enfrentamento do tráfico de
pessoas e do trabalho escravo. Ao estudar a Agenda 2030, observou-se
que os ODS 5 (igualdade de gênero) e 8 (trabalho decente e crescimento
econômico) possuem íntima relação com o enfrentamento dessas práticas.
Tendo em mente o exposto neste trabalho, conclui-se que o
enfrentamento ao tráfico de pessoas e ao trabalho escravo pressupõe uma
visão abrangente acerca das particularidades que marcam as dinâmicas
empregatícias desse grupo, assim como acerca das questões de gênero que
permeiam não só a atividade laboral de mulheres migrantes, mas também
todo o processo de deslocamento e integração no país de destino.

REFERÊNCIAS

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2019.
CAPÍTULO 5

NAS COSTURAS DE SÃO PAULO:


OS IMPACTOS DA LEGISLAÇÃO
BRASILEIRA NO TRÁFICO
DE BOLIVIANOS PARA A
INDÚSTRIA TÊXTIL NA CAPITAL

BIANCA ISABELLE LOURENÇO DE SOUSA DA SILVA


Graduanda em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Interesse na área de pesquisa de Direito Internacional. Atualmente
estagiária na área contratual cível e trabalhista empresarial. Atuou como
pesquisadora discente voluntária no projeto de pesquisa “Pessoas
invisíveis: panorama internacional e realidade brasileira do tráfico
transnacional de pessoas”.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa discutir as mudanças ocorridas na imigração


boliviana na cidade de São Paulo, primordialmente para o trabalho na
indústria têxtil. Inicia-se o debate pela contextualização histórica da
imigração boliviana em massa ao Brasil, distinguindo dois grandes fluxos
migratórios que ocorreram entre os países e suas principais características.
O primeiro, decorrente de um acordo entre Brasil e Bolívia para intercâmbio
educacional; o segundo, originado de uma extrema pobreza, quando houve
um grande deslocamento de bolivianos para São Paulo na década de 1980
em virtude de uma crise econômica que assolava a Bolívia. É neste segundo
êxodo que se trata as qualidades do imigrante boliviano utilizado como mão
de obra: suas origens, idade, gênero e forma de aliciamento.
Na segunda parte, se aborda as relações entre a indústria de fashion
law (considerado o Direito nas relações da indústria da moda) e a mão de
obra análoga à escravidão. É abordado o histórico da indústria têxtil no
Brasil, sua ascensão no mercado interno e internacional, o destaque que
ocorreu particularmente no Estado de São Paulo durante o século XX,
com levantamento de questões concorrenciais e precarização do setor.
Quando houve crises econômicas no setor, derivadas de políticas que
buscavam proteger a indústria nacional e assim fechou os portos para
produtos externos ocorridas na primeira metade do século; como também
a forma que a indústria nacional teve de se reinventar para continuar o jogo
comercial econômico com grandes empresas estrangeiras. Diante deste
contexto, aborda-se como ocorreu a precarização das oficinas de costura
que levam ao trabalho análogo à escravidão.
No terceiro tópico, foram elencadas as legislações nacionais e
internacionais que tem como objetivo a repressão e combate ao trabalho
escravo e tráfico de pessoas no país. Demonstrou-se os efeitos que os
referidos diplomas legais têm surtido em escala nacional, como a criação
de planos de ação nos âmbitos federais, estaduais e até municipais para a
erradicação do tráfico de pessoas e trabalho escravo, mudança que pode ser
percebida essencialmente após a incorporação do Protocolo de Palermo
pelo Brasil. Aborda, também, quais as modificações e adaptações que o
ordenamento jurídico pátrio sofreu ao incorporar tratados internacionais
que procurem versar sobre o tema em apreço.
Logo após, se demonstra o Plano Municipal para a Erradicação
do Trabalho Escravo, criado pela prefeitura da cidade de São Paulo, que
delimita um plano de ações a serem tomadas por equipes compostas de
órgãos oficiais, organizações não governamentais e associações de classe
para enfrentar o problema. Neste capítulo, discute-se também a efetividade
do plano e questão, com a demonstração dos resultados parciais trazidos
por seus membros.
Por fim, nota-se que, apesar de haver de fato esforços para buscar
erradicar o tráfico de seres humanos da América Latina para exercerem
trabalho análogo à escravidão, no Brasil, depende de uma grande articulação
dos entes federativos em conjunto.

1 MIGRAÇÃO BOLIVIANA PARA SÃO PAULO: ORIGENS E


ALICIAMENTO

A despeito de haver registros de migração boliviana no Brasil


desde o século XIX, especialmente em regiões de fronteira, é certo que
esse fluxo migratório adquiriu grande expressividade somente na segunda
metade do século XX.1 Tal deslocamento massivo pode ser dividido em

1. SILVA, Sidney Antonio da. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estud. av., São
Paulo, v. 20, n. 57, p. 157-170, Ago. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acessado
duas grandes fases: a partir da década de 1950, sob a influência de um
acordo de intercâmbio cultural firmado entre Brasil e Bolívia; e a partir da
década de 1980, em busca de melhores condições de trabalho.2
Em suma, os bolivianos migrantes da década de 1950 eram estudantes
intercambistas, que se alocaram em sua maior parte na região do Mato
Grosso do Sul, especialmente na cidade de Corumbá, espalhando um pouco
à região sudeste, em São Paulo e no Rio de Janeiro. A medida em que esses
estudantes acabam seus respectivos cursos, muitos permaneciam ainda no
Brasil uma vez que já haviam construído suas vidas no país. Já o boliviano
migrante da década de 1980 possuía qualificações muito mais precárias que
o estudante de 1950: este segundo caso trata-se de pessoas em grande nível
de pobreza que buscavam no Brasil uma oportunidade para melhorarem
sua condição econômica e de sua própria família. Os imigrantes bolivianos
preferiam deixar um país majoritariamente agrário que passava por graves
recessões econômicas – mesmo ao considerar que a década de 1980 também
foi um período de recessão para o Brasil. Por maioria, instalaram-se na
cidade de São Paulo, em subempregos principalmente na indústria têxtil.3
Se trata de jovens, homens e mulheres, predominantemente oriundos
da região do altiplano andino, solteiros, que procuram realizar um sonho,
alimentado pela falsa promessa de bons salários e qualidade de vida. Assim,
a partir do momento em que efetivamente se instalam no país, as famílias
desses imigrantes passam a migrar também, elevando assim ao processo de
reunificação familiar.4
Já em terras brasileiras, os bolivianos encontraram sua fonte de
renda principalmente nas indústrias e pequenas oficinas de costura. A
exploração da mão de obra boliviana na indústria têxtil inclusive não foi
por acaso: primeiro e principalmente, por se tratar de segmento que não
exige prévia experiência e baixos custos de produção, uma vez que se baseia
na quantidade de produto produzido individualmente; segundo, em razão
da tradição histórica no tear predominante nos povos andinos5.
É importante entender também sob quais aspectos os migrantes
bolivianos chegam até o Brasil. Em decorrência da baixa qualidade de

em 21 nov. 2019, p. 159.


2. Ibidem, p. 160.
3. Ibidem, p. 159-160.
4. Ibidem, p. 159-160
5. MATIAS, Jéssica Carreiro. Migrações contemporâneas e trabalho em condição análoga à de escravo: os
imigrantes bolivianos na indústria têxtil em São Paulo. 2016. 91 f. Tese (Bacharel) - Curso de
Direito, Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: https://
bdm.unb.br/bitstream/10483/16207/1/2016_JessicaCarreiroMatias_tcc.pdf. Acesso em: 28
nov. 2019, p. 74
vida econômica, muitos bolivianos não têm a possibilidade de arcar com
os custos de toda a viagem. É nesse sentido que os bolivianos buscam
os serviços de “traficante de migrantes”, ou seja, a pessoa que auxilia os
imigrantes que de fato possuem a vontade de emigrar, para que possam
fazer uma travessia mais segura e barata. Ainda assim, os “gatos”, como
assim podem ser chamados, foram acusados de resgatar valores baixos
apenas no intuito de realizar a travessia.
A principal diferença entre o tráfico de migrantes e o tráfico de
pessoas reside no entendimento do que é consentimento. Os bolivianos
que buscam os serviços do traficante de migrantes atravessam a fronteira ao
Brasil por sua própria vontade, mesmo que em viagem extremamente longas
devido ao baixo custo. Já o traficante de pessoas busca recrutar, transportar,
transferir ou alojar as pessoas, mediante coerção ou fraude: entretanto,
desconsidera a característica do fornecimento porque efetivamente tomou
uma atitude não fraudulenta6.
Nesse sentido, o aliciador faz promessas de trabalho e pagamento de
salários ao imigrante, arca com todos os custos da viagem e alimentação do
trajeto, que na verdade se tornam dívidas das quais o imigrante não poderia
pagar, para controlar seu tempo7.
Para se explicar a migração boliviana para São Paulo para o trabalho
na indústria têxtil, é imprescindível que se entenda a migração coreana para
o mesmo setor8. Incentivada pelo governo sul coreano em consequência do
problema da superpopulação, a migração dessa comunidade para a América
Latina teve seu início na década de 1960. Com pouca experiência em
atividades rurais, parte dos imigrantes se inseriram no setor de confecções,
em trabalhos mal remunerados e com grandes dívidas para suprir sua
subsistência no novo país. A partir da década de 1970, é possível notar uma
nova leva de imigrantes sul coreanos já com um maior acúmulo de capital,
que vieram a fim de investir no setor têxtil já iniciado por seus familiares.
Neste sentido, a população sul coreana passa a se instalar
majoritariamente em São Paulo com o intuito de prosseguir o trabalho na
indústria da confecção, além de outras regiões da América Latina9. Com
6. Ibidem, p. 73-74.
7. Ibidem, p. 75.
8. WEBER, Nicole Garske; SOUZA, Lucas Nader de. Migrações e gênero: análise à luz da incidência
do tráfico de pessoas para fins de exploração laboral no Brasil. Anais eletrônicos do VII Seminário
Corpo, Gênero e Sexualidade, do III Seminário Internacional Corpo, Gênero e Sexualidade
e do III Luso-Brasileiro Educação em Sexualidade, Gênero, Saúde e Sustentabilidade
[recurso eletrônico] / organizadoras, Paula Regina Costa Ribeiro... [et al.] – Rio Grande
: Ed. da FURG, 2018. Disponível em: http://www.7seminario.furg.br/ http://www.
seminariocorpogenerosexualidade.furg.br/ ISBN:978-85-7566-547-3
9. PRETULAN, Renata Barreto. Mobilidade e classes sociais: o fluxo migratório boliviano para São Paulo.
o fim oficial ao incentivo à migração coreana pelo governo nacional, os
migrantes entraram no país pela fronteira com a Bolívia, onde começam a
recrutar trabalhadores nativos para suas oficinas em São Paulo10.
Contudo, a partir da década de 1990, a relação entre bolivianos e
coreanos começa a se distanciar. A comunidade coreana passa a ganhar
destaque por seu sucesso no vestuário nos bairros do Brás e Bom Retiro,
enquanto a comunidade boliviana passa a se mostrar como exploradores
de seus compatriotas também. Agora parte dos bolivianos são “oficinistas”
(donos das oficinas de costura), na qual submetem outros bolivianos ao
trabalho superexplorado nas pequenas indústrias de vestuário na cidade de
São Paulo11.
Na atualidade, o aliciamento de bolivianos para a exploração laboral
na indústria têxtil paulista se faz diretamente entre o migrante e o seu
empregador, inclusive com a atuação presencial em viagens à Bolívia por
parte dos aliciadores. O aliciador ludibria o nativo, no qual se firma um
contrato de trabalho verbal e a viagem é custeada pelo próprio patrão. A
partir daí, o migrante chega à São Paulo com uma dívida muito alta a pagar
ao seu patrão referente às despesas de sua viagem e estadia, na qual terá de
trabalhar para ele a fim de quitá-la12.
Aqui importa salientar que a definição de tráfico humano é
caracterizada também pelo tráfico consensual, em razão de fraude,
conforme alínea “a” do Artigo 3, do Protocolo de Palermo13. Destaca-se,
portanto, que a falsa promessa feita pelos aliciadores aos bolivianos em seu
local de origem não se trata de um simples anúncio de emprego, mas sim se
tráfico internacional de pessoas.
Os trabalhadores imigrantes, então, são submetidos a um regime
de exploração laboral em condições degradantes, com baixos salários e
uma grande dívida a quitar com seus patrões, jornadas exaustivas muito
superiores ao limite legal, além de viverem em condições precárias de
Orientador: Brasílio João Sallum Junior. São Paulo, 2012. Dissertação (Mestrado) - Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Departamento de
Sociologia. Área de concentração. Sociologia. p. 76. Disponível em https://www.teses.usp.br/
teses/disponiveis/8/8132/tde-11062013-105409/publico/2012_RenataBarretoPreturlan.pdf.
Acesso em 30 nov. 2019.
10. Ibidem, p. 77.
11. FREITAS, Patrícia Tavares de. Imigração boliviana para São Paulo e o setor de confecção: Em busca
de um paradigma analítico alternativo. Campinas: Núcleo de Estudos de População (Nepo) -
Unicamp, 2012, p. 162. Disponível em: <https://www.nepo.unicamp.br>. Acesso em: 14 nov.
2019.
12. SILVA, op. cit., p. 160.
13. BRASIL. Decreto n.º 5.017, de 12 de março de 2004. “Protocolo de Palermo”. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5017.htm>.
Acesso em 01. dez. 2019.
higiene e moradia. Em sua maioria, no início da migração boliviana em
São Paulo a partir da década de 1980, os imigrantes passaram a povoar os
bairros das regiões centrais da capital paulista, principalmente nas regiões
nas quais se inserem a maior parte das indústrias têxteis. Ao longo dos anos,
a comunidade se expandiu ocupando cidades satélites e cidades do interior
do Estado, como Santo André, Diadema, Jundiaí e Americana14, sendo um
dos motivos a atuação massiva do Ministério Público e da Polícia Federal
nas regiões centrais da capital paulista.

2 INDÚSTRIA TÊXTIL E FASHION LAW: A HISTÓRICA MÃO DE


OBRA ANÁLOGA À ESCRAVA

A atividade têxtil no Brasil é observada desde os povos nativos que


aqui viviam. Nos primeiros registros dos navegadores portugueses, já se
afirmava que foram aqui encontradas mulheres que carregavam seus filhos
em panos, além de esteios de fios entrelaçados nas casas nos quais as
pessoas se penduravam15. Durante a colonização do país, as regiões Norte e
Nordeste tiveram significativo crescimento com a monocultura de algodão
e o início de um processo de industrialização. Após a chegada da família
real e sua instalação na cidade do Rio de Janeiro, em 1808, as indústrias
manufatureiras de tecido e algodão passaram a migrar para a região sudeste
do país: sobretudo nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Anos mais tarde, uma normativa do Estado taxou as importações,
estagnando o crescimento industrial no país – reverberando, portanto,
na indústria têxtil. Ao fim do século XIX e a reabertura dos portos, o
setor de confecção voltou a crescer ante a possibilidade de importação
de maquinário necessário para sua produção. O Brasil se tornou grande
exportador de algodão, com um significativo crescimento no Estado de São
Paulo, tornando-se o maior polo industrial do país16.
O setor de tecelagem sofre duas grandes recessões ao longo do
século XX: a primeira, após a I Guerra Mundial, pela falta de exportação;
e a segunda, na década de 1930, em que se considera a hipótese de ter sido
causada por uma obsolescência da tecnologia utilizada no ramo. Na década
de 1970, há a entrada de grandes investidores estrangeiros no país. Nos
anos de 1980, no entanto, o país passava por grande crise econômica, que

14. SILVA, op. cit., p. 160.


15. FUJITA, Renata Mayumi Lopes; JORENTE, Maria José. A indústria têxtil no Brasil: uma
perspectiva histórica e cultural. Modapalavra, Florianópolis, v. 8, n. 15, p.153-174, jul. 2015.
Semestral. Disponível em: <http://www.revistas.udesc.br/index.php/modapalavra/article/
view/5893>. Acesso em: 03 dez. 2019, p. 158.
16. Ibidem, p. 161-162.
ricocheteou em diversos setores comerciais e industriais – inclusive o têxtil.
É nesse aspecto que o ramo se vê fragilizado, tecnologicamente atrasado
em comparação às grandes potências e pouco exportador. A qualidade
ultrapassada do maquinário utilizado perdurou pelos anos de 1990, de
modo que as pequenas fábricas possuíam poucas chances de sobreviver
ante as grandes indústrias de capital internacional. Neste sentido, a indústria
do vestuário buscou elevar a eficiência produtiva e o trabalho a fim de
concorrer com a grandes empresas asiáticas instaladas17.
A carência de investimentos que ocorreu nos anos 1980,
em virtude da estagnação econômica registrada dos
primeiros anos até 1983, bem como a continuidade dos
desequilíbrios, que persistiu no resto da década, tiveram
papel fundamental para o cenário econômico em que se
encontrava a indústria quando se iniciou o processo de
abertura comercial. A indústria têxtil foi um dos setores que
mais sofreu com a crise que desencadeou a obsolescência
do parque industrial brasileiro, gerando um gap tecnológico
em relação ao mundo, e, principalmente, em relação aos
países asiáticos, que se tornaram grandes produtores e
exportadores, criando sérias dificuldades para esta indústria
no Brasil no período seguinte, por ocasião da abertura
comercial.18
O mercado industrial têxtil nacional não possuía estrutura bastante
para enfrentar a concorrência de produtos importados, o que culminou no
fechamento de muitas fábricas de tecidos e sintéticos. A abertura comercial
se deu como medida econômica para tentar reduzir os efeitos da crise
advinda dos anos de 198019.
As empresas situadas nos bairros centrais da cidade de São Paulo
passaram a reduzir o tamanho de suas plantas, para investir numa
produção diversificada em pequena escala, alavancando o valor agregado
do setor de produção de vestuário no Brasil. Entretanto, da reestruturação
supramencionada, houve uma cisão entre as empresas que se ocupavam da
modelagem, desenho e criação das roupas; e as empresas que se ocupavam
diretamente da confecção e costura das peças, de forma a terceirizar este
último serviço. As oficinas de produção em pequena escala diminuíram seu
tamanho para se adequar aos novos moldes e, por consequência, demitiram
seus empregados a medida em que não mais havia espaço para seu trabalho.
Em contrapartida, as oficinas de confecção e costura passam para a
17. Ibidem, p. 163-166.
18. KON, Anita; COAN, Durval Calegari. Transformações da Indústria Têxtil Brasileira: A Transição
para a Modernização. Revista de Economia Mackenzie, São Paulo, v. 3, n. 3, p.11-34, 25
jun. 2009. Disponível em: <http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/rem/article/
view/774>. Acesso em: 04 dez. 2019.
19. Ibidem.
informalidade, empregando esses trabalhadores que antes faziam parte do
sistema de produção, em instalações precárias e informais20.
Desta forma, para baratear os custos e, assim, poder concorrer
com grandes indústrias que produzem peças em larga escala, a indústria
têxtil nacional pouco modernizada se vale da subcontratação – ou seja,
da terceirização – para a produção de suas mercadorias. É a partir desta
contratação indireta que se encontram os abusos em relação aos trabalhadores
do setor. É por trás dessa prática empresarial que se escondem os migrantes
precarizados, não raramente em situação irregular no país21.
Marcada pela utilização do “sistema de suor”, a indústria da moda
paulista cresce sobre o lucro advindo da redução de trabalhadores à
condição análoga à escravidão. O termo “sistema de suor”, tentativa de
tradução da expressão em inglês sweat system, é um método em oposição
ao sistema fabril, no qual consiste num fracionamento da cadeia produtiva
em microempresas que concorrem entre si, ignorando normas laborais e
assim criando condições indignas aos seus trabalhadores. É a situação de
precariedade do trabalho pouco modernizado, no qual os trabalhadores são
submetidos a condições degradantes para poder produzir as mercadorias da
empresa na qual estão inseridos. Muito comum no ramo da confecção, no
qual os trabalhadores frequentemente são remunerados por cada peça feita
e, assim, tendo metas intangíveis para cumprir o número de peças em um
determinado prazo. A remuneração está diretamente ligada à produtividade
do trabalhador na oficina de costura, o que tem como consequência
jornadas de trabalho exaustivas, em confinamentos onde não se pode deixar
a máquina por períodos longos22.
No Brasil, este fenômeno do “sistema de suor” normalmente
está relacionado às indústrias têxteis, por ser prática comum no ramo de
vestuário que atende ao varejo. Entre outras características, é comum que
imigrantes em situação irregular sejam submetidos a essas práticas, aliada à
servidão por dívida em razão do patrocínio, por parte do patrão, na viagem
desse migrante para trabalhar em sua oficina23.

20. RIZEK, Cibele Saliba; GEORGES, Isabel; SILVA, Carlos Freire da. Trabalho e imigração: uma
comparação Brasil-Argentina. Lua Nova, São Paulo, n. 79, p. 111-142, 2010 Disponível em:
<http://www.scielo.br> Acesso em 05 dez. 2019.
21. BIGNAMI, Renato. Trabalho escravo na indústria da moda: o sistema do suor como expressão do
tráfico de pessoas. Revista de direito do trabalho, São Paulo, SP, v. 40, n. 158, p. 35 -59, jul./ago.
2014. Disponível em: <https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/94673>. Acesso em
06 dez. 2019, p. 17.
22. Ibidem, p. 5.
23. Ibidem, p. 14.
Importa destacar também o que se entende como mão de obra escrava
contemporânea. Há uma questão técnico-terminológica que diferencia a
mão de obra análoga à escravidão da escravidão propriamente dita: haja
vista não se permitir mais a possibilidade jurídica de se ter um escravo, de
exercer o direito de propriedade sobre um ser humano. Atualmente não há,
portanto, o trabalho escravo – mas sim análogo ao escravo. O aliciamento é
feito por falsas promessas, ameaças de deportação, confisco de documentos,
limitação da liberdade de ir e vir – mas não necessariamente seu cerceamento
por completo24. Não há, aqui, a compra e venda do ser humano, reduzindo-o
a condição máxima de objeto, como havia na escravidão dos séculos XVI
ao XIX. A definição do trabalho forçado contemporâneo guarda suas
características nas jornadas exaustivas muito além do permitido, ambiente
de trabalho sem a mínima condição de higiene e ergonomia, entre outros
aspectos.25
Além da clara e direta violação à dignidade da pessoa humana e
aos direitos trabalhistas básicos, a redução do trabalhador à condição de
trabalho análogo à escravidão configura não só numa prática criminosa26,
como também numa prática anticoncorrencial, em fenômeno denominado
como “dumping social”. A prática de dumping, do ponto de vista econômico,
se enquadra na situação da oferta de um produto no comércio estrangeiro,
em outro país, em preço inferior ao praticado naquela ou em outras regiões
para o mesmo produto, no intuito de dominar aquele sistema de mercado27.
O conceito de dumping social, portanto, é entendido como o
desrespeito contínuo de direitos trabalhistas no ímpeto de se obter uma
vantagem econômica sobre a sua concorrência. Confere-se, portanto,
numa agressão ao estado democrático de direito social, como também uma
agressão à livre concorrência28.

24. KEMPFER, Marlene; MARTINS, Lara Caxico. Trabalho escravo urbano contemporâneo:
o trabalho de bolivianos nas oficinas de costura em São Paulo.  Revista do Direito Público,
[s.l.], v. 8, n. 3, p.77-102, 12 dez. 2013. Universidade Estadual de Londrina. http://dx.doi.
org/10.5433/1980-511x.2013v8n3p77.
25. MARTINS; KEMPFER, op. cit., p. 91.
26. Conforme os artigos 149 e 149-A do Código Penal, que tratam, respectivamente, do crime de
redução análoga à de escravo; e tráfico de pessoas (Decreto-Lei n.º 2.848/1942. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 05 nov.
2019).
27. FRANCO, Claudia Regina Lovato. Mestrado em Direito. [et al]. Brasília: ESMPU, 2017. 5 t.
(Séries Pós-Graduação; v. 5), p. 106.
28. Ibidem, p. 107.
3 IMPACTOS DA NORMA BRASILEIRA FEDERAL E LOCAL: O
QUE MUDOU PARA OS MIGRANTES?

É importante perceber o impacto cultural que a comunidade boliviana


no Brasil sofreu ao longo dos anos 1980 até 2017, uma vez que o país
tratava a situação do migrante sob a égide do Estatuto do Estrangeiro (Lei
n.º 6.815 de 1990)29. Não havia políticas públicas que buscassem incluí-los,
além de serem frequentemente tratados como uma ameaça.
(...) inúmeros relatos de pessoas que passam por situações
constrangedoras e humilhantes, pois não há uma política
pública voltada à questão do atendimento ao imigrante.
Dessa forma, muitas vezes, eles não são atendidos em
hospitais e unidades básicas de saúde por não conseguirem
explicar o que necessitam e por não existirem pessoas
habilitadas e preparadas para essa demanda, ou ainda, a
assistência é negada com base em seu status migratório30.
O Estatuto do Estrangeiro, promulgado em 1981, reflete o contexto
de guerra fria que assolava o mundo inteiro na época. Buscava, em
verdade, proteger o cidadão brasileiro do “risco” do qual se acreditava que
a população estava exposta com a comunidade não brasileira. O referido
diploma legal pautava seus dispositivos no princípio da segurança nacional,
nos interesses políticos, culturais e socioeconômicos brasileiros, como
também na proteção ao trabalhador nacional.31
Em vista dessa cultura protecionista, os imigrantes bolivianos que
trabalhavam em São Paulo nas oficinas de confecções em condições
degradantes não buscavam auxílio de nenhuma autoridade, nem buscavam
fazer denúncias, em razão do medo da deportação, uma vez que a sua
permanência no país estava em situação irregular.32
Em âmbito internacional, o Brasil é signatário de diversos documentos
que tratam não apenas do tráfico de pessoas, como também do trabalho
análogo à condição de escravo. Dentre estes, encontra-se a Convenção das
Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, incorporado
29. BRASIL, Lei n.º 6.815/1980. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/
L6815.htm, acesso em 29 nov. 2019.
30. ILLES, Paulo. Tráfico de Pessoas para fins de exploração do trabalho na cidade de São
Paulo. Cadernos Pagu, n. 31, p. 199-217, 11 abr. 2016. Disponível em: <https://periodicos.sbu.
unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8644878>. Acesso em: 03 dez. 2019.
31. ISHIKIRIYAMA, Anne. A condição jurídica do estrangeiro no Brasil. Monografia de Trabalho de
Conclusão de Curso de Dirieto da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2005.
Disponível em https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/10141/10141.PDF. Acesso em 29, nov.
2019, p. 5.
32. BIGNAMI, Renato. O tráfico de pessoas no setor têxtil, em NOGUEIRA, Christiane V.; NOVAES,
Marina; BIGNAMI, Renato. Tráfico de pessoas: reflexões para a compreensão do trabalho
escravo contemporâneo. 2014, 1. Ed. São Paulo, Paulinas. 2014, p. 187.
pelo Brasil mediante o Decreto sob o n.º 5.015 de 200433, doravante
denominado por sua sigla em inglês como “UNODC”, e suas alterações.
Também foram realizadas algumas convenções da Organização
Internacional do Trabalho (“OIT”), que versam sobre esse assunto. Neste
sentido se encontra a Convenção n.º 97, que trata sobre a situação de
Trabalhadores Migrantes em países diversos que o seu de origem34, como
também a Convenção n.º 182 e a Recomendação n.º 190, ambas incorporadas
ao ordenamento jurídico pátrio através do Decreto de n.º 3.597 de 2000,
que dispõem sobre a proibição das piores formas de trabalho infantil35.
Um dos dispositivos legais mais importantes do início da década de
2000 sobre o tema com certeza foi o “Protocolo Adicional à Convenção
das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à
Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres
e Crianças”, popularmente conhecido como “Protocolo de Palermo”. O
referido diploma foi consubstanciado no ordenamento jurídico pátrio pelo
decreto n.º 5.017 de 2004.
A adesão do Brasil ao Protocolo de Palermo resultou em grandes ações
que puderam crescer, ainda que minimamente, no impulso de combater e
erradicar o tráfico de pessoas dentro do país. Foi nesse sentido que se criou
o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (“PNETE”),
por meio do Decreto n.º 5.948/2006, com 58 metas destinadas a prevenir,
reprimir e responsabilizar o crime de tráfico humano no Brasil. Dividido
em eixos de trabalho, possui o objetivo de estabelecer diretrizes para reduzir
e combater as ocorrências desse crime em âmbito nacional36.
Ao admitir-se que o tráfico de pessoas e o trabalho escravo são crimes
correlatos, uma vez que o tráfico de pessoas é um crime que busca atingir
um fim – sendo esse, a exploração da vítima – é importante notar também a
criação do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, a nível
federal. O referido plano apresenta medidas a serem cumpridas por órgãos

33. BRASIL. Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Brasília, DF, Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm. Acesso em: 30 nov.
2019.
34. BRASIL, Câmara dos Deputados. Convenção n.º 97 da Organização Internacional do
Trabalho. Disponível em https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/
comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-externa/
ConvOITTrabMig.html, acesso em 30 nov, 2019.
35. BRASIL, Decreto n.º 3.597, de 12 de setembro de 2000. Disponível em http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/decreto/D3597.htm. Acesso em 25 nov. 2019.
36. BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. Com 58 metas, plano
nacional contra tráfico de pessoas mobiliza governo e sociedade. Disponível em https://www.justica.gov.
br/news/collective-nitf-content-1564776536.05. Acesso em 05 dez. 2019.
dos três poderes, pela sociedade civil e pela classe empresarial do país.
Como uma das medidas de ação, foi criado um sistema de monitoramento
do trabalho escravo desenvolvido pela Organização Não Governamental
Repórter Brasil, o monitor tem como finalidade identificar as ações
realizadas para o cumprimento deste Plano. A pesquisa é feita em cada um
dos 5 eixos estabelecidos, com indicadores traduzidos em perguntas que
são enviadas anualmente às organizações responsáveis para responde-las e
assim verificar o que houve de avanço em cada um deles37.
Um destaque do PNETE é oriundo do Grupo Especial de
Fiscalização Móvel: a chamada “lista suja” elaborada pelo Ministério
Público do Trabalho38. Criado pela portaria n.º 540, de 19 de outubro de
2004, hoje reformada pela Portaria Interministerial n.º 4, de 11 de maio
de 2016, a lista em questão publica os nomes dos empregadores que se
utilizaram diretamente de mão de obra análoga ao trabalho escravo.
Em ação paralela, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo
promulgou a lei n.º 14.946/2013, que estabelece a cassação do cadastro
de contribuintes do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação
de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Intermunicipal e
Interestadual (ICMS) a qualquer empresa que faça uso de trabalho escravo,
ou de trabalho análogo ao escravo.39 A aplicação da legislação paulista
pode ocorrer, por exemplo, no caso referente à empresa M5 Indústria e
Comércio, detentora da marca “M. Officer”, que foi condenada em segunda
instância por se beneficiar de trabalho análogo à escravidão em sua cadeia
produtiva. A legislação determina cassação do cadastro tributário pelo
período de 10 (dez) anos após a decisão em 2ª instância, a partir da abertura
de procedimento administrativo na Secretaria da Fazenda do Estado de
São Paulo40. Como consequência, a referida empresa não poderá mais atuar
comercialmente no Estado de São Paulo.
Por fim, nos anos de 201641 e 2017, houve a publicação de duas
importantes legislações sobre o tema: a primeira, lei n.º 13.344, regulamenta
37. BRASIL  Monitoramento do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escavo. Disponível em:
https://www.monitoramentopnete.org.br/. Acesso em: 05 dez. 2019.
38. BRASIL. SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS. . II Plano Nacional
para a Erradicação do Trabalho Escravo. 2008. Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/
documentos/novoplanonacional.pdf. Acesso em: 25 nov. 2019, p. 12.
39. ESTADO DE SÃO PAULO. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO
PAULO. Lei n.º 14.946, de 28 de janeiro de 2013. Disponível em https://www.al.sp.gov.br/
repositorio/legislacao/lei/2013/lei-14946-28.01.2013.html. Acesso em 04 dez. 2019.
40. O ESTADO DE S. PAULO (São Paulo/sp). Justiça mantém condenação da M. Officer por trabalho
escravo.  2018. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/negocios,decisao-
mantem-condenacao-da-mofficer-por-trabalho-escravo,70002240222. Acesso em: 04 dez.
2019.
41. BRASIL. Lei n.º 13.344, de 06 de outubro de 2016. Disponível em .http://www.planalto.gov.
o combate e como as instituições públicas devem tratar o tráfico de pessoas;
a segunda, Lei de Migração42, n.º 13.445, a qual modifica a perspectiva que
a sociedade civil possui do imigrante que chega ao Brasil procurando por
melhores qualidades de vida.
O protocolo de palermo define que os Estados-membros tipifiquem
em sua legislação a prática de tráfico de pessoas como crime. Nesse sentido,
foi adicionado ao código penal os artigos 231 e 231-A, que limitava o
crime de tráfico de pessoas exclusivamente à prática da exploração sexual.
Contudo, é importante notar que, de acordo com o relatório da UNODC
divulgado no ano de 2016, a maior parte do tráfico humano se destina à
exploração do trabalho de suas vítimas, ao chamado de “trabalho forçado”
ou “trabalho escravo”43. Em razão dessa lacuna existente na legislação
brasileira que, com o advento da Lei n.º 13.344 de 2016, foram revogados
ambos os dispositivos supracitados do Código Penal, bem como inserido
o art. 149-A, que alarga a definição do tipo penal “tráfico de pessoas” para
as hipóteses de escravidão, servidão, adoção ilegal e remoção de órgãos44.
Podemos notar o impacto do medo imposto pelo patrão da situação
irregular dos trabalhadores no caso a seguir: Malena Aruquipo Rios,
boliviana natural de El Alto, conta sua experiência enquanto migrante e
trabalhadora da indústria têxtil na cidade de São Paulo. Malena veio ao Brasil
com 20 anos de idade, a fim de trabalhar aqui pelo período de um ano para
acumular o dinheiro necessário para voltar à Bolívia e estudar, ou abrir seu
próprio negócio. Conta que seu primeiro trabalho se deu em uma oficina de
costura no bairro do Tucuruvi, na Zona Norte da capital. Começava a sua
jornada às 7h da manhã e terminava as 3h da madrugada. Suas atividades
consistiam em: costurar, cuidar das crianças, cozinhar e arrumar a oficina.
Passou seis meses trabalhando nessas condições e seu único pagamento
foi a quantia de R$ 50,00 (cinquenta reais). Recebia ameaças constantes
de sua patroa, que dizia que iria entregar-lhe à imigração, como tentativa
de coagi-la a não deixar a oficina. Conseguiu uma oportunidade em outra
oficina, que desta vez pagava o valor de R$ 130,00 – entretanto, não havia o
que comer na oficina, motivo pelo qual chegou a passar fome. A boliviana

br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13344.htm. Acesso em 01 dez, 2019.


42. BRASIL. Lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. Disponível em.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13445.htm. Acesso em 01
dez, 2019.
43. OLIVEIRA, Gabriel Henrique de Lima; OBREGON, Marcelo Fernando Quiroga. Contra
o tráfico de pessoas no Brasil (Lei 13.344/2016) à luz do Protocolo de Palermo: avanços
e retrocessos. Derecho y Cambio Social, Lima, v. 1, n. 55, p.501-525, 01 jan. 2019. Disponível
em: https://lnx.derechoycambiosocial.com/ojs-3.1.1-4/index.php/derechoycambiosocial/
article/view/39. Acesso em: 12 dez. 2019.
44. OLIVEIRA; OBREGON, op. cit., p. 16.
afirma também ter trabalhado em outras oficinas, nos bairros do Bom
Retiro, Santana, Itaquera e Penha – todos na capital paulista45.
Em diferente reportagem feita pela BBC Brasil, os empregados
bolivianos de uma fábrica afirmam não se entenderem como em situação de
trabalho escravo e acreditam possuir aqui uma vida melhor do que tinham
quando estavam na Bolívia. Afirmam que normalmente se assustam com
as fiscalizações realizadas pelo auditor do Ministério Público do Trabalho,
uma vez que grande parte destes imigrantes está em situação irregular no
país, acreditando então que a auditoria realizada seria para deportá-los.46
Outros relatos demonstram promessas de trabalho feitas verbalmente
entre os coiotes e os bolivianos, ainda na Bolívia, para que viessem ao
Brasil. Ronaldo, em entrevista ao Repórter Brasil, afirma que veio ao país
na mesma semana em que foi convidado. O trabalhador foi resgatado
após auditoria realizada pela Secretaria Regional do Trabalho, em São
Paulo. Ronaldo mantinha uma relação de dependência com seu patrão,
uma vez que não possuía nenhum documento oficial nacional. Afirma que
trabalhava, em média, 13 horas por dia, e que no começo de seu trabalho
não podia procurar emprego diferente47.
De acordo com a última Lista Suja publicada pelo Ministério
Público do Trabalho, foram feitas, no Estado de São Paulo, fiscalizações
que encontraram trabalho análogo a escravidão em 13 empregadores, que
foram cadastrados na referida lista, dentre os quais 7 são oficinas de costura
ou relacionados com moda em geral. Dentre outros ramos presentes, estão
a construção civil e a agricultura48. O dado em questão se refere à lista
publicada constando o ano de 2018.
De acordo com o relato do auditor fiscal do trabalho, sr. Renato
Bignami, estima-se que haja cerca de 12 mil a 14 mil sweatshops no Estado
de São Paulo.49

45. BBC BRASIL. ‘A vida no Brasil não é normal, é só trabalho’, conta boliviana que foi escravizada
em SP. 29 de janeiro de 2015. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/
noticias/2015/01/150127_boliviana_escravizada_ms>. Acesso em 03 dez. 2019.
46. BBC BRASIL. Voltar para a Bolívia não é uma opção, diz vítima de exploração em SP. Disponível em
<https://www.bbc.com>. Acesso em 05 dez. 2019.
47. BIANCA PYL, via REPÓRTER BRASIL. De La Paz para São Paulo, a história de exploração de
uma vítima do tráfico de pessoas. 27 de julho de 2017. Disponível em https://reporterbrasil.org.
br/2012/07/de-la-paz-para-sao-paulo-a-historia-de-exploracao-de-uma-vitima-do-trafico-de-
pessoas/. Acesso em 28 nov. 2019.
48. https://d37iydjzb dkvr9.clo udfro n t.n et/a rquivo s/2019/01/21/cadastro -de-
empregadores-2019-1-17.pdf
49. BIGNAMI, op. cit., p. 50.
Ao analisar o relatório da UNODC publicado em 2018 sobre o tráfico
de pessoas na América do Sul, dividido por país, o Brasil é um dos principais
destinos das pessoas traficadas, perdendo somente para a Argentina50.

4 PROGRAMA MUNICIPAL DE ENFRENTAMENTO E NOVOS


FLUXOS DE TRÁFICO DE BOLÍVIA-BRASIL

No compromisso de erradicar o trabalho escravo no município de


São Paulo, a Prefeitura, em 2013, instituiu a Comissão para Erradicação
do Trabalho Escravo (COMTRAE), através da Lei n.º 15.764/201351,
regulamentada pelo Decreto 54.432/201352.
Em seu primeiro ano de existência, a COMTRAE elaborou o I Plano
Municipal para a Erradicação do Trabalho Escravo, no ímpeto de enfrentar
essa violação.
A COMTRAE foi instituída sabendo sobre a aproximação entre o
crime de tráfico de pessoas e o trabalho escravo contemporâneo, definindo,
portanto, como “violações correlatas” para a construção do plano. Com
58 ações, o Plano Municipal para a Erradicação do Trabalho Escravo
(PMETE) conta com diversas frentes atuantes, para repreender, prevenir,
dar assistência às vítimas e gerar emprego e renda, além de mapear o risco
do trabalho análogo ao escravo no município de São Paulo.
Prioriza a criação de um banco de dados do trabalho escravo, um
mapeamento que conste o diagnóstico e risco do trabalho, incluir as ações
previstas em leis orçamentárias para a captação de recursos pra execução,
divulgar canais de denúncia, promover condições básicas à sobrevivência
das vítimas de trabalho escravo e tráfico de pessoas (como acesso à
educação e saúde), estendendo aos seus familiares, entre outras ações. O
plano conta também com a participação multidisciplinar de órgãos da
própria prefeitura, como outras comissões que fazem parte da Secretaria
Municipal de Direitos Humanos. órgãos públicos aliados no combate
ao tema, como as Defensorias Públicas, Ministério Público do Trabalho,
Tribunal de Justiça e outras comissões estadual e nacional de enfrentamento

50. UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME. 2018 – Relatório Global sobre Tráfico
de Pessoas – Perfil de país América do Sul. Disponível em https://www.unodc.org/documents/
lpo-brazil//Topics_TIP/Publicacoes/2018_GloTiP_South_America.pdf. Acesso em 29 nov.
2019.
51. SÃO PAULO (Município). Lei nº 15.764, de 27 de maio de 2013. . São Paulo, SP, Disponível
em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/governo/legislacao/index.
php?p=170844. Acesso em: 14 nov. 2019.
52. SÃO PAULO (Município). Constituição (2013). Decreto nº 54432, de 07 de outubro de 2013.
São Paulo, SP, Disponível em: <http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-54432-de-
7-de-outubro-de-2013/consolidado>. Acesso em: 14 nov. 2019.
ao trabalho escravo; e por fim, com representantes da sociedade civil,
como a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT),
o Repórter Brasil, o Sindicato das Costureiras de São Paulo e Osasco, as
Organizações Não Governamentais Conectas, InPACTO, entre outros53.
O plano tem funcionado dividido em diferentes eixos e Grupos de
Trabalho que se reúnem periodicamente para debater as ações tomadas
nesse contexto. Com funcionamento no período entre os anos de 2015
e 2018, a COMTRAE apresentou seus resultados preliminares em um
evento, junto da Organização Internacional do Trabalho, em julho de 2019.
O resultado demonstra que apesar de a maior parte dos trabalhos definidos
no plano terem sido cumpridos, ainda há eixos que não terminaram seu
cumprimento. Nesse sentido, há a necessidade de acompanhamento
permanente e sistemático para que haja a consolidação desses processos e
assim se utilizar num próximo ciclo.
A COMTRAE propôs que seja realizado um fluxo de atendimento
a pessoa que foi submetida ao trabalho escravo ou vulnerável a este, com
a participação de equipe multidisciplinar, contando com as comissões da
Secretaria Municipal de Direitos Humanos e órgãos da sociedade civil, como
o Brasil Repórter e Centros de Apoio ao Imigrante. O objetivo apresentado
é o de criar uma sistemática de atendimento à vítima de uma forma mais
eficiente, com a articulação das instituições responsáveis por prestá-lo.
Os resultados preliminares apresentados pela COMTRAE
demonstram que 68,2% de todas as ações definidas no PMETE
foram cumpridos, ao passo que 41,46% desses indicadores carecem de
cumprimento. De todos os eixos apresentados, o grupo de trabalho que
menos demonstrou avanço foi o de geração de emprego e renda, não tendo
demonstrado qualquer indicador totalmente cumprido54.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final de toda a pesquisa realizada, é possível perceber que as ações


pontuais de órgãos oficiais não impedem que a prática do trabalho análogo
à escravidão continue acontecendo. É o caso da extensão de oficinas de
costura que exploram a mão de obra ilícita às cidades satélites e do interior
53. SÃO PAULO. Prefeitura do Município de São Paulo. Secretaria de Direitos Humanos e
Cidadania. Plano Municipal para Erradicação do Trabalho Escravo. 2015. Disponível em: <https://
www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/direitos_humanos/PMETE(1).pdf>.
Acesso em: 07 nov. 2019.
54. SÃO PAULO. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Especialistas debatem
avanços e desafios no enfrentamento do trabalho escravo no município de São Paulo. 2018. Disponível em:
https://www.ilo.org/global/docs/WCMS_714425/lang--en/index.htm. Acesso em: 27 nov.
2019.
do Estado de São Paulo, após ações e fiscalizações do Ministério Público do
Trabalho e Polícia Federal.
Nesse sentido, se faz extremamente importante a articulação
conjunta de diferentes frentes para inibir e combater a prática: é o caso, por
exemplo, da Lei n.º 14.946 de 2013, que cancela o cadastro de contribuinte
para o ICMS da empresa condenada. O que se pretende com a prática
é o isolamento econômico das empresas envolvidas, a fim de força-las a
regularizarem tal prática, bem como garantir que haverá um esforço de
outras na diligência para contratação de novos fornecedores e parceiros.
Aqui também se nota que a migração boliviana para o Estado de
São Paulo se dá por questões de razões econômicas principalmente. Insta
pontuar, portanto, que se faz necessária uma ação massiva em conjunto
com as instituições bolivianas a fim de mapear as rotas de tráfico humano a
fim de impedi-las, como também dar o suporte necessário à população que
se encontra mais vulnerável à prática em questão.
O tráfico humano de bolivianos é mascarado, no qual as próprias
vítimas não se enxergam na situação em vista de sua condição social antes de
serem traficadas. É por essa razão que se necessita de uma maior informação
a essa população, mesmo em seu país de origem, para que entendam o que é
a exploração no Brasil e assim evitar que sejam ludibriadas pelos aliciadores,
ou mesmo que possam contatar uma autoridade caso sejam vítimas.

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2019
WEBER, Nicole Garske; SOUZA, Lucas Nader de. Migrações e gênero:
análise à luz da incidência do tráfico de pessoas para fins de exploração
laboral no Brasil. Anais eletrônicos do VII Seminário Corpo, Gênero e
Sexualidade, do III Seminário Internacional Corpo, Gênero e Sexualidade
e do III Luso-Brasileiro Educação em Sexualidade, Gênero, Saúde e
Sustentabilidade [recurso eletrônico] / organizadoras, Paula Regina Costa
Ribeiro... [et al.] – Rio Grande : Ed. da FURG, 2018. Disponível em: http://
www.7seminario.furg.br/. http://www.seminariocorpogenerosexualidade.
furg.br/ ISBN:978-85-7566-547-3.
CAPÍTULO 6

A COMPLACÊNCIA DO
ESTADO BRASILEIRO COM A
ESCRAVIDÃO MODERNA: DA
DECISÃO NO CASO “FAZENDA
BRASIL VERDE V. BRASIL”
AOS DESDOBRAMENTOS DA
LEGISLAÇÃO NACIONAL SOBRE
O TEMA1

ANA CLÁUDIA RUY CARDIA ATCHABAHIAN


Doutora e Mestre em Direito I pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo. Professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Membro da International Law Association – Ramo Brasileiro (ILA-
Brasil) e Conselheira da Seção Latino-Americana da Global Business
and Human Rights Scholars Association. Coordenadora do Grupo de
Pesquisa “Pessoas Invisíveis: Prevenção e Combate ao Trá co Interno
e Internacional de Seres Humanos” Financiado pelo MackPesquisa.
Advogada.

GIANPAOLO POGGIO SMANIO


Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana
Mackenzie. Líder do Grupo de Pesquisa CNPq “Políticas Públicas como
Instrumento de Efetivação da Cidadania. Membro da Escola Superior do

1. Abstract (em inglês) apresentado no Congresso da IRC-WASET, em outubro de 2019, em


viagem financiada pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie – MackPesquisa e publicada
nos anais daquele evento: CARDIA A., Ana Cláudia Ruy. SMANIO, Gianpaolo Poggio.
The Complacency of the Brazilian State with Modern Slavery: From the Decision in the
‘Fazenda Brasil Verde v. Brazil’ Case to National Legislation on the Matter. ICHTS 2019: XIII
International Conference on Human Trafficking and Social Justice. Los Angeles: International
Research Conference Proceedings, 2019, p. 1134.
Ministério Público. Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo.
Líder do Grupo de Pesquisa “Pessoas Invisíveis: Prevenção e Combate
ao Tráfico Interno e Internacional de Seres Humanos”, Financiado pelo
MackPesquisa.

FELIPE CHIARELLO DE SOUZA PINTO


Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Professor do Programa de Pós-Graduação em
Direito Político e
Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Colaborador no
Programa de Pós-Graduação da Universidade de Passo Fundo. Líder do
Grupo de Pesquisa CNPq “Estado e Economia no Brasil”. Pesquisador
do Grupo de Pesquisa “Pessoas Invisíveis: Prevenção e Combate ao
Tráfico Interno e Internacional de Seres Humanos”, Financiado pelo
MackPesquisa.

INTRODUÇÃO

Em outubro de 2016, o Estado brasileiro foi condenado pela Corte


Interamericana de Direitos Humanos no Caso “Fazenda Brasil Verde v.
Brasil” por ter sido negligente no tratamento dispensado às vítimas de tráfico
de pessoas e condições análogas à escravidão em uma fazenda no estado do
Pará, configurando a chamada escravidão moderna. Contudo, poucos dias
antes da publicação de referida decisão internacional, foi publicada no Brasil
a Lei n° 13.344, voltada especificamente para o estabelecimento de novas
medidas para prevenir e reprimir o tráfico doméstico e internacional de
pessoas, bem como garantir maior assistência às vítimas de referido crime.
O que parecia ser um momento protetivo para as vítimas de abusos
praticados por corporações, no entanto, não se concretizou em 2018: no
Decreto que estabeleceu as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos
Humanos (Decreto n° 9.571/2018), não houve qualquer menção sobre
a possiblidade de responsabilização de empresas por tráfico de pessoas,
mas tão-somente à submissão de trabalhadores às condições análogas à
escravidão, sendo esta última válida apenas para os casos de empresas que,
voluntariamente, aderissem àquela regra.
Considerando que o Brasil apresenta dados alarmantes relacionados
à escravidão moderna, tendo, somente no ano de 2019, sido resgatados
mais de novecentos trabalhadores2, faz-se imprescindível o estudo do tema
à luz de ambos os panoramas.
Neste sentido, o presente artigo visa demonstrar – por meio de
pesquisa qualitativa baseada em análise documental de fontes primárias e
secundárias, com método de interpretação indutivo derivado principalmente
de fontes secundárias, tais como literatura jurídica nacional e internacional
sobre Tráfico de Pessoas, Direito Internacional dos Direitos Humanos e
Direitos Humanos e Empresas - que as iniciativas normativas do Estado
brasileiro desde 2016, se louváveis teoricamente, representaram apenas
parte do processo de cumprimento da decisão da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, posto que as reformas e políticas implementadas não se
coadunam com os standards internacionais assumidos pelo Brasil.
O presente trabalho será dividido em três partes. No primeiro capítulo,
serão trazidos os conceitos iniciais de tráfico de pessoas e de escravidão
moderna para o Direito Internacional e o Direito Internacional dos Direitos
Humanos. No segundo capítulo, será feita a análise da interpretação da
Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso “Fazenda Brasil
Verde v. Brasil” em relação a ambos os temas. No terceiro capítulo, será
feita uma leitura crítica das normas estabelecidas pelo Estado brasileiro
quanto ao tráfico de pessoas e ao tema Direitos Humanos e Empresas,
na tentativa de analisar se houve ou não congruência entre as normativas
desenvolvidas sobre tráfico de pessoas e Direitos Humanos e Empresas
em relação à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos e aos
demais instrumentos internacionais aplicáveis ao tema ora sob análise.

1 ESCRAVIDÃO MODERNA: INTERPRETAÇÃO


INTERNACIONAL SOBRE TRÁFICO DE PESSOAS E DIREITOS
HUMANOS E EMPRESAS

A definição de escravidão moderna pela Organização Internacional


do Trabalho (OIT) pressupõe a ocorrência de práticas tradicionais de
trabalho forçado, como “vestígios de escravidão ou práticas semelhantes (...), e várias
formas de servidão por dívida, bem como novas formas de trabalho forçado (...), como o
tráfico de pessoas”3. O termo, assim, busca representar as condições de vida e
de trabalho contrárias à dignidade humana.

2. MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Portal da Inspeção do Trabalho. Painel de Informações


e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil. Disponível em: <https://sit.trabalho.gov.br/
radar/>. Acesso em: 30 Jan. 2020.
3. No original: “(...) traditional practices of forced labour, such as vestiges of slavery or slave-
like practices, and various forms of debt bondage, as well as new forms of forced labour that
have emerged in recent decades, such as human trafficking.” INTERNATIONAL LABOUR
De referida definição, portanto, decorre o raciocínio de que o tráfico
de pessoas, tal qual determinado no Protocolo Adicional à Convenção das
Nações Unidas contra o Crime Organizado Internacional (Protocolo de
Palermo)4, deve se constituir como o pressuposto para o cometimento de
outros crimes, sejam eles de natureza laboral, sexual, dentre outros5.
É possível, portanto, perceber que, das possíveis facetas que a
escravidão moderna pode apresentar na atualidade, o tráfico de seres
humanos e sua consequente redução à condição análoga à escravidão são
marca indelével6.
Da normativa internacional voltada ao combate de referido crime,
destacam-se o ora mencionado Protocolo de Palermo, bem como - no
plano do trabalho forçado e da redução do indivíduo à condição análoga à
escravidão -, mas não apenas, a Convenção n° 297 e seu Protocolo de 20148,
ambos da OIT. Ainda, no plano dos Direitos Humanos e Empresas, deve
ser dada especial atenção aos Princípios Orientadores sobre Empresas e
Direitos Humanos9 da Organização das Nações Unidas (ONU), as Diretrizes

ORGANIZATION. What is forced labour, modern slavery and human trafficking. Disponível em:
<https://www.ilo.org/global/topics/forced-labour/definition/lang--en/index.htm>. Acesso
em: 30 Jan. 2020.
4. BRASIL. Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5017.htm>. Acesso em: 30 Jan. 2020.
5. CARDIA A., Ana Cláudia Ruy. PINTO, Felipe Chiarello de Souza. O tráfico internacional de
pessoas sob as lentes da jurisprudência recente da Corte Interamericana de Direitos Humanos:
lições para o Brasil. MENEZES, Wagner (Org.). Direito Internacional em expansão: Volume 10.
Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017, p. 272-292. Neste sentido, ver também NOGUEIRA,
Christiane. NOVAES, Marina, BIGNAMI, Renato e PLASSAT, Xavier. Tráfico de pessoas e
trabalho escravo: além da interposição de conceitos. In NOGUEIRA, Christiane. NOVAES,
Marina. BIGNAMI, Renato (Org.) Tráfico de Pessoas: Reflexões para a compreensão do trabalho
escravo contemporâneo. São Paulo: 2014, p. 220-221.
6. Em sentido contrário quanto à ligação entre o tráfico de pessoas no Brasil e o termo “escravidão
moderna”, em crítica a partir de referências de classe, gênero e raça, ver BENITEZ, Carla.
SEFERIAN, Gustavo. Tráfico de Pessoas e a Lei n° 13.344/2016: leituras jurídico-críticas
desde as referências de classe, gênero e raça. Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Edição Especial. Julho de 2019. São Paulo: Tribunal Regional Federal da 3 ª Região, p. 155.
7. INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Convenção n° 29 sobre o Trabalho Forçado
ou Obrigatório. Disponível em: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/--
-normes/documents/normativeinstrument/wcms_c029_pt.htm>. Acesso em: 30 Jan. 2020.
Referida convenção foi internalizada pelo Brasil no Decreto nº 41.721, de 25 de junho de 1957.
8. INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Protocol of 2014 to the Forced Labour
Convention, 1930. Disponível em: <https://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f ?p=NORMLEX
PUB:12100:0::NO:12100:P12100_INSTRUMENT_ID:3174672:NO >. Acesso em: 30 Jan.
2020.
9. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Guiding Principles on Business and Human Rights:
implementing the United Nations “protect, respect and remedy” framework. 2011. Disponível
em: <https://www.ohchr.org/documents/publications/guidingprinciplesbusinesshr_en.pdf
Acesso em: 30 Jan. 2020.
da OCDE para as Empresas Multinacionais10, bem como a recente iniciativa
Onusiana de estabelecimento de um tratado sobre a matéria11.
No plano adjudicatório internacional de direitos humanos, merece
relevo o papel da Corte Interamericana de Direitos Humanos no combate
à escravidão moderna12. Coincidentemente, o primeiro caso contencioso
decidido por aquela Corte com relação direta à temática ora sob análise teve
como réu o Brasil, resultando em condenação ao país e colocando-o sob os
holofotes da sociedade internacional em função do descumprimento dos
pressupostos estabelecidos na Convenção Americana de Direitos Humanos.

2 A ESCRAVIDÃO MODERNA E O BRASIL NO BANCO DOS


RÉUS: O CASO “FAZENDA BRASIL VERDE V. BRASIL”

O Caso “Fazenda Brasil Verde vs. Brasil”13 foi objeto de análise


pela Corte Interamericana de Direitos Humanos entre os anos de 2015 e
2016. Relacionado especificamente à ocorrência de violações aos direitos
humanos na Fazenda Brasil Verde, localizada no Município de Sapucaia,
no sul do Estado do Pará, a decisão de referido caso foi proferida em
20 de outubro de 2016, consolidando o entendimento daquela Corte de
que o tráfico de pessoas e as formas de exploração análogas à escravidão
constituem modalidades da ora denominada “escravidão moderna”.
As violações, ocorridas e documentadas a partir do final dos anos
1980 até os primeiros anos do século XXI, foram analisadas internamente
pelo Estado Brasileiro, mas não tiveram a devida atenção pelas autoridades
administrativas e judiciais em seus julgamentos, razão, inclusive, da admissão
daquele caso pela Corte.
Em resumo, a demanda relaciona-se à prática de tráfico interno de
pessoas e escravidão de trabalhadores contratados para trabalhar no corte

10. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO


(OCDE). OECD Guidelines for Multinational Enterprises. OECD Publishing, 2011.
11. Neste sentido, ver CARDIA, Ana Cláudia Ruy. GIANNATTASIO, Arthur Roberto Capella. O
Estado de Direito Internacional na condição pós-moderna: a força normativa dos princípios
de Ruggie sob a perspectiva de uma Radicalização Institucional. BENACCHIO, Marcelo
(Coord.). VAILATTI, Diogo Basílio. DOMINIQUINI, Eliete Doretto (Org.). A sustentabilidade
da relação entre empresas transnacionais e direitos humanos. Curitiba: Editora CRV, 2016, p. 127-146.
DEVA, Surya. BILCHITZ, David (Ed.). Building a treaty on business and human rights: context and
contours. Reino Unido: Cambridge University Press, 2017.
12. CARDIA A., Ana Cláudia Ruy. Empresas e Direitos Humanos: contribuições dos sistemas
adjudicatórios de proteção. PAMPLONA, Danielle Anne. FACHIN, Melina (Coord.).
BOLZANI, Giulia Fontana (Org.). Direitos Humanos e Empresas. Curitiba: Íthala, 2019.
13. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Fazenda Brasil Verde vs.
Brasil. Série C, nº 318. Sentença de 20 de outbro de 2016. Disponível em: <http://www.
corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_318_esp.pdf>. Acesso em: 30 Jan. 2020.
de juquira14 na Fazenda Brasil Verde, à época dos fatos de propriedade de
João Luiz Quagliato Neto. Os trabalhadores eram aliciados por gatos15 - que
lhes seduziam com a garantia de bons salários e condições dignas de vida,
com moradia e alimentação -, e, por muitas vezes, deixavam seus familiares
na esperança de lhes garantir melhores condições em sua terra natal. Ao
chegarem ao local de trabalho – que se encontrava em local afastado dos
principais centros urbanos, incrustrado na Floresta Amazônica -, contudo,
deparavam-se com condições desumanas e degradantes de moradia e de
trabalho, com jornadas superiores a doze horas diárias e folgas escassas,
retenção de seus documentos de trabalho e de identidade e ameaças de
morte em caso de saída ou fuga da Fazenda, além de desaparecimentos de
trabalhadores que questionavam sua condição. Ademais, os trabalhadores
encontravam-se, desde o primeiro momento de sua jornada, em dívida:
inicialmente com os aliciadores, que lhes pediam o pagamento pela viagem
até o local de trabalho, além das despesas com alimentação e eventual
hospedagem e, logo em seguida, com seus patrões, que lhes descontavam
valores dos utensílios utilizados para a consecução do trabalho e até mesmo
do alojamento e do alimento que lhes era servido, não lhes restando
nenhuma forma de remuneração ao final do período de trabalho16. Não
obstante a prática de tráfico, restava, também, configurada a exploração da
mão-de-obra em condições análogas à escravidão e a prática de servidão
por dívida.
A despeito das denúncias feitas por trabalhadores que conseguiram
escapar daquele contexto, assim como das fiscalizações levadas a cabo em
diferentes períodos por representantes da Polícia Federal e do Ministério
Público do Trabalho, que culminaram em ações judiciais e procedimentos
administrativos17, não houve, no plano interno, efetiva punição aos
perpetradores de tais violações, razão pela qual entidades da sociedade
civil submeteram referida demanda à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, que posteriormente a conduziu à análise da Corte pertencente
ao mesmo sistema.
A decisão, acertadamente celebrada em relação ao crime de
sujeição dos trabalhadores submetidos a condições de trabalho análogas

14. Planta nativa da região.


15. Nomenclatura usualmente dada aos funcionários contratados para fazer o aliciamento dos
trabalhadores nessa modalidade de exploração.
16. Os detalhes sobre as condições degradantes a que foram submetidos os trabalhadores da
Fazenda Brasil Verde encontram-se nos parágrafos 163 a 173 da sentença em comento.
17. Para uma cronologia detalhada das medidas judiciais e administrativas que foram concretizadas
no plano interno, ver os parágrafos 128 a 188 da sentença ora sob análise.
à escravidão18, traz relevantes considerações sobre o crime de tráfico de
pessoas, especialmente em relação à interpretação dada por aquele órgão ao
artigo 6.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos.
Fez-se, na decisão em comento, interpretação extensiva e evolutiva
daquele instrumento19, também em relação a outras fontes internacionais de
natureza semelhante20, a fim de compreender a determinação da proibição ao
tráfico, expressamente relacionada somente ao crime de tráfico de mulheres
e escravos na Convenção Americana, a toda e qualquer categoria de pessoas
que se encontre em posterior condição de vulnerabilidade, confirmando a
teoria ora apresentada de que o tráfico de pessoas é o principal pressuposto
para a ocorrência de outras formas exploratórias do indivíduo.
A interpretação evolutiva do dispositivo considerou não apenas o
diálogo entre as fontes e os órgãos internacionais21, tais como a Convenção
de Viena sobre o Direito dos Tratados, o Protocolo de Palermo, o Convênio
do Conselho da Europa sobre a luta contra o tráfico de seres humanos, o
entendimento do Grupo de Trabalho sobre Formas Contemporâneas de
Escravidão, mas também o diálogo das Cortes Internacionais, mediante a
análise do precedente da Corte Europeia de Direitos Humanos no Caso
“Rantsev vs. Chipre e Rússia”22, que trouxe considerações sobre o tráfico de
pessoas e a apropriação dos trabalhadores pelos empregadores, novamente
corroborando com o argumento da “coisificação” dos indivíduos e de
sua possibilidade de apropriação por outras pessoas, então mencionado
e defendido nos itens anteriores do presente trabalho. Fez-se também o

18. A esse respeito, é válida a observância da matéria realizada pela organização não-governamental
Repórter Brasil: REPÓRTER BRASIL. Eu fui escravo. Disponível em: <https://reporterbrasil.
org.br/brasilverde/reportagem.html>. Acesso em 30 Jan. 2020.
19. Parágrafos 281 a 290 da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
20. Sobre a possibilidade de a Convenção Americana ser interpretada em conformidade com outros
instrumentos internacionais, ver os parágrafos 78 e 79 da sentença da Corte Interamericana de
Direitos Humanos.
21. A esse respeito, cita-se a seguinte passagem definida por Paulo Borba Casella: “Não se constrói
sistema internacional com a simples superposição, mais que soma de sistemas internos,
colocados lado a lado. É preciso ter conjunto de princípios, normas e instituições também
na ordem internacional”. A análise dos mandamentos internacionais em harmonia para a
construção da interpretação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no presente
caso demonstra a busca pela necessária harmonia e diálogo também no plano internacional.
CASELLA, Paulo Borba. Fundamentos do Direito Internacional Pós-Moderno. São Paulo: Quartier
Latin, 2008, p; 712.
22. Parágrafos 284 a 289 da sentença. Ainda, a esse respeito, é válida a posição de Flávia Piovesan:
“É a partir de interlocuções e empréstimos jurisprudenciais que cada qual dos sistemas regionais
desenvolve o refinamento de argumentos, interpretações e princípios voltados à afirmação
da dignidade humana”. PIOVESAN, Flávia. Diálogo entre Cortes: a interamericanização
do sistema europeu e a europeicização do sistema interamericano In PIOVESAN, Flávia.
SALDANHA, Jânia Maria Lopes (Coord.). Diálogos jurisdicionais e direitos humanos. Brasília, DF:
Gazeta Jurídica, 2016, p. 175-196.
paralelo da proibição de referida modalidade criminosa a um mandamento
de jus cogens23, norma que não pode ser derrogada pelos Estados,
alegando também seu caráter de imprescritibilidade diante da normativa
de Direito Internacional24. A transcendência do sentido literal do artigo
6.1 da Convenção Americana ao crime de tráfico de pessoas, trazendo
interpretação mais genérica àquele dispositivo, foi acertadamente definida
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, acompanhando, portanto,
a evolução da sociedade internacional em relação às formas de combate
aos crimes que constituem a escravidão contemporânea. Por fim, mas não
menos importante, referido documento mencionou expressamente pela
segunda vez na história de sua jurisprudência os Princípios Orientadores
sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU.
Ademais, um dos critérios considerados por aquele tribunal para
garantir sustentação aos argumentos de sua sentença teve relação com a
condição de vulnerabilidade socioeconômica dos indivíduos submetidos a
tal modalidade exploratória, sendo, inclusive, a primeira vez que se restou
decidido um caso com base na discriminação estrutural histórica de um
país25. A miséria anterior a que os trabalhadores estavam submetidos
foi também condicionante para seu consentimento baseado nas falsas
promessas feitas pelos aliciadores. Novamente, destaca-se a constatação
de uma realidade que não somente permeia a sociedade brasileira – com
suas desigualdades sociais, por muitas vezes, fruto de seu próprio passado
escravocrata -, mas também outras jurisdições submetidas àquele Órgão e
que contam com práticas semelhantes na contemporaneidade.
Referida sentença, portanto, ao apresentar uma nova interpretação
do artigo 6.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos, consoante
com as mais recentes fontes do Direito Internacional, permitiu a abertura
de um importante precedente quanto ao combate ao tráfico de pessoas e à
redução de trabalhadores a condições análogas à escravidão, razão pela qual
seus efeitos devem ser analisados em relação ao Estado Brasileiro tanto do
ponto de vista normativo quanto prático, perfazendo-se o primeiro objeto
do presente trabalho.

23. A respeito das normas de jus cogens, ver TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. International
law for humankind: towards a new jus gentium. The Hague Academy of International Law. The
Netherlands: Martinus Nijhoff Publishers, 2010.
24. Parágrafos 249 a 258 da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
25. Parágrafos 81 a 100 da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
3 CONSEQUÊNCIAS LEGISLATIVAS NACIONAIS DO CASO
“FAZENDA BRASIL VERDE V. BRASIL”: NOVAS NORMAS DE
COMBATE AO TRÁFICO DE PESSOAS E À EXPLORAÇÃO
LABORAL PRATICADA POR EMPRESAS

A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos foi proferida


em 20 de outubro de 2016. Curiosamente, no dia 06 daquele mesmo mês,
foi promulgada a Lei n° 13.344/201626, que revogou os artigos 231 e 231-
A do Código Penal, vigorando a partir de então regra mais abrangente a
respeito do crime de tráfico de pessoas, qual seja, o artigo 149-A. Além
do Código Penal, foram também estabelecidas disposições específicas à
infância no Estatuto da Criança e do Adolescente e, em conformidade com
o disposto no II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas27,
medidas de auxílio às vítimas daquela modalidade criminosa28.
Percebe-se, assim, que, ao menos em relação ao crime de tráfico
de pessoas, a mudança legislativa em comento foi louvável, sobretudo
pela finalidade essencial de aproximar a normativa brasileira da regra
internacional existente e internalizada desde 2004, a saber, o Protocolo de
Palermo. O estabelecimento do artigo 149-A e o deslocamento do tipo penal
para os crimes contra a liberdade pessoal também visaram a eliminação dos
estigmas de gênero, o que, como visto, caminhou em paralelo ao decidido
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em sua interpretação
dinâmica e evolutiva do artigo 6.1 da Convenção Americana de Direitos
Humanos.
Contudo, tal regra também foi objeto de críticas, seja em relação
à pena estabelecida e às causas de aumento de pena, inferiores a crimes
contra o patrimônio (corroborando os argumentos de objetificação do ser
humano nos crimes de tráfico de pessoas e redução à condição análoga

26. BRASIL. Lei nº 13.344, de 06 de outubro de 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/


ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/L13344.htm>. Acesso em: 30 Jan. 2020.
27. Meta “2.D.6” do II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. MINISTÉRIO
DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. Secretaria Nacional de Justiça. II Plano nacional de
enfrentamento ao tráfico de pessoas. Secretaria Nacional de Justiça. Brasília: Ministério da Justiça,
2013. Disponível em: <https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/politica-
brasileira/anexos_ii-plano-nacional/ii-plano-nacional.pdf>. Acesso em: 30 Jan. 2020. Neste
mesmo sentido, ver SILVA, Ronaldo Alves Marinho da. MATTOS, Fernanda Carolina Alves
de. Tráfico de Pessoas: Uma análise da Lei N. 13.344/2016 à Luz dos Direitos Humanos.
Revista Direitos Humanos e Democracia. Ano 7. N° 14. Jul./Dez. 2019. Editora Unijuí, p. 187-200.
28. Apesar de a Lei n° 13.344/2016 ter sido publicada temporalmente em momento anterior à
publicação da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sua edição se deu em
grande parte em função do temor do Estado brasileiro de possível condenação no caso ora
sob análise. Dessa maneira, para fins do presente trabalho, a edição da Lei n° 13.344/2016 será
também compreendida como consequência da decisão internacional de caráter vinculante.
à escravidão29), seja em função das leituras sociais referentes ao tema,
condenatórias ao chamado Estado penal máximo e da forma expressamente
determinada naquela Lei de atendimento às vítimas30.
Na esteira da proteção aos direitos humanos por empresas, o Brasil,
sobretudo após a visita do Grupo de Trabalho sobre Empresas e Direitos
Humanos da ONU ao Brasil em 2015 e a publicação de extenso relatório
por parte daquele Grupo em 201631, buscou implementar nacionalmente
uma política voltada à temática. O processo que, inicialmente, contou
com a participação de órgãos nacionais e entidades da sociedade civil
acabou por resultar na expedição de um decreto presidencial, cujo texto
- até sua publicação desconhecido das entidades públicas e privadas então
participantes dos debates32, – reproduzia os Princípios Orientadores da
ONU sobre Empresas e Direitos Humanos. Apresentada, portanto, a
gênese do Decreto n° 9.571, de 21 de novembro de 2018, que estabeleceu
as chamadas Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos33.
Apesar de o Decreto em comento espelhar os ditames da norma
internacional de soft law que o originou, não houve interesse do Estado
brasileiro em endurecer as previsões de responsabilização das empresas no
caso de potenciais violações aos direitos humanos. Ao contrário: referida
norma, de adesão voluntária por parte das empresas interessadas (artigo 1°,
§ 2°), não trouxe qualquer mecanismo de reparação de danos causados às
vítimas de violações aos direitos humanos e ao meio ambiente praticada por
corporações atuantes em solo nacional.

29. BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Tradução Mauro Gama, Cláudia Martinelli
Gama. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 34.
30. BENITEZ, Carla. SEFERIAN, Gustavo. Tráfico de Pessoas e a Lei n° 13.344/2016: leituras
jurídico-críticas desde as referências de classe, gênero e raça. Revista do Tribunal Regional Federal
da 3ª Região. Edição Especial. Julho de 2019. São Paulo: Tribunal Regional Federal da 3 ª Região,
p. 156.
31. UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS COUNCIL. A/HRC/32/45/Add.1. Disponível
em: <https://undocs.org/A/HRC/32/45/Add.1>. Acesso em: 30 Jan 2020. Deve-se ressaltar
neste momento o fato de que o maior envolvimento do Brasil com o tema se deu sobretudo
após a tragédia ocorrida em Mariana, estado de Minas Gerais, após o rompimento da barragem
de rejeitos de minérios de Fundão, de propriedade da empresa Samarco. O acontecimento
em comento acabou por inserir novamente o Brasil no rol de Estados violadores de direitos
humanos por corporações. CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Direitos Humanos e
Empresas no Brasil: Relatório do Grupo de Trabalho da ONU. São Paulo: Conectas Direitos
Humanos, 2017.
32. Sobre os trabalhos prévios à edição do Decreto, ver HOMA – Centro de Direitos Humanos
e Empresas. Reflexões sobre o Decreto 9571/2018 que estabelece Diretrizes Nacionais sobre Empresas
e Direitos Humanos. Caderno de Pesquisa Homa. Vol. 1. N.7. 2018. Disponível em: <http://
homacdhe.com/wp-content/uploads/2019/01/Análise-do-Decreto-9571-2018.pdf>.
Acesso em: 30 Jan. 2020, p. 6-7.
33. BRASIL. Decreto n° 9.571, de 21 de novembro de 2018. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/D9571.htm>. Acesso em: 30 Jan. 2020.
Em relação ao crime de tráfico de pessoas, compreendido ao
longo deste artigo como um dos potenciais pressupostos para violações
à dignidade dos trabalhadores, o Decreto n° 9.571/2018 não fez menção
expressa à necessidade de as empresas prevenirem tal prática criminosa,
deixando, assim, de dialogar diretamente com a Lei n° 13.344/2016.
Dessa maneira, a nova norma não apenas deixou de compreender
a ligação intrínseca entre os crimes e violações aos direitos humanos
objeto do presente artigo como também não atentou para a centralidade
do sofrimento das vítimas de tráfico de pessoas e submetidas a condições
análogas à escravidão, tendo a mesma situação ocorrido com a Lei n°
13.344/2016.
Em outras palavras, não obstante ambas as regras domésticas terem
sido estabelecidas a partir da observância de documentos normativos
internacionais (Protocolo de Palermo e Princípios Orientadores da ONU
sobre Empresas e Direitos Humanos), bem como à luz de uma decisão
internacional vinculante da Corte Interamericana de Direitos Humanos e
do Relatório do Grupo de Trabalho da ONU sobre Empresas e Direitos
Humanos, suas respectivas redações não consideraram as características
intrínsecas ao Estado Brasileiro e típicas do contexto latino-americano34
que o diferenciam da redação genérica e compreensiva daquelas normas.
Assim, ainda que dados recentes provenientes do Ministério da
Economia apontem um aumento da fiscalização de empresas que contem
com práticas abusivas à dignidade de seus trabalhadores, tais como
tráfico de pessoas e redução a condições análogas à escravidão35, não é
possível, a partir apenas da análise normativa posterior à decisão da Corte
Interamericana de Direitos Humanos no Caso “Fazenda Brasil Verde v.
Brasil”, afirmar que os avanços legais serão efetivos e eficazes na repressão
e punição de empresas envolvidas com os crimes que compõem a chamada
escravidão moderna.
Conforme explicitado naquela sentença, não basta a mera abstenção
das práticas voltadas ao tráfico e exploração de indivíduos. São necessárias
medidas positivas, tais como a existência de um adequado marco jurídico
de proteção, além de políticas de prevenção e práticas que permitam aos

34. Principalmente em relação ao tema Empresas e Direitos Humanos na América Latina e


suas particularidades, ver SANTORO, Michael A. Business and Human Rights in the Latin
American political context: the enduring importance of Nation States. PAMPLONA, Danielle
Anne. FACHIN, Melina (Coord.). BOLZANI, Giulia Fontana (Org.). Direitos Humanos e
Empresas. Curitiba: Íthala, 2019, p. 250.
35. AGÊNCIA BRASIL. Brasil teve mais de mil pessoas resgatadas do trabalho escravo em 2019. Disponível
em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-01/brasil-teve-mais-
de-mil-pessoas-resgatadas-do-trabalho-escravo-em>. Acesso em: 30 Jan. 2020.
agentes nacionais atuar de maneira eficaz diante das denúncias36. Dessa
maneira, a redação das normas apresentadas deveria ter considerado a
ligação intrínseca entre a responsabilidade corporativa no combate à
escravidão moderna e seu diálogo inseparável com o crime de tráfico de
pessoas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve por objetivo analisar, no plano legislativo


doméstico, os dois principais desdobramentos verificados sobretudo após o
proferimento, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2016, de
decisão condenatória ao Estado brasileiro no Caso “Fazenda Brasil Verde v.
Brasil”. Referida decisão, pioneira no sistema adjudicatório interamericano
de proteção aos direitos humanos, contribuiu para posicionar o Brasil
sob os holofotes da sociedade internacional como Estado praticante da
chamada escravidão moderna.
Assim, uma vez definidos os contornos principais da escravidão
moderna tanto a partir da normativa internacional quanto da decisão ora
sob análise, foi possível concluir que o tráfico de pessoas e a redução dos
trabalhadores a condição análoga à escravidão são práticas complementares,
consistindo o crime tráfico de pessoas em pressuposto para o cometimento
dos crimes a ele conexos. Daí, portanto, se avaliar o tema à luz das regras
voltadas ao combate ao tráfico de pessoas e relacionadas ao tema Empresas
e Direitos Humanos.
Dessa maneira, foi feita análise crítica da Lei n° 13.344/2016, que
estabeleceu novo tipo penal para o crime de tráfico de pessoas, bem
como do Decreto n° 9.571/2018, que definiu as Diretrizes Nacionais
sobre Empresas e Direitos Humanos. Não obstante os potenciais avanços
encontrados em suas respectivas redações, provenientes sobretudo dos
tratados que lhes serviram de inspiração, resta evidente o fato de que ambos
os instrumentos foram redigidos de maneira isolada em seus contextos, não
havendo diálogo capaz de implicar em verdadeiro arcabouço normativo de
repressão à escravidão moderna no Brasil.
Apesar de a instituição da norma não constituir aspecto único no
combate aos crimes que a caracterizam, é a partir da intepretação sistêmica
de tais ditames que se consolida uma verdadeira ordem protetiva às
vítimas de tráfico de pessoas, tanto do ponto de vista judicial quanto de
estabelecimento de novos arranjos institucionais e implementação de políticas
públicas. Uma cultura protetiva dos trabalhadores submetidos à escravidão
36. Parágrafo 320 da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
moderna apenas pode ser estabelecida quando a correta eliminação de suas
conjunturas tem como pedra angular o estabelecimento de normas claras e
coesas o suficiente para garantir sua eficácia e aplicabilidade práticas.

REFERÊNCIAS

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trabalho escravo em 2019. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.
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PARTE II

TECNOLOGIA E TRÁFICO
DE PESSOAS: USO DE
DADOS E REDE DE
COMBATE AO CRIME
CAPÍTULO 7

O SPOTLIGHT NO COMBATE À
PROSTITUIÇÃO DECORRENTE
DO TRÁFICO INTERNACIONAL
DE CRIANÇAS

GIOVANA AURICCHIO CARDOSO


Graduanda em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Pesquisadora do grupo “Pessoas Invisíveis: prevenção e combate ao
tráfico interno e internacional de seres humanos”. Pesquisadora do
grupo Observatório do Poder Legislativo da Universidade Presbiteriana
Mackenzie. Pesquisadora do grupo CriADirMack: Criança e Adolescente.

GUSTAVO ACIOLI GONDIM DE ALMEIDA


Graduando em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Pesquisador do grupo “Pessoas Invisíveis: prevenção e combate ao tráfico
interno e internacional de seres humanos.

INTRODUÇÃO

O tráfico de pessoas é um dos crimes que mais cresce mundialmente.


Motivado pela ganância do lucro e pela ausência de penalidades eficientes,
a exploração de vulneráveis por sexo ou trabalho forçado operam tanto em
âmbito nacional quanto internacional, sendo só a exploração sexual capaz
de gerar cerca de 150,2 bilhões de dólares por ano1.

1. INTEGRITY, Global Financial. Transnational Crime and the Developing World. 2017. Disponível
em: https://secureservercdn.net/45.40.149.159/34n.8bd.myftpupload.com/wp-content/
uploads/2017/03/Transnational_Crime-final.pdf>. Acesso em: 20 set. 2019. LEAL, Maria
Lúcia e LEAL Maria de Fátima (Orgs.). Pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para
fins de exploração sexual comercial no Brasil. Brasília: Cecria, 2002, p. xii.
Aproximadamente 21 milhões de vítimas são traficadas em todo o
mundo, constituindo destas, no período de 2010 a 2012, 33% de crianças,
número que se apresenta cada vez mais alarmante com o passar dos anos2.
Na América do Sul, de 2.949 vítimas detectadas pelo Escritório das
Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), as crianças se apresentam
em 37%, destinadas às mais diversas finalidades, destacando-se em primeiro
lugar a exploração sexual (58%) e em seguida os trabalhos laborais forçados
(32%)3.
Tais dados apresentados podem ser constituídos sobretudo em
virtude da vulnerabilidade. Os traficantes se aproveitam principalmente
das populações mais vulneráveis, pelo uso da força, engano e coerção. Em
relação às crianças e adolescentes, a vulnerabilidade se intensifica com a
ausência da eficiência das políticas estatais perante proteção da criança e
desenvolvimento da sua educação e formação, na zona da pobreza e da
exclusão social e na mera ingenuidade capaz de fazê-las confiar no outro
mais facilmente. Assim, com esses pontos mais aparentes, as crianças se
tornam alvos cada vez mais suscetíveis à concretização do crime4.
Na tentativa de contribuição à discussão, a proposta do presente
artigo concentra-se na análise do contexto do tráfico sexual de crianças, em
especial voltado à prostituição infantil, com a finalidade de combatê-la a
partir da inteligência no desenvolvimento das tecnologias atuais, bem como
na possibilidade da adoção de tais práticas no cenário nacional, sobretudo a
partir do estudo do Spotlight.
Importante salutar que a tecnologia nacional e internacional
apresenta um constante progresso em diversos setores, com destaque
na área da medicina e aeronáutica.5 Entretanto, em relação ao combate
do tráfico sexual, em âmbito nacional, há certo antagonismo em relação
ao desenvolvimento tecnológico dos demais países do mundo como
Estados Unidos e Canadá6. Ainda que o Brasil se mostre interessado

2. Ibid., p. 21.
3. UNODC. Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas  – Perfil de País América do Sul. 2018, p. 49-
50. Disponível em: <https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_TIP/
Publicacoes/2018_GloTiP_South_America.pdf>. Acesso em 05 de dezembro de 2019.
4. LOWENKRON, Laura. Abuso sexual infantil, exploração sexual de crianças, pedofilia:
diferentes nomes, diferentes problemas?. Revista Latinoamericana: Sexualidad, Salud y Sociedad.
Nº. 5. 2010, p. 18.
5. UFES, Comunicação Corporativa da Embraer e Superintendência de Comunicação da Ufes. Ufes e
Embraer conduzem primeiro teste de aeronave autônoma no Brasil. 2019. Disponível em:
<http://www.ufes.br/conteudo/ufes-e-embraer-conduzem-primeiro-teste-de-aeronave-
autonoma-no-brasil>. Acesso em: 14 out. 2019.
6. THORN. Spotlight. We are thorn. Estados Unidos, 2019. Disponível em: <https://www.thorn.
org/spotlight/>. Acesso em: 20 set. 2019.
no desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA) e de novos métodos
tecnológicos, ainda há muito o que ser feito, em especial quando relativo ao
combate criminal.
Assim, cada capítulo demonstra uma evolução no estudo do tema.
Por primeiro, apresenta-se como propósito o panorama mundial perante
o tráfico internacional de crianças, por meio do desenvolvimento histórico
e cultural. Tal como os conceitos existentes em tratados e convenções
sobre o tráfico internacional de pessoas, a apresentação dos dados relativos
ao tráfico internacional de crianças e as vertentes existentes acerca da
exploração sexual que deram ensejo à escolha do estudo da prostituição
infantil.
Em segundo plano, será abarcado o contexto brasileiro sobre o
tráfico de crianças. Neste âmbito, importante ressaltar as diversas formas
de aliciamento e de destinos diferentes que sofrem esses menores, visto
ser o Brasil um país de grande extensão territorial, capaz de apresentar
formas distintas em cada região. Ademais, serão apresentadas as formas de
combate ao crime, tanto por parte governamental, como por Organizações
Não-Governamentais (ONGS).
Desta forma, passa-se à análise do desenvolvimento das tecnologias
ao combate do crime em exposto. Como objeto central do artigo, aprimorar-
se-á o estudo perante o Spotlight, bem como seu conceito, funcionamento e
efeitos produtivos.
Por último, necessária a comparação da tecnologia brasileira perante
o mundo. De modo mais específico, será estudado o conceito de inovação
com as leis que regulam o tema no Brasil e a análise das formas de tecnologia
e de Inteligência Artificial existentes, a fim de observar a viabilidade da
inclusão de novas tecnologias à assistência no combate ao ilícito penal.
A pesquisa será realizada a partir do método dedutivo, com análise de
fontes primárias - documentos de organizações internacionais e nacionais
- e secundárias, a saber, obras acadêmicas e jurisprudência. A concepção
crítica analítica se mostrará necessária para o viés de comparação das formas
de combate existentes no mundo, em especial, ao Spotlight, a fim de que seja
implementado em solo brasileiro.
A análise que será apresentada terá como pressuposto o impacto que
o atual modelo globalizado, voltado ao acúmulo de capital e de pessoas
que se aproveitam da vulnerabilidade das crianças dentro do sistema, pode
proporcionar ao desenvolvimento de métodos tecnológicos de combate ao
cenário existente.
1 TRÁFICO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS: POR QUE A
PROSTITUIÇÃO?

As relações de poder são consideradas disputas ou jogos estratégicos


dos quais pessoas livres se posicionam acima de outro grupo a fim de
controlar seus comportamentos e possibilitar diversos crimes, dentre eles, o
tráfico de pessoas. Tal delito esteve presente na história da humanidade, tão
logo no século XIX e teve destaque com o tráfico de escravos para colônias
de Portugal e Espanha7.
Este conceito tem origem no ano 2000, com o Protocolo de Palermo,
e apresenta no artigo 3º sua definição de forma bem abrangente como:
Tráfico de pessoas constitui-se no “recrutamento,
transporte, transferência, alojamento ou acolhimento
de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a
outras formas de coação rapto, fraude,  engano, abuso
de autoridade ou situação de vulnerabilidade ou entrega
ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o
consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre
outra para fins de exploração”, entretanto, sem conceituar
o que seria as “outras formas de coerção”,  “abuso de
poder” ou “outras formas de exploração sexual.
Mesmo sem uma definição concisa, é considerado uma das atividades
criminosas mais rentáveis do mundo, por apresentar como margem de
lucro aproximadamente 150,2 bilhões de dólares por ano, perdendo em
termos numéricos apenas do tráfico de armas e de drogas8. Tem como
objeto principal o ser humano, podendo ser tanto mulher, homem, criança,
adolescente ou até mesmo pessoa transgênero. Entretanto, todos os sujeitos
listados possuem a finalidade de serem transformados em mercadorias com
o intuito de adquirir o lucro9.
Devido à sua abrangência indiscutível, o tráfico de pessoas se
subdivide de acordo com suas finalidades: trabalhos ou serviços forçados,
servidão, remoção de órgãos e exploração sexual.10 Nesta última, é

7. PEDRO, Joana Maria; VENSON, Anamaria Marcon. Tráfico de pessoas: uma história do
conceito. Revista brasileira de história. v.33, nº65. São Paulo, 2013, p. 62.
8. INTEGRITY, Global Financial. Transnational Crime and the Developing World. 2017. Disponível
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Lúcia e LEAL Maria de Fátima (Orgs.). Pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para
fins de exploração sexual comercial no Brasil. Brasília: Cecria, 2002, p. xii.
9. BORGES, Paulo César Corrêa. Tráfico de pessoas: exploração sexual versus trabalho escravo. Tráfico de
pessoas para exploração sexual: prostituição e trabalho sexual escravo. Editora Cultura Acadêmica. São
Paulo. 2013, p. 17.
10. PEDRO, Joana Maria; VENSON, Anamaria Marcon. Tráfico de pessoas: uma história do
conceito. Revista brasileira de história. v.33, nº65. São Paulo, 2013, p. 75.
identificável quando há uma relação de abuso e mercantilização do corpo
alheio com o intuito de adquirir serviços sexuais. Dela correlacionam-se o
turismo sexual, a prostituição, a pornografia e o casamento forçado.11
A doutrina se diverge em referência ao conceito de consentimento,
ressaltando os pesquisadores Mirabete e Fabbrini, que abordam a prostituição
como uma forma consentida de exploração sexual. Com ênfase de que a
prostituição e a exploração sexual não se confundem, mas possuem uma
relação uma vez que a prostituição é o exercício habitual do comércio e para
exercê-la, há a cessão de seu corpo. 
Entretanto, o conceito mais utilizado no mundo ainda é o associado
ao Protocolo de Palermo, que, independente de consentimento, o tráfico
sexual com fins de prostituição, ainda configura o ilícito penal. Pois, ainda
que a mulher tenha consentimento que terá como fim a prostituição, não
tem noção das condições degradantes que lhe esperam.
Assim, doutrinariamente, a prostituição é compreendida como uma
espécie de exploração econômica, escravidão ou simplesmente de obtenção
de prazer e satisfação de desejos sexuais visado à preservação do sistema
patriarcal e machista, do qual o homem acredita ter algum poder sobre o
corpo de outrem12.
Por ser considerada como a “profissão mais antiga do Mundo”, a
discussão sobre a prostituição já esteve a cargo de diversas correntes distintas
como estratégias de controle13. A primeira, definida como “proibicionismo”
proibia a prática, independente de sexo ou idade. Em seguida, a corrente
que surgiu foi pelo “sistema de regulamentação”, que visa em princípio
proteger a saúde social, tornando-a tolerável. Por último, existe atualmente,
o “abolicionismo”, da qual procura estruturar tal ato como liberdade de
expressão sexual14.

11. TERESI, Verônica Maria. HEALY, Claire. Guia de Referência para enfrentamento ao tráfico de pessoas
no Brasil. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. 2012. p. 58. Brasília. Disponível
em:<https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/anexos/
cartilhaguiareferencia.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2019.
12. SAFFIOTI, Heleieth. Exploração sexual de crianças. In: Azevedo MA, Guerra VN de A. Crianças
vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. São Paulo. 1989, p. 45-95.
13. RIBEIRO, Fernando Bessa; SÁ, José Manuel de Oliveira. Interrogando a prostituição: uma crítica
radical aos discursos hegemônicos. In. Atas do V Congresso Português de Sociologia: Sociedades
Contemporâneas - Reflexividade e Ação. Associação Portuguesa de Sociologia. Lisboa, 2004.
p. 12.
14. CARVALHO, Érika Mendes de; Gisele Mendes de. direito penal, paternalismo jurídico e tráfico de pessoas
para fim de prostituição ou outra forma de exploração sexual. BORGES, Paulo César Corrêa. Tráfico
de pessoas: exploração sexual versus trabalho escravo. Tráfico de pessoas para exploração
sexual: prostituição e trabalho sexual escravo. Editora Cultura Acadêmica. São Paulo. 2013, p.
73-74.
Ademais, leis e acordos internacionais foram criados com a finalidade
de uma cooperação entre Estados para o combate deste crime. O primeiro
tratado de combate ao tráfico sexual de pessoas constituiu-se no ano de
1904 (White Slave Traffic) com o intuito de impor aos governos a proteção de
“objetivos imorais” tanto de mulheres como de crianças no estrangeiro15.
Posteriormente, demais institutos foram criados como a Convenção de
Paris em 1910, Convenções de Genebra de 1921 e 1933, a Convenção
Internacional para a Repressão ao Tráfico de Mulheres Maiores de 1947 e
a Convenção e Protocolo Final para a Repressão do Tráfico de Pessoas.16
Dentro dessa rede sexual, também há a visão de como uma forma de
sobrevivência - muitas vezes por ser a única forma de sustento da família-
e obtenção de lucro perante as desigualdades sociais existentes, quanto
forma de manutenção do tráfico de pessoas17. Neste último, extremamente
conectado ao sistema capitalista, é alvo de mulheres, homens e crianças,
presente nas ruas, bares, praças públicas, boates, postos de gasolina,
estacionamentos, casas especializadas ou simplesmente onde existir público
que consuma tal ato18.
Neste âmbito, a preservação do sistema patriarcal muito contribui
para a manutenção do tráfico, pelo fato dos homens acreditarem possuir
um poder superior perante os demais seres da família, cria-se uma corrente
entre os próprios traficantes, donos dos prostíbulos e até mesmo policiais,
de modo a dificultar alguma forma de denunciação à situação presente19.
Estima-se que, em 2005, o tráfico de pessoas fez cerca de 2.4
milhões de vítimas no globo, com aproximadamente 43% destinadas ao
tráfico sexual.20 Conquanto existam ínfimos e divergentes dados referentes
a categoria, identificou-se dentre as vítimas mais de 1.2 milhões como
crianças e adolescentes, com 14.000 casos de desaparecidos apenas na

15. PEDRO, Joana Maria; VENSON, Anamaria Marcon. Tráfico de pessoas: uma história do
conceito. Revista brasileira de história. v.33, nº65. São Paulo, 2013, p. 64.
16. CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Tráfico de
Pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo. Ministério da Justiça. Brasília, 2007, p. 07-
08.
17. DIMENSTEIN, Gilberto. Meninas da Noite - A prostituição de meninas-escravas no Brasil. Editora
Ática. São Paulo, 1992, p. 31.
18. CECCARELLI, Paulo Roberto. Prostituição - Corpo como mercadoria. In mente & cérebro -
Sexo. v.4 (edição especial). dez. 2008, p. 06.
19. GOMES, Romeu; MINAYO, Maria Cecília de Souza; FONTOURA, Helena Amaral da. A
prostituição infantil sob a ótica da sociedade e da saúde. Revista de Saúde Pública, [s.l.], v. 33, n.
2, p.171-179, abr. 1999, p. 175.
20. BASTOS, Márcio Thomaz. Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Exposição de
motivos. 2007. Ministério da Justiça. Brasília, Brasil, p. 57.
América Latina,21 sendo dentro da forma de exploração sexual mundial
83% mulheres, 72%  garotas, 10% homens e 27% garotos22.
No mais, uma criança traficada consiste, de acordo com o Programa
Crianças Separadas na Europa (SCEP), como:
“Qualquer pessoa menor de 18 anos que seja recrutada,
transportada, transferida, mantida sob guarda ou recebida
com o propósito de exploração, seja dentro ou fora de
um país, ainda que nenhum elemento de coerção, engano,
abuso de autoridade ou qualquer outra forma de abuso seja
usada”. 23
Algumas garotas, devido à cultura imposta, ainda apresentam
enraizada a necessidade do casamento com um homem para poder ter uma
vida digna. Por essa razão, muitas meninas, principalmente, se apaixonam
por rapazes que pagam seus “programas” que as garantem tirá-las dessa
situação, entretanto, nem sempre as promessas são cumpridas24.
Logo, a criança demonstra dupla vulnerabilidade perante o sistema
ora apresentado. Primeiro, quando exposta às desigualdades, injustiça,
negligência, violência doméstica, abuso sexual intrafamiliar, miserabilidade,
crescimento da indústria do sexo, ciclo de convivência, falta de estudos e
contravenções penais.25 Também junto à globalização por meio das formas
de privatização que levam a concorrência, o distanciamento do Estado, a
ausência de leis eficazes, a segurança social, e principalmente a predominância
do mercado com o incentivo ao consumo e ao sistema capitalista.26 Por fim,
possui um maior desamparo por estar na condição de criança e invisível
perante os direitos sociais, tanto na ausência de poder em sua voz quanto
na inércia do Estado e da família à manutenção de seus direitos27.
21. CUBER Simone; GÓES, Guilherme Sandoval; PAIVA, Lívia. O desaparecimento forçado de meninas
no Rio de Janeiro: Desafios do sistema de justiça. NUPEGERE. Rio de Janeiro, 2019. p. 21.
22. UNODC. Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas - Perfil de País América do Sul. 2018. p. 28. Disponível
em: <https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_TIP/Publicacoes/2018_
GloTiP_South_America.pdf>. Acesso em 05 de dezembro de 2019.
23. TERESI, Verônica Maria. HEALY, Claire. Guia de Referência para enfrentamento ao tráfico de
pessoas no Brasil. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. 2012. Brasília. Disponível
em: <https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/anexos/
cartilhaguiareferencia.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2019, p. 25.
24. DIMENSTEIN, Gilberto. Meninas da Noite - A prostituição de meninas-escravas no Brasil. Editora
Ática. São Paulo, 1992, p. 138-139.
25. LOWENKRON, Laura. Abuso sexual infantil, exploração sexual de crianças, pedofilia:
diferentes nomes, diferentes problemas?. Revista Latinoamericana: Sexualidad, Salud y Sociedad. nº.
5. 2010. p. 07.
26. BARROS, Marco Antonio de. Tráfico de Pessoas para Fim de Exploração Sexual e Adoção Internacional
Fraudulenta. Universidade Presbiteriana Mackenzie. 2010. São Paulo. Disponível em: <http://
www.institutoelo.org.br/site/files/publications/e952d35650c7015da6816b8dae3041f1.pdf>.
Acesso em: 20 set. 2019, p. 03-04.
27. MARCHI, Rita de Cássia. Pesquisa Etnográfica com crianças: participação, voz e ética. Rev.
Assim, quanto mais suscetível a criança se apresenta, mais brandas
serão as formas de aliciamento presentes. Dentre elas são comuns os raptos
em supermercados ou shoppings, a venda dos filhos com a promessa da
melhoria de vida, as promessas de empregos em especial relativos a modelos
ou jogadores de futebol, as idealizações de casamentos às adolescentes,
mudança de sexualidade e principalmente, nas comunidades mais pobres a
indicação dos próprios familiares para o sustento da casa28.

2 CENÁRIO BRASILEIRO DA PROSTITUIÇÃO INFANTIL


DECORRENTE DO TRÁFICO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS

O Brasil não se encontra em um cenário tão diverso quanto o restante


do planeta quanto ao tráfico de crianças. Quando está na origem do crime,
destacam-se as mais variadas formas de aliciamento como a pobreza,
ausência de políticas públicas e violência urbana. No entanto, quando
proporcionado como país de destino, as crianças e adolescentes são alvos
para a utilização como soldados em guerrilhas, tráfico de drogas, tráfico de
órgãos e até mesmo adoção ilegal29.
Mesmo com o Brasil sendo signatário do Protocolo de Palermo desde
2004 e buscando meios de prevenção e combate a esse crime, necessita-se
salientar que é um país de grandes proporções territoriais, com cada região
responsável por uma espécie predominante de tráfico de pessoas. Na região
Norte, por exemplo, há um predomínio de tráfico para trabalho escravo
na região dos garimpos, enquanto no Nordeste o trabalho doméstico e
a promessa de casamento com estrangeiros prevalecem. No Sudeste, as
cidades apresentam-se mais como as receptoras do tráfico. Por fim, no
Centro-Oeste o tráfico é utilizado para servir sexualmente o mercado
internacional30.
Mesmo com um longo caminho a percorrer, o Brasil apresentou sinais
de evolução em relação ao tema. Estudos realizados pelo jornalista Gilberto
Dimenstein, próximo aos anos 1990, em regiões do Norte, Nordeste e
Centro-Oeste brasileiros contextualizam o cenário a ser passado31.
Educação & realidade. v. 43. nº.2. Porto Alegre. abr./jun. 2018, p. 729.
28. DIMENSTEIN, op. cit. passim.
29. LEAL, Maria Lúcia e LEAL Maria de Fátima (Orgs.). Pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças e
adolescentes para fins de exploração sexual comercial no Brasil. Brasília: Cecria, 2002.
30. Ibid., p. 76-85.
31. Em Laranjal do Jari, no Amapá, a lenda do boto era comumente conhecida sendo capaz
de aterrorizar jovens garotas e acalmar a ira paterna de diversas famílias. No entanto, sabe-
se que o querido boto não é o responsável por essa história. Local de poucos habitantes
e forte corrupção política, famosas eram as casas de prostituição. Nelas, diversas meninas
eram rotineiramente violentadas e estupradas em troca de dinheiro para manutenção de suas
A ingenuidade das crianças e adolescentes pela ausência de estudos
e recursos facilita uma boa parte da ação dos criminosos, que as prometem
formas de lazer que nunca tiveram acesso na vida. Ademais, muitas que já
estão inseridas na vida da prostituição, também se iludem por companheiros
fixos que as prometem tirar da vida, quando na realidade, pode ser só mais
um facilitador da entrada ao tráfico sexual32.
Em São Paulo, uma das mais importantes metrópoles, no século
XIX, a prostituição já estava presente, tanto no nível de mulheres e homens
adultos, como no que concerne às crianças. Na região do Brás, próximo
as chamadas “Hospedaria dos Imigrantes” cafetões aliciavam jovens
inexperientes e recém-chegadas para a venda de seu corpo33.
Nas casas de prostituição em si, o funcionamento se dava mediante
lei, devendo haver fiscalização, fixação local afastado de escolas ou fábricas,
pagamento de taxas municipais e tratamento das mulheres. Caso menores
fossem encontrados nesses lugares, eram encaminhadas para o “Asilo
Bom Pastor” ou para a “seção de regeneração”. Com o passar dos anos,
esses estabelecimentos especializados estavam extremamente lotados e a
repressão a prostituição se tornava cada vez mais difícil, mesmo com a
criação do Juizado de Menores, do qual visava a assistência e proteção à
essas crianças34.
De acordo com a Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças
e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil
(PESTRAF), as meninas costumam tomar o lugar de preferência no
mercado sexual. As principais características apresentadas são de meninas
negras ou mulatas, com idades de 15 a 25 anos, sendo as menores de idade
mais condizentes com o tráfico interno visto a dificuldade na retirada de
crianças do país. Mesmo assim, ainda, não se pode realizar com exatidão um
perfil de meninas e mulheres, nem mesmo um número de vítimas, uma vez
que os dados são extremamente variáveis. Além do que, muitas das vítimas

famílias, com a esperança de ganharem o seu “passe”, espécie de carta de alforria, para aquela
situação tão deplorável (DIMENSTEIN, 1992, p. 38).
Outro tipo de violência apresentada, mas em Manaus, capital do Amazonas, eram os abusos
sexuais em família. Aproximadamente 95% das meninas apresentadas no estudo são de famílias
desestruturadas. De rigor, 80% não possuem contato com o pai, 30% os pais já faleceram, 35%
alegam já terem sofrido abuso dentro de casa e 50% condenam a bebida como o problema da
família. Além do mais, o padrasto ocupa o terceiro lugar em tentativas de estupro e o cunhado
em primeiro (DIMENSTEIN, 1992, p. 66-71).
32. Ibid., p. 108.
33. FONSECA, Guido. História da prostituição em São Paulo. Editora Resenha Universitária. São
Paulo. 1982, p. 135.
34. Ibid., p. 67 e 165-166.
têm receio de denunciar, tanto pelos estigmas sociais impostos quanto por
medo do que lhes podem acontecer. 
A coisificação da pessoa nesses casos possui um agravante, pois, as
meninas se tornam dependentes financeiramente dos cafetões de modo
a gerar um quadro cíclico. O princípio da violência fica na cobrança
pelos serviços sexuais para saldar as dívidas, no abuso da situação de
vulnerabilidade, violência, no cárcere privado, retenção de documentos e os
gastos com o deslocamento35.
Conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, nos
últimos 10 anos registrou-se uma média de 8 desaparecimentos por hora,
com registro de 693.076 boletins de ocorrência por desaparecimento. Tal
desaparecimento, bem como já alegado, possui “relação” com um longo
processo de exclusão capitalista, do qual descarta-se aqueles que não são
capazes de produzir ou consumir em quantidades suficientes à satisfação
do lucro. Além do que, as vulnerabilidades econômicas muito contribuem
dentro desses acontecimentos sociais36.
Ademais, segundo o UNODC, em 2014 obteve-se uma incidência de
28 de 44 crianças traficadas com propósitos sexuais, aumentando em 2015
para 50 meninas de 101 casos e em 2016 para 42 meninas de 75 casos37.
Com o intuito de dirimir os números apresentados anualmente,
o Governo brasileiro apresentou mudanças nas legislações, bem como
ratificações a tratados internacionais. Por primeiro, de maior importância
no âmbito nacional, se trata da própria regulamentação da lei penal. O
artigo 232-A regulamenta penas àqueles que promoverem a entrada
ilegal de estrangeiro no território nacional ou de pessoa brasileira em país
estrangeiro, com o intuito de obter vantagem econômica. Ademais, a Lei
nº 13.344/2016 dispõe sobre o combate e repressão ao tráfico interno e
internacional de pessoas com o intuito de apreender os criminosos, proteger
as vítimas e disponibilizar campanhas a fim de enfrentar o assunto.
Ao contrário do senso comum, não há ato ilícito para o adulto que
se prostitui. A prostituição é reconhecida na Classificação Brasileira das
Ocupações, por portaria do Ministério do Trabalho e do Emprego, inexiste
uma lei que regulamente a profissão. O que está regulamentado no Código

35. DIMENSTEIN, op. cit., p. 114-115.


36. FÓRUM DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário brasileiro de segurança pública. 2019. Disponível
em: <http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anuario-2019-
FINAL_21.10.19.pdf>. Acesso em 05 de dezembro de 2019, p. 69.
37. UNODC. Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas - Perfil de País América do Sul. 2018. p. 28. Disponível
em: <https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_TIP/Publicacoes/2018_
GloTiP_South_America.pdf>. Acesso em 05 de dezembro de 2019. 10-11
Penal consiste apenas no favorecimento da utilização do corpo em troca de
lucratividade.
O artigo 228 do Código Penal dispõe sobre o favorecimento da
prostituição ou qualquer outra forma de exploração sexual com pena de
2 a 5 anos e multa, com possíveis formas qualificadoras quando se tratar
de agentes específicos como ascendentes, enteados, cônjuges ou curadores.
Apenas em 2009 foi incluído o artigo 218-B, do qual inclui a criança ou
adolescente, com aumento de 4 a 10 anos de reclusão, a fim de combater a
prostituição infantil, em especial ao se constatar que determinadas regiões
do norte passavam a ser consideradas paraísos para o turismo sexual38.
Ainda no mesmo diploma legal, aquele que mantiver estabelecimento
em que ocorra a exploração sexual ou para quem apenas obter proveito
da prostituição alheia participando de lucros, também são passíveis de
cometer crime. Desta forma, estabeleceu-se uma proteção maior ao menor
de idade com a condenação do agenciador, mediador, proprietário do
estabelecimento e até mesmo do próprio cliente39.
Ademais, apesar de não ser exatamente o tema tratado, a migração
possui drásticas influências, visto que permite a entrada ou saída de migrantes
no país, também podem auxiliar na trajetória das vítimas do tráfico. Por esse
motivo, em 2017 foi instituída a lei de migração (Lei nº 13.445/2017) que
dispõe sobre os direitos e deveres do migrante, bem como a regulamentação
da chegada ao país, a regulamentação dos documentos, de suas condições, a
viabilização da proteção desse ser e as vedações ou medidas de cooperação
que podem ser aplicadas ao caso.
Em relação às crianças e adolescentes, são codificados seus direitos
pessoais e sociais principalmente por meio da Constituição Federal, nos
artigos, 203, inciso II, 208, inciso IV e todo o capítulo VII deste código. O
principal dispositivo brasileiro assegura o dever do Estado com a educação,
desde a pré-escola e educação infantil até o ensino médio e o dever de ser
assegurar para esses indivíduos o direito à vida, saúde, dignidade e respeito.
Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei
nº 8.069/1990) apresenta-se como segundo maior regulador da proteção
integral da criança e do adolescente, sobretudo nos direitos de vida,
saúde, liberdade, respeito, dignidade, convivência familiar e comunitária,
a guarda ou tutela, educação, cultura, esporte, lazer, profissionalização e
38. BORGES, Paulo César Corrêa. Tráfico de pessoas: exploração sexual versus trabalho escravo. Tráfico de
pessoas para exploração sexual: prostituição e trabalho sexual escravo. Editora Cultura Acadêmica. São
Paulo. 2013, p. 30-36.
39. BORGES, Paulo César Corrêa. Tráfico de pessoas: exploração sexual versus trabalho escravo. Tráfico de
pessoas para exploração sexual: prostituição e trabalho sexual escravo. Editora Cultura Acadêmica. São
Paulo. 2013, p. 31.
proteção ao trabalho e das práticas de atos infracionais, visto que menores
de 18 (dezoito) anos não cometem crimes. Neste aspecto, a norma surgiu
para regularizar a “situação irregular” destes indivíduos, anteriormente
considerados “menor”, à substituição de novos termos como “proteção
integral” e “o melhor interesse da criança”, fatos plausíveis a transformação
das crianças em sujeitos de direito.
O Governo Federal também criou, junto à Secretaria Nacional de
Justiça do Ministério da Justiça, a Secretaria de Direitos Humanos (SDH)
e a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), a Política Nacional
de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, por do Decreto nº 5.948, de
26 de outubro de 2006. Considera-se o mais importante instrumento
habilitado a carregar diretrizes, regulamentação da prevenção, repressão e a
responsabilização do crime.
No plano internacional, há um projeto conjunto entre o Ministério
da Justiça e o UNODC com o Programa de Combate ao Tráfico de Seres
Humanos, a ratificação do Protocolo Contra o Tráfico de Pessoas em
2004, o alinhamento a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da
Criança em 1998, o Protocolo Facultativo da Convenção sobre os Direitos
da Criança sobre a Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia
Infantil (1999) e a Convenção Interamericana sobre o Tráfico Internacional
de Menores (1994).
Bem como já supracitado por Dimenstein, devido às dificuldades
encontradas, as garotas veem em seus clientes uma forma de saída desse
mundo para ter uma família, contudo muitas delas se frustram por não
terem as promessas realizadas. Assim, o psicológico é outro ponto a se
abordar, visto que os abusos e os traumas se perpetuarão pela vida da
pessoa. A necessidade desse acompanhamento pós-traumático é dever do
Estado Brasileiro, conforme dispõe o artigo 39 da convenção dos Direitos
da Criança da ONU, no qual o Brasil é signatário:
Os Estados Partes devem adotar todas as medidas
apropriadas para promover a recuperação física e psicológica
e a reintegração social de todas as crianças vítimas de:
qualquer forma de negligência, exploração ou abuso;
tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos
ou degradantes; ou conflitos armados. A recuperação e a
reintegração devem ocorrer em ambiente que estimule a
saúde, o respeito próprio e a dignidade da criança.
Outrossim, junto aos órgãos não governamentais, foram
implementados alguns programas de combate ao tráfico internacional de
crianças. O programa de Assistência a Crianças e Adolescentes vítimas de
tráfico para fins de exploração sexual, criado desde outubro de 2006 tem o
intuito de propagar eficiência ao atendimento social psicológico e jurídico
às crianças vítimas de tráfico, com o mero intuito de ressocializar a criança
e retorná-la a uma possível convivência familiar e atividades produtivas40.
Por sua vez, o Serviço de Prevenção ao Tráfico de Mulheres e Meninas
(SMM), criado em 1991, possui a finalidade de combater a exploração sexual
comercial de mulheres, crianças e adolescentes por meio da promoção da
justiça social. Junto a Pastoral da Mulher Marginalizada, localizada em
Caxias do Sul, RS, essa entidade iniciou uma parceria de prevenção ao crime
direcionado a grupos de estudantes a fim de instruir e fortalecer sobre os
riscos do tráfico sexual e apresentar o senso crítico perante a realidade
disposta41.
Foi criado também o projeto “Itineris: Proteção dos direitos dos
migrantes contra a exploração, do Brasil para Estados-Membros da União
Europeia”, responsável pelo fortalecimento institucional ao tráfico de
pessoas. O objetivo principal da pesquisa consistia em levantar informações
sobre os Núcleos e Postos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, bem
como suas necessidades e as recomendações das equipes responsáveis pelas
atividades dos locais de atendimento a vítimas. Ao todo, constituiu-se de
onze núcleos de enfrentamento, postos de atendimento e organizações
governamentais e não governamentais. Neste projeto estudou-se as
debilidades ao enfrentar o tema, que serão abordadas com mais detalhes no
próximo capítulo42.
Apesar de toda legislação vigente e todos os programas criados com
o intuito de prevenir e combater o tráfico sexual de crianças, nenhuma
das medidas apresentadas são totalmente eficazes, visto que a inércia no
modo de atuação dos governos existe de forma exponencial. Assim, outras
medidas concretas de outros Estados devem ser estudadas para possíveis
implementos no país, sobretudo em relação ao uso da tecnologia no combate
ao tráfico de crianças e adolescentes para fins de exploração sexual, como
veremos a seguir.

40. BRASIL; UNODC. Prevenção ao tráfico de pessoas com jovens e adolescentes. Disponível em: <https://
www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/anexos-pesquisas/
prevencaotpja.pdf>. Acesso em 05 de dezembro de 2019, p. 05-06.
41. BRASIL; UNODC. Prevenção ao tráfico de pessoas com jovens e adolescentes. Disponível em: <https://
www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/anexos-pesquisas/
prevencaotpja.pdf>. Acesso em 05 de dezembro de 2019.
42. BRASIL. Guia de Formação de Formadores para a Rede de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil
/ Raul Araujo; Secretaria Nacional de Justiça – 1a ed. Brasília : Ministério da Justiça, 2013. p.
08.
3 A UTILIZAÇÃO DA TECNOLOGIA NO COMBATE AO TRÁFICO
DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES: ANÁLISE DO SPOTLIGHT

O tráfico sexual de crianças tem sido objeto primordial nos discursos


políticos tanto em âmbito nacional quanto internacional na tentativa de
combater o tráfico e na manutenção dos direitos humanos, bem como o
direito de liberdade43. Contudo, a elaboração de política criminal depende
do interesse do Estado no combate as organizações criminosas como um
todo.
Ademais, existem determinados indicadores passíveis de identificar
o tráfico de crianças, como o não acesso aos pais ou tutores, aparência
intimidadora com atitudes habituais, comportamentos atípicos para sua
idade, a inexistência de acesso à educação ou para o lazer, a separação com
outras crianças e má alimentação44.
Assim, o que merece maior destaque no momento, é o combate a
esses seres mais vulneráveis. Atualmente os métodos de combate existentes
para esse crime organizado partem basicamente do trabalho em rede, com
a “cooperação internacional, regional e até multilateral, e ainda por meio da
cooperação, técnica policial, tecnológica, econômica e de mecanismos de
comunicação”45.
A tecnologia já está enraizada no cotidiano das pessoas. O rápido
avanço que ela proporciona é de suma importância em vários setores,
inclusive no combate ao tráfico de pessoas. Mesmo com o avanço tecnológico
e com a difusão de informações o crime só aumenta, ainda mais no que
concerne às crianças, das quais são alvos ainda mais procurados devido a
sua vulnerabilidade na Internet. Assim, a tecnologia muito tem sido utilizada
em detrimento das vítimas de tráfico de pessoas, posto que atualmente é o
meio mais eficaz de contato e recrutamento, principalmente com o estímulo
das redes sociais, dos quais podem desde conversar anonimamente com as
vítimas até mesmo aliciar pelas postagens de serviços diversos46.

43. BRAGA, Ana Gabriela Mendes. A vítima-vilã: A constrição da prostituta e seus reflexos
na política criminal. Tráfico de pessoas para exploração sexual: prostituição e trabalho sexual escravo.
BORGES, Paulo César Corrêa. Tráfico de pessoas: exploração sexual versus trabalho escravo.
Tráfico de pessoas para exploração sexual: prostituição e trabalho sexual escravo. Editora
Cultura Acadêmica. São Paulo. 2013. p.228.
44. TERESI, Verônica Maria. HEALY, Claire. Guia de Referência para enfrentamento ao tráfico de
pessoas no Brasil. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. 2012. Brasília. Disponível
em: <https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/anexos/
cartilhaguiareferencia.pdf>. Acesso em: 21 Ago. 2019.
45. TERESI, op. cit., p.44
46. SHADDIX, Rebecca Sadwick. 7 Ways Technology is Fighting Human Trafficking. Forbes. 2016.
Disponível em:  <https://www.forbes.com> Acesso em: 27 Ago. 2019.
Entretanto, apesar de ser utilizado com finalidades negativas, os
avanços tecnológicos e a ciência em si têm se mostrado como uma ferramenta
facilitadora no combate por agentes públicos responsáveis pelo caso, tanto
no monitoramento das atividades ilícitas, localização do resgate das vítimas,
coleta de dados ou até mesmo na comunicação com os traficantes47.
Os principais meios utilizados são: O programa Memex da Agência
de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA), o Centro Nacional
de Recursos de Tráfico Humano (NHTRC), o PhotoDNA da Microsoft, a
CyberTipline e o Spotlight. Este último, como se verá adiante, é um software
de IA desenvolvido pela ONG Thorn com o objetivo de identificar e
diminuir o tempo de investigação do crime de tráfico.48
A fundação Thorn, inicialmente conhecida como DNA, foi fundada
em 2009 pelo então casal de atores Ashton Kutcher e Demi Moore que
tinham como foco o combate no tráfico de crianças nos EUA e Canadá 49.
De início, os fundadores perceberam que o crime não era tão simples quanto
parecia, uma vez que não se apresentava apenas em um país específico, mas
sim no mundo inteiro. Com a ajuda da atual CEO Julie Cordua, descobriu-
se que a tecnologia possuía um papel de grande influência tanto na extensão
do crime como em sua solução. A partir de então, investiram em possíveis
inovações tecnológicas a fim de cessar com o tráfico de crianças50.
Inicialmente a Thorn criou um protótipo para auxiliar na identificação
das crianças vítimas do tráfico sexual e fornecimento de forma gratuita
à polícia, o que possibilitou o desenvolvimento de outras tecnologias e
o aprofundamento de conhecimentos técnicos sobre o assunto a fim de
adquirir melhores soluções aos casos51.
Decerto que este recurso surgiu para simplificar o processo e
auxiliar na busca das vítimas, com a utilização de três princípios básicos:
acelerar a identificação da vítima, trabalhar sob uma plataforma em equipe
e empoderar o público, uma vez que os agentes não possuem o tempo
necessário para navegar neste mercado tão vasto52.

47. Ibid.
48. SHADDIX, Rebecca Sadwick. 7 Ways Technology is Fighting Human Trafficking. Forbes. 2016.
Disponível em: <https://www.forbes.com/sites/rebeccasadwick/2016/01/11/tech-fighting-
human-trafficking/#10b8207c6cac> Acesso em: 27/08/2019.
49. THORN. Spotlight. We are thorn. Estados Unidos, 2019. Disponível em: <https://www.thorn.
org/spotlight/>. Acesso em: 20 set. 2019.
50. THORN.
51. THORN.
52. THORN. Spotlight. We can eliminate sexual abuse from internet. Estados Unidos, 2019. Disponível
em: <https://www.thorn.org/spotlight/>. Acesso em: 20 set. 2019.
Atualmente, contam com parceiros na ajuda da identificação com
o software de IA e patrocinadores como: Google.org, Microsft, AWS,
Facebook, Twitter entre outras organizações que são líderes do mercado
na área de tecnologia e ao mesmo tempo sites estratégicos que as pessoas
utilizam no cotidiano. Além do que, no setor público contam com a ajuda
de 8.345 policiais nos 50 estados americanos, e no Canadá. Ademais, há
parceria com 70 organizações sem fins lucrativos, contabilizando mais de
350 membros da comunidade tecnológica para auxiliar na missão e mais de
2.000 doadores investindo na causa53.
Outrossim, estão presentes em seu site propostas de doações e a
possibilidade de serem feitas denúncias por chat online, mensagens de texto
ou ligação, sendo as denúncias são tanto de relatos vistos, como das próprias
vítimas que buscam ajuda54.
Com todo aporte financeiro e estratégico, o Spotlight apresenta como
principal objetivo a busca por crianças desaparecidas pelo tráfico sexual,
por meio do aumento na eficiência e eficácia das investigações a fim de
majorar o número de pessoas e crianças identificadas e conectadas com
recursos de ajuda55.
A atuação da plataforma também se dá na proteção de plataformas
vulneráveis ao conteúdo e aos comportamentos abusivos. Com o guia de
boas práticas fornecido pela ONG, há um cadastro para o fornecimento
das melhores práticas e concretização dos passos das empresas no auxílio à
proteção da criança em suas plataformas. Outro auxílio também consiste no
aumento da velocidade para identificação e remoção de conteúdos acerca
do tráfico infantil56.
Esses recursos são capazes de identificar vítimas do tráfico sexual de
crianças ou apenas resgatá-las por meio de abusos registrados. Os temas
que abrangem a plataforma consistem no material de abuso infantil, sendo
este basicamente o termo mais completo a fazer referência sobre atividades
sexuais que envolvem uma criança como a divulgação de vídeos e imagens,
transmissão ao vivo (incluído neste tópico a prostituição da criança), a
extorsão (ameaça na divulgação de imagens que foram tiradas sem seu
consentimento) e o tráfico doméstico menor (exploração sexual e abuso

53. THORN. Spotlight. Our Strategy to Eliminate CSAM From the internet. Estados Unidos, 2019.
Disponível em: <https://www.thorn.org/spotlight/>. Acesso em: 20 set. 2019.
54. THORN. Spotlight. Sextortion is an emerging from online abuse. Estados Unidos, 2019. Disponível
em: <https://www.thorn.org/spotlight/>. Acesso em: 20 set. 2019.
55. THORN. Spotlight. Getting the best advantage into the rights hands. Estados Unidos, 2019.
Disponível em: <https://www.thorn.org/spotlight/>. Acesso em: 20 set. 2019.
56. THORN. Spotlight. Child pornography is sexual abuse material. Estados Unidos, 2019. Disponível
em: <https://www.thorn.org/spotlight/>. Acesso em: 20 set. 2019.
nas fronteiras dos estados, tipicamente conhecido como tráfico sexual). Em
síntese, utilizam a frase a seguir como pioneira de seu site:
Toda nova plataforma e nova tecnologia poderia permitir
um agressor. Também pode ser a nossa melhor arma
contra eles. Dedicamo-nos a acabar com o tráfico sexual
de crianças e a exploração sexual de crianças. E não vamos
parar até que toda criança possa ser apenas uma criança.57 
Contudo, tal sistema vai muito além de uma frase de impacto nas redes
sociais. O Spotlight já pôde identificar cerca de 10.496 traficantes e 37.741
vítimas, sendo 9.380 crianças. Em média, a utilização desta ferramenta
auxilia na identificação de mais de 8 crianças por dia com 63% de economia
de tempo nos processos judiciais ou investigações criminais58.
Relata-se que, nos últimos dez anos, de cada quatro vítimas menores
de idade, três afirmaram já terem sido anunciadas online em algum momento
do tráfico e mais de 44 milhões de imagens e vídeos suspeitos de abuso
sexual de crianças já foram reportados para o National Center for Missing
and Exploited Children em 201859.
No mais, com o número crescente de fake news, propagação de
mentiras pela internet e a facilidade de alterar idade – em que quase sempre
as crianças são anunciadas como se fossem maiores de 18 anos -, nomes
e esconder rostos em fotos, dificulta a ação das autoridades competentes.
Entretanto, com o Spotlight, há um auxílio aos agentes do Estado norte-
americano para uma melhor compreensão do histórico familiar e do
ambiente do qual elas vivem, além do que, o software é essencial para o
combate e prevenção do crime60.
Segundo o relatório de impacto de 2016 daquela organização, 2.020
crianças foram identificadas na condição de abuso sexual. Em 2017, esse
número cresceu para 5.894 crianças identificadas e 103 resgatadas, além
da visualização de mais de 2,6 milhões de pessoas com 140.000 casos que
esses indivíduos procuram por ajuda. Por fim, o último relatório de 2018
constatou mais de 9.000 policiais usando a plataforma diariamente, com

57. Every new platform and new technology could enable an abuser. It can also be our best weapon
against them. We are dedicated to ending child sex trafficking and the sexual exploitation of
children. And we won’t stop until every child, can just be a kid.
58. THORN. Spotlight. Spotlight helps find kids faster. Estados Unidos, 2019. Disponível em:
<https://www.thorn.org/spotlight/>. Acesso em: 20 set. 2019.
59. THORN. Spotlight. Child pornography is sexual abuse material. Estados Unidos, 2019. Disponível
em: <https://www.thorn.org/spotlight/>. Acesso em: 20 set. 2019.
60. THORN. Spotlight. Our Strategy to Eliminate CSAM From the internet. Estados Unidos, 2019.
Disponível em: <https://www.thorn.org/spotlight/>. Acesso em: 20 set. 2019.
35 funcionários inspirados na inovação 24 horas por dia em nome das
crianças61.
Atualmente, conforme já mencionado, o Spotlight atua somente nos
EUA e Canadá. Contudo, o foco é expandir as fronteiras. Os programas,
a comunidade e a equipe crescem a cada dia, fato que proporciona ao
programa pensar em maiores contribuições e novos lançamentos de
ferramentas na plataforma, bem como a divulgação de oito novos países,
tamanha eficiência que o software tem se mostrado62.
Dessa maneira, o capítulo seguinte objetivará demonstrar quais
seriam os benefícios da possível implementação do Spotlight no Brasil para
o combate ao tráfico de crianças e adolescentes para fins de exploração
sexual.

4 BOAS PRÁTICAS NO COMBATE AO TRÁFICO DE CRIANÇAS


E ADOLESCENTES POR MEIO DO USO DA TECNOLOGIA:
ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO DO
SPOTLIGHT NO BRASIL

A inserção do Spotlight no Brasil seria inviável sem uma análise prévia


das circunstâncias positivas e negativas da implementação da tecnologia no
país. Com isso, não há a possibilidade de se falar de tecnologia se não junto
à inovação. A inovação consiste na criação ou aperfeiçoamento de bem
ou serviço no mercado produtivo, capaz de afetar empresas, indivíduos e
sociedade como um todo, a partir das condições de produção e mercado e
perante o estudo dos desafios tecnológicos e científicos63.

4.1 MARCO DA INOVAÇÃO NO BRASIL

Para o desenvolvimento da inovação, é necessária a aproximação


entre governo, empresa e universidade. Este trio atua a partir de concessões
de bolsas a pesquisadores, auxílio à pesquisa e infraestrutura, subvenção
econômica, empréstimos, variação de renda, compra do Estado com
margem de preferência local, encomendas tecnológicas, incentivos fiscais,

61. THORN. Spotlight. Our Strategy to Eliminate CSAM From the internet. Estados Unidos, 2019.
Disponível em: <https://www.thorn.org/spotlight/>. Acesso em: 20 set. 2019.
62. THORN. Spotlight. We are thorn. Estados Unidos, 2019. Disponível em: <https://www.thorn.
org/spotlight/>. Acesso em: 20 set. 2019.
63. SALERNO, Mario Sergio. Políticas de inovação no Brasil: desafios de formulação, financiamento e
implantação. COUTINHO, Diogo R; FOSS, Maria Carolina; MOUALLEM, Pedro Salomon B.
Inovação no Brasil: Avanços e desafios jurídicos e institucionais. Editora Edgard Blücher Ltda.
2017, p.80.
bônus tecnológico e títulos financeiros. Tais cláusulas podem caminhar tanto
em conjunto quanto isoladamente, mas todas são essenciais à propagação
da Inovação no país64.
No Brasil, apesar de não ser um parâmetro mundial, desde o governo
de Juscelino Kubitschek existem políticas de incentivos à inovação nas
empresas, com sua internacionalização e atração de multinacionais ao país65.
Ademais, diversas leis foram criadas com a finalidade do incentivo
à inovação, como a Lei de Inovação, capaz de regulamentar pela primeira
vez as inovações no país e a Lei do Bem e da Informática, responsáveis por
incentivos fiscais. Estas regulamentações, já foram capazes de beneficiar
cerca de 510 empresas, juntas com isenções tributárias de aproximadamente
6,9 bilhões.de reais66.
São também dignas de destaque instituições, como o plano Inova
Empresa e o BNDES, que atuam junto às agências federais no intuito
de estimular as parcerias existentes entre universidades e as empresas, a
partir da concessão de programas de crédito e de bolsas de estudos para
a formação e capacitação dos funcionários67. Somente o BNDES, a partir
dos anos 2000, foi responsável pela contratação de 13,7 bilhões de reais em
programas de incentivo à inovação68.
Importante salientar que sem a intervenção governamental e o
comprometimento com as pesquisas científicas, a inovação se torna
impossível. Os Estados mais desenvolvidos atualmente, em algum
momento da sua história, já utilizaram dos recursos de seus governos para
desenvolverem suas tecnologias, tendo assim incentivos à pesquisa e ao
64. MCTIC. ESTRATÉGIA NACIONAL DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO:
Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Econômico e Social. Brasília, 2016. Disponível
em: <https://portal.insa.gov.br/images/documentos-oficiais/ENCTI-MCTIC-2016-2022.
pdf>. Acesso em: 14 out. 2019.
65. SALERNO, Mario Sergio. Políticas de inovação no Brasil: desafios de formulação, financiamento e
implantação. COUTINHO, Diogo R; FOSS, Maria Carolina; MOUALLEM, Pedro Salomon B.
Inovação no Brasil: Avanços e desafios jurídicos e institucionais. Editora Edgard Blücher Ltda.
2017, p.81
66. RAUEN, André Tortato. Avaliação de políticas federais de inovação: desconexão e ausência.
COUTINHO, Diogo R; FOSS, Maria Carolina; MOUALLEM, Pedro Salomon B. Inovação
no Brasil: Avanços e desafios jurídicos e institucionais. Editora Edgard Blücher Ltda. 2017,
p.132
67. BUAINAIN, Márcio; JÚNIOR, Irineu de Souza Lima; CORDER, Solange. Desafios
do financiamento à inovação no Brasil. COUTINHO, Diogo R; FOSS, Maria Carolina;
MOUALLEM, Pedro Salomon B. Inovação no Brasil: Avanços e desafios jurídicos e institucionais.
Editora Edgard Blücher Ltda. 2017, p. 119-120
68. SOUZA, Eduardo Pinho Pereira e Souza; MARQUES, Felipe Silveira;Abreu, Isabela Brod
Lemos de; CAPANEMA, Luciana Xavier de Lemos; SILVA, Vanessa Pinto Machado e. Atuação
do BNDES no sistema brasileiro de inovação: avanços e oportunidades. COUTINHO, Diogo
R; FOSS, Maria Carolina; MOUALLEM, Pedro Salomon B. Inovação no Brasil: Avanços e desafios
jurídicos e institucionais. Editora Edgard Blücher Ltda. 2017, p.117
desenvolvimento se propagando até os dias atuais69. Os Estados Unidos
e a China por exemplo, já muito investiram em tecnologia militar, com o
primeiro investimento em pesquisa básica e especificação de seus recursos70.
Estes Estados não atingiram o nível de tecnologia que possuem
repentinamente. Os riscos inerentes à tecnologia são amplos, motivo pelo
qual os investimentos em pesquisas científicas de base são essenciais, tanto
para o próprio desenvolvimento da tecnologia como para o atendimento
das exigências da sociedade71.
Com a crise econômica de 2008, os Estados afetados e integrantes da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
da qual o Brasil faz parte, começaram a investir na pesquisa científica, que
é a base da geração de conhecimento, e no suporte teórico de geração de
tecnologia, para então poder gerar inovação72.
Incontestável, a partir dos parâmetros apresentados, que a inovação
é o ponto essencial ao avanço de um Estado nos campos econômicos e
tecnológicos. Contudo, a interpretação não pode ser restrita. Se a inovação
é crucial para tais avanços, infere-se que poderia ser também utilizada no
combate da criminalidade.
Conforme salientado, a inovação é essencial ao desenvolvimento
tecnológico, que pode se dividir em convencional e social. A tecnologia
convencional é capaz de produzir mercadorias, trabalhos sociais e
consequentemente o lucro, de modo a alimentar o sistema capitalista
e poupar a mão-de-obra73. Entretanto, apesar de ser muito contributivo
no âmbito da produção e sociedade, é capaz de prejudicar os pequenos
empresários ao aumentar cada vez mais a concorrência apenas entre as
grandes empresas, e deixar o lucro apenas para quem já os detém. 
Por esse motivo, a tecnologia convencional não é a finalidade deste
trabalho. O que se pretende construir e analisar neste artigo consiste nos
benefícios apresentados pela tecnologia social e pelo empreendedorismo de

69. NEGRI, Fernanda de. Novos caminhos para a inovação no Brasil. Editora Wilson Center.
Washington, DC. 2018, p. 100-101
70. SALERNO, Mario Sergio. Políticas de inovação no Brasil: desafios de formulação, financiamento e
implantação. COUTINHO, Diogo R; FOSS, Maria Carolina; MOUALLEM, Pedro Salomon B.
Inovação no Brasil: Avanços e desafios jurídicos e institucionais. Editora Edgard Blücher Ltda.
2017. p.79
71. SALERNO, op. cit., p. 84.
72. MCTIC. ESTRATÉGIA NACIONAL DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO:
Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Econômico e Social. Brasília, 2016. Disponível
em: <https://portal.insa.gov.br/images/documentos-oficiais/ENCTI-MCTIC-2016-2022.
pdf>. Acesso em: 14 out. 2019, p.74
73. BANCO DO BRASIL. Transformar realidades por meio das tecnologias sociais. Disponível em:
<https://transforma.fbb.org.br/sobre-nos>. Acesso em: 14 out. 2019.
impacto social. Tal tecnologia é de suma importância ao desenvolvimento
da criatividade e do estímulo ao produtor direto, por ser um conjunto de
técnicas e metodologias capazes de propiciar a melhor qualidade de vida a
partir da interação da população74.
No Brasil, a Fundação Banco do Brasil apresenta-se como um dos
principais propagadores da tecnologia social a partir da busca de inclusão
social produtiva nos segmentos que apresentam maior vulnerabilidade
dentro da sociedade, tal como trabalho de renda, preservação do meio
ambiente e educação. Apresenta como propósito a valorização da vida com
o intuito de mudar realidades, tal como o reconhecimento pelas soluções de
alguns dos problemas do país75.
Ainda que esta fundação não tenha como primórdio o combate a
violência, e muito menos o combate ao tráfico de crianças, sua atuação pode
ser utilizada como inspiração. A visão da tecnologia social ora apresentada
não se basta no desenvolvimento da sociedade. A tecnologia social, a partir
do amparo às vulnerabilidades apresentadas pela sociedade, seria capaz
de ser utilizada como auxílio à segurança social e então, ser passível de
combater a criminalidade com a assistência prestada aos agentes públicos. 
Neste sentido, pode-se encontrar a tecnologia como auxílio ao
governo como nos testes de DNA realizados para a identificação de
criminosos ou de participação nos crimes. A criação do banco de dados de
DNA é essencial para a apuração de novos crimes hediondos, com materiais
genéticos já reconhecidos, trabalho este que facilita, e muito, a atuação tanto
da polícia, quanto do judiciário no reconhecimento de uma causa76.

4.2 O USO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO BRASIL E A


POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO DO SPOTLIGHT

Em questão de segurança pública, no mundo, além do Spotilght,


existem outros sistemas de software que utilizam a IA para encontrar
vítimas de tráfico de pessoas, como o Traffic Jam, desenvolvido pela startup
Marinus Analytics. Este sistema é capaz de utilizar o reconhecimento
Facial (FaceSearch) para encontrar pessoas através de um grande banco de
dados (Big Data), como por exemplo, na identificação de uma criança em

74. BANCO DO BRASIL.


75. BANCO DO BRASIL.
76. FONSECA, Claudia. Mediações, tipos e figurações: reflexões em torno do uso da tecnologia DNA para
identificação criminal. Anuário Antropológico [Online], I | 2013. Disponível em: http://journals.
openedition.org/aa/363. Acesso em 14 outubro 2019, p. 26-27
um anúncio na internet. Quando este reconhecimento ocorre, o próprio
sistema comunica a polícia local o mais rápido possível77.
O grande desafio de poder usar essa tecnologia no Brasil é a dificuldade
de comunicação entre os órgãos brasileiros, fato diferenciador entre os
Estados mais desenvolvidos, em que até mesmo a polícia se comunica
com o sistema de uma organização privada com o objetivo de propagar
o bem social. Todavia, nacionalmente, nos setores aeronáutico e médico,
a academia apresenta uma maior aproximação com o desenvolvimento
tecnológico, a utilização da IA e até mesmo com o governo78.
Ademais, importa em grande escala, o desenvolvimento da tecnologia
em solo nacional. Em outubro de 2019, a Faculdade Federal do Espírito
Santo em parceria com a Embraer conduziu o primeiro teste de aeronave em
um avião operado por IA. Iniciativas como essa, combinadas com políticas
públicas de incentivo à longo prazo, podem potencializar a capacidade de
desenvolvimento de tecnologia nacional do Brasil para um maior acesso da
população79.
Por fim, o país tem capacidade, pessoas qualificadas e tecnologia que
possibilita a criação de IA ou o desenvolvimento de parcerias com o Spotlight
ou com o Traffic Jam. Essas parcerias ou criações apesar de apresentarem
dificuldades na comunicação entre as autarquias responsáveis, como a
Abin, Polícia Federal e Polícias Estaduais, deveriam estimular a troca de
informações entre si, academia, ONGs e empresas80.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tráfico sexual de crianças é intensificado pela dupla vulnerabilidade


apresentada por esse grupo social. Os dados existentes, ainda são
preocupantes por todo o território nacional e internacional, de modo a ser

77. HALPERN, Arie. Tecnologia ajuda EUA no combate ao tráfico sexual infantil. Disruptivas e
Conectadas. 2019. Disponível em: <http://www.ariehalpern.com.br/tecnologia-ajuda-eua-
no-combate-ao-trafico-sexual-infantil/>. Acesso em: 15 out. 2019.
78. UFES, Comunicação Corporativa da Embraer e Superintendência de Comunicação da Ufes. Ufes e
Embraer conduzem primeiro teste de aeronave autônoma no Brasil. 2019. Disponível em:
<http://www.ufes.br/conteudo/ufes-e-embraer-conduzem-primeiro-teste-de-aeronave-
autonoma-no-brasil>. Acesso em: 14 out. 2019.
79. UFES, Comunicação Corporativa da Embraer e Superintendência de Comunicação da Ufes. Ufes e
Embraer conduzem primeiro teste de aeronave autônoma no Brasil. 2019. Disponível em:
<http://www.ufes.br/conteudo/ufes-e-embraer-conduzem-primeiro-teste-de-aeronave-
autonoma-no-brasil>. Acesso em: 14 out. 2019.
80. HALPERN, Arie. Tecnologia ajuda EUA no combate ao tráfico sexual infantil. Disruptivas e
Conectadas. 2019. Disponível em: <http://www.ariehalpern.com.br/tecnologia-ajuda-eua-
no-combate-ao-trafico-sexual-infantil/>. Acesso em: 15 out. 2019.
mais do que necessário um sistema mundial de políticas de combate a tal
crime.
No Brasil, as políticas públicas sobre o tema se apresentam de
forma mais aparente perante os métodos normativos, como em tratados e
convenções: a Convenção Americana de Direitos Humanos, a Convenção
dos Direitos da Criança da ONU e o Protocolo de Palermo; e como leis
de âmbito nacional: a Constituição Federal, Lei 13.344/16, o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei de Migração e a criação dos
Ministérios e Secretarias.
Ainda existem alguns projetos não governamentais, como o Serviço
de Prevenção ao Tráfico de Mulheres e Meninas (SMM) e o Itineris.
Contudo, apesar da existência de diversas políticas públicas, até então, não
há efetividade suficiente afim de amenizar o crescimento anual do tráfico
de crianças.
Ademais, por ser um país de grandes proporções territoriais, o tráfico
apresenta-se nas suas formas mais variadas dependendo da região de
destino, de modo a contribuir para a dificuldade no combate dos crimes de
exploração sexual e facilitar o aliciamento dos menores, seja por sua condição
social, por sua situação de miserabilidade, por seus sonhos de carreira ou
até mesmo por sua condição de menor incapaz. Por consequência, cria-se
uma violação aos direitos da criança de tamanho exponencial, que muitas
vezes, a aprisiona dentro do sistema, em virtude da dependência financeira
e econômica com seu traficante.
Com o intuito de enfrentar esse problema grave e de pouca discussão
social, fez-se necessária a análise do contexto em que a criança está inserida,
seja por seu ambiente ou por suas condições econômicas e financeiras,
de modo a sempre minimizar a vulnerabilidade a que estas crianças estão
expostas, com uma maior proteção dos pais e do Estado.
Por esse motivo, para desenvolver os meios de combate existentes,
apresentou-se por meio deste artigo, um conjunto de tecnologias usadas,
para as mais diversas áreas, em países mais desenvolvidos em conjunto com
os governos locais como o DARPA, NHTRC, PhotoDNA da Microsoft, a
Cybertipline, o Traffic Jam e o Spotlight.
Este último, desenvolvido pela ONG Thorn, tem como objeto
a utilização da Inteligência Artificial para identificar possíveis vítimas do
tráfico sexual de crianças nos Estados Unidos, e encaminhar dados aos
agentes com o intuito de facilitar a investigação e solucionar a maior
quantidade de casos possíveis81.

81. THORN. Spotlight. We are thorn. Estados Unidos, 2019. Disponível em: <https://www.thorn.
Assim, percebe-se que, por meio da IA, a inovação tecnológica
traz grande auxílio pela busca de crianças traficadas e ao combate da
criminalidade, pois, ao identificar possíveis vítimas, informam a polícia local
e otimizam tempo para um melhor resultado. A tecnologia, cada vez mais,
está inserida no cotidiano das pessoas, e com o decorrer do tempo, será
natural sua evolução.
Entretanto, para que essa evolução ocorra, é indispensável a
aproximação entre Estados, empresas e universidades, com amplos
investimentos financeiros e capacitação técnica. No Brasil, já existe
um poder de tecnologia avançado, com pessoas competentes nas mais
diversas áreas. A partir da busca pela implementação de novas aplicações
e o funcionamento em rede do conhecimento de todas as áreas, o Brasil
tem apresentado qualidade suficiente para a implementação de inovações
no país, tais como o próprio Spotlight no combate ao tráfico de crianças e
adolescentes.
Por fim, entende-se que perante a pesquisa realizada o Brasil apresenta
um ambiente propício e grande potencial para a implementação de novas
tecnologias de combate ao tráfico internacional de crianças. É necessário
somente uma maior aproximação entre governo, academia, organizações
não-governamentais e empresas para que o desenvolvimento dos recursos
seja realizado da melhor maneira possível.

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Acesso em 05 de dezembro de 2019.
CAPÍTULO 8

REDE DE DADOS E
INFORMAÇÕES SOBRE O
TRÁFICO DE PESSOAS NO
BRASIL: O DESAFIO DA
PRODUÇÃO, DA INTEGRAÇÃO
E DO COMPARTILHAMENTO
INTERINSTITUCIONAL

ANTONIO JONAS DIAS FILHO


Professor Doutor em Ciências Sociais pela PUC de São Paulo. Docente
do curso de Direito da Universidade Nove de Julho/São Paulo. Sociólogo
membro da Sociedade Brasileira de Sociologia. Pesquisador Comercial
Independente. Pesquisador do Grupo “Pessoas Invisíveis” da Faculdade
de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo.

INTRODUÇÃO

Apesar da pressão nacional e internacional e das frequentes críticas


sobre a falta de atualização, dispersão e desintegração constante dos dados
acerca da movimentação de pessoas – contrabandeadas ou traficadas –
para fins de trabalho escravo, adoção ilegal, exploração sexual e outros
tipos de crimes com a mesma origem, os órgãos do Estado responsáveis
pela produção, guarda, compartilhamento e usos de dados estatísticos
e informações ainda não atentaram para a necessidade da integração
dos mesmos a fim de otimizar o trabalho das entidades públicas e não-
governamentais que combatem esse tipo de prática envolvendo brasileiros
e estrangeiros que entram e saem do Brasil nessas condições.
Os organismos internacionais, que possuem canais de troca de dados
e informações com países emissores e receptores de pessoas traficadas e ou
contrabandeadas, demandam sem muito sucesso mas com frequência que
a Polícia Federal, o Ministério Público, a Defensoria Pública da União, o
Ministério da Justiça e o Ministério das Relações Exteriores compartilhem
de forma integrada, tanto os resultados dos seus mecanismos de controle,
quanto as medidas tomadas e a sua quantificação a partir das políticas
públicas postas em prática no combate e na prevenção deste tipo de crime.
Essas solicitações pedem que sejam enviados relatórios, processos,
números de prisões, identificação internacional de traficantes e traficados
para as devidas checagens com os seus bancos de dados e informações. O
objetivo é remeter de volta ao Brasil informações cruzadas que mostrem
o desenlace das ações dos grupos criminosos no exterior. Esse tipo de
compartilhamento é de suma importância para a visualização monitorada
do Circuito do Tráfico1 e suas alterações constantes.
As afirmações acima resumem um pouco da nossa experiência como
pesquisador deste tema ao longo de duas décadas, ouvindo especialistas,
ativistas, autoridades e vítimas no Brasil e no exterior.
Neste breve artigo, pretendemos mostrar alguns aspectos deste
cenário, dando ênfase: à localização e armazenamento dos dados e
informações disponíveis para consulta nacional e internacional; a utilização
dos mesmos pelos órgãos públicos responsáveis pela prevenção e controle
dos crimes de tráfico de pessoas e; a necessidade crescente de integração
em rede desses órgãos no compartilhamento interno e internacional de
dados com vistas à formação de um mapa mais fidedigno do Brasil como
país emissor, intermediário e receptor de seres humanos traficados.

1 DADOS E INFORMAÇÕES: O QUE PRECISAMOS


COMPREENDER

Quando falamos em Dados e Informações, surge imediatamente a dúvida


se ambos não seriam sinônimos. Não. As definições e os usos de cada um
deles mostram que devemos prestar bastante atenção quando resolvemos
utilizar os mesmos para agrupar, sintetizar e relatar qualquer aspecto da
realidade social.
Neste sentido, seguimos ROSLING (2019:214) quando ele argumenta
para reforçar sua tese acerca do factfulness2.

1. Expressão que criamos em 1998, para denominar o conjunto de países para onde são levadas
ou se dirigem as pessoas traficadas bem como os Estados brasileiros que são emissores e
receptores deste público alvo. O uso ampliado ou restrito do universo de pesquisa depende da
dimensão e da necessidade da investigação.
2. Factfulness é reconhecer que uma única perspectiva é limitada e a melhor atitude para analisar
um fenômeno social – principalmente os de natureza social-global – seria olhar o problema a
partir de fatos e múltiplos ângulos e fatores.
Números, mas não só números. O mundo não pode ser
compreendido sem números e não pode ser compreendido
só com números. Aprecie os dados numéricos por aquilo
que dizem sobre vidas reais.
O dado obtido em uma pesquisa é de natureza quantitativa e deve
ser expresso de forma matemática ou estatística. Isolado e sem um objetivo
claro para ser usado, ele tem pouca utilidade e acaba se perdendo tornando-
se paulatinamente desatualizado. A informação é o dado tratado que possui
significado e compreensão para uma situação que precisamos compreender
melhor. Pode aparecer também sob forma de depoimentos e documentos
que fornecem à pesquisa características qualitativas.
Essas definições são fundamentais para explicarmos uma das nossas
maiores dificuldades quando buscamos informações sobre o Tráfico
de Pessoas, tendo em vista que os dados e informações internacionais
estão geralmente bem agrupados e vem sendo atualizados com razoável
frequência por organismos bilaterais e entidades sem fins lucrativos ao redor
do mundo ao contrário do Brasil que está longe de seguir essa tendência.
São poucos os canais públicos de buscas de dados sobre tráfico de
pessoas no Brasil – seja via internet, em material impresso ou através da
Lei de Acesso à Informação (LAI)3 – que expõem e fornecem material
atualizado e de fácil compreensão.
Neste sentido, identificamos como problema a maneira como os casos
são agrupados e disponibilizados, sem seguir os padrões internacionais
mais frequentes, ou seja: dado/informação, e colocados dentro de uma rede
que estabeleça canais de trabalho e espaços de cooperação entre o poder
público e a sociedade civil organizada tendo em vista o combate a este
tipo de crime que, juntamente com o tráfico de drogas são atualmente
as atividades ilegais internacionais mais rentáveis do mundo, segundo as
Nações Unidas4, com a exploração sexual ocupando o primeiro lugar no
início de 2019 com 24.000 casos em 142 países5.
Em relação a esses dados presentes em diversas plataformas globais,
que visam informar e servir de base para pesquisas sobre o assunto,
podemos dizer que os mesmos são abundantes, porém, retratam em sua
maioria cenários mundiais e quando se direcionam para realidades locais
esbarram na falta de uma rede devidamente preparada para incorporá-los e

3. Lei 12.527 de 16 de maio de 2012 que regulamenta o direito constitucional de acesso às


informações públicas.
4. https://exame.abril.com.br/mundo/onu-zonas-de-guerra-tem-aumento-do-trafico-humano-
e-da-escravidao-sexual/. Acesso em 20.dez.2019.
5. Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime – UNODC (Sigla em inglês).
acrescentar mais qualidade aos números que chegam de diversas partes do
mundo.
Para explicar a dificuldade de incorporação e atualização dessa massa
de dados e informações sobre o tema que circulam pelo mundo e chegam
ao Brasil, bem como a dispersão dos dados e informações locais que
deveriam usar o Big Data6 global sobre o assunto a seu favor, mostraremos
inicialmente os tipos de dados disponíveis nas Bases de dados e fontes de
informações globais e em seguida vamos traçar um quadro sobre a produção da
base de dados e informações dos órgãos públicos no Brasil, apontando alguns sinais
acerca das dificuldades de integração e cooperação internacional e local que
tanto emperram o trabalho de combate ao Tráfico de Pessoas.

2 BASES DE DADOS E FONTES DE INFORMAÇÕES GLOBAIS

Tomaremos como referência a UN.GIFT7 que, no Brasil recebe o


suporte do UNODC (Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime)
que é o guardião do Protocolo à Convenção das Nações Unidas contra
o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e
Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças.
Este trabalho conta com a participação de diversas Agências da
ONU, mas, iremos destacar duas delas como exemplos, pela relevância das
mesmas para o estudo acerca do Tráfico de pessoas:
1. Organização Internacional do Trabalho (OIT): no Brasil
atua em diversas frentes participando e influenciando Planos de combate
ao Trabalho Escravo; Comissões Estaduais para Erradicação do Trabalho
Escravo (CONATRAE) e Cadastro de Empregadores na “Lista Suja” do
Trabalho Escravo. Esta entidade possui informações e dados atualizados
sobre o problema e as suas ações demandam, dos Estados membros da
ONU, uma agenda de combate. No entanto, a cooperação esbarra na imensa
teia de órgãos e secretarias que cuidam principalmente da fiscalização,
aplicação de sanções e da criação de políticas públicas que se pulverizam
por Estados e Municípios com milhares de dados e informações que seriam
úteis e integráveis ao pacto global. Da mesma forma, essas informações
globais poderiam ser incorporadas para o enfrentamento do problema local
e aplicação das boas práticas internacionais, pois as tendências do Tráfico

6. Numa definição ampliada seria o termo que descreve o grande volume de dados, estruturados
ou não, que circulam pelo mundo sobrecarregando as instituições (empresas e Estado) e a
destinação muitas vezes incerta dada aos mesmos.
7. Iniciativa global de mobilização em torno de metas comuns para alcançar a melhor maneira de
lutar contra o Tráfico de Pessoas.
e do Trabalho Escravo mudam a todo instante no Brasil e no mundo e é
necessário acompanhá-las.
PESSOAS PRESAS AO TRABALHO ESCRAVO – OIT
A OIT estima que até o final da segunda década do Século XXI, cerca
de 20,9 milhões de pessoas serão vítimas de trabalho forçado em todo o
mundo. Isso representa cerca de três em cada 1.000 pessoas da população
mundial atual. Destas, 90% serão exploradas por pessoas físicas e jurídicas
na economia privada, enquanto 10% forçadas a trabalhar pelo Estado,
por grupos militares rebeldes ou em prisões, em condições que violam as
normas fundamentais da OIT. A exploração sexual forçada afeta 22% de
todas as vítimas, enquanto a exploração laboral atinge 68%.

...... 8

A estimativa da OIT mostra como o fenômeno afeta diferentes


grupos de pessoas: 55% de todas as vítimas são mulheres e meninas,
enquanto 45% são homens e meninos. As crianças constituem cerca de um
quarto de todas as vítimas.
A OIT estimou ainda quantas pessoas estão presas em trabalhos
forçados como resultado da migração interna ou transfronteiriça: 29% de
todas as vítimas foram submetidas a trabalhos forçados após cruzarem
fronteiras internacionais, sendo que a maioria foi obrigada a se prostituir;
15% se tornaram vítimas de trabalho forçado após a migração dentro de
seu país, ao passo que os 56% restantes não deixaram seu local de origem
ou de residência.
A duração média de tempo vivido em trabalho forçado varia,
dependendo da forma e região. A OIT estima que as vítimas são exploradas

8. OIT Brasília.Quantas pessoas estão presas no trabalho forçado, c2018. Página:Trabalho


Forçado.Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-escravo/WCMS
393068/lang--pt/index.htm. Acesso em 19 de nov. de 2018.
em média por quase 18 meses em condições de trabalho forçado, antes de
serem resgatadas ou escaparem de seus exploradores.

FONTE:https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-escravo/
WCMS_393068/lang--pt/index.htm
2. Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF): o ano
de 2021 segundo a ONU, deve ser considerado como o “Ano Internacional
para Eliminação do Trabalho Infantil” no mundo. Essa difícil missão
caberá a OIT e a própria UNICEF que registram números alarmantes na
exploração da mão de obra envolvendo crianças ao redor do globo. São
cerca de 152 milhões, com idades que variam entre 5 e 17 anos. Deste total,
no final de 2017, cerca de 73 milhões estavam envolvidas em trabalhos de
alta periculosidade.
Esses dados fizeram a Assembleia aprovar uma resolução que exige
dos Estados-membros a tomada de medidas imediatas e efetivas para
erradicar o trabalho forçado, a escravidão moderna e o tráfico de seres
humanos.
No que diz respeito às crianças e adolescentes, a Assembleia
centralizou o foco da resolução nas seguintes formas de exploração:
trabalho infantil urbano e rural e recrutamento e uso de crianças-soldados,
tendo em vista que essas são as formas atuais mais incidentes de acordo
com dados da UNICEF.
Por si mesmos os números acima e as informações que os reforçam
indicam a direção a ser seguida por cada um dos Estados-membros.
Neste sentido, entendemos que o Brasil poderia incorporar esta pauta
acrescentando seus dados para comparar com o panorama externo tendo
em vista a erradicação dessas práticas em seu território. Mas, a mesma
situação verificada em relação a OIT, como vimos anteriormente, também
aparece quando nos deparamos com a imensa teia burocrática e hierárquica
de órgãos públicos nos planos estadual, municipal e federal que tratam do
problema.
O que se verifica na prática é a existência de dados dispersos e muitas
vezes defasados além da morosidade entre a identificação do objetivo a ser
alcançado e a efetivação das ações planejadas.
No final de 2018, por exemplo, a UNICEF estimou que 2,5 milhões
de brasileiros entre 5 e 17 anos estavam envolvidas em algum tipo de
trabalho infantil. Neste mesmo período, o IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística) apontou que cerca de 250 mil crianças estavam nas
mesmas condições na Grande São Paulo, ou seja, 10% do total verificado
no Brasil. No primeiro semestre de 2019, a PNAD (Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios) apurou que atualmente são 3 milhões de crianças
e adolescentes, perfazendo um total de 6% da população nesta faixa etária.
Esta variação de 500 mil crianças e adolescentes, em menos de um
ano, nos leva mais uma vez a questionar a falta de unificação e uniformização
de dados para direcionar de maneira efetiva as ações pretendidas e deixa
clara também, a falta de sincronia entre os agentes públicos que produzem
os dados e informações.
O exemplo em questão mostra ainda que as informações extraídas dos
dados internacionais se distanciam claramente daqueles apresentados pelo
IBGE, comprovando a nossa afirmação anterior acerca das divergências na
relação global/local.

3 BASES DE DADOS E FONTES DE INFORMAÇÕES DO BRASIL

Quando analisamos os dados e informações produzidos no Brasil, que


servem de parâmetro para ações internas de combate ao Tráfico de Pessoas
em suas diversas faces, verificamos que boa parte deles são utilizados para
dar respostas gerais e muitas vezes sem o devido cruzamento com as fontes
internacionais ou locais.
Um exemplo disso são os números do período 2018-2019 que
pesquisamos no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
(MMFDH). Segundo a sua ouvidoria, que respondeu o nosso pedido
em agosto de 2019, o balanço anual do Disque 100 (Disque Direitos
Humanos), referente ao Tráfico de Pessoas no Brasil mostra que ocorreram
159 denúncias que revelaram 170 casos concretos. Deste total, apuramos
também que o tráfico interno para fins de exploração sexual por exemplo,
representou no mesmo período, 16,9% do total registrado.
Os números consolidados de 2018 foram extraídos de um universo
bastante reduzido, mas mostram uma realidade bastante preocupante
principalmente para mulheres e adolescentes, que figuram no topo da lista.
Segundo este Ministério, o tráfico interno cresceu a tal ponto que
em algumas situações supera a sua vertente internacional como é o caso
da exploração sexual, crescente em todos os Estados da Federação, tendo
como destino final e preferencial, as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.
TABELA 1 - O TRÁFICO DE PESSOAS EM NÚMEROS -
Modalidades
Exploração Sexual – Tráfico Interno 16,9%
Exploração Sexual - Tráfico Internacional 8,15
Tráfico Interno para fins de Adoção 7,5%
Tráfico Internacional para fins de Adoção 2,5%
Tráfico Interno para fins de exploração laboral 6,9%
Tráfico Internacional para fins de exploração laboral 5,0%
Tráfico Interno para remoção de órgãos 1,8%
Tráfico Internacional para remoção de órgãos 0,63%
Tráfico de Pessoas para outras finalidades 57,23%
Fonte: Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos -
2019
Apesar da importância dessas informações o que chama atenção na
Tabela 1 é a generalidade como cerca de 2/3 dos casos, ou seja, 57,23%
das notificações foram apresentadas pelo Ministério. Entendemos que
a expressão clara dos dados e a sua explicação são essenciais para que
tenhamos um panorama mais amplo do problema no Brasil e naquilo que o
país colabora para o aumento global do Tráfico de Pessoas e o agrupamento
aleatório dificulta qualquer análise consistente sobre o tema.
TABELA 2 - O TRÁFICO DE PESSOAS EM NÚMEROS - Vítimas
Sexo Feminino 53,1%
Sexo Masculino 11,7%
Sexo Não Informado 35,14%
Faixa Etária de 15 a 17 anos 18,9%
Faixa Etária de 0 a 3 anos 7,2%
Faixa Etária de 25 a 30 anos 6,31%
Faixa Etária de 12 a 14 anos 4,5%
Faixa Etária de 18 a 24 anos 3,6%
Recém-Nascido 1,8%
Faixa Etária não revelada 54,9%
Fonte: Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos -
2019
Na Tabela 2 é possível notar mais uma vez a concentração de dados
sem a devida descrição. Primeiro, quando o Ministério deixa em aberto quem
são os 35,14% traficados por sexo/gênero, quando é de conhecimento das
próprias autoridades que, além de homens e mulheres, existem registros de
transgêneros como vítimas desse tipo de crime. E segundo, com a falta de
precisão em relação a 54,9% de pessoas traficadas sem que se revele clara e
publicamente quais são as faixas etárias relativas a este total.
TABELA 3 - O TRÁFICO DE PESSOAS EM NÚMEROS –
Relação suspeito/vítima
Relação familiar - Avós 4,2%
Relação familiar - Mães 1,8%
Relação de trabalho - Empregador 1,2%
Relação não informada 86,7%
Fonte: Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos -
2019
Somam-se a estes dados os números relativos aos locais onde
ocorreram os contatos, o aliciamento e as violações. A maior parte dos
casos teriam ocorrido na própria casa da vítima, ou seja, em 34,1% dos
registros. Em 20,2% dos casos, o crime começou a ser praticado na casa do
suspeito. Em 5% das ocorrências, a casa da vítima foi a origem do contato
com o suspeito e em 3% dos casos registrados o local de trabalho aparece
como referência do ilícito.
Por entender que a dinâmica do Tráfico é muito veloz e multifacetada,
notamos que esses dados não foram cruzados entre si com o objetivo de
produzir um perfil mais aproximado do problema no Brasil nos últimos doze
meses. Além disso, a totalização, em várias partes das séries apresentadas
não alcançam ou ultrapassam 100% do total de casos informados pelo
MMFDH em sua resposta.
Vale ressaltar ainda que, essa dificuldade não atinge apenas a massa de
dados e as fontes de informação atuais sobre o Tráfico de Pessoas interno
ou internacional, tendo o Brasil como referência. Um dos documentos mais
interessantes que revelam estas dificuldades foi produzido pelo Ministério
da Justiça a cerca de três anos. Trata-se do Relatório Nacional sobre o
Tráfico de Pessoas: dados 2014 – 20169. O seu conteúdo aponta diversas
9. EXPEDIENTE MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Presidente da República, Michel Temer.
Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, Torquato Lorena Jardim. Secretário
Nacional de Justiça, Astério Pereira dos Santos. Diretor do Departamento de Políticas de
Justiça, Jorge da Silva. Coordenadora de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, Renata Braz
Silva. Equipe técnica de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, Alyne Antunes Diogenes Bessa
Johnes dos Santos Salustiano Maria Celva Bispo dos Reis Maria Fernanda Jorquera Briceno
Marina Soares Lima Borges Natasha Barbosa Mercaldo de Oliveira. ESCRITÓRIO DAS
NAÇÕES UNIDAS SOBRE DROGAS E CRIME (UNODC), Representante do Escritório
de Ligação e Parceria do UNODC no Brasil, Rafael Franzini. Coordenador da Unidade de
Estado de Direito, Nívio Nascimento. Oficial de Programa, Fernanda Patricia Fuentes Munoz.
inconsistências acerca da unificação, do compartilhamento e da produção
desordenada de dados e informações sobre o tema.
Naquele contexto, as ações do Governo brasileiro para o
enfrentamento do Tráfico de Pessoas contava com a parceria entre os
Ministérios (Educação, Saúde, Desenvolvimento Social e Combate à Fome
e do Desenvolvimento Agrário); Órgãos do Governo (Secretaria Especial
de Políticas para as Mulheres, Secretaria Especial de Direitos Humanos,
Secretaria Nacional de Justiça - cooperação técnica com Goiás, Rio de
Janeiro e São Paulo, Secretaria Nacional de Segurança Pública, Polícia
Federal; e Polícia Rodoviária Federal) e a Cooperação Internacional (ONU
e suas agências – OIT, UNICEF, UNIFEM e UNODC).
A primeira inconsistência foi verificada pelos técnicos revisores dos
procedimentos adotados quando eles analisaram as fontes dos dados e
informações que deveriam fornecer indicadores sobre as rotas do Tráfico,
os fluxos de entrada e saída de pessoas e o modus operandi no Brasil.
As bases para análise, utilizadas para obtenção desses resultados,
deveriam ser os inquéritos policiais e os processos judiciais onde a descrição
do fenômeno criminal seria, em tese, mostrada com riqueza de detalhes.
Porém, quando a Metodologia Integrada criada pelos órgãos públicos
confrontou essas referências nos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará,
Rondônia, Roraima, Tocantins, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do
Sul, Paraná, Bahia, Pernambuco, Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte,
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, os técnicos se depararam com
um grande problema: “as policias locais, quando muito, registram o número de
procedimentos, inquéritos e indiciados”.(Relato de uma técnica de campo).
Dessa forma, a determinação da origem, das formas de aliciamento,
do tráfico em si e da exploração em cada Estado – com suas especificidades
- foram comprometidas, dificultando a análise do fenômeno, bem como
as ações futuras de prevenção e combate às redes locais, nacionais e
internacionais que atuam no país.
Outra dificuldade para a produção de informações foi identificada
nas ações da justiça criminal, que estão reunidas no banco de dados do CNJ.
Segundo os técnicos, nele estão contidos apenas o número de processos,
de acordo com os tipos penais previstos no Código Penal e na legislação
especial.

Consultora UNODC, Alline Pedra Jorge Birol (Doutora). PROGRAMA DAS NAÇÕES
UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD)Representante-Residente Interino do
PNUD no Brasil, José Eguren. Representante-Residente Assistente e Coordenadora da Área
Programática, Maristela Baioni. Chefe de Operações para o Brasil, Caroline Brito Fernandes.
Chefe da Unidade de Paz e Governança, Moema Freire.
Isso criou um problema adicional para as equipes interdisciplinares
que investigam o problema porque, os dados quantitativos ou as estatísticas
criminais disponíveis no Brasil, não revelam informações sobre rotas ou
modus operandi do crime de tráfico de pessoas. E mesmo que revelassem,
não seriam representativas, tendo em vista que as falhas das fontes de
origem, como vimos acima produzem uma série de subnotificações.
As dificuldades na produção, sistematização e compartilhamento
interinstitucional desses dados e informações ficam ainda mais claras
quando lemos as conclusões do Relatório 2014 – 2016.
Em seus pareceres, os técnicos refletem sobre os dois principais
elementos do crime de tráfico de pessoas: a ação e a finalidade dos seus
operadores. Segundo eles, os dois aspectos só poderão ser devidamente
compreendidos se forem incorporados aos dados quantitativos expostos
pelo CNJ, os relatos das autoridades, os depoimentos das vítimas e dos
traficantes.
Neste sentido, o compartilhamento qualificado a partir de parcerias
entre agentes públicos, órgãos estatais, universidades, centros de pesquisa
e ONGs deve ter como base alguns padrões que combinem dados e
informações em fluxo contínuo.
A partir das conclusões da equipe técnica do Ministério da Justiça,
destacamos e iremos comentar a seguir, alguns erros na metodologia de
coleta e sistematização que contribuem para tornar ainda mais complexo
o estudo e o combate ao Tráfico de Pessoas de forma coordenada e
interinstitucional:
1. Manualidade: a validade/qualidade dos dados quantitativos sobre
tráfico de pessoas no Brasil é questionável. O grande problema aqui é:
Quem manipula os dados e como esses dados são manipulados. O que os
técnicos do Ministério, responsáveis pelo Relatório 2014 – 2016 observaram
foi que a manualidade no registro dos dados em algumas instituições ou a
manualidade no momento de se gerar relatórios apresentam diversos erros
metodológicos Além disso, eles assinalam também que ocorreram diversas
mudanças na forma de coleta ou registro de dados entre os períodos desde
o início da coleta, impossibilitando a comparação adequada e dentro dos
padrões básicos para este tipo de trabalho.
2. Ausência de variáveis importantes: apesar da construção da
Metodologia Integrada de TP sugerindo um mínimo de variáveis, não há
sistemas de informação capazes de registrar dados de enfrentamento ao
tráfico de pessoas adequadamente, ou que contemple as características que
constituem o crime. Particularmente, os sistemas da justiça criminal são os
mais precários em termos de nível de detalhamento
3. Diferenças nos conceitos: assim como observado no Relatório
Nacional que cobriu o período de 2005 a 2011, cada termo, segundo os
técnicos, pode ter uma definição diferente em cada sistema de informação,
impossibilitando a comparação. Exemplificando: o conceito de tráfico de
pessoas adotado pela polícia é o previsto no Código Penal, que considera
tráfico de pessoas exclusivamente quando a finalidade da exploração é
sexual. Já o conceito adotado pelas instituições que assistem às vítimas é
o da Política Nacional, que engloba diversas modalidades de exploração.
O Ministério do Trabalho, por sua vez, contabiliza os casos de redução
a condição análoga à de escravo, que nem sempre são casos de tráfico de
pessoas. Com a previsão do tipo penal do tráfico de pessoas e pelo menos
quatro modalidades e exploração, nos termos da redação do art. 149-A,
dada pela Lei n. 13.433/2016, e em acordo com o Protocolo de Palermo
e com a Política Nacional, é possível que este obstáculo seja vencido,
caso os sistemas se adequem a este conceito; Diferença nos períodos de
coleta: as instituições estão em descompasso temporal. Há instituições que
não concluíram o tratamento dos dados colhidos em 2015, por isso não
publicaram, enquanto outras instituições geraram normalmente relatórios
até dos dados colhidos em 2016;
4. Forma de apresentação dos dados inadequada: muitas
instituições ainda fornecem, números absolutos em seus relatórios, quando
o ideal para efeito de análise ou comparabilidade seriam as porcentagens ou
as taxas, por exemplo, por 1.000 mil habitantes. Isto porque não se pode
comparar o número de casos de tráfico de pessoas registrados em São Paulo
com o número de casos registrados no Acre, pois a diferença populacional
entre estes dois estados é considerável. Obviamente, existem mais casos no
primeiro Estado. A escala estatística é uma convenção internacional e deve
ser seguida para a devida incorporação às bases globais.
5. Margem de erro: quando são analisados os sistemas de verificação
para identificar se houve algum avanço em razão da implementação da
Metodologia Integrada os dados que registram, percentuais ou números
“não informados”, ocupam uma parcela significativa da coleta, chegando
até 40% do total. Para efeito de cálculos estatísticos, esses “não informados”
deveriam ser excluídos da amostra na hora dos cálculos, mas isto implicaria
na redução do universo para pouco mais da metade. Ou seja, a margem de
erro para qualquer análise de frequência ou comparativa é muito grande,
não devendo ser feita porque pode induzir a erro grave nas conclusões.
6. Ausência de periodicidade no levantamento das informações: o
problema mais sério e fatal para que haja fluxo contínuo no acompanhamento
da dinâmica do Tráfico de Pessoas, apontado pelos técnicos que elaboraram
o Diagnóstico 2014 – 2016, foi a falta de periodicidade na análise dos
dados pelas próprias instituições públicas. Para eles, o problema é que a
análise acontece motivada por algum tipo de demanda. Se por exemplo, a
Coordenação Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas solicitar
dados do tráfico de pessoas para a elaboração deste Relatório Nacional faz-
se um levantamento do que está disponível ou providencia-se uma coleta
para aquele momento. Isso implica na ausência de análise da qualidade ou
na crítica dos dados.
7. Inconsistência dos dados: a inconsistência dos dados também
foi notada pelos analistas. Para eles, é uma consequência direta dos
problemas que tratamos nos itens anteriores. Foi observado, por exemplo,
que o número total de casos difere, num mesmo ano, a depender da variável
estudada. As comparações, então, poderiam também induzir a erro grave
de interpretação, à elaboração de hipóteses distorcidas e contraditórias em
relação à realidade, o que leva a inferências incorretas e inadequadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A nossa análise e crítica, dirigidas à forma como os dados e informações


são produzidos, bem como às dificuldades de compartilhamento
interinstitucionais se justificam porque enxergamos nessas falhas as brechas
que tornam os itinerários10, as rotas11 e o Circuito do Tráfico de Pessoas12,
mais invisíveis para a maioria dos olhos que buscam combater esta prática.
Entendemos que, qualquer informação deve ter como base uma
coleta adequada para que a mesma possa ser utilizada de forma segura, seja
ela produzida por uma fonte global ou por uma fonte brasileira.

10. O itinerário do Tráfico é outro termo que criamos em nossas pesquisas sobre o tema e
constituem a parte mais sensível deste campo de pesquisa porque representam o contato
direto com as histórias, as condições de origem, as formas de aliciamento, os motivos e as
consequências pessoais e jurídicas para a vida das pessoas que se envolvem ou são envolvidas
nesse universo. É através dos seus itinerários que homens, mulheres, crianças e adolescentes
se conectam com as rotas e consequentemente com os circuitos. Esta parte do campo da
pesquisa permite que se faça a etnografia das Pessoas Invisíveis possibilitando desde a ajuda
humanitária que muitas vezes lhes falta até políticas mais efetivas de prevenção ao tráfico e a
exploração de seres humanos nas dimensões que são observadas atualmente.
11. As rotas são justamente os corredores por onde transitam milhões de pessoas levadas de
forma clandestina, legalmente, ilegalmente ou por conta própria, ao redor mundo ou dentro do
território brasileiro, preferencialmente para fins de trabalho escravo, adoção ilegal, casamentos
arranjados, casamento infantil, prostituição, comércio de órgãos ou como mulas para o tráfico
de drogas e contrabando de mercadorias diversas. Existem muitas rotas que se ramificam
em trechos que se alteram rapidamente para dificultar o combate a esse tipo de crime como
também para atender novas demandas por pessoas que possam compor o mercado de seres
humanos. As rotas fazem a conexão com o Circuito constituindo os pilares de sustentação do
Tráfico.
12. Ver a Nota de pé de página 2.
Neste sentido, acreditamos que existe um vácuo entre as redes
locais e suas relações com a rede internacional porque a checagem da
coleta e o agrupamento de dados, no Brasil, enfrenta por um lado a falta
de um controle de qualidade na “manualidade”, como observaram os
técnicos do Ministério da Justiça no Relatório 2014-2016 e do por outro
lado, a morosidade com que os mesmos são sistematizados, atualizados e
disponibilizados para gerar um fluxo contínuo entre as instituições.
As rotas, os agentes, as estratégias e os itinerários possuem uma
fluidez impressionante o que dificulta um mapeamento mais permanente
do Tráfico. Além disso, as mudanças nas gestões das instituições que
cuidam do combate a este crime, motivadas pelas trocas de governo
também impactam fortemente a montagem de uma rede segura e acessível
para troca de informações.
Sendo assim, a demarcação de um campo comum que serviria de base
para a coleta e a sistematização de dados a partir de indicadores, poderia
sanar boa parte dos problemas elencados anteriormente.
Defendemos a demarcação de um espaço de trabalho colaborativo
interinstitucional que denominamos há algum tempo de “Campo da
Pesquisa”.
CAMPO DA PESQUISA

CIRCUITO CIRCUITO CIRCUITO CIRCUITO CIRCUITO

ROTAS

CIRCUITO ROTAS ITINERÁRIOS ROTAS CIRCUITO

CIRCUITO ROTAS ITINERÁRIOS ROTAS CIRCUITO


ROTAS

CIRCUITO CIRCUITO CIRCUITO CIRCUITO CIRCUITO


Fonte: Antonio Jonas Dias Filho
Corresponde ao universo total por onde circulam pessoas e grupos no Brasil ou no
mundo
Corresponde às rotas mapeadas e potenciais por onde e para onde são levadas pessoas
ou grupos
Origem, características e formas de contato das pessoas que transitam pelo circuito e
pelas rotas
Fonte: AntonioJonasDiasFilho
Neste “Campo”, poderiam ser estabelecidos os indicadores que
seriam buscados, para efeito da composição de um banco de dados. Vale
ressaltar que não seriam necessários grandes esforços para escolher os dados
e informações tendo em vista que existem problemas comuns a todos os
países que lidam com o Tráfico de Pessoas de forma mais intensa.
A base para definir o Campo da Pesquisa poderia ser formada a partir
dos seguintes indicadores básicos com seus respectivos dados e informações:
Modalidades de Tráfico (vide Tabela 1); Vítimas (vide Tabela 2); Relação Suspeito/
Vítima (vide Tabela 3); Origem/Destinos; Suspeitos/Prisões/Processos/Penas.
Como é de conhecimento dos especialistas que estudam e lidam
com este problema, como agentes públicos ou pesquisadores, a dinâmica
do Tráfico é intensa e imprevisível. Neste sentido, as variáveis por regiões
dentro de um mesmo país, como também de um país para o outro, poderiam
ser objeto de Relatórios especiais que comparassem o fluxo de dados a
partir dos indicadores propostos, com os casos excepcionais, em busca de
novos padrões dentro do Circuito.
Acreditamos que o “Campo da Pesquisa” poderia ser produzido
como uma Plataforma Digital Compartilhada em fluxo contínuo, pelos órgãos
municipais, estaduais, federais e internacionais, com o objetivo de diminuir
o abismo que separa, o problema das formas eficazes de combatê-lo, bem
como as instituições que atuam dentro e fora do território brasileiro.

REFERÊNCIAS

ARY, Thalita C. O tráfico de pessoas em três dimensões: evolução,


globalização e rota Brasil-Europa. Brasília: Universidade de Brasília, 2009.
BORGES FILHO, Francisco B. Crime organizado transnacional: tráfico
de seres humanos. Disponível em: www.uj.com.br/publicações/doutrinas.
Acesso 02 jan. 2020.
CASTILHO, Ela W. A Legislação Penal Brasileira Frente aos Protocolos
Adicionais à Convenção de Palermo. Brasília: 2007.
DE LARA, Caroline S. Conceito e Contexto do Tráfico Internacional
de Mulheres: a situação no Brasil, In Revista Direitos Fundamentais e
Democracia, v. 5, 2009.
ESTRELA, Tatiana S. O Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas para fins
de Exploração Sexual no Brasil: Trajetória e Desafios. Dissertação de
Mestrado. Brasília: Universidade de Brasília, 2007.
FERNANDES, Adriana da S. Seminário sobre o tráfico de seres humanos:
Desafios e Perspectivas no Enfrentamento. Procuradoria Regional dos
Direitos do Cidadão: São Paulo, 2008.
QUALIA, Giovanni. Tráfico de Pessoas, um panorama histórico e mundial.
Cartilha Ministério da Justiça: Política Nacional de Enfrentamento ao
Tráfico de Pessoas. Brasília: MJ, 2007.
ROSILING, Hans. Fact Fulness. O hábito libertador de só ter opiniões
baseadas em fatos. Record: Rio de Janeiro, 2019.
SILVA, Maria do Socorro Nunes da; SANTOS, Eloísa Gabriel dos.
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – Guia do Professor Ensino Médio
das Escolas Públicas Estaduais. Serviço à Mulher Marginalizada. São Paulo:
2008.
SIQUEIRA, Priscila. Tráfico de Mulheres: oferta, demanda e impunidade.
São Paulo, 2004. Disponível em: www.smm.org.br/artigo.htm. Acesso em:
05.01.2019.
CAPÍTULO 9

A TECNOLOGIA A FAVOR DOS


DIREITOS HUMANOS: COMBATE
AO TRÁFICO DE PESSOAS POR
MEIO DA CRIAÇÃO DE BASES
DE DADOS COMPARTILHADOS
E O TRATAMENTO DE DADOS
PESSOAIS NO ÂMBITO
INTERNACIONAL

CLARISSE LAUPMAN
Doutora pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP) e Professora da mesma instituição de sua formação. Concentração
em Direito Internacional e Direitos Humanos. Membro do Grupo de
Pesquisa “Pessoas Invisíveis: Prevenção e Combate ao Tráfico Interno e
Internacional de Seres Humanos”.

MARÍLIA GAGLIARDI
Advogada e Pesquisadora do CEPI FGV. Membro do Grupo de
Pesquisa “Pessoas Invisíveis: Prevenção e Combate ao Tráfico Interno e
Internacional de Seres Humanos”.

INTRODUÇÃO

Uma das características mais perceptíveis do crime de tráfico de


pessoas consiste justamente na dificuldade de detectá-lo. É por esse motivo
que um dos maiores desafios para desenvolver respostas para o combate
deste delito atualmente reside na falta de dados confiáveis e de qualidade
que permitam analisar a escala do tráfico de pessoas, o perfil das vítimas e
o impacto e proporção deste crime.
Por ser um crime que ocorre ao redor do globo, e muitas vezes, em
uma rede de tráfico que tem seu processo distribuído entre vários Estados,
tem-se a crescente preocupação internacional em encontrar formas de
erradicá-lo. Justamente por este motivo, houve a inclusão ao seu combate
nos objetivos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das
Nações Unidas (ONU) e no Pacto Global para Migração Segura, Ordenada
e Regular (GCM).
Para que seja possível atingir qualquer um destes objetivos, no entanto,
faz-se necessário que, além dos agentes que visam o combate do tráfico de
pessoas estejam preparados e suficientemente informados para identificá-
lo, haja a cooperação e o intercâmbio de informações entre estes agentes.
Nesse contexto, o presente artigo busca analisar como a tecnologia
pode ser utilizada para auxiliar no combate ao tráfico de pessoas. Ainda,
procura-se entender como o uso da tecnologia poderá ser feito e quais os
limites que devem ser respeitados para a proteção dos titulares dos dados
coletados.
Em outras palavras, procura-se entender qual a preocupação com
o tratamento de dados sensíveis, bem como qual a preocupação com as
consequências na divulgação desses dados, a fim de que não haja a violação
de direitos fundamentais das vítimas.
Nesse sentido, considera-se também como o Brasil adequou seu
ordenamento jurídico interno tanto quanto à matéria de tráfico de pessoas,
com o Decreto n° 5.017/2004; com o advento da Lei n° 13.344/2016, bem
como a maneira com a qual adotou uma nova postura quanto à proteção de
dados pessoais (Lei n° 13.709/2019).
Este texto visa, portanto, verificar como a tecnologia pode ser
utilizada como forma de combate ao tráfico de pessoas no contexto
das bases de dados compartilhados das vítimas deste crime. Para tanto,
consideram-se os aspectos protetivos, tanto do ponto de vista internacional
como os aspectos legais do ordenamento jurídico brasileiro no que atine
tanto às normas específicas com relação ao tráfico de pessoas, como quanto
às normas relacionadas à proteção de dados pessoais e dados sensíveis das
vítimas deste delito. Para os fins desejados nesse artigo utilizamos o método
indutivo, construído a partir de pesquisa bibliográfica sobre proteção de
dados e casos de pessoas vítimas de tráfico, considerando-se (i) literatura
a respeito, (ii) leitura de reports, guidelines e recomendações em geral sobre a
matéria disponibilizadas por organizações nacionais e internacionais e (iii)
análise de dados disponibilizados por diferentes instituições identificadas a
contento.
1 A RELAÇÃO ENTRE O TRÁFICO DE PESSOAS, A TECNOLOGIA
E A PROTEÇÃO DE DADOS

Antes de adentrar especificamente no âmbito dos aspectos legais do


tratamento de dados1, importante entender as características do crime de
tráfico de pessoas e como este se relaciona com os avanços tecnológicos.
Também é fundamental entender como esta conexão se relaciona com a
proteção de dados pessoais.
Primeiro, esclarece-se que o crime de tráfico de pessoas é um crime
complexo e dinâmico, o qual ocorre em diversos lugares, em uma ampla
variedade de contextos, com diferentes finalidades. Os registros e relatos de
tráfico humano denunciam que esta prática pode ter por fim (i) exploração
sexual; (ii) tráfico de órgãos, sangue ou outras partes do corpo; (iii) trabalho
escravo; (iv) trabalho militar forçado; (v) casamento forçado; (vi) prática de
atividades criminosas; (vii) outros objetivos e a combinação desses.
Nesse sentido, destaca-se que muitos aspectos do crime de tráfico de
pessoas se alteraram em razão dos recentes desenvolvimentos da tecnologia.
Isso porque alteraram-se as maneiras pelas quais se dão as conexões entre os
exploradores, compradores e vítimas do tráfico de pessoas. Outro aspecto
que também merece atenção diz respeito às transformações do crime de
tráfico de pessoas no que se refere à maior circulação de informações sobre
como se envolver neste tipo de atividade criminosa2.
A aplicação da tecnologia na estrutura do tráfico de seres humanos
pode tanto ser danosa quanto trazer benefícios. Esta também pode ser
percebida como uma importante ferramenta de auxílio na prevenção,
investigação, judicialização (no âmbito nacional ou transnacional);
mapeamento, bem como na proteção das vítimas deste crime. Tais medidas
se dão, inclusive, por meio da criação de bases de dados suficientemente

1. Para todos os fins deste artigo, o termo “tratamento” terá o mesmo significado que o atribuído
pelo artigo 5ª, X da Lei nº 13.709/2018 que define tratamento como “toda operação realizada
com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação,
utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento,
armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação,
transferência, difusão ou extração”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm>. Acesso em: 10 nov. 2019.
2. LATONERO M., BERHANE G., HERNANDEZ A, MOHEBI T., MOVIUS,L. Human
Trafficking Online: The Role of Social Networking Sites and Online Classifieds (Technology and
human trafficking, 2011). Disponível em: <https://technologyandtrafficking.usc.edu/
report// Acesso em: 24 nov. 2019. E ; M. Latonero, J. Musto, Z. Boyd, E. Boyle, A. Bissel,
K.Gibson, and J. Kim, The rise of mobile and the diffusion of technology-facilitated trafficking (USC
Annenberg Center on Communication Leadership and Policy, 2012. Disponível em: <https://
technologyandtrafficking.usc.edu>Acesso em: 24 nov. 2019.
completas que permitam o aprimoramento de políticas de identificação das
redes de tráfico e na prevenção desse crime ao redor do mundo.
Ressalta-se deste modo que o crime de tráfico possui um padrão e,
consequentemente, um fluxo de informações típicos da prática deste delito.
Nesse sentido, o crime também passa a ser rastreável e mapeável.
Identificar as informações necessárias para traçar tais rotas e fazer o
mapeamento necessário, contudo, não é uma tarefa simples. Isso porque
é muito difícil identificar fontes completas e confiáveis sobre o assunto.
A ausência de uma base precisa e consistente de informações gera maior
dificuldade para identificar as rotas e traçar meios de combate efetivo a este
crime. E a escassez de fontes nesse sentido é justificável. A elaboração de
uma base de dados é vinculada ao tratamento de informações de pessoais de
vítimas do tráfico e, portanto, de informações de pessoas em que acabaram
de vivenciar uma situação traumática e que ainda pode estar expostas a
riscos.3
Destaca-se que os dados coletados nos casos de tráfico de pessoas
envolvem inevitavelmente detalhes pessoais e, muitas vezes, dados íntimos.
Muitas agências que lidam com vítimas de tráfico coletam detalhes pessoais
como (i) o local de residência, (ii) nome e endereço (iii) membros da família
(iv) histórico médico, incluindo possivelmente o status de HIV.
Se os dados pessoais não estiverem protegidos e devidamente
tratados antes de integrarem uma base de dados, as consequências podem
ser graves. Nesse sentido, tem-se que (i) as testemunhas e vítimas podem
ser identificadas, localizadas e intimidadas; (ii) as vítimas podem ser
publicamente expostas ou pior, suas vidas podem ser colocadas em perigo;
e (iii) informantes podem ser identificados e virar alvos de perseguição.
Além disso, o uso indevido de informações pessoais não afeta apenas
o indivíduo, como também prejudica a eficácia de todo o esforço e de
medidas anti-tráfico. Se as informações pessoais não estiverem protegidas
contra o uso indevido, as vítimas ficarão ainda mais relutantes em contar

3. Sobre esse aspecto, dispõe o estudo Collateral Damage: the impact of anti-trafficking measures on
human rights around the world (GAATW, 2007: 2), “Muitas agências governamentais assumem
sem dúvida que o objetivo de fazer cumprir a lei e o de defender os direitos humanos, são os
mesmos. No entanto, no caso do tráfico de pessoas nem sempre é assim. As provas existentes
sugerem que especialmente as pessoas marginalizadas, como os migrantes, as pessoas
deslocadas internamente, os refugiados ou os solicitantes de asilo, têm sofrido injustamente
as consequências negativas de medidas anti-tráfico, que têm sido contraproducentes para o
grupo que deveria beneficiar”. GLOBAL ALLIANCE AGAINST TRAFFIC IN WOMEN/
GATTW. Collateral Damage. The Impact of Anti-Trafficking Measures on Human Rights Around the
World. Bangkok, 2007. Disponível em: <https://www.iom.int/jahia/webdav/shared/shared/
mainsite/microsites/IDM/workshops/ensuring_protection_070909/collateral_damage_
gaatw_2007.pdf> Acesso em: 24 nov. 2019.
suas experiências, e os informantes e testemunhas não se sentirão seguros
para ajudar nas investigações.
Dessa maneira, é vital que existam políticas e procedimentos para
proteger a segurança e privacidade de informações pessoais nas hipóteses
de comparilhamentos de dados para fins de combate ao tráfico de pessoas.

1.1 AS FORMAS DE TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS


NOS CASOS DE TRÁFICO DE PESSOAS

Dados não pessoais ou dados devidamente tratados e anonimizados


são geralmente suficientes para fins de formulação de políticas anti-tráfico.
Em outras palavras, caso se torne impossível identificar o titular dos dados
a partir da análise destes, tem-se que está sendo dada a proteção necessária
aos envolvidos na rede de tráfico.
Pode-se inferir ainda que o acesso a dados pessoais sensíveis
geralmente não precisa estar disponível aos formuladores de políticas de
prevenção a este crime de modo que, em tese, a proteção estaria devidamente
assegurada.
Contudo, tem-se por certo que, em determinado cenários, o acesso e
intercâmbio de dados pessoais sensíveis podem ser solicitados por motivos
e razões operacionais legítimas. Essa é uma previsão existente em todas
as normativas sobre tratamento de dados. Destaca-se, desde já, que esse
acesso de dados e intercâmbio de informações pessoais deve ser conduzido
dentro de uma estrutura de políticas e procedimentos que protejam os
dados pessoais contra uso indevido destes.
O tratamento dos dados destas vítimas, portanto, deve ser feito de
maneira específica, considerando ainda que todos os aspectos protetivos
necessários estão sendo tomados. Nesse sentido, importante ponderar
quais as medidas sugeridas para o tratamento de dados de vítimas de tráfico
de pessoas no âmbito internacional, bem como as disposições nacionais
sobre o tema, para que seja possível averiguar como a tecnologia pode ser
uma aliada ao combate ao tráfico de pessoas. Assim, tal problemática será
analisada a partir dos planos internacional e nacional.

1.1.1 ÂMBITO INTERNACIONAL

O uso da tecnologia para fins de identificação do crime de tráfico


de pessoas suscita preocupações significativas sobre como pode ser
identificado sem comprometer a segurança e os direitos fundamentais das
vítimas e de outros indivíduos que podem ser afetados de forma colateral.
No âmbito internacional importante destacar tanto a atuação da
Organização Mundial da Saúde (OMS), do Fundo das Nações Unidas para
a Infância (UNICEF), da “Ação das Nações Unidas para a Cooperação
contra o Tráfico de Pessoas” (UNACT), e da Cruz Vermelha como
organizações que estabelecem diretrizes para o tratamento de dados das
vítimas de tráfico.
Nesse sentido tem-se que em 2003 a OMS publicou um conjunto
de dez diretrizes sobre como entrevistar mulheres vítimas de tráfico de
pessoas4. Este foi um grande passo para assegurar o respeito ao direito
das vítimas de tráfico, bem como de indicar os princípios sobre o uso dos
dados coletados.
Este guia se soma às diretrizes estipuladas pela UNICEF em 2006
sobre a Proteção de Crianças Vítimas de Tráfico5, no que atine a indicação
de procedimento a ser adotado para o tratamento dos dados provenientes
de crimes de tráfico de pessoas.
Nesse sentido, interessante destacar que as diretrizes da UNICEF
estabelecem que, dentre os dados que devem ser protegidos, deve-se
considerar não apenas dados como nome, endereço, data de nascimento
e nacionalidade, mas também informações sobre circunstâncias pessoais,
como atividades, finanças e estado de saúde, incluindo questões como HIV
ou gravidez.
Visando complementar as diretrizes já existentes, a UNACT lançou,
em 2008, uma série de diretrizes com o objetivo de contemplar mais
hipóteses de tráfico de pessoas, abordando também homens, comunidades
e pessoas ainda em situação de vulnerabilidade.
Vale destacar que a UNACT é um projeto regional gerenciado pelo
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que atua
com uma ampla gama de parceiros, incluindo a ONU e agências afiliadas,
como OIT, UNICEF, UNODC, OIM e ONU Mulheres; e organizações
da sociedade civil como World Vision, Save the Children ou ECPAT. A
UNACT possui um guia de Padrões éticos para Pesquisa e Programação no
tema de combate ao tráfico de pessoas6.

4. WHO (2003). WHO Ethical and Safety Recommendations for Interviewing Trafficked Women.
Disponível em: <https://www.who.int/mip/2003/other_documents/en/Ethical_Safety-
GWH.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2019.
5. UNICEF (2006). Guidelines on the Protection of Child Victims of Trafficking. Disponível em:
<https://www.unicef.org/protection/Unicef_Victims_Guidelines_en.pdf>. Acesso em: 10
nov. 2019.
6. UNACT. Guide to Ethics and Human Rights in Counter-Trafficking. 2008. Disponível em: <http://
un-act.org/publication/guide-ethics-human-rights-counter-trafficking/> Acesso em: 10 nov.
2019.
Em todos os casos elencados, os princípios usados especificamente
quanto ao tratamento das informações obtidas pelas vítimas tendem a serem
o mesmos, sendo estes: (i) o de não gerar mais dano/ prejudicar às vítimas;
(ii) o de garantir a confidencialidade; e (iii) o de obter o consentimento livre
e informado das vítimas.
As diretrizes aqui dispostas são amplas, mas demonstram, desde já,
que todos os dados coletados das vítimas de tráfico devem ser tratados
objetivando o sigilo e a confidencialidade quanto ao titular dos dados,
inclusive para garantir a maior segurança destes.
Ainda, quanto as recomendações sobre o tratamento de dados pessoais
em casos de tráfico de pessoas, destaca-se a disposição da ONU sobre o
tema, no documento intitulado “Princípios e diretrizes recomendados
sobre direitos humanos e tráfico de pessoas (E/2002/68/Add.1) (Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos) Diretriz 37.”
Nesta, um dos princípios que se destaca diz respeito àquelede que os
dados devem ser protegidos. Nesse sentido, os dados devem ser protegidos
com políticas e procedimentos claros que equilibrem os interesses da
aplicação da lei com a necessidade de garantir privacidade, confidencialidade
e segurança aos titulares dos dados.
Neste documento, mais uma vez destaca-se que dados anonimizados
e dados não pessoais tendem a ser suficientes para a formulação de políticas
de proteção. Contudo, nos cenários em que estes sejam necessários,
elesdevem estar sujeitos a controles rigorosos de proteção.
Por fim, a Cruz Vermelha possui um manual estruturado sobre como
tratar os dados de pessoas em crises humanitárias. Ainda que nem sempre a
vítima de tráfico de pessoas esteja em um cenário de crise humanitária, este
é um importante paradigma para se considerar titulares que passaram por
situações de grave violação de direitos humanos.
O manual baseia-se nas diretrizes, procedimentos e práticas de
trabalho existentes, estabelecidos em ações humanitárias em benefício das
vítimas mais vulneráveis de emergências humanitárias.
Ele procura auxiliar as organizações humanitárias a cumprir os
padrões de proteção de dados pessoais, aumentando a conscientização e
fornecendo orientações específicas sobre a interpretação dos princípios
de proteção de dados no contexto de ações humanitárias, particularmente
quando novas tecnologias são empregadas.

7. UN. Recommended Principles and Guidelines on Human Rights and Human Trafficking.2002
Disponível em: <https://undocs.org/E/2002/68/Add.1>. Acesso em: 24 nov. 2019.
A Organização define dados pessoais como qualquer informação
relacionada a uma pessoa natural identificada ou identificável. Neste mesmo
sentido, titular de dados é consequentemente um indivíduo que pode ser
identificado, direta ou indiretamente, em particular por referência a dados
pessoais.
A Organização destaca ainda que algumas leis de proteção de dados
incluem a categoria adicional de Dados Sensíveis no conceito de dados
pessoais. Para os fins do Manual, “Dados Sensíveis” são dados pessoais,
que, se divulgados, podem resultar em discriminação ou repressão de
um indivíduo. Normalmente, dados relacionados à saúde, raça ou etnia,
filiação religiosa / política / grupo armado, informações genéticas e dados
biométricos são considerados dados sensíveis.
A Cruz Vermelha ressalta também que todos os dados sensíveis
exigem maior proteção. Nesse sentido, destaca-se que, as organizações
humanitárias trabalham em diferentes cenários, sempre em situações e graves
violação de direitos humanos. Como estas situações são muito delicadas,
as organizações passaram a considerar que muitos elementos particulares
das situações de violação são elementos que podem gerar discriminação,
ampliando assim, o esccopo do que pode ser considerado como dado
sensível. Evidente que todas as situações devem ser analisadas caso a caso.
Em determinadas situações, por exemplo, a ausência dda anonimiação do
sobrenome de um indivíduo pode colocá-lo em uma situação dde maior
risco, situação na qual o nome é tido como dado sensível.
Nesse sentido, tem-se que aquela Organização considera que todos
os dados que possam colocar as vítimas em uma situação de maior risco
devem ser tratados como dados sensíveis.
Por analogia, deste modo, pode-se dizer que todos os dados no
estudo do tráfico de pessoas que puder identificar as vítimas ou coloca-
las em situações de maior vulnerabilidade devem ser considerados dados
sensíveis e portanto tratados com as precauções necessárias.
Uma das precauções necessárias no caso de tráfico, extraído de todos
os manuais e guias ora listados8, é justamente a de anonimizar de forma
eficaz as informações obtidas para impedir que os titulares de dados sejam
colocados em maior risco. Âmbito Nacional - Aspectos Legais do Tráfico de Seres
Humanos e Proteção de Dados no Brasil
Muito embora não exista nenhuma disposição específica quanto ao
tratamento de dados de vítimas do crime de tráfico de pessoas no Brasil,

8. As fontes observadas são as mais consistentes até o momento da pesquisa, existem mais
recentes, porém não tão adequadas.
existem disposições específicas sobre tratamento de dados e tratamento
de dados sensíveis, bem como disposições sobre tráfico de pessoas no
ordenamento jurídico brasileiro.
Ainda, tem-se que o Estado Brasileiro se comprometeu no âmbito
internacional com o combate ao tráfico de pessoas, de modo que ele
também está atrelado às disposições internacionais sobre o tema9.
Deste modo, interessante entender como as legislações nacional e
internacional se vinculam a esta temática. A Constituição Federal indica
como direito fundamental a dignidade da pessoa humana10, o que se
relaciona diretamente com a proteção das vítimas de tráfico de pessoas.
Ainda, tem-se que de acordo com o artigo 5º, X, da Carta Magna, o direito
à intimidade não deve ser violado11. Evidente, portanto, que toda medida
adotada visando o combate ao tráfico de pessoas deve obedecer estas
disposições.
Existe ainda, legislação específica relativa ao crime de tráfico de
pessoas, qual seja, a Lei n°13.344/2016. Esta alterou o Código Penal
Brasileiro, ampliando as modalidades de tráfico e as suas penas. Isso
porque, anteriormente à promulgação desta Lei, apenas o tráfico para fins
de exploração sexual estava expresso no Código Penal.
Assim, além da exploração sexual, estão previstos o tráfico para
remoção de órgãos ou tecidos, para fins de submissão de pessoas a condições
análogas às de escravo ou a qualquer tipo de servidão, e para adoção ilegal
(Código Penal, art. 149-A).
Dentre as diretrizes estipuladas pela lei para o combate ao tráfico
de pessoas, para fins de estudo quanto aos dados coletados destas vítimas,
destacam-se os princípios de “respeito à dignidade da pessoa humana”;
“atenção integral às vítimas diretas e indiretas, independentemente de
nacionalidade e de colaboração em investigações ou processos judiciais12.
9. O Brasil ratificou dentre outros tratados: Protocolo Adicional à Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição
do Tráfico de Pessoas, em Especial de Mulheres e Crianças, que foi adotado em Nova York
em 15 de novembro de 2000. O Protocolo foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio
de Decreto Legislativo 231/2003, e determinada sua execução através do Decreto 5.017/2004.
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-out-17/cesar-dario-brasil-cumprindo-
tratados-trafico-pessoas>. Acesso em: 129nov. 2019.
10. Artigo 1º, III da CF “ Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana.”
11. Artigo 5º da Constituição Federal, “X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra
e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;”
12. Princípios previstos no artigo 2 da Lei 13.344/2016 “ Art. 2º O enfrentamento ao tráfico
de pessoas atenderá aos seguintes princípios: I - respeito à dignidade da pessoa humana; II -
Evidente, portanto, que ainda que mediante uma investigação judicial,
as vítimas devem ser sempre assistidas de modo a garantir sua segurança e
sua dignidade.
A referida Lei ainda dispõe que o enfrentamento ao tráfico de pessoas
atenderá às diretrizes de
“II- articulação com organizações governamentais e não
governamentais nacionais e estrangeiras; III- o incentivo à
participação da sociedade em instâncias de controle social
e das entidades de classe ou profissionais na discussão das
políticas sobre tráfico de pessoas; VI estímulo à cooperação
internacional; VII o incentivo à realização de estudos e
pesquisas e ao seu compartilhamento; VIII-preservação do
sigilo dos procedimentos administrativos e judiciais, nos
termos da lei”.13
Deste modo, tem-se que a própria legislação brasileira reconhece a
necessidade do compartilhamento de dados e da cooperação em âmbito
nacional e internacional. Contudo, esta lei também reconhece a necessidade
do sigilo nos procedimentos adotados, visando sempre a proteção das
vítimas.
Não há na referida lei uma disposição específica quanto ao intercâmbio
de dados e informações no âmbito internacional para o combate a este
delito. Interessante destacar, portanto, o Decreto n° 5.017 de março de 2004
que promulgou o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas
contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão
e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças.
O Decreto mencionado, em que um dos objetivos é o de promover
cooperação entre os Estados para o combate ao crime de tráfico, estipula
que uma das formas desta cooperação se dá por meio do intercâmbio
de informações. Como isto pode envolver informações sensíveis, o
artigo 10 daquele documento dispões que “Um Estado Parte que receba
informações respeitará qualquer pedido do Estado Parte que transmitiu
essas informações, no sentido de restringir sua utilização.”
Tal medida garante que o Estado que possui os dados das vítimas de
tráfico indique a finalidade com a qual tais dados serão utilizados antes de

promoção e garantia da cidadania e dos direitos humanos; III - universalidade, indivisibilidade


e interdependência; IV - não discriminação por motivo de gênero, orientação sexual, origem
étnica ou social, procedência, nacionalidade, atuação profissional, raça, religião, faixa etária,
situação migratória ou outro status ; V - transversalidade das dimensões de gênero, orientação
sexual, origem étnica ou social, procedência, raça e faixa etária nas políticas públicas; VI
- atenção integral às vítimas diretas e indiretas, independentemente de nacionalidade e de
colaboração em investigações ou processos judiciais; VII - proteção integral da criança e do
adolescente.”
13. Art. 3º da Lei n°13.344, de 2016.
seu compartilhamento. Deste modo, caso este compartilhamento ocorra
para mapear dados, eles não poderão ser usados para outro fim e terão que
ser descartados se necessário.
Este, contudo, também dispõe que:
“Nos casos em que se considere apropriado e na medida
em que seja permitido pelo seu direito interno, cada Estado
Parte protegerá a privacidade e a identidade das vítimas de
tráfico de pessoas, incluindo, entre outras (ou inter alia), a
confidencialidade dos procedimentos judiciais relativos a
esse tráfico.”
Embora o Decreto disponha sobre a troca de dados no âmbito
internacional, tem-se que este regula o intercâmbio de informações entre
Estados, e não entre Estados e membros da sociedade civil, de modo que
a relação estabelecida nesse segundo caso não está devidamente tutelada.
Deste modo, para se entender as limitações quanto ao tratamento e
compartilhamento de dados, ainda que em casos de tráfico de pessoas, tem-
se como necessária a análise da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais
(LGPD).
A Lei n° 13.709/2018 também traz, como um de seus princípios
fundamentais, o respeito à privacidade e os direitos humanos14. Para os fins
desta Lei, dado pessoal é toda a informação relacionada a pessoa natural
identificada ou identificável; enquanto dados sensíveis são dados pessoais
sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação
a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado
referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando
vinculado a uma pessoa natural.
Evidente, deste modo, que os dados coletados quanto ao tráfico de
pessoas são dados pessoais e, muitas vezes, dados sensíveis. Nesse sentido,
destaca-se que a LGPD dispõe que o tratamento de dados sensíveis poderá
ocorrer independentemente do consentimento do titular, se este for
indispensável para o “ tratamento compartilhado de dados necessários à
execução, pela administração pública, de políticas públicas previstas em leis
ou regulamentos;”15.
Assim, o tratamento de informações para compor bases de dados
internacionais é autorizado pela legislação brasileira, especialmente se tiver
como finalidade o tratamento de dados para consolidar uma política pública

14. Artigo 2º da Lei 13.709/2018, incisos I e VII.


15. Artigo 11 da Lei 13.709/2018 “O tratamento de dados pessoais sensíveis somente poderá
ocorrer nas seguintes hipóteses: (...) II - sem fornecimento de consentimento do titular, nas
hipóteses em que for indispensável para: (...)b) tratamento compartilhado de dados necessários
à execução, pela administração pública, de políticas públicas previstas em leis ou regulamentos.
de combate ao tráfico de pessoas. Para tanto, é necessário garantir sempre
a dignidade do titular destes dados, tendo como necessária a anonimização
dos dados com vistas a assegurar a devida proteção às vítimas deste crime.

2 AS BASES DE DADOS SOBRE TRÁFICO DE PESSOAS E AS


MEDIDAS ADOTADAS PARA A PROTEÇÃO PELAS FONTES DE
DADOS

Consoante o exposto, com os crescentes adventos tecnológicos é


possível notar não apenas a criação de bases de dados mais amplas, como
também a possibilidade de fazer o mapeamento e cruzar informações
provenientes do mundo todo.
Estas bases, contudo, além de ainda serem escassas, também tem o
dever de se adequar a disposições especificas sobre proteção dos dados
pessoais das vítimas de tráfico, para assegurar a elas os direitos fundamentais
quanto à sua segurança, privacidade e dignidade, direitos fundamentais
previstos tanto na Constituição Brasileira, como em diferentes pactos
internacionais.
A obrigatoriedade em adotar medidas para a proteção de dados nestes
contextos está prevista tanto em tratados e regulamentos internacionais
como na legislação nacional brasileira. Necessário, portanto, verificar como
mecanismos de bases de dados que também se utilizam de informações
disponibilizadoss por membros da sociedade civil brasileira se adequaram
às medidas necessárias para o devido tratamento aos dados pessoais.
As bases de dados relevantes para o presente estudo que, atualmente,
permitem a análise de informações sobre o tráfico de pessoas ao redor
do mudo são compostas tanto por agências da ONU como por diversas
organizações não-governamentais internacionais (ONGs) e, até mesmos,
empresas privadas.
Dentre essas fontes destacam-se: (i) a Organização Internacional para
as Migrações (OIM); (ii) oEscritório das Nações Unidas sobre Drogas e
Crime (UNODC) sobre tráfico de seres humanos; (iii) a International Business
Machines Corporation (IBM).
Cada uma das bases de dados listada apresenta tanto aspectos
positivos como negativos quanto ao mapeamento das informações sobre o
tráfico de pessoas. Interessante, portanto, verificar como estas fontes lidam
com as questões de proteção de dados pessoais em casos de tráfico de
pessoas, considerando, por um lado, a necessidade de troca de dados para a
formação de uma base confiável, bem como a sensibilidade destes mesmos
dados.
2.1 A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS
MIGRAÇÕES

A OIM destaca-se por possuir o maior banco de dados de vítimas de


tráfico no mundo. Isto se dá em decorrência dos programas de assistência
e pesquisa da OIM quanto aos fluxos migratórios. Nesse sentido, é correto
inferir que o processamento de dados pessoais é parte essencial das
operações da Organização Internacional para as Migrações (OIM), vez que
a coleta destes dados advém justamente da prestação de assistência direta às
vítimas de tráfico de pessoas.
Atualmente o banco de dados da organização contém mais de 90.000
casos individuais, com aproximadamente 5.000 novos casos adicionados
a cada ano. Os dados capturados incluem informações sobre (i) os
antecedentes das vítimas, (ii) locais e rotas de tráfico, (iii) como as pessoas
se enquadram no processo de tráfico, (iv) formas associadas de exploração
e abuso, (v) setores de exploração, (vi) meios pelos quais as vítimas são
controladas e (vii) algumas informações sobre os autores.
Pode-se dizer, portanto, que a OIM lida com dados altamente
sensíveis. É por esse motivo que a organização foi uma das primeiras a
desenvolver sua própria política interna de proteção de dados, os “Princípios
de Proteção de Dados da OIM” adotados em 2009.16 Posteriormente, foi
elaborado o “Manual de Proteção de Dados da OIM” em 201017.
É justamente no manual de proteção de dados que se encontra uma
recomendação específica para o tratamento de dados quando a pessoa
for vítima do tráfico de pessoas. Nesse sentido, a OIM estabelece que
caso o atendido tenha sido uma vítima de tráfico humano, considerações
adicionais devem ser levadas em conta, inclusive salvaguardas para proteger
a confidencialidade e o anonimato deste beneficiário.
O princípio que rege esta disposição é o princípio de não causar
danos às vítimas, o que inclui proteger o beneficiário da mídia onde existe
o risco de que a interação comprometa seus interesses pessoais segurança
ou reabilitação. Além disso, deve ser dado tempo adequado para permitir
à OIM considerar a solicitar e, se apropriado, identificar um indivíduo
adequado que possa estar disposto a participar a cobertura da mídia18.

16. https://www.iom.int/data-protection Acesso em: 24 nov. 2019.


17. https://publications.iom.int/books/iom-data-protection-manual Acesso em: 24 nov. 2019.
18. Informações disponíveis no manual da proteção de dados da OIM, disponível no site da
Organização <https://publications.iom.int/books/iom-data-protection-manual> Acessado
em: 24 nov. 2019.
Tendo em vista a sensibilidade dos dados tratados pela organização,
o banco de dados da OIM nem sempre esteve disponível ao público. A
principal razão decorria da preocupação em resguardar as vítimas, bem
como em prestar a devida proteção de dados e garantir a confidencialidade
das informações.
Foi apenas em 2017 que dados primários, anonimizados (“de-
identified”), em nível individual, sobre vítimas de tráfico de pessoas, foram
disponibilizados on-line. As informações foram disponibilizadas por meio
do portal de dados de Counter Trafficking Data Collaborative (CTDC)19. Este
é o primeiro hub20 global de dados sobre tráfico de pessoas, com dados
provenientes de contribuições de organizações de todo o mundo.
Este hub permite analises sob o tráfico de pessoas sob perspectivas
de (i) gênero; (ii) idade; (iii) finalidade; (iv) rotas de tráfico. Atualmente, esse
conjunto de dados global permite a pesquisa sobre mais de 55.000 registros
anonimizados de pessoas vítimas do tráfico humano21, além de fornecer
informações gerais a partir da análise de dados não pessoais de mais de
90.000 casos.
Muito embora exista essa iniciativa, tem-se que os dados
compartilhados, até o momento, servem majoritariamente para fins
estatísticos. Isso porque, ainda que anonimizados, o compartilhamento
de dados pessoais entre organizações continuaria possibilitando a re-
identificação das vítimas, o que poderia levar a graves consequências. A
propria ONU possui disposições que estabelecem que os dados sejam
estritamente confidenciais e usados exclusivamente para fins estatísticos
(ONU, 2013)22.
Este é um dos motivos pelos quais o acesso aos dados e seu uso
em várias iniciativas tem sido limitado até o momento. Nesse cenário
observa-se que, embora a OIM possua uma grande base de dados, esta não
é compartilhada em sua integridade. Deste modo, tem-se que, por um lado,
a proteção atribuída contribui para a implementação eficaz dos projetos da
OIM, garantindo a privacidade e a segurança de todas as pessoas assistidas
pela organização, inclusive as vítimas de tráfico de pessoas. Por outro, a
19. THE COUNTER TRAFFICKING DATA COLLABORATIVE. GLOBAL DATA HUB
ON HUMAN TRAFFICKING. Disponível em: <https://www.ctdatacollaborative.org/ >
Acesso em: 24 nov. 2019.
20. Para fins deste artigo o termo “hub” será usado como “concentrador” e “processador” pelo
qual se transmite ou difundem informações.
21. THE COUNTER TRAFFICKING DATA COLLABORATIVE. THE GLOBAL DATASET.
Disponível em: <https://www.ctdatacollaborative.org/> Acesso em: 10 nov. 2019.
22. UN. 2013/21. Fundamental Principles of Official Statistics. Resolution adopted by the Economic and
Social Council on 24 July 2013. Disponível em: <https://unstats.un.org/unsd/dnss/gp/FP-
Rev2013-E.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2019.
limitação das informações disponibilizadas diminui o intercâmbio de dados
possivelmente relevantes com demais órgãos, e dificulta a identificação dos
perpetradores do crime de tráfico humano.
Ainda, tem-se que o conjunto de dados têm um escopo geográfico
e abrangência limitada. Isso porque a disponibilidade dos dados da OIM
depende da sua programação, que varia em extensão por país.
Destaca-se, por fim, que o hub da OIM se vale de dados colhidos no
mundo inteiro, o que inclui também os dados colhidos no Brasil23. Inclusive,
estes dados revelam que apenas 0,5% das pessoas traficadas do Brasil são
identificadas apropriadamente.

2.2 ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DROGAS E


CRIME

O UNODC realiza um trabalho importante quanto ao tráfico de


pessoas que envolve elaborar periodicamente um relatório global sobre o
tráfico de pessoas. O relatório mais recente data de 201824, e foi elaborado
por meio do envio de questionários com diferentes perguntas aos governos
a fim de identificar uma série de padrões sobre o tráfico de pessoas.
Os dados coletados permitem identificar o sexo, idade e tipo de
exploração das vítimas desse tipo de crime. Além disso, o UNODC coleta
informações oficiais, como relatórios policiais (disponíveis em domínio
público).
O banco de dados do UNODC, contudo, se baseia na coleta de
informações oficiais principalmente dos governos participantes. Desse
modo, a abrangência dos dados varia de acordo com o Estado. As leis e
políticas dos países para combater o tráfico, bem como suas capacidades
para identificar vítimas podem tanto facilitar como prejudicar na coleta de
dados25.

23. https://www.ctdatacollaborative.org/map
24. UNODC. Global Report on Trafficking in Persons 2018 (United Nations publication, Sales
No. E.19.IV.2). Disponível em: <https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/
glotip/2018/GLOTiP_2018_BOOK_web_small.pdf> Acesso em: 24 nov. 2019.
25. Nesse sentido, importante destacar o trecho extraído do artigo “ESTATÍSTICAS
RELACIONADAS AO TRÁFICO DE PESSOAS: dos relatórios do UNODC à busca de
uma metodologia compreensiva sobre o tema” que dispõe que “ Não obstante os esforços
do UNODC em aprimorar sua metodologia de coleta de dados, uma dificuldade foi comum a
todos os relatórios: o problema dos desarranjos verificados nas mais diferentes jurisdições não
apenas em relação ao combate do crime em si, mas também no que tange à coleta interna de
dados, muitas vezes sujeita a dificuldades inerentes à própria organização dos órgãos internos
dos Estados ou mesmo da ausência de uma metodologia capaz de considerar as informações
obtidas por cada  uma das entidades atuantes no combate ao tráfico e suporte às vítimas.”
SMANIO Gianpaolo P.. CHIARELLO Felipe de S. Pinto. ATCHABAHIAN, Ana Cláudia
Destaca-se, por fim, que o Brasil é um dos Estados que colabora com
as informações prestadas ao órgão, sendo, portanto, importante entender
como este trata dos dados disponibilizados.

2.3 IBM

As empresas privadas também têm um papel importante no


mapeamento de informações para o combate ao crime de tráfico de pessoas.
Nesse sentido, vale destacar a atuação da IBM, empresa norte-americana
voltada para a área de informática que atua junto a ONGs no combate ao
tráfico de pessoas26.
A IBM trabalhou com a Watson Speech to Tex (STT) para desenvolver
um hub de dados que permita que diferentes instituições financeiras (como
Barclays, Europol, Liberty Global, Lloyd’s Banking Group, University College London,
e outras) a identificar as redes e os fluxos de tráfico de pessoas.
A análise de informações provindas de instituições financeiras é
particularmente relevante, considerando-se que uma das características do
tráfico de pessoas sua rentabilidade, o que tornaria possível o rastreamento
de valores envolvidos. Nesse sentido, ao acompanhar o fluxo de dinheiro,
também será possível acompanhar o fluxo de seres humanos traficados.
Destaca-se ainda que a lavagem de dinheiro é uma parte predominante
do tráfico de pessoas, logo é possível buscar e mapear dados de tráfico
partindo-se também da identificação de padrões específicos relacionados à
lavagem de dinheiro.
A identificação destes dados se dá em dois passos diferentes. Em
um primeiro momento, há a coleta de dados em grande escala. Em um
segundo momento, é usada uma ferramente de Inteligência Artificial (IA)
para enriquecer e refinar os dados coletados.
Esta IA é treinada para reconhecer e detectar termos e incidentes
específicos de tráfico de pessoas. A IA também permite que o hub receba
dados de código aberto em escala - incluindo milhares de feeds de notícias
diários - para ajudar os analistas a identificar as características dos incidentes
de tráfico de pessoas (como métodos de recrutamento e transporte) com
mais facilidade.

Ruy Cardia. JUNQUEIRA, Michelle Asato. ANDREUCCI, Ana Cláudia P. Torezan (Orgs.).
Mulheres invisíveis: panorama internacional e realidade brasileira do  tráfico transnacional de
mulheres. Curitiba: CRV, 2018.
26. IBM. Working with NGOs, non–profits and industry partners to disrupt human trafficking by using
cloud and AI technologies to identify patterns of activity to make communities safer. Human TraffickiNg.
<https://www.ibm.org/initiatives/human-trafficking> Acesso em: 24 nov. 2019.
A ferramenta usa a IA para agregar e interpretar os dados -
transformando-os em informações acionáveis para uso por governos, ONGs
e instituições financeiras. Os dados analisados não contêm informações
específicas sobre entidades ou pessoas. Eles informam quando a transação
ocorreu, e a relação com as cidades de origem e de destino.
O cruzamento de dados agrupados de várias fontes - ONGs, notícias
e outras instituições financeiras não é comum. São estas as informações
que permitem uma análise mais precisa de fluxos de dinheiro relacionado
ao fluxo de pessoas traficadas. Também permite um maior mapeamento de
informações.
Essa coleta e tratamento de dados tem como fim identificar onde as
rotas de tráfico acontecem, quais são os pontos de trânsito,e que tipos de
tráfico prevalecem em diferentes períodos de tempo e em diferentes locais.
A estratégia utilizada pela IBM consiste em fazer a análise de dados não
pessoais relacionados ao tráfico de pessoas. Muito embora as informações
sejam provenientes de instituições financeiras, estas informações não se
vinculam com os titulares dos dados. Isso porque o hub não armazena
informações pessoais ou confidenciais. Como não são dados específicos, a
legislação acerca do tratamento não é um problema.
Ao analisar dados não pessoais, a IBM contorna os problemas quanto
às políticas de privacidade e permite o compartilhamento de resultados.
Deste modo, a plataforma IBM/STT facilita uma melhor colaboração
intersetorial para interromper ou reduzir ao máximo o tráfico de pessoas.
Por outro lado, tem-se que as informações coletadas dependem
exclusivamente das informações prestadas pelas instituições que fazem
uso da IBM e concordam em processar seus dados com a finalidade de
identificar o tráfico de pessoas.
Deste modo, muito embora a análise de dados financeiros por meio
do uso de uma IA consista em uma chance para identificar casos de tráfico
de pessoas, tem-se que esta medida se encontra sujeita à vontade dos
controladores destes dados.
Mais uma vez, tem-se a análise dos fluxos, mas não a identificação dos
agentes que atuam no crime de tráfico de pessoas, em razão da anonimização
dos dados pessoais. Não suficiente, tem-se que essa coleta identifica grandes
fluxos, de modo que casos isolados provavelmente passam desapercebidos
pelo mapeamento realizado. Muito embora a IBM não use, em um primeiro
momento, dados prestados por entes situados no Estado Brasileiro, tem-
se que ela pode se valer de dados anomizados de brasileiros que tenham
informações em uma das instituições financeiras que cede as informações
ao AI.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tecnologia mudou o modo como se deve lidar com o tráfico de


pessoas. Isso porque esta alterou não apenas a dinâmica do tráfico, mas
também aprimorou as formas de combate deste.
Uma das formas de combate consiste justamente em rastrear as
formas e os padrões contidos neste tipo de crime, para identificar rotas
usadas e, a partir desta informação, tentar estabelecer novas políticas de
combate e prevenção. Para tanto, é necessária a análise e o uso de dados das
vítimas de tráficos de pessoas.
Nesse sentido, destaca-se que embora não exista nenhuma diretriz
específica no Brasil para esse tratamento particular, existem diretrizes e
tratados internacionais, bem como legislação interna sobre o tratamento
de dados e sobre o tráfico de pessoas. Todas essas normas devem ser
combinadas em casos concretos para assegurar a proteção às vitimas, bem
como uma maior efetividade nas redes de proteção e combate ao crime.
Destaca-se, assim, que diversas instituições que tem sede no Brasil, ou
usam dados proporcionados pelo Governo brasileiro ou, potencialmente,
utilizam dados de brasileiros, encontraram formas assegurar a proteção
de dados e, ao mesmo tempo, gerar bases de dados que podem ser
compartlhadas internacionalmente. Essas informações, contudo, ainda são
escassas.
Nesse sentido, muito embora as bases de dados geradas não consigam
contemplar todas as hipóteses de tráfico, estas auxiliam significantemente
na identificação de rotas e rotinas dos agentes que praticam este crime, e
consequentemente, auxiliam em seu combate.
Salienta-se que uma medida que poderia auxiliar profundamente
no mapeamento destes dados consistiria em que todos os envolvidos na
assistência das vitimas de tráfico de pessoas realizassem o commpartilhamento
dos dados depois destes terem sido devidamente anonimizados. Tal ação,
por si só, aumentaria as informações coletadas ao redor do mundo e
auxiliaria no mapeamento a ser feito por diversos Estados.
Lembra-se, todavia, que o uso da tecnologia para fins de integrar
bases de dados não é irrestrito. Isso porque os dados atinentes às vítimas
de tráfico de pessoas são dados pessoais, muitas vezes sensíveis, que devem
ser tratados adequadamente, para não expor ainda mais as vítimas a uma
situação de violência e maior vulnerabilidade.
Nesse sentido, embora seja preciso expandir cada vez mais a rede
de compartilhamento de informações relevantes para tentar combater este
crime, é necessário também atentar aos direitos de privacidade e à proteção
de dados pessoais dos titulares dos dados, garantindo sempre a dignidade, a
proteção e a segurança destes.
O compartilhamento de bases de dados é essencial. Isso porque reunir
dados globais em uma plataforma fortalece e capacita instituições locais,
nacionais e internacionais para erradicar crimes de tráfico e exploração. Este
compartilhamento, para ser efetivo, exige um esforço coletivo, tanto por
membros da sociedade civil, como de instituições privadas e dos próprios
governos.
Por certo, portanto, que o esforço visando o compartilhamento de
dados de vítimas de tráfico de pessoas tem que se aprimorar, para que as
bases de dados fiquem cada vez mais completas, respeitando-se sempre a
proteção aos titulares dos dados mapeados.

REFERÊNCIAS

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<https://www.who.int/mip/2003/other_documents/en/Ethical_Safety-
GWH.pdf>. Acesso em: 30 Jan. 2020
CAPÍTULO 10

TRÁFICO DE PESSOAS: DESAFIO


DA IMPLEMENTAÇÃO DE UMA
REDE SISTEMATIZADA DE
DADOS PARA O COMBATE DO
FENÔMENO NO BRASIL

CAROLINA NAVES SILVESTRE


Graduada em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie; advogada.
Membro do Grupo de Pesquisa “Pessoas Invisíveis: Prevenção e Combate
ao Tráfico Interno e Internacional de Seres Humanos”.

INTRODUÇÃO

O trabalho em apreço traz a análise da importância da coleta e


sistematização de informações sobre o crime do tráfico de pessoas no Brasil,
com o intuito de que sejam estruturadas políticas públicas em consonância
à realidade do crime perpetuado no território nacional.
Essa abordagem é extremamente relevante ao considerar que o
tráfico humano é um crime de grandes proporções, altamente rentável e, ao
mesmo tempo, invisível, superando limites territoriais físicos e envolvendo
organizações criminosas estruturadas, por meio das quais comercializam-se
pessoas como se objeto fossem, para o fomento do lucro.
Desse modo, esse trabalho consiste na coleta e análise de dados
de diversos órgãos sobre o tráfico de pessoas, com o intuito de verificar
se há congruência de informações para aferir se o Brasil desenvolve um
sistema informatizado, com a possibilidade de cruzamento de dados,
em cumprimento às metas estabelecidas no II e III Plano Nacional de
Enfretamento ao Tráfico de Pessoas, considerando que se utilizou o recorte
temporal de dados extraídos entre os anos de 2014 a 2019, período que
engloba ambos os Planos mencionados.
A seleção dos órgãos cujos dados serão analisados deu-se por serem
partícipes da rede de enfrentamento ao tráfico de pessoas, bem como por
possuírem um caráter nacional, e não apenas regional, o que dificultaria a
mensuração dos dados.
A referida pesquisa está estruturada em três capítulos: o primeiro
visa contextualizar o avanço brasileiro na luta contra o tráfico humano,
analisando a consonância de dispositivos legais nacionais com o Protocolo
de Palermo – principal documento internacional sobre o tema –, bem como
a implementação da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas e de seus Planos Nacionais, destacando-se as metas para a criação
de dados sistematizados e articulados.
Posteriormente, na segunda parte do trabalho, serão computados
dados oficiais que tratam sobre essa temática, com o intuito de analisar
se há congruência entre si, possibilitando-se a verificação da amplitude
desse crime, além da constatação se o Brasil está gerando informações
estruturadas e adequadas, em observância às metas dos Planos Nacionais
até então estabelecidos.
No terceiro capítulo, serão analisadas fontes secundárias e ações
judiciais cuja temática envolva dados do desaparecimento civil, considerando
que há uma parcela significativa de pessoas traficadas que foram dadas
como desaparecidas. Assim, revela-se a importância da verificação de
informações sobre o primeiro contato formal com o governo para que seja
dada a notícia do desaparecimento (boletim de desaparecimento), visando
estabelecer se há o cruzamento de dados entre os órgãos que atuam nessa
temática e, consequentemente, também exercem participação na luta contra
o tráfico de pessoas.
Objetiva-se demonstrar a hipótese que norteia este trabalho, qual
seja, que o Estado brasileiro não está sendo capaz de produzir e sistematizar
dados sobre o tráfico humano, em descumprimento ao II e III Planos
Nacionais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, utilizando-se, para
tanto, o método indutivo de análise.

1 PERSPECTIVAS GERAIS SOBRE O TRÁFICO DE PESSOAS E


ANÁLISE DE SUA EVOLUÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL

O tráfico de pessoas não é um fenômeno recente na história


da humanidade. Pelo contrário, está enraizado em práticas seculares,
por meio dos deslocamentos humanos alinhados com regimes de
submissão e dependência dos mais fortes perante os mais vulneráveis
socioeconomicamente.
No entanto, mesmo após as profundas evoluções tecnológicas,
científicas e legislativas, o fenômeno da “coisificação” do ser humano
permanece, de modo que, na busca insaciável pelo lucro, as pessoas são
tratadas como meras cifras comerciais, em um processo violento de
redução da “humanidade de outra pessoa”, responsável por ceifar sonhos,
liberdades e suas próprias vidas.1
A Organização das Nações Unidas (ONU) declara que o tráfico
de pessoas é uma forma de “escravidão moderna” 2 (tradução livre)3. Em
grande parte dos casos, as vítimas perdem suas liberdades individuais, a
escolha de ir e vir e o direito de livre disposição sobre suas vidas e seus
corpos, em razão de falsas promessas, na busca de melhores condições
de vida e igualdade. Em outras palavras, “o tráfico de pessoas é causa e
consequência das violações dos direitos humanos”4 .
Para além disso, este crime é catalogado como a terceira maior fonte
ilegal de lucro do mundo, movimentando cerca de US$ 32.000.000.000,00
(trinta e dois bilhões de dólares americanos) por ano, número inferior,
apenas, à rentabilidade do tráfico de armas e de drogas.5
Trata-se de um crime complexo, violento e, também, silencioso,
diante do qual as pessoas em situação de tráfico clamam pela efetivação
de seus direitos, por meio de políticas públicas que possam protege-las e
enxerga-las como pessoas, e não como comércio.
Diante deste cenário repleto de violações a direitos fundamentais e
após a intensificação das discussões sobre o tema em âmbito internacional,
restou claro que era necessária a articulação de diversos setores da sociedade
para a implementação de políticas públicas nas agendas governamentais, na
tentativa de coibir a expansão do tráfico de pessoas, bem como preveni-lo.

1. MORRA, Maria Helena. Tráfico de Pessoas: gente vendendo gente. Um desafio para os
direitos humanos. Tráfico de pessoas: quanto vale o ser humano na balança comercial do lucro?
A escravidão no Século XXI – São Paulo: Ideias & Letras, 2013, p. 40.
2. UNODC. Global Report on Trafficking in Persons. New York: United Nations, 2014. 1 p.
Disponível em: https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_TIP/Publicacoes/
GLOTIP_2014_full_report.pdf Acesso em: 18 ago. 2019
3. “We have seen that governments and people everywhere are approaching human trafficking
with greater urgency. This year, we marked the first ever United Nations World Day against
Trafficking in Persons on 30 July, which provided a much-needed opportunity to further raise
awareness of modern slavery.”
4. BRASIL. Ministério da Justiça. Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília:
SNJ, 2008. 5 p. Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/
publicacoes/anexos/i-plano-nacional-de-etp.pdf. Acesso em: 2 set. 2019.
5. UNODC. Global Report on Trafficking in Persons. New York: United Nations, 2012. 68 p.
Disponível em: https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/glotip/Trafficking_
in_Persons_2012_web.pdf Acesso em: 18 ago. 2019.
Um dos resultados dessa aliança foi a criação de um marco histórico
legal sobre o tema - Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas
contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão
e Punição do Tráfico de Pessoas em Especial Mulheres e Crianças (Protocolo
de Palermo), adotado em Nova York em 15 de novembro de 2000.
O Protocolo de Palermo trouxe inovações importantes a respeito
dessa temática. Uma das significativas mudanças foi o rompimento da antiga
conceituação do tráfico de pessoas, que nos documentos internacionais
anteriores visava proteger quase que exclusivamente as mulheres –
principalmente brancas - e crianças. Em seu art. 3º, alínea “a”, o referido
instrumento legal internacional transpôs tal barreira, conceituando esse
crime como:
o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento
ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou
uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à
fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de
vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos
ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa
que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.
A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da
prostituição de outrem ou outras formas de exploração
sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou
práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção
de órgãos.
Além de diversas outras modificações à perspectiva até então
existente sobre o tráfico de seres humanos, o Protocolo de Palermo impôs
aos Estados signatários a obrigatoriedade de implementarem políticas, se
apresentando como um “instrumento destinado a combater e prevenir o
tráfico de pessoas e, ao mesmo tempo, a proteger os direitos fundamentais
das vítimas”6, tornando-se o documento mais importante e inovador sobre
o tema.
Nesse diapasão, o art. 10 do diploma legal supramencionado dedicou-
se sobre o intercâmbio de informações entre as autoridades competentes
e a formação de seus agentes, determinando que deveria haver cooperação
entre os órgãos, mediante a troca de informações, visando definir dados
sobre características, meios e incidência desse crime.
No Brasil, contudo, apesar de ter sido assinado no ano de 2000, esse
instrumento internacional somente foi promulgado em 12 de março de 2004
(Decreto n.º 5.017/2004), tendo em vista que a preocupação em incluir tal

6. PISCITELLI, Adriana G.; VASCONCELOS, Márcia. Apresentação do Dossiê Gênero no Tráfico de


Pessoas. Campinas: Cadernos Pagu, 2008. 13 p. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cpa/
n31/n31a02.pdf Acesso em: 15 set. 2019.
assunto como um problema de governo no país ocorreu efetivamente após
denúncias realizadas por organizações da sociedade civil, pela ONU e pela
Organização dos Estados Americanos (OEA).
Tais denúncias deram origem à pesquisa sobre tráfico de mulheres,
crianças e adolescentes para fins de exploração sexual comercial no Brasil
(Pestraf), publicada em 2002, a qual revelou a problemática do tráfico de
pessoas no Brasil, além de mostrar a fragilidade dos dados colacionados
pelos órgãos nacionais.7
Além de outras ações visando o enfrentamento desse crime, a Pestraf
propôs a criação de uma rede de informações que permitisse identificar
e controlar as ações da rede, bem como a estruturação e reforço nas
instituições atuantes, nas redes de notificação e no armazenamento de
dados, e a preparação, em si, de um banco de dados, buscando o tratamento
global do fenômeno.
O arcabouço legislativo nacional, visando alinhar-se aos desafios
apresentados, intentou incorporar o assunto à agenda brasileira por meio
de respostas articuladas, instituindo, para tanto, a Política Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Decreto nº 5.948/2006), sob a
coordenação da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça
(SMJ), da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) e da Secretaria de Políticas
Públicas para as Mulheres (SPM).
A Política Nacional estabeleceu princípios, diretrizes e ações
norteadoras de prevenção e repressão ao tráfico de pessoas e de atenção às
vítimas, além de instituir a finalidade de elaboração do Plano Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP).
No tocante à gestão de informações, revelou-se a necessidade de
incentivar e realizar pesquisas, considerando as diversidades regionais,
organização e o compartilhamento de dados (art. 4º, VIII, Decreto nº
5.948/2006), além da integração de dados existentes na área de enfrentamento
ao tráfico de pessoas (art. 8º, I, “m”, Decreto nº 5.948/2006).
Desse modo, percebe-se que ao aprovar a Política Nacional,
o Brasil reconheceu a importância do enfrentamento ao tráfico de
pessoas, deixando-o de ser tratado apenas em ações pontuais, para se
tornar, efetivamente, uma política multissetorial de Estado, por meio do

7. BRASIL. Ministério da Justiça. Pestraf: pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças e adolescentes
para fins de exploração sexual comercial no Brasil, 2002. Disponível em: https://www.justica.
gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/anexos-pesquisas/2003pestraf.pdf/
view Acesso em: 10 out. 2019.
fortalecimento do pacto federativo e da atuação conjunta e articulada de
esferas e órgãos governamentais e da sociedade civil.8
Em 2008 desenvolveu-se o I PNETP (Decreto nº 6.3472008), o qual
tinha três grandes eixos estratégicos – prevenção ao tráfico de pessoas,
atenção às vítimas e repressão e responsabilização de seus atores -, trazendo
para cada um desses assuntos, objetivos, ações, atividades, metas, órgãos
responsáveis, além de parceiros e prazos de execução.
No tocante ao eixo de prevenção, realça-se a prioridade de levantar,
sistematizar, elaborar e divulgar estudos, pesquisas, informações e
experiências sobre o tráfico de pessoas, envolvendo mais de vinte e três
metas para tanto.
Já em relação ao eixo de repressão ao tráfico de pessoas e
responsabilização de seus atores, também se nota o objetivo de melhorar as
redes de dados, visando fomentar o intercâmbio de informações entre os
órgãos de segurança pública em matéria de investigação.
Esse primeiro ciclo de políticas públicas encerrou-se em 2010, ano
em que foi elaborado o Relatório do Plano Nacional, o qual concluiu que
foram alcançados resultados positivos no I PNETP, inclusive, a respeito de
novos estudos e pesquisas sobre a temática, considerando que até o ano de
2006 só existia a Pestraf como pesquisa sobre esse fenômeno em âmbito
nacional.9
No intervalo entre os anos de 2010 a 2012, não esteve vigente
nenhum Plano Nacional, tendo em vista que o II PNETP foi somente
implementado em 2013, por meio da aprovação da Portaria Interministerial
nº 634/2013, a qual instituiu também o Grupo Interministerial de
Monitoramento e Avaliação do II PNETP, com o intuito de analisa-lo e
monitorá-lo periodicamente.
Ademais, visando garantir a eficácia do II PNETP, instituiu-se o
Decreto nº 7.901/2013, que criou o Comitê Nacional de Enfrentamento
ao Tráfico de Pessoas (CONATRAP), no âmbito do Ministério da Justiça
(MJ) e a Coordenação Tripartite da Política Nacional de Enfrentamento

8. CAMPOS, Bárbara Pincowsca Cardoso; OLIVEIRA, Mariana Siqueira de Carvalho; GAMA,


Ivens Moreira. O que o Brasil tem feito para combater o tráfico de pessoas? Notas sobre a
Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. In: SOUSA, Nair Heloísa Bicalho
de; MIRANDA, Adriana Andrade; GORENSTEIN, Fabiana (Orgs). Desafios e perspectivas para
o enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil. Brasília: Ministério da Justiça - Coordenação de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, 2011. p. 238-240. Disponível em: https://www.justica.
gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/anexos/desafiosperspectivasl.pdf
Acesso em: 10 set. 2019
9. BRASIL. Ministério da Justiça. Relatório Final de Execução do Plano Nacional de Enfrentamento ao
Tráfico de Pessoas. Brasília: SNJ, 2010. Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/
trafico-de-pessoas/politica-brasileira/anexos/2010relatoriopnet.pdf Acesso em: 3 set. 2019.
ao Tráfico de Pessoas, composta pelo MJ, pela SPM e SDH, objetivando
coordenar a gestão estratégica e integrada da Política Nacional e de seus
Planos.
O II PNETP estabeleceu que até o ano de 2016 deveriam ser
executadas cinco linhas operativas, estando, dentre elas, a produção, gestão
e disseminação de informação por meio da criação de um sistema de dados,
informatizado, integrado e multidisciplinar, atualizado permanentemente
pelos atores envolvidos para subsidiar a coordenação de ações e intercambiar
informações entre as diferentes organizações.10
Para tanto, foram definidas quatro metas, sendo elas: (i) mecanismo
de integração das informações dos bancos de dados; (ii) sistema de
informações utilizado pelos Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas; (iii) matriz de indicadores comuns sobre o tráfico de pessoas; e
(iv) relatório público do sistema de informações sobre o tráfico de seres
humanos com publicação anual.
Com efeito, os membros do Grupo Interministerial de Monitoramento
e Avaliação do II PNETP realizaram diversas reuniões para acompanhar
o progresso do cumprimento das metas contidas no Plano. Na última
delas, ocorrida em maio de 2016, elaborou-se o 8º Relatório do PNETP,
apresentou-se então uma análise final sobre o assunto.11
Nesse relatório, concluiu-se que das quatro metas acima mencionadas,
apenas a criação da base integrada de dados não havia sido alcançada,
inclusive, sem a apresentação de nenhum avanço desde a 6º Reunião do
Grupo, datada de dezembro de 2014.
Ainda durante a execução do II PNETP, foi sancionada a Lei nº
13.344/2016, que promoveu a tipificação do tráfico de pessoas (149-A,
Código Penal), no âmbito dos crimes contra a liberdade pessoal, ampliando
as hipóteses de configuração do crime, anteriormente disciplinado nos
artigos. 231 e 231-A do Código Penal (incluídos pela Lei 11.106/2005),
que restringiam sua finalidade à exploração sexual, o que contrariava
sobremaneira o texto do Protocolo de Palermo.
Em que pese tenham surgido severas críticas à Lei nº 13.344/2016,
observa-se que tal diploma trouxe outras modificações até então inexistes,
como a autorização expressa para que o poder público crie sistema de
10. BRASIL. Ministério da Justiça. II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
Brasília: SNJ, 2013. Disponível em: https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil/
noticias/2013/04/2013-04-08_Folder_IIPNETP_Final.pdf. Acesso em: 2 set. 2019.
11. BRASIL, Ministério da Justiça. 8º Relatório de Monitoramento: II Plano Nacional de Enfrentamento
ao Tráfico de Pessoas. Brasília: SNJ, 2016.Disponível em https://legado.justica.gov.br/sua-
protecao/trafico-de-pessoas/politica-brasileira/anexos-gi-ii/8-orelatorio-de-monitoramento-
do-ii-pnetp.pdf. Acesso em: 3 set 2019.
informações visando à coleta de dados que orientem o enfrentamento do
crime (art. 10), bem como disponibilização de meios técnicos adequados
para localização de vítimas ou suspeitos do delito em curso, mediamente
requisição direta feita por membros do Ministério Público ou delegados de
polícia às empresas prestadoras de serviços de comunicação ou telemática
(art. 11).
Após as mudanças elencadas na lei supramencionada, foi publicado
o Decreto nº 9.440/2018, que aprovou o III PNETP, dividindo-o em
seis eixos temáticos, de maneira que um deles dedica-se exclusivamente à
gestão de informação, com o intuito de desenvolver e implementar sistema
integrado de informações sobre o tráfico de pessoas e seu enfrentamento.
Para tanto, definiu-se nove metas estratégicas, com propósitos
específicos, destacando-se dentre elas, o diagnóstico do cenário nacional
sobre o tráfico de pessoas; desenvolvimento e difusão do banco de dados
de instituições e programas de enfrentamento; além da implementação
da estratégia de gestão de informação em conjunto com órgãos do Poder
Judiciário e de segurança pública.
Em constância com a sistemática de monitoramento do II PNETP, o
Decreto nº 9.796/2019 instituiu o Grupo Interministerial de Monitoramento
e Avaliação do III Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas
do III PNETP, responsável por analisar e produzir relatórios de suas
atividades até o ano de 2022, correspondente à data de vigência desse Plano
Nacional.
De acordo com o Ministério da Justiça12, o III PNETP será
monitorado por meio da plataforma “Monitora 8.7”, gerenciada por
uma cooperação internacional entre o Ministério Público do Trabalho
e a Organização Internacional do Trabalho, em prol da erradicação do
Trabalho Forçado, da Escravidão Contemporânea, do Tráfico de Pessoas e
do Trabalho Infantil (Agenda 2030).
A plataforma tornará público os dados de todas as etapas do
monitoramento do III PNETP, com o intuito de fomentar a participação
civil na luta para a erradicação do tráfico de seres humanos. Até o presente
momento, nenhum resultado foi registrado no sistema.13

12. BRASIL. Decreto nº 9.440, de 03 de julho de 2018. Aprova o III Plano Nacional de Enfrentamento
ao Tráfico de Pessoas. Brasília, DF, Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/
trafico-de-pessoas/politica-brasileira/dec-9440-18-iii-plano.pdf Acesso em: 6 set. 2018.
13. SMART LAB (Brasil). Ministério Público do Trabalho (Org.). Monitora 8.7: plataforma
de monitoramento de planos da meta 8.7 dos objetivos do desenvolvimento sustentável.
Disponível em: https://monitora87.mpt.mp.br/status/ Acesso em: 6 nov. 2019.
Desse modo, após a análise do avanço legislativo sobre a temática,
passa-se, no tópico subsequente, ao exame dos dados disponibilizados
pelos órgãos integrantes da rede de enfrentamento ao tráfico de pessoas.

2 ANÁLISE DA INTEGRAÇÃO DE DADOS OFICIAIS SOBRE O


FENÔMENO DO TRÁFICO DE PESSOAS

Antes de adentrar à análise sobre critérios qualificativos dos dados


de órgãos públicos sobre o tráfico de pessoas, é imprescindível tecer
considerações sobre a concepção de políticas públicas.
Maria Paula Dallari Bucci define políticas públicas como:
(...) programas de ação destinados a realizar, sejam os
direitos a prestações, diretamente, sejam a organização,
normas e procedimentos necessários para tanto. As
políticas públicas não são, portanto, categoria definida e
instituída pelo direito, mas arranjos complexos, típicos da
atividade político-administrativa.1415
Nesse sentido, a autora leciona que a categoria de políticas públicas
pressupõe a noção de compreensão do Poder Público de maneira conjunta,
contemplando, necessariamente, a coordenação, que deve ser tida como
uma preocupação indelével para a atuação do ente estatal.16
Considerando a necessidade de coordenação, entende-se que para
a consecução dos objetivos definidos em uma política pública, há de se
estabelecer a interação com diversos órgãos, entidades ou seguimentos
da administração pública que, de certa maneira, possam influenciar no
resultado a ser alcançado:
Pensar estrategicamente ou pensar as políticas públicas
implica pensar toda a organização ou todo o arranjo estatal
em relação aos seus pontos de incidência, tomados como
sistemas complexos e caóticos, inseridos em um contexto
moldado por um conjunto de relações que transcendem os
limites desse sistema de atores (organizacionais ou sociais),
para alcançar a interação com outros órgãos, entidades
ou segmentos que configuram o espaço de interação
da administração pública. É preciso pensar a estratégia
ou a política pública como resultante da interação dos

14. BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. Políticas Públicas:
Reflexões sobre o Conceito Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. 31 p. Disponível em: https://
edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4182322/mod_resource/content/1/BUCCI_Maria_
Paula_Dallari._O_conceito_de_politica_publica_em_direito.pdf Acesso em: 19 out. 2019.
15. Em que pese tenhamos citado Maria Paula Dallari Bucci, não faremos análise das políticas
públicas conforme o quadro de referência proposto pela autora, posto não ser esse o escopo
do presente trabalho.
16. Ibid., p. 44.
diferentes organismos, áreas, segmentos e atores sociais;
níveis, interesses, tensões e perspectivas de análise.17
Passando-se tal análise para a perspectiva do tráfico de pessoas, revela-
se imperioso a articulação e coordenação de todos os atores envolvidos
nesse assunto, para a efetiva formação da rede de enfrentamento ao tráfico
de pessoas.18
Posto isso, conclui-se que a concretização das políticas públicas para
a sistematização de uma rede de dados sobre o tráfico humano requer,
necessariamente, o intercâmbio de informações e a atuação conjunta de
todos os órgãos envolvidos na rede anti-tráfico do país.
Tendo isso como pressuposto, torna-se fundamental a análise dos
dados de diversos órgãos, no intuito de verificar se há compatibilidade
e congruência entre si e, consequentemente, aferir se o Brasil está
desenvolvendo políticas para a implementação de uma rede integrada de
informações sobre o tráfico humano de maneira eficaz.
Para que a pesquisa pudesse ser factível, definiu-se o recorte temporal
de dados extraídos entre os anos de 2014 a 2019, os quais permeiam as
metas definidas no II e III PNETP, considerando que nesse intervalo
desenvolveram-se mais documentos e pesquisas sobre o assunto, tornando-
se mais apurada a coleta das informações para o desenvolvimento da
pesquisa.
A partir de pesquisas sobre a temática, foram selecionados alguns
organismos integrantes da rede de enfrentamento ao tráfico de pessoas
para que seus dados fossem analisados, sendo eles: Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, Ministério de Justiça, Polícia Federal, Ministério da
Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Ministério das Relações
Exteriores, Departamento Penitenciário Nacional e Conselho Nacional de
Justiça.
Considerando que a rede de enfrentamento ao tráfico humano
também engloba atores da sociedade civil, os primeiros documentos a serem
17. BERGUE, Sandro Trescastro. Gestão estratégica e políticas públicas: aproximações conceituais
possíveis e distanciamentos necessários. Contabilidade, Gestão e Governança, v. 16, n. 2, mai./ago.
2013. p. 88-89. Disponível em: https://www.revistacgg.org/contabil/article/view/496/pdf
Acesso em: 6 nov. 2019
18. “Para enfrentamento do tráfico de pessoas, torna-se fundamental o processo de articulação,
descentralização e participação de dos diferentes segmentos da sociedade, de forma a
estabelecer um pacto federativo entre os distintos poderes e níveis de governo, em parceria
com a sociedade civil organizada, institutos de pesquisa e organismos internacionais. A esse
conjunto instituições e atores envolvidos no processo de denomina-se, de forma genérica,
Rede de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.” BRASIL. Governo Federal. Ministério da
Justiça e Segurança Pública. Rede de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Disponível em: https://
www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/redes-de-enfrentamento Acesso em: 6
set. 2019.
estudados são os Anuários Brasileiros de Segurança Pública, os quais são
produzidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, organização sem
fins lucrativos que atua no debate sobre articulação e cooperação técnica
para a segurança pública do Brasil.
As fontes dos Anuários baseiam-se em informações fornecidas pelas
secretarias de segurança pública estaduais, pelo Tesouro Nacional, pelas
polícias civis, militares e federal, entre outras fontes oficiais da segurança
pública, com o objetivo de obter dados sobre as ocorrências criminais
violentas no país.
Da análise dos Anuários que refletiam o período estabelecido nessa
pesquisa, observou-se que a única informação sobre o crime em tela deu-se
no 9º Anuário (dados de 2014), mencionando, apenas, que os números de
crimes contra a dignidade sexual tentados ou consumidos, englobavam o
tráfico internacional e interno de pessoa para fim de exploração sexual.19
Revela-se, portanto, que não há nenhum filtro dos dados,
impossibilitando a definição de quais seriam as referências específicas sobre
o tráfico de seres humanos.
Passando-se à segunda análise, verifica-se que o Banco Nacional
de Monitoramento de Prisões teve origem a partir do reconhecimento
do “estado de coisas inconstitucional” do sistema carcerário brasileiro
pelo Supremo Tribunal Federal, que, por meio do julgamento do Recurso
Extraordinário nº 641.320/RS determinou a necessidade de providências
administrativas para criação de um sistema exato de cadastro nacional de
presos.20
O referido sistema é de competência do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), com a finalidade de registrar informações sobre pessoas submetidas
ao sistema carcerário brasileiro e sobre as ordens de prisão decretadas pelas
autoridades judiciárias do país no biênio de 2016 a 2018.
Todavia, em que pese esse sistema tenha sido um grande avanço
no cômputo dos qualificativos sobre a situação prisional nacional, não há
sequer informações sobre o tráfico de pessoas, nem ao menos quantos
seriam os presos por tal modalidade criminosa.

19. PÚBLICA, Fórum Brasileiro de Segurança (Org.). Anuário Brasileiro de Segurança Pública. 9.
ed. São Paulo, 2015. 78 p. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/storage/9_
anuario_2015.retificado_.pdf Acesso em: 10 set. 2019.
20. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Banco Nacional de Monitoramento de Prisões – BNMP
2.0: Cadastro Nacional de Presos, 2018. 9 p. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/2019/08/bnmp.pdf Acesso em: 8 out. 2019.
Por outro lado, o “Justiça em Números”21, programa também do
CNJ, traz estatísticas anuais do Poder Judiciário, com indicadores sobre
sua organização, gastos despendidos para sua manutenção e informações
processuais, englobando-se o número de processos recebidos, de acordo
com o grau de jurisdição em que se encontram, sem qualquer informação
sobre os réus e vítimas.
A partir de sua análise, constatou-se que há informações sobre o
crime aqui estudado, separando-o entre: (i) tráfico interno de pessoas para
fins de exploração sexual; (ii) tráfico internacional de pessoas para fins de
exploração sexual; (iii) tráfico internacional de pessoas e; (iv) tráfico interno
de pessoas.
No entanto, considerando que serão analisados dados a partir de
2014, observa-se que há uma falha metodológica na divisão de tais espécies,
considerando que antes da promulgação da Lei nº 13.344/16, o Código
Penal tipificava o crime somente em dois tipos, sendo eles: (i) tráfico interno
para fins de exploração sexual (art. 231-A); e (ii) tráfico internacional para
fins de exploração sexual (art. 231). Dessa forma, não existia o crime de
“tráfico” sem a vinculação com a exploração sexual.
Além disso, mesmo após a vigência da lei supramencionada, também
não há tipificação penal para “tráfico interno” e “tráfico internacional”, pois,
segundo o art. 149-A, §1º, IV, Código Penal, caso a vítima de tráfico seja
retirada do país, a pena poderá ser aumentada, sem que haja uma tipificação
específica que distinga o crime de maneira interna ou internacional. Assim,
para efeitos dessa pesquisa, não serão utilizados os dados de “tráfico
interno” e “tráfico internacional” do sistema.
Importante registrar, também, que esse programa de dados
informa números de processos em trâmite perante os Juizados Especiais
e Turmas Recursais. No entanto, considerando que os crimes não são de
menor potencial ofensivo, não haveria tal possibilidade, de modo que tais
informações também não serão consideradas para o presente estudo.
Em 2014, foi mencionada a ocorrência de 109 processos de tráfico
internacional para fins de exploração sexual e 125 para tráfico interno para
fins de exploração sexual, totalizando 234 casos, levando-se em conta tanto
as justiças Federal e Estadual, assim como os dados do primeiro e segundo
grau de jurisdição e, também, do Superior Tribunal de Justiça.

21. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números: Força de Trabalho, 2018. Disponível
em: https://paineis.cnj.jus.br. Acesso em: 6 nov. 2019.
Na mesma linha de pesquisa, em 2015, o número se manteve parecido,
somando-se 213 processos. No ano seguinte, o cálculo despencou para 60
casos, mantendo-se a metodologia de análise.
Já em 2017, na contramão, o número subiu para 1.294 processos de
tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual, e 1.284 para
tráfico interno, atingindo o montante de 2.578 casos. Por fim, as últimas
informações obtidas por esse sistema referem-se ao ano de 2018, sendo
que o cômputo reduziu mais uma vez, agora para o total de 133 processos.
Analisou-se também o “Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas
– Perfil de País América do Sul” produzido pelo Escritório das Nações
Unidas contra Drogas e Crime, com dados que variam de 2014 a 2017.22
Constatou-se que no Brasil foram detectadas 1.228 vítimas do tráfico
de pessoas em 2015, 1.054 em 2016 e 133 no período de janeiro a junho de
201723, em evidente contraponto ao aumento desproporcional de processos
no ano de 2017 apresentado pelo sistema “Justiça em Números Digitais”,
conforme mencionado acima.
Além disso, foram registrados 78, 60 e 39 casos de tráfico de seres
humanos, entre 2014, 2015 e 2016, respectivamente. Já o total de pessoas
que entraram em contato formal com a polícia e/ou o sistema de justiça
penal por terem sido suspeitas, detidas ou advertidas por tráfico de pessoas
atingiu na mesma divisão temporal supra realizada 110, 82 e 43 pessoas.24
Passando-se ao exame das informações advindas da Polícia Federal,
será analisado o relatório sobre a “Atuação da Polícia Federal no combate
aos crimes violadores dos direitos humanos”, obtido pelo sistema e-Sic,
com respaldo na Lei nº 12.527/2011 (“Lei de Aceso à Informação”)25 .
De acordo com o documento, os dados estatísticos extraídos são
relativos aos crimes violadores dos direitos humanos combatidos pela
Polícia Federal no Brasil, tendo como unidade de referência os métodos
investigatórios conceitualmente definidos como procedimentos, podendo
ou não ter havido o indiciamento pela autoridade policial.
A pesquisa abrange dois sistemas de informação: o Sistema Nacional
de Procedimentos (SISCART), com dados sobre os procedimentos
instaurados e o Sistema Nacional de Informações Criminais (SINIC),
relacionado apenas aos indiciamentos realizados.
22. UNODC. Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas: América do Sul, 2018. Disponível em: https://
www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_TIP/Publicacoes/2018_GloTiP_South_
America.pdf Acesso em: 8 out. 2019.
23. Ibid., p. 11.
24. Ibid., p. 10.
25. Anexo I.
Há, ainda, a ressalva de que os dados dos anos mais recentes
poderiam estar incompletos, em razão do acúmulo de documentos a serem
inseridos manualmente nos sistemas pelas unidades da Polícia Federal e
órgãos conveniados
O relatório traz um levantamento das informações no período
de 2008 a 2017, de modo que no recorte temporal ora proposto, foram
contabilizados 16 indiciamentos por meio do SINIC e 88 procedimentos
pelo SISCART, sendo 18 no ano de 2014, 23 em 2015, 24 em 2016 e 23 em
2017, relacionados especificamente ao tráfico internacional de crianças e
adolescentes, previsto no art. 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA).26
Além disso, foi traçado um perfil de pessoas indiciadas pelo crime
acima mencionado, o qual refletiu o percentual de 41,43% de homens e
58,57% de mulheres. No entanto, importante mencionar que esse valor
reflete o período integral do relatório (2008 a 2017), contabilizando,
portanto, um lapso de tempo maior que o destinado a essa pesquisa.
O documento da Polícia Federal também revela dados do crime
tipificado no próprio Código Penal, além da daquele previsto do ECA,
conforme já delineado. No entanto, em razão da alteração da tipificação
penal com o advento da Lei nº 13.344/16, o relatório revela informações
somente com base no novo art. 149-A, Código Penal, restringindo sua
análise, portanto, ao ano de 2017.
Dessa maneira, foram computados 54 procedimentos e apenas 5
(cinco) indiciamentos, estabelecendo-se também a frequência dos casos em
cada Unidade da Federação. Além disso, há informações sobre a ocorrência
desse crime concomitantemente à outros, o que não será contabilizado
nessa análise.27
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos também
disponibilizou, por meio do sistema e-Sic, arquivo com os números de
registros de denúncias, faixa etária, raça e sexo das vítimas e dos suspeitos
do crime de tráfico de pessoas.28
Foram apurados os seguintes números de registros: 140 (2014),
351 (2015), 317 (2016), 209 (2017), 144 (2018) e 28 (até agosto/2019),
totalizando 1.889 casos. Contudo, não há informações sobre quais foram
os métodos utilizados para a apuração desses números entre os anos de
2014 a 2016. As únicas referências trazidas são de que no período de

26. Anexo I, p. 146.


27. Anexo I, p. 32.
28. Anexo II.
01/01/2017 a 31/10/2018, os dados foram extraídos do Sistema Integrado
de Atendimento à Mulher e, no intervalo de 01/11/2018 a 30/06/2018, do
Sistema de Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos.
No tocante às informações das vítimas, estimou-se que o perfil é
majoritariamente mulher, considerando que foram relatados 753 casos de
mulheres, 74 de homens e 362 pessoas não tiveram seu gênero informado.
Apurou-se, ainda, que a faixa etária das vítimas com o maior fluxo de
ocorrências acontecia entre 15 a 24 anos.
Quanto aos suspeitos, o cenário mostrou-se diferente, tendo em
vista que a maior faixa etária dos suspeitos flutua entre 36 a 45 anos,
evidenciando maior senioridade em relação às vítimas. E, no tocante ao
sexo, foram apurados 506 casos envolvendo homens, 269 mulheres e 414
sem gênero conhecido, estimando-se, portanto, que os suspeitos são, em
sua maioria, homens.
O Ministério das Relações Exteriores (MRE), com base nos dados
do Núcleo de Assistência a Brasileiros, encaminhou também pelo sistema
e-Sic, planilha indicando o número de vítimas, seus sexos, bem como o país
onde ocorreu o crime e para qual foi a finalidade.29
Foram apuradas 111 vítimas – em alguns casos o número constou
como indeterminado -, em 26 países, sendo 50 mulheres e 61 homens.
Identificou-se casos de tráfico para fins de exploração sexual, trabalho
forçado, imigração, adoção e casamento servil, sendo que a grande maioria
dos homens traficados eram destinados ao trabalho forçado, e as mulheres,
à exploração sexual.
Em relação aos relatórios sob organização do Ministério da
Justiça, passa-se a analisar os Levantamentos Nacionais de Informações
Penitenciárias de 2014 a 2017, bem como o Relatório Nacional sobre o
Tráfico de Pessoas, com dados de 2014 a 2016.
Quanto aos primeiros relatórios, os diagnósticos foram elaborados
pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), órgão executivo
subordinado ao Ministério da Justiça, cujo principal objetivo é acompanhar
e controlar a aplicação das diretrizes da Política Penitenciária Nacional e da
Lei de Execução Penal.30
Sua metodologia de coleta dos dados advém de informações
armazenadas no INFOPEN, sistema do Ministério da Justiça criado em

29. Anexo III.


30. BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional.
Levantamento nacional de informações penitenciárias. Brasília: Ministério da Justiça, 2017. 5 p.
Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-
sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019-0721.pdf Acesso em: 10 set. 2019.
2004 que fornece dados/estatísticas do sistema prisional brasileiro, a partir
de relatórios preenchidos pelos gestores dos estabelecimentos prisionais do
país.31
No tocante ao tráfico de pessoas, os relatórios de dezembro de 2014
e dezembro de 2015 não trazem nenhuma informação, permanecendo
omissos quanto ao tema.
Já no relatório de dezembro de 2016, o tema foi inserido em seu
diagnóstico, relatando que o número de pessoas privadas de liberdade
que foram condenadas ou aguardam julgamento pelo crime de tráfico
internacional de pessoas para fins de exploração sexual (antigo art. 231,
Código Penal), perfazia o total de 43 homens e 2 (duas) mulheres e, pela
tipificação de tráfico interno de pessoas para fins de exploração sexual
(antigo art. 231-A, Código Penal), atingia a montante de 37 indivíduos,
sendo homens em sua totalidade.32
O relatório seguinte - Levantamento Nacional de Informações
Penitenciárias de junho de 2017-, permaneceu com a coleta das mesmas
informações do ano anterior, sem menção à alteração da tipificação penal
do crime oriunda da Lei nº 13.344/16, relatando que 9 (nove) homens e 4
(quatro) mulheres tiveram sua liberdade privada com base no art. art. 231, e,
em virtude do antigo art. 231-A, o número total era de 4 (quatro) homens.33
Após o referido relatório, não houve nenhuma atualização dos dados
até o presente momento, sem qualquer informação sobre os anos de 2018
e 2019.
Passando-se ao Relatório de Dados sobre o Tráfico de Pessoas: Dados
de 2014 a 2016, importante mencionar que foi elaborado com o intuito de
sistematizar os dados de enfrentamento do tráfico de pessoas, por meio da
análise de dados secundários de diversas instituições nacionais.34
O documento traz um estudo de dados envolvendo as principais
características das vítimas, autores e do crime. Dentre elas, destaca-se a
questão da nacionalidade da vítima, de modo que o relatório conclui que
essa informação é quase inexistente nos dados levantados, evidenciando
que não há uma preocupação em registrá-la. É relatado que com as diversas

31. Ibid., p. 5
32. BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional.
Levantamento nacional de informações penitenciárias. Brasília: Ministério da Justiça, 2016. 46
p. Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-
sinteticos/infopen-dez-2016-rev-12072019-0802.pdf Acesso em: 10 set. 2019.
33. Brasil, Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2017, op. cit. p. 44
34. BRASIL. Ministério da Justiça. Relatório Nacional sobre o Tráfico de Pessoas: dados 2014 a 2016. 11
p. Brasília, SNJ, 2017. Disponível em: <https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-
pessoas/publicacoes/relatorio-de-dados.pdf>. Acesso em: 10 set. 2019.
crises humanitárias e o precário desenvolvimento de países vizinhos, o
número de estrangeiros vítimas desse crime no Brasil sobe cada vez mais.35
Além disso, avaliou-se referências sobre o sexo da vítima, por meio
do qual a Secretaria Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres (SPM)
revela um número expressivo de mulheres vítimas de tráfico de pessoas,
para fins de exploração sexual e trabalho escravo, contabilizando entre os
anos de 2014 a 2016, 317 mulheres vítimas de tráfico de pessoas (interno e
internacional) para fins de exploração sexual e somente 5 (cinco) homens.36
Os dados do Ministério da Saúde, considerados um dos mais
confiáveis pelo relatório, também revelaram que a maior parte das vítimas
é mulher, haja vista que foram identificados 301 vítimas mulheres e 107
homens.37
As informações do Ministério do Desenvolvimento Social, no
entanto, apuraram que a grande maioria das vítimas de tráfico atendidas pelo
Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos
nos Centros de Referência Especializada de Assistência Social era homem.38
Não obstante, revelou-se que o gênero pode estar atrelado à forma
de exploração, de modo que o número de homens traficados para fins
de trabalho escravo era mais alto do que o número de homens traficados
para exploração sexual. No entanto, os números expressivos de pessoas
traficadas permaneciam como maioria do sexo feminino.39
Em relação ao perfil dos autores, o relatório apura que os dados
da Polícia Federal revelaram que há mais mulheres indiciadas pelo crime
de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Em contraponto, as
informações do DEPEN demonstraram que há uma quantidade muito
superior de homens presos pelo crime do que de mulheres, em consonância
com o Relatório Global da UNODC de 2014.40
Quanto ao tipo de tráfico mais presente no país, o relatório revela
que documentos internacionais, nacionais e outras pesquisas realizadas
informam que a forma de exploração mais identificada é a sexual.41
É relatado que essa predominância foi confirmada no Brasil pela
Divisão de Assistência Consular do MRE e pela SPM. Já dados da Polícia
Federal revelaram números muito mais significativos de casos de redução
35. Ibid., p. 37.
36. Ibid., p. 34.
37. Ibid., p. 35.
38. Ibid., p. 35.
39. Ibid., p. 34-35.
40. Ibid., p. 42-43.
41. Ibid., p. 39.
a condição análoga à de escravo do que tráfico para fins de exploração
sexual.42
Até a mudança do tipo penal que ampliou as hipóteses de ocorrência
do crime, não havia previsão legal de tráfico para fins laborais, de modo que
os agentes eram condenados a outros crimes, como o da condição análoga
à de escravo, conforme citado acima.
Contudo, o relatório pondera que não é possível afirmar que sempre
haveria uma situação de tráfico nos casos de exploração do trabalho, de
modo que não é válido somar todos os números e enquadrá-los como
tráfico, devendo tais interpretações serem relativizadas.43
Ademais, o relatório teceu considerações sobre a coleta de dados,
constatando pela manualidade do registro em determinadas instituições;
ausência de variáveis importantes em alguns sistemas, como sexo ou
idade da vítima; incongruências nos conceitos em diferentes sistemas de
informações; diferença nos períodos de coleta dos dados; forma inadequada
de apresentação dos dados; ausência de periodicidade no levantamento das
informações; e inconsistência dos dados.44
Concluiu-se que no país há diversas instituições que trabalham
no enfrentamento ao tráfico humano, algumas registrando os casos
manualmente e poucas analisando-os, sendo diferentes os tipos de coleta
de informações utilizados e sem nenhuma interlocução, dificultando e quiçá
impossibilitando a comparação ou análise integrada de dados.45
Por fim, foram recomendadas diversas iniciativas ao desenvolvimento
de metodologia integrada de dados, como, por exemplo; elaboração de
relatórios bianuais do tráfico de pessoas, com indicação um relator nacional,
com alto grau de expertise, que coletasse, a cada biênio, em paralelo com os
relatórios; criação de indicadores instrumentais mais adequados; realização
de capacitação para o novo marco legal que alterou a definição do tráfico de
pessoas, ampliando as formas de exploração, dentre outros.46
Vale mencionar que não houve a atualização das informações em
novo relatório referente aos anos de 2017, 2018 e 2019.
Diante das informações até então traçadas, revela-se a importância
da coleta atualizada de dados sobre o crime para a mobilização do debate

42. Ibid., p. 39.


43. Ibid., p. 39.
44. Ibid., p. 48-49.
45. Ibid., p. 28.
46. Ibid., p-50-51.
e avanço das políticas públicas visando seu enfrentamento, conforme bem
explica Renato Sérgio de Lima:
A disponibilidade e o papel das informações sobre
crimes e criminosos configuram-se como centrais neste
debate e, assim mobilizam diferentes atores em torno da
definição de atribuições, categorias, conteúdos, regras e
procedimentos envolvidos nesse processo, na medida em
que irão determinar rumos e sentidos de políticas públicas
de pacificação social.47
Em 2013, Flávia Piovesan e Akemi Kaminura entendiam que era
necessário aperfeiçoar o sistema de coleta e produção de dados e estatísticas
sobre o tráfico humano, com o intuito de elaboração de estratégias para sua
prevenção e enfrentamento:
Os dados referentes ao fenômeno no Brasil são pouco
conhecidos em razão da carência de estudos especializados
sobre o tema e deficiente coleta e produção de dados e
estatísticas relacionadas ao tráfico de pessoas.
(...)
Para a efetiva prevenção do tráfico é preciso aperfeiçoar o
sistema de coleta e produção de dados e estatísticas sobre
tráfico de seres humanos, a fim de prover informações
fidedignas para elaboração e implementação de estratégias
de prevenção e enfrentamento ao tráfico. Também faz-se
necessário desenvolver instrumentos para o monitoramento
e a avaliação da eficácia da prevenção, inclusive quanto às
consequências negativas não intencionais que impactam os
direitos humanos, especialmente das pessoas traficadas.48
Em que pese tenham se passado quase cinco anos desde essa
constatação, verifica-se que o cenário não mudou. Grande parte das
instituições oficiais continua em estágios básicos de coleta de informações
sobre esse crime, prejudicando a verificação de sua atual situação no país.
Com os dados trazidos, pode-se observar que não há uma
sistematização metodológica, de modo que cada órgão informa o dado que
acredita ser suficiente para a análise do crime, o que reflete em variáveis
completamente distintas e desconectadas, considerando que há dados

47. LIMA, Renato Sérgio de. A Produção da Opacidade: Estatísticas criminais e segurança pública
no Brasil. Novos Estudos Cebrap. mar/2008.65 p. Disponível em: https://pesquisa-eaesp.fgv.
br/sites/gvpesquisa.fgv.br/files/arquivos/renato_s_de_lima_a_producao_da_opacidade.pdf
Acesso em: 20 out. 2019.
48. KAMIMURA, Akemi; PIOVESAN, Flávia. Tráfico de Pessoas sob a Perspectiva de Direitos
Humanos: Prevenção, Combate, Proteção às Vítimas e Cooperação Internacional. In:
BRASIL. Ministério da Justiça. Tráfico de Pessoas: Uma abordagem para os Direitos Humanos.
1ª ed. Brasília: Ministério da Justiça, 2013. p. 108-121. Disponível em: https://www.justica.gov.
br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/anexos/cartilha_traficodepessoas_uma_
abordadem_direitos_humanos.pdf Acesso em: 10 set. 2019.
diametralmente opostos em relação a, por exemplo, sexo predominante das
vítimas e dos criminosos ou a espécie de tráfico de maior incidência no país.
Desse modo, em plena era da informação, verifica-se a importância
da sistematização dos dados sobre o tráfico humano, para que possamos
conhece-lo verdadeiramente e, só assim, incorporarmos políticas públicas
que sejam eficazes ao seu enfrentamento.
Não obstante, vale mencionar que muito já se tem feito desde
a implementação da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico,
principalmente em relação à evolução legislativa sobre o tema. Contudo,
faz-se imprescindível que haja a coordenação entre os atores para colocar
em prática aquilo que já está estabelecido em lei.

3 INTERFACE DE INFORMAÇÕES ENTRE ENTES


GOVERNAMENTAIS SOBRE A NOTÍCIA DOS
DESAPARECIMENTOS

Além dos dados disponibilizados sobre a ocorrência do crime ora


estudado, também é importante analisar a interface de informações sobre
o próprio desaparecimento de seres humanos, tendo em vista que o tráfico
de pessoas situa-se como um dos motivos frequentes de desaparecimentos
civis49, além de ser a primeira fonte de dados obtida pelos órgãos responsáveis
a partir da notícia do desaparecimento, o que impacta diretamente no
desenvolvimento da investigação estatal na busca dos indivíduos traficados
e das redes criminosas.
Dessa maneira, embora não se saiba a exatidão do número de pessoas
traficadas que foram dadas como desaparecidas, observa-se uma relação
importante entre esses fenômenos para que possa ser analisado o cenário do
crime do tráfico humano de uma maneira mais ampla e completa, tecendo
considerações desde o momento que a pessoa não é localizada por seus
parentes ou conhecidos.
Para tanto, serão feitas considerações a partir da análise de fontes
secundárias que tratam do desaparecimento civil e revelam informações
sobre a integração de dados entre órgãos que atuam nessa temática,
utilizando-se o mesmo recorte temporal de dados do capítulo anterior
(2014 a 2019).
A magnitude desse fenômeno no território nacional foi somente
compreendida em 2017, ano que foi publicada a 11ª Edição do Anuário
49. OLIVEIRA, Dijaci David de. Desaparecidos civis: conflitos familiares, institucionais e segurança
pública. 2007. 317 f. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de Brasília, Brasília, 2007.
28 p. Disponível em: http://repositorio.unb.br/handle/10482/1217 Acesso em: 18 out. 2019.
Brasileiro de Segurança Pública, em estudo encomendado pelo Comitê
Internacional da Cruz Vermelha e produzido pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, apontando para 94.101 casos registrados em 2014,
86.169 em 2015 e 71.796 no ano seguinte, os quais foram obtidos pelas
seguintes fontes - Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa
Social; Secretarias Estaduais de Justiça e/ou Cidadania; Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística; Cruz Vermelha e Fórum Brasileiro de Segurança
Pública.50
A edição no ano seguinte atualizou o número de casos de
desaparecimentos em 2016 para 81.176, e indicou o total de 82.684 registros
em 2017, utilizando, para tanto, informações dos órgãos supramencionados,
bem como do Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos
do Ministério Público do Estado de São Paulo.51
Neste ano foi publicado o “Anuário Brasileiro de Segurança Pública
2019”, o qual informou que tiveram 83.701 registros de desaparecimentos
em 2017 e 82.094 em 2018, sendo cerca de 25.000 casos somente no Estado
de São Paulo. Desses números absolutos totais, foram localizadas 55.923 e
52.328 pessoas, respectivamente.52
O documento menciona que os números foram provenientes das
Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Secretarias
Estaduais de Justiça e/ou Cidadania; PLID/MP - Programa de Localização
e Identificação de Desaparecidos do Ministério Público do Estado de São
Paulo; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; e Fórum Brasileiro de
Segurança Pública.53
No entanto, há a ressalva de que não se pôde verificar como o registro
de pessoas localizadas foi realizado, como por exemplo; qual o documento
de base utilizado; se diz respeito a pessoas localizadas vivas ou mortas; se o
encontro está ou não vinculado a eventos de desaparecimento previamente
reportados; a que ano a pessoa foi dada como desaparecida, de modo que
os números não correspondem necessariamente aos casos de pessoas
desaparecidas registrados no mesmo ano.54
50. PÚBLICA, Fórum Brasileiro de Segurança (Org.). Anuário Brasileiro de Segurança Pública. 11ª ed.
São Paulo, 2017.p. 39-40. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/
uploads/2019/01/ANUARIO_11_2017.pdf Acesso em: 10 set. 2019.
51. PÚBLICA, Fórum Brasileiro de Segurança (Org.). Anuário Brasileiro de Segurança Pública. 12ª. ed.
São Paulo, 2018. 30 p. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br. Acesso em: 10 set.
2019
52. PÚBLICA, Fórum Brasileiro de Segurança (Org.). Anuário brasileiro de segurança pública. 13ª.
ed. São Paulo, 2019. 69 p. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/
uploads/2019/10/Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf Acesso em: 18 out. 2019.
53. Ibid., p. 69.
54. Ibid., p. 69.
Da análise desses dados, observa-se que se apurou um número
extremamente elevado de pessoas desaparecidas no território nacional no
decorrer desses anos, principalmente no Estado de São Paulo, sem que
fosse possível aferir efetivamente quantas foram localizadas no mesmo ano
do desaparecimento e tampouco por qual motivo ficaram desaparecidas.
Ainda, importante mencionar que os documentos trazem números
absolutos de casos efetivamente registrados, que se dá pelo reconhecimento
formal de desaparecimento civil perante o Estado por meio da realização de
um boletim de ocorrência, possibilitando o início da investigação.55
Revela-se a importância, portanto, do registro formal do
desaparecimento. No entanto, de acordo com Anelise Buzzi Serpi, o
desaparecimento civil carece de dados concretos oficiais, dado ao fenômeno
das subnotificações, que ocorre tanto pelo desconhecimento das famílias
da possibilidade do registro de ocorrência policial, bem como pela cultura
inverídica de que seria necessário esperar de 24-48 horas para informar às
autoridades sobre o desaparecimento.56
Além disso, é identificado um outro problema ante a insuficiência
de relatórios ou publicações oficiais sobre o tema, uma vez que em alguns
Estados sequer há sistemas integrados de informação.57
Dijaci David de Oliveira relata que dos poucos dados produzidos
no país, há pouca preocupação com a periodicidade e com a elaboração de
variáveis elementares que possibilitem uma reflexão mais aprofundada do
tema, sendo extremamente significativo o fato de não existir um registro
sistemático sobre esse fenômeno, revelando, inclusive, que em alguns
distritos policiais sequer são feitos registros dos casos denunciados.58
O autor menciona sobre a precariedade dos dados produzidos e das
distintas orientações para o processo de sistematização do fenômeno:
Não foram poucas as barreiras encontradas durante todo
o percurso da pesquisa. Entre elas pode-se destacar a
precariedade dos dados produzidos no Brasil; as distintas
orientações para o seu processo de sistematização; a falta
de uma definição conceitual clara sobre como abordar o

55. SERPI, Anelise Buzzi. Desaparecidos do estado democrático de direito: políticas públicas e
subjetividade. Dissertação. (Mestrado em Psicologia). Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, 2015. 37 p. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/17084 Acesso em:
15 out. 2019.
56. Ibid., p. 41-42.
57. Ibid., p. 41-42.
58. OLIVEIRA, Dijaci David de. Desaparecidos civis: conflitos familiares, institucionais e segurança
pública. 2007. 317 f. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de Brasília, Brasília, 2007.
p. 32-33. Disponível em: http://repositorio.unb.br/handle/10482/1217 Acesso em: 18 out.
2019.
tema; os conflitos na orientação jurídico-estatal sobre os
desaparecidos; a ausência de uma política de formação
policial para o tratamento do tema (o que vem sendo
implementado muito recentemente); e, por fim, a ausência
de publicitação dos dados produzidos pelas delegacias em
municípios e estados.59
Somado a isso, verificou-se que entendem haver deficiência no
cruzamento de dados do desaparecimento com o de falecimento do
indivíduo, diante da precária estrutura que o Estado alocou para essa temática.
Não há a interface de informações entre a polícia, órgãos de assistência
social e de saúde, impedindo que o mesmo homem seja identificado em sua
integralidade, ora como um corpo sem identificação – desconhecido, ora
como um nome sem corpo – desaparecido.60
Em face desse cenário, o Ministério Público do Estado de São Paulo
ajuizou ao menos duas ações civis públicas (ACP) retratando as descobertas
de seu Programa de Identificação de Desaparecidos (PLID/MPSP), o
qual concluiu que após a necropsia no Instituto Médico Legal (IML) ou
no Serviço de Verificação de Óbito da Capital (SVOC), os cadáveres de
indivíduos identificados, mas cuja família não tinha conhecimento de seu
paradeiro, eram inumados em terreno público como indigentes, embora
tivessem sido reclamados nominalmente via B.O de desaparecimento
junto à Polícia Civil do Estado de São Paulo, ocasionando o fenômeno do
“redesaparecimento61”
A primeira ACP ajuizada (nº 1019375-15.2017.8.26.0053), foi
distribuída em 11/05/2017 e tramita perante a 13ª Vara da Fazenda Pública
do Foro Central de São Paulo, estando, até o presente momento, em fase de
conclusão para sentença.62
Seu pedido consiste na condenação da Fazendo Pública do Estado
ao cumprimento da obrigação de fazer, com o intuito de que seja criado um
Banco de Dados de Pessoas Desaparecidas, visando a sistematização das
informações.63

59. Ibid., p. 40.


60. SERPI, op. cit., p. 126.
61. Terminologia empregada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo na Apelação nº
1027564-45.2018.8.26.0053. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação nº
1027564-45.2018.8.26.0053 Relator: Des. Fernão Borba Franco, 7ª Câmara de Direito Público.
Julgado em: 11 jun. 2019. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br. Acesso em: 5 nov 2019.
62. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ação Civil Pública nº 1019375-
15.2017.8.26.0053. Juíza: Luiza Barros Rozas Verotti, 13ª Vara da Fazenda Pública. Distribuição:
11 de maio de 2017. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br.
63. Ibid., p. 27.
Nos termos de sua peça exordial, sustenta-se que o IML opera em
mais de 70 unidades em todo o Estado de São Paulo, sem, contudo, possuir
registro unificado dos corpos, “de modo que os familiares de desaparecidos
são obrigados a peregrinar por todas as unidades a fim de consultar eventual
passagem da pessoa desaparecida64”.
Além disso, contatou-se que não haveria uma base de danos unificada
no Estado de São Paulo apta a integrar informações entre os diversos
entes públicos envolvidos na temática do desaparecimento de pessoas,
englobando Polícia Civil, IML, SVO, hospitais, albergues etc.65
Nesse contexto, foi promulgada a Lei nº 15.292/2014, que definiu
diretrizes para a Política Estadual de Busca de Pessoas Desaparecidas, e
criou o Banco de Dados de Pessoas Desaparecidas, com o objetivo de
implementar e dar suporte à referida política.
O Ministério Público sustenta que, não obstante o lapso temporal
decorrido da promulgação da citada lei, ainda não havia se concretizado
sequer o esboço do projeto de banco de dados, dando-se causa ao
ajuizamento da ação, em atenção ao princípio da dignidade humana,
considerando que pela omissão do Estado, diversos familiares perderam o
direito de enlutar-se e de garantir os funerais aos seus parentes.66
A outra ACP ora analisada (nº 1027564-45.2018.8.26.0053) distribuída
em 08/06/2018, com origem na 7ª Câmara de Direito Público de São Paulo,
objetiva o reconhecimento da responsabilidade civil do Estado de São
Paulo, diante da alegada omissão dos órgãos públicos na gerência de dados
sobre o desaparecimento de pessoas e, consequentemente, na perpetuação
do enterro de pessoas dadas como oficialmente desaparecidas, como se
indigentes fossem.67
Sustenta-se, ainda, que além da impessoalidade e precariedade do
local onde são enterrados os indivíduos, dali só podem ser exumados
após três anos, se adulto, ou dois anos, se criança até seis anos, salvo por
determinação judicial, conforme dispõe o art. 551, Decreto Estadual nº
16.017/80, evidenciando a necessidade do ressarcimento civil.68
É aduzido, também, que a mera existência formal de uma
normatização ou da criação de um órgão especializado – como a Delegacia

64. Ibid., p. 5-6.


65. Ibid., p. 7.
66. Ibid., p. 11.
67. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação nº 1027564-45.2018.8.26.0053
Relator: Des. Fernão Borba Franco, 7ª Câmara de Direito Público. Julgado em: 11 jun. 2019.
Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br. Acesso em: 5 nov 2019.
68. Ibid., p. 8-9.
Especializada de Pessoas Desaparecidas –, não impede que falhas sejam
cometidas, podendo-se identificar, ainda assim, a omissão do Estado na
identificação dos corpos procurados.69
O processo foi julgado procedente em primeiro grau, condenando
o Estado ao pagamento de R$ 250.000,00 a título de dano moral. Em
face da sentença, foi interposta Apelação pela Fazenda Pública do Estado,
a qual conseguiu revertê-la, sob a fundamentação de que há evidente
aparato estatal voltado à apuração do paradeiro de pessoas desaparecidas,
tendo sido considerado pelo Colegiado de que não restaram esclarecidas
as evidências de ineficácia das políticas públicas já existentes a justificar
a ingerência judicial ao caso. Atualmente a ação encontra-se em fase de
Recurso Especial.
Diante desse contexto, embora não se tenha feito uma análise detalhada
do fenômeno do desaparecimento civil, percebe-se que há que se depositar
um esforço maior dos entes públicos na notícia do desaparecimento
e no intercâmbio desses dados com diversos órgãos públicos, além da
imprescindibilidade de se coletar de informações mais aprofundadas sobre
o fenômeno, incluindo sua interface com o tráfico de pessoas.
Nesse sentido, lecionam Eliana Vendramini e Anália Ribeiro:
Diante do desafio de gerar informações fidedignas acerca
de quantidade, motivos e locais preponderantes do
desaparecimento de pessoas no país e, particularmente,
quantas delas por tráfico e qual a sua espécie, é premente
a criação de um sistema integrado de dados, no mínimo,
públicos. Essa tarefa, diante das alegadas dificuldades de
investimento, demonstra-se pronta a contar, via convênio,
com o interesse e a experiência as universidades; sem
olvidar a presença dos mais variados atores, que trabalham
com desaparecimento de pessoas, para a construção da
ferramenta.70
Observa-se, portanto, que ainda permanece a carência de dados
sobre o desaparecimento civil no país, de modo que não há informações
suficientes quanto às causas dos desaparecimentos para que seja possível
verificar a incidência do tráfico humano nesse fenômeno, prejudicando
a construção de políticas públicas integradas destinadas ao combate do
tráfico de pessoas.

69. Ibid., p. 1230.


70. CARNEIRO, Eliana F. V.; PINTO, Anália B. R. Tecendo redes de enfrentamento: pessoas
traficadas e desaparecidas, direitos e outras legitimidades. In: SOUZA, João Arthur de. Et al.
Inovação em Segurança Pública. Capivari de Baixo: FUCAP, 2018. Disponível em: http://sicti.ufsc.
br/livro/ 2 set. 2019. 177 p.
Insta mencionar que, na busca pela melhoria das precárias informações
e tímidas estatísticas, foi instituída, por meio da Lei nº 13.812/2019 a Política
Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas, prevendo a necessidade do
desenvolvimento do sistema de informações, transferência de dados e
comunicação entre os diversos atores envolvidos no fenômeno

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos últimos anos, muito se avançou na esfera normativa nacional


sobre o tráfico de pessoas. Tal fato se verifica diante da ratificação do
Protocolo de Palermo, inserindo o tema como pauta da agenda de políticas
públicas internas. Além disso, a Lei nº 13.344/2016, imprimiu o conceito
do crime previsto no instrumento internacional, modificando a tipificação
obsoleta até então existente, a qual limitava a ocorrência de tráfico de seres
humanos apenas para os fins destinados à exploração sexual.
Nessa baila, foi implementada a Política Nacional de Enfrentamento
ao Tráfico de Pessoas estabelecendo direcionamentos importantes para o
auxílio ao combate desse crime, dando origem a três Planos Nacionais.
Tais Planos, respeitadas suas particularidades, foram e continuam
sendo importantes papéis para o desenvolvimento de metas para induzir
o Estado a atuar de maneira incisiva e eficaz na luta contra esse fenômeno.
Além disso, nesta última década, foram produzidos consideráveis
estudos abrangendo essa temática, indicando que os entes governamentais
e a sociedade civil estão mais engajados nesse assunto, o que favorece a
discussão e, consequentemente, abre espaço para a construção de políticas
mais eficientes.
Entretanto, diante da análise dos dados pesquisados, observou-se
que o Brasil não tem conseguido sistematizar as informações produzidas
sobre a incidência e características do tráfico humano no país. Não há
coordenação e cruzamento dos dados e nem sequer foi implementada uma
mesma metodologia de pesquisa entre os órgãos que atuam na rede de
enfrentamento desse crime.
Observa-se que cada órgão coleta a informação que acredita
ser necessária, sendo que, em muitos, há somente o número de casos
relacionados ao crime, sem a indicação de qualquer outra característica que
pudesse servir para uma análise mais pormenorizada.
Nesse cenário, as inconsistências das informações revelam que ainda
não se conhece, de fato, a dimensão desse fenômeno em nosso país, de
modo que não conseguimos estabelecer todo o arranjo estatal que seria
necessário para a definição de políticas públicas estratégicas e eficientes.
Para que seja estabelecida uma rede estruturada de enfrentamento, é
imprescindível a integração e articulação dos dados produzidos por esses
órgãos. Somente assim será possível criar mecanismos que sejam capazes
de monitorar o sistema de combate e prevenção, bem como garantir que
as vítimas tenham assegurados seus direitos fundamentais, os quais foram
suprimidos diante da comercialização de suas próprias vidas.
A questão do desaparecimento civil revela a drástica consequência
que a omissão estatal pode ocasionar aos indivíduos, considerando que
pela ausência de cruzamento de dados entre entidades governamentais, as
famílias que buscavam formalmente seus parentes, vieram a descobrir que
muitos haviam sido enterrados como indigentes, ocasionando o dramático
fenômeno do “redesaparecimento”.
Desse modo, conclui-se que não há como combater de maneira
eficaz algo que ainda não é conhecido em sua totalidade, principalmente
e sobretudo em razão da ausência de implementação de uma metodologia
integrada de coleta e tratamento de dados referente à modalidade criminosa
ora sob análise. Assim, há muitos desafios a serem enfrentados para a
implementação das metas estabelecidas no III PNETP no tocante à
sistematização de dados, sendo indispensável que o Estado brasileiro invista
recursos, agentes e, principalmente se dedique efetivamente ao cumprimento
sistematizado dessas importantes políticas públicas incorporadas à agenda
brasileira.

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Penal), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
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8 out. 2019.

ANEXOS

71

71. Dados obtidos via Lei de Acesso à Informação.


CAPÍTULO 11

CIDADES INTELIGENTES E
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
NO COMBATE AO TRÁFICO DE
SERES HUMANOS

ANA BEATRIZ RIBEIRO DA SILVA


Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie. Pesquisadora voluntária do Grupo de Pesquisa “Pessoas
Invisíveis: prevenção e combate ao tráfico interno e internacional de seres
humanos”.

MONIQUE PEIXOTO DE SOUZA


Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie. Pesquisadora voluntária do Grupo de Pesquisa “Pessoas
Invisíveis: prevenção e combate ao tráfico interno e internacional de seres
humanos”.

INTRODUÇÃO

O crescimento populacional e o amplo avanço das cidades exigem


um maior planejamento urbano para abranger as necessidades da sociedade;
entretanto, com o desenvolvimento da tecnologia e da Inteligência Artificial
(IA), torna-se mais fácil atender tais necessidades de forma sustentável e
tecnológica. Partindo da união de toda esta nova tecnologia para a solução
dos problemas destes espaços e para o alcance de melhorias, criou-se o
conceito de Smart Cities, em que sistemas inteligentes de monitoramento e
coleta de dados tornam-se cada vez mais habituais, propagados como forma
de garantir direitos, facilitar a vida dos cidadãos e aumentar a segurança e o
combate a diversos crimes.
Apesar do caráter benéfico desta implementação tecnológica, é de
extrema importância que haja a discussão sobre a forma como é realizada a
transformação da cidade em si para uma cidade fundada sob tecnologia, e
de que modo deve ocorrer para que não se torne um novo fator negativo,
potencializando a exclusão já existente em razão das grandes disparidades
socioeconômicas presentes em alguns centros urbanos, e colaborando para
crimes que se aproveitam destes indivíduos excluídos, como é o caso do
Tráfico de Seres Humanos.
O Tráfico de Seres Humanos, um dos crimes mais antigos e graves
contra os direitos humanos, tem seus parâmetros internacionais delineados
no Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição
do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças (Protocolo de
Palermo), e recebe aqui especial atenção uma vez que se efetiva através das
fraquezas socioeconômicas de suas vítimas.
Apesar das atenções das autoridades e pesquisadores só terem
se voltado ao referido crime a partir do início do século XX, é possível
encontrar relatos de casos ocorridos em razão do tráfico negreiro ainda no
século XV1, tendo posteriormente se aprimorado e desenvolvido novas
modalidades, como para a exploração sexual de mulheres e crianças, para
trabalhos forçados ou em condições análogas à escravidão, mendicâncias,
para remoção de órgão e tecidos ou, ainda, para adoções ilegais. O artigo
3º, alínea b, do Protocolo de Palermo traz que qualquer consentimento da
vítima será considerado irrelevante, quando forem empregados os meios
descritos na alínea a deste mesmo artigo, e isso se dá, pois, tal crime se
efetiva diante das vulnerabilidades socioeconômicas de suas vítimas e causa
grandes violações aos direitos humanos.
Desta forma, este artigo visa compreender a formação e o
desenvolvimento das Smart Cities, bem como analisar o crime de Tráfico
de Seres Humanos, focando em traçar os possíveis impactos, positivos e/
ou negativos, deste desenvolvimento tecnológico diante das disparidades
socioeconômicas existentes e, principalmente, do crime de Tráfico de Seres
Humanos.

1. NOVAIS, Fernando Antonio. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777- 1808). 7. ed.
São Paulo: Hucitec, 2001.
1 O TRÁFICO DE SERES HUMANOS: EVOLUÇÃO, CONCEITOS
E ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS

O Tráfico de Seres Humanos surgiu ainda no século XV com o


tráfico negreiro existente à época em razão da colonização europeia pelo
mundo2, e se estendeu por alguns séculos nesta mesma modalidade. Algum
tempo mais tarde, no século XIX, aprimorou-se e desenvolveu uma nova
modalidade, conhecida até hoje como “Tráfico de Escravas Brancas”, na
qual as vítimas passaram a ser meninas e mulheres europeias, que eram
traficadas para que fossem exploradas sexualmente, fosse para satisfazer
tropas militares ao redor do mundo, ou para que trabalhassem em casas de
prostituição3.
Com o passar do tempo as organizações criminosas se especializaram,
aprimorando e sofisticando ainda mais as formas de atuação e os processos
envolvidos neste tipo de crime. Hoje, com o desenvolvimento do crime
e o aprimoramento das técnicas utilizadas pelos aliciadores, o Tráfico de
Seres Humanos se apresenta com diversas facetas e, graças ao grande
trabalho de pesquisa sobre o tema e à elaboração de legislações nacionais
e internacionais, desenvolvidos através das últimas décadas, conseguimos
identificar e melhor compreender diversas delas, apesar de o número de
vítimas parecer só aumentar, como as já conhecidas modalidades para
exploração sexual e trabalho forçado e, ainda, para remoção de órgãos e
tecidos, mendicância, adoção ilegal e até combate armado, dentre outras.
De acordo com o Global Report on Trafficking in Persons, relatório
divulgado em 2018 pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e
Crimes (UNODC), nos últimos anos o crime atingiu patamares ainda mais
preocupantes, fazendo mais de 25.000 vítimas identificadas pelo UNODC
em 2016, de forma a superar consideravelmente todos os anos anteriores4,
dentre as quais as mulheres representam 49%, seguidas por meninas que
representam 23%, homens com 21% e meninos com 7%5. Ainda de acordo
com o relatório, a principal forma de tráfico é com o intuito de exploração
sexual, representando 59% do total, sendo seguida pelo tráfico para trabalho
forçado com 34%, e pelas demais categorias com os 7% restantes6.
2. NOVAIS, Fernando Antonio. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777- 1808). 7. ed.
São Paulo: Hucitec, 2001.
3. NOTTINGHAM, Priscila; FROTA, Helena. O Brasil na Rota do Tráfico de Escravas Brancas:
Entre a Prostituição Voluntária e a Exploração de Mulheres na Belle Époque. In: SINAIS -
Revista Eletrônica. Ciências Sociais. Vitória: CCHN, UFES, Edição n.11, v.1, Junho. 2012.
4. UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIMES. Global Report on Trafficking in
Persons 2018. New York: United Nations, 2018. p. 7.
5. Ibid. p. 10.
6. UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIMES. Global Report on Trafficking in
O conceito mais utilizado internacionalmente para definir o tráfico de
Seres Humanos, que servirá de plano de fundo para todas as modalidades,
é o previsto no artigo 3º do Protocolo de Palermo:
[…] o recrutamento, o transporte, a transferência, o
alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à
ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao
rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à
situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de
pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de
uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de
exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração
da prostituição de outrem ou outras formas de exploração
sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou
práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção
de órgãos. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS,
2000, artigo 3 º).
Ao se aprofundar neste já conhecido conceito e no estudo do crime, é
possível compreender que os aliciadores agem por meio de vulnerabilidades
da sociedade, como mazelas sociais, econômicas e culturais, identificando
e explorando-as, com o fim de ludibriar as vítimas que, almejando um
futuro melhor, acabam se tornando presas fáceis. Ademais, cabe ressaltar
o alto grau de crueldade que envolve o tráfico de pessoas, que causa
danos profundos às suas vítimas, não apenas físicos, mas principalmente
emocionais e psicológicos.
Como principais fatores de vulnerabilidade, podemos apontar as
condições econômicas — que facilitam a atuação dos aliciadores que,
muitas vezes, chegam com a promessa de um emprego e condições de vida
melhores em outros países —, a questão de gênero e a falta de oportunidade
para determinados gêneros — muitas mulheres se submetem ao tráfico,
mesmo cientes das condições que encontrarão em seu destino final, por
viverem em condições extremamente precárias em seus países ou, ainda,
em relacionamentos abusivos, seja com parceiros ou familiares — e, em
grande crescimento nos últimos anos, a condição dos refugiados ao redor
do mundo — muitas vezes estes refugiados são obrigados a migrarem de
forma ilegal para se manterem vivos, e ao chegarem aos seus destinos,
não encontram outra alternativa do que confiarem e se entregarem aos
aliciadores7.
Embora as atenções e os estudos sobre o tema tenham crescido nos
últimos anos, e diversos normativos tenham sido criados, ainda há grande

Persons 2018. New York: United Nations, 2018. p. 29.


7. ARRUDA, Eloísa de Sousa; D’URSO, Clarice Maria de Jesus; KODAMA, Teresa Cristina
Della Monica; ARMEDE, Juliana Felicidade. Cartilha de Enfrentamento do Tráfico de Pessoas. São
Paulo: Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo, 2013. p. 19.
falta de preparo para o combate efetivo ao Tráfico de Seres Humanos, por
parte das autoridades e da sociedade. É necessária a conscientização de
toda a sociedade e o preparo dos envolvidos neste processo de prevenção e
combate ao crime, para que tenham condições de identificar e lidar com os
aliciadores de forma eficiente.
Ademais, em razão dos grandes danos aos direitos humanos e
de sua característica de atuação nas brechas sociais, é imprescindível o
desenvolvimento de políticas públicas, que sejam atualizadas de acordo
com o rápido desenvolvimento da atuação criminosa, e sejam eficazes não
só no combate ao crime, mas na prevenção dos fatores que o possibilitam.
Pensando nisso, é necessário que nos voltemos ao processo de
desenvolvimento das Smart Cities e do uso de inteligência artificial para uma
nova configuração das cidades, e até aos impactos que isso pode gerar às
classes mais baixas da sociedade, e ao combate ao Tráfico de Seres Humanos.

2 CIDADES INTELIGENTES: UM NOVO MUNDO

A urbanização é um fenômeno que vem tomando proporções maiores


a cada ano, e a previsão é que tal fenômeno se consolide e cresça cada vez
mais, fazendo com que o século XXI seja conhecido como o “século das
cidades”8. Em 2007 a população urbana alcançou, pela primeira vez, um
nível maior do que a população rural e, já em 2015, atingiu 54% do total. A
previsão é de que, em 2050, 64% do mundo seja urbano, restando apenas
34% de áreas rurais, o oposto de 1950, um século antes.9 Com toda essa
urbanização é comum o surgimento de novas questões problemáticas, bem
como o agravamento daquelas já existentes, e a tecnologia pode ser uma
forte aliada no combate e solução destes problemas.
Quando se trata de conceitos, ainda há muito em discussão,
entretanto, podemos compreender que “[...] cidade inteligente é aquela que
supera os desafios do passado e conquista o futuro, utilizando a tecnologia
como um meio para prestar de forma mais eficiente os serviços urbanos
e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos” (CUNHA, 2016, p. 10), ou
seja, para a existência de uma Smart City, é imprescindível que a mesma se
utilize da tecnologia para resolução e prevenção de problemas, bem como
para a prestação de um serviço público mais eficiente, corroborando para a
qualidade de vida de seus cidadãos.

8. CUNHA, Maria Alexandra et al. Smart Cities:  Transformação digital de cidades. São Paulo:
Programa Gestão Pública e Cidadania - PGPC, 2016. Disponível em: <https://bibliotecadigital.
fgv.br/dspace/handle/10438/18386>. Acesso em: 13 nov. 2019. p.10
9. Ibid. p. 20.
A Smart City deve abranger diversos âmbitos da sociedade, dentre eles
o meio ambiente (Smart enviroment), a mobilidade (Smart mobility), a segurança,
saúde e sanidade (Smart living), educação (Smart people), economia (Smart
economy) e o governo (Smart governance)10, e dentre as inúmeras iniciativas
para essa transformação, encontramos medidas das mais simples, como a
disponibilização de bicicletas públicas, estrutura para carros elétricos e a
implementação de espaços de coworking, às mais complexas, como o uso
de Big Data e de dados de celulares para políticas públicas, requalificação
de áreas urbanas, implementação de Centros de Controle de Operações,
monitoramento ambiental.11
Com a implementação destas medidas e o desenvolvimento deste
novo modelo de cidade, há a esperança de efetivamente combater e
diminuir grandes problemas que permeiam as cidades brasileiras, como a
falta de saneamento básico, de segurança e de saúde adequada, e a latente
desigualdade social, mas para isso é necessária a implementação de um plano
de ação de longo prazo, alterações legislativas que favoreçam as mudanças
e, ainda, o comprometimento dos governantes da cidade que se predispor a
tal evolução, dentre outras medidas de cruzamento das tecnologias a serem
empregadas neste novo modelo.12
Apesar de grandes cidades já se utilizarem da tecnologia e estarem
implementando o conceito de Smart City e de uma parte da população já
ter conhecimento sobre o assunto, a maior parte dos cidadãos brasileiros
ainda não está familiarizada com o tema. Contudo, quando consultados a
respeito do tema, grande parte associa o termo com o uso da tecnologia
para a construção de uma cidade melhor, e apesar de a grande maioria
entender que suas cidades estão muito longe de alcançarem tal patamar,
declaram sua esperança de que tais cidade inteligentes contribuam para
uma melhora nos serviços oferecidos para a população e para sua qualidade
de vida, além de “minimizar o impacto negativo sobre o meio ambiente e
aumentar a transparência da gestão municipal”13. Ademais, demonstram
que os principais pontos críticos, que devem prevalecer neste processo de
melhorias, são a segurança, saúde e educação, de forma que a segurança é o
mais importante dele e o que menos satisfaz os cidadãos.14
10. CUNHA, Maria Alexandra et al. Smart Cities:  Transformação digital de cidades. São Paulo:
Programa Gestão Pública e Cidadania - PGPC, 2016. Disponível em: <https://bibliotecadigital.
fgv.br/dspace/handle/10438/18386>. Acesso em: 13 nov. 2019. p. 30.
11. Ibid. p.10.
12. Ibid. p. 14-15.
13. Ibid., p. 10.
14. CUNHA, Maria Alexandra et al. Smart Cities:  Transformação digital de cidades. São Paulo:
Programa Gestão Pública e Cidadania - PGPC, 2016. Disponível em: <https://bibliotecadigital.
fgv.br/dspace/handle/10438/18386>. Acesso em: 13 nov. 2019. p. 10.
3 IMPACTOS DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E DE CIDADES
INTELIGENTES NA SEGREGAÇÃO DE VULNERÁVEIS

Compreendida antigamente como uma revolução, a tecnologia


sofre transformações constantemente acarretando mudanças na vida da
população, no poder político, na organização socioeconômica de uma
cidade, podendo impactar toda a sociedade com a simples alteração de um
algoritmo.
Desde os primórdios, as pessoas buscam o aperfeiçoamento do seu
modo de vida e com o avanço tecnológico e o aumento populacional surge
a necessidade de que o desenvolvimento siga a compreensão de agregar
pessoas e proporcionar condições mais igualitárias.
O Relatório do Desenvolvimento Humano de 2018 do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)15 afirma que em que pese
vivamos em um mundo complexo, este se torna cada vez mais conectado.
Contudo, em conjunto com o progresso tecnológico também ocorre o
desenvolvimento de desigualdades.
Apenas no Brasil, de uma população formada por aproximadamente
207,6 milhões com renda per capita em R$1.268,00, ainda resta 7,4% da
população na extrema pobreza, ainda que existam políticas públicas e
cidades desenvolvidas de forma mais sustentável e envolta com tecnologia.
Claramente, como prenunciado, cada vez mais, com o crescimento
populacional, passarão a surgir cidades que necessitem atender as
diferenciadas demandas da sociedade com a utilização da tecnologia,
vez que a mesma, desde sua criação, é anunciada como a responsável
por transformar o mundo e pelo smart everything, que representa o
empoderamento de pessoas, empresas e organizações com a utilização de
mídias sociais, inteligência artificial e o uso analítico de dados.
Contudo, o que poderia compreender em uma resposta mais rápida e
integrada de demandas e problemas sociais pode compreender em exclusão
daqueles que não possuem acesso ou as ferramentas necessárias para
integrar esta nova sociedade.
Essa prometida (r)evolução permite a utilização de dados para
compartilhamento e uma melhor compreensão de quem são os indivíduos
que fazem parte da sociedade e suas necessidades, contudo, em uma
civilização com diversas pessoas marginalizadas, não inseridas em qualquer
classe ou base de informações e sem acesso a tecnologias, a obtenção de tais
dados é um grande desafio, tornando extremamente complexo mensurar
15. UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME. Human Development Indices and
Indicators – 2018 Statistical Update. New York: United Nations, 2018.
quem faz parte deste grupo e de que forma é possível criar uma cidade que
inclua estas pessoas.
Com a problemática das imigrações, com cerca de 774,2 mil
recepcionados apenas no Brasil dos anos de 2010 a 201816, um crescente
número de indivíduos é exposto a vulnerabilidades e exclusões sociais.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em pesquisa
publicada em 201617, há uma estimativa de que aproximadamente 101 mil
pessoas estejam em situação de rua, sendo que a maior parte se encontra
nas grandes metrópoles.
Com o surgimento destas cidades globais ou smart cities e o
pensamento de conexão entre nações, mas sem a resolução de problemas
sociais, o desenvolvimento macro impõe uma constante de reprodução de
desigualdades, a busca pelo poderio econômico se apresenta de forma nítida
em meio a lógica natural de hostilidade daqueles que não se encontram
em uma posição social que a maioria dos cidadãos, fazendo com que a
própria cidade impulse pessoas a um estado de vulnerabilidade que as torna
próximas de situações que poderiam fazer com que se tornassem vítimas,
como do Tráfico de Seres Humanos.
A complexidade deste crime que vislumbra na vulnerabilidade de
suas vítimas a oportunidade para seduzi-las com possibilidades, configura-
se como um dos crimes mais rentáveis e irrastreáveis do mundo. Referida
vulnerabilidade dos indivíduos pode ser relativa à condição social e/ou
financeira, a um sonho de viajar, ter uma vida melhor, sobreviver, fugir de
um problema familiar, ou, simplesmente, em um momento de distração,
sofrer um sequestro. Muitas situações podem resultar na prática do crime
de tráfico, não apenas a socioeconômica, podendo o crime ocorrer em
qualquer localidade do globo.
A mencionada complexidade encontra-se envolta da grande
dificuldade em obter dados concretos e confiáveis quanto a sua existência
e a sua influência no mundo, visando uma melhor forma de combatê-lo e
preveni-lo, o Protocolo de Palermo busca imputar aos Estados a necessidade
do câmbio de informações.

16. CAVALCANTI, L; OLIVEIRA, T; MACÊDO, M; PEREDA, L. – Resumo Executivo.


Imigração e Refúgio no Brasil. A inserção do imigrante, solicitante de refúgio e refugiado no
mercado de trabalho formal. Observatório das Migrações Internacionais; Ministério da Justiça
e Segurança Pública / Conselho Nacional de Imigração e Coordenação Geral de Imigração
Laboral. Brasília, DF: OBMigra 2019.
17. IPEA. Texto para discussão - Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil. Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. Brasília, outubro de 2016. Disponível em: http://
www.ipea.gov.br
Por ser um crime denominado “invisível” e não ser tão explícito
quanto qualquer outro, qualquer indivíduo pode estar sujeito a esta
determinada situação, e uma nação, tenha ela smart cities ou não, deve ter
uma infraestrutura para intentar combater e lidar com pessoas vulneráveis.
A dialética quanto a utilização de tecnologia para a segurança e
desenvolvimento pode compreender na exclusão de minorias já excluídas
atualmente da sociedade por qualquer fator, seja social, racial ou de gênero,
ao não ser utilizada com o ensejo de melhorias sociais.
Em razão da extensão territorial de muitos países, os governos
podem não ter acesso à diversas minorias, assim como elas podem não ter
acesso à tecnologia necessária para se viver na cidade ou planeta do futuro.
Segundo a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu
artigo 22, diz que toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito
à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos
econômicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e
à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos
de cada país.
A sociedade em si corresponde, em determinados casos, ao que o
seu governo emprega para melhorias para sua população, e um país que
não consiga fornecer o suporte necessário a resgatar os seus indivíduos
marginalizados empregaria erroneamente a utilização de dados, violando os
seus direitos mais fundamentais, como o direito à liberdade e privacidade.
A ausência de regulamentação jurídica e de debates de especialistas
e governo gera insegurança jurídica ao não se vislumbrar a urgência
e imprescindibilidade de conferir segurança aos seus cidadãos de como
desenvolver uma cidade do futuro.
Países como o Brasil elaboraram recentemente leis de proteção
de dados, em que pese a utilização de dados remontar o século passado,
de forma a demonstrar internacionalmente o intento em ser do futuro.
Contudo, a não especificidade de normas e princípios torna o futuro
extremamente mais nebuloso do que integrante de um desenho futurístico
em que todas as soluções podem ser encontradas com um simples toque
em um celular ou computador.

4 AVANÇOS TECNOLÓGICOS NO EMBATE AO TRÁFICO DE


SERES HUMANOS

Além das questões sociais negativas ligadas ao desenvolvimento das


Smart Cities, como a segregação de vulneráveis e a diminuição da privacidade
dos cidadãos, ainda existem outros pontos de dificuldade a serem analisados
quanto à implementação destas tecnologias, como a dificuldade de lidar com
todos os dados gerados pelos mais diversos dispositivos utilizados ao redor
das cidades, excluindo aqueles irrelevantes, e estruturando e combinando os
relevantes de forma inteligente.
Para o efetivo uso desses dados, entende-se que seria de extrema
importância a união do Estado com entes particulares que também detém
dispositivos de controle em seus estabelecimentos, como shoppings centers
e supermercados, que poderiam colaborar com o fornecimento de suas
imagens, e o desenvolvimento de um sistema mais sofisticado capaz de
cruzar tais dados e lê-los de forma rápida e eficaz para o auxílio na segurança
pública.18
Na busca deste equilíbrio e do alcance de um sistema inteligente
eficaz, já é possível vislumbrar novas ferramentas que podem auxiliar na
construção de uma cidade mais inteligente, como é o caso da chamada
“Internet das Coisas”, do Big Data, e da inteligência artificial.19
Michael Batty20 afirma que Big Data é “qualquer dado que não caiba
em uma planilha do Excel”21, desta forma conseguimos compreender
a dimensão destes dados uma vez que uma planilha do Excel é um
instrumento com milhares de campos para dados, na prática teríamos o
Big Data através dos milhares de dados coletados a todo instante através
dos diversos meios tecnológicos espalhados pela cidade. Já a Internet das
Coisas nos remete à “um futuro muito próximo onde os objetos do dia a dia
estarão equipados com microcontroladores e transmissores permitindo que
haja comunicação entre eles, entre os usuários, e tornando-se parte integral
da Internet”22, tal conceito quando empregado na dinâmica da segurança
pública poderia integrar diversos dispositivos utilizados para a coleta de
dados, como câmeras dos mais diversos estabelecimentos e rotas, radares e
até gps, para o cruzamento e união de diferentes dados.23
18. HAMADA, Hélio Hiroshi; NASSIF, Lilian Noronha. Perspectivas da Segurança Pública no
Contexto de Smart Cities: desafios e oportunidades para as organizações policiais. Perspectivas
em Políticas Públicas. Belo Horizonte, v. 11, n. 22, p.155-179, jul/dez 2018. Disponível em:
<http://revista.uemg.br/index.php/revistappp/article/viewFile/3467/1994>. Acesso em:
13 nov. 2019. p. 199-200
19. Ibid. p. 199-200.
20. BATTY, Michael. Big data, smart cities and city planning. Dialogues In Human Geography,
[s.l.], v. 3, n. 3, ,p.274-279, nov. 2013. Disponível em: <https://journals.sagepub.com/doi/
pdf/10.1177/2043820613513390>. Acesso em: 13 nov. 2019. p. 274.
21. No original: “any data that cannot fit into na Excel spreadsheet”.
22. HAMADA, Hélio Hiroshi; NASSIF, Lilian Noronha., op. cit., p. 199-200.
23. HAMADA, Hélio Hiroshi; NASSIF, Lilian Noronha. Perspectivas da Segurança Pública no Contexto
de Smart Cities: desafios e oportunidades para as organizações policiais. Perspectivas em Políticas
Públicas, Belo Horizonte, v. 11, n. 22, p.155-179, jul/dez 2018. Disponível em: <http://revista.
Para que todas essas ferramentas funcionem de forma efetiva,
é preciso que haja um direcionamento especifico para cada tipo crime -
dentre eles o foco desta pesquisa, o Tráfico de Seres Humanos -, de forma
a simplificar a formação de filtros específicos para cada um dos crimes,
facilitando assim a criação de projetos e operações para sua identificação24.
Com relação à criação de projetos que tenham esforços para o
combate do Tráfico de Seres Humanos, Akhgar Babak25 referencia o
ePoolice Project, projeto financiado pela Comissão Europeia que envolve um
consórcio de agências policiais europeias e que busca desenvolver processos
aprimorados para verificação ambiental visando identificar futuros padrões
de crimes. Tal mecanismo funciona por meio de um radar inteligente de
varredura ambiental, que identificará sinais de atuação de crime organizado,
incluindo o tráfico de seres humanos, o cultivo de maconha e cibercrimes.
Além das ações diretas de combate ao Tráfico de Seres Humanos
proporcionadas aos agentes públicos pela tecnologia, há também a
possibilidade de outros projetos para a conscientização da população quanto
aos diversos fatores do crime, como o Traffuture, aplicativo desenvolvido
pela GalaxyWare, que busca conscientizar seus usuários sobre o crime,
agindo como um aliciador, fazendo perguntas disfarçadas com o viés de
entrevista, que no final dirão se o entrevistado seria facilmente aliciado ou
não, e, após o resultado, dando diversas informações sobre o tema.26
Desta forma, apesar dos diversos obstáculos a serem enfrentados
pelos entes públicos ligados à segurança pública, fica claro o importante
papel da tecnologia e das Smart Cities no combate ao crime, principalmente
àqueles complexos e de grandes impactos aos direitos humanos, como é o
caso do Tráfico de Seres Humanos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um crime invisível como o Tráfico de Seres Humanos gera a


indispensabilidade de uma contínua renovação de métodos de prevenção
e combate para acompanhar as reinvenções diárias de recrutadores. O
surgimento de smart cities acompanhando o crescimento populacional

uemg.br/index.php/revistappp/article/viewFile/3467/1994>. Acesso em: 13 nov. 2019. p.


199-200
24. Ibid. p. 2001.
25. AKHGAR, Babak. Big Data and Public Security: Analytics on the world stage. Disponível em:
<https://www.sas.com/en_za/insights/articles/risk-fraud/big-data-public-security_msm_
moved.html>. Acesso em: 22 nov. 2019.
26. GALAXY WARE. Traffuture.  2018. Disponível em: <https://github.com/MaiaraM/
GalaxyWare-onu>. Acesso em: 26 jun. 2019.
desenfreado em conjunto com a crise migratória, torna primordial o
desenvolvimento de cidades acompanhado da proteção aos direitos
humanos e sociais dos indivíduos.
Projetos de iniciativa pública e privada, como o Polaris Project
que administra a Linha Direta Nacional de Tráfico de Seres Humanos
dos Estados Unidos, buscam empreender um trabalho em conjunto para
embater tal crime complexo. O Tráfico de Seres Humanos não opera com
fronteiras e evolui a cada dia e sem a criação de uma rede global de segurança
qualquer busca por solução se torna ineficaz.
O grande intento e ensejo da criação de uma smart city além de ser
uma cidade inteligente e sustentável, é superar ou buscar desenvolver
soluções de forma rápida e personalizada para cada área da sociedade, desde
saúde pública à segurança. A necessidade da criação de uma infraestrutura
tecnológica e que busque solucionar desigualdades desenvolve um ambiente
inovador para aqueles considerados como participantes da sociedade.
Com o avanço tecnológico prolifera-se uma sensação de maior
embate ao crime de tráfico de seres humanos, a qual vislumbra-se o
desenvolvimento de ferramentas cada vez mais aprimoradas e utilização de
dados privados para proteção de vítimas e para identificação de possíveis
casos de forma legítima e legalizada.
Entretanto, com o emprego da tecnologia como forma de solução de
problemas, a não regulamentação dos seus métodos de uso transformam a
sensação de segurança, com a utilização de câmeras e drones para a área de
segurança, em insegurança jurídica.
A imprescindibilidade de monitoramento de dados pela premissa de
defesa torna-se como principal argumento para o uso indiscriminado de
dados, contudo diversos países, como o Brasil27, criaram recentemente, ou
ainda não elaboraram, leis de controle e proteção de dados, deixando a
sociedade e os seus direitos fundamentais a liberdade e privacidade à mercê
de qualquer um que possa conseguir obter dados.
A tecnologia como mecanismo de recrutamento e venda no tráfico
é compreendido como uma das formas mais significantes de acesso à
vulneráveis28, em que pese diversas pessoas ainda não tenham telefones ou
acesso à internet29, criando a necessidade da existência de mecanismos de
defesa online.

27. BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais
(LGPD).
28. THORN – Digital Defenders of Chldren. A Report on the use of Technology to Recruit,
Groom and Sell Domestic Minor Sex Trafficking Victims. Jan. 2015
29. INTERNATIONAL TELECOMMUNICATION UNION. Measuring digital development:
Todavia, a ausência de regulamentação direta e princípios claros e
específicos de como utilizar dados, fundar smart cities, transforma em caótica
a intenção de mudar o mundo pela tecnologia e deixa de compreender
o tratamento isonômico que deve ser direcionado a cada pessoa. A
transformação e a revolução tecnológica, por mais rápida que seja, se não
bem planejada não consegue acompanhar a inconstância do tráfico de seres
humanos.
O tráfico de pessoas é um crime que sempre se altera, não na questão
de seu conceito em si, mas na forma de aliciamento, métodos e formas,
assim como as necessidades das minorias, que se ausentes de tratamentos
e constantes em políticas públicas tornam-se ainda mais vulneráveis, sendo
suscetíveis de serem vítimas de tal crime, e a sociedade civil em conjunto
com o Estado precisam encontrar uma forma de acompanhar essas
transformações.
Na atual conjuntura político-social, cada vez mais próxima e aberta
ao fascismo, a intolerância, não confere imunidade a ninguém, ainda que
seja empregado diversos meios tecnológicos para combater. O tráfico
ocorre em todo lugar, e um crime tão antigo muda de nome, se renova,
se transforma, mas não é erradicado, ocorrendo ser o segundo crime mais
rentável do mundo, segundo a UNODC.
Enquanto não for pensada a criação de políticas públicas e
desenvolvimento da sociedade em conjunto, a perpetuação das mazelas
sociais não acabará e sempre se modificará.

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PARTE III

TRÁFICO DE MULHERES
E CRIANÇAS:
OBJETIFICAÇÃO,
CONSENTIMENTO E
DESAPARECIMENTO
CAPÍTULO 12

PESSOAS E PREÇOS: AS
DISTORÇÕES NARRATIVAS QUE
MERCANTILIZAM OS SERES
HUMANOS NO CONTEXTO DO
TRÁFICO INTERNACIONAL

MARIA EDUARDA SOARES DE ALVARENGA


Aluna do curso de Graduação em Direito da Universidade Presbiteriana
Mackenzie e membro do Grupo de Pesquisa “Pessoas Invisíveis”.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo, por meio da revisão da


bibliografia indicada e da análise jurisprudencial, investigar os processos
e as violações que acarretam na mercantilização das vítimas do tráfico
internacional de pessoas. A partir da submissão de casos ao Judiciário, vê-se
como a complexa estrutura desse tipo penal é sintomática, principalmente,
em relação ao patriarcado no contexto neoliberal.
A metodologia da pesquisa contou com a busca de julgados no
Superior Tribunal de Justiça (STJ) na forma “tráfico internacional de
pessoas não drogas não entorpecentes”, da qual foram encontrados 26
(vinte e seis) acórdãos, sendo 02 (dois) destes, por se tratarem de tráfico
de drogas, descartados. Após a leitura dos 24 (vinte e quatro) acórdãos,
foi realizada uma análise aprofundada de 06 (seis) das decisões colegiadas,
dentre as quais duas foram usadas para limitar o objeto de estudo, bem
como para exemplificar a base teórica estudada por meio de transcrições.
Importante contextualizar que o tráfico de pessoas, especificamente
de mulheres, é um dos maiores exemplos de mercantilização do ser humano,
associado, majoritariamente, com as lógicas capitalistas e patriarcais. O
lucro gerado desse mercado perpassa tanto os aliciadores quanto os locais
de destinos dessas mulheres, financiando as máfias locais.
No artigo 3º do Protocolo de Palermo1, define-se o tráfico de pessoas
como o
“(...) recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou
recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força
ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano,
do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade
ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter
o consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra
pessoa, para o propósito de exploração (...)”
A complexa tipificação da conduta nos norteia ao se olhar para a
história humana e perceber como o tráfico de pessoas esteve presente em
diversos momentos. Seja na comercialização de pessoas na Idade Média
ou com a colonização do continente americano, vislumbra-se como a
objetificação das pessoas foi usada em prol de dominação de territórios,
por meio de violência e tortura, a fim de garantir lucro rápido ao menor
custo possível. 
Além disso, a definição estabelecida pelo Protocolo de Palermo
sinaliza características próprias do tráfico de pessoas, o que é necessário,
principalmente, para distingui-lo da migração ilegal, a qual é constituída
pela entrada em território estrangeiro sem anuência do Estado, não havendo
exploração do indivíduo após seu ingresso.
A transformação de pessoas em mercadorias impacta a produção
cultural na sociedade e, pelo fetichismo desse mercado, observa-se os
preceitos sociais e históricos produzidos pelo capitalismo. Desse modo,
faz-se necessário entender como tal fluxo de exploração de pessoas e
de capital, no contexto da globalização, é reflexo da mercantilização
das relações sociais. O método de pesquisa utilizado para o alcance das
principais conclusões será o qualitativo, pelo qual se tentará compreender o
comportamento dos sujeitos envolvidos nas redes do tráfico internacional
de pessoas, bem como sua recepção pelo Poder Judiciário brasileiro, à luz
das dinâmicas neoliberais.

1. REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Decreto no 5.017. Protocolo Adicional à Convenção


das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão
e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, Brasília, p. aa – a, 2004.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ _Ato2004-2006/2004/Decreto/
D5017.htm. Acesso em: 04/12/2019.
1 DESTERRITORIALIZAÇÃO E O “CIDADÃO DO MUNDO” -
UMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA

O desenvolvimento de sistemas de transporte e a articulação de


tecnologias comunicacionais, dentre tantos outros, são exemplos de
estruturas com potencialidade de alterar núcleos econômicos, sociais,
culturais e políticos a nível mundial, rompendo fronteiras e traduzindo as
lógicas de troca.
Nesse cenário, a livre circulação de bens, serviços e pessoas se
desvincula, cada vez mais, da administração estatal e, ao falarmos do tráfico
internacional de pessoas, resulta-se numa política de mercantilização do
cotidiano por meio do consumo, visto que os investimentos implementados
em determinados centros de poder do “Norte Global”, potencializaram a
assimetria de oportunidades e exploraram, ainda mais, as vulnerabilidades
dos países constantemente colonizados.
O conceito de cidadão do mundo expõe o teor das relações sociais
do mundo globalizado, como também oculta a precarização das relações de
trabalho e a baixa qualidade de vida, perpetuando formas de exploração que
influenciam e potencializam violações nas relações de classe, raça e gênero.
A partir da década de 1990, a migração feminina de países do Sul
para o Norte global cresceu e fundamentou-se na maior colaboração
para o aumento da mão-de-obra no setor de serviços, em especial no
trabalho reprodutivo e doméstico. Além disso, a rearticulação do mercado
internacional ampliou o mercado de bebês via sistema de adoções -
institucionalizado o tráfico de crianças - como também pelas “fazendas de
bebês”, voltadas especificamente para exportação e que empregam mulher
do “Terceiro Mundo”, imigrantes ou não, como mães de aluguel2.
Cita-se ainda, como mais um exemplo, o tráfico de “noivas por
correspondência”, dinâmica global, mas originária nos Estados Unidos a
partir da década de 1980, em que homens se casam com mulheres - jovens
e provenientes de regiões pobres da América do Sul ou Sudeste Asiático -
escolhidas em catálogos3.
Há, nesse contexto, a exploração da situação de miséria dessas
mulheres, como também a reprodução de estruturas sexistas, racistas e
coloniais de homens no Norte global à procura de uma esposa controlável
por sua dependência em permanecerem nos países para onde emigraram4.

2. FEDERICI, Silvia. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. São Paulo:
Elefante, 2019, p 153-157.
3. Idem.
4. Idem.
A globalização, assim, passou a criar as
“(...) condições para um processo de civilização em que
todo o planeta está participando e mudando as regras sob
as quais o discurso colonial impôs a ideia hegemônica de
uma civilização universal, criando ao mesmo tempo a ideia
de regiões subalternas e as condições para discriminação de
línguas e culturas do saber. “5
Dessa maneira, a nova divisão internacional do trabalho (NDIT)
surge no contexto de reestruturação internacional da produção de
commodities na década de 1970, e do qual se vincula a formação de zonas
de livre comércio, ou seja, áreas isentas de qualquer regulação trabalhista e
que produzem para a exportação.
As mulheres empregadas em tais áreas ficavam submetidas a longas
horas de trabalho em más condições de segurança, inclusive contendo
revistas corporais diárias para evitar furtos e sendo obrigadas a tomar pílulas
anticoncepcionais para garantir que não ficassem grávidas.6
FEDERICI7 expõe que o projeto político que potencializa a
exploração das mulheres é estruturado pelas dinâmicas da nova divisão
internacional do trabalho, a qual produz novas formas de trabalho forçado
existentes desde os impérios coloniais.
Assim, legitimar tais a banalização dessas práticas está intimamente
ligado com a sociedade classista, e, consequentemente, racista, em que
vivemos, pois as mulheres pobres são facilmente identificadas como
perdidas, vulneráveis e instrumentalizáveis, em comparação com as
“sinhazinhas” para as quais trabalham, como indica o julgado Recurso em
HC nº 87.894 – RN:8
Não há dúvidas a respeito da situação de vulnerabilidade
das mulheres arregimentadas. Tinham todas um grau de
instrução baixo e se encontravam em situação de pobreza no Brasil.
A vontade de cada uma era mitigada pela necessidade e por causa
dessa necessidade aceitaram ter seu corpo objeto de exploração sexual.
O intuito da lei e do Protocolo Internacional foi proteger
aqueles que não tem como optar pela proteção (destaques
acrescentados).
Se em algum momento tivemos um Estado Democrático de Direito,
caracterizado pela existência de limites aos poderes estatais, assegurando
5. MIGNOLO apud VALENTE, Júlia Leite. UPPs: governo militarizado e a ideia de pacificação.
Rio de Janeiro: Revan, 2016, p. 25.
6. FEDERICI, Silvia. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. São Paulo:
Elefante, 2019, p. 140-141; 143-144.
7. Idem, p. 157.
8. STJ, Min. Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgamento em
03/10/2017.
direitos e garantias fundamentais próprias do constitucionalismo após a
Segunda Guerra Mundial, temos agora um Estado Pós-Democrático de
Direito, no qual os limites desaparecem em favor da gestão neoliberal da
vida. Aproximam-se, assim, os instrumentos de controle e o titular do poder
econômico exerce, ao mesmo tempo, poder político9.
Em tais circunstâncias, o mercado passa a ser o estruturador de todas
as ações, sendo o responsável por preservar as liberdades econômicas e
políticas, cenário em que as pessoas e o próprio ordenamento jurídico são
colocados em condição de mercadoria, sendo instrumentalizados a partir de
seu valor de uso e valor de troca. Portanto, é notório que todo o processo de
desumanização – que é pressuposto no tráfico de pessoas – está submetido
à lógica do capital10.

2 A COLONIZAÇÃO DAS VÍTIMAS

O tráfico de pessoas está necessariamente vinculado com o


alargamento das relações capitalistas e da subsequente corrosão de direitos
humanos. As constantes rearticulações do projeto capitalista não envolvem
somente o trabalho, mas também uma construção subjetiva e cultural. A
demanda mercantil existente no tráfico internacional de pessoal existente é
íntima ao colonialismo que, mediante o capital globalizado, é transformado
em uma mercadoria desejável, a fim de extrair lucro. Dessa forma, os países
do Norte e Sul global ainda representam as narrativas de dominador e
dominado, aqui se referindo especificamente da mulher dominada.
Nas colônias, os corpos femininos eram (e ainda são) vistos como
mecanismos sexuais e as mulheres, como sujeitos reprodutivos, chamadas
de “ventres do império”11. A objetificação das mulheres não brancas exige
o esvaziamento e anulação da condição humana, bem como a construção
narrativa de selvagens e hipersexualizadas, ensejando no uso de seus corpos
em espetáculos, por exemplo, a fim de saciar a curiosidade dos homens
europeus quanto ao seu exotismo.

9. CASARA, Rubens. Estado pós-democrático: neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis. Rio de


Janeiro: Civilização Brasileira, 2017, p. 21-22.
10. Idem, p. 39-40.
11. WHITLOCK apud CAVAS, C. S. T.; JARDIM, G. de S. REFLEXÕES SOBRE O PÓS
COLONIALISMO E O FEMINISMO DECOLONIAL. In: ANAIS ELETRÔNICOS,
2017, Florianópolis. Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds
Congress. Florianópolis, 2017. p. 1. Disponível em: <http://www.en.wwc2017.eventos.dype.
com.br/resources/anais/1495923430_ARQUIVO_ Pos-ColonialismoeFeminismoDecolonial
[TrabalhoCompletoFazendoGenero2017].pdf>. Acesso em: 28/11/2019.
Nesse sentido, GONÇALVES12 expõe que a cultura machista, servil
e patriarcal é imposta às mulheres traficadas, visto que estas são submetidas
a condições degradantes e sub-humanas, enquadradas numa lógica violenta
para com as expressões de gênero e de sexualidade. Ademais das violações
de direitos, as vítimas possuem sua possibilidade de desejar esvaziada, ao
ponto que são preenchidas pela função de objeto de desejo.

2.1 A FEMINIZAÇÃO DA POBREZA

Dentre os sujeitos passivos do tráfico internacional de pessoas, as


mulheres estão expostas às conjunturas com maior vulnerabilidade, tendo em
vista serem, em grande parte, as únicas responsáveis por seu sustento ou até
mesmo pelo sustento familiar, além de cumularem as tarefas de cuidado dos
filhos. Desse modo, apresentam um perfil de jovens com baixa escolaridade,
pertencentes a extratos sociais desfavorecidos economicamente e exercerem
atividades de trabalho informal, o qual é extremamente precarizado e onde
ocupam posições subalternas.
A mulher, antes mesmo de ser vítima do tráfico de pessoas, é vítima
da violência institucional plurifacetada do sistema, que expressa na violência
das relações sociais capitalistas e das relações sociais patriarcais. Além disso,
as mulheres latino-americanas, em especial, as mulheres negras e não-
brancas são ainda mais exploradas, em decorrência da histórica violência
dos processos de colonização, não usufruindo de espaços públicos de
forma reconhecida e legitimada, como também tendo sua participação
política anulada e sendo desconsideradas como sujeitas de direitos1314.
Assim, resulta-se um contexto de feminização da pobreza e da
sobrevivência, tendo em vista que tais circunstâncias geram trabalhadoras
flexíveis, com capacidade de adaptação a distintos horários e tarefas,
que são substituíveis por outras que aceitarem a mesmas condições
de superexploração. Dessa forma, o tráfico de pessoas – muitas vezes
intermediado pelo tráfico de drogas – é sintoma da saída forçada para a
sobrevivências de mulheres.15

12. GONÇALVES, Tamara A. Tráfico de Meninas e Mulheres para fins de exploração sexual: uma
problemática que extrapola divisas nacionais. In: BRASIL. Secretaria Nacional de Justiça.
Tráfico de pessoas: uma abordagem para os direitos humanos. Brasília: Ministério da Justiça,
2013, p. 254.
13. Cf. ANDRADE, Vera Regina P. de. Pelas mãos da criminologia: O controle penal para além da
(des)ilusão. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil: Revan, 2012. 414 p.
14. Cf. SAFFIOTI, Heleieth. Gênero, patriarcado, violência. 1 ed. Brasil: Expressão Popular, 2015. 158
p.
15. CHERNICHARO, Luciana Peluzio. Uma análise sobre a participação feminina no crime de
tráfico de drogas e o processo de feminização da pobreza. Comunicações do ISER, Rio de Janeiro,
2.2 O ABUSO DAS SITUAÇÕES DE VULNERABILIDADE

Mesmo que parte das vítimas aceite o transporte, ao se executarem


(ou, ao menos, tentarem) dinâmicas de exploração dessas pessoas, é
irrelevante discutir sobre a concessão de consentimento, pois se entende
que a manifestação de vontade da vítima está viciada e induzida a erro,
gerando a ela direitos à proteção16. O abuso dos aliciadores quanto a situação
de vulnerabilidade das vítimas é um ponto central de discussão, visto que
é necessário averiguar o domínio destas acerca da situação, o que possui
menor facilidade probatória nos processos judiciais do que nos casos em
que há explícita coação e engano por parte dos autores.
Nesse sentido, o Escritório das Nações Unidas (UNODC):1718
O abuso de uma situação de vulnerabilidade não existe
por estar relacionado mais com determinada finalidade
de exploração do que outra. Localizar o elemento de abuso
de uma situação de vulnerabilidade depende unicamente das
prerrogativas concedidas que demonstrem a existência de uma situação
de vulnerabilidade da vítima e um abuso dessa situação por parte
traficante, o qual ter por intenção explorar a vítima (destaques
acrescentados).
O UNODC sinaliza como o uso distorcido do conceito de abuso
de situação de vulnerabilidade pode comprometer que as vítimas sejam
reconhecidas como tais. Assim, para identificar tal situação, estipula-se a
análise da situação pessoal (por exemplo, inimputabilidade), geográfica
(por exemplo, casos de migração ilegal ou de isolamento linguístico) e
circunstancial (por exemplo, miséria e desemprego). Insta sinalizar que esse
cenário somente se concretizará com o abuso, ou seja, quando a vítima
acredita inexistir uma alternativa real ou aceitável diversa da apresentada pelo
aliciador. Por essas condições, permite-se mais facilmente a identificação de
uma potencial vítima.

v. 35, n. 70, p. 168-181., anual. 2016. Disponível em: <http://201.23.85.222/biblioteca/>.


Acesso em: 28 jan. 2020.
16. TERESI, Verônica Maria; HEALY, Claire (2012). Guia de referência para a rede de enfrentamento ao
tráfico de pessoas no Brasil. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Justiça.
17. No original (tradução livre): El abuso de una situación de vulnerabilidad no tiene por qué estar
relacionado con unos fines de explotación más que con otros. Hallar el elemento de abuso de
una situación de vulnerabilidad depende únicamente de las pruebas fidedignas que demustren
la existencia de una situación de vulnerabilidad de la víctima y un abuso de esa situación por el
traficante con el fin de explotar a la víctima.
18. UNODC apud SOUZA, L. L. de. In: As consequências do discurso punitivo contra as mulheres
“mulas” do tráfico internacional de drogas: ideias para a reformulação da política de enfrentamento
às drogas no Brasil. São Paulo, 2013, p. 15. Disponível em: <http://ittc.org.br/wp-content/
uploads/2014/ 07/Mulas.pdf>. Acesso em: 24/11/2019.
Um exemplo prático ocorre no tráfico de pessoas para fins sexuais,
nos quais, apesar de saberem a finalidade de migrarem é a prostituição, as
vítimas não sabem que terão seus passaportes confiscados, que cumprirão
uma “carga horária” extensa e que, para suportá-la, serão induzidas ao uso
de drogas, como o álcool e a cocaína. Em um dos julgados analisados,
pelo menos uma das aliciadas afirmou em juízo que não teve ciência, antes
de chegar a Itália, das condições de trabalho relativas a carga horária e
remuneração.
Dito isso, o julgado Recurso em HC nº 87.894 - RN19 revela que:
A presença do consentimento prévio das mesmas antes da
viagem não é causa suficiente para excluir a responsabilidade
dos exploradores, pois ainda que tenham consciência das atividades
que serão exercidas, as mulheres não têm idéia das condições em que
a exercerão e, menos ainda, do valor da dívida que contraem antes de
chegar ao destino (destaques acrescentados).
Consentir a etapa de transporte do Estado de origem para o
território estrangeiro não acarreta em consentimento a exploração sofrida
posteriormente, conforme estabelece o Protocolo de Palermo, o qual
considera que figurará na posição de vítima o indivíduo que não está
plenamente informado sobre alguma das condutas do núcleo do tipo penal.
Entretanto, as balizas interpretativas acabam por serem flexibilizadas e
ficam sob poder das autoridades policiais, do Ministério Público, bem como
do Poder Judiciário, os quais transitam entre reconhecer a pessoa enquanto
vítima do tráfico de pessoas ou como migrante ilegal.

3 NARRATIVAS APRESENTADAS AO JUDICIÁRIO BRASILEIRO

Transcreve-se no presente trabalho partes de 02 (dois) dos casos


submetidos ao Judiciário brasileiro. A contextualização narrativa existente
nos acórdãos emitidos pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) é norteadora
do processo investigativo de mercantilização das vítimas. Dessa forma, o
uso de um dos julgados, o Recurso em HC nº 87.894 - RN20 servirá como
ponto inicial de arguição.
A partir da leitura dos julgados se observam procedimentos
desempenhados pela rede do tráfico21: (i) As ações são planejadas pelos

19. STJ, Min. Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgamento em
03/10/2017.
20. Idem.
21. ARY, T. C.; MAIA, A. C. Tráfico de seres humanos na sociedade internacional contemporânea.
Globalização, políticas migratórias e esforços multilaterais de combate. REMHU – Revista
Interdisciplinar da mobilidade humana, n 31, p. 495-503, 2008. SCHAUER & WHEATON
apud FERNANDES, V. L. S. Tráfico de seres humanos: uma perspectiva geral sobre a exploração sexual de
“organizadores”, o qual obterão os subsídios para a execução do tráfico.
Inicia-se a captação da vítima em seu território de origem, seja pela coação,
pelo abuso de sua situação de vulnerabilidade ou pela indução a erro por
meio de artifícios enganosos acerca do modo e da finalidade da viagem;
(ii) tanto o recrutamento, o transporte e a venda são realizados pelos
“intermediários”. O transporte da vítima para o território estrangeiro
pode ocorrer por rotas altamente mutáveis, o que demonstra o nível de
logística dos aliciadores. Nesse ponto, é importante explicitar que, muitas
vezes, funcionários estatais – até mesmo as autoridades desses países, como
se mostrará adiante – estão associadas com tais dinâmicas, facilitando a
adequação do tráfico de pessoas ao controle migratório local, sendo
chamados de “auxiliares”; e (iii) o ingresso no país de destino e contínua
submissão à situação exploratória, o que já pode ter ocorrido na fase de
transporte. Normalmente, para garantir o cumprimento dos serviços
desempenhados pelas vítimas, estas são mantidas em cárcere privado,
tendo seus documentos e passaportes confiscados e sofrem com ameaças
de deportação, como também de represálias para com seus familiares, o
que será comandado pelos “operadores”.
Vê-se, portanto, que os mecanismos do tráfico internacional
de pessoas são constituídos por diversos elementos e sujeitos que,
hierarquicamente postos, possuem funções distintas. Dadas as devidas
proporcionalidades, o funcionamento do sistema é dependente de uma
articulada teia entres os países autores e receptores, mediante as vias de
transportes e a facilitação (e omissão) das autoridades competentes.
No julgado, as mulheres eram recrutadas pelos réus no território
nacional para trabalhar em casas noturnas italianas. As brasileiras iam à
Itália para “fazer consumação”, prática esta que as próprias depoentes
descrevem como “sentar”, “conversar”, “divertir”, “brincar”, “servir”,
“consumir bebida” ou participar de shows de dança. Do depoimento,
também se salienta que, apesar de suas funções principais fossem as
“consumações” - vista como entretenimento aos clientes e incentivo ao
consumo de bebida exercida pelo “figurante di sala” - essas mulheres não
tinham fluência no idioma italiano, bem como não eram selecionadas por
esse critério.
Essas mulheres eram recrutadas apenas com base em suas aparências,
o que foi comprovado nos autos por meio de interceptações telefônicas,
pois a seleção era baseada em fotos, especialmente fotos das mulheres

mulheres, p. 60. 2015–2016. Dissertação (Psiquiatria social e cultural - Faculdade de Medicina)


— Universidade de Coimbra. Disponível em: <https://eg.uc.pt>. Acesso em: 12/12/2019.
usando biquínis. Ademais, embora fossem contratadas como dançarinas,
não há nenhum registro de experiência prévia das candidatas nessa função.
No caso descrito, temos a prostituição explicitando para além da
troca de sexo por dinheiro, mas também como uma prática que garante
aos homens o acesso ao corpo feminino, via normas e regras conhecidas
internacionalmente, desde a localização desses lugares e a determinação do
preço pelo “serviço”.
Ademais, tal rede é esquematizada desde sua origem, visto que todas
as mulheres se encontravam em clara situação de vulnerabilidade no Brasil,
sendo oriundas de camadas pobres da população, e embora tivessem ciência
que teriam uma dívida com os aliciadores oriunda das passagens e outras
despesas, a maior parte delas só soube do valor da dívida ao chegar a Itália,
criando um laço de dependência.
Apesar da complexa rede que sustenta o tráfico de pessoas, é
necessário apontar a responsabilidade a cultura do consumo ao que tange os
ideais estéticos por ela exigidos. O padrão de beleza imposto está sujeitado
às necessidades de produção e consumo do capitalismo, onde a mercadoria
é o corpo. Por definição, a mercadoria “[...] é um objeto externo, uma coisa,
a qual pelas suas propriedades satisfaz as necessidades humanas de qualquer
espécie”22.
O valor de uso da mercadoria é estabelecido por sua utilidade, e o
valor de troca é determinado pela proporção de valores de uso de uma
espécie em relação a outra, o que está, constantemente, sujeito a mudanças
no tempo e espaço23.
À medida que as relações de troca se articulam, os mercados se
estabelecem e fixam preços, cristalizando a mercadoria pelo dinheiro, o
que irá representá-la24. Nesse cenário, tal lógica atinge as esferas de lazer,
de cuidado com o corpo, da arte e da cultura e, como consequência, a
objetificação humana rege as relações sociais25.
No caso do tráfico de pessoas, para além dessas dinâmicas, não se
trata do consumo do corpo, mas também do simbolismo que tal corpo
acarreta, sendo não um corpo real e sim um corpo ideal - visto como meio
de alcance da felicidade, prestígio e bem-estar - motor de escolha das vítimas
do aliciamento.

22. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro I: o processo de produção do capital.
São Paulo: Boitempo, 2013, p. 157.
23. Cf. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro I: o processo de produção do
capital. Capítulo 1: a mercadoria.
24. HARVEY, D. Para entender o capital: livro 1. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 336.
25. NETTO, J. P. Economia política: uma introdução crítica. São Paulo: Cortez, 2006.
No tráfico internacional para fins sexuais, o valor agregado à
mercadoria pode sofrer variações de acordo com as demandas de consumo de
determinadas localidades e/ou períodos históricos, o que é interseccionado
por elementos étnicos e etários, por exemplo. Na prática, vemos o caso em
que um aliciador aumentava o preço das mulheres traficadas caso a escolhida
mantivesse relações sexuais com o comprador sem o uso de preservativos.
Trata-se do HC nº 295.458/SP26, no qual o Réu, denunciado pelos
tipos penais de favorecimento de prostituição (art. 228, CP27), tráfico
internacional de pessoas (art. 231, CP28), entre outros, era, à época, casado
com a filha do irmão do Presidente da Angola, país destino do tráfico.
Sobre o acusado, transcreve-se:
É também o principal destinatário final da exploração
sexual das mulheres brasileiras traficadas, sendo certo
que estas o são para satisfação de sua lascívia sexual e de
alguns conterrâneos conhecidos seus, pagando B certa de US$
10.000,00 por cada uma das mulheres traficadas para exploração
sexual, além de cerca de US$ 100.000,00 pela mulher escolhida para
manter relações sexuais com ele sem o uso de preservativos, valores
que são repartidos entre os membros da organização
criminosa e as mulheres exploradas sexualmente, na forma
já exposta anteriormente (destaques acrescentados).
Tal exemplificação é indício da rentabilidade do mercado de compra
e venda de pessoas, tendo em vista que, enquanto as armas e as drogas
representam a prestação de um único serviço, sendo bens de consumo não
duráveis, a exploração sexual ocorre constantemente ao longo da prática
delitiva, ocorrendo a revenda das vítimas várias vezes.
Complementarmente a esses julgados, importante pontuar que
o Supremo Tribunal Federal, no Inquérito n. 3412/AL (STF, Min. Rel.
MARCO AURÉLIO MELLO, Plenário, julgamento em 29/03/2012),
considera como “escravidão moderna” os casos em que ocorre privação de
liberdade e de dignidade, tratando a pessoa como coisa, mediante coação
e/ou privação de direitos básicos, exatamente como ocorre nos casos de
tráfico de pessoas.
Dadas às condições da “escravidão moderna”, o contínuo abuso
sofrido pelas vítimas é associado a estratégias de controle estabelecidas pelos
operadores, ao ponto de incutirem nestas a culpa pelas violações sofridas,
26. STJ, Min. Rel. REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgamento em
29/08/2016.
27. Art. 228.  Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-
la, impedir ou dificultar que alguém a abandone.
28. Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha
a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá
exercê-la no estrangeiro. Revogado pela Lei nº 13.344, de 2016.
o que se vincula com os sentimentos de vergonha e baixa autoestima, bem
como se soma, pelo desgaste físico e psicológico sofrido, a apatia, descrença
e dissociação, diminuindo a possibilidade de escaparem.
Insta ressaltar que o isolamento também sofrido pelas vítimas é
sintoma do impedimento de contato exterior e da permanente vigilância
de movimentos, gerando a baixa capacidade linguística e potencializando
os contrastes culturais, o que impede a possibilidade de estabelecer relações
com a comunidade e aumenta a dependência em relação aos traficantes,
até mesmo pelo fato de desconhecerem quaisquer serviços e programas
de auxílio, como também seus direitos enquanto componentes daquela
localidade.
Por fim, contemplar-se-iam quatros possibilidades de saída das
vítimas da rede do tráfico internacional de pessoas29: (i) Sendo pouco
rentáveis ao mercado por conta de rupturas emocionais resultantes das
violações psicológicas sofridas; (ii) Sendo pouco rentáveis ao mercado por
conta de uma gravidez avançada, quando não se consegue realizar o aborto;
(iii) Sendo “auxiliadas”30 por algum cliente; (iv) Morrendo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A globalização possui parcela de responsabilidade enquanto


potencializadora das desigualdades internacionais e erosão de direitos civis,
tendo em vista que tal fenômeno é distorcido e instrumentalizado à lógica do
capital. Assim, permite-se a transcendência do direito interno, superando-se
as fronteiras e deparando-se com a necessidade de se recorrer a cooperação
e a regulamentação internacional de problemáticas que passam, então, a
serem globais.
As situações de pobreza, associadas, principalmente, a ausência de
oportunidades dignas e discriminação de gênero, impulsionam as vítimas
para a extensa malha do tráfico de pessoas, o que se beneficia do baixo
risco e alto lucro. Os baixos riscos de responsabilização penal se pautam
pela estruturada rede secreta e mutável de rotas, nas quais os aliciadores
estão vinculados com entes do governo dos territórios, o que flexibiliza
a fiscalização da atividade. Os altos lucros derivam da ampla demanda do
29. HUGHES & DENISOVA apud FERNANDES, V. L. S. Tráfico de seres humanos: uma perspectiva
geral sobre a exploração sexual de mulheres, p. 69. 2015–2016. Dissertação (Psiquiatria social e
cultural - Faculdade de Medicina) — Universidade de Coimbra. Disponível em: https://eg.uc.
pt. Acesso em: 12/12/2019.
30. Questionam-se as intenções que norteiam esses auxílios, tendo em vista que os clientes são
também parte da rede do tráfico internacional de pessoas. Os altos preços dados às pessoas
enquanto mercadorias a serem vendidas e exploradas derivam da alta demanda no mercado, ou
seja, são resultantes do alto número de clientes em nível global.
mercado, seja para fins sexuais e laborais, tendo em vista que essa mão de
obra barata e explorada é mais rentável aos consumidores, gerando maiores
preços.
Por meio dos julgados, os apontamentos teóricos expostos durante
o artigo se mostram aplicados nas práticas desempenhadas pelas redes do
tráfico internacional de pessoas. O Poder Judiciário brasileiro, em especial o
STJ, órgão que expediu os acórdãos citados, enquanto estrutura de controle
também imersa na lógica neoliberal, choca-se com as complexas dinâmicas
de poder que cercam os sujeitos julgados.
Enquanto que a estrutura investigativa constante nos julgados é
limitada aos fatos e circunstâncias apresentadas aos autos, buscou-se no
presente artigo, compreender que cada um desses julgamentos reflete
processos globais para além de uma conduta criminosa, bem como relacionar
a forma com que as regulações mercantis e coloniais ainda existem e são
determinantes no modo com parcelas populacionais vulneráveis serão
tratadas.

REFERÊNCIAS

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penal para além da (des)ilusão. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil: Revan,
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HUGHES & DENISOVA apud FERNANDES, V. L. S. Tráfico de seres
humanos: uma perspectiva geral sobre a exploração sexual de mulheres,
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MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro I: o processo de
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oDecolonial[TrabalhoCompletoFazendoGenero2017].pdf>. Acesso em:
28/11/2019.
CAPÍTULO 13

ENTRE DISSENSOS E
CONSENSOS: TRÁFICO DE
PESSOAS E SITUAÇÕES DE
VULNERABILIDADE

ALLINE PEDRA JORGE BIROL


Advogada, Pós Doutora em Direito (UFSC), Doutora em Criminologia
(Université de Lausanne, Suiça), Consultora de Organizações
Internacionais (ICMPD, UNODC, PNUD, IOM, UNICEF).

THAMARA DUARTE CUNHA MEDEIROS


Advogada, Doutora em Política Criminal e Direito Penal (Granada-ES),
Professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

INTRODUÇÃO

Tráfico de Pessoas é uma das mais antigas formas de violação de direitos


humanos. Trata-se de uma realidade perversa que fragiliza e desumaniza
milhares de pessoas por meio da exploração de um ser humano por outro.
Registros históricos demonstram que desde a colonização das Américas
até a abolição da escravatura, negros africanos eram transportados de seus
países e forçados a trabalhar em vários lugares no território brasileiro. No
entanto, nessa época, tanto o transporte como a exploração destes seres
humanos era permitido por lei.
Com a globalização e a intensificação da mobilidade humana, tem-se
observado o ressurgimento do transporte de pessoas para fins de exploração,
sendo codinome da expressão “tráfico de pessoas” a expressão “escravidão
dos tempos modernos” e fazendo relembrar que esta é uma das formas de
violação de direitos humanos que nunca deixou de existir1.
1. A expressão “escravidão dos tempos modernos” é inclusive o slogan do Freedom Project,
Observa-se, no entanto, que o tráfico de pessoas está inserido no
contexto de vulnerabilidade associada à violação de Direitos Humanos, em
especial à violação de direitos econômicos, sociais e culturais. São múltiplos
os fatores que contribuem para materializar a situação de vulnerabilidade,
entre os quais destacamos: insegurança econômica e social; desigualdades e
discriminação contra as mulheres e negros; desemprego, serviços de saúde
e de educação precários, péssimas condições de moradia e alimentação,
migrações, entre outros.
Apesar da hediondez, o tráfico de pessoas é crime pouco notificado.
O medo, a vergonha, o desconhecimento da condição de vítima fazem
com que pessoas traficadas tenham uma dificuldade muito grande de
denunciar essa forma de violência para as autoridades ou de buscar apoio
em organizações de assistência às vítimas. E a ausência de conhecimento
sobre os elementos ou os indicadores que compõem o tráfico de pessoas
faz com que as autoridades não percebam as situações de vitimização.
Este artigo tem o objetivo de trazer algumas reflexões essenciais sobre
a questão do consentimento da vítima no âmbito do tráfico de pessoas,
sem a pretensão de esgotar o debate sobre tema, mas com o propósito de
contribuir para a reflexão de uma das mais graves formas de violação dos
direitos humanos no mundo.

1 TRÁFICO DE PESSOAS NO BRASIL: MARCO LEGAL E


CONCEITUAL

O Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o


Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição
do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, conhecido como
Protocolo de Palermo, em 15 de novembro de 20002 é a norma primária de
referência internacional no combate ao Tráfico de Pessoas. Foi ratificado
por boa parte dos países membros das Nações Unidas3 e aprovado no
Brasil por intermédio do Decreto nº 5.017 de 2004.
Nos termos do referido Protocolo de Palermo, tráfico de pessoas é:
[...]o recrutamento, o transporte, a transferência, o
alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à

financiado pela rede de televisão internacional CNN. Outra expressão comumente utilizada é
“escravidão contemporânea.” Veja Justin Guay, The Economic Foundations of Contemporary
Slavery.
2. O Protocolo de Palermo foi adotado pela Assémbleia Geral das Nações Unidas, Resolução
55/25, e entrou em vigor em 25 de dezembro de 2003.
3. Na data de 08 de novembro de 2013, 158 países membros das Nações Unidas eram estados-
parte do Protocolo.
ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação,
ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou
à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de
pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de
uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de
exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração
da prostituição de outrem ou outras formas de exploração
sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou
práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção
de órgãos.
Inspirado nos termos do Protocolo de Palermo, o governo brasileiro,
em 2006, por meio do Decreto nº 5.948 aprovou a Política Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas que institui os princípios, diretrizes e
ações que devem nortear a atuação do poder público no combate ao tráfico
de pessoas e incorpora o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas na agenda
pública a partir de três eixos estratégicos: a)Prevenção: b) Repressão ao
tráfico e responsabilização de seus atores e c) a atenção às vítimas.
Já nos termos da legislação penal brasileira, após a alteração
legislativa promovida pela Lei no 13.444/2016, observa-se que art. 149-A
do Código Penal seguiu as diretrizes do Protocolo de Palermo para fins de
criminalização do tráfico de pessoas e acrescentou outros três verbos ou
condutas que podem também configurar o tráfico de pessoas, quer sejam
agenciar, aliciar e comprar.
Art. 149- A Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar,
alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude
ou abuso, com a finalidade de:
I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;
II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de
escravo;
III - submetê-la a qualquer tipo de servidão;
IV - adoção ilegal; ou
V - exploração sexual.
Considera o legislador a conduta mais grave ainda, aumentando a
pena, se:
I - cometida por funcionário público no exercício de suas
funções ou a pretexto de exercê-las;
II - cometida contra criança, adolescente ou pessoa idosa
ou com deficiência;
III - o agente se prevalecer de relações de parentesco,
domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência
econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica
inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou
IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território
nacional.
Ou seja, o tráfico de crianças e adolescentes, que antes tinham previsão
no Estatuto da Criança e do Adolescente, passa a ser previsto pelo próprio
Código Penal. E o tráfico internacional de pessoas também está previsto
neste mesmo art. 149-A, diferente da legislação anterior que estabelecia um
tipo penal para o tráfico interno, e outro para o tráfico internacional.
Além disso, a lei também prevê que se o agente for primário e não
integrar organização criminosa, a pena será reduzida. Isto porque o mais
comum é que as condutas que acabam por configurar o tráfico de pessoas
sejam praticadas por agentes que integram organizações criminosas, posto
que condutas plurais. São várias ações praticadas por vários sujeitos em
cooperação que permitem a concretização do crime de tráfico de pessoas.
Mas há casos isolados em que o agente pratica a conduta isoladamente, por
exemplo, recrutando ou aliciando esporadicamente, mas sem fazer parte de
organização criminosa, daí a necessidade de prever redução de pena.
Finalmente, observa-se que tanto nos termos do Protocolo de
Palermo, como da Política Nacional e do Código Penal, três elementos são
necessários para que a conduta seja considerada como tráfico de pessoas,
ou seja, a ação, o meio e a finalidade.
A lei, no entanto, não exige que a FINALIDADE da exploração
aconteça efetivamente para que o delito seja consumado. Será considerado
consumado desde que estejam presentes os três elementos: AÇÃO, MEIO
e FINALIDADE.
O meio de execução do crime pode ser a grave ameaça, a violência, a
coação, a fraude ou o abuso.
A coação pode ser física, moral ou psicológica. A fraude acontece
quando o traficante usa de artifícios fraudulentos como contratos de trabalho
falsos, promessas de emprego, casamento, para obter sua concordância. O
abuso ocorre quando o agente usa do seu poder (por exemplo, numa relação
hierárquica) ou da posição de vulnerabilidade da pessoa a ser traficada
(dificuldade financeira ou familiar) para coagi-la a aderir a sua conduta.
Em sendo a vítima criança ou adolescente, o meio é irrelevante, haja
vista a incapacidade legal da criança e do adolescente de fazer suas escolhas
e tomar suas decisões ou sua condição de pessoa vulnerável, em sendo
menor de 18 anos. Ou seja, a criança e o adolescente são sujeitos tutelados e
pela doutrina da proteção integral não podem consentir. Bastam, portanto,
a AÇÃO e a FINALIDADE da exploração para que criança ou adolescente
encontrado em situação de tráfico seja considerada vítima de tráfico de
pessoas.
Finalmente, tanto o Protocolo de Palermo como a Política Nacional
de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas não são taxativos quanto às formas
de exploração. O Protocolo expressamente traz que: “a exploração incluirá,
no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de
exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas
similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.” Ou seja,
ambos estão abertos a outras formas de exploração. Pesquisas de campo
têm, inclusive, identificado outras modalidades de tráfico de pessoas, tais
como o tráfico de pessoas para fins de mendicância4. Ou tráfico de pessoas
com a finalidade de obrigar a vítima a praticar crimes5.
Observa-se, portanto, um significativo avanço na nova legislação
penal. Desde a aprovação do Protocolo de Palermo em 2004, luta-se no
Brasil para a ampliação das modalidades de exploração pois, até a aprovação
da Lei n. 13.344 de 06 de outubro de 2016, que alterou o Código Penal, a
única modalidade de exploração prevista era a sexual. Outros tipos penais
eram utilizados subsidiariamente, tais como o art. 149 do Código Penal,
no caso de trabalho escravo. Não ao menos, a tipificação penal estava
incompleta, sendo assim, louvável as alterações promovidas na legislação
penal brasileira para o enfrentamento ao tráfico de pessoas.

2 CONSENTIMENTO DA VÍTIMA NO CRIME DE TRÁFICO DE


PESSOAS E SITUAÇÕES DE VULNERABILIDADE

O consentimento da vítima no âmbito do direito penal suscita


diversas opiniões cujos debates provocam reflexões sobre a disponibilidade
e indisponibilidade do bem jurídico tutelado. Nesse sentido, Figueiredo
Dias destaca “em todos os casos em que a lei proteja a liberdade de
disposição do indivíduo, o acordo do interessado faz com que não possa
nem deva falar-se de violação do bem jurídico”6. No entanto, tratando-se,
4. Mendicância consiste em atividades diversas através das quais uma pessoa pede a um estranho
dinheiro, sob a justificativa de sua pobreza ou em benefício de instituições religiosas ou de
caridade. A venda de pequenos itens como flores e doces nos sinais, limpar vidros, estacionar
ou vigiar carros, auxiliar com as compras em supermercado, apresentações artísticas (circenses,
tocar instrumentos musicais) nas ruas podem ser também considerados como mendicância.
Destacamos, todavia, que a mendicância como forma de exploração se configura quando
grupo organizado ou indivíduos transportam e coagem pessoas, principalmente crianças e
adolescentes, mas não só, para que fiquem nas ruas pedindo dinheiro ou comercializando
pequenos produtos, restringindo sua liberdade e retendo, todo ou em parte, o fruto desta
mendicância (Secretaria Nacional de Justiça, 2013).
5. É quando a pessoa traficada é forçada ou coagida à prática de atividades criminosas, tais como
o cultivo ou o transporte de drogas de um local para outro, pequenos furtos, etc. (Secretaria
Nacional de Justiça, 2013).
6. FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito penal: parte geral, questões fundamentais a doutrina geral do
crime. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, tomo I, p. 473.
especificamente, da vítima do tráfico de pessoas para fins de exploração
sexual, indaga-se em que situações é possível dispor da liberdade individual/
sexual? A análise criteriosa do dissenso/consenso da vítima é fundamental
para a adequação do fato à norma penal.
Neste contexto, Daniel de Resende Salgado explica7:
[...]importante destacar que a potencial lesão à liberdade
sexual, bem jurídico tutelado pela norma prevista no artigo
149-A, V, do Código Penal, deve sempre ser aferida levando-
se em consideração vícios impeditivos da possibilidade de
manifestação livre e consciente da real vontade da vítima.
[...]Vale dizer: se o valor tutelado pela norma é disponível
e exonerador da responsabilidade penal, seu titular deve
ter condições de dispor do bem jurídico por meio de uma
manifestação de vontade sem vícios, totalmente livre e
consciente.
A Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas trata
da irrelevância do o consentimento da vítima no artigo 2°, parágrafo 7°.
O Protocolo de Palermo, em seu artigo 3º, alínea “b” determina que o
consentimento dado pela vítima é irrelevante desde que o meio utilizado
seja a ameaça ou o uso da força ou outras formas de coação, o rapto, a
fraude, o engano, o abuso de autoridade ou da situação de vulnerabilidade
ou a entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obtê-lo.
A lei n° 13.344/2016, por sua vez, não faz menção ao consentimento
da vítima, se relevante ou não. A conduta típica prevista no art. 149- A -
inclui o elemento meio - violência, grave ameaça, fraude, coação e abuso
– como circunstâncias elementares do núcleo do tipo penal, assim, se o
consentimento da vítima de tráfico de pessoas for considerado válido,
excluirá a tipicidade.
Com efeito, a compreensão da relevância ou validade do
“consentimento da vítima” não é tarefa fácil. Gregori destaca que
“partindo-se do pressuposto de que a estrutura da sociedade de direitos em
que vivemos é constituída a partir da relação entre sujeitos muito desiguais
[...], o consentimento é certamente muito mais complexo e difícil de ser
determinado”8.

7. SALGADO, Resende Daniel. Tráfico de seres humanos para fim de exploração sexual – o abuso e a
manifestação da vontade em um contexto de vulnerabilidade. Revista do Tribunal Regional Federal da
3 Região São Paulo, edição especial, pp.220-221, julho/2019. Disponível em: https://www.
trf3.jus.br/documentos/revs/DIVERSOS/REVISTA-ESPECIAL-2019_com_LINKS.pdf
Acesso em: 27 janeiro de 2020.
8. GREGORI, Maria Filomena. Prazer e Perigo: notas sobre feminismo, sex- shops e s/m. Sexualidade
e saberes: convenções e fronteiras. In: PISCITELLI, A. et al. (Ed.). Sexualidade e saberes: convenções e
fronteiras. Rio de Janeiro, Garamond, 2004, p. 53.
Uma situação de tráfico de pessoas pode começar com uma simples
promessa de maiores ganhos em país estrangeiro, a profissionais do sexo,
que imersas em dificuldades financeiras no Brasil, consentem ou concordam
com a proposta feita pelos recrutadores e se deslocam voluntariamente a
outro determinado país conhecedoras da condição de trabalharem como
profissionais do sexo. No entanto, são submetidas a condições de trabalho
extremas e endividamento pelas despesas de viagem no país de destino,
que são elementos essenciais da escravidão dos tempos modernos, ou do
tráfico de pessoas. Em tais situações é necessário avaliar “se a manifestação
de vontade para ingresso na prostituição foi racional e verdadeiramente
livre ou se simplesmente o indivíduo realizou uma opção de sobrevivência9.
Neste sentido, importante considerar, conforme explica Louise
Borer que10:
[...]ao inserir no tipo penal o vício de consentimento
decorrente de abuso, de forma genérica, a lei nos remete
inexoravelmente à necessidade de identificação da
situação de vulnerabilidade do indivíduo aliciado, recrutado,
agenciado, transportado, transferido, comprado, alojado ou
acolhido, ou seja, da potencial vítima de tráfico de pessoas,
e não apenas a identificar se a tal pessoa seria, formal e
legalmente, capaz de consentir com seu recrutamento para
as atividades proscritas pela norma penal
Deve-se, portanto, investigar a situação econômica/psicológica/
social/familiar das vítimas do tráfico para averiguar se há uma real situação
de vulnerabilidade, especialmente no sentido de identificar, “se tais vítimas
já foram vitimizadas pela ausência de oportunidades, pelas esperanças
desfeitas e sonhos nunca realizados e se tais fatores foram explorados pelos
traficantes para revitimizá-las”11.
Neste sentido, importa ainda considerar que são múltiplos os níveis
de consentimento da vítima assim como há vários níveis de vitimização12
que correspondem a diferentes níveis de conhecimento e informação que
são dados à vítima e que estão relacionados ao seu consentimento – válido
e informado ou não.

9. SALGADO, Resende Daniel. Op. Cit., p.223


10. BORER, Filgueiras Leite Vilela, Louise. O consentimento da vítima no tipo penal do tráfico de
pessoas. Revista do Tribunal Regional Federal da 3 Região São Paulo, edição especial, pp.220-
221, julho/2019. Disponível em: https://www.trf3.jus.br/documentos/revs/DIVERSOS/
REVISTA-ESPECIAL-2019_com_LINKS.pdf Acesso em: 27 janeiro de 2020
11. Ibidem.
12. ARONOWITZ, Alexis A. Smuggling and Trafficking in Human Beings: The phenomenon, the markets
that drive it and the organisations that promote it. European Journal on Criminal Policy and Research,
v. 9, p. 163195, 2001.
O primeiro nível corresponde à total coerção em que as vítimas são
raptadas; o consentimento neste nível é nulo. O segundo nível diz respeito
às vítimas que foram enganadas com promessas de emprego. Neste caso,
o consentimento da vítima foi dado com base numa fraude. O terceiro
nível refere-se a um nível de engano menor, em que as vítimas sabem, por
exemplo, que vão trabalhar na indústria do sexo, mas não na prostituição.
Por fim, o quarto nível de vitimização diz respeito às vítimas que, antes da
sua partida, sabiam que iriam trabalhar como profissionais do sexo, mas que
desconheciam até que ponto seriam controladas, intimidadas, endividadas,
exploradas13.
O risco é, portanto, o de se obter uma definição de tráfico que
estabeleça hierarquias morais informadas por valores morais, que acabem
por se traduzir em barreiras legais e/ou práticas na defesa dos direitos
humanos das vítimas de tráfico de pessoas14.
Daí a inteligência da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico
de Pessoas quando exclui qualquer forma de consentimento (obtido sob
ameaça, violência, fraude, etc., ou não) ao se identificar uma situação de
tráfico de pessoas.
Isto porque consentimento obtido por meio de grave ameaça,
violência, coação (física, moral ou psicológica), fraude ou abuso da
posição de vulnerabilidade é viciado, e não pode ser considerado como
consentimento informado ou válido.
Mas o que significa vulnerabilidade15? Vulnerabilidade é situação
individual ou de um grupo, preexistente ou criada, que significa fragilidade e
por isso potencializa a possibilidade da pessoa de se encontrar em situações
de risco ou de exploração. A vulnerabilidade pode ser pessoal, situacional ou
circunstancial. Vulnerabilidade pessoal é aquela relacionada às características
individuais de determinada pessoa, podendo ser, por exemplo, o próprio
sexo, a identidade de gênero, a orientação sexual, a idade, a etnia, ou uma
deficiência mental ou física, dentre outros. A vulnerabilidade situacional
é adquirida, está relacionada às pessoas e ao momento pelo qual estejam
passando. Pode exemplo, pode estar relacionada ao fato da pessoa estar
indocumentada em país estrangeiro, estar socialmente ou linguisticamente
isolada. E a vulnerabilidade circunstancial diz respeito a uma particularidade,

13. Ibidem.
14. ANDERSON, Bridget; DAVIDSON, Julia O’Connell. Trafficking – A Demand Led Problem.
Suécia: Save The Children, 2002. Disponível em: http://lastradainternational.org/doc-
center/1011/trafficking-–-a demand-led-problem-a-multi-country-pilot-study, Acesso em 26
de Janeiro de 2020
15. Conferir Regras de Brasília sobre Acesso à Justiça das Pessoas em Condição de Vulnerabilidade. Disponível
em: https://www.anadep.org.br/wtksite/100-Regras-de-Brasilia-versao-reduzida.pdf
por exemplo, a situação econômica, o desemprego, a pobreza, a dependência
de substâncias entorpecentes ou do álcool16.
Importa ainda destacar, conforme destaca Daniel Resende Salgado
que :
17

Essas situações de vulnerabilidade não se confundem com


a definição de vulneráveis, como o são os menores, os
doentes mentais ou enfermos, pessoas que se encontram
em estados que as impossibilitam de oferecer resistência,
em face da ausência de capacidade plena de compreensão.
Estes, quando vitimados, viabilizam o reconhecimento
da causa de aumento da pena prevista no artigo 149-A, §
1o, II, do Código Penal. O conteúdo da vulnerabilidade
que impede a vítima de manifestar sua liberdade de forma
idônea, não viciada, a permitir a incidência do tipo básico
do artigo 149-A, V, do Código Penal, está, ao contrário,
estreitamente imbricado à inexistência de uma isonomia
material entre o traficante e a pessoa traficada, ocasionando
a maior facilidade de cooptação em face da situação de
precariedade e fragilidade suportada pela indigitada
vítima. Em outras palavras, a situação de vulnerabilidade é
identificada pela fragilidade dos vínculos sociais, laborais,
familiares e/ou psicológicos. São, na realidade, situações
que conjugam precariedade e instabilidade no mercado de
trabalho, fragilidade dos suportes e das relações sociais,
irregularidade de acesso aos serviços públicos ou outras
formas de prote- ção social, podendo ser dilatadas ou
reduzidas a depender de crises econômicas ou elevação
do desemprego, por exemplo. [...] O “consentimento”,
em tais situações, é induzido e, em decorrência disso, o
hermeneuta precisa empregar uma maior intensidade
valorativa na análise da manifestação de vontade.
E arremata:
[...]É de se destacar que a percepção da pessoa recrutada
a respeito de sua própria vulnerabilidade é de somenos
importância. O relevante é ter o agente criminoso a
percepção de que ele se encontra em uma condição
materialmente superior à da vítima em situação de
vulnerabilidade.
De fato, registros históricos evidenciam que o abuso de situações de
vulnerabilidade propiciou relações de servidão e escravidão ao longo da
história da humanidade, portanto, é necessário que a elementar normativa
– abuso - prevista no art 149-A do Código Penal seja analisada de forma

16. UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME (UNODC, 2012b), Issue Paper
on Abuse of a Position of Vulnerability and Other Means within the Definition of Trafficking in Persons.
2012. Disponível em: <http://www.unodc.org>. Acesso em: 20 de janeiro de 2020.
17. SALGADO, Resende Daniel. Op. Cit., pp.221-222
criteriosa a fim de evitar interpretações vagas e imprecisas que mitiguem a
proteção dos direitos humanos nos casos de tráfico de pessoas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O crime de tráfico de pessoas é uma das mais cruéis violações


de direitos humanos. Representa o que há de mais perverso na conduta
humana posto que consiste na exploração do homem pelo homem e na
coisificação do ser humano. É ainda crime cuja dimensão e alcance não
estão claros. Isto não somente no Brasil, mas em outros tantos países do
mundo que ainda não adaptaram suas legislações ao Protocolo de Palermo,
ou que, ainda que tenham adaptado, enfrentam dificuldades para sua
compreensão, entendimento, e consequentemente para a identificação,
proteção e assistência às vítimas.
O tráfico de pessoas se alimenta de sonhos legítimos. O fato é que
o desejo por melhores condições de vida e trabalho, por conhecer outra
cultura, outro país e inclusive, o de viver relações afetivas com estrangeiros,
motiva pessoas que, em regra, encontram-se em situação de vulnerabilidade,
a optar por sair de seus territórios para outras cidades e países em busca
de oportunidades e, com frequência, as incertezas e os riscos reais desse
projeto migratório desaparecem diante do sonho. É nessa ambiência que
aliciadores/traficantes escolhem suas vítimas.
Neste sentido, tem-se que relevância do consentimento da vítima está
na contramão da proteção dos direitos humanos eis que as situações de
vulnerabilidade que motivam a maior parte das vítimas de tráfico de pessoas
para situações de exploração, ainda que voluntariamente, são ignoradas.
Por essa razão, em que pese a liberdade ser um dos mais nobres direitos
fundamentais, a manifestação de vontade num contexto de vulnerabilidade
deve ser criteriosamente analisada, não pode ser negligenciada pelo intérprete
e aplicador da norma penal, pois o seu reconhecimento é essencial para a
identificação do crime de tráfico de pessoas.

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CAPÍTULO 14

CRIANÇAS-SOLDADO, DA
GUERRA À FAVELA: UM TEMA DE
TRÁFICO DE PESSOAS

RAYANE CARDOSO DOS SANTOS ROCHA


Advogada graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie de São Paulo/SP. Atua em Direito Criminal. Membro do
Grupo de pesquisa “Pessoas Invisíveis: Prevenção e Combate ao Tráfico
Interno e Internacional de Seres Humanos” e pesquisadora livre.

INTRODUÇÃO

Em diversos países e territórios, crianças, as quais deveriam figurar


entre os primeiros a receber proteção e auxílio, são recrutadas para
atuarem em meio à guerra como soldados, com o escopo de servirem aos
seus líderes de forma leal e pronta ou atender às organizações criminosas
ligadas ao narcotráfico. A sua inocência e a sua facilidade de manipulação
em comparação a de um adulto, são utilizadas como benesses pelos seus
captadores em seu treinamento belicoso.
Nesse contexto, será utilizado o termo criança-soldado como
referência a qualquer criança, independentemente do gênero ou origem,
recrutada e utilizada em conflitos armados ou pelo crime organizado. A
definição de criança é volátil a depender do contexto geográfico, social
e cultural que se analisa. Entretanto, o Protocolo Facultativo sobre o
envolvimento de crianças em conflitos armados da Convenção sobre os
Direitos da Criança, ratificado até o momento por 170 países, proíbe o
recrutamento por grupos armados distintos das forças armadas, em qualquer
circunstância, de menores de 18 anos para participarem de hostilidades.
Com base nessa normativa, considerando que o recrutamento
analisado na presente pesquisa se refere a grupos armados distintos das
forças armadas, utiliza-se a palavra criança para se referir a todos os menores
de 18 anos, sendo ainda o termo criança-soldado empregado para todos
esses recrutados e utilizados por grupos armados em hostilidades.
Nesse prisma, analisa-se o recrutamento mirim no continente
africano, bem como a popularização do termo a partir da guerra civil em
Serra Leoa. Em um segundo momento, analisa-se o recrutamento de jovens
para o tráfico nas favelas do Brasil, bem como as semelhanças do infame
método empregado por organizações criminosas brasileiras em comparação
aos grupos rebeldes africanos.
Ademais, a utilização de crianças como soldados em hostilidades é
tratada como um problema humanitário relacionado ao tráfico de pessoas
e a exploração do trabalho infantil. Conforme a Convenção nº 182 -
Convenção sobre Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação
Imediata para sua Eliminação da Organização Internacional do Trabalho,
é considerado uma das piores formas de trabalho infantil o recrutamento
forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos
armados e a utilização, recrutamento e oferta de criança para atividades
ilícitas, como para a produção e tráfico de entorpecentes.
Por fim, avalia-se os principais esforços ou os mais notórios,
empregados por organismos governamentais e não-governamentais,
nacionais e internacionais para combater o uso de crianças-soldado em
conflitos armados.

1 ANÁLISE DO TERMO “CRIANÇAS-SOLDADO” E A QUESTÃO


DO CONSENTIMENTO

O termo criança-soldado é usualmente denominado para se referir


a crianças menores de dezoito anos recrutadas, por meio da força ou
“voluntariamente”, para participarem de conflitos armados. Abarca-se por
tal conceito, tanto crianças utilizadas diretamente como combatentes, como
as utilizadas indiretamente como cozinheiros, carregadores, mensageiros e
outras funções.
O recrutamento de infantes é uma nefasta prática de grupos rebeldes,
como o grupo Boko Haram na Nigéria, Frente Revolucionária Unida, na
Serra Leoa e as principais facções criminosas no Brasil. Paralelamente,
governos financiam grupos que também utilizam crianças no conflito para
combaterem os grupos insurgentes, como é o caso da milícia nigeriana de
combate ao grupo Boko Haram, “Força-Tarefa Conjunta Civil” (CJTF).
No Relatório de Graça Machel, um dos mais importantes
documentos sobre o tema, é narrado que o recrutamento de crianças se
deve ao fato de serem “mais obedientes, não questionam ordens e são mais
fáceis de manipular do que os soldados adultos”1. Ainda, é narrado que o
recrutamento ocorre de forma diversa, em alguns casos “voluntário” e em
outros são raptadas e forçadas a se unirem ao grupo.
No que se refere a análise da participação de menores em conflitos
armados, com fulcro no artigo 1º da Convenção sobre os Direitos da
Criança, considera-se criança todo ser humano com menos de dezoito anos
de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a
maioridade seja alcançada antes.2
Tal prática é considerada um crime de guerra, conforme preceitua
o Estatuto de Roma, recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças
armadas nacionais ou em grupos, ou os utilizar para participar ativamente
nas hostilidades3.
Ademais, a Organização Internacional do Trabalho considera como
uma das piores formas de trabalho infantil, o recrutamento forçado ou
obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados4.
Nessa toada, o artigo 4º do Protocolo Facultativo sobre o
envolvimento de crianças em conflitos armados da Convenção sobre os
Direitos da Criança5, ratificado por 170 países, proíbe o recrutamento por
grupos armados distintos das forças armadas, em qualquer circunstância,
de menores de 18 anos em hostilidades.
Ante a todos esses instrumentos normativos, conclui-se que utilizar
jovens menores de 18 anos como combatentes é uma forma de trabalho
infantil, sendo que caso esse indivíduo seja menor de 15 anos, será
considerado um crime de guerra. Há que se pontuar, que muitos países não
possuem registro adequado de nascimento, assim, a verificação da idade é
com base no desenvolvimento físico.

1. Item 34 do Relatório de Graça Machel no seguimento da Resolução 48/157 da Assembleia


Geral das Nações Unidas Doc. A/51/306 de 28 de agosto de 1996. Disponível em: <https://
www.unric.org/html/portuguese/peace/Graca_Machel.htm> Acesso em: 08 nov. 2019.
2. DECRETO Nº 99.710, DE 21 DE NOVEMBRO DE 1990. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm> Acesso em: 06 de novembro de
2019.
3. DECRETO Nº 4.388, DE 25 DE SETEMBRO DE 2002. Artigo 8º, §2º, alínea b, inciso XXVI
do Estatuto de Roma. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/
d4388.htm>Acesso em 28 nov. 2019.
4. DECRETO Nº 3.597, DE 12 DE SETEMBRO DE 2000. Artigo 3º, a, da Convenção sobre
Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação. Acesso
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3597.htm> Acesso em: 28 nov. 2019.
5. DECRETO Nº 5.006, DE 8 DE MARÇO DE 2004. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5006.htm> Acesso em :28 nov. 2019.
Cumpre ressaltar, que apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) considerar criança a pessoa menor de 12 anos e adolescente aquela
entre 12 e 18 anos, utilizar-se-á o conceito latu sensu de criança, conforme
previsto no artigo 1º da Convenção sobre os Direitos da Criança, ou seja,
para os menores de 18 anos. Isso porque, apesar do ECA distinguir tais
termos, no Brasil só se alcança a maioridade penal e civil6, a partir dos 18
anos.
No Brasil, apesar não existir uma guerra civil declarada e os menores,
em regra, não serem “obrigados” por membros de grupos armados a
atuarem como combatentes, há inúmeras crianças servindo como soldados
no narcotráfico. Assim, no que se refere às crianças utilizadas por
facções criminosas no Brasil, essas imersas em um ambiente de escassez e
vulnerabilidade, são cooptadas pelo tráfico de drogas.
Recrutadas para o tráfico, às crianças é imputado o dever de lealdade
para com os seus padrinhos do crime e para com a comunidade. Em meio
a essa guerra entre as facções e o Estado, essas crianças são expostas à
violência e ao crime como meio de combate. Por mais que as situações
narradas sejam análogas ao recrutamento de meninos-soldados em países
em guerra, a legislação brasileira não as trata como vítimas.
Conforme Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), são
penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, ou seja, não podem
ser punidos com as penas previstas no Código Penal.
Entretanto, caso os menores cometam atos infracionais, logo,
pratiquem as condutas previstas como crime ou contravenção penal,
estarão sujeitos a medidas protetivas ou socioeducativas. Assim, apesar de
o recrutamento de crianças para atuarem em guerras e conflitos armados
e para o tráfico de pessoas serem considerados como piores trabalhos
infantis, no segundo, as vítimas são penalizadas com medidas consideradas
protetivas ou socioeducativas.
Ante a isso, depreende-se que tanto as crianças recrutadas para o
combate em países em guerra, quanto às cooptadas pelo tráfico, são
utilizadas como crianças-soldado por grupos beligerantes.
No que se refere ao termo criança-soldado, já em sua gênese, o mesmo
é paradoxal, pois inconteste é que crianças são sujeitos de direitos, sendo
destinatários de absoluta prioridade e proteção integral. Sem capacidade
de fato e de direito para consentirem, em conflitos armados, guerras e

6. No que se refere a maioridade civil, há casos especiais em que se cessa a menoridade antes dos
18 anos, conforme disciplina o artigo 5º do Código Civil.
similares, as crianças devem receber, em todas as circunstâncias, a primazia
na proteção e no auxílio7.
Apesar da nomenclatura ser utilizada por organismos internacionais
como a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF), uma criança não pode ser considerada
em nenhuma hipótese de fato como um soldado, devendo, portanto, ser
tratada como uma vítima, conforme argumenta a doutoranda em Ciência
Política pela Universidade de São Paulo, Patrícia Nabuco Martuscelli:
Sendo assim, classificar crianças soldados como vítimas
significa reconhecer seus direitos de compensação,
necessidade de proteção e reintegração à sociedade e
não culpabilidade pelas atrocidades cometidas, ou seja, o
trauma e a categoria de vítimas são ferramentas usadas para
demandar justiça para esse grupo8.
Resta claro, portanto, a necessidade de tratar crianças raptadas,
sequestradas e coagidas a atuarem em conflitos armados, seja diretamente
como combatentes ou indiretamente como carregadores, olheiros,
mensageiros, cozinheiros e outros, como vítimas.
Por outro lado, mesmo as crianças que se “voluntariam”, se alistam
para participarem de tais hostilidades, devem ser tratadas como vítimas,
pois de fato as são. Essas crianças possuem o seu consentimento maculado
pela sua vulnerabilidade social e econômica. Em sua grande maioria, os
que “optam” por ingressar em conflitos armados, o fazem como uma saída,
escape de sua condição de miserabilidade.
Na reportagem do jornal El País, Peter, nome fictício para uma
criança-soldado de Yambio, no Sudão do Sul, narra o motivo que o levou a
se “voluntariar” a ingressar a uma milícia rebelde:
Meus pais morreram e eu fiquei sozinho com 14 anos.
Toda vez que voltava da escola encontrava uns meninos
que conheço e eles me falavam que com os rebeldes podia
ganhar dinheiro e comer. Um dia eu fui com eles. (...) Atirei
em um monte de gente, mas não quero falar sobre isso.
Me sinto muito mal pelas pessoas que ataquei. Naquele
momento, eu não tinha consciência, só pensava: ou mato
ou me matam. A maioria das crianças tinha orgulho, porque
cumpríamos nossa missão. Agora tenho pesadelos quase

7. Princípio VII da DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS


- UNICEF. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/declaracao_
universal_direitos_crianca.pdf>. Acesso em: 07 nov.2019.
8. MARTUSCELLI, Patrícia Nabuco. Onde estão as meninas soldados? Gênero e conflito
armado na Colômbia. Cad. Pagu, Campinas, n. 55, e195519, 2019. Disponível em: <http://
www.scielo.br>. Acesso em: 04 nov. 2019. Epub May 30, 2019. http://dx.doi.org/10.1590/1
8094449201900550019.
todos os dias com o que eu fiz9.
Da mesma forma, as crianças que “voluntariamente” participam
de facções criminosas no Brasil, em sua maioria, são vulneráveis social e
economicamente, além de possuírem unidades familiares instáveis10.
Ademais, conforme já citado, o Protocolo Facultativo sobre o
envolvimento de crianças em conflitos armados da Convenção sobre
os Direitos da Criança estabeleceu como 18 anos a idade mínima para o
recrutamento voluntário para grupos que não as forças armadas, enquanto
o alistamento voluntário para as forças armadas nacionais pode ser antes
de tal idade, desde que obedeça alguns requisitos como consentimento dos
pais ou tutores11.
Ante a isso, apesar de não serem soldados e sim crianças vítimas de
tal exploração, o termo “crianças-soldados” é conceitualmente aceito para
se referir a crianças recrutadas para participarem de tais hostilidades, sendo
o consentimento das mesmas irrelevante para a configuração do crime.

2 TRÁFICO DE PESSOAS, EXPLORAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA


INFANTIL E O RECRUTAMENTO DE CRIANÇAS PARA
CONFLITOS ARMADOS E O CRIME ORGANIZADO

Após a Guerra Fria, e com surgimento do que se conceitua


como “Novas Guerras” ou guerras da pós-modernidade, verificou-se a
intensificação de conflitos entre Estados e grupos rebeldes ou insurgentes.
Segundo Mary Kaldor12, as novas guerras normalmente, ocorrem
em áreas onde os estados autoritários foram muito enfraquecidos como
consequência da abertura para o resto do mundo.
Em tais contextos, a distinção entre Estado e não-Estado, público
e privado, externo e interno, econômico e político, e até guerra e paz está
diminuindo. Além disso, a quebra dessas distinções binárias é uma causa e
uma consequência da violência.
Outro ponto que se verifica nas chamadas novas guerras, é a
frequente violação de direitos humanos. Apesar de não ser um fator
9. CARRETERO, Nacho. Eu sou uma criança soldado. Disponível em:< https://brasil.elpais.com/
brasil/2018/08/10/internacional/1533901618_963321.html>
10. DOWDNEY, Luke. Crianças do Tráfico: Um Estudo de caso de Crianças em Violência armada
organizada no Rio de Janeiro. 2ª edição, Rio de Janeiro: 7letras, 2004. p.207.
11. Artigo 3°. 3. do Protocolo Facultativo sobre o envolvimento de crianças em conflitos armados
da Convenção sobre os Direitos da Criança.
12. KALDOR, Mary. In Defence of New Wars. Stability: International Journal of Security an
Development. Disponível em:<https://www.stabilityjournal.org/articles/10.5334/sta.at/>
Acesso em: 07 nov. 2019.
novo tais violações, o que se observa é um recrudescimento de táticas
nefastas, como tráfico de pessoas para fins de combate, exploração sexual,
casamentos forçados, assassinato de civis, destruição de cidades e outras
hostilidades. Nesse contexto, verifica-se a utilização sistemática de crianças
como instrumento de guerra.
Essa grave violação aos direitos humanos, é objeto de preocupação
e constante monitoramento por organizações como UNICEF, Comitê
Internacional da Cruz Vermelha, Humans Rights Watch, Invisible Children e
outros.
Ressalta-se que a utilização de combatentes mirins é uma das formas de
tráfico de pessoas. Conforme preceitua o Protocolo Adicional à Convenção
das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo
à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial
Mulheres e Crianças13, conhecido como Protocolo de Palermo, considera-
se tráfico de pessoas, o recrutamento, o transporte, a transferência, o
alojamento ou o acolhimento de pessoas para fins de exploração.
Nessa toada, tais ações visando exploração são condicionadas a
utilização dos meios da ameaça, uso da força ou a outras formas de coação,
ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de
vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para
obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra.
Contudo, há uma ressalva no texto normativo, caso a exploração
seja praticada em relação a uma criança, considerada pelo protocolo como
qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos, os meios descritos
acima, como coação, engano e outros, são considerados irrelevantes.
De posse dessa informação, é possível afirmam que caso as citadas
ações, o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o
acolhimento, sejam praticadas para fins de exploração em relação a uma
criança, pessoa menor de 18 anos, tem-se um caso de tráfico de pessoas.
Ademais, ainda no referido texto, conceitua-se a exploração como
a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração
sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à
escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.
Nessa toada, crianças utilizadas como soldados, são vítimas de tráfico
de pessoas, uma vez que são recrutadas e, muitas vezes raptadas, para fins
de exploração laboral.

13. Artigo 3ª, do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial
Mulheres e Crianças.
Por conseguinte, a exploração do trabalho infantil para vendas de
entorpecentes é considerada uma das piores formas de trabalho infantil
pela Convenção nº 182 da OIT, prevendo ainda a Recomendação 190 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT)14, ratificada pelo Decreto
nº 3.597 de 2000, aplicações para eliminação dessa exploração, vejamos:
Artigo 7. 2. Todo Membro deverá adotar, levando em
consideração a importância para a eliminação de trabalho
infantil, medidas eficazes e em prazo determinado, com o
fim de:
a) impedir a ocupação de crianças nas
piores formas de trabalho infantil;
b) prestar a assistência direta necessária e adequada
para retirar as crianças das piores formas de trabalho
infantil e assegurar sua reabilitação e inserção social;
(...)
III Aplicação. 12. Os Membros deveriam adotar dispositivos
com o fim de considerar atos delituosos as piores formas
de trabalho infantil que são indicadas a seguir: (...)
c) a utilização, recrutamento ou oferta de criança para
a realização de atividades ilícitas, em particular para a
produção e tráfico de entorpecentes, tais com definidos nos
tratados internacionais pertinentes, ou para a realização de
atividades que impliquem o porte ou o uso ilegal de armas
de fogo ou outras armas.
Sem dúvidas, o tráfico de pessoas é uma prática nefasta e digna da
mais incisiva reprovação, ainda mais quando a vítima desse crime é uma
criança, a qual deveria ser objeto de maior proteção por parte do Estado e
da sociedade civil.
A Declaração dos Direitos das Crianças, ratificada pelo Decreto nº
50.517 de 1961, preceitua o direito das crianças à moradia, saúde, escola,
alimentação, lazer, dentre outros.
No preâmbulo de tal documento, é afirmado que a criança é imatura
física e mentalmente e, por isso, precisa de proteção e cuidados especiais,
inclusive a proteção legal apropriada, antes e depois do nascimento. Nessa
toada, garante que “a criança deve - em todas as circunstâncias - figurar
entre os primeiros a receber proteção e auxílio”15.

14. DECRETO Nº 3.597, DE 12 DE SETEMBRO DE 2000. Artigo 3º, a, da Convenção sobre


Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3597.htm> Acesso em: 28
de novembro de 2019.
15. Princípio VII da DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS
- UNICEF. Disponível em:<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/declaracao_
universal_direitos_crianca.pdf>
Entretanto, segundo relatório produzido pelo Escritório das Nações
Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), as crianças representam 30% das
vítimas de tráfico de pessoas, 23% são meninas e 7% meninos, sendo desse
percentual, o tráfico para trabalho forçado a causa de 21% das explorações
em meninas e 50% em meninos16.
Dessa forma, crianças que por sua vulnerabilidade deveriam ser
mais destinatárias de proteção, representam 30% das vítimas de tráfico de
pessoas, uma das formas mais cruéis de violação da dignidade humana.

3 CRIANÇAS-SOLDADO NA ÁFRICA

O continente africano, além de ser o segundo maior e o mais populoso,


é o que mais possui conflitos armados. Dos 54 países que compõem o
continente, aproximadamente 30 enfrentam conflitos armados17.
O continente africano fora colonizado pelas potências europeias
durante o século XIX e XX, as quais o partilharam em países. Não obstante,
após a segunda guerra mundial, observou-se um enfraquecimento dessas
até então potências e o surgimento de movimentos independistas.
Com o pós-guerra, criou-se a Organização das Nações Unidas
com o objetivo de colaborar com o desenvolvimento dos povos,
além de uma maior atenção por parte da comunidade internacional
aos direitos humanos e ao direito internacional humanitário.
Nesse âmbito, as antigas colônias africanas se transformaram em país
autônomos, porém, tal partilha fora realizada pelas antigas nações
colonizadoras, sem considerar as diversidades étnicas da região. Diante
disso, surgiram vários conflitos entre grupo étnicos rivais.
Um dos conflitos que norteou a forma a se tratar o tema de crianças-
soldado, fora a guerra civil ocorrida na República de Serra Leoa, país da
África Ocidental.
Serra Leoa, antiga colônia Britânica, fora um lugar de refúgio para
escravos libertos por aquele país. Local rico em minas de diamantes, passou
por várias instabilidades políticas após a sua independência.
Nesse contexto, do ano de 1991 a 2002, a Frente Revolucionária Unida
(FRU), comandada por Foday Sankoh lutou para derrubar o governo do
país. O conflito ficou mundialmente conhecido em razão do uso deliberado
de crianças-soldado e pelo tráfico de diamantes de sangue, nome dado para

16. UNODC. Global Report on Trafficking in Persons 2018.


17. Disponível em: <https://www.warsintheworld.com> Acesso em 08 nov. 2019.
diamantes extraídos em zona de guerra e utilizados para financiar grupos
rebeldes.
Para tal extração, os beneficiados valeram-se do tráfico de pessoas,
utilizando pessoas forçadamente para o trabalho, em condições análogas à
escravidão. A extração de diamantes de sangue na África fora tema de debate
mundial em razão do filme produzido por Edward Zwick, “Diamante de
Sangue”.
Apesar de existirem recrutamentos “voluntários” de crianças, a
tática utilizada pelo grupo insurgente era o tráfico de pessoas, em especial
de crianças, para atuarem como soldados. Ademais, além de soldados, o
grupo capturava crianças para trabalharem nas minas citadas acima, além
da finalidade sexual.
Em 1999, assinou-se o Acordo de Paz Lomé, o qual previa anistia
geral a todos os combatentes, com exceção de crimes considerados contra o
direito internacional como genocídios, crimes contra a humanidade e outros.
Para julgar as graves violações aos direitos humanos naquele conflito, fora
criado o Tribunal Especial para Serra Leoa.
O livro “Muito longe de casa: memórias de um menino soldado”,
escrito pelo ex-menino-soldado Ishmael Beah, retrata a extrema violência a
que as crianças eram expostas durante a guerra em Serra Leoa:
Meu pelotão era minha família, minha arma era meu
provedor e protetor, e minha lei era matar ou ser morto.
Meus pensamentos não iam muito além disso. Estávamos
lutando havia mais de dois anos e a matança se tornara uma
atividade diária. Eu não sentia pena de ninguém. Minha
infância tinha passado sem que eu soubesse, e parecia que
meu coração havia congelado. Eu sabia que noite e dia iam
e vinham por causa da presença da lua e do sol, mas não
tinha a menor ideia se era domingo ou sexta-feira.18.
Para além do conflito na Serra Leoa, há outros grupos insurgentes
no continente africano que se valem de soldados mirins. Para recrutarem os
menores, eles utilizam-se da prática de rapto, já citada anteriormente.
Segundo Relatório do Conselho de Segurança da ONU, em 2018,
cerca de 2.493 crianças foram sequestradas no continente. Os números
mais altos foram verificados na Somália (1.609), República Democrática do
Congo (367) e Nigéria (180). 19

18. BEAH, Ishmael. Muito longe de casa: memórias de um menino soldado. n.p.
19. CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU. Relatório Anual do Secretário-Geral sobre Crianças e
Conflitos Armados de 2019, item II, a, n. 10.
Em tal Relatório, os países do continente africano observados são:
República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Líbia, Mali,
Somália, Sudão do Sul, Sudão e Nigéria.
Desses países africanos20, todos com exceção da Somália ratificaram
o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo
ao envolvimento de crianças em conflitos armados. Tal documento é um
importante instrumento para a criminalização da conduta.
Ainda no Relatório, de todos os 20 países analisados ao redor do
mundo, a Somália é o país com o maior número de casos de recrutamento
de crianças no ano de 2018 (2.300), seguida pela Nigéria (1.947).
Nesses conflitos, as escolas e hospitais, os quais deveriam ser
considerados locais seguros, são constantemente atacadas por grupos
extremistas. Na Nigéria, por exemplo, o termo Boko Haram, nome do grupo
terrorista mais temido do país, refere-se à organização terrorista nigeriana
“Jama’atu Ahlis Sunna Lidda’awati Wal-Jihad” ou “pessoas comprometidas
com a propagação dos ensinamentos do Profeta e Jihad”. Sendo traduzido
como “a educação ocidental é proibida”, denotando, assim, para a rejeição
da educação ou estilo de vida ocidental é proibido ou é pecado.
Sob o comando do líder Abubakar Shekau, o grupo tem como
uma das práticas ataques a escolas e sequestro de crianças. Sendo um dos
episódios mais terríveis e conhecidos, o sequestro de 276 crianças em uma
escola na cidade de Chibok.
A respeito dos ataques às escolas nas regiões de conflito ao redor
do mundo, fora produzido o relatório “Education Under Attack” pela Global
Coalition to Protect Education from Attack21.
Guerras e conflitos armados são os principais combustíveis para a
utilização de crianças-soldado no continente. A República Democrática do
Congo (RDC), por exemplo, vive em conflito há mais de 20 anos, a chamada
Segunda Guerra do Congo, foi o segundo conflito com mais mortes após
a Segunda Guerra Mundial, cerca de 4 milhões de mortes ao longo de 5
anos. Nesse país, aproximadamente 631 de crianças foram recrutadas para
conflitos armados em 2018.
Dessa forma, apesar desses países já serem signatários do citado
Protocolo Adicional que proíbe a utilização de menores de 18 anos em
20. A República Centro-Africana (2017), República Democrática do Congo (2001), Líbia (2004),
Mali (2002), Sudão do Sul (2018), Sudão (2005) e Nigéria (2012). Rol dos países signatários do
Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de
crianças em conflitos armados: Disponível em <https://treaties.un.org> Acesso em 10 nov.
2019.
21. Disponível em: <http://www.protectingeducation.org/sites/default/files/documents/
eua_2018_full.pdf> Acesso em: 02 de dezembro de 2019.
conflitos armados, crianças ainda são utilizadas em tais países por grupos
rebeldes.

4 CRIANÇAS-SOLDADO NO BRASIL

Apesar de não existir uma guerra declarada no Brasil, há o que se


chama popularmente de “Guerra ao tráfico”. A desigualdade social e
violência, ligadas a ineficiência do Estado, criam um ambiente de maior
vulnerabilidade para a cooptação de crianças para o crime.
A gênese do aumento do consumo de drogas e o surgimento de
Organizações Criminosas ligadas a tal atividade, advém da década 70 e 80
no Brasil. Conforme a antropóloga Alba Zaluar descreve em seu artigo
“Democratização Inacabada: fracasso da segurança pública”, com o pós-
guerra, houve uma mudança no estilo de vida, sendo o lazer e o consumo
elevados a uma posição de destaque na vida da sociedade.
Entretanto, o maior valor ao consumo não é o único fator que
permeia a escalada da criminalidade no Brasil, pelo contrário, a explicação
é multifacetária. Fatores como a pobreza, falta de emprego e oportunidade,
urbanização acelerada, dentre outros, influenciaram essa ascensão.
Deve-se discutir, na perspectiva da complexidade, como
a pobreza e a falta de emprego para os jovens pobres se
relacionam com os mecanismos e fluxos institucionais do
sistema de Justiça na sua ineficácia no combate ao crime
organizado. Esse atravessa todas as classes sociais e está
conectado aos negócios legais e aos governos.
Além disso, a urbanização muito rápida não permite que
as práticas sociais urbanas de tolerância e civilidade sejam
difundidas entre os novos habitantes das cidades nem
que os valores morais tradicionais sejam interiorizados
do mesmo modo pelas novas gerações da cidade. Assim,
muitos homens jovens e pobres se tornaram vulneráveis
às atrações do crime-negócio por causa da crise em suas
famílias, muitas dessas incapazes de lidar com os conflitos
surgidos na vida urbana mais multifacetada e imprevisível.
Vulneráveis também por causa do abismo entre adultos e
jovens, por causa do sistema escolar ineficaz, além da falta
de treinamento profissional, adicionado aos postos de
trabalho insuficientes. E se tornaram violentos em razão da
falta de socialização na civilidade e nas artes da negociação,
próprias do mundo urbano cosmopolita mais diversificado
e menos segmentado em grupos fechados de parentesco
ou localidade22.

22. ZALUAR, Alba Maria. Democratização inacabada: fracasso da segurança pública. Estudos
Avançados 21, 2007. p. 35, 36.
Com a escalada da criminalidade e o surgimento das Organizações
Criminosas, observou-se um recrutamento de menores para atuarem no
crime. Nesse contexto, apesar de não ser usual, utiliza-se o termo criança-
soldado para se referir às crianças que são cooptadas pelo tráfico de drogas
no Brasil. O antropólogo Luke Dowdney defende utilização do termo em
seu livro “Crianças do tráfico: um estudo de caso de crianças em violência
armada organizada no Rio de Janeiro”, vejamos:
Apesar de as crianças que trabalham para as facções
do tráfico não estarem numa situação de “guerra”, a
definição como “criança-soldado” está certamente
mais próxima de sua realidade de trabalho do que a
definição de “delinquente juvenil” ou “criminoso”. (...)
Também se faz a comparação para enfatizar a seriedade do
problema dessas crianças e adolescentes, e ressaltar o fato de
que não devem ser vistos ou tratados como “delinquentes
juvenis” apenas porque o Rio não está em estado de guerra,
segundo as definições tradicionais23.
Ainda em seu livro, Dowdney enumera pontos de contato entre as
crianças-soldado nas zonas de guerra e as no tráfico de drogas. Em ambos os
casos, há recrutamento “voluntário”, conforme dito anteriormente, apesar
de muitas vezes ser forçadamente, muitas se juntam “voluntariamente”,
nesses casos observa-se a semelhança também no perfil da vítima, crianças
pobres, vivendo em lares instáveis.
A faixa etária é semelhante, geralmente entre 15 e 17 anos, existindo
casos até de crianças menores de 10 anos. Segundo pesquisa do Observatório
de Favelas, a maioria ingressa entre 13 e 18 anos:
A maioria dos entrevistados começou a trabalhar no tráfico
de drogas antes dos 15 anos de idade. A maior concentração
de adolescentes e jovens (90,4%) situa o seu ingresso nesta
atividade entre os 13 e os 18 anos. Entretanto, em 7,8% dos
casos constatamos que a entrada no tráfico se deu antes até
os 12 anos, ou seja, em plena infância24.
Dowdney também observa que em ambos os casos as crianças
trabalham de forma hierarquicamente estruturada, existindo um sistema
de ordens, regras e punições. Muitas crianças começam como olheiros e,
conforme ganham confiança de seus líderes, ascendem posições, porém,
caso descumpram as regras estabelecidas são castigadas e até mortos.

23. DOWDNEY, Luke. Crianças do Tráfico: Um Estudo de caso de Crianças em Violência armada
Organizada no Rio de Janeiro. 2ª edição, Rio de Janeiro: 7letras, 2004. p.206.
24. Organização Internacional do Trabalho; Observatório de Favelas. Rotas de fuga: trajetórias de
jovens na rede social do tráfico de drogas: caminhadas. - Brasília: OIT, 2009. p. 58.
O sistema de punição do tráfico pode ser exemplificado através de um
relato do jornalista Celso Athayde no livro “Falcão: meninos do tráfico”25.
O jornalista narra a morte de um falcão, nomenclatura para as crianças que
atuavam como vigias para os criminosos, sendo responsáveis por avisar
casos de invasões de outras quadrilhas ou mesmo da polícia na favela.
Sabugo, como era conhecido o jovem, fora punido com a morte por
ter descumprido a regra estabelecida na organização e ter dormido durante
o seu “expediente”. Tal caso, serviria de punição e de exemplo para outras
crianças ocupantes da mesma função.
Outro ponto semelhante observado pelo antropólogo, é que em
ambos os casos as crianças são remuneradas por seus serviços e quanto
mais alto o posto, maior a remuneração. Além disso, esses menores estão à
serviço de seus superiores 24 horas por dia, pois a todo momento há risco
de invasão e de confrontos.
Os que trabalham como soldados geralmente fazem
plantões com revezamentos organizados de acordo com a
quantidade de empregados na função. Os plantões noturnos
costumam ocorrer durante toda a madrugada, envolvendo
mais de 10 horas consecutivas. Há ainda os casos dos
jovens que dizem ficar a disposição durante 24 horas para
qualquer missão ou situação de conflito armado26.
Tanto em zonas de guerra quanto no crime organizado, as
crianças utilizam armas de fogo, bem como são alvos constantes
de grupos rivais ou da polícia. Ante a isso, ambas vivem em uma
realidade de matar ou morrer, sendo a morte parte do seu cotidiano.
Por fim, Luke afirma que as crianças são utilizadas cada vez mais
em conflitos armados e quanto maior o tempo de duração do conflito,
maiores são as possibilidades de recrutamento de crianças27.
Envolvidas em ciclos de violência e abandono estatal, muitas dessas
crianças enxergam o tráfico como um meio de obtenção de dinheiro e
prestígio, sendo, por isso, mais facilmente recrutadas para atuarem o tráfico.
Inicialmente, desempenhando funções de auxílio como mensageiros,
olheiros e outros, ganhando confiança e lealdade por parte dos criminosos
e, aos poucos, ocupando posições de maior destaque dentro da organização.

25. ATHAYDE, Celso e MV Bill. Falcão: meninos do tráfico. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.p. 187
- 206.
26. Organização Internacional do Trabalho; Observatório de Favelas. Rotas de fuga: trajetórias de
jovens na rede social do tráfico de drogas: caminhadas. - Brasília: OIT, 2009. p. 70.
27. DOWDNEY, Luke. Crianças do Tráfico: Um Estudo de caso de Crianças em Violência armada
Organizada no Rio de Janeiro. 2ª edição, Rio de Janeiro: 7letras, 2004.
Há várias ocupações no narcotráfico, tais como vapor, responsável
pela venda no varejo, geralmente não utilizam armas; soldado, fazem a
defesa e ataque do grupo; olheiro, avisam quando há algum tipo de ameaça;
gerente, administram o ponto de venda de drogas; embalador, responsáveis
pelo empacotamento das drogas, dentre outros28. Quando maior o cargo
ocupado na Organização Criminosa maior a contrapartida financeira e o
poder.
Segundo dados da Fundação CASA, em maio de 2019, 47,88% dos
submetidos a medidas socioeducativas, respondem pelo ato infracional
“Tráfico de Drogas”, sendo tal porcentagem correspondente a 3.850
adolescentes, dos quais 723 possuíam entre 12 a 15 anos, 2.302 entre 16 ou
17 anos e 825 mais de 18 anos29.
Além disso, por mais que não ocorra uma guerra civil declarada no
Brasil, o país enfrenta sérios problemas no que tange a violência urbana. O
ano de 2017, por exemplo, foi o ano com mais mortes da história do Brasil,
totalizando mais de 64 mil assassinatos. A violência do tráfico de drogas e
da abordagem policial, ocasiona a morte de inúmeras crianças ligadas ao
crime.
O documentário “Falcão - Meninos do Tráfico”, produzido por MV
Bill e Celso Athayde, entrevistou 17 crianças utilizadas no tráfico como
falcões, espécie de olheiros. Desses 17 entrevistados, apenas um sobreviveu,
Sérgio Cláudio de Oliveira Teixeira.
Em entrevista para a Folha de S. Paulo, Sérgio narra que só sobreviveu
porque foi preso, além disso conta os motivos que o levou a entrar para o
tráfico:
Com dez anos. Meu pai era envolvido, minha mãe tinha
morrido [de câncer] e eu não ia ter oportunidade mesmo.
Vi meu pai ser usuário, cheirar, fumar, ser traficante. E
eu queria ser igual a ele. Troquei minha oportunidade [de
estudar] por um fuzil30.
Além das crianças mortas em conflitos com policiais, há as mortas
por bala perdida ou por estarem “na linha de tiro”, como o caso do menino
Eduardo de Jesus Ferreira, de 10 anos31. Segundo dados da plataforma
28. Organização Internacional do Trabalho; Observatório de Favelas. Rotas de fuga: trajetórias de
jovens na rede social do tráfico de drogas: caminhadas. - Brasília: OIT, 2009. p. 186.
29. FUNDAÇÃO CASA: Boletim Estatístico Completo ref. 10.05.2019. Disponível em: <http://
www.fundacaocasa.sp.gov.br> Acesso em: 04 de novembro de 2019.
30. FIGUEIREDO, Talita. Meninos do Tráfico. Folha de S. Paulo, 5 de abril de 2006. Disponível
em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1504200618.htm> Acesso em 08 nov.
2019.
31. Apesar do Relatório Final do Inquérito Policial ter concluído que os policiais agiram em
legítima defesa, pois atiraram respondendo a uma agressão de traficantes, e, lamentavelmente,
fogo cruzado, até outubro de 2019, 14 crianças menores de 12 anos foram
vítimas de bala perdida na região metropolitana do Rio de Janeiro, 3 delas
morreram32.
Recentemente, em 20 de setembro de 2019, Agatha Félix fora morta
por um tiro de fuzil dentro de uma Kombi no Complexo do Alemão, no
Rio de Janeiro. O caso que gerou repercussão nacional, ainda permanece
sem solução.
Após esse caso, fora apresentado o Projeto de Lei n° 1370/219,
chamado de “PL Ágatha”, o qual pede prioridade na tramitação de
procedimentos investigatórios relativos a crimes contra a vida de crianças e
adolescentes33 no âmbito da Polícia Civil, no Estado.
Das vítimas dos homicídios decorrentes de intervenção policial na
cidade do Rio de Janeiro, 95,5% são homens, 79% são negros e 75% são
jovens34. Para investigar o assassinato de tantos jovens no Brasil, foi criada,
através do Requerimento nº 115, de 2015, a Comissão Parlamentar de
Inquérito do Assassinato de Jovens (CPIADJ)35.
Essa Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), em seu Relatório
Final, recomendou a criação de uma polícia cidadã, desmilitarização de
polícia, dentre outras medidas.
Ressalta-se que há vários pontos de semelhança entre as crianças-
soldado do continente africano, recrutadas para guerras e as do Brasil,

segundo o Delegado, atingiram uma criança, o caso ainda shttps://fogocruzado.org.br/dia-


das-criancas-2019/egue
32. Sem autor: Até o dia das crianças, grande rio teve 20 baleadas em 2019. Fogo Cruzado.
Disponível em: <https://fogocruzado.org.br/dia-das-criancas-2019/> Acesso em 03 de
dezembro de 2019.
33. Esse projeto de lei visa a prioridade de tramitação de procedimentos investigatórios relativos à
crimes contra a vida e outros crimes com resultado morte de crianças e adolescentes no âmbito
da polícia civil do estado do rio de janeiro.
34. Você matou meu filho!: homicídios cometidos pela polícia militar na cidade do Rio de
Janeiro/Anistia Internacional, 2015, p. 146 Disponível em https://anistia.org.br/wp-content/
uploads/2015/07/Voce-matou-meu-filho_Anistia-Internacional-2015.pdf. Acesso em 08 nov.
2019.
35. “No Brasil, os homicídios dolosos são uma triste realidade: 56.000 pessoas são assassinadas
todos os anos no País, o que equivale a 29 vítimas por 100.000 habitantes, índice considerado
epidêmico pela Organização das Nações Unidas (ONU). Este patamar vergonhoso e
preocupante tem se mantido inalterado ao longo de três décadas, com pequenas variações.
Importante salientar que a vitimização apresenta padrões particulares: 53% das vítimas são
jovens; destes, 77%, negros e 93% do sexo masculino. Os homicídios dolosos são a primeira
causa de morte entre os jovens. Ademais, o risco não se distribui aleatória e equitativamente
por todos os segmentos sociais e raças, ao contrário, concentra-se na camada mais pobre
e na população negra, reproduzindo e aprofundando as desigualdades sociais e o racismo
estrutural.” - Trecho do Relatório Final da CPI Assassinatos de Jovens. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2016/06/08/veja-a-integra-do-relatorio-
da-cpi-do-assassinato-de-jovens>. Acesso em 08 nov. 2019.
recrutadas para o tráfico. Ambas estão imersas em um cenário de
vulnerabilidade social, econômica e expostos a violência explícita.
Dessa forma, a vulnerabilidade econômica é um dos motivos que
leva tais jovens a ingressarem no mundo do crime, porém não se trata de
um determinismo social, além do problema da pobreza, há outros fatores
que permeiam esse cenário.
A Antropóloga Alba Zaluar, em seu livro “Integração perversa:
pobreza e tráfico de drogas”, discorre sobre as causas do aumento da
violência e afirma que há vários fatores que contribuem para o aumento
da criminalidade, a hipermasculinidade e até mesmo a inflação econômica
contribuem para isso.
O problema da criminalidade violenta, que desapontou na
mesma década nas cidades brasileiras, é um paradoxo que
não pode ser reduzido a causas econômicas: pertencente a
uma cadeia de causas e efeitos que se cruzam.36
Ante a isso, por mais que no Brasil não esteja em guerra, o termo
criança-soldado se aplica aos menores recrutados para o tráfico de drogas,
visto a semelhança entre esses e os recrutados em zona de guerra. Ademais,
o termo também se aplica, pois, tais crianças são vítimas de exploração
pelos narcotraficantes, sendo tal prática considerada uma das piores formas
de trabalho infantil.
Por outro lado, o termo atribui a importância devida ao tema. Não se
trata de jovens delinquentes ou infratores juvenis e sim crianças exploradas
que devem ser reabilitadas a sociedade. Não se deve tratar tal abuso com
soluções punitivistas como aumentar a maioridade penal ou maior punição
para esses menores. Por outro lado, analisá-los apenas como vítimas,
esquecendo-se que esses soldados mirins do tráfico vivem um cenário
semelhante a uma guerra, não se verifica como solução adequada para o
tema.
Conforme consta nos objetivos da Resolução 190 da OIT37, já
mencionada anteriormente, deve-se proteger esses menores de represálias,
além de garantir sua reabilitação e inserção social.

5 COMBATE AO USO DE CRIANÇAS-SOLDADO

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, observa-se um esforço


dos Organismos Internacionais para garantirem o fortalecimento dos
36. ZALUAR, Alba. Integração perversa: pobreza e tráfico de drogas. Rio de Janeiro: FGV. 1ª ed.
2004, p. 57.
37. DECRETO Nº 3.597, DE 12 DE SETEMBRO DE 2000. I Programa de Ação, 1.b. Acesso
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3597.htm> Acesso em 28 nov. 2019.
instrumentos de direitos humanos e do direito internacional humanitário.
Com isso, a utilização de crianças em zonas de conflito fora chancelada
como inaceitável e considerada um Crime de Guerra pelo Estatuto de
Roma.
Não obstante, a utilização de crianças em combate não é uma
atrocidade contemporânea, pelo contrário, há documentos históricos que
apontam para a utilização de crianças em combates desde a Antiguidade.
Na Lacônia, unidade regional da Grécia, localizada na região do
Peloponeso, por exemplo, crianças e adolescentes recebiam um rígido
treinamento militar dos sete aos vinte anos, objetivando transformá-las em
soldado38.
Na mesma toada, durante a segunda guerra mundial, a Alemanha
utilizou a chamada “Juventude Hitlerista”, jovens entre 10 e 18 anos,
como combatentes no conflito. Muitas crianças, vendo o terror da guerra
e temendo a morte, tentaram fugir de tal convocação, porém caso esses
desertores fossem descobertos, eram executados39.
Dessa forma, para evitar tais atrocidades, no pós-guerra, foram
elaboradas normas internacionais, além da criação de mecanismos de
fortalecimento multilaterais. Na Convenção de Genebra, realizada no
ano de 1949, promulgada pelo Decreto nº 849 de 1993, a escravidão fora
considerada um Crime Contra a Humanidade, sendo o tema de tráfico de
pessoas contido no conceito de escravidão40.
Além disso, fora previsto que as Partes integrantes do acordo evitem
recrutar menores de 15 anos para o combate.
As Partes em conflito tomarão todas as medidas possíveis
para que as crianças menores de quinze anos não participem

38. “Como é sobejamente conhecido, na Lacedemónia as crianças pertencem, desde que nascem,
ao Estado— que eliminava as que fossem deficientes ou não apresentassem a robustez
requerida (Plutarco, Licurgo 16) — e, a partir dos sete anos, passavam à posse do Estado e até à
morte pertencem-lhe por inteiro. São então educadas pela pólis que lhes dava uma preparação
fundamentalmente de índole física, ao ar livre, e toda ela virada para a intervenção na guerra.
A educação propriamente dita dura até aos vinte anos. De cabelo cortado rente, ligeiramente
vestidos, pés descalços, obrigados a dormir sobre uma esteira de canas (cf. Xenofonte, Lac. 2.
3-4; Plutarco, Lic. 16), sujeitos a uma vida parca e austera, os jovens espartanos, proibidos de
se dedicarem a trabalhos manuais, viviam em comum, divididos em grupos, segundo as idades,
dirigidos pelo mais avisado de cada um desses corpos, e aprendiam a obedecer e a suportar
a fadiga e a dor (cf. Platão, Leis 1, 633b-c), a falar de forma concisa e sentenciosa, ou seja a
serem lacónicos”. FERREIRA, José Ribeiro. Educação em Esparta e Atenas: dois métodos e dois
paradigmas. Coletânea Cidadania e Paideia na Grécia Antiga. 2º edição, 2010.
39. MONTEIRO, Gustavo Feital. Juventude Hitlerista: Propaganda, Ideologia e Antissemitismo. Brasília,
2013. p. 27.
40. DECRETO Nº 849, DE 25 DE JUNHO DE 1993.Convenção de Genebra, artigo 7, item
1, alínea “c” e item 2, alínea.”c”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
decreto/1990-1994/D0849.htm> Acesso em 06 nov. 2019.
diretamente nas hostilidades, especialmente abstendo-se
de recrutá-las para as suas Forças Armadas. Ao recrutar
pessoas de mais de quinze anos, porém menores de dezoito
anos, as Partes em conflito esforça-se-ão para dar prioridade
aos de maior idade41.
De forma semelhante, a Declaração Universal dos Direitos das
Crianças, de 1959, por mais que não tratasse do tema abertamente,
estabeleceu princípios norteadores no que se refere a políticas de proteção
às crianças. Em tal documento, são previstos inúmeros direitos como de
saúde, moradia, lazer, educação, além de proteção contra a exploração no
trabalho.
Posteriormente, em 1977, foram adotados os Protocolos Adicionais
I e II da Convenção de Genebra42, os quais proíbem a participação de
menores de 15 anos nos conflitos. Em 1989, a Convenção sobre os Direitos
das Crianças43 reafirmou a proibição de participação de menores em
conflitos armados, além disso, destacou a importância da recuperação física,
psicológica e a reintegração das crianças utilizadas em conflitos armados.
Em 1993, foram adotados os princípios relativos ao estatuto
das instituições nacionais de direitos humanos (Princípios de Paris).
Posteriormente, em 1995, a 26ª Conferência Internacional da Cruz
Vermelha e do Crescente Vermelho recomendou que os Estados adotassem
medidas para garantir que crianças menores de 18 anos não participem de
hostilidades. Assim, diferente do Protocolo Adicional I e II citado acima, a
idade limítrofe seria elevada de 15 anos para 18 anos.
Contudo, apesar disso, no ano de 1998 o Estatuto de Roma, estrado
para a criação do Tribunal Penal Internacional, manteve tal faixa etária em
15 anos, bem como elencou tal prática como Crime de Guerra, conforme
seu artigo 8º, VII: “Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças
armadas nacionais ou em grupos, ou utilizá-los para participar ativamente
nas hostilidades”.

41. DECRETO Nº 849, DE 25 DE JUNHO DE 1993.Convenção de Genebra, artigo 77, 2.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0849.htm>
Acesso em 06 de novembro de 2019.
42. DECRETO Nº 849, DE 25 DE JUNHO DE 1993. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0849.htm> Acesso em 06 nov. 2019.
43. “Os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para estimular a recuperação
física e psicológica e a reintegração social de toda criança vítima de qualquer forma de
abandono, exploração ou abuso; tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos
ou degradantes; ou conflitos armados. Essa recuperação e reintegração serão efetuadas em
ambiente que estimule a saúde, o respeito próprio e a dignidade da criança.” DECRETO
Nº 99.710, DE 21 DE NOVEMBRO DE 1990. Artigo 39 da Convenção sobre os Direitos
das Crianças. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/
D99710.htm> Acesso em 06 nov. 2019.
Nesse mesmo ano, fora fundada uma Coalizão Pelo Fim do Uso de
Crianças-Soldados (CFCS). Em 1999, a Convenção nº 182 da Organização
Internacional do Trabalho sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho
Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação, proibiu o recrutamento
forçado e compulsório de crianças para a sua utilização em conflitos
armados.
No ano de 2000, fora adotado o Protocolo Facultativo à Convenção
sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em
conflitos armados. Em seu preâmbulo, é descrito que o aumento da idade
para o possível recrutamento de pessoas pelas forças armadas contribuirá
para a observância dos interesses das crianças. Em tal documento, o
recrutamento de menores de 18 anos fora proibido, com exceção do
recrutamento voluntário para atuação nas forças armadas dos Estados.
Importante destacar, que o Relatório Machel, publicado no ano de
1996, é considerado uma das mais importantes referências ao tema. O
relatório além de denunciar todos os problemas decorrentes da utilização
de crianças-soldado, propõe ações acabar com a prática ou a minimizar.
Ressalta-se que a prevenção da violência contra crianças em conflitos
armados é um elemento crucial na construção e manutenção da paz.
Além disso, os Estados-Membros têm um papel central no fornecimento
de programas de reintegração a longo prazo e sustentáveis, incluindo o
financiamento previsível para esses programas.
Esse apoio é crucial para garantir o bem-estar das crianças e manter
a paz e a segurança. Os programas de reintegração devem incluir saúde
mental e apoio psicossocial, educação e treinamento vocacional, bem como
intervenções comunitárias e acesso a um registro civil e à justiça, levando em
consideração as necessidades específicas de meninas e meninos, incluindo
crianças com deficiência, para permitir que todas as crianças afetadas por
conflitos armados retornem às suas comunidades e recuperem a infância.
O papel dos Estados Membros é agora apoiado pela criação da
Coalizão Global para a Reintegração de Ex-Crianças Soldadas, que foi
estabelecida e é co-liderada pelo Representante Especial do Secretário-Geral
da Infância e pela Associação das Crianças das Nações Unidas (UNICEF) e
tem como objetivo explorar e abordar ainda mais as lacunas e necessidades
existentes para a reintegração de todas as crianças afetadas por conflitos.
A Organização das Nações Unidas elaborou a “Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável”, documento esse que estabelece objetivos
e metas para os próximos 15 anos em áreas consideradas de importância
crucial para a humanidade e para o planeta. O item 7 do objetivo 8 de
tal agenda, tem como uma das metas acabar com a utilização de crianças-
soldados, vejamos:
8.7 Tomar medidas imediatas e eficazes para erradicar o
trabalho forçado, acabar com a escravidão moderna e o
tráfico de pessoas, e assegurar a proibição e eliminação das
piores formas de trabalho infantil, incluindo recrutamento
e utilização de crianças-soldado, e até 2025 acabar com o
trabalho infantil em todas as suas formas44.
Outrossim, a Assembleia Geral da ONU45 declarou 2021 como o
“Ano Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil”. Em 2017,
foram estabelecidos os chamados “Princípios de Vancouver”, documento
já endossado por 89 países46, os quais objetivam a manutenção da paz e
prevenção do recrutamento e uso de crianças-soldado.
Segundo o Relatório Anual do Secretário-Geral sobre Crianças e
Conflitos Armados de 201947, cerca de 13.600 crianças recrutadas foram
beneficiadas com a liberação e reintegração em todo o mundo. Apesar disso,
o número de crianças utilizadas em conflitos armados é elevado. Ainda
nesse Relatório, o secretário geral das Nações Unidas, António Guterres,
escreveu estar assustado com o elevado número de violações cometidas
contra crianças.
Ademais, crianças acusadas de associação com grupos terroristas,
foram privadas de liberdade, com cuidados parentais limitados ou
inexistentes, na Nigéria, por exemplo, o Relatório cita que 418 crianças
detidas por suspeita de associação com o Boko Haram e 375 crianças na
Somália por suposta associação com Al-Shabaab48.
Em relação aos esforços nacionais para combater o trabalho infantil,
fora elaborado o “III Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do
Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador”, “o qual possuía

44. Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.


Disponível em: <https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2015/10/agenda2030-pt-
br.pdf> Acesso em 02 de dezembro de 2019.
45. Nações Unidas Brasil. OIT: 2021 é declarado ano internacional para eliminação do trabalho
infantil. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/oit-2021-e-declarado-ano-internacional-
para-eliminacao-do-trabalho-infantil/>. Acesso em 02 de dezembro de 2019.
46. “VANCOUVER PRINCIPLES ON PEACEKEEPING AND THE PREVENTION OF
THE RECRUITMENT AND USE OF CHILD SOLDIERS” Disponível em: <https://
www.vancouverprinciples.com/wp-content/uploads/2017/11/17-204-Vancouver-Principles-
Doc-EN-v3.pdf> e Lista dos países que endossaram o documento, disponível em: <https://
www.vancouverprinciples.com/endorsers/>, ambos com acesso em 02 dez.2019.
47. CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU. Relatório Anual do Secretário-Geral sobre
Crianças e Conflitos Armados de 2019, item II, a, n. 7. Disponível em: https://www.un.org.
Acesso em 02 dez. 2019.
48. CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU. Relatório Anual do Secretário-Geral sobre
Crianças e Conflitos Armados de 2019, item II, b, n. 13.
como objetivo atender o compromisso assumido pelo Brasil de eliminar
todas as formas de trabalho infantil até 2025”.49
Todavia, o governo atual do presidente Jair Messias Bolsonaro,
enfrenta críticas com relação às medidas adotadas na área de combate ao
trabalho infantil, dentre elas a extinção de CONAETI50 e o esvaziamento
do CONANDA.51
Por outro lado, organizações não governamentais realizam
importantes trabalhos de pesquisa e combate à desigualdade social, como
Observatório das Favelas52, Gerando Falcões53, Central Única das Favelas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O consentimento não é uma defesa válida para o recrutamento e uso


de crianças menores de 18 anos em hostilidades, crimes e tráfico. As crianças
recrutadas pelas forças armadas e grupos armados, sejam as sequestradas e
obrigadas a participar dos conflitos ou as que “voluntariamente” se alistam,
devem ser tratadas como vítimas.
Essas crianças, as quais já se encontravam anteriormente em um estado
de vulnerabilidade pela guerra ou pela violência urbana, foram expostas aos
mais altos graus de violência e exploração, deixando um impacto severo no
seu bem-estar físico e mental. Por isso, é determinante que os interesses da
criança sejam considerados primordialmente.
Tanto as crianças-soldado recrutadas em zonas de guerra, quanto
as utilizadas pelo tráfico de drogas, são vítimas de tráfico de pessoas para
a exploração do trabalho infantil, sendo essa uma das piores formas de
trabalho infantil.

49. Ministério dos Direitos Humanos. III PLANO NACIONAL DE PREVENÇÃO E


ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL E PROTEÇÃO AO ADOLESCENTE
TRABALHADOR (2019-2022). p. 4. Disponível em: <https://www.mdh.gov.br/todas-
as-noticias/2018/novembro/lancado-3o-plano-nacional-de-prevencao-e-erradicacao-do-
trabalho-infantil/copy_of_PlanoNacionalversosite.pdf > Acesso em 02 dez. 2019.
50. Através da Portaria nº 952 de 2003 do Ministério do Trabalho, fora instituído o CONAETI
(Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil), sendo posteriormente revogado
pela Portaria SEPRT Nº 972 DE 21/08/2019.
51. RIBEIRO. Bruna. Trabalho infantil: especialistas analisam oito meses de governo Bolsonaro. Rede
Peteca: chega de trabalho infantil. Disponível em: <https://www.chegadetrabalhoinfantil.
org.br/noticias/materias/trabalho-infantil-especialistas-analisam-oito-meses-de-governo-
bolsonaro/> Acesso em: 02 dez.2019.
52. Apresentação e Missão da ONG disponível em <https://of.org.br/apresentacao/>. Acesso
em 02 dez. 2019.
53. Disponível em: https://gerandofalcoes.com/conheca. Acesso em: 02 dez.2019.
Ademais, conforme dito, observa-se um esforço de internacional para
erradicação dessa atrocidade, porém, apesar disso, o número de crianças
recrutadas em zonas de conflito ou para o narcotráfico, ainda é elevado.
Por fim, inconteste que a reintegração e reinserção na sociedade de
todas as crianças afetadas por conflitos armados ou narcotráfico deve ser
priorizada por meio de uma abordagem abrangente, coordenada e baseada
nos direitos da criança, que visam a sua proteção integral e irrestrita.

REFERÊNCIAS

DECRETO Nº 99.710, DE 21 DE NOVEMBRO DE 1990. Disponível


em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.
htm> Acesso em 06 de novembro de 2019.
DECRETO Nº 849, DE 25 DE JUNHO DE 1993. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0849.htm>
Acesso em 06 de novembro de 2019.
Decreto nº 3.597, de 12 de setembro de 2000 – Convenção sobre Proibição
das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3597.
htm>. Acesso em: 11 de outubro de 2019.
Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002 – Estatuto de Roma do
Tribunal Penal Internacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4388.htm>.
Acesso em: 11 de outubro de 2019.
DECRETO Nº 5.006, DE 8 DE MARÇO DE 2004. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/
D5006.htm>. Acesso em 28 de novembro de 2019.
Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004 – Protocolo Adicional à
Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional
Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em
Especial Mulheres e Crianças. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5017.htm>. Acesso em:
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CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU. Relatório Anual do
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Rotas de fuga: trajetórias de jovens na rede social do tráfico de drogas:
caminhadas. - Brasília: OIT, 2009. Disponível em: <http://of.org.br/wp-
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ZALUAR, Alba Maria. Integração perversa: pobreza e tráfico de drogas.
Rio de Janeiro: FGV. 1ª ed. 2004.
ZALUAR, Alba Maria. Democratização inacabada: fracasso da segurança
pública. Estudos Avançados 21, 2007.
CAPÍTULO 15

ENTRE “PINÓQUIOS” E
“STROMBOLIS”: O TRÁFICO
INTERNACIONAL DE CRIANÇAS
E ADOLESCENTES PARA FINS
DE EXPLORAÇÃO NA PRÁTICA
DE DELITOS E SUA PROJEÇÃO
POTENCIAL NO CONTEXTO
BRASILEIRO

MARIA LUIZA BORTOLOTO MORATA


Graduanda da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana
Mackenzie. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Pessoas Invisíveis da
Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

INTRODUÇÃO

A representar tão somente 0,5% do quantum total das finalidades


atribuídas ao tráfico humano1, a exploração de crianças e adolescentes
com o fim de praticar delitos em caráter transnacional, a priori, não aparenta
prática de envergadura a demandar efetiva atenção.
Com efeito, a majoritária parcela daqueles que se utilizam dessa
‘mão-de-obra’ infantil são sequer concebidos por praticantes da conduta
tipificada como tráfico de pessoas, sendo-lhes reservado unicamente o
status de corruptor de menor, desclassificando a ação típica efetivamente
levada a termo nos limites fronteiriços.
Deveras, há razoável dificuldade em se compreender tal fenômeno
como modalidade de tráfico de jovens, dado aos caracteres particulares
dos quais dispõe a prática. De fato, envolve variáveis específicas, tais quais
1. United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC). Global Report on Trafficking in Persons
2018. United Nations Publication, Ed. 19.IV.2.
vítimas incapazes de consentir em sua plenitude, finalidade desvirtuada
da comumente atribuída ao tráfico humano, e meios mais simplistas na
cooptação dos infantes, em virtude da sua especial vulnerabilidade.
Entretanto, não obstante compor irrisório montante das motivações
que permeiam o human trafficking e ser, via de regra, abnegado como
modalidade de tráfico de pessoas, é certo que o recrutamento de crianças
e adolescentes com o intento de praticarem condutas típicas nas divisas
nacionais trata-se de questão eminente, porquanto dotada de peculiaridades
imanentes e paulatinamente corrosivas.
Essa modalidade de tráfico humano, decerto, ter por ratio essendi a
conjugação de diversas vulnerabilidades, cernes do êxito no recrutamento, e
perpassa por complexas perquirições acerca de proteção integral de infantes
e jovens, consentimento, ausência de acolhimento legislativo e políticas
públicas efetivas.
No contexto brasileiro, em específico, essa modalidade de tráfico
infanto-juvenil passa a deter especial relevo, tendo em conta as dimensões
continentais das quais dispõe o Estado-nação e, por consequência, a
magnitude de seus limites fronteiriços para com quase todos os países da
América Latina, enquanto bordas secas, e o potencial em transporte marítimo
para a traficância intercontinental, em relação às fronteiras marítimas.
Empreende-se assim, no presente trabalho, um paralelo didático para
com a fantasia de Pinóquio: os infantes aliciados representam o ingênuo
boneco; os traficantes, de seu turno, presentam-se como o vilão Stromboli.
Tal qual o conto infantil, crianças e jovens, aos quais se conferem a proteção
integral na esfera teórica, são cooptados para a prática de condutas que, ao
cabo, conduzem-nas à imersão no universo da criminalidade transnacional,
e se veem absortas no ciclo vicioso do tráfico humano.
Nos bastidores, Stromboli mostra sua verdadeira
personalidade. Ele é abusivo e grosseiro, e não dá um
centavo do que ganhou para Pinóquio, mesmo ele sendo a
estrela do show. Quando Pinóquio diz que voltará para seu
pai, Stromboli grita com ele e, em uma das primeiras cenas
mais pesadas do filme, o prende em uma gaiola e diz que
fará milhões em cima do garoto, e ele nunca irá voltar para
casa novamente. Mas o pior ainda está por vir — Stromboli
ameaça Pinóquio, dizendo que quando ele estiver velho
demais, será usado como lenha.2
O objetivo deste artigo, portanto, é avaliar o alcance potencial da
traficância humana de crianças e adolescentes, cuja finalidade volte-se à

2. SERPA, Miguel. Pinóquio (1940). Disponível em: <https://medium.com>. Acesso em: 22 jun.
2019.
exploração da prática de delitos, nas fronteiras brasileiras, sob análise crítica
de todo o contexto normativo, político e socioeconômico que circunda a
problemática do tráfico de pessoas.

1 TRÁFICO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES: MAPEANDO


CONTEXTOS E VULNERABILIDADE

Consequência de um sistema capitalista globalizado cuja base é a


desigualdade socioeconômica, a traficância humana se apresenta como
a mais atual expressão da escalada da transnacionalidade delitiva, e,
diuturnamente, atualiza suas relações de poder e reinventa-se enquanto
dinâmica exploratória de vítimas vulneráveis.
É certo que o fenômeno não é apenas contemporâneo, e há muito
tem campo na sociedade global. Soma-se a isso o fato de que o tráfico de
pessoas não se volta à exploração para finalidades estanques e, dado ao
dinamismo a ele intrínseco, inova com rapidez em relação aos fins visados
pelos aliciadores.
Assim, dado à sua natureza volúvel, adaptável ao desenvolvimento
econômico-cultural em espectro internacional, a prática sofreu, tanto por
necessidade quanto por opções político-criminais, diversas atualizações
conceituais no decorrer da história normativa internacional.
Inicialmente compreendido tão só como prática com o fim de
exploração do trabalho escravo migratório, o conceito então atribuído à
traficância humana guardava estreita relação menos com o viés humanitário
do que com o projeto econômico visado à época (VENSON e PEDRO,
2013, p. 61). Posteriormente, o tráfico humano fora remodelado a fim
de abarcar a submissão sexual de mulheres e crianças brancas, sendo
essa a pioneira forma a ser conferida ampla proteção às vítimas no plano
internacional.
À preocupação inicial com o tráfico de negros da África,
para exploração laboral, agregou-se a do tráfico de mulheres
brancas, para prostituição. Em 1904, é firmado em Paris o
Acordo para a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas,
no ano seguinte convolado em Convenção. Durante as
três décadas seguintes foram assinados: a Convenção
Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres
Brancas (Paris, 1910), a Convenção Internacional para a
Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças (Genebra,
1921), a Convenção Internacional para a Repressão
do Tráfico de Mulheres Maiores (Genebra, 1933), o
Protocolo de Emenda à Convenção Internacional para
a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças e
à Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico
de Mulheres Maiores (1947), e, por último, a Convenção
e Protocolo Final para a Repressão do Tráfico de Pessoas
e do Lenocínio (Lake Success, 1949). (CASTILHO apud
SANTARÉM, 2017, p. 36).
Em um segundo momento, portanto, rompeu-se com o paradigma
econômico do conceito, e o que se compreendia por tráfico de pessoas
passou a ser dotado de elevada carga moralizante e racista. De fato, o intento
precípuo não era tanto salvaguardar mulheres e crianças da exploração
sexual, mas, em verdade, por a salvo a moral e os costumes das vítimas –
exclusivamente brancas – e seus próximos.
Nesta senda, somente após a Convenção sobre Abolição da
Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas
à Escravatura – ordinariamente referida por Convenção de Genebra –, em
1956, é que se passou a contemplar outras formas de exploração como
modalidades possíveis de tráfico de pessoas.
Tal instrumento estabelece conceitos acerca do que vem a constituir
um estado de escravidão, e inova ao contemplar também práticas análogas,
equiparando as pessoas nessas condições a “pessoas de condição servil”.
Expressa, ainda, no que consiste o tráfico de escravos, sendo esta a forma
incipiente do que, contemporaneamente, se concebe por tráfico de pessoas.
Contudo, é tão somente a partir do final do século XX que a comunidade
internacional compreende a natureza transversal e intercontinental
desse fenômeno, o qual transpõe qualquer limite fronteiriço traçado em
mapas geopolíticos, e assimila que a prática é de maior profundidade e
complexidade do que se ordinariamente atribui, ultrapassando as balizas da
escravidão servil.
Passa-se a notar, portanto, que o tráfico humano não se resume ao
tráfico de escravos, nem tampouco a pessoas em condição servil. Com
efeito, é fenômeno que extrapola os fins tidos por visados, em virtude da sua
volatilidade e adaptabilidade ao progresso econômico e cultural. Demanda-
se, assim, uma proteção normativa específica3.
Exsurge então a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime
Organizado Transnacional (2000), ao qual se adiciona, logo após, o Protocolo
Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de

3. Imperioso ressalvar que, não obstante a menção no artigo 7.2, alínea “c”, do Estatuto do
Tribunal Penal Internacional (Estatuto de Roma, 1998) à expressão “tráfico de pessoas”,
não há, em seu teor, ou em qualquer instrumento internacional de força cogente à época, a
conceituação do que vem a ser dita prática. O conceito aplicável, de fato, somente advém com
o Protocolo de Palermo, em 2003.
Pessoas, em especial Mulheres e Crianças (2003), convencionalmente
referido por Protocolo de Palermo.
O sobredito Protocolo passa a contemplar expressamente o que a
comunidade internacional há de entender como modalidade de traficância
humana. Desse modo, o tráfico de pessoas não mais se restringe àquela
baliza anteriormente imposta na esfera dogmática, pela qual somente se
conferia o status de tráfico humano às práticas de exploração sexual em face
de mulheres e crianças brancas ou, ainda, de submissão a condições análogas
à escravatura. Atualmente, conceitua-se o tráfico humano enquanto
O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento
ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou
uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à
fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de
vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos
ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa
que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.
A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da
prostituição de outrem ou outras formas de exploração
sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou
práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de
órgãos. (BRASIL, 2004).
Isto é, interatuando em uma relação dinâmica e transdimensional,
o tráfico de seres humanos contempla um agir – os verbos nucleares
que compõem o conceito dogmático –, um meio pelo qual se obtém o
consentimento viciado da vítima, e um fim precípuo de exploração. Fala-se,
pois, em uma atuação de tríplice front, face a um agir finalístico a partir de
um meio para obtenção de consentimento.
Contudo, tendo em vista a transversalidade do fenômeno e sua
constante renovação, acertou-se pela via doutrinária que o rol de finalidades
para as quais se volta o tráfico humano é não exauriente e, desse modo,
outras inovadoras modalidades exploratórias, surgidas com o perpassar dos
anos e das tecnologias supervenientes, são também abarcadas nos termos
gerais expostos pelo instrumento normativo internacional.
Aduz Vivian Netto Santarém4 que
Embora possamos elencar modalidades principais, o
fenômeno do tráfico de pessoas é complexo, dinâmico
e multidimensional, de forma que outras situações
de exploração da vulnerabilidade humana para fins
comerciais podem configurar tráfico de pessoas, tais como
mendicância forçada, casamento servil, adoção ilegal
de crianças, exploração de adolescentes no futebol e na
4. SANTARÉM, Vivian Netto Machado. Tráfico de Pessoas: uma análise da Lei 13.344/2016
sob a perspectiva dos direitos humanos. Revista da Defensoria Pública da União, Brasília, n. 11, p.
1-398, jan./dez. 2018. p. 40.
prática de delitos, entre outras.
Nesse sentido, contempla o conceito exposto variantes que não
somente aquelas expressas no Protocolo, de modo que se admite inferir
finalidades outras para as quais se volta o tráfico humano. Nessa possibilidade
de ampliação do rol, permite-se alocar a traficância para exploração na
prática de condutas criminalizadas, objeto do presente estudo.
No entanto, ressalva importante acomete o transporte integral do
normativo internacional para o âmbito doméstico brasileiro.
Ratificado pouco depois de sua elaboração, o texto de Palermo
baseou a alteração legislativa pela qual perpassou a ordem jurídico-penal
brasileira, sendo seu teor integralmente incorporado para fins de retificação
do tipo penal correspondente na seara doméstica.
Anteriormente consubstanciado ao artigo 231, do Código Penal
brasileiro, o delito de tráfico de pessoas voltava-se tão somente ao espectro
de exploração sexual, haja vista resguardar apenas vítimas de traficância para
fins de prostituição5. Após a ratificação do Protocolo, contudo, houve a
revogação do dispositivo, com a inserção de novel tipo penal, a fim de
harmonizar o ordenamento pátrio à normativa internacional sobre o tema,
em patente evolução dogmática.
Porém, não obstante a acertada convalidação integral do referido
Protocolo no plano interno, ao nele se pautar o exercício legislativo pelo
qual se formulou o contemporâneo tipo penal acerca do crime de tráfico
de pessoas, agora expresso ao artigo 149-A, do Código Penal, incorreu-se
em verdadeira problemática punitiva com relação à natureza dinâmica da
traficância humana.
Isto porque, ao transportar o conceito não exaustivo do instrumento
internacional para caracterizá-lo como crime na esfera interna, os termos
gerais do Protocolo passam a ser restritos, porquanto necessária a
observância dos princípios da estrita legalidade e da taxatividade no plano
penal interno.
Deveras, em atenção aos referidos princípios, impossível extrapolar
os limites da norma penal a fim de alcançar condutas não descritas no tipo,
de modo que o tráfico de pessoas, em termos domésticos, corresponde
unicamente ao inscrito no artigo 149-A, do Código Penal brasileiro.
Artigo 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar,
transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante

5. “Artigo 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha
a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá
exercê-la no estrangeiro” (BRASIL, Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal,
Brasília, DF, dez. 1940. Redação dada pela Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009).
grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a
finalidade de: I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do
corpo; II - submetê-la a trabalho em condições análogas à
de escravo; III - submetê-la a qualquer tipo de servidão; IV
- adoção ilegal; ou V - exploração sexual. Pena - reclusão,
de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (BRASIL, Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal, Brasília, DF, dez.
1940. Redação dada pela Lei nº 13.344, de 6 de outubro de 2016).
Em análise acurada do tipo, é possível depreender que, não bastante o
equívoco em relação ao transplante integral do texto normativo internacional
para o doméstico, incorreu o legislador no deslize de elencar as hipóteses
expressas no Protocolo – que, repita-se, não são exaustivas para os fins
do instrumento internacional – como incisos, de modo a manifestar que,
efetivamente, apenas as finalidades ali expostas são consideradas tráfico de
pessoas para fins penais domésticos.
Neste ponto, importa ressalvar a posição doutrinária que compreende
a possibilidade de interpretação extensiva do tipo penal em comento, com
o fito de fazê-lo abarcar condutas não expressamente descritas na norma.
Assim, estar-se-ia permitindo um maior alcance do texto penal, tolhendo a
lacuna legislativa mencionada.
Destarte, tal posição defende ser possível, com base no decreto que
internalizou o Protocolo, extrapolar analogicamente os preceitos do artigo
149-A do Código Penal. Isto porque, uma vez ratificado e internalizado
com força de lei o instrumento, os conceitos nele trazidos seriam aplicáveis
ao ordenamento jurídico brasileiro em sua totalidade.
Isto é, ao mencionar o tráfico de pessoas, o tipo penal que o
criminaliza já traria consigo o conceito expresso no Protocolo, conceito
este que, consoante asseverado, elenca hipóteses de traficância humana de
forma não exaustiva.
Nesse sentido, utilizando-se de interpretação analógica, o aplicador do
Direito poderia subsumir conduta não taxada nos incisos do artigo 149-A à
norma penal, posto que, não obstante ausência de previsão legal no Códex
punitivo, há previsão conceitual em decreto legislativo que internalizou o
Protocolo de Palermo.
No entanto, nos parece desacertada tal posição. Embora defensável
do ponto de vista de eficácia normativa, não se mostra apurada
dogmaticamente; trata-se de, mediante argumento de punir o tráfico
humano, sobrepujar direitos e garantias do cidadão face ao ius puniendi, a
duras penas conquistadas no decorrer histórico.
A fim de demonstrar o equívoco no posicionamento refutado,
inicialmente cabem ponderações acerca de analogia versus interpretação
analógica no Direito Penal, apontando, ao cabo, que o trespasse dos limites
da lei nada mais configura senão violação à legalidade estrita.
Sobre a temática leciona Polaino Navarrete6:
Por interpretação analógica deve-se entender a interpretação
de um preceito por outro que prevê caso análogo, quando
no último aparece claro o sentido que no primeiro está
obscuro: com este entendimento, se a considera como
uma espécie de interpretação sistemática. Distinta da
interpretação analógica é a aplicação da lei por analogia, que
consiste em fazer aplicável a norma a um caso semelhante,
mas não compreendido na letra nem no pensamento da lei.
Nesta senda, a analogia consiste em expandir a interpretação da
norma para abarcar em seu conteúdo algo que não se fez presente na lei,
mas que guarda similitude com a situação nela abarcada. Isto é, mais do que
exegética, a analogia é um meio de integração do sistema normativo. Para
fins penais, porém, é vedada se em desfavor do réu, sob qualquer pretexto
– ainda que visando dar maior eficácia à norma sancionadora.
Com efeito, a interpretação analógica no Direito Penal somente é
admitida em havendo expressa previsão para tanto (v.g., quando o tipo
taxativamente aduz ser aplicável a hipóteses semelhantes), ou se não
extrapolar os elementos normativos da lei incriminadora, o que não ocorre
no tipo penal sob análise. A analogia, de seu turno, é integralmente vedada,
se in malam partem.
É nesse sentido, portanto, que o entendimento ressalvado acima não
tem lugar na sistemática penal brasileira. Ainda que se proponha analisar
o tipo penal do artigo 149-A à luz do Protocolo, é preciso se atentar ao
imperativo da impossibilidade de analogia em desfavor do réu; desse modo,
não há meios de se ampliar as hipóteses de traficância humana para além
daquelas estipuladas pelo legislador na norma incriminadora, ainda que se
considere ter ele agido erroneamente quando da redação legal.
Com efeito, preceitua Cezar Roberto Bitencourt7:
Os Estados Democráticos de Direito não podem conviver
com diplomas legais que, de alguma forma, violem o
princípio da reserva legal. Assim, é inadmissível que dela
resulte a definição de novos crimes ou de novas penas
ou, de qualquer modo, se agrave a situação do indivíduo.
Dessa forma, as normas penais incriminadoras, que não
são alcançadas pelo princípio nullum crimen nulla poena sine
lege, podem perfeitamente ter suas lacunas integradas ou
complementadas pela analogia, desde que, em hipótese

6. NAVARRETE apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. vol.
1. São Paulo: Ed. Saraiva, 2016. p. 199.
7. Idem, ibidem. p. 200-201.
alguma, agravem a situação do infrator.
O Superior Tribunal de Justiça brasileiro, cuja missão institucional é
de garantir uma uniformização da jurisprudência nacional em temáticas que
envolvam leis federais e interpretação de tratados, proferiu recente decisão
a corroborar tal posicionamento, demonstrando ser essa a vertente mais
acertada na exegese dos instrumentos internacionais8.
No caso examinado, discutia-se a possibilidade de se utilizar tratado
internacional, já devidamente internalizado, para fins de tipificação de
conduta não expressamente criminalizada no ordenamento jurídico-penal
doméstico. Nessa oportunidade, preceituou o Tribunal que, não obstante
constar determinado conceito criminalizante em convenção ratificada e
internalizada, este somente poderá ser utilizado para fins repressivo-penais
no Brasil acaso exista estrita tipificação da conduta, via lei aprovada em
trâmite regular, sob pena de violação ao princípio regente da legalidade,
insculpido ao artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal9.
Assim, depreende-se que, a despeito de contido no Protocolo de
Palermo, instrumento internalizado no país, o conceito do tráfico humano
não pode ser objeto de uso por parte dos operadores do Direito na seara
criminal, tendo em vista que o tipo penal em âmbito doméstico não
comporta tal analogia.
Nesse sentido, pode-se afirmar que, ao transportar diretamente
o texto do instrumento internacional para a seara doméstica, e diante da
impossibilidade de analogia in malam partem, fora ocasionada uma lacuna
legislativa com projeções perigosas em termos materiais. Decerto, o tipo
penal em comento, dado à sua rigidez material, não acompanha o dinamismo
e a transversalidade que, em verdade, são a essência do êxito na traficância
de pessoas.

8. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.798.903/RJ. Relator: Min.


Reynaldo Soares da Fonseca. Informativo de Jurisprudência n. 0659, 22 nov. 2019. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br>. Acesso em: 05 dez. 2019.
9. O caso sub judice versava sobre o histórico atentado do Riocentro, e dispôs acerca da
impossibilidade de se utilizar o Estatuto de Roma para fins de imputação do crime de lesa-
humanidade, dado à inexistência de tipo penal doméstico análogo. O Superior Tribunal de
Justiça, portanto, decidiu pela vedação à expansão analógica, ainda que expressa a criminalização
da conduta em tratado internalizado, posto que viola os baluartes da legalidade e da tipicidade.
Assim restou concluído o feito: “A admissão da Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes
de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade como jus cogens não pode violar princípios constitucionais,
devendo, portanto, se harmonizar com o regramento pátrio. Referida conclusão não revela desatenção aos
Direitos Humanos, mas antes observância às normas máximas do nosso ordenamento jurídico, consagradas
como princípios constitucionais, que visam igualmente resguardar a dignidade da pessoa humana, finalidade
principal dos Direitos Humanos. Nesse contexto, em observância aos princípios constitucionais penais, não é
possível tipificar uma conduta praticada no Brasil como crime contra humanidade, sem prévia lei que o defina,
nem é possível retirar a eficácia das normas que disciplinam a prescrição, sob pena de se violar os princípios da
legalidade e da irretroatividade, tão caros ao direito penal”.
O que se verifica na práxis, portanto, é tão somente uma eventual
responsabilização penal dos agentes aliciadores como incursos em delitos
tais quais a corrupção de menores, tipificado ao artigo 244-B do Estatuto
da Criança e do Adolescente.
Superando a problemática do quantum de pena – a qual é
significativamente menor nesta cominação em relação àquela do artigo 149-
A, do Código Penal –, é simbolicamente relevante a imputação do tráfico
de pessoas aos que dirigem seu agir para a finalidade de exploração humana
mediante consentimento viciado.
Com efeito, conferir a nomenclatura correta às condutas perpetradas
é de suma relevância na busca pela superação da prática, em termos de
repressão e prevenção.
A incongruência material, assim, reflete na impossibilidade de se
contemplar, no plano interno, a variante de tráfico de crianças e adolescentes
para fins de exploração na prática de delitos, e, portanto, expõe a projeção
potencial desta modalidade de traficância humana no contexto brasileiro.
Ab initio, necessário ponderar acerca das motivações pelas quais
se analisa no presente artigo, especificamente, a traficância de crianças e
adolescentes. Assim se optou porquanto trata-se de grupo mais vulnerável,
por razões múltiplas, e, em consequência, de maior alcance em vítimas, no
tangente à exploração para cometimento de delitos.
Segundo dados oriundos do United Nations Office on Drugs and
Crime (UNODC), 0,5% do numerário total de pessoas traficadas tem por
finalidade a exploração para fins da prática de atividades criminosas. Tal
grupo, em sua majoritária parcela, compõe-se de crianças e adolescentes,
dado à sua especial vulnerabilidade para aliciamento em práticas diversas
das modalidades ‘clássicas’ do delito, bem como do trato em geral mais
benevolente para com os impúberes.
É patente o elevado grau de exposição dessa fração etária às
explorações operadas na prática de traficância humana; não à toa, compõem
o maior percentual global de vítimas do delito.
Com efeito, a prioridade na exploração de crianças e adolescentes
guarda estreita relação com especiais vulnerabilidades de idade, cognição e
consciência, de imputabilidade no direito doméstico, além de econômico-
sociais.
Decerto, a prevalência de opção por crianças e adolescentes se inicia
na problemática do consentimento desse grupo, agente de confluência
para o êxito dos aliciadores e de sua predileção primária pelos juvenis.
Isto porque, segundo obtempera o Protocolo de Palermo em seu artigo
3, “c”, “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o
acolhimento de uma criança para fins de exploração serão considerados
“tráfico de pessoas” mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos
da alínea a) do presente Artigo”.
Entende o Protocolo, portanto, pelo consentimento plenamente
e ostensivamente viciado da criança ou adolescente, independentemente
do emprego de qualquer dos meios referidos no conceito abstrato do
instrumento, de modo que se tem por completo o tráfico humano se houver
meramente a exploração da criança mediante as ações constantes do tipo,
sendo irrelevante os meios pelos quais se atingiu a ação-fim.
Desse modo, consoante reconhecido na dogmática internacional,
o consentimento de crianças e adolescentes é falível, mormente em se
tratando de seres humanos em desenvolvimento, nos termos do artigo 6º
do Estatuto da Criança e do Adolescente, e incapazes de consentir em sua
plenitude. Valendo-se dessa especial condição, os aliciadores induzem os
infantes na prática de delitos, explorando-os como Pinóquios da vida fática.
Soma-se a isso, ainda, a questão concernente à inimputabilidade
penal de crianças e jovens em âmbito brasileiro e latino-americano, bem
como a proteção especialmente conferida a jovens transgressores da lei em
normativos globais.
A inimputabilidade, pela qual se afere a possibilidade e o grau de
responsabilização penal daquele sob jurisdição, é firmada, atualmente, aos
18 anos, em todos os países da América Latina, segundo dados da United
Nations Children’s Fund (UNICEF)10. Dessa forma, acaso uma criança
ou um adolescente venha a ser detido por eventuais delitos ao redor de
todo o continente latino-americano, somente será responsabilizado nos
termos dos estatutos juvenis, circunstância que orienta maior atratividade
aos aliciadores no uso de jovens para a traficância.
Ademais, outro fator relevante – senão primordial – que eleva os
índices de preferência por crianças e adolescentes é o abandono institucional
e do Estado.
Dados obtidos pela UNICEF11 dão conta que 61% das crianças
brasileiras vivem em situação de pobreza, sendo esta considerada, para fins
da pesquisa desenvolvida pelo instituto, a ausência de renda bastante e/ou
a privação de um ou mais direitos. Neste ponto, ressalta-se a importante

10. United Nations Children’s Fund (UNICEF). Mapa-múndi da maioridade penal. Publicado em:
<http://www.crianca.mppr.mp.br>. Acesso em: 04 out. 2019.
11. Idem. Relatório Pobreza na Infância e na Adolescência. Disponível em: <https://www.unicef.org/
brazil/media/156/file/Pobreza_na_Infancia_e_na_Adolescencia.pdf>. Acesso em: 04 out.
2019. p. 5.
contribuição feita pela UNICEF ao levantar dados não apenas financeiros,
mas relativos à moral e dignidade dos jovens, enquanto faces da pobreza e
marginalização que os acometem.
Incluir a “privação de direitos” como uma das faces da
pobreza não é comum nas análises tradicionais sobre
o tema, mas é essencial para dar destaque a problemas
graves que afetam meninas e meninos e colocam em risco
seu bem-estar. Educação, informação, proteção contra
o trabalho infantil, moradia, água e saneamento foram as
dimensões consideradas pelo UNICEF para esta análise,
realizada com base na Pnad 2015. A ausência de um ou
mais desses direitos coloca meninas e meninos em situação
de “priva- ção múltipla”, uma vez que os direitos de crianças
e adolescentes são indivisíveis. No Brasil, quase 27 milhões
de crianças e adolescentes (49,7% do total) têm um ou mais
direitos negados. (UNICEF, p. 5).
Com efeito, a pobreza de recursos monetários, institucionais e de
direitos são eminentemente deletérios ao escorreito desenvolvimento dos
jovens brasileiros, e direcionam o agir dos traficantes na opção destas
crianças necessitadas.
Ao cabo, tal vulnerabilidade acentuada deriva de um conjugado
de esforços por parte do Estado em não prover assistência educacional,
econômica, social e acolhimento institucional para com os infantes,
relegando-os às margens, nas quais se encontram os recrutadores.
No contexto brasileiro, pesquisas desenvolvidas junto à Secretaria
Nacional de Justiça (SNJ)12 demonstram que as crianças e os adolescentes
efetivamente constituem o conjunto mais vulnerável ao recrutamento dessa
variante do tráfico. Consoante o relatório ENAFRON (2012), é possível
verificar a proliferação dessa prática nas zonas limítrofes do país, tendo por
vitimados majoritários os jovens.
Em Roraima, no Pará, no Amapá, no Mato Grosso do Sul, no Rio
Grande do Sul e no Paraná houve o relato de que pessoas, possíveis vítimas
de tráfico, estavam sendo utilizadas para fins da prática de atividades
criminosas, principalmente adolescentes.
À evidência, o alargado espaço fronteiriço brasileiro, tanto em relação
às bordas secas quanto às marítimas, é propício à expansão do fenômeno
do tráfico internacional. Adiciona-se a isso, ainda, a necessidade de aporte
de entorpecentes entre os países vizinhos às bordas nacionais, sendo as
crianças utilizadas como “mulas” do tráfico de entorpecentes entre nações,

12. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça (SNJ). Pesquisa ENAFRON: Diagnóstico
sobre Tráfico de Pessoas nas Áreas de Fronteira, 2012. p. 155.
bem como a corriqueira prática de contrabando nos limites fronteiriços
para com a América Latina.
Nota-se a modalidade objeto de estudo, portanto, como de elevado
potencial no cenário brasileiro, mormente em função de suas vastas
fronteiras com diversos países da América do Sul. O uso de crianças
traficadas para trespasse das bordas nacionais no intento de induzi-las às
práticas delituosas mostra-se prática passível de exponencial crescimento
no país, em virtude das características físico-geográficas e socioeconômicas
do Estado brasileiro.
Somado às circunstâncias fáticas, tem-se, ainda, a celeuma legislativa
que circunda a traficância para exploração na prática de condutas
criminalizadas. Com efeito, a lacuna na lei penal é fator de ignição ao
fenômeno, posto que não se fala em traficância humana na hipótese, sendo
os aliciadores responsabilizados criminalmente por corrupção de jovens,
nos termos do artigo 244-B, do Estatuto da Criança e do Adolescente, cuja
sanção é quantitativamente reduzida, e a simbologia do tráfico de pessoas
é nula.
Revela-se premente, diante desse cenário, o uso da máquina pública
para obstar a potencialidade expansiva do fenômeno.
De fato, senão o Estado, pouco compete aos particulares agirem
em relação à situação que se apresenta. Destarte, trata-se de circunstância
oriunda da omissão estatal perante condições atentatórias à dignidade
dessas crianças e adolescentes, os quais, privados dos seus mais basilares
direitos – consoante a UNICEF, pobres em amplo espectro –, buscam soluções
das mais diversas para ter o mínimo que lhes é negado.
Desse modo, cabe ao Estado brasileiro agir no sentido de assegurar
aos infantes meios de subsistência que invalidem a legitimidade no agir dos
recrutadores.
Para tanto, é certa a demanda por políticas públicas eficazes, com vistas
a resguardar o mínimo existencial a estas crianças e adolescentes privadas
de dignidade. Deve o Estado implementar políticas diversificadas, que
perpassem pelo auxílio econômico-financeiro e acolhimento institucional,
no sentido de impedir uma busca por meios outros de obter subsistência e
a eficácia de direitos mínimos.
Conjugado a isso, patente a necessidade de se suprir a lacuna
legislativa outrora suscitada, de modo a contemplar finalidades outras que
não apenas aquelas inclusas no rol. O atual tipo incriminador do tráfico de
pessoas logo estará obsoleto, dado à rigidez de sua redação, o que prejudica
sobremaneira a simbólica apuração destes delitos.
Importa ressalvar, porém, que em se tratando de norma penal material,
demanda-se observância à legalidade estrita e à ofensividade, sob pena de se
incorrer em drásticas e aberrantes violações a direitos conquistados a duras
penas. Nesse sentido, conferir demasiada discricionariedade ao intérprete
do Direito é essencialmente prejudicial à escorreita aplicação do normativo.
Enquanto isso, contudo, permanece o risco iminente no crescimento
de crianças-pinóquios e traficantes-Strombolis: elas, submetidas e reduzidas
à insignificância de objetos de exploração; eles, abastados com o dispêndio
alheio, fogem pela tangente de um sistema que marginaliza as crianças
e jovens e assiste, diuturnamente, a infância ser retraída num mundo de
receios.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou expor as mazelas de uma sistemática


normativo-jurídica e institucional-política dotadas de inúmeros equívocos,
os quais, somados, são capazes de orientar uma elevada potencialidade
de expansão do tráfico de infantes para prática delituosa nas fronteiras
nacionais.
Assim, foi possível verificar que, não obstante a existência de norma
penal incriminadora específica do tráfico humano, tal normativo não
contempla o dinamismo com o qual se desenvolve essa prática, e, ao cabo,
sua higidez impossibilita uma efetiva ação estatal na repressão e prevenção
deste delito transnacional.
Ademais, apurou-se os motivos pelos quais as crianças e adolescentes,
mormente em função das múltiplas vulnerabilidades que os acometem,
são alvos preferenciais dos aliciadores; tratam-se de Pinóquios, dotados de
sonhos, cuja promessa do Stromboli lhes parece satisfatória diante de um
Estado que constantemente lhes nega a mais basilar dignidade humana.
Por derradeiro, concluiu-se pela expansão potencial da traficância de
infanto-juvenis para fins de exploração na prática de delitos nos limites
fronteiriços brasileiros. Isto porque, consoante expressado, os caracteres
físicos, políticos e socioeconômicos do Brasil são amplamente favoráveis
à disseminação da prática, a qual não atrai a devida atenção dos órgãos
governamentais em virtude dos baixos índices – que vêm à tona – de casos
semelhantes.
Desse modo, fala-se na necessidade de implementação de políticas
públicas voltadas às crianças e aos adolescentes à margem, cuja captação
pelos aliciadores é facilitada. Demanda-se uma efetividade na proteção dos
direitos destes infantes, visando assegurar-lhes, e às suas famílias, meios de
subsistência econômica e acolhimento sócio-institucional.
Somado a isso, imperiosa a reforma do tipo penal que trata do tráfico
de pessoas, a fim de abarcar um rol não exaustivo – porém tampouco
discricionário – das finalidades pelas quais uma pessoa é traficada, nos
moldes do Protocolo de Palermo, resguardando, assim, uma segurança
jurídica tanto ao acusado quanto à vítima da exploração.

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. vol.


1. São Paulo: Ed. Saraiva, 2016.
BRASIL, Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal,
Brasília, DF, dez. 1940. Redação dada pela Lei nº 12.015, de 7 de agosto de
2009).
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.798.903/RJ.
Relator: Min. Reynaldo Soares da Fonseca. Informativo de Jurisprudência
n. 0659, 22 nov. 2019.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Secretaria Nacional de Justiça (SNJ).
Pesquisa ENAFRON: Diagnóstico sobre Tráfico de Pessoas nas Áreas de
Fronteira, 2012. p. 155.
SERPA, Miguel. Pinóquio (1940). Disponível em: <https://medium.com>.
Acesso em: 22 jun. 2019.
SANTARÉM, Vivian Netto Machado. Tráfico de Pessoas: uma análise
da Lei 13.344/2016 sob a perspectiva dos direitos humanos. Revista da
Defensoria Pública da União, Brasília, n. 11, p. 1-398, jan./dez. 2018.
UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME. Global
Report on Trafficking in Persons 2018. United Nations Publication, Ed.
19.IV.2.
UNITED NATIONS CHILDREN’S FUND. Mapa-múndi da maioridade
penal. Publicado em: <http://www.crianca.mppr.mp.br>. Acesso em: 04
out. 2019.
______________________. Relatório Pobreza na Infância e na
Adolescência. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/
media/156/file/Pobreza_na_Infancia_e_na_Adolescencia.pdf>. Acesso
em: 04 out. 2019.
CAPÍTULO 16

INFÂNCIAS ROUBADAS E
TRÁFICO RECEPCIONADO:
UMA ANÁLISE DO TRABALHO
DOMÉSTICO INFANTIL NO
BRASIL SOB A PERSPECTIVA DO
TRÁFICO INTERNO DE PESSOAS

GABRIEL FERREIRA DA SILVA


Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Discente pesquisador do projeto de pesquisa “Pessoas Invisíveis”.

Tudo em vorta é só beleza


Sol de Abril e a mata em frô
Mas Assum Preto, cego dos óio
Num vendo a luz, ai, canta de dor
Mas Assum Preto, cego dos óio
Num vendo a luz, ai, canta de dor
Tarvez por ignorança
Ou mardade das pió
Furaro os óio do Assum Preto
Pra ele assim, ai, cantá mió
(Luiz de Gonzaga)

INTRODUÇÃO

O trecho da música de Luiz de Gonzaga em epígrafe foi selecionado


cuidadosamente para nos servirmos de uma ilustração sensível e, ao mesmo
tempo, poética daquilo que é um dano irreparável. Quantas infâncias, assim
como a visão de um Assum Preto foram retiradas de maneira abrupta e
cruel de meninas e meninos brasileiros? Quantas cegueiras impetradas?
Quantas brincadeiras e sonhos roubados? Quantas flores deixaram de ser
apreciadas? Quantos alvoreceres de abril ofuscados? Os motivos são tantos,
desde da ignorância blindada por um dilema moral e alimentada por um
cenário econômico, até à pura maldade da pior.
Todas essas violações cruéis e irreparáveis podem ter seu propósito
ligado diretamente com o trabalho doméstico infantil. O trabalho doméstico
brasileiro possui suas raízes enxertadas na escravidão, que no passado não
se estendia apenas aos adultos, mas também aos filhos de escravos. Quem
adquiria uma mão de obra escrava não estava apenas tomando posse de
sua liberdade, mas de tudo aquilo que dizia respeito e estava à volta do
outro, isso incluía os filhos e filhas de escravos. Mesmo após as medidas
abolicionistas, o país ainda enfrentou uma realidade de servidão e senhoril
intensa, haja vista que a fumaça daquilo que era a escravidão afeta o contexto
sociocultural do país até a atualidade. Maria Zuíla Lima Dutra ao escrever a
respeito da inviolabilidade do lar e o trabalho doméstico infantil1 utilizou-se da obra
de Gilberto Freyre para demonstrar o contexto histórico de escravidão e
servidão que influenciou a problemática que estamos abordando, chegando
as seguintes contribuições:
Em Casa-Grande, Freyre revela a clara distinção existente
entre as duas classes sociais existentes à época: a dos
senhores e a dos escravos. Entre os escravos encontravam-
se as trabalhadoras domésticas que preparavam os
alimentos, lavavam e passavam roupa, limpavam a Casa-
Grande e os quintais, amamentavam e cuidavam dos filhos
dos seus senhores. Essas criaturas não recebiam qualquer
pagamento pelos serviços que executavam, além do
que eram vistas como seres inferiores que moravam nas
senzalas. Essa situação era perpetuada nas suas filhas, que,
desde a infância, também eram exploradas em idênticas
tarefas.
Sendo assim, o trabalho infantil não é um fenômeno novo, também não
é uma prática exclusivamente brasileira, está enraizada na sociedade2. O que
é ainda mais assustador é que o fato acaba modernizando-se e adequando-
se a uma nova sociedade, a uma nova realidade, mas permanecendo
covardemente cruel e ameaçador à infância e o desenvolvimento adequado
do ser humano.

1. DUTRA, Maria Zuíla Lima. A inviolabilidade do lar e o trabalho infantil doméstico. In: Revista
TST, Brasília, vol. 81, jan/mar 2015, p.150 .
2. SILVA, Sofia Vilela de Moraes e Silva. Trabalho Infantil: Aspectos sociais e legais. Maceió: In:
Olhares Plurais, Vol. 1, 2009. p.26.
1 O TRABALHO INFANTIL NO BRASIL

As formas e modalidades com que o trabalho infantil se mostra


na sociedade acaba por engendrar dois principais efeitos, um deles é a
invisibilidade e o outro a normalização. Invisibilidade quando a sociedade
entende que aquilo é prejudicial e degradante à criança, mas o cotidiano
e outros fatores externos acabam trazendo uma “cortina de fumaça”,
impossibilitando a análise daquele problema social. A normalização ocorre
quando a prática é tão comum e rotineira que acaba sendo observada, mas
não é absorvida como um problema social, um ilícito civil ou criminal.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) o Brasil chegou a marca de 2,3 milhões de crianças e adolescentes
de 5 a 17 anos exercendo algum tipo de atividade laboral3. Por sua vez,
o Observatório Digital do Trabalho Escravo, em cooperação com o
Ministério Público do Trabalho e a Organização Internacional do Trabalho
(OIT) obtiveram dados do resgate de quase 1000 crianças que estavam de
alguma forma exercendo trabalho em condições análogas à escravidão,
entre os anos de 2003 e 20184.
É importante destacar que o trabalho infantil se dissipa em diversas
faces e modalidades, atinge ambos os gêneros e assume as mais diversas
formas. É importante salientar que a busca pelo direito e garantias do
trabalhador foi um dos primeiros textos a mencionar de alguma forma
a proteção da criança e do adolescente, mesmo antes da Declaração dos
Direitos das Crianças de 1959, ou até mesmo da Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948, as convenções da Organização Internacional
do Trabalho em 1919 começavam a pautar proteções mínimas em relação
a crianças e exposição ao trabalho precoce5. Percebe-se com isso, o
quão importante é a blindagem da criança a uma exposição temporal e
tipicamente inapropriada ao trabalho.
Diante deste cenário o Tribunal Superior do Trabalho classifica as
espécies de Trabalho Infantil em cinco classes6, sendo elas o trabalho
doméstico, do campo, nas ruas, sexual e o perigoso. Em todos os estados
da federação é possível enxergar casos de trabalho doméstico infantil, uns

3. Disponível em: https://www.ibge.gov.br. Acesso em 13 de nov. 2019.


4. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2019-06/mp-
recebe-43-mil-denuncias-de-trabalho-infantil-por-ano. Acesso em 15 de nov. 2019
5. ROSSATO, Luciano Alves; LEPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da
criança e do adolescente comentado: Lei 8.069/90 comentada artigo por artigo. 10º edição. São Paulo:
Editora Saraiva. 2018.
6. Disponível em: http://www.tst.jus.br/web/combatetrabalhoinfantil/trabalho-infantil-
domestico. Acesso em 09 de nov. 2019
com mais intensidade que outros, na maioria dos casos impedindo que a
criança frequente a escola, desenvolva brincadeiras importantes para o seu
desenvolvimento psicológico e motor. Entretanto, o quadro da violação
se agrava ainda mais quando a criança é retirada do seio do seu lar e da
tutela de sua família natural, aliciada por um terceiro com a finalidade de
ser explorada no labor de um atividade que viola seus direitos e garantias
fundamentais.
Essa retirada pode ser não autorizada, quando temos, por exemplo, a
figura de um sequestrador, ou pode ser autorizada por meio de uma adoção
ilegal motivada por inúmeros fatores: a gravidez indesejada, a condição
econômica de risco, entre outros. O que não é translúcido é a delimitação
dessa prática, quem são as figuras que participam do ato e qual é a função e
grau de responsabilidade de cada uma delas durante todo o processo, sejam
os progenitores, tutores ou responsáveis.

2 O TRÁFICO DE CRIANÇAS E SUAS PECULIARIDADES COM


TEMA ABORDADO

O objetivo do presente artigo é analisar o trabalho doméstico infantil


por meio de uma ótica voltada ao tráfico de pessoas. O trabalho infantil se
dissipa em diversas faces e modalidades, atinge ambos os gêneros e assume
as mais diversas formas. O decreto n.º 5.017 de março de 2004 promulga
o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do
Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças define a expressão
“tráfico de pessoas” como sendo os seguintes atos:
A expressão “tráfico de pessoas” significa o recrutamento, o
transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento
de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a
outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao
abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou
à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para
obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade
sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá,
no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou
outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços
forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a
servidão ou a remoção de órgãos;
Os cenários destacados neste ensaio são protagonizados em sua
maioria por crianças de origem humilde e em estado de vulnerabilidade
econômica e social, uma realidade enraizada na cultura brasileira e ao
mesmo tempo ignorada. A adoção ilegal é o ponto original deste panorama
aqui abordado.
Para exemplificar quais são os aspectos da adoção irregular que
estamos abordando, será de grande valia recordarmos a obra de Rachel de
Queiros, “O Quinze”, que retrata uma dessas adoções7. A necessidade de
sobrevivência, a caridade tomando espaço em meio a falta de assistência
social. No trecho do clássico nordestino Rachel nos leva a uma cena em que
Cordulina expõe ao marido a proposta da madrinha de um de seus filhos de
“pegar para criar” o afilhado Duquinha (Manoel), é possível contextualizar
o leitor a respeito de qual cenário de adoção precisamos vislumbrar, um
cenário motivado por alguma circunstância externa que leva a uma adoção.
No romance de Rachel de Queiroz o combustível que movimenta a ideia da
adoção de “Duquinha” é a fome, a mortalidade infantil e o medo:
[...]
Mais tarde, já deitados, Cordulina lhe falou, meio hesitante:
— Chico, a comadre Concencição, hoje, cansou de me
pedir o Duquinha. Anda com um destino de criar uma
criança. E se é de ficar com qualquer um, arranjado por aí,
mais vale ficar com este, que é afilhado...
— E o que é que você disse?
— Que por mim não tinha dúvida. Dependia do pai...
—E tu não tem pena de dar teus filhos, que nem gato ou
cachorro?
A mulher se justificou amargamente:
— Que é que se é de fazer? O menino cada dia é mais
doente... A madrinha quer carregar pra tratar, botar ele
bom, fazer dele gente... Se nós pegamos nesta besteira de
não dar o mais que se arranja é ver morrer, como o outro...
O cenário de adoção do livro “O quinze” demonstra muito bem
uma realidade em especial nordestina ao retratar a seca do ano de 1915.
O “dar o filho” que é relatado no livro é o que vamos chamar de dilema
Joquebediano8, quando o estado de extrema necessidade faz com que a
decisão de ficar com o filho seja mais ariscada do que entrega-lo. Todo
o cenário de extrema necessidade revela o seguinte questionamento: A
promessa de um futuro melhor, de educação, vestimenta, alimentação,
ou simplesmente viver, afasta totalmente dos responsáveis pela criança a
responsabilidade civil e criminal?

7. QUEIROS, Rachel. O quinze. Ed. 105. São Paulo: Editora José Olympio. 2016.
8. Termo inspirado em Joquebede e a entrega de Moises nas águas do rio Nilo a fim de salvar o
menino do decreto de morte do Faraó, conforme texto bíblico disponível no livro de Êxodo
2:3.
Vale ressaltar que o simples fato de entregar o filho para adoção
não é tipificado como crime, desde que o processo seja acompanhado por
autoridade competente que ficará responsável pelos tramites da adoção:
A Lei 13.509/2017 introduziu o artigo 19-A no ECA, o
qual determina que as gestantes ou mães que demonstrem
interesse em entregar seu filho para adoção deverão ser
encaminhadas para a Justiça da Infância e Juventude, órgão
que deverá realizar o processo para busca de família extensa
(termo utilizado pela Justiça para designar parentes ou
familiares próximos).
Se não for encontrado parente apto a receber a guarda, a
autoridade judiciária competente determinará sua colocação
sob guarda provisória de quem estiver apto a adotá-la ou
em entidade que desenvolva programa de acolhimento
familiar ou institucional.9
A adoção é um instituto jurídico tratado em nossa legislação com
extremada cautela e rigidez, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
dispõe e regula o tema. Durante a exposição da norma reguladora é possível
notar que o legislador se ateve a posicionar limites, requisitos e critérios
balizadores para se adotar no brasil. O ECA define que a adoção deve ser
um ato irrevogável, personalíssimo e excepcional, além de só ser constituído
por meio de uma decisão judicial que pois fim a fase cognitiva processual,
ou seja, uma sentença, que implica em devido processo de adoção.
Retirar a criança de forma ilegal do seio de seu lar já fere um dos
princípios fundamentais da adoção, o artigo 19 do ECA traz a ideia de que
a retirada da criança do lar natural deve ser excepcional, a ideia da família
substituta a partir de 2016 com a redação dada pela Lei nº 13.257/2016
(Marco Legal da Primeira Infância), reforça ainda mais esse princípio,
impossibilitando a retirada injustificada de crianças que convivam com
dependentes químicos.
Separar a criança do seio do seu lar, com a autorização dos seus
progenitores, tutores ou responsáveis, com o a finalidade de adquirir mão
de obra, além de crueldade sem tamanho, pode nos levar ao questionamento
sobre a existência de uma modalidade de tráfico interno de pessoas, qual é
o grau de participação e responsabilidade da família natural, dos aliciadores,
da “família substituta” e etc.
O conceito de tráfico de pessoas definido pela Organização das Nações
Unidas (ONU) é dado através do Protocolo de Palermo (2003)10. Tráfico

9. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/


direito-facil/edicao-semanal/entrega-voluntaria-de-adocao. Acesso em 05 de dez. 2019
10. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/assuntos-fundiarios-trabalho-
escravo-e-trafico-de-pessoas/trafico-de-pessoas/. Acesso em: 05 de dez. 2019
de pessoas nesta corrente é conceituado como sendo “o recrutamento,
o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas,
recorrendo-se à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação,
ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de
vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para
obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra
para fins de exploração”.
O Código Penal ao tratar sobre tráfico de pessoas prevê em seu artigo
149-A, pena de 4 a 8 anos de reclusão, e multa para aquele que agenciar,
aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa,
mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade
de: Remoção de orgão, tecidos ou partes do corpo, submissão a trabalho
em condições análogas à escravidão, submissão a servidão, adoção ilegal ou
exploração ilegal. O inciso II do parágrafo 1º do mesmo artigo majora a
pena em um terço quando a prática é cometida contra criança, adolescente
ou pessoa idosa ou com deficiência.
É importante frisar que a existência da Lei n. 13.344/16 que
enquadrou no rol dos crimes de tráfico de pessoas a prática da adoção ilegal.
O projeto de lei foi iniciado em 2012 fruto de uma CPI que investigava uma
denúncia de adoção de um grupo de irmãos composto por cinco crianças
de uma família baiana do município de Monte Santo (54. 884 habitantes).
A denúncia relatava que as crianças haviam sido retiradas dos seus pais de
maneira ilegal e enviadas para São Paulo. Na ocasião, o promotor de Justiça
Luciano Taques Ghignone preponderou o seguinte:
O promotor de Justiça da Bahia Luciano Taques Ghignone
disse que o ECA já considera crime a adoção feita à margem
da lei. Quem subtrai criança do poder dos pais para destiná-
lo à adoção está sujeito a pena de dois a seis anos de prisão.
Já quem promete ou entrega o filho para outra pessoa
mediante recompensa, financeira ou não, pode ficar de um
a quatro anos preso.
O promotor esclareceu ainda que o problema não é só a
relação comercial que se estabelece em torno da criança.
“O que é recriminável é a coisificação da vida humana, é
fazer com que crianças sejam tratadas como objeto e que
a dignidade do núcleo familiar seja abalada”, protestou.11
Podemos observar que havia neste contexto, antes de 2016, uma
necessidade da inclusão da adoção ilegal no rol dos crimes considerados
como tráfico de pessoas. A lei alterou o artigo 149-A, acrescentando o

11. Disponível em: https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/adocao/realidade-


brasileira-sobre-adocao/adocao-ilegal-pode-ser-forma-de-trafico-de-pessoas.aspx. Acesso
em: nov. 2019
inciso IV “Adoção Ilegal”. Hoje não restam dúvidas, adoção ilegal é crime.
O aliciamento visando uma finalidade laboral análoga à escravidão, por sua
vez, tem sua prática definida no inciso II do artigo 149-A do Código Penal.
Acerca do artigo 239 do ECA, cabe acrescentar
Se a finalidade que move o agente é a remoção de orgão,
tecidos ou partes do corpo do menor, submete-lo a trabalho
em condições análogas à de escravo, submete-lo a qualquer
tipo de servidão, adoção ilegal ou exploração sexual,
configura crime do art. 149-A do Código Penal (Tráfico de
seres humanos), punido com reclusão, de 4 a 8 anos, pena
esta majorada de 1/3 até ½ em face da transnacional idade
do delito12.
Vale advertir que tráfico, principalmente quando associado as
modalidades mais conhecidas pela sociedade, drogas e armas, remete em
uma análise primeira a uma movimentação, repetição, modal, modus operandi,
frequência, alojamento, esconderijo, hierarquia, organização e entre outras
ilustrações já cristalizadas pela sociedade. Entretanto, estamos falando de
uma espécie de tráfico de pessoas que pode não apresentar o conceito de
tráfico em sua literalidade e aparência integral, ou seja, não necessariamente
a adoção ilegal de uma criança com o intuito de desenvolver uma relação
de servidão vai apresentar o recrutamento, o transporte, a transferência, o
alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da
força, da coação, do rapto, da fraude, do engano, do abuso de autoridade ou
a situação de vulnerabilidade.
Muito bem estipulou o Protocolo Adicional à Convenção das Nações
Unidas ao deixar claro em seu artigo 3º que mesmo sem a existência de
força, ameaça, coação, abuso de autoridade e outros meios já citados
acima, o simples recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou o
acolhimento de uma criança para fins de exploração serão considerados
tráfico de pessoas. O protocolo foi recepcionado pelo ordenamento
brasileiro com o Decreto n.º 5.017 de 12 de março de 2004.
O protocolo recepcionado em 2004 vai de acordo com as novas
diretrizes e pilares protetivos básicos estipulados após a Constituição de
1988. Também conhecida como Constituição Cidadã, a nova Carta Magna
inovou e reinventou o modo de pensar a criança e o adolescente, a criança
que era considerada um objeto e quando em vulnerabilidade social tratada
como problema, era referida com o termo “menor em situação irregular”,

12. ROSSATO, Luciano Alves; LEPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da
criança e do adolescente comentado: Lei 8.069/90 comentada artigo por artigo. 10º edição. São Paulo:
Editora Saraiva. 2018.
este termo foi substituído por “sujeito de direito em desenvolvimento”
após a promulgação do novo texto constitucional. 13
O artigo 227 da Constituição Federal inaugura no Brasil uma nova
corrente, a doutrina da proteção integral, esse novo raciocínio estipula um
paradigma de proteção da criança em tudo que lhe diz respeito, em todas
as suas nuances. Ao descrever que a proteção da criança é um dever da
família mas também da sociedade e do Estado, o legislador constituinte
fomentou outro princípio, a solidariedade existente na proteção da criança
e do adolescente, uma espécie de dever de cooperação da sociedade.14
Justamente por esses paradigmas recepcionados pela Constituição, é
totalmente inconcebível falar de um mal menor necessário, utilizar a adoção
ilegal de uma criança e a sua mão de obra doméstica sob o argumento
de diminuir sua vulnerabilidade perante o estado quo mais deficitário é
incompatível com o princípio da proteção integral cabe a todos da sociedade
de modo solidário e cooperativo intervir neste contexto.

3 O SENTIMENTO DE LEGALIDADE, CARIDADE E


SOLIDARIEDADE PERMEANDO UM CRIME. O BERÇO DA
BANALIDADE DO MAL

A existência de normas reguladoras, tratados, convenções e protocolos


a respeito do tema, em uma análise primária pode dar a entender que o
assunto abordado é pacificado na sociedade, entretanto, a adoção ilegal
e a própria mão de obra infantil pode não ser considerada como sendo
atributos de um crime, atributos de um fato ilícito, passível de punição e de
necessária reestruturação.
O que vamos abordar a diante é o silencio da sociedade em meio ao
mal banalizado, um crime utilizando-se da solidariedade e da vulnerabilidade
para se intitular misericórdia. A estrutura maquiada daquilo que de outra
forma talvez traria o colapso social.
Toda via, feita essa considerações, podemos dizer que não existe em
nosso recorte temático, de maneira clara, o crime previsto no artigo 239
do ECA, “Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de
13. ANDREUCCI, Ana Claudia P. Torezan; PINTO, Felipe Chiarello de Souza; JUNQUEIRA,
Michelle Asato; PINTO. O papel inspirador da Declaração Universal dos Direitos Humanos
na construção histórica dos direitos de crianças e adolescentes. In ARRUDA; Eloisa de Souza;
PEREIRA, Flávio de Leão. 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. São Paulo:
Imprensa Oficial do Governo do Estado de São Paulo, 2018, p. 159.
14. SMANIO, Gianpaolo Poggio. A concretização da doutrina da proteção integral das
crianças e dos adolescentes por meio de políticas públicas. In CARACIOLA, Andrea Boari;
ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan; FREITAS, Aline da Silva. Estatuto da Criança e
do Adolescente, 20 anos. São Paulo: LTr, 2010, p. 61
criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades
legais ou com o fito de obter lucro”, note que a conduta que o código propõe
punição é o verbo promover15 e auxiliar a efetivação de ato destinado a
enviar criança ou adolescente para o exterior sem as formalidades legais
necessárias previstas no ECA ou com o intuito de obter lucro.16 Nosso
recorte é local, trazendo à tona um problema que acontece em território
brasileiro, nasce, se desenvolve e morre em território nacional, muitas das
vezes silenciado e normalizado pela sociedade. Uma espécie de tráfico
interno, mas que ainda continua albergado pelo código penal no que diz
respeito a adoção ilegal e submissão a trabalho análogo a escravidão.
Enfrentar um problema que nasce, se desenvolve e morre em um
mesmo território, aparentemente pode parecer de mais fácil resolução do
que outras demandas que tomam proporções internacionais. Entretanto,
enfrentar a prática de adoções ilegais com o objetivo de usufruir da mão de
obra de crianças e adolescentes brasileiras, mesmo que dentro das nossas
fronteiras, nos parece ser uma tarefa desafiadora tanto quanto as questões
de tráfico internacional.
Um dilema moral frequente e perigoso, que aumenta as barreiras para
a formação de uma sociedade blindada à esse tipo de abuso ao adolescente
e a criança é a prática da irregularidade da adoção, ou até mesmo do fato
criminoso serem recepcionado pela sociedade como normal. O fenômeno da
normalização que citamos acima é um movimento perigoso, principalmente
para o direito, o que fazer em uma dogmática formada pelo fato, valor e
norma17 se o fato criminoso está sendo absorvido pela sociedade como
normal, ou no mínimo como melhor alternativa possível naquele momento
para aquela criança?
Hannah Arendt em seu profundo estudo a respeito do julgamento
de Otto Adolf Eichmann18 construiu um conceito que pode ser utilizado
para explicar a normalização do problema na sociedade, equilibrando as
proporções e adequando-se ao recorte abordado, o fenômeno definido por
Hannah Arendt como “banalidade do mal” pode ser um dos motores para
essa invisibilização de tantas crianças subordinadas a esse tipo de prática.

15. ROSSATO, Luciano Alves; LEPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto
da criança e do adolescente comentado: Lei 8.069/90 comentada artigo por artigo. 10º edição. São Paulo:
Editora Saraiva. 2018. p. 617
16. A existência das formalidades legais previstas nos artigos 165 a 170 do Estatuto da Criança e
do Adolescente durante o tramite do envio de criança ao exterior não afasta a tipicidade do
crime caso haja a finalidade da obtenção de lucro.
17. REALE, Miguel. Teoria Tridimensional Do Direito. 5 ª ed. São Paulo: Saraiva. 1998, p. 67
18. ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: Um relato sobre a banalidade do mal.
Companhia da Letras. 2018
Arendt chocou-se ao encontrar em um homem acusado de crimes
terríveis uma mediocridade assustadora, Eichmann era um homem comum,
em busca de um sucesso profissional, nem que para isso tivesse que absorver
como moral aquilo que até então era amoral. A autora vê a banalidade do
mal sendo construída através da dissipação do pensar, da apropriação
daquilo que o ser humano tem de mais importante, a sua capacidade de
julgamento moral.
Discursos como: “É melhor estar trabalhando no farol do que
roubando.”, “É melhor estar naquela casa trabalhado do que passando
fome”, “Pelo menos aprende desde cedo o valor do trabalho”, e entre
outras declarações que em nada ajudam a fomentar uma sociedade mais
preparada para proteger e promover crianças e adolescentes acabam criando
obstáculos para a interrupção da prática do ato ilícito.
Outro resultado prejudicial dessas repetições é que elas muita das
vezes acabam se permeando no contexto social, ao ponto de trazer uma
ideia distinta da realidade da figura do aliciador traficante que mantém
uma criança ou um adolescente nessas condições de “filho criado” como
um herói bem feitor. Maria Zuíla Lima Dutra muito bem esclarece que a
exploração não pode de maneira alguma ser confundida com solidariedade,
veja:
Na visão de muitas pessoas com as quais temos abordado
o assunto, o trabalho doméstico de crianças e adolescentes,
na casa de terceiros, é um grande exemplo de solidariedade.
Na verdade, trata-se de um ato de absoluta exploração e de
afronta aos direitos humanos, pois as pequenas criaturas
submetidas a esse tipo de trabalho dificilmente recebem
condições para se desenvolverem plenamente (física,
moral, intelectual e emocionalmente), por serem privadas
de acesso à escola ou por não terem tempo para frequentá-
la com regularidade e, mais grave ainda, por ficarem longe
do ambiente familiar. [...]
Na linha da autora, a exploração de uma criança no labor de uma
atividade doméstica jamais poderia ser confundida com solidariedade ou
caridade. Criar uma criança com o intuito de apenas desenvolve-la para estar
apta ao trabalho desde a mais tenra idade pode expô-la a riscos presentes e
futuros, mentais e físicos. No mesmo raciocínio adverte a autora:
Estudo efetivado pela Organização Internacional do
Trabalho (OIT), demonstrou que além dos riscos a
que estão submetidas, essas trabalhadoras também são
vítimas de maus tratos psicológicos e físicos, alimentação
inferior à da família para quem prestam serviços, além
da possibilidade de convivência em meio ambiente que
favorece os acidentes de trabalho (manuseio de facas, fogão,
ferro elétrico, substâncias insalubres ou perigosas, etc.).
Os danos causados à criança transcendem aquilo que pode ser
reparado financeiramente, a normalização da prática acaba por viabilizar
o tráfico e escravidão de crianças e adolescentes, na maioria dos cenários
punindo-os com um futuro incerto, sem educação básica, com desgastes
físicos e poucos laços de afeto. Danos que são levados até a vida adulta
e que poderiam ser dirimidos pelo simples ato de enxergar na prática um
crime, de encontrar na figura do aliciador um traficante, de vislumbrar em
uma relação de trabalho e exploração o abuso e a tipicidade tão denunciados
pelos protocolos e convenções.
O tráfico de crianças com a finalidade de trabalho em serviços
domésticos toma uma proporção ao nosso ver preocupante. Não cega
apenas os olhos do Assum Preto, não rouba apenas a infância do pequeno
ser, mas também espalha uma cegueira moral na sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Levando em consideração todos os contextos e aspectos analisados,


vislumbramos um fato na sociedade brasileira que se estende pela história
de nosso país, o tráfico de pessoas, uma prática tão antiga e enxertada
nas raízes mais profundas da história da humanidade, em alguns tempos
e lugares considerada crime, em outros um incomodo ou apenas um ato
rotineiro.
O poder de modernização do tráfico vai além das técnicas de
comunicação, transporte, recrutamento e transferência, a modernização
que citamos é uma camuflagem muito bem disfarçada dentro da
contemporaneidade, trazendo a manutenção da escravidão sem a senzala, o
tráfico de pessoas sem um navio clandestino ou traficantes extremamente
temidos, crianças sendo expostas ao trabalho de maneira prematura e
irresponsável, mesmo com as chaminés das grandes fabricas desligadas.
O trabalho doméstico de crianças reproduz cenários de pobreza, o
sentimento de “mal menor necessário” acaba por criar uma escudo que faz
com que o aliciador não seja rotulado como o traficante, a blindagem não
só gera a impunidade, mas também leva ao esquecimento, leva um grande
debate aos níveis pormenores e traz a um grupo a invisibilidade.
Descortinamos uma doença moral silenciosa, a normalização e a
banalização do mal a respeito de um tráfico que não carrega consigo todos
os estereótipos, mas permanece firme e letal. A adoção sendo objeto de
disfarce de um crime que permanece na penumbra, o palco sendo construído
para apresentar um aliciador fantasiado de herói, o próprio traficante com
figurino de mocinho.
REFERÊNCIAS

ANDREUCCI, Ana Claudia P. Torezan; PINTO, Felipe Chiarello de Souza;


JUNQUEIRA, Michelle Asato; PINTO. O papel inspirador da Declaração
Universal dos Direitos Humanos na construção histórica dos direitos de
crianças e adolescentes. In ARRUDA; Eloisa de Souza; PEREIRA, Flávio
de Leão. 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. São
Paulo: Imprensa Oficial do Governo do Estado de São Paulo. 2018.
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: Um relato sobre a banalidade
do mal. Companhia da Letras.
DUTRA, Maria Zuíla Lima. A inviolabilidade do lar e o trabalho infantil
doméstico. In Revista TST, Brasília, vol. 81, jan/mar. 2015.
QUEIROZ, Rachel. O quinze. Ed. 105. São Paulo: Editora José Olympio.
2016.
REALE, Miguel. Teoria Tridimensional Do Direito. 5 ª ed. São Paulo:
Saraiva. 1998.
ROSSATO, Luciano Alves; LEPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério
Sanches. Estatuto da criança e do adolescente comentado: Lei 8.069/90
comentada artigo por artigo. 10º edição. São Paulo: Editora Saraiva. 2018.
SILVA, Sofia Vilela de Moraes e Silva. Trabalho Infantil: Aspectos sociais e
legais. Maceió: in Olhares Plurais. Vol. 1. 2009.
CAPÍTULO 17

QUEM TEM MEDO DO


LOBO MAU? A EXPLORAÇÃO
DA VULNERABILIDADE DE
RELAÇÕES FAMILIARES E O
PROCESSO DE ADOÇÃO NO
BRASIL COMO MARGEM PARA O
TRÁFICO DE CRIANÇAS

ALICIA BAPTISTA RODRIGUES


Graduanda em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Membro do Grupo “Pessoas Invisíveis...” da Faculdade de Direito da
Universidade Presbiteriana Mackenzie.

INTRODUÇÃO

O que une a vítima e o criminoso, em termos de tráfico de pessoas?


A invisibilidade. O elo é formado de tal maneira que se tornam ocultas
estas três peças chave para a consumação e prolongação deste crime. Por
mais que permeie como temática em filmes, telenovelas, seriados, o tráfico
de pessoas parece tão cinematográfico e irreal aos olhos, que se torna
praticamente fictício, que não poderia acontecer na vida real. Mas acontece,
todos os dias.
Sob uma perspectiva global, apenas no ano de 2016 mais de 24.000
pessoas foram detectadas em situações de tráfico, pelo Relatório Global de
Tráfico de Pessoas elaborado pela UNODC (Escritório das Nações Unidas
sobre Drogas e Crimes) em 20181, demonstrando que as mulheres
configuram 49% deste índice, sendo o mais alto, seguido de meninas
(crianças do sexo feminino), em 23% e que, na América Latina, o índice
1. UNODC. Global Report on Trafficking in Persons 2018. Disponível em: <https://www.unodc.
org/documents/data-and-analysis/glotip/2018/GLOTiP_2018_BOOK_web_small.pdf>.
Acesso em: 03 jul. 2019.
de mulheres vítimas de tráfico configura 51%, seguido pelo segundo maior
índice de 31%, que são de meninas, mais uma vez. Ainda analisando este
relatório, se torna lógico que os dados supramencionados exteriorizam a
amplitude deste sistema criminoso, que envolve todos os continentes do
globo em números exorbitantes e que busca, majoritariamente vítimas do
sexo feminino.
A vulnerabilidade das vítimas, que pode decorrer muitas vezes de
conflitos armados em seus países, ou de uma classe social desprovida de
recursos, principalmente voltados ao acesso à informação, por exemplo;
no que tange às crianças essa vulnerabilidade, está diretamente ligada à
sua idade e formação de personalidade ainda inconclusa. Desta forma,
tais vulnerabilidades abusadas, combinadas à persuasão do criminoso e a
negligência do Estado frente à esta calamidade, perpetuam a ocorrência do
crime, tornando-o recorrente e praticamente impossível de se punir.

1 PANORAMA DO TRÁFICO DE PESSOAS: A RELAÇÃO ENTRE


TRÁFICO DE CRIANÇAS E A ADOÇÃO

Quando se inicia um estudo sobre tráfico de pessoas, no geral, é


importante saber que este se perpetua em esfera internacional, nacional
e estadual e será destinado a finalidades específicas e, quanto a estas
finalidades, mesmo configurando uma pequena parcela, cerca de 7% das
destinações diversas à crianças que são vítimas de tráfico, fugindo do “padrão
convencional esperado”, segundo o Relatório Global supramencionado.
Este fato social se faz extremamente relevante, ao passo que pelo senso
comum, tráfico de pessoas estaria ligado exclusivamente à exploração sexual
e trabalho escravo, não sendo uma associação feita de maneira intuitiva,
entre adoção por meios ilegais e o tráfico de pessoas.
Desta forma, faz-se um recorte a respeito das diferentes modalidades
do tráfico, juntamente ao esquema persuasivo utilizado pela rede, em
paralelo com o descrito em lei para combater tal organização criminosa.

1.1 O ESQUEMA PERSUASIVO DO TRÁFICO: AS DIFERENTES


MODALIDADES E O “MODUS OPERANDI2”

Reitera-se que, o tráfico de pessoas se dá mediante diferentes


finalidades, sendo as mais comuns para exploração sexual assim como
pornografia infantil e prostituição, trabalho escravo, servidão doméstica,

2. Modo de operar, de proceder. TRUBILHANO, Fabio. HENRIQUES, Antônio. Linguagem


Jurídica e Argumentação: Teoria e Prática. São Paulo: Atlas, 2017.
tráfico de órgãos e adoção ilegal. Pode-se dizer também que o perfil da
vítima pode estar completamente ligado à finalidade buscada pelo traficante,
isso se faz relevante para um aspecto primário ao passo que se justifica
o mapeamento acerca da vítima, da finalidade e do crime, para criação e
manutenção das redes de combate.
O agir do criminoso pode ocorrer de várias formas, quando
violentas, as mais comuns se dão por meio de sequestros, subtração e, se
tratando principalmente de bebês, o rapto, atividade extremamente comum
no Brasil; mesmo aparentando ocorrer apenas em telenovelas, sites de
notícias publicam corriqueiramente sobre novos casos de bebês raptados
no Brasil3.
Contudo, o caráter aliciador presente nos criminosos pode ser
o “modus operandi” mais intrigante e interessante para compreensão do
funcionamento do crime em suas fases executórias, o aliciador pode desde
convencer uma mãe a doar seu filho, convencendo-a de que com ela não
teria um futuro economicamente viável, até convencer pais desesperados a
adotarem crianças por meios “mais fáceis”. O trâmite se demonstra ainda
mais chocante quando se percebe que, na maioria dos casos, os aliciadores
fazem parte de seu convívio social4 de alguma maneira e que pode persuadi-
lo perversamente por meio da utilização de um laço afetivo previamente
estabelecido, mesmo que singelo. Ainda, os aliciadores não se enquadram
em fenótipos ou classes sociais específicas, são praticamente indetectáveis,
invisíveis; afinal quem desconfiaria de um conhecido tão solícito e generoso?
Ora, quando se trata de um crime tão violento, é praticamente automática a
associação à uma necessária coerção e violência, porém este estudo pretende
abordar outro aspecto ainda mais invisível acerca do tema.
O engano, a fraude, o abuso de vulnerabilidade, todos estes
“atributos” utilizados pelos aliciadores disfarçados de altruísmo, servem de
instrumento persuasivo perante os dois pontos da cadeia, o remetente – a
criança ou os pais/familiares aliciados para iniciar o tráfico e o destinatário
– o que receberá a criança traficada.

3. SILVESTRE, Edney. RAMIRO, Silvana. Quase 500 casos de sequestro de crianças estão registrados
no Brasil. Bom Dia Brasil – G1, Rio de Janeiro, 10 jul. 2012. <http://g1.globo.com/bom-dia-
brasil/noticia/2012/07/quase-500-casos-de-sequestro-de-criancas-estao-registrados-no-
brasil.html>. Acesso em: 17 set. 2019.
4. Informações fornecidas pelo Conselho Nacional de Justiça ao pautar sobre Tráfico de Pessoas.
Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/assuntos-fundiarios-trabalho-
escravo-e-trafico-de-pessoas/trafico-de-pessoas/>. Acesso em: 15 jun. 2019.
1.2 ANÁLISE DAS LEGISLAÇÕES E POLÍTICAS PÚBLICAS
PARA O COMBATE AO TRÁFICO DE PESSOAS NO BRASIL E
A ADOÇÃO ILEGAL

O Protocolo de Palermo (Protocolo Adicional à Convenção das


Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à
Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial
Mulheres e Crianças), aprovada pela Assembleia Geral da Organização das
Nações Unidas (ONU) no ano de 2000, se faz a principal ferramenta voltada
ao combate ao tráfico de pessoas no que se diz respeito a aspectos globais,
que aborda um enfoque principalmente voltado às mulheres e crianças, e o
Brasil por sua vez, como Estado-membro da ONU, ratificou a Convenção
apenas 4 anos depois, em 12 de Março de 20045, por meio do Decreto
5.017/20046 que institucionalizou o tráfico de pessoas, tendo assim peso
de norma supralegal dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
Logo em 2006, foi instaurado o Decreto nº 5.948, de 26 de outubro
de 2006, mais conhecido como Política Nacional de Enfrentamento ao
Tráfico de Pessoas7, o qual estabelece em seu artigo 2º:
Art. 2º  Para os efeitos desta Política, adota-se a expressão
“tráfico de pessoas” conforme o Protocolo Adicional à
Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição
do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças,
que a define como o recrutamento, o transporte, a
transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas,
recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao
rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de
vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios
para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre
outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo,
a exploração da prostituição de outrem ou outras formas
de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados,
escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão

5. VIEIRA, Vera. CHARF, Clara. Percepção da Sociedade sobre o Tráfico de Mulheres. São Paulo. 2016.
P. 111. Disponível em: <http://www.mulherespaz.org.br/wp-content/uploads/LIVRO-
COMPLETO.pdf> Acesso em: 07 out. 2019.
6. BRASIL. Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004. Protocolo Adicional à Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição
do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5017.htm>. Acesso em: 03 jul.
2019.
7. BRASIL. Decreto de nº 5.948 de 26 de outubro de 2006. Política Nacional de Enfrentamento ao
Tráfico de Pessoas e institui Grupo de Trabalho Interministerial com o objetivo de elaborar
proposta do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas - PNETP. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5948.htm>.
Acesso em: 03 jul. 2019.
ou a remoção de órgãos. (grifos nossos)
Fica claro que nos pontos destacados fora reconhecido o cunho
pluridimensional pertencente ao tráfico de pessoas, assim como seus
aspectos, para a elaboração desta Política Pública na tentativa de
implementá-la de maneira eficaz e realista. Porém, não fora tipificado
junto ao rol a configuração do tráfico para fins de adoção, por mais que
acordado em caráter global que o tráfico se dá para além destas finalidades
descritas, além disso, no ano de 1998 criou-se um Decreto de nº 2.740, mais
conhecido como a Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional
de Menores8 que já versava sobre o tráfico em paralelo à adoção ilegal.
Somente então, no ano de 2016, foi “inserida” a adoção ilegal ao rol
das finalidades do tráfico de pessoas, por meio da edição da Lei 13.344/16
onde inseriu a seguinte redação ao Código Penal:
Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir,
comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça,
violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:
[...]
IV - adoção ilegal;
[...]
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
De forma geral, após a elaboração de 3 Planos nacionais voltados
ao enfrentamento de tráfico de pessoas no Brasil, assim como a criação
de canais de assistência como o Disque 100 e o Disque 180, tais políticas
ainda não se mostram tão eficazes frente aos embates cotidianos. Vejamos,
tais projetos muitas vezes passam por uma falta de divulgação visto que
a informação não chega à grande parcela da população, sendo que esta,
coincidentemente ou não, será a parcela mais afetada pelo tráfico. Dá-se
o exemplo: suponha que um aliciador tente ludibriar uma mãe de classe
social baixa - desprovida de recurso e que não tenha acesso à informação
- a doar a sua filha na crença de que assim terá um futuro melhor e que, o
aliciador diga que levará a criança para fora do país, ora, se esta mãe não tem
conhecimento legal algum, poderá acreditar que está entregando sua filha
legalmente, porém, de acordo com o artigo 19-A do Estatuto da Criança
e do Adolescente9, a mãe interessada em recorrer à entrega de seu filho

8. BRASIL. Decreto nº 2.740, de 20 de agosto de 1998. Convenção Interamericana sobre Tráfico


Internacional de Menores, assinada na Cidade do México em 18 de março de 1994. Art. 18
em específico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2740.htm>
Acesso em: 03 jul. 2019.
9. BRASIL. Lei de nº 8.069 de 13 de Julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.
Especificamente Artigo 19-A. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l8069.htm>. Acesso em: 04 jul. 2019.
para adoção, deverá ser encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude,
pode-se concluir também, que não só as Políticas Públicas são falhas em
disseminar a informação, mas o próprio texto da lei não se faz acessível.
Não obstante, faltam coletas de estatísticas a respeito do tráfico de
pessoas, os dados utilizados pelo Brasil em sua maioria advém de projetos
internacionais, perpetuando certa corroboração para manter a invisibilidade
do tema, além de que, quando se tem dados, estes não se comunicam
entre si, o Instituto Médico Legal (IML) não possui comunicação com os
Ministérios Públicos, que consequentemente não possuem comunicação
com as delegacias, ao ponto que as informações vão se dissipando até se
tornarem pó, dimensão esta que o próprio plano sugere, mas que ainda
permanecesse inexistente:
Anexo. Metas. 2.1. Desenvolver e implementar sistema
integrado de informações sobre o tráfico de pessoas e o
seu enfrentamento, com base nos sistemas específicos
gerenciados por órgãos que registram informações relativas
à temática.10
Fazendo uma comparação breve a âmbitos internacionais, nos Estados
Unidos, foi criado um sistema denominado de AMBER Alert11, onde, por
meio da interação com a lei, mídia e tecnologia, este sistema integrado busca
resgatar com segurança crianças desaparecidas, em sua maioria vítimas de
tráfico. Um alerta é ativado por meio de televisões, rádios, celulares, ao passo
que se avista uma situação de perigo frente à alguma criança, causando uma
mobilização comunitária de informações a fim de resgatá-la, segundo dados
oficiais desde maio deste ano mais de 957 crianças foram resgatadas em
segurança, ou seja, em meio a uma calamidade, foi criada uma força tarefa
a fim de combater o crime por meio dos recursos que possuíam em mãos.
A negligência do Estado brasileiro frente à solução dos casos de
tráfico de pessoas no Brasil, pode ser tranquilamente justificada ao passo
que, em suma maioria, os casos de tráfico e/ou desaparecimento de pessoas
são solucionados por ONGs, Associações e ou Institutos relativamente
independentes da gestão governamental12, e que, em muitos casos, não
recebem ajuda alguma vinda do Estado.
Entretanto, por mais que de certa forma bem elaboradas em teoria,
na prática tais Políticas Públicas se fazem insatisfatórias, visto que as

10. BRASIL. Decreto nº 9.940 de 03 de Julho de 2018. III Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico
de Pessoas. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/
Decreto/D9440.htm>. Acesso em: 03 jul. 2019.
11. Disponível em: <https://www.amberadvocate.org/about/>. Acesso em: 02 dez. 2019.
12. ONGS como SMM, ONU, Miseror e Arca Nova, Cordaid, AIN criam rede de enfrentamento
ao tráfico de pessoas. Disponível em: <https://www.dw.com>. Acesso em: 28 nov. 2019.
estatísticas não diminuíram ao longo dos anos, além de não associarem
em seus textos ou estruturas, os casos não solucionados com hipóteses
de desaparecimento13 ou possível morte das vítimas, e ainda há falta de
recursos para localizar as redes criminosas. Ainda, em termos de adoção
ilegal, se fazem inegavelmente precárias, na medida em que estas são pouco
abordadas e divulgadas.

2 PERSPECTIVAS DA LEI DA ADOÇÃO E REGULAÇÃO NO


BRASIL

A adoção no Brasil está regulamentada pelo Estatuto da Criança e


do Adolescente14 entre seus artigos 39 a 52-D, estabelecendo o processo
de adoção vigente em solo pátrio. Importante destacar que, na atualidade o
desenvolvimento processual da temática está a cargo do ECA, não mais na
esfera do Código Civil. Ao analisar o texto da lei, verifica-se que o Princípio
do Melhor Interesse da Criança, bem como o Princípio da Proteção
Integral, historicamente originários de instrumentos internacionais e
inseridos ao texto Constitucional de 1988 (SILVA, 2015), estão intrínsecos
a toda esfera adotiva e que, por sua vez, serão resguardados em todas as
etapas do processo. Assim, irão nortear o Estatuto por inteiro, combinados
com demais princípios que protegem e garantem direitos às crianças e aos
adolescentes.
O princípio da proteção integral, que norteia a aplicação
das normas relativas à criança e adolescente, autoriza, de
qualquer modo, a manutenção da situação fática atual,
em respeito ao interesse da criança. (TJRS, Agravo de
Instrumento nº 70010250868, 8ª Câmara Cível, Rel. Des.
Rui Portanova, DJ 17.03.2005 apud JR., A., 2017, p. 48)
Contudo, a Lei nº 12.010 de 2009 que trouxe mudanças ao cenário da
adoção e da convivência familiar, traz, por exemplo em seu artigo 163 que:
“O prazo máximo para conclusão do procedimento será de 120 (cento e
vinte) dias.” Não se pode dizer que, este artigo garante redução, por exemplo,
da morosidade dos processos de adoção no Brasil, visto que, assim como
determinado em lei, a criança só estará apta para sua adoção após destituída
de seu poder familiar, esgotadas todas possibilidades de reinserção com a

13. BARROS, Ana Claudia, Com 40 mil crianças desaparecidas por ano, Brasil abandona ferramenta de
localização. Portal R7, 25 mai. 2015. Disponível em: <https://noticias.r7.com/cidades/com-40-
mil-criancas-desaparecidas-por-ano-brasil-abandona-ferramenta-de-localizacao-25052015>.
Acesso em: 20 Set, 2019.
14. BRASIL. Lei de nº 8.069 de 13 de Julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.
Especificamente Subseção IV. Artigos 39 a 52-D. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 04 Jul. 2019.
família biológica15, e apenas este procedimento já apresenta uma morosidade
imensurável.
Partindo do pressuposto de que, concluída a primeira etapa, as crianças
estando aptas legalmente para serem adotadas, em paralelo movimenta-se
o processo de cadastramento dos casais ou pessoas interessadas na adoção,
que consequentemente passarão por mais procedimentos para garantir que
suas condições, sejam estas financeiras ou psicológicas, sustentem receber
uma criança, competência esta direcionada ao Poder Judiciário por lei16.
Finalizados ambos os trâmites, inicia-se o cruzamento de informações entre
adotantes e possíveis adotados, visto que, no nosso sistema, os pretendentes
cadastrados podem demonstrar suas “preferências” frente aos seus futuros
filhos, análise esta a ser abordada posteriormente.
Esta morosidade, além de causar diversas consequências a ambos os
lados, o tempo se faz praticamente inimigo do adotado, visto que, existe
uma resistência comprovada de pretendes que não querem adotar crianças
maiores de 5 anos de idade,17 podendo levar até a desistência da adoção, ou
destinar casais aos meios ilegítimos e “mais rápidos”.

2.1 LEVANTAMENTO DE DADOS NACIONAIS: ESTATÍSTICAS


E O PROCESSO DE ADOÇÃO

Para esta análise será utilizado o Relatório de Dados Estatísticos


do Cadastro Nacional de Adoção realizado pelo Conselho Nacional de
Justiça18. Assim, foram gerados relatórios no dia 02 de dezembro de 2019,
a fim de entregar estatísticas mais recentes, desta forma, os relatórios se
dividem em: a) Relatório de Pretendentes (contendo seus respectivos
dados gerais, unidade da federação a qual pertencem, quais as situações dos
pretendentes, se têm doenças e ou deficiência, estejam estes disponíveis ou
vinculados, em âmbito nacional); b) Relatório de Pretendentes (contendo
seus respectivos dados gerais, unidade da Federação a qual pertencem, quais
as situações dos pretendentes, se têm doenças e ou deficiência, estejam
estes disponíveis ou vinculados, em âmbito internacional); e c) Relatório de
Crianças (contendo dados gerais, sexo, faixa etária, se é gêmeo, a unidade
de federação da qual pertence, se possui doenças e deficiências, quais as
situações das crianças, sejam disponíveis ou vinculadas).

15. Art. 39, §1º do ECA.


16. Art. 50 do ECA.
17. Relatórios de Dados Estatisticos gerados no Cadastro Nacional de Justiça. Disponível em:
<https://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf>. Acesso em: 02 dez. 2019.
18. Ibid.
A partir de uma análise primária, já se pode perceber a discrepância
entre a quantidade total de pretendentes nacionais, sendo equivalente
a 46.092 casais para 9.510 crianças cadastradas, ou seja, o número de
pretendes para adoção, equivale a praticamente 7 vezes do total de crianças
cadastradas para serem adotadas, um número surpreendentemente
exorbitante, considerando que ainda, muitos casais permanecem na fila de
espera por anos e o número de crianças adotadas não tende a diminuir19.
Não se pode negar que o fato social previamente descrito, também
ocorre da seletividade dos pretendentes ao aceitarem certos aspectos da
criança, por exemplo, o total de pretendentes que aceitam crianças de raça
negra, configuram 26.487, ou seja, pouco mais da metade, sendo que as
crianças de raça negra configuram 16.74% do total de crianças cadastradas,
isso sem entrar em outros méritos quanto à seleção.
No mais, a análise se torna ainda mais profunda ao passo que, o
interesse de casais para adoção internacional20 no Brasil, é de um índice
baixíssimo, configurando um total de 211 casais, e que, no art. 50, § 10
do ECA, a criança deveria apenas ser destinada à adoção internacional
na ausência de pretendentes residentes no país, além de que todos os
procedimentos serão feitos através de Autoridade Central21, tornando o
processo árduo e ainda burocrático de certa forma, demonstrando assim
que o Brasil não se faz um país atrativo em termos de adoção para casais
estrangeiros, mas, em contrapartida, muitas crianças brasileiras acabam por
serem vítimas de tráfico internacional de pessoas, de modo a concretizar a
adoção fora do país.

19. LABOISSIÈRE Paula, Brasil tem 8,7 mil crianças à espera de uma família, diz CNJ. Agência Brasil, 25
mai. 2018. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-05/brasil-
tem-87-mil-criancas-espera-de-uma-familia-diz-cnj>. Acesso em: 23 jul. 2019.
20. Art. 51: Considera-se adoção internacional aquela na qual o pretendente possui residência
habitual em país-parte da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à
Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, promulgada
pelo Decreto n o 3.087, de 21 junho de 1999 , e deseja adotar criança em outro país-parte da
Convenção. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017). BRASIL. Lei de nº 8.069 de 13 de Julho
de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 04 Jul. 2019.
21. De acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública: “A Autoridade Central é um
conceito consagrado no Direito Internacional e visa a determinar um ponto unificado de
contato para a tramitação dos pedidos de cooperação jurídica internacional, com vistas à
efetividade e à celeridade desses pedidos.”. Disponível em: < https://www.justica.gov.br/sua-
protecao/cooperacao-internacional/autoridade-central-1>. Acesso em 02 Dez, 2019.
3 RELACIONANDO TRÁFICO E ADOÇÃO: CONSEQUÊNCIAS
PSICOLÓGICAS E SOCIAIS DO CRIME

3.1 EXPLORAÇÃO DOS TRAFICANTES DA


VULNERABILIDADE DE CASAIS QUE SONHAM COM A
PARENTALIDADE

Como demonstrado pela própria letra da lei, a característica essencial


para que esta rede consiga alcançar êxito é a vulnerabilidade, sem esta não
se faz possível convencer alguém à tomar medidas ilegais e desesperadas,
esta portanto pode derivar de diversas fontes.
A “gestação adotiva” é singular, longa e sutil, por não
ocorrer mudanças no corpo da mulher, não ser visível aos
olhos dos outros, e por isso mais simbólica do que uma
gravidez biológica, suscitando, em consequência dessas
peculiaridades, mais angústias e fragilidades. Muitas vezes,
o percurso dos candidatos por diferentes comarcas é uma
forma de enfrentar a ansiedade da espera, que é difícil de
ser compreendida pelos parentes e amigos. É importante
destacar que essa gestação não tem tempo determinado
para se concretizar, podendo durar de meses a anos.
(REPPOLD et al., 2005, apud HUBER e SIQUEIRA,
2010).
Passam por uma construção internalizada de parentalidade, não
obstante a lei brasileira obriga o estágio de convivência22 não só para que
a criança se adeque aos adotantes, mas também para que os adotantes se
adequem a ideia de serem pais. No mais, é exigido um curso de preparação
psicossocial às famílias23, de forma a garantir que a criança está sendo
destinada a um lar saudável e estável.
Art. 46.  A adoção será precedida de estágio de convivência
com a criança ou adolescente, pelo prazo máximo de 90
(noventa) dias, observadas a idade da criança ou adolescente
e as peculiaridades do caso.  (Redação dada pela Lei nº
13.509, de 2017) [...]
§ 2o -A.  O prazo máximo estabelecido no caput deste
artigo pode ser prorrogado por até igual período, mediante
decisão fundamentada da autoridade judiciária. (Incluído

22. BRASIL. Lei de nº 8.069 de 13 de Julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.


Especificamente Subseção IV. Artigo 46. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 04 Jul. 2019.
23. Art. 50, § 3º: A inscrição de postulantes à adoção será precedida de um período de preparação
psicossocial e jurídica, orientado pela equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude,
preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de
garantia do direito à convivência familiar. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Ibid.
pela Lei nº 13.509, de 2017)
§ 3o Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou
domiciliado fora do País, o estágio de convivência será de,
no mínimo, 30 (trinta) dias e, no máximo, 45 (quarenta
e cinco) dias, prorrogável por até igual período, uma
única vez, mediante decisão fundamentada da autoridade
judiciária. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)
Não é à toa que no Brasil presenciamos o fenômeno da “adoção
à brasileira”, no qual, segundo Araújo Jr. (2017, p. 37), o casal registra a
criança como sua filha sem ao menos passar pelo processo de adoção
legal, afastando assim o princípio da proteção integral que incide sobre
as crianças. Pois bem, nestas condições, não se pode garantir sobre quais
circunstâncias esta criança chegou aos seus adotantes, muitas vezes esta
criança pode ter sido vítima de tráfico, tendo seus novos pais ciência do
fato ou não, e mesmo vulneráveis, não se eximem de colaboração com a
rede criminosa.
Porém, esta vulnerabilidade latente, quando falamos de casais que
almejam a parentalidade, em muitos casos, pode decorrer da infertilidade,
seja do homem ou da mulher, ou de fatores sociais, que diante de um anseio
precedente, passam por um processo demorado e sensível para atingir o
sonho de serem pais. Este anseio e prolongação no processo de adoção,
previamente discorrido, seja este nacional ou internacional, traz uma
enorme brecha para manutenção do tráfico de crianças, ora, diz o professor
Marcelo Neumann24 que o tráfico internacional de crianças além de uma
realidade mundial (famílias norte-americanas estavam dispostas a pagar 45
mil dólares para adotar crianças haitianas)25, é um modo encontrado para
abrandar o sofrimento de milhares de casais e pessoas que não podem ter
filhos, assim como, uma forma perversa de manter o tráfico de órgãos.

3.2 CRIANÇAS: QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS E


PSICOLÓGICAS?

Se tratando da natureza do tráfico, por mais que descrito no art. 2,


§7º da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que o
consentimento da vítima não influi na configuração do crime, parte-se do
princípio de que a criança não tem condições para discernir o que está

24. NEUMANN, Marcelo Moreira. O Desaparecimento de Crianças e Adolescentes. 2010. Tese (Pós-
Graduação em Serviço Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2010. Disponível em: <https://tede.pucsp.br>. Acesso em: 20 Set, 2019.
25. CHADE, Jamil. ONU denuncia tráfico de crianças. O Estado de São Paulo, São Paulo, 23 jan. 2010.
Disponível em: <https://www.estadao.com.br/noticias/geral,onu-denuncia-trafico-de-
criancas,500290>. Acesso em: 02 Dez, 2019.
ocorrendo, ou seja, não há de se falar em consentimento de maneira alguma.
Desta forma, não se pode concluir de maneira concreta os elementos
utilizados pelos traficantes para ludibriar uma criança, convencendo-a
a se afastar da mãe e de que forma ocorre, em casos de aliciamento por
exemplo, visto que neste feito não estamos analisando casos concretos,
mas sim hipóteses e estudos. Contudo se faz possível, utilizando-se de
uma visão interdisciplinar entre a psicologia e o direito, compreender as
possíveis consequências que permearão a vida desta criança em situação de
tráfico, tenha ela sido vítima de aliciamento, violência, rapto, sequestro ou
subtração.
Entretanto, para compreender a perspectiva das crianças sujeitas
a esta situação, se faz extremamente necessário, analisar em primeiro
plano outro princípio protegido pelo ECA, o Princípio da Condição
Peculiar de Pessoa em Desenvolvimento, exposto no artigo 6º26 da lei,
onde demonstrado expressamente, as crianças são sujeitos de direito em
desenvolvimento, assim tendem a agir de modo a imitar e gravar o que
captam e vêem no meio social, à medida que, a violência e os traumas
presenciados se fazem ainda mais brutais e permanentes. Não é à toa que
se demonstra cada vez mais essencial a busca também pela proteção da
primeira infância, promovida por exemplo pelo Marco Legal da Primeira
Infância27, abrangido pelos primeiros 6 anos de vida da criança, visto que
esta se faz ainda mais vulnerável perante à formação de sua personalidade e
desenvolvimento enquanto ser humano:
[...] Na fase da primeira infância, todavia, as relações entre
estados emocionais e experiencias concomitantes ou do
passado recente se põem com clareza cristalina. Segundo
se assevera, é nesses estados de perturbação da primeira
infância que se tornam discerníveis os protótipos de
inúmeras condições patológicas dos anos posteriores.28

26. Artigo 6º: Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as
exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar
da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. BRASIL. Lei de nº 8.069 de
13 de Julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Especificamente. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 04 Jul. 2019.
27. BRASIL. Lei de nº 13.257 de 8 de março de 2016. Políticas públicas para a primeira infância
e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o
Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), a Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a Lei
nº 11.770, de 9 de setembro de 2008, e a Lei nº 12.662, de 5 de junho de 2012. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13257.htm>. Acesso
em: 05 Jul. 2019.
28. BOWLBY, John. Separação – Volume 2 da Trilogia Apego e Perda. São Paulo: Editora Martins
Fontes, 1984, p. 5.
Neste sentido, a psicanálise entende de maneira homogênea como
extremamente fundamental para formação da personalidade da criança, sua
primeira relação humana (BOWLBY, 1984). Ou seja, a quais situações e
perigos emocionais essa criança, afastada desde logo de seus pais, estaria
submetida?
De forma a seguir a cronologia da cadeia do tráfico, em seu início paira
sobre a criança o perigo eminente de separação com sua a mãe biológica,
visto que a mãe, em uma visão psicanalítica29 se faz como figura principal
em termos de apego frente à criança e que, esta ameaça de perda ou a
ruptura abrupta do elo afetivo pode vir a gerar sintomas psicossomáticos30:
Quando a criança percebe que seus pais vão se ausentar ou
o afastamento realmente ocorre, manifestações somáticas
de ansiedade, tais como dor abdominal, dor de cabeça,
náusea e vômitos são comuns. Crianças maiores podem
manifestar sintomas cardiovasculares como palpitações,
tontura e sensação de desmaio. Esses sintomas prejudicam
a autonomia da criança, restringem a sua vida de relação e
seus interesses, ocasionando um grande estresse pessoal e
familiar. Sentem-se humilhadas e medrosas, resultando em
baixa autoestima e podendo evoluir para um transtorno do
humor. Estudos retrospectivos sugerem que a presença de
ansiedade de separação na infância é um fator de risco para
o desenvolvimento de diversos transtornos de ansiedade,
entre eles, o transtorno de pânico e de humor na vida
adulta.31
Assim, já inserida à cadeia do tráfico, subitamente esta criança está em
meio a um ciclo corrompido de laços afetivos, diante de uma instabilidade
emocional, tendo passado pelo rompimento do laço com a mãe biológica,
adentrando a possibilidade da criação de um laço afetivo com o traficante
aliciador, mesmo que deturpado. Posteriormente, vivenciando um novo
rompimento desse laço criado com o traficante, e estabelecendo uma
criação de novo laço, com seus “novos pais”, arriscando passar por um
novo rompimento, caso descubra que foi vítima de tráfico, por exemplo.
Desta forma, diante de tantas perdas, se torna imensurável as consequências

29. BOWLBY, John. Apego – Volume 1 da Trilogia Apego e Perda. São Paulo: Editora Martins Fontes,
1984, p. 192-195.
30. A Psicossomática busca um entendimento da relação mente–corpo e dos processos de
adoecimento. Ela parte da observação de distúrbios físicos nos quais os processos emocionais
desempenham um certo papel, ou de situações clínicas nas quais uma perturbação psicológica
aumenta o risco de desenvolver ou agravar determinada doença física. CAPITÃO, Claudia
Garcia; CARVALHO, Érica Bonfá. Psicossomática: duas abordagens de um mesmo problema. Revista
de Psicologia da Vetor Editora: São Paulo, v. 7, nº 2, p. 21-29, jul./dez, 2006.
31. CASTILLO, Ana Regina Gl. et al. Transtornos de Ansiedade. Revista Brasileira de Psiquiatria,
Porto Alegre, II, 21, 2000.
psicológicas a serem enfrentadas por este indivíduo, seja enquanto criança
ou enquanto adulto.
Estados de angústia e depressão se manifestam na idade
adulta, assim como condições psicopáticas, podem ser
associadas, de maneira sistemática, segundo se afirma, a
estados de angústia, desespero e desapego (como descrito
por Burlingham e Freud e, subsequentemente por outros
autores), que facilmente se manifestam sempre que
uma criança se separa por longos períodos de sua figura
materna, sempre que espera uma tal separação ou, como
as vezes acontece, quando perde a mãe definitivamente. 32
Segundo Bowlby33 tais consequências se fazem muitas vezes
inexplicáveis na vida adulta, visto que não há um autodiscernimento nítido
à respeito da origem dos impactos psíquicos causados por vivencias do
passado, podendo levar até mesmo, em certos casos, ao desenvolvimento
de um Transtorno de Estresse Pós-Traumático34, por exemplo, ou até
mesmo, ao suicídio.
Ora, como estamos tratando de adoção, vale relembrar que, ao final
da cadeia, quando já está inserida em sua “nova família”, virá a demonstrar
curiosidades, visto que tal característica se faz atrelada à sua essência
enquanto criança, e que, mesmo que ela esteja diante de um cenário ideal
onde, seus pais não contem que esta fora adotada e por quais meios o
fizeram, esta irá questioná-los. Para o psiquiatra Içami Tiba35 é natural que
a criança queira saber sua origem biológica, em algum momento, a própria
notícia receptada de que sua mãe não o concebeu, sempre configurará um
choque, isso se tratando de uma situação adotiva genérica por vias legais,
onde, quando posta frente a realidade das condições de tráfico sofridas,
as inúmeras consequências, sejam estas temporárias ou permanentes,
previamente discorridas, poderão vir à tona.
O aumento da capacidade perceptiva da criança e da sua
aptidão para compreender os acontecimentos no mundo
à sua volta acarretam, porém, mudanças nas circunstâncias
que o eliciam. [...].36
Assim, diante de uma descoberta tão perturbadora, entramos
na esfera do que concerne ao auxílio às crianças vítimas de tráfico,
descritas no rol do art. 7º do Decreto nº 5.948/06, que trazem proteção,
32. BOWLBY, John. Separação – Volume 2 da Trilogia Apego e Perda. São Paulo: Editora Martins
Fontes, 1984. p. 5.
33. Ibid. p. 3-25.
34. CASTILLO, Ana Regina Gl. et al. op. cit., p. 20-21.
35. TIBA, Içami. Quem ama, educa! São Paulo: Editora Gente, 2002. p. 226 e 227.
36. BOWLBY, John. Apego – Volume 1 da Trilogia Apego e Perda. São Paulo: Editora Martins Fontes,
1984. p. 219.
assistências diversas, acolhimento, reinserção social e familiar, atenção às
suas necessidades especificas, proteção de sua identidade e intimidade,
remédios estes relevantes e necessários, porém ainda não se pode negar que
concomitantemente à questão de reinserção e assistência, o instrumento
mais recomendado como alternativa, principalmente se tratando de crianças,
é o acompanhamento terapêutico, que segundo Ritchter (1986)37 faz-se um
tratamento árduo e custoso diante de uma sociedade indiferente e egoísta,
que busca a exploração de jovens para o mercado da prostituição infantil já
institucionalizado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo em questão trouxe uma análise conectiva entre dispositivos


legais e Políticas Públicas que versam sobre o tráfico de pessoas, frente ao
tema da adoção ilegal e as consequências inerentes à situação, vinculadas
tanto a figura do casal que sonha com a parentalidade, quanto as crianças
vítimas de tráfico para fins de adoção.
O imediatismo exacerbado de casais a concretizarem seus anseios, em
sua mais íntima dor e sensibilidade, podem estar suscetíveis à corroborar
com a manutenção de uma organização criminosa bárbara, cegos por seu
egoísmo, acabam indiretamente inibindo a criança de sua esfera protetiva,
seja esta jurídica garantida por lei, ou seja esta afetiva, presente na figura de
seus pais biológicos.
Diante desta fragilidade, tendo a clara noção deste fato iminente,
traficantes abusam deste fator como arma, a partir de seus inúmeros
aliciamentos, a manter seus esquemas sorrateiramente e invisibilizados,
estando os criminosos assim excepcionalmente à frente do Estado, apenas
por reconhecer este fato social como verdadeiro em todos os seus aspectos.
Faz-se assim associação às “promessas” contidas na lei, ao passo
que em teoria essas se fazem muito bem pensadas, principalmente nos
quesitos a garantir a proteção da criança em todos os seus aspectos, mas,
se mantém a reflexão de que, se a proteção destas crianças ocorresse de
maneira preventiva e não remediadora, se os poderes tanto Executivo, como
Legislativo e Judiciário, dispusessem de uma visão realista e ponderassem
a teoria com as práticas, principalmente em termos de tráfico de crianças
para fim de adoção ilegal, talvez as crianças não passariam por uma primeira
desproteção. É entendível que as medidas presentes na lei tendem a garantir
todos os direitos inerentes à figura da criança, todavia ao passo que se

37. HERMANN, Kai. RIECK, Horst. Eu, Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída... São Paulo:
Bertrand Brasil – DIFEL, 1986. p. 10.
desenvolve um processo de adoção demorado e desgastante, tenhamos em
mente que a garantia de certos grupos de crianças estão sendo desprovidos,
estes grupos é que serão posteriormente vítimas do tráfico.

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da Criança e do Adolescente), o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de
1941 (Código de Processo Penal), a Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a Lei
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CAPÍTULO 18

CONSIDERAÇÕES SOBRE
O ATUAL CENÁRIO DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS DE
ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO
DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
NA MODALIDADE ADOÇÃO
ILEGAL

ALANA PATERNO GODOY


Advogada. Pós-graduanda em Direito Penal pela Escola Superior do
Ministério Público. Membro do projeto de pesquisa financiado pelo
MackPesquisa: “Pessoas Invisíveis”.

INTRODUÇÃO

A norma constitucional impõe ao Estado, à sociedade e a família o


dever de assegurar às crianças e aos adolescentes, com prioridade absoluta,
direitos básicos como, por exemplo, o acesso à educação e à convivência
familiar, assim como a obrigação de colocá-los a salvo de qualquer forma
de exploração e violência.
E é justamente a condição de desenvolvimento da criança e do
adolescente que impõe a necessidade de coordenação de diferentes sujeitos
ativos para garantia plena dos direitos destes.
Sendo assim, diante de sua prioridade absoluta, as ações estatais
deverão dar prioridade na formulação e na execução de políticas sociais
públicas preventivas e repressivas para a preservação dos direitos das crianças
e dos adolescentes. Trata-se de uma responsabilidade constitucional.
O Brasil iniciou o combate ao tráfico de pessoas, efetivamente, no ano
de 2004, quando aderiu ao Protocolo Adicional à Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção,
Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças,
conhecido como Protocolo de Palermo.
Desde então, o Brasil já adotou três Planos Nacionais de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, na qual, durante a execução
do segundo plano, sancionou a Lei nº 13.344/16, que teve como início
a Comissão Parlamentar de Inquérito nº 03/2011, a qual, a partir de
investigações, abrangeu as modalidades de tráfico de pessoas criando,
inclusive, a modalidade de adoção ilegal.
O Relatório Global sobre o Tráfico de Pessoas de 2018 do Escritório
das Nações Unidas contra a Droga e Crime (UNODC) aponta que o
número de crianças e adolescentes representa uma parcela significativa de
vítimas de tráfico de pessoas na América do Sul (37%)1.
Entre as diversas modalidades de tráfico de crianças e adolescentes,
existe a adoção ilegal que é a entrega direta da criança ou do adolescente
à pessoa interessada em adotar, sem a intervenção e o controle do Poder
Judiciário.
A adoção deve satisfazer a vários requisitos formais para que seja
realizada, sempre obedecendo o princípio do melhor interesse da criança e
adolescente, fato que não ocorre no tráfico de crianças e adolescentes por
meio da adoção ilegal, colocando em risco a integridade física e moral dos
mesmos.
Posto isso, verifica-se a real necessidade de que haja investimentos
e implementações de políticas públicas de enfrentamento ao tráfico de
crianças e adolescentes, diante da vulnerabilidade das vítimas.
Ainda, por se tratar de um crime de difícil apuração e de colhimento
de dados, se faz cada vez mais necessário o aprimoramento das políticas
públicas, a fim de combater este crime “invisível” perante a sociedade.
O presente artigo objetiva apresentar e discutir modelos teóricos que
auxiliem na compreensão do processo de formulação de políticas públicas,
assim como identificar o atual cenário de combate e prevenção ao crime de
tráfico de crianças e adolescentes, especificamente, na modalidade adoção
ilegal, desde o advento da Lei nº 13.344/16.
Posteriormente, serão realizadas considerações quanto ao atual
cenário de políticas públicas de enfrentamento ao tráfico de crianças e
adolescentes por meio da adoção ilegal.

1. UNITED NATION OFFICE ON DRUGS AND CRME. Global Report on Trafficking in


persons 2018. Disponível em: https://www.unodc.org/documents/lpobrazil//Topics_TIP/
Publicacoes/GLOTiP_2018_BOOK_web_small.pdf. Acesso em: 09 dez. 2019.
Ressalva-se que o presente artigo científico não tem pretensão de
esgotar a matéria e sim propor uma reflexão sobre o tema e formas que
possam viabilizar um maior combate ao crime em questão, por meio de
uma análise qualitativa e dedutiva do atual cenário de políticas públicas.

1 CONCEITO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Um período determinante na construção e desenvolvimento do


conceito de políticas públicas no Brasil foi a publicação da Constituição de
1988, que construiu mecanismos de maior atuação do Estado, tornando-os
mais complexos e eficientes.
Os países em desenvolvimento, como o Brasil, necessitavam de um
governo mais ativista no sentido de implementar ações coordenadas e
planejadas, a fim de diminuir o atraso no desenvolvimento e a desigualdade
social que pairava no país.
Posto isto, o Estado se viu obrigado a examinar como seriam
exercidos o poder político e as formas de aprimoramento da gestão pública.
Havia a necessidade de se relacionar tanto o domínio técnico com a prática.
Como Bucci2 afirma:
Numa sociedade em desenvolvimento, a inovação
governamental depende não apenas de inovações,
propriamente ditas, mas, em grande medida, da conjugação
dessas com melhorias incrementais, cujos resultados criem
condições de legitimação social e, com isso, permanência e
realimentação positiva do processo.
Assim, reflete-se a necessidade de conjugação de fatores de
implementação, resultando no fornecimento de meios que permitem que
haja o desenvolvimento de atividades estatais.
Portanto, políticas públicas3 nada mais são do que o resultado
de ações coordenadas pelo Estado, a fim de planejar atividades de baixa
institucionalidade em um determinado assunto.
Tendo em vista a interdisciplinaridade que o estudo de políticas
públicas carrega em si, sua visão de conceito poderá ser modificada de
acordo com o ramo de conhecimento que a esteja estudando, dificultando
que seja estabelecido um conceito único.
No âmbito legislativo, políticas públicas são a designação dos sistemas
legais com pretensão de vasta amplitude, os quais definem competências

2. BUCCI, Maria P. Dallari, Fundamentos para um Teoria Jurídica das Políticas Públicas, 1ª Edição, São
Paulo, Editora Saraiva, 2013, p. 35.
3. Ibidem, p. 35.
administrativas, estabelecem princípios, diretrizes e regras, assim como, em
determinados assuntos, impõem-se também objetivos e preveem resultados
específicos4. Também são conhecidas como normas gerais.
No âmbito das ciências políticas, chegou-se ao consenso de que
políticas públicas são os resultados de decisões governamentais, assim
como restou firmado que o conceito de políticas públicas sempre se referirá
às ações governamentais5.
Já no âmbito das ciências jurídicas examina-se que as políticas públicas
poderão ter distintos suportes legais, ou seja, desde um decreto à previsão
na Constituição Federal, cujo objetivo é fomentar a máquina do governo
visando a instituição de ordem pública ou, na visão estritamente jurídica,
concretizar um direito6.
Entende-se que as políticas públicas são meios para a efetivação de
direitos de cunho prestacional pelo Estado, a fim de que sejam reconhecidos
e assegurados os direitos em geral7.
Diferentemente das leis, as políticas públicas possuem objetivos
determinados, enquanto que, as leis caracterizam-se por serem genéricas.
Posto isso, podemos entender que políticas públicas concentram a
efetividade da atuação estatal em atingir determinado objetivo traçado pelo
Poder Executivo.

2 MECANISMOS DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS


PÚBLICAS

Para que ocorra a garantia dos deveres sociais será necessário que
haja a criação de leis, regulamentos e medidas públicas de promoção e
fortalecimento dos direitos sociais, mediante a criação de políticas públicas.
As políticas públicas estabelecerão diretrizes e a forma como ocorrerá
a ação do Poder Público. A literatura sobre implementação de políticas
públicas expõe dois grandes modelos de estudo de implementações de
políticas públicas.
O primeiro modelo enfatiza as estruturas normativas, reiterando que
políticas públicas são uma sequência de etapas distintas, individualizando
4. FONTE, Felipe M. Políticas Públicas e Direitos Fundamentais, 2ª Edição, São Paulo, Editora
Saraiva, 2015, p. 38.
5. BIRKLAND, Thomas A. An Introduction to the policy process, Editora: M.E. Sharpe, 2005, p.18
6. BUCCI. Maria Paula Dallari. O conceito jurídico de política pública em direito. In: BUCCI.
Maria Paula Dallari. (Org.). Políticas públicas: Reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva,
2006, p. 14.
7. FONTE, Felipe M. Políticas Públicas e Direitos Fundamentais, 2ª Edição, São Paulo, Editora
Saraiva, 2015, p. 48.
o papel da decisão e da operacionalização das políticas públicas. Os
formuladores de regras possuem grande importância no desenvolvimento
dos pilares das políticas públicas8.
O segundo modelo enfatiza os atores que atuam dentro da criação
de políticas públicas, assim como atrela o sucesso das ações estatais de
acordo com a participação efetiva dos agentes. Seus pontos principais
são: a influência dos formuladores de implementação e a existência da
preocupação de definir o que são resultados, buscando sempre simplificar
o modelo para que se consiga restringir e atingir metas específicas9.
Ambas abordagens relacionam o sucesso da implementação de
políticas públicas com as limitações materiais existentes, tendo em vista
que poderão desde beneficiar a prejudicar o processo de implementação
de políticas públicas como, por exemplo, as variáveis independentes que
poderão ser atreladas à gestão política e, inclusive, à gestão econômica.
As políticas públicas já nascem com a premissa de que há um
componente de ação estratégica, isto é, a existência de uma análise prévia
do atual contexto institucional para que assim seja projetado a aplicação das
medidas necessárias para o desenvolvimento positivo.
Outro ponto relevante na construção de políticas públicas trata-se
da discricionariedade que os governos eleitos gozam, uma vez que cabem
a estes definir o conteúdo e o momento de execução de uma política
pública10.
Uma forma de potencializar a criação de políticas públicas é a criação,
por meio de normas legais, de conselhos deliberativos, descentralizando a
atuação do Poder Executivo, possibilitando elevar o grau de legitimidade das
políticas públicas, bem como autorizar a destinação dos recursos públicos
em pontos específicos, garantindo maior eficiência na gestão11.
A partir da criação de conselhos deliberativos possibilita-se uma
atuação mais representativa, tendo em vista que permite que o cidadão
comum possa também atuar e exprimir suas críticas quanto à atuação do
governo em garantir os direitos fundamentais, assim como aproximará a
norma abstrata para a realidade atual.

8. LIMA, Luciana L., D’ASCENZI, Luciano. Implementação de Políticas Públicas: Perspectivas


Analíticas, Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 21, nº. 48. p. 102-103.
9. Ibidem, p. 103.104.
10. APPIO, Eduardo, Controle Judicial das Políticas Públicas no Brasil, 1ª Edição, Curitiba, Editora
Juruá, p.161.
11. Ibidem, p.165
Sua percepção acaba facilitando o entendimento do atual cenário e
possibilitando, com maior originalidade, a criação de novos mecanismos de
aprimoramento da gestão pública.
Outro fator importante para que a aplicação de uma política pública
se perfaça no decorrer do tempo e produza resultados cada vez mais
positivos é a necessidade de desvinculação da pessoa do governante. Maria
Paula Dallari Bucci12 utiliza o termo “institucionalizar” para caracterizar a
desvinculação, conforme segue trecho abaixo:
Pode-se definir o termo institucionalizar, no sentido da
ação governamental, como a iniciativa de estabelecer
um determinado padrão de organização - permanente
e impessoal, formalmente desvinculado da pessoa do
governante ou gestor que desencadeia a ação -, que atua
como fator de unidade de vários centros de competência
em articulação, visando à composição de distintos
interesses, meios e temporalidades, em função da ideia-
diretriz. Institucionalizar, a partir da teoria de Santi
Romano, é objetivar, isto é, construir uma instância, um
feixe de ações organizadas, que se descola da pessoa que o
instituiu e passa a ter vida própria. Além disso, é ordenar,
organizar segundo determinada combinação de conceitos e
diretrizes racionais.
Verifica-se a necessidade de desvinculação da pessoa do governante
ou gestor com as ações governamentais, pois é necessário que haja
contínua aplicação de uma política pública para que seja realmente atingida
determinada meta.
Inclusive, é primordial a “institucionalização” de uma política pública
quando se tratar de questões a longa data como, por exemplo, o combate
ao tráfico de pessoas.

3 A IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NAS


POLÍTICAS PÚBLICAS

A criação de políticas públicas caberá, em regra, ao Poder Executivo,


dentro dos limites definidos pelo Poder Legislativo. Ocorre que, o Poder
Judiciário também poderá fazer parte na criação de políticas públicas,
atuando de forma imprópria, desde que não haja invasão indevida na esfera
da atividade política do governo.

12. BUCCI, Maria Paula Dallari, Fundamentos para um Teoria Jurídica das Políticas Públicas, 1ª Edição,
São Paulo, Editora Saraiva, 2013, p. 236.
Tal atuação do Judiciário decorrerá de uma ausência de implementações
de ações governamentais pelo Poder Executivo. Trata-se de um movimento,
cuja finalidade é impedir procrastinação por parte do Estado13.
Este movimento já é amplamente adotado no âmbito dos direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos, onde há atuação preponderante
do Poder Judiciário, principalmente do Ministério Público, em assegurar
direitos constitucionalmente previstos.
Maria Paula Dallari Bucci já reitera a existência de um nexo de
causalidade entre a atuação do Judiciário e a existência de direitos a
serem tutelados. Portanto, verifica-se um ativismo judicial no sentido de
preservação de direitos, seja no caráter preventivo ou repressivo.
Um marco no entendimento de políticas públicas foi a decisão do
Ministro Celso de Mello na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental nº 45, em que expôs a gravidade da inércia governamental em
não adotar medidas necessárias à concretização de preceitos constitucionais.
Consequentemente, tal inércia estatal provoca grave ofensa aos
preceitos previstos na Constituição, assim como ofensa às garantias
asseguradas pela própria Constituição, devendo, nesse momento, ocorrer
um ativismo Judicial para que tais garantias e direitos fundamentais sejam
assegurados. Conforme o Ministro Celso de Mello14:
O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante
ação estatal quanto mediante inércia governamental. Se o
Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização
concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a
torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se,
em consequência, de cumprir o dever de prestação que a
Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do
texto constitucional. Desse non facere ou non praestare,
resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser
total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial,
quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder
Público.
Tal incumbência, no entanto, embora em bases
excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e
quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem
os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem,
vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia
e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos
impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados
de cláusulas revestidas de conteúdo programático.

13. Ibidem, p. 194.195.


14. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3401, Rel. Min. Gilmar Mendes. Julgado em
26abr.2006, Pleno, Brasília, DF, Diário de Justiça de 23 fev. 2007.
O controle judicial de uma política pública não ensejará
necessariamente seu sucesso, mas no momento em que se amplia o número
de agentes responsáveis pela sua formulação, aplicação e fiscalização, as
chances de efetividade se tornam maiores.
Pode se falar até então numa ampliação no poder de fiscalização.
Fábio Comparato15 já havia afirmado: “[...] A grande, senão única,
tarefa estatal consiste em propiciar, sob a égide de leis gerais, constantes e
uniformes, condições de segurança – física e jurídica – à vida individual.”
É necessário ressaltar a atuação do Poder Judiciário e de suas
instituições, a fim de promover maior segurança pública seja no âmbito
nacional, estadual e municipal, em cumprimento ao princípio da democracia
participativa.
A principal dificuldade no âmbito das políticas públicas relaciona-se à
criação de mecanismos que estabeleçam a estruturação de implementação,
seja por meio de mecanismos formais ou informais de mediação16.
Dessa forma, é necessário questionar se uma atuação mais ampla do
Poder Judiciário não facilitaria o desenvolvimento de novos mecanismos de
atuação e prevenção de determinados crimes que englobam difícil apuração
como, por exemplo, o tráfico de crianças e adolescentes por meio da adoção
ilegal que é temática deste artigo.
Um exemplo importante é o maior controle externo da atividade
policial pelo Ministério Público, no sentido de viabilizar o acompanhamento
e fiscalização dos atos investigatórios e a possibilidade de oferecer
treinamentos técnicos específicos como, por exemplo, na atuação de
combate ao crime e o fornecimento de apoio às vítimas de tráfico de
pessoas.
A segurança pública trata-se de um direito fundamental que também
deve ser prestado sob a ótica coletiva.

4 O SISTEMA DE GARANTIAS E DIREITOS DA CRIANÇA E DO


ADOLESCENTE

O Estatuto da Criança e do Adolescente reitera a necessidade de


proteção especial e prioritária para as crianças e adolescentes, uma vez que
se tratam de sujeitos de direito em desenvolvimento.

15. COMPARATO. Fábio K. Ensaio Sobre o Juízo de Constitucionalidade de políticas públicas. p. 43.
Disponível em: <https://www2.senado.leg.br> Acesso em: 05 nov. 2019
16. BUCCI, Maria P. Dallari, Fundamentos para um Teoria Jurídica das Políticas Públicas, 1ª Edição, São
Paulo, Editora Saraiva, 2013, p. 199
Posto isto, foi criado no Brasil o Sistema de Garantia de Direitos, cuja
finalidade é assegurar a proteção que o Estatuto da Criança e do Adolescente
consagra, mediante parceria entre o Poder Público e a sociedade civil17.
O sistema de Garantia de Direitos é formado por três eixos. O
primeiro eixo é a promoção de direitos que consiste na criação de serviços
e programas de políticas públicas, a fim de zelar pelos direitos das crianças
e adolescentes, mediante atuação dos ministérios do governo federal,
secretarias estaduais e municipais, Organizações Não Governamentais
(ONG)18.
O segundo eixo trata da defesa dos direitos, na qual busca pela cessação
das violações de direitos e responsabilização dos agentes responsáveis
pelas infrações. Este eixo é composto por Conselhos Tutelares, Ministério
Público Estadual e Federal, Judiciário, Defensorias Públicas, Órgãos da
Segurança Pública etc19.
O terceiro eixo é conhecido como controle social, na qual serão
realizados o monitoramento e a fiscalização das ações que visam resguardar
os direitos das crianças e adolescente. O controle será feito pelo Ministério
Público, Poder Legislativo, Defensorias Públicas, Conselhos Tutelares e
sociedade civil20.
A atuação se dará, em regra, por meio dos conselhos municipais,
no entanto, nada impede que haja a intervenção dos demais órgãos e
autoridades, tendo em vista que todos possuem o dever de buscar a plena
efetivação dos direitos infanto-juvenis.
Digiácomo21 explica a necessidade da corresponsabilidade entre os
órgãos, a fim de zelar pelo “Sistema de Garantias dos Direitos Infanto-
Juvenis”. Não existe o papel de uma “autoridade suprema”, mas uma
divisão igualmente importante para todos os órgãos, pois todos devem zelar
pela “proteção integral” de todas as crianças e adolescentes.
Já é sabido que tanto o Poder Judiciário, bem como o Ministério
público possuem a função comum de controle, ou seja, fiscalizar a atividade

17. FUNDAÇÃO ABRINQ. Caderno Legislativo da Criança e do Adolescente. Os Direitos das


Crianças e dos Adolescentes no Brasil, 1ª edição, São Paulo: 2019, p. 34. Disponível em: https://
observatoriocrianca.org.br/system/library_items/files/000/000/024/original/caderno_
legislativo_2019-internet.pdf ?1558563706. Acesso em: 12 nov. 2019
18. Ibidem, p. 34.
19. Ibidem, p. 35
20. Ibidem, p. 35.
21. DIGIÁCOMO, Murillo J. O sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente e o desafio do
trabalho em “rede”. Disponível em: http://www.mppr.mp.br/arquivos/File/Sistema_Garantias_
ECA_na_Escola.pdf. Acesso em: 14 nov. 2019.
dos demais Poderes, a fim de que sejam zeladas as garantias e direitos
previstos na Constituição22.
Portanto, novamente se reforça a ideia de ampliação de atuação, de
forma que haja um desempenho mais dinâmico e diligente por parte do
Poder Judiciário, assim como pelo Ministério Público para que ocorra o
efetivo combate aos crimes “invisíveis” perante a sociedade.

5 INSTRUMENTOS DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE


PESSOAS

Em 26 de outubro de 2006, sob a coordenação da Secretaria Nacional


de Justiça do Ministério da Justiça, da Secretaria de Direitos Humanos
(SDH) e da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), foi aprovada a
Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, consolidando
diretrizes e ações de prevenção, repressão, responsabilização criminal, assim
como ações visando atendimento às vítimas23.
A Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas
viabilizou a aprovação de três planos nacionais de enfrentamento ao tráfico
de pessoas, reiterando o compromisso de combater o tráfico de pessoas.
No ano de 2012 foi elaborada a Metodologia Integrada de Coleta e
Análise de Dados e Informações sobre Tráfico de Pessoas, na qual consistia
em um método dialogável e integrado de coleta e análise de dados sobre o
tráfico de pessoas, auxiliando na avaliação e monitoramento das políticas
públicas de enfrentamento que logravam na época.
Referido instrumento já reiterava a imprescindibilidade da integração
dos bancos de dados ou dos sistemas de informações existentes para que
ocorresse a produção de diagnósticos em escala nacional, a avaliação das
políticas públicas de enfrentamento, bem como a análise da legislação
vigente e sua eficácia diante do tempo e espaço vigente24.
Outro ponto de grande importância analisado nesse instrumento foi
a diretriz nove, pois a mesma já determinava a produção e encaminhamento
de relatórios por parte das instituições que compunham o grupo de trabalho,
22. APPIO, Eduardo. Controle Judicial das Políticas Públicas no Brasil, 1ª Edição, Curitiba, Editora
Juruá, 2012, p. 61
23. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E DA SEGURANÇA PÚBLICA, Políticas: Políticas Brasileiras.
Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/politica-
brasileira. Acesso em: 25 nov. 2019
24. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Metodologia Integrada de Coleta e Análise de Dados e Informações sobre
Tráfico de Pessoas, 2012, p. 12/13. Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/
trafico-de-pessoas/politica-brasileira/anexos_metodologia/2-metodologia-integrada-de-
coleta-de-dados-e-analise-de-dados-e-informacoes-sobre-trafico-de-pes.pdf. Acesso em: 24
nov. 2019.
de forma anual, a fim de que fossem reunidos os dados e informações sobre
o crime de tráfico de pessoas25.
No decorrer da vigência do II Plano Nacional de Enfrentamento ao
Tráfico de Pessoas, no ano de 2016, foi introduzida a Lei nº 13.344/1626,
que estabeleceu novas modalidades de tráfico de pessoa, criminalizando
condutas como, por exemplo, a adoção ilegal.
Já no dia 28 de maio de 2018, foi realizada a 8ª Reunião Ordinária do
Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – Conatrap27,
a qual a partir da leitura da ata desta reunião verificou-se o engajamento em
atuar, de forma primordial, no projeto Global Action to Prevent and Address
Trafficking in Persons and the Smuggling of Migrants (GLO.ACT), cujo projeto é
responsável em financiar grande parte das atividades de enfrentamento ao
tráfico de pessoas.
O projeto GLO.ACT consiste na parceria entre a Organização
Internacional para as Migrações (OIM) com o Fundo das Nações Unidas
para a Infância (UNICEF), a fim de desenvolver e implementar respostas
abrangentes ao combate ao tráfico nacional e ao contrabando. O projeto
atua em 13 países e, entre esses está o Brasil, adotando-se uma abordagem
de prevenção, proteção, acusação e parceria, que inclui seis respostas
principais vinculadas a seis objetivos do projeto28.
Também foi apresentado na reunião o processo de construção do III
Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, na qual um dos
temas mais suscitados foi a necessidade da articulação nos três níveis de
Governo, especialmente atuando nas fronteiras, assim como a necessidade
de fortalecimento das redes de Núcleos e Postos29.

25. Ibidem, p. 22
26. BRASIL. Lei nº 13.344, de 06 de outubro de 2016. Dispõe sobre prevenção e repressão ao tráfico
interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13344.htm. Acesso em:
15 nov. 2019.
27. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E DA SEGURANÇA PÚBLICA, 8ª Reunião Ordinária do
CONATRAP. 28 e 29 de maio de 2018. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Disponível
em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/politica-brasileira/anexos_
contrap/atas-conatrap/ata-8-reuniao-conatrap.pdf. Acesso em: 25 nov. 2019
28. ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DROGAS E CRIME. GLO.ACT supports
the elaboration and launch of the 3 rd National Action Plan against Trafficking in Persons. Disponível
em: https://www.unodc.org/unodc/en/human-trafficking/glo-act/glo-act-supports-the-
elaboration-and-launch-of-the-3rd-national-action-plan-against-trafficking-in-persons.html.
Acesso em: 22 nov. 2019.
29. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E DA SEGURANÇA PÚBLICA, 8ª Reunião Ordinária do
CONATRAP. 28 e 29 de maio de 2018. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Disponível
em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/politica-brasileira/anexos_
contrap/atas-conatrap/ata-8-reuniao-conatrap.pdf. Acesso em: 25 de nov. 2019
Durante a reunião, foi apontado o mapa da Rede Nacional dos
Núcleos e Postos de Atendimento, na qual contam com dezessete núcleos
instalados, em dezesseis Estados, cujo objetivo é propiciar o diálogo e a
articulação em políticas locais e nacionais, integrando o combate ao tráfico
de pessoas nas três esferas de poder e de governo30.
Os Núcleos são responsáveis em criar políticas no âmbito estadual,
assim como atuam na articulação de órgãos públicos e entidades civis que
visam o enfrentamento ao tráfico de pessoas. São responsáveis também
em fornecer suporte às Polícias Federal e Civil, mediante fornecimento de
informações. Possuem competência para o desenvolvimento de pesquisas,
bem como na formação e capacitação de agentes e órgãos contra o tráfico
de pessoas31.
Os Postos, por outro lado, atuam como espaços de circulação de
migrantes, desde para o migrante deportado ou não admitido no país de
destino até a pessoas identificadas como vítimas de tráfico ou aquelas que
apresentem indícios de serem vítimas de tráfico de pessoas. Os Postos estão
situados nos aeroportos, portos e rodoviárias32.
No site do Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo
federal estão disponibilizados os relatórios semestrais da Rede de Núcleos
de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP).
O relatório do Estado de São Paulo referente ao período de 01
de julho de 2018 a 31 de dezembro de 2018 descreve que não houve
nenhum orçamento previsto ou executado no plano plurianual. Outro
fato importante que foi encontrado no relatório trata-se da periodicidade
mensal das reuniões do Comitê Estadual, sendo que não foi disponibilizada
nenhuma ata sobre as reuniões e discussões do referido tema33.
Ainda, informa que há monitoramento da execução das ações do
Plano, porém não foi indicada a forma como a mesma é a realizada ou a
instituição responsável em fiscalizar as execuções das ações do Plano34.

30. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA, Carta da Rede Nacional de Núcleos


de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Postos Avançados de Atendimento Humanizado ao Migrante.
Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/redes-de-
enfrentamento/anexos/carta-da-rede-versao-final.pdf. Acesso em: 25 de nov. 2019.
31. TERESE, Verônica M., HEALY, Claire, Guia de referência para a rede de enfrentamento ao tráfico de
pessoas no Brasil, Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Justiça, 2012. Disponível
em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/anexos/
cartilhaguiareferencia.pdf. Acesso em: 22 de nov. 2019.
32. Ibidem
33. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. 10º Relatório da Rede, 2019.
Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/redes-de-
enfrentamento/10o-relatorio-da-rede. Acesso em: 12 nov. 2019
34. Ibidem.
A partir das informações disponibilizadas no site verifica-se a ausência
de descrição das ações e fiscalizações do Plano Estadual de São Paulo,
sendo que, no decreto nº 62.293/1635 estabelece que o Plano Estadual
de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Estado de São Paulo deverá
estimular a realização de estudos e diagnósticos, assim como viabilizar ações
de inclusão do Plano nas leis orçamentárias.
Maria Paula Dallari Bucci36 reitera que o alcance de uma política
pública é, necessariamente, supraindividual, ou seja, alcançará uma
coletividade determinada, com demandas e expectativas comuns.
Outro fato importante é a existência do Relatório Anual Norte
Americano Trafficking in Persons Report37, o qual disponibiliza informações
sobre os esforços, recursos e deficiências nacionais quanto ao enfrentamento
ao tráfico de pessoas, assim como avalia o cenário de enfrentamento ao
tráfico de pessoas de diversos países como, por exemplo, o Brasil.
O relatório norte americano enfatiza a necessidade de que os governos
estejam engajados na causa de combate ao tráfico de pessoas, assim como
estabelece diretrizes para que haja um efetivo combate.
Entre as medidas de combate está a necessidade de uma equipe
dedicada, com conhecimento avançados, e focada em investigar e processar
casos de tráfico de pessoas, assim como a necessidade de construção de fortes
parcerias anti-tráfico, tanto dentro do sistema da justiça criminal, bem como
parcerias entre autoridades governamentais e não governamentais. Outra
medida é o estabelecimento de programas de treinamento abrangentes, cujo
treinamento será especializado em identificação, investigação e repressão de
casos de tráfico, inclusive para policiais, patrulhas de fronteira, promotores,
juízes, agências governamentais e assistentes sociais38.
Entre a avaliação de diversos países está também ao do Brasil que
foi determinado como integrante do grupo Tier 2, ou seja, são os países
que não cumprem totalmente os padrões exigidos de combate ao tráfico
de pessoas, mas estão engajados em esforços importantes de combate ao
tráfico39.
35. BRASI. Decreto nº 62.293/16. Aprova o Plano Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no
Estado de S.Paulo, em consonância com o Decreto nº 54.101, de 2009, alterado pelo Decreto nº 60.047,
de 2014. Disponibilizado em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2016/
decreto-62293-06.12.2016.html. Acesso em: 26 nov. 2019.
36. BUCCI, Maria Paula Dallari. Quadro de referência de uma política pública: primeiras linhas de uma visão
jurídico-institucional. In: O direito na fronteira das políticas públicas[S.l: s.n.], 2015, p. 07.
37. DEPARTMENT OF STATES: UNITED STATES OF AMERICA. Traffickin in Persons Report.
June 2019. Disponível em: https://www.state.gov/wp-content/uploads/2019/06/2019-
Trafficking-in-Persons-Report.pdf. Acesso em: 04 dez. 2019.
38. Ibidem, p. 21.
39. Ibidem, p. 48.
A partir da análise da atual gestão de combate ao tráfico de pessoas,
o relatório norte americano concluiu que o Brasil precisa melhorar diversos
pontos, mas principalmente no aprimoramento da cooperação e da
comunicação entre a polícia federal e as entidades estaduais e municipais,
assim como a ausência de financiamento, conhecimento e equipe suficientes
para investigar o tráfico nas unidades de aplicação da lei em todos os níveis.
Outro ponto importante abordado no relatório foi a não atuação por
parte do Governo Federal do Brasil em financiar abrigos especializados ou
de longo prazo para vítimas de tráfico, e os serviços e abrigos gerais para
vítimas variavam em qualidade de estado para estado.

6 O ATUAL CENÁRIO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE


ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES

Segundo o balanço anual do Disque Direitos Humanos, a partir do


início até a metade do ano de 2019 apurou-se que o tráfico interno para fins
de adoção ilegal representou 7,5% de 170 casos concretos40.
Justamente pelo fato de ser um crime articulado e de difícil apuração
e mediação requer que sejam fornecidos meios de articulação suficientes
para que haja o efetivo combate e repressão ao crime.
Apesar do número de caso concretos não significar uma elevada
quantidade, convém ressaltar que, na maioria dos casos, não se consegue
alcançar a real proporção do número de casos de tráfico de pessoas, pois se
trata de um crime “invisível”.
Ressalta-se, ainda mais, a dificuldade em apuração quando se trata de
modalidade de adoção ilegal, cujo crime ocorre, na maioria das vezes, no
clandestino.
Este foi um ponto que se sobressaiu nessa pesquisa, pois não foram
encontrados dados suficientes e atualizados sobre o tráfico de crianças e
adolescentes na modalidade de adoção ilegal41.

40. Dados fornecidos pelo MMFDH – Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos a partir
do Disque 100, em agosto de 2019.
41. Ressalta-se que foram feitas pesquisas sobre o atual cenário de políticas públicas de
enfrentamento ao tráfico de crianças e adolescentes por meio da adoção ilegal a partir da leitura
e interpretação de documentos e planos governamentais, disponibilizados nos endereços
eletrônicos de cada órgão, assim como pela utilização da lei de transparência, concluindo-se
que, apesar de inúmeras diretrizes bem desenvolvidas, há uma enorme lacuna na aplicação dos
programas de políticas públicas de enfrentamento pelo gestor público. Outrossim, reafirma-se
que não foram feitas pesquisas jurisprudenciais.
Grande parte dos relatórios, seja de postos de atendimento ou até
então o III Plano Anual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, demonstra
inúmeras diretrizes capazes de combaterem o crime em questão, no entanto,
não são capazes de demonstrar a aplicação concreta em conformidade com
a atual gestão, seja política, administrativa ou financeira, dificultando a
aplicação de fato.
Outro fator importante foi a análise do Relatório Anual Norte
Americano Trafficking in Persons Report que deixou mais transparente que
as políticas de combate ao tráfico de pessoas no Brasil possuem diversos
pontos a serem melhorados.
O tráfico de crianças e adolescentes requer que exista uma ação
articulada entre diferentes políticas públicas, a fim de que seja erradicado o
crime.
Atualmente está tramitando o projeto de lei nº 1.882/1942, de autoria
do Deputado José Medeiros, cujo objetivo é modificar a Lei nº 8.069, de
13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, para prever o
confisco e a destinação de bens utilizados nos crimes de tráfico de criança
ou adolescente ou contra a liberdade e dignidade sexual de criança ou
adolescente.
Entre outras mudanças, a proposta legislativa estabelece que
parcela dos valores arrecadados sejam destinados a indenizar as vítimas
dos respectivos crimes, bem como suas famílias, criando-se uma punição
pecuniária àqueles que cometem o crime de tráfico de criança ou adolescente.
Apesar do problema de enfrentamento ao tráfico de crianças e
adolescentes no cenário atual consistir na imprecisão de aplicação de
políticas públicas, o engajamento do Poder Legislativo fornecerá uma
base mais forte para o combate ao crime, como também fortalece o canal
de comunicação entre os que detêm o poder político e os governados,
tornando efetiva a participação da sociedade como um todo.
Outro programa de grande importância no cenário atual é o Programa
Criança Feliz43 que, apesar de não haver interligação direta com o combate
ao tráfico de pessoas na modalidade adoção ilegal, tem como público
famílias de gestantes e crianças de até 03 anos de idade beneficiárias do
Programa Bolsa Família, assim como famílias de crianças com deficiência
42. BRASIL, Projeto de Lei nº 1.882/19. Dispõe sobre o confisco e a destinação de bens utilizados
nos crimes de tráfico de criança ou adolescente ou contra a liberdade e dignidade sexual de
criança ou adolescente que especifica. Disponível em: https://www.camara.leg.br. Acesso em:
12 de novembro de 2019
43. MINISTÉRIO DA CIDADANIA, Manual do Pesquisador: Programa Criança Feliz, 1ª Edição,
Brasília, 2018, p. 19. Disponível em: <https://aplicacoes.mds.gov.br>. Acesso em: 28 nov.
2019.
de até 06 anos atendidas pelo Benefício de Prestação Continuada (BPB/
LOAS) e de crianças de até 6 anos em serviços de acolhimento institucional,
focado no desenvolvimento integral da primeira infância.
Este programa foi instituído pelo Decreto nº 8.869, de 05 de outubro
de 2016, que posteriormente foi revogado pelo Decreto nº 9.57944, de
22 de novembro de 2018, cujas diretrizes se baseiam na formulação e a
implementação de políticas públicas voltadas para a primeira infância.
O Programa Criança Feliz auxilia, em regra, famílias hipossuficientes
com crianças de até seis anos de idade, principais vítimas do tráfico de
crianças e adolescentes na modalidade adoção ilegal.
Conforme já dito, o tráfico de crianças e adolescentes na modalidade
adoção ilegal atinge, na maioria das vezes, famílias de baixa renda e,
consequentemente, pessoas que são mais facilmente ludibriadas ou que
estão em situação de vulnerabilidade financeira.
Essa característica é importante, pois é necessário avaliar que os
programas de políticas públicas devem se orientar pelo ponto de partida da
natureza real e intersetorial do assunto que está sendo avaliado que neste
caso é, principalmente, a desigualdade social.
A utilização deste programa auxiliará de forma preventiva no combate
ao tráfico de crianças e adolescentes, pois o escopo deste projeto é auxiliar as
camadas mais pobres, principalmente a primeira infância, fornecendo apoio
de agentes públicos capacitados, com o objetivo de fortalecer os vínculos
familiares, assim como disponibilizar o acesso à serviços públicos que antes
eram de difícil acesso ou até inacessíveis à esta camada da sociedade.
Outra diretriz desse programa trata-se da integração, ampliação e
fortalecimento das ações de políticas públicas voltadas às gestantes, crianças
na primeira infância e suas famílias45.
Portanto, devemos perceber que ao criar uma política pública de
assistência social voltada a famílias hipossuficientes e, principalmente,
gestantes, estamos também combatendo o tráfico de crianças e adolescentes
por meio da adoção ilegal.

44. BRASIL, Decreto nº 9.579, de 22 de novembro de 2018. Dispõe sobre a temática do lactente, da
criança e do adolescente e do aprendiz, e sobre o Conselho Nacional dos Direitos da Criança
e do Adolescente, o Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente e os programas federais
da criança e do adolescente, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br>. Acesso em: 10 dez. 2019.
45. MINISTÉRIO DA CIDADANIA, Manual do Pesquisador: Programa Criança Feliz, 1ª Edição,
Brasília, 2018, p. 19. Disponível em: <https://aplicacoes.mds.gov.br>. Acesso em: 28 nov.
2019.
Importante salientar que não foi encontrado nenhum programa
voltado especificamente ao combate de tráfico de crianças e adolescentes
por meio da adoção ilegal.

7 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ATUAL GESTÃO DE POLÍTICAS


PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE CRIANÇAS
E ADOLESCENTES NA MODALIDADE ADOÇÃO ILEGAL NO
BRASIL

Para que ocorra a criação de políticas públicas de enfrentamento ao


tráfico de pessoas é necessário que haja dados ou informações que serão
base para a construção de programas específicos de prevenção, proteção e
assistência às vítimas.
Os dados são essenciais para a formulação de políticas públicas,
tendo em vista que proporcionam uma visão mais clara dos fenômenos,
permitindo, consequentemente, uma compreensão melhor sobre a realidade
e os desafios que devem ser vencidos.
Embora sejam crescentes os estudos sobre o tráfico de pessoas e,
inclusive, na modalidade adoção ilegal, ainda precisam avançar os estudos,
assim como há a necessidade de criação de maior número de instrumentos
de captação de dados sobre a realidade do crime.
Diante da insuficiência de dados será feita uma abordagem qualitativa
e dedutiva, na qual serão considerados o cenário institucional e os atuais
projetos existentes.
Verifica-se que, desde a década de 1980, o Brasil já aderia a alguns dos
principais tratados de proteção de direitos humanos como, por exemplo
a Convenção sobre os Direitos da Criança, assim como a Declaração
Universal de Direitos Humanos.
Logo, no ano de 1990, foi instituído o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) que passa a reconhecer as crianças e adolescentes
como sujeitos de direito com prioridade absoluta no conjunto de políticas
públicas.
Tal fato é de suma importância, pois reitera que deve haver a
destinação privilegiada de recursos para as áreas de proteção de crianças e
adolescentes, conforme o artigo 4º, parágrafo único, alínea “c”, do ECA46.

46. BRASIL, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/l8069.htm. Acesso em: 04 nov. 2019.
Outro marco se dá na Lei nº 13.344/16, que trouxe a tipificação
de novas modalidades de tráfico de pessoas, a qual, inclusive, trouxe a
modalidade adoção ilegal.
Portanto, verifica-se que há instrumentos normativos suficientes no
sentido de embasar os direitos das crianças e adolescentes, assim como
criminalizar condutas que venham a subtrair seus direitos como, por
exemplo, o tráfico de crianças e adolescentes na modalidade adoção ilegal,
o qual retira o direito ao afeto da criança e do adolescente de sua família de
origem.
A legislação por si só não trará o efetivo combate ao tráfico de
crianças e adolescentes, mas sua aplicação em conjunto com a dedicação
dos gestores de políticas públicas e manutenção de recursos resultará em
uma rede de combate eficaz.
Quanto aos agentes que integram a rede de enfrentamento ao tráfico
de pessoas, há uma atuação preponderante de organizações sem fins
lucrativos, assim como instituições no campo do Poder Judiciário que atuam
no sentido de fiscalizar e garantir os direitos das crianças e dos adolescentes.
Ainda, de suma importância, para que haja cada vez mais eficácia
no combate ao tráfico de pessoas será necessário grande investimento
nas redes de enfrentamento de regiões locais, pois, diante de sua atuação
restrita, há maiores chances de colheita de dados, assim como uma maior
participação da sociedade civil.
A participação da sociedade civil é necessária, pois irá refletir maiores
chances de uma política pública participativa e com indicadores mais
próximos da realidade.
Já é visível que o crime de tráfico de crianças e adolescentes ocorre
em maior proporção nos países com Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) mais baixo, pois é aonde se concentram os maiores níveis de pobreza
e exclusão social47.
Fatores como a desigualdade social, a extrema pobreza e a falta de
oportunidades de trabalho criam condições de vulnerabilidade tornando
possível que as pessoas inseridas nesse meio social possam se tornar vítimas
de tráfico.
Dessa forma, diante de tal assertiva, é necessário que sejam
encaminhados programas de atendimento em que se concentram as famílias
de baixa renda como, por exemplo, foi observado no Programa Criança
Feliz.

47. ARONOWITS, Alexis A. Human Trafficking. 1. Ed. Santa Barbara, Califórnia, Denver,
Colorado: Editora AB-CLIO, 2017, p. 14.
O mapeamento de locais mais vulneráveis deverá dialogar com
outros programas, a fim de delimitar a atuação preventiva e potencializar o
seu sucesso.
Um exemplo é o uso da Plataforma dos Centros Urbanos48, na qual
dispõe sobre a porcentagem de mães adolescentes no Município de São
Paulo.
A Plataforma dos Centros Urbanos, a partir de dados quantitativos,
delimitou que em Grajaú há uma maior porcentagem de mães adolescentes49,
portanto, é necessário que haja maiores investimento nessa região, a fim
de que sejam encaminhados agentes capacitados, assim como fornecer
subsídios para que seja dado uma infraestrutura hospitalar melhor, bem
como que ocorra maiores investimentos no âmbito da assistência social.
A construção de Centros de Referência de Assistência Social (CRAS)
em tais regiões é uma forma de prevenir a ocorrência de situações de
vulnerabilidade das famílias, pois atuam no sentido de fortalecer os vínculos
familiares e comunitários, assim como garantem que todos tenham acesso
aos direitos de cidadania50.
Outra questão relevante reside na garantia que todas as maternidades
ofertem o registro de nascimento, assim como o auxílio direto à gestante, a
fim de evitar ao máximo ocorrências de “adoção à brasileira”.
A “adoção à brasileira” ocorre quando o registro da criança ou do
adolescente é feito em nome de pessoas que não seus pais biológicos,
desrespeitando os trâmites legais do procedimento de adoção51.
Uma das práticas mais comuns de “adoção à brasileira” trata-se de
mulheres e adolescentes grávidas, das quais desprovidas de auxílio afetivo e
financeiro, optam por realizar a “adoção à brasileira”52.
Posto isto, é necessário o engajamento na criação de medidas de
propagação de informação em locais onde estão mais expostas as possíveis

48. PREFEITURA DE SÃO PAULO, Plataforma dos Centros Urbanos: Dialógo Direitos Sexuais e
Direitos Reprodutivos, 2018. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br. Acesso em: 15
nov. 2019.
49. Ibidem
50. CIDADE DE SÃO PAULO, Centro de Referência de Assistência Social. Disponível em: https://
www.prefeitura.sp.gov.br. Acesso em: 02 dez. 2019
51. AMB – ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS – RS: Adoção passo a passo:
mude um destino. Disponível em: http://www.mp.rs.gov.br/areas/infancia/arquivos/
adocaopassoapasso.pdf. Acesso em: 09 dez. 2019.
52. GODOY, Alana P. A invisibilidade do tráfico de crianças e adolescentes por meio da adoção
ilegal. In: SMANIO, Gianpaolo P., PINTO, Felipe Chiarello de S., ATCHABAHIAN, Ana
Cláudia Ruy Cardia, JUNQUEIRA, Michelle Asato, ANDREUCCI, Ana Cláudia P. Torezan
(Orgs). MULHERES INVISÍVEIS: panorama internacional e realidade brasileira do tráfico
transnacional de mulheres, Curitiba: Editora CRV, 2018, p. 94.
vítimas como, por exemplo, maternidades e hospitais públicos, se utilizando
de uma linguagem mais simples e menos coloquial para que alcance todos e
que todos possam ser agentes de enfrentamento ao tráfico.
Outra diretriz necessária é que ocorra um acréscimo nos meios de
difusão de informações sobre como ocorre o crime, desde que realizados
em locais estratégicos.
A parceria entre a organização Childhood Brasil e a rede Atlantica
Hotels trata-se de um exemplo de difusão e acesso à informação de forma
eficaz e simples.
A organização Childhood Brasil atua no combate à exploração sexual
de crianças e adolescentes, que também se trata de uma modalidade de
tráfico de crianças e adolescentes.
O tráfico de crianças e adolescentes por meio da exploração sexual
consiste na objetificação da criança ou do adolescente em atividades sexuais
remuneradas, como a exploração no comércio do sexo, a pornografia infantil
e qualquer outra forma de atividade erótica que provoque proximidade
físico-sexual entre a vítima e o explorador53.
Por meio desta parceria, no ano de 2018, foi realizada a campanha “É
legal Hospedar, É Legal Proteger”, na qual a rede hoteleira Atlantica Hotels
divulgou a causa aos seus hóspedes com objetivo de torná-los agentes de
proteção de crianças e adolescentes54.
Tal atuação propiciou novas parcerias e projetos que fizeram com
que houvesse uma maior participação de empreendimentos em causas
protetivas envolvendo crianças e adolescentes. Além disso, este projeto
propiciou a atuação direta da sociedade civil.
Uma forma de incentivar a publicização dos locais de enfrentamento
e atendimento às vítimas de tráfico de pessoas, será desde à disponibilização
de panfletos em lugares públicos, assim como a disponibilização e utilização
dos Mapas Estratégicos para Políticas de Cidadania (MOPS).
Os Mapas Estratégicos para Políticas de Cidadania55 são um portal de
acesso livre que disponibiliza informações de serviços, equipamentos públicos
e programa sociais identificados em municípios, microrregiões e estados no

53. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Exploração sexual e tráfico de mulheres


e crianças: Uma violação de direitos, Brasília: 2011. Disponível em: http://www.cfess.org.br/
arquivos/cfessmanifesta2011_traficocriancas_site_revisado.pdf. Acesso em: 09 dez. 2019.
54. CHILDHOOD BRASIL. Childhood pela proteção da infância: relatório de atividades 2018. [s. l.],
9 out. 2019. Disponível em: https://www.childhood.org.br/relatorios/Childhood_RA_2018.
pdf. Acesso em: 10 nov. 2019.
55. MINISTÉRIO DA CIDADANIA. Mapas Estratégicos para Políticas de Cidadania. Disponível em:
https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/mops/. Acesso em 02 dez. 2019.
país. Tal ferramenta se utiliza de uma tecnologia de georreferenciamento
dos equipamentos públicos, aliada ao georreferenciamento do público do
Cadastro Único para Programas Sociais.
Além de auxiliar a população em localizar o serviço mais próximo de
sua casa, também auxiliará os gestores de políticas públicas, pois permite
o mapeamento de locais onde há atendimento à vítima e familiares, bem
como locais onde ocorre a colheita de dados.
Da mesma forma, o Programa Criança Feliz irá promover
preponderantemente o contato de agentes capacitados com gestantes e
crianças da primeira infância, facilitando o fortalecimento dos vínculos
familiares. Deve haver um diálogo dinâmico entre os Conselhos Nacionais
de Assistência Social, dos Direitos da Criança e do Adolescente com o
Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
Outrossim, também será necessário prover maior credibilidade
às instituições de segurança pública e justiça criminal, uma vez que a
probabilidade de uma vítima ou até mesmo um parente notificar uma
situação vulnerável será maior quando a mesma depositar confiança nas
instituições.
Tal fato já foi comprovado nos países desenvolvidos, em que a taxa
de notificação, em torno de 70%, era maior nas instituições, cuja sociedade
depositava maior credibilidade, enquanto que, a taxa de notificação
nos países em desenvolvimento, onde as instituições possuem menor
credibilidade perante a sociedade, era em torno de 30%56.
Por último, existe a necessidade do fortalecimento das redes de
Núcleos e Postos, uma vez que as mesmas atuam de forma local, viabilizando
um maior contato com a sociedade civil de forma contínua e permanente.
O problema não é apenas aumentar o número das redes de Núcleos e
Postos, mas também exercer uma fiscalização maior em seu funcionamento,
pois verificou-se que sequer havia sido previsto orçamento ou executado no
plano plurianual no relatório do Estado de São Paulo.
As políticas públicas poderão ser cumpridas de duas maneiras. A
primeira consiste na execução de trabalho, enquanto que, a segunda consiste
no repasse de recursos pelo Governo Federal para outros agentes como,
por exemplo, os governos municipais.

56. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Metodologia Integrada de Coleta e Análise de Dados e Informações sobre
Tráfico de Pessoas, 2012, p. 10. Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-
de-pessoas/politica-brasileira/anexos_metodologia/2-metodologia-integrada-de-coleta-de-
dados-e-analise-de-dados-e-informacoes-sobre-trafico-de-pes.pdf. Acesso em 24 nov. 2019.
De acordo com o Portal da Transparência57, no ano de 2019, a
Administração Pública Municipal recebeu uma quantia superior a 100
bilhões de orçamento público, expondo que houve transferência de fundos
aos Governos Municipais, apesar de não ter sido encontrado qualquer
garantia que algum recurso fosse destinado aos Postos de Atendimento.
Portanto, tal análise só reforça a ideia de uma maior implementação
de fiscalização, principalmente no âmbito financeiro, sobre a rede de
enfrentamento de tráfico de crianças e adolescentes.
É necessário que haja o detalhamento sobre os recursos investidos
diretamente na rede de enfrentamento ao tráfico, a fim de facilitar a divisão
de tarefas que serão exercidas pelos agentes públicos organizações públicas
e privadas.
Para que isso ocorra, será também necessária a análise mais minuciosa
das políticas públicas existentes, o que poderia ser feito por meio do quadro
de referências de Maria Paula Dallari Bucci.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tanto as crianças e os adolescentes possuem direitos e garantias


legalmente reconhecidas, com a finalidade de propiciar o desenvolvimento
pleno de suas capacidades, assim como o direito de ter uma vida saudável.
As políticas públicas serão direcionadas de forma prioritária à essa
camada da sociedade, seja por meio de criação de novos programas ou a
utilização dos existentes de forma continuada e permanente, sempre visando
a sua potencialização em garantir os direitos previstos na Constituição
Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
O tráfico de crianças e adolescentes na modalidade adoção ilegal
configura uma das maiores atrocidades aos direitos da criança e do
adolescente, pois fere o direito de estar no núcleo de sua família de origem.
Apesar do cenário atual de enfrentamento ao tráfico de crianças e
adolescentes na modalidade adoção ilegal não possuir projetos específicos
ou dados suficientes que auxiliem na criação de políticas públicas, existem
inúmeros projetos de cunho social que visam atender garantias desta camada
da sociedade, principalmente da primeira infância (0-3 anos).
Uma das melhores formas de deter a expansão deste crime
é fortalecendo as bases familiares, assim como lhes fornecendo

57. PORTAL DA TRANSPARÊNCIA, Detalhamento de recursos transferidos por UF e Municípios.


Disponível em: http://www.portaltransparencia.gov.br. Acesso em: 05 dez. 2019
subsídiossuficientes para que não permaneçam excluídos da sociedade e
que tenham capacidade de ter uma vida digna.
A existência de serviços básicos por si só não assegurará o acesso
universal, mas a figura do gestor de políticas públicas fornecerá políticas
preventivas de atuação ao crime organizado, fortalecendo a camada social
pobre e lhe dando oportunidades que antes não a detinham.
Posto isto, a partir da colheita de dados por meio de uma rede de
enfrentamento mais fortalecida e mapeada, poderá ocorrer a atuação
preventiva mais articulada, no sentido de implementar ações repressivas em
locais determinados.
Faz-se necessário também isolar as políticas públicas ligadas
ao público infanto-juvenil do governo gestor, uma vez que, diante da
prioridade absoluta, é necessário que sejam fornecidos meios permanentes
e continuados de aplicação, sem que esteja atrelado às políticas de um
governo ou à figura de um político específico.
Para que sejam atingidas tais metas, a produção de dados sobre a
realidade não pode ser serviço apenas de instâncias externas, mas deve ser
um trabalho permanente dos órgãos públicos que atuam cotidianamente
no enfrentamento ao tráfico de pessoas, principalmente quando envolvem
crianças e adolescentes.
É certo que o crime de tráfico de crianças e adolescentes na
modalidade adoção ilegal é um crime complexo e que envolve organizações
criminosas articuladas, mas o Estado brasileiro começa a trilhar seu papel
de Estado garantidor de segurança pública, por meio das políticas públicas
apresentadas.
Contudo, seria necessário que fosse feito um estudo mais aprofundado
e a partir do quadro de referências de Maria Paula Dallari Bucci para
avaliar concretamente a eficácia e efetividade das políticas públicas de
enfrentamento ao tráfico de crianças e adolescentes por meio da adoção
ilegal.

REFERÊNCIAS

AMB – ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS – RS:


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criança e do adolescente, e dá outras providências. Disponível em: http://
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www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 04 nov. 2019
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e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de
atenção às vítimas. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Ato2015-2018/2016/Lei/L13344.htm. Acesso em: 15 nov. 2019.
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da Rede, 2019. Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/
trafico-de-pessoas/redes-de-enfrentamento/10o-relatorio-da-rede. Acesso
em: 12 nov. 2019.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Metodologia Integrada de Coleta e Análise
de Dados e Informações sobre Tráfico de Pessoas, 2012, Disponível em:
https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/politica-
brasileira/anexos_metodologia/2-metodologia-integrada-de-coleta-de-
dados-e-analise-de-dados-e-informacoes-sobre-trafico-de-pes.pdf. Acesso
em: 24 nov. 2019.
PORTAL DA TRANSPARÊNCIA, Detalhamento de recursos transferidos
por UF e Municípios. Disponível em: http://www.portaltransparencia.gov.
br. Acesso em: 05 dez. 2019.
PREFEITURA DE SÃO PAULO, Plataforma dos Centros Urbanos:
Dialógo Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, 2018, Disponível em:
https://www.prefeitura.sp.gov.br. Acesso em: 15 nov. 2019.
TERESE, Verônica M., HEALY, Claire, Guia de referência para a rede
de enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil, Brasília: Ministério da
Justiça, Secretaria Nacional de Justiça, 2012. Disponível em: https://www.
justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/anexos/
cartilhaguiareferencia.pdf. Acesso em: 22 nov. 2019.
UNITED NATION OFFICE ON DRUGS AND CRME. Global Report
on Trafficking in persons 2018. Disponível em: https://www.unodc.
org/documents/lpobrazil//Topics_TIP/Publicacoes/GLOTiP_2018_
BOOK_web_small.pdf. Acesso em: 09 dez. 2019.
CAPÍTULO 19

AONDE ESTÁ VOCÊ AGORA?


“MÃES DA SÉ” NOS ENCONTROS
E DESENCONTROS POR
CRIANÇAS DESAPARECIDAS:
NARRATIVAS DE
PROTAGONISMO, CIDADANIA E
SOLIDARIEDADE

ANA CLAUDIA POMPEU TOREZAN ANDREUCCI


Pós-Doutora em Direitos Humanos e Trabalho pelo Centro de Estudos
Avançados da Universidade Nacional de Córdoba, Argentina. Pós-
Doutora em Novas Narrativas na Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Pós Doutora em Direitos
Humanos e Democracia pelo Instituto Ius Gentium, Universidade
de Coimbra, Portugal. Doutora e Mestre pela PUC/SP. Graduada em
Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero e em
Direito pela UPM. Professora do Curso de Graduação da Faculdade de
Direito da UPM. Professora Convidada do Curso de Pós Graduação
Lato Sensu da ECA/USP. Líder do Grupo de Pesquisa Emergente –
CriaDirMack- Direitos da Criança do Adolescente no Século XXI da
Faculdade de Direito da UPM. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa
Pessoas Invisíveis da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana
Mackenzie.

MICHELLE ASATO JUNQUEIRA


Doutora e Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie-UPM. Especialista em Direito Constitucional
com Extensão em Didática do Ensino Superior. Vice-líder dos Grupos
de Pesquisa “Políticas Públicas como Instrumento de Efetivação da
Cidadania” e “Direitos das Crianças e dos Adolescentes no século XXI”.
Pesquisadora do grupo de pesquisa CNPq “Estado e Economia no
Brasil”. de Pesquisa “Pessoas Invisíveis: Prevenção e Combate ao Trá co
Interno e Internacional de Seres Humanos”. Coordenadora de Pesquisa e
TCC da Faculdade de Direito da UPM.

VALÉRIA JABUR MALUF MAVUCHIAN


Mestre em Direito pela Universidade Nove de Julho. Professora na
Universidade Nove de Julho. Advogada. Pesquisadora do Grupo de
Pesquisa Pessoas Invisíveis da Faculdade de Direito da Universidade
Presbiteriana Mackenzie.

Como esta noite findará


E o Sol então rebrilhará
Estou pensando em você
Onde estará o meu amor?
Será que vela como eu?
Será que chama como eu?
Será que pergunta por mim?
Onde estará o meu amor?
(Maria Bethânia)

INTRODUÇÃO

Um ninho vazio. Um sentimento de ausência. Uma dor que não


finda. Uma angústia. Um aniversário que não se comemora. Um sonho.
Perda, culpa e ausência se misturam em uma explosão de sentimentos. A
culpa sentida pelos próximos. A culpa apontada pela sociedade. A falta de
informação. Uma busca incessante. O descaso do Estado. A solidariedade
em rede. Um luto inacabado. Todos esses sentimentos, expressos em verbos
e adjetivos, são insuficientes para descrever o objeto de investigação no
presente artigo: a análise científica da atuação da Associação Mães da Sé na
busca por crianças e adolescentes desaparecidos no Brasil. Eis o caminho:
dar visibilidade a uma temática, que requer uma rede de solidariedade
para atuação, em especial, trazendo a Academia para a seara dos debates,
pois o presente artigo surge no âmbito do Projeto Pessoas Invisíveis da
Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, com foco
no desaparecimento de pessoas e o tráfico humano.
Importa dizer que o tráfico internacional de pessoas, prática criminosa
verificada nacional e internacionalmente, se enquadra na premissa de uma
sociedade pós-moderna de consumo. É, hodiernamente, a terceira maior
atividade criminosa internacionalmente verificada, estando atrás apenas do
tráfico de drogas e de armas.
O caráter transnacional da modalidade criminosa se caracteriza
justamente pelo fato de, em muitos casos, envolver redes de indivíduos e
organizações de diferentes nacionalidades, sediadas em distintas localidades,
mas com um fim comum. A atividade desempenhada, portanto, tem o
mesmo objetivo, não mais importando as fronteiras dos Estados envolvidos.
Internacionalmente, o tráfico de pessoas é regulado pela Convenção das
Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de
Palermo), de 2000.
Para dar efetividade às ações de combate foi criado o Escritório das
Nações Unidas sobre Drogas e Crime –UNODC, que mantém, desde março
de 1999, o Programa contra o Tráfico de Seres Humanos, em colaboração
com o Instituto das Nações Unidas de Pesquisa sobre Justiça e Crime
Interregional (UNICRI). O programa coopera com os Estados-Membros
em seus esforços de combater o tráfico de seres humanos, ressaltando
o envolvimento do crime organizado nesta atividade e promovendo
medidas eficazes para reprimir ações criminosas e tendo por alicerce de
fundamentação legal e teórica as três convenções internacionais de controle
de drogas, nas convenções contra o crime organizado transnacional e
contra a corrupção e os instrumentos internacionais contra o terrorismo.
(UNODOC, 2019)
No Brasil, o UNODC atua no cumprimento das obrigações que
assumiu ao ratificar as Convenções da ONU sobre Controle de Drogas;
contra o Crime Organizado Transnacional e seus três Protocolos – contra
o Tráfico de Seres Humanos, o Contrabando de Migrantes e o Tráfico de
Armas; e a Convenção da ONU sobre Corrupção; além das recomendações
do Grupo de Ação Financeira Internacional contra o combate ao terrorismo.
No campo comunicacional o UNODC tem como missões institucionais:
prevenção, proteção e criminalização. Para a efetividade de tais ações são
recorrentes campanhas veiculadas1 em TV e rádio, distribuição de panfletos
1. À exemplo disso está a Campanha Coração Azul, lançada em 5 de março de 2009, sob o
título de Blue Heart Campaign, que simboliza a tristeza das vítimas do tráfico de pessoas e
sensibilizar acerca das mazelas do comércio de seres humanos. A Campanha possui como
objetivos: Tornar o símbolo “Coração Azul” um ícone de reconhecimento da Campanha de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas; Promover ações promocionais e intervenções, com o
objetivo de sensibilizar a sociedade, ONGs, Órgãos Governamentais, mídia e formadores de
opinião para esse problema social; Despertar na população a consciência social, incentivando
assim a busca pela informação e denúncia. Utilizando-se também da força das redes sociais,
informativos e parcerias para a sensibilização e consciência pública sobre os
temas que lhes são aderentes.(UNODOC, 2019)
No Brasil, o crime encontra previsão no Código Penal, que, em seu
artigo 231, que sofreu modificações em 2009, em virtude do advento da Lei
nº 12.015, de 7 de agosto de 2009. O País também ratificou a Convenção
de Palermo, promulgada por meio do Decreto nº 5.015, de 12 de março de
2004, e conta, desde 2008, com Políticas Nacionais para enfrentamento ao
tráfico de pessoas. Além disso, o combate conta com o apoio institucional
do Ministério da Justiça, Ministério Público Federal, Polícia Federal,
Defensoria Pública da União, Advocacia-Geral da União, Secretaria
Especial de Políticas para as Mulheres e do Poder Judiciário, dentre outras
organizações públicas. Organizações da sociedade civil brasileira também
desempenham importante papel na divulgação dos principais aspectos
relacionados ao crime ora em análise.
Atualmente, o tráfico internacional de pessoas é considerado uma
das atividades mais rentáveis economicamente, e grande parte do tráfico
humano está ligado a crianças e adolescentes, considerados mercadorias2
para as mais diversas questões, trabalho, adoção, exploração sexual. No Brasil,
cabe que ressaltar que no ano de 2010 a Campanha Coração Azul alcançou no Facebook a
marca de 10.000 mil membros se destacando como um dos maiores grupos nesta mídia social.
O Brasil aderiu à Campanha em maio de 2013 por meio de uma parceria entre o Ministério da
Justiça e o Escritório de Ligação e Parceria do UNODC, e o primeiro slogan foi “Liberdade não
se compra. Dignidade não se Vende. Denuncie o Tráfico de Pessoas”, motes para a sensibilização
e mobilizações sociais. Desde então, na semana de enfrentamento ao tráfico de pessoas,
repartições, prédios, entre outros, vêm sendo iluminados de azul com vistas à conscientização
social. Em 2017, a campanha tem por mote “Para que o sonho não vire armadilha”, com
ênfase na luta contra o trabalho escravo, exploração sexual e tráfico de órgãos. As diversas
parcerias entre Ministério da Justiça e Segurança Pública, bem como os inúmeros núcleos
foram responsáveis pelo estímulo de eventos nacionais de Mobilização do Enfrentamento ao
Tráfico de Pessoas, em especial, no dia 30 de julho, declarado pela Organização das Nações
Unidas como o Dia Mundial de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.  Uma das principais
preocupações do Ministério da Justiça, que conta com o largo apoio do Ministério das Relações
Exteriores, é disseminar para a população a importância dos canais de denúncia entre eles, o
Disque 100 e o Ligue 180, que colaboram para garantir visibilidade ao tema.
2. Celebra-se, anualmente, no dia 25 de maio o Dia internacional da criança desaparecida,
momento para reflexão, debates e mobilização social sobre as questões que envolvem estes
desaparecimentos em escala transnacional. A data tem como origem o desaparecimento em
Nova Iorque, EUA, de Etan Patz, um menino de 6 anos, enquanto voltava da escola, em 25
de maio de 1979. A partir desta data, familiares, amigos e comunidade passaram a se reunir
para discutir e divulgar os cuidados para se evitar a ocorrência de tal crime. A criança foi
morta por Pedro Hernandez e o corpo nunca foi encontrado. Entre idas e vindas do processo
judicial, a sentença condenatória final aconteceu 38 anos depois, do crime, no ano de 2017.
Em 1986, Ronald Regan, presidente dos EUA, à época declarou nacionalmente a data de 25 de
maio como dedicada à temática das crianças desaparecidas. Mas, foi em 1988 por ocasião do
evento internacional Global Missing Children’s Network – GMCN (Rede Mundial de Crianças
Desaparecidas), que representantes de vários países instituíram o dia 25 de maio como Dia
Internacional da Criança Desaparecida. Informações disponíveis em https://exame.abril.com.
br/mundo/38-anos-depois-chega-ao-fim-caso-de-crianca-desaparecida-nos-eua/ Acesso em
30. Set. 2019.
no que tange ao desaparecimento de crianças e adolescente os números
são inexatos, com extrema carência de dados e intercomunicabilidade de
entes e agentes estatais. Para fazer frente à situação, em 17 de dezembro de
2009, foi sancionada a Lei nº 12.127/2009 (Brasil, 2009), responsável pela
criação do Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos.
Estabeleceu-se também uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e em
fevereiro de 2010 uma força tarefa entre a Secretaria de Direitos Humanos
da Presidência da República - SDH/PR, em parceria com o Ministério da
Justiça – MJ, com o apoio da Rede Nacional de Identificação e Localização
de Crianças e Adolescentes Desaparecidas, para implementação do Cadastro
Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidas.

1 DESAPARECIMENTO COMO NARRATIVA DE UM LUTO


INACABADO

São Paulo, 23 de dezembro de 1995, sábado. Época festiva.


Preparativos de natal. Rituais de renovação para o ano que se aproxima. A
aceleração típica dos balanços de final de ano. Para Ivanise Esperidião foi
diferente. Neste dia sua vida parou. Era o começo de uma nova narrativa.
Passados mais de 24 anos, 23 de dezembro de 1995, foi o dia que nunca
acabou. Ele é revivido todos os dias de sua vida, em forma de dor, em forma
de luta, em forma de esperança, em forma de solidariedade. Naquela tarde
de sábado, sua filha, Fabiana de 13 anos, foi à casa de uma amiga desejar
feliz aniversário, e nunca mais voltou. Relatos e testemunhos noticiavam
que ela foi vista pela última vez a 120 metros de sua casa.
Devassidão, angústia, sentimento de culpa foram os primeiros
sentimentos de Ivanise. E foi neste labirinto de dor e, tomada por extrema
emoção, que Ivanise saiu a procurar sua filha. Entre as pedras no caminho,
encontrou falta de atenção de entes estatais, o julgamento impiedoso
da sociedade, o sentimento de culpa no dever de cuidado como mãe, a
solidariedade de alguns, e a dor compartilhada por outros. Delegacias,
Institutos Médicos Legais, Fóruns, Hospitais, Aeroportos se tornaram rotina
na busca por Fabiana. Onde havia uma informação, mesmo que desprovida
de qualquer objetividade, lá estava Ivanise. Em seus relatos, muitos
compartilhados na manhã de Congresso de Pessoas Invisíveis ocorrido no
final de setembro de 2019, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, foram
três meses de intensa procura, hiatos informacionais, descasos estatais,
uma peregrinação solitária, o que a levou quase à loucura, desnutrição e
a certeza, segundo suas literais palavras de que “viver o desaparecimento
de uma pessoa é mil vezes pior do que a morte, é uma dor que não tem
remédio, é um luto inacabado.3 Essa dor é pior que a morte porque você
morre um pouco a cada dia”, diz. “Todos os dias ao acordar e todas as
noites ao dormir, essa é a primeira coisa que passa pela minha cabeça.”.4
Desde a notícia até hoje, a palavras que emergem da sua incessante
procura são: dor, culpa5,descaso, solidariedade e ação6. A dor intensa e
solidária fez emergir o compartilhamento de uma dor coletiva, havia um
chamado para a converter a dor em ação7, e assim surgiam as primeiras
3. Sobre o tema ver “Como não existem dados definitivos que demonstram a ausência completa
do filho, as mães enfrentam um dilema interno entre manter a esperança do reaparecimento do
familiar, acompanhada do cansaço e desgaste emocional que essa situação comporta e a culpa
de não manterem as expectativas de maneira contínua. Essa ambivalência pode, inclusive,
afetar a retomada da rotina, o convívio com os demais familiares, dificultando a reorganização
da estrutura familiar. Contudo, algumas mães, em certa medida, conseguem retomar parte de
suas vidas, sem deixar de irem atrás de notícias e informações sobre os filhos desaparecidos.
Porém, observa-se que o luto passa a ser vivenciado predominantemente na esfera individual,
resultando no afastamento ou redução na participação em ONGs e coletivos de mães com
filhos desaparecidos, como também o descrédito atribuído às instancias governamentais
responsáveis pelas buscas. A individualização do luto coloca em pauta as falhas do Estado
no desempenho do seu papel de proteção e auxílio na busca pelos desaparecidos. Ao tornar
o luto uma responsabilidade individual, pode haver uma banalização do desaparecimento e
uma naturalização do sofrimento materno, reforçando a ideia de que as mães são as únicas
responsáveis pelo processo de busca dos seus filhos. A associação entre a dinâmica individual
já descrita, com as falhas do Estado, contribui para o processo de melancolização dessas mães,
que se veem sem recursos para a elaboração do luto”. ROLIM, G. S., RADZEVICIUS, L. C.,
SALDANHA, M. F., TARDIVO, L. S. L. P. C., & SALLES, R. J. (2018). ANÁLISE DO LUTO
DE MÃES DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DESAPARECIDOS. PSICOLOGIA:
CIÊNCIA E PROFISSÃO, 38(3), 507-521. ACESSO EM 20.JAN.2020.
4. Disponível em https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/09/24/luto-
inacabado-relatos-de-maes-que-vivem-em-busca-de-filhos-desaparecidos.htm? Acesso em 20.
Dez.2019.
5. O sentimento de culpa está atrelado à Teoria da Perda Ambígua estudada por Boss, que tem
sua gênese na Teoria de Estresse na Família, atribuindo ao estresse o resultado de contextos e
mudanças familiares, que podem ocorrer diante da ausência física de um ente familiar, como
é o caso aqui, nas questões de desaparecimento, bem como em casos de o ente familiar estar
presente fisicamente mas, psicologicamente,por questões de saúde há uma ausência na relação
familiar. Tais questões geram o vazio existencial e as variações multidisciplinares que esta perda
pode causar, em especial, a ressignificação da ausência e o fechamento de rituais. BOSS, P.
Ambiguous loss. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1999.
6. Segundo Marcelo Moreira Neumann “existe uma minimização do problema por parte do
Estado, Este movimento refere-se à própria desresponsabilização do Estado, em relação à
garantia de políticas públicas, que consequentemente leva ao desaparecimento de pessoas.
(...) As instituições privadas e as organizações não governamentais estão na vanguarda do
enfrentamento do problema e assumem um papel que deveria ser do Estado, pois o tema
ainda não é uma política de Estado, o que fragiliza todo o sistema de garantias.” NEUMANN,
Marcelo Moreira. O desaparecimento de crianças e adolescentes Tese de Doutorado. Serviço Social,
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010.
7. Sobre a temática do descaso estatal e a solidariedade entre mães com filhos desaparecidos é
emblemático relembrar aqui o caso das Mães das Vítimas da Chacina de Acari, ocorrida no Rio
de Janeiro, em 1990, cabendo citar “ Em 21 de julho de 1990, 11 jovens foram passar o fim de
semana em um sítio em Suruí, Magé, na Baixada Fluminense, estado do Rio de Janeiro. Passado
o fim de semana, decidiram permanecer mais alguns dias no local. Segundo depoimentos, na
noite do dia 26, seis homens encapuzados entraram no sítio dizendo que eram policiais. Após
conversarem com três dos jovens no sítio, teriam levados todos numa Kombi e no carro de um
sementes do que seria mais tarde a Associação Brasileira de Busca e Defesa
à criança desaparecida, conhecida como “Mães da Sé”.

2 MÃES DA SÉ: QUANDO OS VOCÁBULOS DOR E LUTA SE


TORNAM SINÔNIMOS

Ivanise Esperidião da Silva e Vera Lúcia Gonçalves tinham algo em


comum: partilhavam a dor de ter um filho criança desaparecido. Ambas
receberam um convite, era janeiro de 1996, participar das gravações de uma
novela na Rede Globo de Televisão, com a assinatura da novelista Glória
Perez. Explode Coração iria ao ar em horário nobre, e como de costume
nas novelas de Perez, traria ao debate temas sensíveis e invisíveis do cenário
nacional, o escolhido agora era o desparecimento de pessoas.
O convite fez emergir uma rede de solidariedade e empoderamento8,
Ivanise e Vera conheceram o trabalho das Mães da Cinelândia do Rio de
Janeiro e o Movimento Nacional em Defesa das crianças desaparecidas,
do Paraná. E, assim, cônscias do sentimento do descaso Estatal, da
invisibilidade da temática e da dor, essas mães em 31 de março de 1996,
fundaram a Associação Brasileira de Defesa a Crianças Desaparecidas
(ABCD) ou Mães da Sé, com alusão às mães de desaparecidos políticos na
Argentina, as Mães da Praça de Maio.
Em um primeiro momento, os objetivos e missões da Associação
estavam focados prioritariamente na busca por crianças e adolescentes
desaparecidos, mais nestes mais de 20 anos de atuação, ampliou-se a
demanda de atendimento não havendo mais delimitação de faixa etária.
Os objetivos foram expandidos em razão da função social ainda maior,
dar guarida comunicacional, psicológica e jurídica às famílias com entes
desaparecidos.

dos jovens. Há várias versões. Uma delas é que depois de torturados, foram colocados numa
van que teria sido incendiada. Outra é a de que os corpos teriam sido jogados aos leões que
eram mantidos no sítio de um policial civil, próximo ao sito onde se encontravam inicialmente.
As Mães de Acari comparadas às Mães da Praça de Maio, da Argentina, tem apoio da Anistia
Internacional. Em 1993, uma das mães mais atuantes, Edméia, foi brutalmente assassinada na
saída de um presídio no Rio de Janeiro. Segundo relatos, ela acabara de receber informações
que teriam sido fundamentais para o esclarecimento da chacina.SOARES, Bárbara; MOURA,
Tatiana; AFONSO, Carla. (Orgs.). Auto de Resistência: relatos de familiares de vítimas da
violência armada. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009.
8. Sobre o tema ver “Empoderamento é assim para Freire um processo que emerge das interações
sociais em que nós, seres humanos, somos construídos e, à medida que, criticamente,
problematizamos a realidade, vamos nos “conscientizando”, descobrindo brachas eideologias;
tal conscientização nos dá “poder” para transformar as relações sociais de dominação,
poder esse que leva a liberdade e à libertação”. GUARESCHI, P. EMPODERAMENTO
(VERBETE) IN STRECK, D., REDIN, E. .J. ZITKOSKI, J. . DICIONÁRIO PAULO
FREIRE. BELO HORIZONTE: AUTÊNTICA, 2010, PP.147-148.
Resta claro, portanto, que o desaparecimento e os descasos das
entidades Estatais fizeram brotar nestas mães a vontade de protagonizar a
dor9, transformando-a em ação, em vontade de agir para ajudar milhares
de pessoas que convivem com este drama no Brasil, lembrando, contudo,
ser este um problema de caráter transnacional.
A Associação articula ações com setores públicos e privados,
denunciando situações de riscos, colaborando com um atendimento
psicológico e jurídico pautado pela integridade e respeito à pessoa humana.
São as principais ações da entidade:
- Atendimento psicológico das mães e famílias dos desaparecidos,
bem como dos encontrados, por meio de parceria com a Universidade
Presbiteriana Mackenzie;
- Encaminhamento para atendimento psiquiátrio, também fruto de
parceria com uma profissional da área;
- Assessoria jurídica com a colaboração de advogados voluntários;
- Parcerias e convênios com Delegacia de Pessoas Desaparecidas,
Ongs e Institutos, Ministério da Justiça,Abrigos, Conselhos Tutelares,
Assistência Social, entre outros;
- Ampla divulgação de fotos dos desaparecidos, nos diversos canais
de comunicação.
Entre uma das atividades recorrentes da Associação estão os
encontros quinzenais aos domingos, nas escadarias da Catedral da Sé,
localizada no Centro da capital Paulistana. Mães e familiares carregam fotos
e cartazes dos entes desaparecidos. Renovação de esperança para aqueles
que partilham da mesma dor. Para Ivanise “a partir do momento em que
eu comecei a compartilhar a minha dor, aprendi a lidar de uma forma mais
amena com esse luto inacabado” e “insistimos para que ninguém desista.
Nós somos irmanadas pelo mesmo sofrimento.”10
A Associações Mães da Sé traduz pragmaticamente para a realidade
social o que a filósofa Hannah Arendt denominava de “a gramática da
ação”, ou seja, o transporte do mundo da teoria para a práxis social, pois a
9. Sobre empoderamento e solidariedade ver também : “ao se constituírem como mães no espaço
público por meio de uma ética, novas relações de poder são produzidas, mesmo que sejam
formadas a partir da reafirmação de normas e papéis sociais tradicionais. Essas mulheres,
ao reforçarem seus vínculos maternos com seus filhos desaparecidos, retiram legitimidade
do seu papel de cuidado na vida privada. Elas falam do lugar de mães que habitam, não para
subvertê-lo, mas para reafirmá-lo como condição pressuposta para a sua luta. LEAL, Eduardo
Martinelli. “Naquela época não se ouvia falar de desaparecido”: família e maternidade na
militância do desaparecimento de pessoas no Brasil. Mana,  Rio de Janeiro ,  v. 25, n. 3, p. 605-
634,  dez.  2019 .   Disponível em <http://www.scielo.br>. Acesso em  30  jan.  2020.
10. https://www.terra.com.br/noticias/transformei-a-minha-dor-na-luta-por-10-mil-pessoas,0ffe
88a79bef7d4ac7946f742fcf4f01di77RCRD.html. Acesso em 20.dez.2019.
existência só se perfaz pela pró-atividade ou pelo protagonismo. Não basta
estar no mundo, existir é agir. Arendt com ênfase na ação, nos remete à
noção do agir para existir ao ponderar que “só assim é possível ser alguém”,
atingir realidade plena. Ao expor-se não só no espaço físico do mundo, mas
também na “teia de relações humanas”, a ação iniciada pelo agente ganha
um dinamismo que produzirá uma história na qual o indivíduo e o sujeito,
podendo atingir a imortalidade, para ingressar na história sem começo nem
fim que é o livro de histórias da humanidade”. Ainda, Arendt reforça a ideia
de ação coletiva, a interpessoalidade humana para a pragmática social, e é no
exercício da política o locus privilegiado para tal ato que demanda criatividade
e se transforma em uma expressão da mais elevada das faculdades 11.
Esse agir coletivo ganha dimensões constitucionais12 posto que se
funda na solidariedade não apenas como atributo de união, mas também,
de protagonismo de ação a envolver família, sociedade e Estado na
implementação de políticas públicas prioritárias, em especial, à criança e ao
adolescente. Constitui-se como uma das facetas dos Direitos Humanos, do
Estado Democrático de Direito e da fraternidade humanitária.13

11. ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, p.231.
12. Dotado de importância ímpar para a arquitetura do sistema, o princípio da solidariedade
estrutura e dignifica as relações sociais e no entender de Willis Santiago Guerra Filho:Os
direitos humanos – e os direitos fundamentais, no plano do direito posto, positivo – vêm
adquirindo uma configuração cada vez mais consentânea com os ideais projetados pelas
revoluções políticas da modernidade, tão bem representados pela tríade “liberdade, igualdade
e fraternidade”. Atualmente, já se pode perceber com clareza a interdependência destes valores
fundamentais: sem a redução de desigualdades, não há liberdade possível para o conjunto
dos seres humanos, e sem fraternidade – ou melhor, “solidariedade” para sermos mais
“realistas” visto que a fraternidade às vezes não existe sequer entre os verdadeiros irmãos-,
sem o reconhecimento de nossa mútua dependência, não só como indivíduos, mas como
nações e espécies naturais- também dependemos do ambiente natural – não atinamos para
o sentido da busca de liberdade e igualdade. Pode-se dizer que o Direito, nessa conjuntura,
há de assentar-se em uma ordem constitucional que, em sendo aquela própria de um Estado
Democrático, impõe deveres de solidariedade aos que compõem uma comunidade política, a
fim de minorar os efeitos nefastos da desigualdade entre eles em relação à sua liberdade e ao
respeito à dignidade humana
Proposta de Teoria Fundamental da Constituição (com uma inflexão processual) In
ALMEIDA FILHO, Agassiz & MELGARÉ, Plínio. Dignidade da pessoa humana: fundamentos e
critérios interpretativos. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 319-320.
13. A solidariedade das mães nasceria dessa dor partilhada e que se torna combustível para a luta
política. Essa união é celebrada por todas as mães. Quero, contudo, pontuar uma questão.
Efetivamente, a solidariedade aparece como pano de fundo de muitos discursos hoje. Ao
apelar para valores universalizantes e humanitários esta noção consegue “amarrar” as mais
diferentes coletividades. No entanto, vale ressaltar que apesar de sua perspectiva englobante,
esse discurso surge historicamente a partir de grupos organizados. Se a solidariedade é vista
como um sentimento universal, na prática, ela precisa ser “ativada”. Foi utilizando a categoria
“mãe” e tudo que ela acarreta em termos de significados sociais, bem como utilizando um
saber-fazer que lhe é próximo que essas mulheres construíram os seus discursos, que não
podiam estar alheios às discussões que então se realizavam na sociedade. Por isso, elas partiram
de uma conclamação às mães, não a uma humanidade indiferenciada. Ao invés da universal,
a solidariedade aparece demarcando o pertencimento ou não pertencimento a um grupo (e
3 MÃES DA SÉ: DIÁLOGOS COM FONTES NORMATIVAS DE
PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

O agir pragmático da Associação Mães da Sé encontra absoluta


fundamentação nos instrumentos internacionais e nacionais que regem a
temática da criança e do adolescente. Prioridade absoluta, proteção integral,
solidariedade são vocábulos da tessitura das normativas legais, mas que
muitas vezes não ecoam na pragmática social. Foi exatamente o sentimento
de hiato entre normas e aplicação fática que fez com que mães como Ivanise
e Vera passassem a atuar. Foi diante do descaso de não tratar a comunicação
de um crime de desaparecimento de criança como prioridade que fez com
elas passassem a atuar. Foi diante da não solidariedade Estatal que fez com
que elas passassem a atuar.
Cabe lembrar que o princípio da solidariedade está insculpido no
Artigo 19 do Pacto de São José da Costa Rica ou também conhecido
como Convenção Americana de Direitos Humanos, firmado a partir da
Conferência Especializada Interamericana de Direitos Humanos, entre
os países integrantes da Organização dos Estados Americanos, em 22 de
novembro de 1969, entrando em vigor apenas em 18 de julho de 1969.
Referida Convenção é o paradigma de proteção aos Direitos Humano
a partir dos ideários da Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948, ditando que: “Toda criança terá direito às medidas de proteção que
a sua condição de menor requer por parte da sua família, da sociedade e
do Estado”. Assim, apesar de ter sido ratificado pelo Brasil apenas no ano
de 1992, através do Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, exerceu
fortes influências na produção da Constituição de 1988, em especial, na
construção do art. 227 que agasalha a proteção constitucional ao Direito
das Crianças e Adolescentes.
O firmamento da solidariedade como valor se fará presente como
inspiração legislativa, debates acadêmicos e decisões judiciais. Intervenções
necessárias na família pautadas em momentos justificáveis poderão se
fazer necessárias, pois superada está a noção de criança como objeto de
propriedade dos pais, para a doutrina da proteção integral e proteção
por todos integralmente. Estabeleceu também o ECA o princípio da
solidariedade entre família, comunidade, sociedade e Estado, asseverando-
se que todos são corresponsáveis pelo desenvolvimento integral da criança

a uma agenda de interesses específica, ainda que preocupada com o “todo social”). Ela é
vista como a única forma de garantia de um futuro melhor, de uma união que se afasta dos
valores mais individualistas e repousa numa visão de sociedade (e de futuro) onde os diferentes
sujeitos sociais possam ser respeitados. FREITAS, Rita de Cássia Santos.Famílias e violências:
reflexões sobre as Mães de Acari. Disponível em http://www.scielo.br. Acesso em 20.dez. 2019.
e do adolescente. Assim, tal arquitetura principiológica nos dá conta de que
as crianças deixam de ser dos pais, passam a ser sujeitos de direito a que
todos devem estar atentos, são chamados a contribuir, bem como fiscalizar
não apenas a família, mas também a sociedade e o Estado.
A Carta de 1988, como também o ECA - Estatuto da Criança e
do Adolescente -, em exata adstrição ao Pacto de São José da Costa Rica,
Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959) e à Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança (1989), imprimem no
ordenamento jurídico brasileiro o resultado de longa e severa batalha dos
movimentos sociais em prol do reconhecimento dos direitos das crianças e
dos adolescentes.
A fonte mais importante da doutrina da proteção integral da criança
e do adolescente, no direito brasileiro, é, sem dúvida, o artigo 277 da Carta
Constitucional que expressamente prevê ser “dever da família, da sociedade
e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Destaca-se que a necessidade de proteção especial se justifica em
virtude da “falta de maturidade física e mental”, consoante a Declaração
Universal dos Direitos da Criança. Assim, além dos direitos fundamentais
comuns a toda pessoa humana, podemos identificar alguns especiais
relativos à criança e ao adolescente, direitos estes albergados sob o manto
principiológico e a doutrina do que se convencionou chamar “doutrina da
proteção integral”. Destaca-se que a afirmação da criança e do adolescente
como “pessoas em condição peculiar de desenvolvimento” e do ponto de
vista da práxis social e aplicabilidade de tão princípio na realidade concreta
significa dizer que crianças e adolescentes, a partir da ontologia do ser, são
sujeitos de direito em desenvolvimento e este reconhecimento pressupõe
um valor especial, desenhado, inclusive pelo Constituinte de 1988, como
um direito social, que gerará a imperativa da produção de Políticas Públicas
pelo Estado.14
E diante desta arquitetura normativa de proteção ao direito da criança
e do adolescente que a Associação Mães da Sé pauta suas ações pragmáticas
cobrando Políticas Públicas, transparência, celeridade e atuação Estatal.

14. ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches, Estatuto da
criança e do adolescente comentado: Lei 8.69/1990: artigo por artigo. 5 ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2013, p. 74.
4 MÃES DA SÉ: COMUNICAÇÃO COMO INSTRUMENTO PARA A
SENSIBILIZAÇÃO NOSSA DE CADA DIA

Quando falamos da sensibilização, a palavra comunicação emerge


como núcleo irradiador, e que merece ser melhor explorado. É a
comunicação que nos faz humanos, que propicia a criação de laços e que
oportuniza a interação social. Comunicação é o instrumento chave para a
solidariedade humana, e como instrumento está sujeito às modificações dos
tempos. Comunicação é uma das facetas da evolução humana. Comunicação
é uma forma de tornar comunitário, social e coletivo. Comunicação é um
Direito Humano Fundamental.
Tornar o invisível visível tem por finalidade transformar o oculto
em público e, portanto, trazer o problema privado à esfera pública, à
opinião pública, à sociedade, que, no âmbito da democracia representativa
deve ser ativa, participativa e transformadora, e assim produzir um efeito
multiplicador benéfico e irradiador de novas condutas. Em temáticas de tão
profunda relevância quanto o tráfico de pessoas e, mais particularmente,
o tráfico de crianças, a comunicação é instrumento de combate que não
pode ser esquecido, apresentando-se com feições de políticas pública de
proteção às minorias em condições de vulnerabilidade. Em última análise,
o que se pretende efetivar é o direito à comunicação, o direito à voz e,
como consequência – a cidadania – sustentáculo da República Federativa
do Brasil, desenhada pela Constituição de 1988, na medida em que edifica a
consciência do “direito a ter direitos”, transformando palavras no binômio
diálogo/ação.
A partir de tal ótica, o Direito à Comunicação pode ser vislumbrado
com ligações intrínsecas com a cidadania e a igualdade. Contudo, em que se
pese ser considerado Direito Humano Fundamental, conforme Victor van
Oeyen, Paulo Lima e Graciela Selaimen:
a mobilização pela defesa do direito à comunicação é mais difícil que
qualquer outra mobilização por direitos humanos. A Comunicação ainda
é vista como uma questão menos urgente – quando chega a ser cogitada
– por governos e sociedade civil. A luta por este direito ainda é incipiente
e é fundamental que todas as organizações da sociedade civil e pessoas
dedicadas ao fortalecimento da cidadania – e não apenas aquelas dedicadas
aos temas de mídia e comunicação – voltem sua atenção e uma parcela de
seus esforços para garantir que o direito à Comunicação seja preservado.15
15. OEYEN, Victor van; LIMA, Paulo & SALAIMEN, Graciela. A Campanha CRIS. Revista do
Terceiro Setor. Extraído do texto “A Cúpula Mundial de 2003: a Sociedade Informacional”. São
Paulo: RITS, junho de 2002. Disponível em: www.cmsi.org.br/cris.htm . Acesso em 23 set
2019.
A forma de se fazer comunicação se alterou, não deixou de existir.
Em tempos Pós-Modernos se faz comunicação por redes, e assim se
enfatiza o papel democrático e protagonista do ciberativismo, instrumento
próprio da cidadania digital. Pertencemos, debatemos, nos solidarizamos.
A rede social quando feita de forma ética, transparente e comprometida
pode trazer avanços inigualáveis à sociedade. Como prova disso, está o
ciberativismo de Institutos, associações, Governos, Estados, Universidades,
e a sociedade civil organizada, que por meio de confluências promovidas
por redes sociais, potencializam suas pautas, geram informação e propiciam
resultados mais céleres. E, assim, resta clara a importância do direito à
comunicação, na chamada “era da informação” ou também conhecida
como “sociedade em rede”, uma era identitariamente marcada pela fluidez,
pelo ritmo frenético de alterações sociais, políticas e econômicas, na qual
há a necessidade de se pensar o contemporâneo, as novas narrativas
institucionais e o desenvolvimento de estratégias que aproximem os diversos
atores sociais com vistas à sensibilização para temas de Direitos Humanos,
atuais e recorrentes.
A partir das novas formas de comunicação, temas de relevância têm
sido despertados trazendo maior sensibilidade aos participantes, desta nova
Ágora do mundo pós-moderno, as redes sociais. A forma de comunicar
e fazer com que problemas e crises sejam compartilhados invadem os
espaços públicos e saem da micronarrativa para a macronarrativa. Há
diversas páginas que compartilham informações, desafios e mobilizam
redes colaborativas garantindo visibilidade e efetividade a debates até então
cingidos apenas às categorias demarcadas. Os debates que começam nas
redes sociais se bem engendrados podem ser potenciais de mobilização
para parcerias público-privadas, bem como fomento para Políticas Públicas
comunicacionais para inovação e educação digital para inclusão de novos
participantes no processo de agremiação cibernética voltados à mobilização
social de temas de Direitos Humanos.
Importante destacar que o Brasil no ano de 2010 organizou uma
Comissão Parlamentar de Inquérito para tratar do tema de crianças e
adolescentes desaparecidos e entre as proposituras destacou-se a necessidade
de convocação de parcerias efetivas entre os diversos atores sociais, públicos
e privados para garantir maior abrangência na efetivação de buscas. Entre
as muitas propostas estavam o uso de softwares de reconhecimento facial
e a utilização de redes sociais e de compartilhamento para garantir maior
amplitude às buscas.
Diante deste cenário, convém ressaltar que um dos núcleos de atuação
para o Projeto Mães da Sé é a divulgação e salienta Ivanise Espiridião que “a
divulgação é a nossa ferramenta de trabalho. Quanto maior ela for, maiores
são as chances de encontrarmos [os desaparecidos]. Só como exemplo, eu
cito o caso de um rapaz, com necessidades especiais, desaparecido há 11
anos. Descobrimos que ele foi parar em uma instituição. E por meio da
divulgação, uma assistente social resolveu ir até o nosso site e conseguiu
localizar a família dele”.16
A quem caberia o papel de ressignificar as múltiplas mudanças, fundar
novos paradigmas de interação social e desenvolvimento humano? Nossa
resposta sempre foi, é e será enfaticamente, a conjugação de vários atores
sociais, mas em especial, as estratégias comunicacionais têm grande peso,
vamos às principais atividades desenvolvidas pela Associação Mães da Sé
para sensibilização e engajamento dos diversos públicos.

4.1 IMAGENS, IMPRESSÕES, CARTAZES, BOLA EM CAMPO:


PARCERIAS MULTIPLICADORAS DE ENGAJAMENTO
SOCIAL

Múltiplas formas. Plataformas plúrimas. Ingredientes simples. União


de propósitos. Comunicação criativa. Sim, todas essas fórmulas colaboram
para o engajamento social na questão do desaparecimento de pessoas.
As Mães da Sé sabem bem disso e a cada ano surgem novas propostas,
convênios e parcerias que levam à multiplicação de atores sociais envolvidos
na questão.
Neste sentido, uma das suas iniciativas originárias e que permanece até
hoje são as reuniões quinzenais de familiares de desaparecidos que ocorrem
nas escadarias da Catedral da Sé, trazendo cartazes, fotografias. Este
momento possui toda uma força imagética e de solidariedade, e se constituiu
como uma das primeiras ações de sensibilização das Mães da Sé. A iniciativa
ganha contornos ainda mais atuais e de multiplicação social, com o projeto
Imprima para ajudar, em convênio com a FCB Brasil e a HP que convidam
usuários de impressoras da HP com tecnologia ePrint, na impressão de
cartazes com as imagens de desaparecidos em diversos lugares do país. Os
consumidores que quiserem colaborar fazem cadastro para identificação
junto à Associação Mães da Sé. A partir de sua geolocalização passam a
receber em suas impressoras cartazes de pessoas que desapareceram nas
regiões próximas ao seu endereço e automaticamente passam a receber
em suas impressoras cartazes sobre pessoas desaparecidas nas regiões
próximas ao seu endereço. Uma ação de comunicação que multiplica o raio

16. Disponível em http://www.saopaulo.sp.leg.br/blog/maes-da-se-renovam-esperancas-para-


encontrar-criancas-desaparecidas/. Acesso em 12.dez.2019.
de atuação e aumentam as chances reais de encontrar um desaparecido.
Para os criadores do projeto se traduz como uma forma de se colocar a
tecnologia a favor da esperança.17
Também existem projetos governamentais que buscam dar
visibilidade ao tema, e como exemplo, podemos citar a “Exposição Mães
da Sé” na Estação Largo Treze do metrô com fotos de crianças e pessoas
desaparecidas na intenção de aumentar a visibilidade do Dia Internacional
das Crianças Desaparecidas, que acontece no dia 25 de maio. Os cartazes
expostos trazem algumas mensagens com dicas para prevenir casos de
desaparecimento. A ação é realizada pela Via Mobilidade, concessionária
responsável pela operação e manutenção da Linha 5-Lilás de metrô de São
Paulo, em parceria com a Associação Mães da Sé.18
Sensorialmente ao se falar ou se pensar em futebol, desejos se fazem
presentes. O desejo de ganhar mais um título, mais uma partida, mais um
gol. A cada partida de futebol, energia que contagia, uma psicologia das
multidões em seus sons, hinos e símbolos entoados a cada drible. Por
que não aproveitar um momento como este para envolver e engajar? O
espetáculo pode além de entreter, disseminar informações, multiplicar
vozes. Pois bem, tais iniciativas já vêm acontecendo com várias demandas
sociais. O palco da bola tem sido utilizado para dar visibilidade a pautas
sociais. E quanto a isso, no tema do desaparecimento merecem aplausos as
parcerias firmadas entre as Mães da Sé e os times Palmeiras e Santos, que
em suas partidas exibiram imagens de crianças desaparecidas nos telões, na
manga dos uniformes dos jogadores e no painel dos patrocinadores, além
de registros do tema em tempo real da partida nas suas diversas páginas nas
redes sociais.

4.2 QUANDO NARRATIVAS FICCIONAIS E REAIS


SE ENCONTRAM: TELENOVELAS COMUNICANDO
DISCUSSÕES SOCIAIS

É diante deste cenário que narrar se destaca como um elemento do


ato comunicacional de compartilhamento por excelência, na medida em
que estabelece por meio de “contar uma história” um “compartilhamento
deliberado do simbólico entre emissor e receptor, com aptidão para
compreender as implicações dos elementos narrativos, devidamente
organizados e com potencial transformarem os emissores e receptores em

17. Disponível em https://saopaulosao.com.br. Acesso em 21 dez 2019.


18. Disponível em https://saopauloparacriancas.com.br/exposicao-maes-da-se-criancas-
desaparecidas-estacao-largo-treze/ Acesso em 10 dez 2019.
partícipes do ambiente narrativo, construindo espaços e produzindo outras
dimensões de Comunicação.19
O ato de contar uma história, para além de qualquer consideração
como simples relato, está ligado a uma considerável série de fatores, das
questões de estilo aos problemas de texto, dos pontos de vista narrativos
às visões de mundo presentes em qualquer narrativa. Mais do que isso, o
ato de contar histórias está ligado, em boa parte dos casos, a um sentido
de compartilhar algo com outras pessoas; histórias são contadas para o
outro; mesmo quando a narrativa é feita para si mesmo, no sentido de um
solilóquio, os fatos narrados e o modo de narrar se interpelam em termos
da recordação do que outros contaram.
O ato narrativo, o momento de contar uma história, parece ser um
momento privilegiado para se pensar e entender o ato comunicacional
como uma forma de encontro com o outro.20
Em razão de sua importância e complexidade as narrativas se
organizam sistemicamente como um ramo das Ciências Humanas
denominado de Narratologia voltado epistemologicamente a estudar o
papel dos sistemas narrativos nas sociedades, buscando compreender a
construção dos fenômenos “intersubjetivamente seus significados através
da apreensão, representação e expressão narrativa da realidade”.21 Motta
enfatiza que por intermédio dos enunciados narrativos “somos capazes de
colocar as coisas em relação umas com as outras em uma ordem e perspectiva,
em um desenrolar lógico e cronológico. É assim que compreendemos a
maioria das coisas do mundo”.22
Toda narrativa emerge da realidade pragmática e a partir deste locus
colhe elementos para se transformar em uma história que será contada.
Começa de uma forma, transmute-se, transforma-se, ganha outra dimensão,
novas configurações a partir de inúmeras outras interpretações que vão se
somando. Nasce um novo texto, um novo mundo, e graças ao leitor ela cria
asas e adquire uma existência plena graças a novos paradigmas e intenções
comunicativas.23

19. SÁ MARTINO, Luis Mauro. De um eu ao outro: narrativa, identidade e comunicação com a alteridade.
Parágrafo, jan/jun.2016, v. 4, n. 1 p.44. Disponível em www.http://revistaseletronicas.
fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/377/376. Acesso em 22.mar.2018.
20. Ibidem.
21. MOTTA, Luiz Gonzaga. Narratologia: análise da narrativa jornalística. Brasília: Casa das Musas,
2004, p. 83.
22. Análise crítica da Narrativa. Brasília: Editora da UnB, 2013, p.2.
23. LEAL, B.S. Quando uma notícia é parte da história: as mídias informativas e a identidade narrativa.
E-compós, Brasília, v.17, n.3, 2014, p.1-17. Disponível em: <http://www.compos.org.br/seer/
index.php/e-compos/article/view/1056/793>. Acesso em: 31 jan. 2017.
Quanto à importância e atemporalidade das narrativas indispensáveis
são as contribuições de Roland Barthes ao assegurar que :
A narrativa está presente em todos os lugares, em todas as
sociedades;não há, em parte alguma, povo algum sem narrativa; todas as
classes, todos os grupos humanos tem suas narrativas, e freqüentemente
estas narrativas são apreciadas por homens de cultura diferente, e mesmo
oposta: a narrativa ridiculariza a boa e a má literatura: internacional,
transhistórica, transcultural, a narrativa está aí, com a vida.24
A narrativa, ao ser colocada em palavras, articula elementos e
expressões que dão a uma história a razão de existir.25 Dá-se, assim,
a reconstrução da vida, pois é formada de “matéria instável, transitória,
viva, que se recompõe sem cessar no presente do momento em que ela
se anuncia”.26 Identifica-se também como um processo contínuo e de
transformação permanente se configure como de rememorar e ligar
instantaneamente passado, presente e future.
Oportuno também destacar que a narrativa é uma forma usual de
construir sentidos para as experiências isoladas, como na busca de coesão
social, ao estabelecer os objetos e eventos para os quais a atenção do público
é direcionada, importante para a formulação de identidades no micro e no
macrocosmo levando à ressignificações e interpretações do mundo. 27
Cientistas cognitivos descobriram que transformamos nossas
experiências como de outros em narrativas que nos ajudam a construir
a nossa existência individual e coletiva em um processo de comunicação
eficaz.28 As dimensões temporais e que unem gerações, de conhecidos e
desconhecidos, de conviventes e não-conviventes, nos chegam organizadas
por meio de narrativas, e a este processo constituímos os ritos e os rituais.
Neste compasso à narrativa é dado o papel de protagonista a organizar
o caos, unindo passado e presente, enrendando de forma sistêmica ou
até mesmo entrecortada - por pausas e vírgulas - personagens, espaços,
motivos, símbolos e mensagens. Assim ritos e rituais são organizados por
narrativas e estas se confundem com a própria história da Humanidade.29
24. Aula. São Paulo: Cultrix, 1979, p.23.
25. VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica. Campinas: Papirus,
1994, p.41.
26. DELORY-MOMBERGER, Christine. Formação e socialização: os ateliês biográficos de projeto.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 32, n. 2, p. 359- 371, maio/ago, 2006, p.362.
27. ROBICHAUD, D.; GIROUX, H.; TAYLOR, J. R. The metaconversation: the recursive
property of language as a key of organizing. Academy of Management Review, Briarcliff Manoer,
v. 29, n. 4, p. 617-634, Oct. 2004, p.619.
28. DENNING, S. The Leader’s Guide to Storytelling - Mastering the Art and Discipline of Business
Narrative. San Francisco: Jossey-Bass, 2005, p.32.
29. SEGALEN, Martine. Ritos e rituais contemporâneos. Rio Janeiro: FGV, 2002, p.31.
Segalen enfatiza que o processo dos rituais são atos contínuos de
recorrência de formas, estruturas e repetições com vistas ao seu próprio
fortalecimento, mas que aos poucos vão se somando novas experiências e
novas dimensões simbólicas de linguagem.30 No mesmo sentido Chanlat
destaca que a interpretação do universo humano está absolutamente
intrínseca à ideia de “um mundo de signos, de imagens, de metáforas,
de emblemas, de símbolos, de mitos e de alegorias. Todo ser humano e
toda sociedade humana produziram uma representação do mundo que lhe
confere significado”31
Eis aqui uma primeira interpretação: a relação indisssociável entre
narrativas, ritos e rituais. O liame pode ser traduzido como a própria história
da Humanidade, ou seja, somos fruto e produto das formas primeiras de
narrar. Somos sujeitos históricos protagonistas de narrativas a organizar o
caos e semear os rituais presentes e que serão lançados ao futuro. 32
Deve ser ressaltado que as estórias são construídas em um pacto
colaborativo e trazem diversos pontos de vista sobre os fatos narrados, é,
portanto ato coletivo, compartilhamento de perspectivas, simultâneas ou
não e múltiplas. E assim, a busca pelas narrativas da aproximação e do afeto
são mais do que nunca absolutamente indispensáveis e assim trazemos à
colação para o encerramento do presente tópico as palavras de Italo Calvino
clamando pela necessidade premente do retorno às narrativas sensoriais,
tendo em vida que o próximo milênio carrega consigo a pré-fabricação
das imagens estamos correndo o perigo de perder uma capacidade humana
fundamental: a capacidade de pôr em foco visões de olhos fechados, de
fazer brotar cores e formas de um alinhamento de caracteres alfabéticos
negros sobre uma página branca, de pensar por imagens.33
E é neste contexto de narrativas ritualísticas que novelas brasileiras
alcançam altos índices de audiência, tanto em solo nacional, como também
quando são exportadas e traduzidas para diversas línguas. As tramas que se
desenvolvem por cerca de 4 a 8 meses de duração, têm grande influência na
sociedade, para alguns apenas entretenimento, para outros levantam debates
e questionamentos, assim tem sido desde a década de 60, e para Figueiredo:
Com a entrada diária das novelas na vida do brasileiro, principalmente
a partir do final dos anos 1960, o debate sobre a sua função social fica

30. Idem, p. 117.


31. CHANLAT, Jean-François (org.) O Indivíduo na Organização. Vol. I e II. São Paulo: Atlas, 1996,
p. 43.
32. BRUNER, J. The Narrative Construction of Reality. Critical Inquiry, 1991, p. 21.
33. CALVINO, Italo. Seis Propostas para o Próximo Milênio. São Paulo: Companhia das Letras, 1990,
p. 107-108.
mais acirrado [...], para uns, apenas ser veiculada por um meio de
massa é o bastante para que a novela deva ser considerada autoritária e,
necessariamente, deva ser inserida no conceito de espetáculo, não passando
de mero entretenimento, sem propor qualquer produção de conhecimento e
de arte. No entanto, para outros, a televisão é um bem de consumo que tem
uma função democrática, e alguns de seus produtos, como a teledramaturgia,
podem, sim, além de ser um espetáculo, trazer o conhecimento e atingir
uma qualidade estética.34
Para Maria Immacolata Vassallo de Lopes as telenovelas foram alçadas
à categoria de narrativas nacionais, e importante recurso comunicativo
para apresentar questões sociais, e que de forma pedagógica, implícita
ou explicitamente, podem propor mudanças comportamentais e a partir
de representações culturais, arquitetar a cidadania.35 No mesmo sentido,
Valquíria John e Nilda Jacks reforçam que “ao adentrar a outras mídias, ao
extrapolar o espaço do seu próprio horário de exibição, a telenovela atinge
a todos, inclusive aos que não assistem (ou dizem não assistir) telenovela.
Deste modo, contribuem para agendar as discussões sociais”.36
Assim, tais novelas têm sido consideradas um merchandising social,
pois mobilizam debates sociais e geram opinião pública sobre questões do
cotidiano nacional, podendo ser consideradas como recursos estratégicos
para mudanças comportamentais37. Entre as muitas novelas com o perfil de
merchandising social, cabe aqui destacarmos a novela “Explode coração”

34. FIGUEIREDO, Ana Maria C. Teledramaturgia brasileira: arte ou espetáculo. São Paulo: Paulus,
2003, p. 81.
35. LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Telenovela como recurso comunicativo. In: MATRIZes: revista
semestral do Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de
São Paulo, São Paulo: ECA/USP/Paulus, ano 3, nº 1. p. 21-47, 2009.
36. JOHN, Valquíria; JACKS, Nilda. Telenovela e Agendamento da Mídia: como os conteúdos das telenovelas
da Rede Globo pautam o jornalismo de revista. In: 1° Congresso Mundial de Comunicação Ibero-
Americana. Anais. São Paulo – SP: ECA, 2011, p.3.
37. Interesante a relação entre o merchandising social à luz da denominada Teoria do Agendamento
ou Agenda Setting, proposta pelo autores Maxwell McCombs e Donald Shaw na década de
1970 demonstrando que públicos-alvo passam a dar maior ênfase à notícias veiculadas pela
mídia, e nesse passo, tanto poderá ocasionar debates sociais importantes, bem como poderá
servir de instrumento de poder e manipulação. Sobre o tema ver “agendamento temático
constitui um tema mais abrangente, partindo da hipótese comunicacional da agenda setting.
No mundo contemporâneo, é senso comum que, se um fato não aparece retratado de alguma
forma na mídia, ele não aconteceu. Assim sendo, os meios de comunicação de massa assumem
um papel fundamental na propagação de fatos, já que se tornam principal fonte utilizada pela
população para obtenção de informações. Defende-se que os temas agendados pela grande
mídia são potencialmente passíveis de se tornarem objeto de discussão informal entre o
público. Nesse contexto, as temáticas apresentadas como relevantes pela mídia, comumente,
passaram a ser alvo da atenção e das preocupações dos receptores de mensagens midiáticas.
CZIZEWSKI, Claiton César. Falando sobre a telenovela: agendamento temático a partir da
narrativa de ficção. In: XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Anais.
Caxias do Sul-RS: UCS, 2010, p.2.
da Rede Globo de Televisão que entre os anos de 1995 e 1996 trouxe ao
debate a questão do desaparecimento de criança.
Narrativas ficcionais e reais foram desenhadas a partir das lentes
da novelista Glória Perez38, uma das grandes especialistas brasileiras, em
novelas desta natureza. Foi a partir do drama das Mães de Acari do Rio
de Janeiro, que a temática chegou às telas no horário nobre. Não bastava
entreteter, deveria mobilizar e foi assim, que Explode Coração, apresentou a
milhões de brasileiros a temática do desaparecimento e a dor dos familiares
na incessante busca. Alteridade no sentir e mobilização social eram os
principais motes da telenovela.
Como recurso comunicacional, ao final de cada episódio, a ficção
virava realidade, com a apresentação de cartazes com imagens de pessoas
desaparecidas. No dia 9 de março de 1996, um capítulo especial, a exibição
da imagem de um filho procurado por sua mãe por mais de dez anos, e para
surpresa e enaltecimento do poder social da novella, seis dias depois ele foi
encontrado. No total, 64 filhos foram encontrados.39
Explode Coração tem ainda mais uma função social, unir em suas
gravações Ivanise e Vera, principais protagonistas deste artigo científico e
fazer surgir o Movimento Mães da Sé.

4.3 CIBERATIVISMO

São tempos de aceleração. São tempos de revisitar velhas práticas. São


tempos de hiperconexões. Tempos de algoritmos. Tempos de se repensar os

38. A atuação da autora da novela, Glória Perez, foi fundamental para a representação do
desaparecimento. Glória Perez viveu o drama de ter sua filha, a atriz Daniella Perez, assassinada
em 1992 pelo ator Guilherme de Pádua e sua mulher, Paula Thomaz. À época, os dois atores
trabalhavam na novela De corpo e alma, que havia sido escrita por Glória Perez. Depois
do contato estreito entre Glória Perez e os movimentos de mães durante a novela Explode
Coração, a autora passou a ter o apoio delas e de outros movimentos em sua própria luta:
a condenação de Guilherme de Pádua por homicídio qualificado,2 em julgamento ocorrido
em 1997.Entre as ações de protesto contra os assassinos da filha foram organizados, antes
do julgamento, uma caminhada na Avenida Atlântica, uma missa, panfletagens e outdoors.
A campanha de marketing trazia o rosto de Daniela estampado e os dizeres: “e se fosse sua
filha? chega de impunidade”, tendo sido coordenada pelo Centro Brasileiro de Defesa dos
Direitos da Criança e do Adolescente e patrocinada por empresários. A caminhada contou
com a participação das Mães da Cinelândia, das Mães de Acari, da Associação de Vítimas
da Violência, do Movimento pela Vida, de fãs e atores de novelas e entidades de Direitos
Humanos. LEAL, Eduardo Martinelli. “Naquela época não se ouvia falar de desaparecido”:
família e maternidade na militância do desaparecimento de pessoas no Brasil. Mana,  Rio de
Janeiro ,  v. 25, n. 3, p. 605-634,  dez.  2019 .   Disponível em <http://www.scielo.br>. Acesso
em  31  jan.  2020.
39. XAVIER, Nilson. Almanaque da telenovela brasileira. São Paulo: Panda Books, 2007, p. 198.
movimentos sociais. Tempos de novas formas de sociabilidade.40 Tempos
de cidadania digital.
Por meio das redes sociais são compartilhadas denúncias de
desaparecimento, e partir daí há uma comunhão de atores sociais,
conclamados à ação, irmanados na chamada “sociedade em rede” que passa
a atuar em solidariedade com órgãos policiais e judiciários. Do ponto de
vista prático, as ações e comunicações são mais rápidas; do ponto de vista
psicológico, o sentimento de ser acolhido e de pertencer de uma rede que
comunga de valores e propósitos faz emergir novas formas de sociabilidade.
Redes sociais tais como sites, grupos, Facebook e Instagram transformam-
se em potências de agir e geram novas formas de solidariedade.
Na atualidade, a Indústria 4.0 pode ser compreendida como um
sistema de automação e tecnologia informacional voltado para a garantia
de maior velocidade nos processos, com transparência das comunicações
e dos dados, da celeridade, da busca pela transparência informacional. A
hiperconectividade associada aos dados armazenados em softwares de
gestão na nuvem pode aprimorar a aceleração comunicacional, bem como o
fortalecimento do Big Data com a explosão informacional trará mecanismos
a partir de algoritmos responsáveis por identificação de processos diversos
de maneira mais célere, sistematizada e transparente. Neste novo modelo
já não mais existem obstáculos territoriais41, as interações são globais, reais
e instantâneas e o ciberativismo compreendido como uma nova forma de
ligar pessoas, conectar mundos e fazer comunicação, pode contribuir para
uma maior coesão social, solidariedade e propagação de eixos de discussões
e debates comuns.
Assim, muitas das atividades comunicacionais desenvolvidas na
atualidade pelas Mães da Sé vêm hiperconectadas ao mundo digital.
Trazemos como exemplo o chamado desafio #10yearchallenge, que invadiu
as redes sociais em janeiro de 2019, convidando pessoas a postarem fotos

40. Vale a pena frisar que “quando uma rede de computadores conecta pessoas ou organizações,
ela é uma rede social. Da mesma forma que uma rede de computadores é um conjunto de
máquinas conectadas por cabos, uma rede social é um conjunto de pessoas (ou organizações
ou outras entidades sociais) conectadas por relações sociais, como amizades, trabalho conjunto,
ou intercâmbio de informações. GARTON, L.; HARTHORNTHWAITE, C.; WELLMAN, B.
Studying Online Social Networks. Journal of Computer Mediated Communication, v. 3, issue
1 (1997). Disponível em: <http://www. ascusc.org/jcmc/vol3/issue1/garton.html.> Acesso
em: 06 de set. de 2019, p. 75.
41. Sobre o tema ver “Cada transformação midiática altera nossa percepção espaço temporal,
chegando na contemporaneidade a vivenciarmos uma sensação de tempo real, imediato,
“live”, e de abolição do espaço físico-geográfico. A sociedade da informação é marcada pela
ubiqüidade e pela instantaneidade, saídas da conectividade generalizada. Entramos assim em
uma sociedade WYSIWIG (o que vejo é o que tenho) “. LEMOS, André; Cunha, Paulo (orgs).
Olhares sobre a Cibercultura. Sulina, Porto Alegre, 2003; p. 11-23.
próprias com 10 anos de diferença. Dados demonstram que mais de 8
milhões de usuários participaram do desafio, gerando muitos debates e
controvérsias sobre a sua real razão de existir, e como hipóteses levantadas:
atualização espontânea de dados, monitoramento empresarial, invasão
de privacidade, armazenamento de informações, entre oturos. Contudo,
para o Mães da Sé o desafio se tornou uma grande oportunidade para
engajamento e ciberativismo lançando assim na sua plataforma a proposta
de compartilhamento de imagens a partir da hashtag, “#XXyearchallenge: o
desafio que ajuda a encontrar desaparecidos.”
Para Ivanise, representante da Mães da Sé, a tecnologia pode ser
usada para apaziguar dor e “encontramos neste movimento uma grande
oportunidade para mobilizar as pessoas em prol de uma causa tão
relevante. O compartilhamento digital amplifica ainda mais o alcance da
nossa mensagem, proporcionando uma chance maior para que pessoas
desaparecidas possam ser encontradas por seus familiares”.42
No mesmo sentido, importante destacar a campanha “Amor Sem
Distância” com o apoio da Câmara Municipal de São Paulo para divulgar nas
redes sociais fotos de pessoas desaparecidas. Trata-se de uma iniciativa do
Portal e da TV Câmara junto com a ONG Mães da Sé, no compartilhamento
ético, transparente e protagonista na busca por informações de
desaparecidos, e que pode ter ainda maior compartilhamento a partir da
hashtag #amorsemdistancia.
Outra parceria de extrema importância da Mães da Sé é com a Microsoft
que anunciou em 2019 a criação de um aplicativo de reconhecimento facial,
desenvolvido pela Mult-Connect, para contribuir de maneira potencial nas
buscas por desaparecidos e se estabelece como uma das ações do programa
global de responsabilidade social das empresas denominado, Microsoft AI
For Humanitarian Action,  que tem por finalidade o fornecimento de
instrumentos, subsídios para capacitação de pessoas no engajamento com
questões humanitárias. A inteligência artificial e a tecnologia de ponta serão
utilizadas para a intercomunicabilidade de dados, bastando para isso que o
usuário encaminhe uma fotografia da pessoa desaparecida para o aplicativo
e esse irá buscar no banco de dados da ONG, eventuais compatibilidades
de descrição de características físicas, entre elas, cor da pele, cabelo e olhos.
Para Brad Smith, presidente da Microsoft “a parceria entre Mães da Sé e
Microsoft é um poderoso exemplo de como podemos aplicar a tecnologia
para ajudar a resolver grandes desafios em nossa sociedade” destacou em

42. Disponível em https://www.hypeness.com.br/2019/02/xxyearchallenge-maes-da-se-


promove-desafio-para-ajudar-a-encontrar-pessoas-desaparecidas/ Acesso em 20 dez 2019.
sua apresentação no evento Inteligência Artificial na Transformação Digital,
no Ministério da Economia, em Brasília.43

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dor que se transforma em luta. Solidariedade que se arquiteta.


Vozes que se multiplicam. A ressignificação de uma perda faz surgir um
movimento de solidariedade à procura por um desaparecido. Onde estão?
A quem perguntar? Como procurar? São perguntas do cotidiano de pessoas
que estão diante da realidade do desaparecimento. Realidade que vai além
de quintais, bairros, cidades ou países. Uma realidade transnacional com
inúmeros matizes de tráfico humano.
Procura-se no presente artigo apresentar a narrativa da existência de
uma Associação em São Paulo, que surge para colaborar com respostas
para as perguntas acima formuladas. Luto inacabado. Dor potencializada
em ação.
Ao final da narrativa trazida é possível enfatizar a necessidade da
criação de políticas públicas constantes que promovam a acessibilidade nos
dados, a comunicabilidade entre os órgãos, o combate ao crime. É diante
dos hiatos informacionais e das ausências que a prática criminosa continua.
E assim, como Academia, a intenção no presente artigo é dar visibilidade e
demonstrar a importância do debate e da ação no presente tema, tornando
o invisível, visível. É o que tem feito as Mães da Sé. É o que devemos todos
fazer.

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43. Disponível em https://canaltech.com.br/inteligencia-artificial/microsoft-e-maes-da-se-


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CAPÍTULO 20

MULHERES, ESTIGMAS E
VULNERABILIDADE: BREVE
ANÁLISE HISTÓRICA DA
POSTURA ESTATAL BRASILEIRA
ANTE À CONDIÇÃO DA
MULHER TRAFICADA, SOB
O PRISMA DO DIREITO
INTERNACIONAL DOS
DIREITOS HUMANOS

NATALIA LARISSA L. RIBEIRO


Graduanda em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Já
realizou estágio acadêmico na Corregedoria da Fundação Centro de
Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação CASA), assim
como em órgãos públicos, escritórios de advocacia e empresa, tratando
predominantemente com Direito Administrativo, Tributário e Ambiental.
Interessa-se por temáticas referentes à adoção no Brasil e à regulação
jurídica de projetos de empreendedorismo social que tenham como
escopo a promoção dos direitos das mulheres, crianças e adolescentes.
Atualmente participa como voluntária em projeto voltado à divulgação e
incentivo à adoção (Jornadas da Adoção, Zion Church).

INTRODUÇÃO

A perpetuação do tráfico humano no Brasil representa verdadeiro


contrassenso para com o estágio de percepção de direitos humanos
existente no “Direito Internacional dos Direitos Humanos” (DIDH) e,
especificamente, no direito brasileiro.
O cerne do DIDH tem como expoentes a “Declaração Universal
de Direitos Humanos”1(DUDH) e, conjuntamente, o “Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos” (PIDCP) e o “Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais” (PIDESC), os quais, assim como
assinala Flávia Piovesan, “(...) transformaram os dispositivos da Declaração
em previsões juridicamente vinculantes e obrigatórias.”2.
Ainda seguindo o entendimento de Piovesan, é possível afirmar que o
supracitado conjunto (“Bill of Rights”) forma um verdadeiro sistema global
de proteção dos direitos humanos.
A aludida juridicização pode ser constatada não somente pela
ratificação de ambos os protocolos pelo Brasil3, mas também pela sua
efetiva incorporação à legislação nacional. O PIDCP foi incorporado
através da promulgação do Decreto Federal nº 592/19924, enquanto o
PIDESC o foi através do Decreto Federal nº 591/19925.
O PIDCP, especificamente, expõe em seu artigo 8º que “1. Ninguém
poderá ser submetido á escravidão; a escravidão e o tráfico de escravos, em todas as suas
formas, ficam proibidos. 2. Ninguém poderá ser submetido à servidão. 3. a) Ninguém
poderá ser obrigado a executar trabalhos forçados ou obrigatórios”. Assim como se
verá adiante, embora o PIDCP não represente o primeiro esforço brasileiro
em prol do combate ao tráfico humano, seu valor para esta introdução
reside na sua primariedade referente à vinculação internacional do Brasil
contra o tráfico humano.
Considerando a coexistência da perpetuação do tráfico humano e
o caráter vinculante das supracitadas normas, este artigo, sob um ponto
de vista histórico, visa à identificação da influencia de possíveis estigmas
sociais na forma pela qual o Brasil se vinculou às normas internacionais
que visam ao combate ao tráfico humano para fins de exploração sexual,

1. A DUDH “(..) foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10
de dezembro de 1948, por meio da Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral como uma
norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações. Ela estabelece, pela primeira
vez, a proteção universal dos direitos humanos.”. Acesso em https://nacoesunidas.org/
direitoshumanos/declaracao/ Acesso em 19.dez. 2019.
2. PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, Disponível em:
<https://integrada.minhabiblioteca.com.br>. Acesso em 19.dez. 2019.
3. O PIDCP foi ratificado em 24/01/1992, enquanto o PIDECS foi ratificado em 24/01/1992.
DHNET. Garantir a efetividade dos direitos humanos é possível? Disponível em: <http://www.dhnet.
org.br/direitos/militantes/tertuliano/garantirefeti.html>. Acesso em: 19 out. 2019.
4. BRASIL. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Promulgação.. Decreto no 592, de 6 de Julho de 1992.. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm>. Acesso em: 19 out. 2019.
5. BRASIL. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais. Promulgação.. Decreto no 591, de 6 de Julho de 1992.. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm>. Acesso em: 19 out. 2019.
especialmente no que se refere ao tratamento dados às mulheres e meninas,
as quais são o objeto de pesquisa neste artigo.
Considerando a coexistência da perpetuação do tráfico humano e o
caráter vinculante das supracitadas normas, este artigo, através da eleição
de um grupo específico de vítimas potenciais de tráfico humano, visa, a
partir de uma abordagem essencialmente histórica, identificar a presença de
elementos de discrimação negativa que possam colaborar para uma possível
não alteração dessa condição de vulnerabilidade.
O grupo escolhido é representado pelo sexo feminino e,
especificamente, as mulheres que estiveram/estão sob a jurisdição do
Estado Brasileiro. A escolha desse grupo como objeto de pesquisa se
justifica pela (i) visível situação cotidiana de vulnerabilidade à qual a mulher
é submetida no Brasil, em virtude de sua condição enquanto tal, e pela
(ii) maior facilidade de aliciamento em meio à cenários de vulnerabilidades
sociais.
Como exemplos da primeira afirmação, pontua-se que o Brasil ainda
têm expressivo índice de desigualdade de gênero6; que as mulheres têm
três vezes mais possibilidades de serem vítimas de agressão, se comparadas
aos homens7 e que o Estado Brasileiro ainda tem a 5ª maior taxa de
feminicídios do mundo8.
Com base em consulta à “The Counter Trafficking Data Collaborative”
(“Base Colaborativa de Dados sobre Tráfico de Pessoas”) 9 e na “Global Report
on Trafficking in Persons – 2016”, realizado pela United Nations Office
on Drugs and Crime ,elege-se o “tráfico humano com fim de exploração
sexual” para ser a modalidade de tráfico pesquisada.
De acordo com dados da plataforma10, dois terços das vitimas
traficadas nas Américas experimentam exploração sexual, de modo que

6. FORUM, Worl Economic; WORLD, Commited To Improving The State Of The. The


Global Gender Gap Report. 2018. Disponível em: <http://www3.weforum.org/docs/WEF_
GGGR_2018.pdf>. Acesso em: 05 dez. 2019.
7. BRASIL. IPEA. . Participação no mercado de Trabalho e Violência Doméstica contra as mulheres no
Brasil.  2019. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/
td_2501.pdf>. Acesso em: 05 jul. 2019.
8. ONU BRASIL. ONU: Taxa de feminicídios no Brasil é quinta maior do mundo; diretrizes nacionais
buscam solução. 2016. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/onu-feminicidio-brasil-
quinto-maior-mundo-diretrizes-nacionais-buscam-solucao/>. Acesso em: 09 abr. 2019.
9. Trata-se de uma plataforma colaborativa gratuita criada pela Organização Internacional do
Comércio e alimentada por informações provenientes de OSC’s de credibilidade (como a
Polaris e a Liberty) com vistas à compilação e atualização de amostragens de dados sobre o
tráfico humano. ONU.  ONU disponibiliza dados sobre tráfico de pessoas em plataforma colaborativa
gratuita.  Disponível em: <https://nacoesunidas.org/onu-disponibiliza-dados-sobre-trafico-
de-pessoas-em-plataforma-colaborativa-gratuita/>. Acesso em: 08 nov. 2019.
10. COLLABORATIVE, Ctda. Human Trafficking and Gender: Differences, Similarities and
80% das vítimas são mulheres e cerca de um terço são crianças. Além
disso, quanto a essa exploração, o percentual de mulheres traficadas se
sobressai em relação ao número de homens e, com a exceção do período
compreendido entre 2009 e 2014, a exploração sexual se sobressai frente à
exploração do trabalho.
Segundo o documento da UNODC, a modalidade de “exploração
sexual”, principalmente nas regiões mais desenvolvidas do globo (cujos
países que as formam, majoritariamente, são receptores de pessoas
traficadas), sobressai-se quantitativamente frente às demais formas de
exploração11:
Portanto, em virtude da especial vulnerabilidade da mulher ao tráfico
humano e, igualmente, à exploração sexual, se procurará responder às
seguintes questões: (I) Como se desenvolveu historicamente a relação do
governo Brasileiro com o combate ao tráfico de mulheres? (II) Quais são os
instrumentos internacionais que falam especificamente de mulheres? (III)
Quais os instrumentos incorporados pelo Brasil? (IV) A incorporação no
direito brasileiro tem omissões ou supressões que possam indicar quaisquer
influências de estigmas morais a respeito da mulher?
Desta forma, as referidas respostas serão buscadas através de análise
histórica da evolução desses instrumentos internacionais e da adesão
brasileira a eles, sem prejuízo de se rememorar aos contornos (contexto
e motivação) existentes nas normas nacionais, cuja criação seja isenta de
influência internacional.

1 VÍTIMAS DE TRÁFICO PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL


E O ESTIGMA SOCIAL DA PROSTITUIÇÃO

Ainda que algumas mulheres saibam previamente que vão trabalhar


em shows eróticos, na lavoura, como empregadas domésticas, ou como
prostitutas, somente quando chegam ao novo destino é que descobrem que
também vão permanecer em isolamento, sofrer maus tratos, além de serem
obrigadas a entregar, senão todo, quase todos os ganhos de seu trabalho
aos seus empregadores. As vítimas de tráfico que freqüentemente ficam
alojadas em lugares sem segurança, vivem na clandestinidade e trabalham
ilegalmente. Longe de casa, traficantes e empregadores forçam mulheres

Trends.  Disponível em: <https://www.ctdatacollaborative.org/story/human-trafficking-and-


gender-differences-similarities-and-trends>. Acesso em: 12 nov. 2018.
11. AUSTRIA. United Nations Office On Drugs And Crime. United Nations.  Global Report n
Trafficking in Persons: 2016. 8. ed. Viena: United Stations, 2016. 126 p. Disponível em: <http://
www.unodc.org/documents/data-and- Acesso em 19.dez. 2019. analysis/glotip/2016_
Global_Report_on_Trafficking_in_Persons.pdf>. Acesso em: 28 out. 2018.
e crianças à prostituição, ao trabalho em condições miseráveis ou outras
atividades ilegais mediante estratagemas.
Para matizar o panorama, os dados capturados por Joni Seager (3)
são essenciais e reveladores do estado no qual se encontram as mulheres
e as principais representações de sua vida social. No capítulo dedicado
ao mercado mundial do sexo, a autora assinala que, nos anos 90, Brasil,
Marrocos, Índia, Tailândia, Hungria, Singapura, Malásia e Filipinas eram
os principais destinos de turistas sexuais, tendo como emissores em maior
escala países como Canadá, Estados Unidos, França, Alemanha, China,
Austrália, Suíça. No que se refere ao Brasil, os dados demonstram que as
“saídas” de mulheres são especialmente direcionadas para as fronteiras com
países da América do Sul, Japão e Europa Ocidental.12
O Tráfico de Pessoas é um gênero criminoso que comporta uma
diversidade de modalidades às quais é inferida uma capacidade de reinvenção
ante à mudança de estruturas sociais em relação às quais se desenvolvem
imoral e clandestinamente.
Na escravidão negra, assim como exposto por Thaís de Camargo13,
havia uma espécie de rufianismo, cometido pelos senhores e senhoras em
relação as suas escravas, as quais estariam submetidas ao que hoje entende-
se por “tráfico” tão somente se fossem vendidas por seus senhores com
essa finalidade. Deste modo, o auferimento de lucro pelos mesmos, a partir
da exploração sexual daquelas, constituía a sua vivência como escrava e não
a sua atividade fim.
Desta forma, como evento apontado como marco para o início do
referido tráfico há o “Tráfico de Escravas Brancas” (“White Slade Trade”),
ocorrido entre 1810-1930, período da Belle Époque. As referidas “escravas
brancas” eram, em sua maioria, mulheres provenientes do leste-europeu
que, a fim de fugirem dos conflitos que permeavam a região (como o
Conflito dos Balcãs, a Revolução Socialista etc.) e do consequente estado
de precariedade em que a deixavam, eram aliciadas, tanto conscientemente
como inconscientemente, para migrarem rumo aos Estados Unidos,
Argentina e Brasil, com a finalidade de prostituírem-se.
No final do século XIX e, principalmente, a partir de 1880, as
condições de vida dos judeus nos países do Leste da Europa levaram ao
aumento do fluxo migratório em direção aos países da América. Entre a

12. CAVALCANTI, Vanessa Ribeiro Simon. Tráfico de pessoas, políticas públicas e o 4º Poder: Migrações


que revelam vulnerabilidade e invisibilidade da condição feminina. 2011.
13. RODRIGUES, Thaís Camargo. Tráfico internacional de pessoas para exploração sexual, 1ª
Edição.. Saraiva, 04/2013. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/
books/9788502190429/pageid/55. Acesso em 19.dez. 2019.
leva de judeus que chegou à região naquela época e até a década de 1940,
estavam aqueles que, originários da Europa Oriental, dedicavam-se à
exploração da prostituição e de atividades relacionadas a ela, no chamado
“tráfico de escravas brancas”. Brasil, Uruguai e, em especial, a Argentina,
faziam parte de uma rede ampla de países onde as leis migratórias eram
mais flexíveis, e as autoridades fingiam não ver o aumento da chegada de
mulheres confinadas à força em bordeis. Os rufiões e as mulheres que por
eles eram trazidas para a América, lugar no qual eram costumeiramente
vendidas como simples mercadorias, não foram inclusos nas organizações
comunitárias judaicas que estavam sendo criadas naqueles tempos.14

1.1 O TRÁFICO DE ESCRAVAS BRANCAS E A OMISSÃO


ESTATAL

Conforme exposto por Margareth Rago15, o Estado Brasileiro,


ainda que ciente dessa problemática devido aos números cada vez maiores
de prostitutas estrangeiras existentes no país, não se utilizou de suas
prerrogativas para atuar contra essa prática. Nesse contexto, importa expor
que os esforços internacionais materializados por meio pelo “Criminal Law
Amemdment Act” e pelo “White Slave Traffic”, surtiram efeitos na adaptação
do código penal brasileiro de 1830, entretanto, os mesmos foram ineficazes
para a tutela do bem jurídico ao qual deveria se prestar (considerando o
prejudicial elemento racial intrínseco às políticas iniciais): a preservação da
dignidade de mulheres e crianças.
Ainda que o tráfico de pessoas seja uma prática de dificultosa
percepção, à época narrada esse delito não somente passava impune
aos olhos da sociedade brasileira como, principalmente, teria, através de
determinadas autoridades brasileiras, o seu meio de perpetuação.
A presente afirmação decorre das práticas realizadas pela hoje
extinta organização criminosa denominada “Zwi Migdal” (ou Zvi Migdal)
– que originalmente era chamada de “Organização para a Ajuda Mútua
de Varsóvia”. Essa organização, cujas informações apontam para uma
origem leste-europeia, tinha como atividade a exploração da prostituição
e o aliciamento de mulheres para fins de cooptá-las como escravas sexuais,
possibilitando a migração das mesmas para países cujas barreiras migratórias
seriam mais flexíveis.

14. STEINBER, Gabriel. O tráfico de mulheres e o submundo judaico no romance Maasê Betabaat ,
relato do anel de Ilan Sheinfeld.  Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/cllh/article/
download/125033/122069/>. Acesso em: 07 nov. 2018.
15. RAGO, Margareth. Prefácio à Emma Goldman. Tráfico de Mulheres. Disponível em: <http://www.
scielo.br>. Acesso em: 07 nov. 2018.
De origem judaica, os membros dessa organização, conhecidos como
“impuros” pelas comunidades judaicas – que, em contrapartida, se auto-
denominavam “puros” – devido ao caráter de suas práticas, as quais eram
julgadas como “imorais”, viviam segregados dessas comunidades.
Deste modo, os “impuros”, ao instalarem-se em Buenos Aires, na
Argentina- que seria o Centro de Controle de suas operações criminosas
– criaram uma sociedade de socorro mútuo que – servindo também como
uma espécie de “fachada” para suas atividades ilícitas - serviria para afirmá-
los positivamente, bem afamá-los, na sociedade
Para fins de aliciamento, a organização cooptava, geralmente,
mulheres pobres do leste-europeu (posteriormente conhecidas como
“polacas” no Brasil), as quais seriam mais propícias às investidas aliciadoras
da organização devido ao estado de precariedade que assolava o leste-
europeu, que à época sofria conflitos étnicos e separatistas.
Esses problemas teriam ganhado contornos de nitidez cada vez
mais precisos a partir do aumento exponencial do número de prostitutas
estrangeiras no país, principalmente nas cidades de São Paulo e Rio de
Janeiro, fato este que foi demonstrado por censos demográficos realizados
na época:
A presença marcante de estrangeiras exercendo a prostituição no
Brasil é demonstrada pelos levantamentos feitos por Guido Fonseca em
São Paulo. Segundo esse autor, no ano de 1914 a polícia registrou 812
prostitutas no Estado. Desse montante, 721 eram brancas, 60 pardas e
31 negras, sendo apenas 303 brasileiras. Das estrangeiras, a maior parte
vinha da Rússia, Itália, Alema- nha e França. A Primeira Guerra Mundial
prejudicou o incremento do número de estrangeiras. Tanto que em 1915
a polícia abriu apenas 269 novos prontuários de prostitutas, sendo 181
brasileiras e 88 estrangeiras.
Em 1922, existiam 3.529 prostitutas cadastradas em São Paulo.
Dessas, 1.936 eram brasileiras e 1.593 estrangeiras. As estrangeiras vinham
especial mente da Rússia (468), da França (255), da Itália (245), de Portugal
(155) e da Espanha (143)22.
Em 1936, constavam 10.008 prostitutas cadastradas em São Paulo.
A maior parte delas – 5.400 mulheres – era estrangeira. As francesas
representavam quase 6% do total, com 576 mulheres. Na sequência
apareciam as polonesas (439), as portuguesas (413), as alemãs (375), as
argentinas (351), as italianas (330), as russas (287) e as lituanas (282). 4.608
mulheres eram brasileiras. Do total, 8.077 eram brancas.16

16. RODRIGUES, Thaís Camargo. Tráfico internacional de pessoas para exploração sexual.


Essa prática criminosa ganhou maior visibilidade a partir da
denúncia realizada por Raquel Liberman contra a organização. Liberman,
judia polonesa traficada pela organização para prostituir-se na Argentina,
denunciou aquela para as autoridades argentinas em 31/12/192917, o que
causou o desmantelamento daquela.
Segundo Margareth Rago18, a inércia brasileira se devia, sobretudo,
a dois fatores: o conservadorismo social, que acarretava a aferição de
preconceitos morais sobre as mulheres e, principalmente, sobre as
prostitutas; determinada corrupção estatal, que possibilitava a proteção de
rufiões e cafetões pela “Polícia dos Costumes” e consequente manutenção
das explorações e dos castigos físicos sobre aquelas que eram “Consideradas
biologicamente inferiores e, muitas vezes, sendo economicamente mais
pobres, as prostitutas expunham-se a muitas violências emocionais ou
físicas.19”
Os esforços para o combate dessa prática no Brasil têm como
procedência a Europa, a qual, à época, encontrava-se marcada por debates
a respeito do tráfico dessas mulheres e da prostituição em si.20 Em relação
ao tema, havia a divergência entre duas correntes: os regulacionistas e os
abolicionistas.
Para os primeiros, cuja motivação seria proveniente desde o “espírito
abolicionista” da época até concepções higienistas21 era de responsabilidade
do Estado em regular quaisquer atividades correlatas à prostituição, pois,
esta não somente seria contrária aos “bons costumes” da época como
também seria um vetor de disseminação de doenças. Os abolicionistas, por
sua vez, sustentavam a impossibilidade de regulação (que incluía a realização
compulsória de exames médicos pelas mesmas), pois ela feriria seus direitos
civis e seria carregada de moralismos.

São Paulo:. Saraiva,2013. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/


books/9788502190429/pageid/55. Acesso em 19.dez. 2019.
17. SILBER, Daniel. Raquel Liberman e as Polacas. Disponível em: <http://asa.org.br/wp/colunas/
raquel-liberman-e-as-polacas/>. Acesso em: 05 dez. 2019.
18. RAGO, Margareth. Nos bastidores da Imigração: o Tráfico das Escravas Brancas. Disponível em:
<https://www.anpuh.org>. Acesso em: 08 nov. 2018
19. RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: prostituição e códigos de sexualidade feminina em São Paulo. São
Paulo: Ed. Paz e Terra, 2008.
20. ARY, Thalita Carneiro. O Tráfico de Pessoas em três dimensões: Evolução globalização e a rota
Brasil-Europa.  2009. 159 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade de Brasília,
Brasília, 2009. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/4359/1/2009_
ThalitaCarneiroAry.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2018.
21. SOUSA, Tania Teixeira Laky de. Tráfico internacional de mulheres: nova face de uma velha
escravidão. São Paulo: Max Limonad, 2013. 586 p.
Os esforços da campanha abolicionista, encabeçada por feministas,
contribuíram para a divulgação do delito de tráfico de mulheres e o
consequente posicionamento do governo inglês contra essa prática.
Desta forma, os primeiros esforços internacionais contra essa prática
culminaram inicialmente no “Congresso Penitenciário de Paris”, ao que se
seguiu o “Congresso Internacional sobre Tráfico de Escravas Brancas”, em
Londres e, posteriormente, a Conferência de Paris em 190222.
Embora sejam escassas as informações a respeito dos dois primeiros
eventos, é sabido que o Protocolo de Paris, documento elaborado no
âmbito da supracitada Conferência, foi o primeiro documento internacional
assinado pelo Brasil, por meio do qual ele se comprometeu a empreender
esforços contra o tráfico de pessoas, especificamente o tráfico de mulheres
brancas.
Em termos gerais, o “Acordo Internacional para a Repressão do
Tráfico de Mulheres Brancas”, conhecido como Protocolo de Paris, que,
tendo sido elaborado no âmbito da Liga das Nações, veio a ser ratificado
pelo Brasil por meio do Decreto nº 5.591 de 13 de julho de 1905, visava
o combate ao tráfico de escravas brancas por meio de intensificação de
investigação da atividade de prostituição de mulheres estrangeiras, assim
como na fiscalização de portos, com o intuito de se encontrar indícios da
prática dessa prática.
Embora o mesmo, positivamente, preveja em seu artigo 3º
possibilidades de assistência, pública ou privada, à vítima aliciada, ele foi
alvo de críticas claramente pela desigualdade de tratamento dispensado às
vítimas europeias – brancas – se comparadas às demais vítimas existentes.
Art.  3º Os Governos se obrigam a mandar receber, quando assim
acontecer e dentro dos limites legaes, as declarações das mulheres, virgens
ou não, de nacionalidade estrangeira, que se entreguem á prostituição, no
sentido de determinar sua identidade e estado civil, e indagar quem as induziu
a abandonar seu paiz. As informações recolhidas, serão communicadas ás
autoridades do paiz de origem das ditas mulheres, virgens ou não, para
facilitar sua eventual repatriação.
Os Governos se obrigam, dentro dos limites legaes e tanto quanto
possivel, a confiar, a titulo provisorio, e tendo em vista a eventual
repatriação, a instituições de assistencia publica ou privada ou a particulares
que offereçam as necessarias garantias, ás victimas desse trafico, quando
ellas se achem desprovidas de recursos.
22. ARY, Thalita Carneiro. O Tráfico de Pessoas em três dimensões: Evolução, globalização e a rota Brasil-
Europa. 2009. 159 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade de Brasília, Brasília,
2009, p. 61.
    Os Governos se obrigam igualmente, dentro dos limites legaes e na
medida do possivel, a repatriar aquellas das mulheres, virgens ou não, que
o solicitarem ou que vierem a ser reclamadas pelas pessoas que sobre ellas
tenham autoridade. A repatriação só será effectuada após accordo quanto á
identidade e nacionalidade, bem como quanto ao logar e á data da chegada
á fronteira. Cada um dos paizes contractantes facilitará o respectivo transito
no seu territorio.
    A correspondencia relativa ás repatriações far-se-ha, tanto quanto
possivel, por via directa.23
Conforme bem pontuado por Ela Wiecko24, a “Convenção Internacional
para a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas” de 1910, posteriormente
emendada pelo “Protocolo Final da Convenção para a Repressão do Tráfico
de Pessoas e do Lenocínio – 1950”25 o conceito de “tráfico” compreendia
o favorecimento à prostituição, o induzimento e o descaminho, de mulher
casada ou solteira menores. Se, porém, estas fossem maiores de idade (21
anos), o tipo penal só estaria completo se a prática ilícita ocorresse por meio
de constrangimento ou fraude – do que se depreende que o consentimento
excluiria o ilícito. Entretanto, era facultado aos Estados dispensar às
mulheres casadas o mesmo tratamento dispensado às solteiras maiores.
Acresce-se a isso a abertura da possibilidade de punição penal contra os
agentes desse crime
A “Convenção Internacional contra o Tráfico de Mulheres e
Crianças”, realizada em Genebra, em 1921 e posteriormente promulgada
pelo Brasil através dos Decretos nº 4.756, de 28-11-1923, e 16.572, de 27-
8-1924, foi importante para a superação da questão racial já aqui discorrida,
suprimindo o termo “escrava branca” de seu texto, e para a ampliação do
rol de possíveis vítimas com a inclusão das crianças de ambos os sexos
e com a fixação da maioridade das mulheres em 21 (vinte e um) anos26
completos .

23. BRASIL. Decreto Presidencial nº 5.991, de 13 de julho de 1905. Promulga a adhesão do Brazil ao Accordo
concluido em Paris entre varias Potencias em 18 de maio de 1904, para a repressão do trafico de mulheres
brancas. . Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1900-1909/decreto-
5591-13-julho-1905-549054-publicacaooriginal-64363-pe.html>. Acesso em: 07 nov. 2018.
24. 6 CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo. Disponível em: <http://
pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/trafico-de-pessoas/artigo_trafico_de_pessoas.pdf>. Acesso em: 08 nov. 2018.

25. BRASIL.  Convenção Para A Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio - 1950. Nova York,
Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em: 07 nov. 2018.
26. ANDRADE, Francisco Eduardo Falconi de. Tráfico Internacional de Pessoas e Prostituição: paradoxos
entre o Protocolo de Palermo e o Código Penal Brasileiro no tocante ao consentimento. Defensoria Pública da
União. Disponível em: <http://www.dpu.def.br/images/esdpu/revista/revista9/Artigo_19.
pdf>. Acesso em: 08 nov. 2018.
Posteriormente, por meio da “Convenção para a Repressão do Tráfico
de Mulheres Maiores” (1933), à qual se sucedeu a “Convenção Internacional
para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores” (1947), promulgada
pelo Decreto n. 2.954, de 10-8-1938, no governo de Getúlio Vargas, foi
alcançada uma nova conquista para fins de maior repressão do ilícito: o
consentimento da vítima passou a ser indiferente para a configuração do
crime.
Em 1949, ocorreu a “Convenção para a Repressão do Tráfico de
Pessoas e do Lenocínio”, promulgada pelo Brasil por meio do Decreto n.
46.981, de 8-10-1959. Destacando-se inicialmente por ter sido elaborada no
âmbito da ONU, essa Convenção, em detrimento das demais, é relevante
por, além de ter previsto o crime de lenocínio, ter: ampliado o tipo penal de
tráfico de pessoas a fim de que, quanto às vítimas, não mais fazer distinção
de sexo entre as tais e, quanto aos agentes, abranger não somente os
indivíduos que aliciam diretamente as vítimas, mas também os partícipes
do delito:
Artigo I- As Partes na presente Convenção convêm em punir tôda
pessoa que, para satisfazer às paixões de outrém:
1. Aplicar, induzir ou desencaminhar para fins de prostituição, outra
pessoa, ainda que com seu consentimento;
2. Explorar a prostituição de outra pessoa, ainda que com seu
consentimento.
Artigo II - As partes na presente Convenção convém igualmente em
punir tôda pessoa que:
1. Mantiver, dirigir ou, conscientemente, financiar uma casa de
prostitução ou contribuir para êsse financiamento.
2. Coscientemente, der ou tomar de aluguel, total ou parcialmente,
um imóvel ou outro local, para fins de porstituição de outrem.
Artigo III - Deverão ser também punidos, na medida permitida pela
legislação nacional, tôda tentativa e ato preparatório efetuados com o fim
de cometer as infrações de que tratam os Artigos 1 e 2.
Artigo IV - Será também punível na medida permitida pela legislação
nacional, a participação intencional nos atos de que tratam os Artigos 1 e
2 acima.
Os atos de participação serão considerados, na medida permitida
pela legislação nacional como infrações distintas, em todos os casos em que
fôr necessário assim proceder para impedir a impunidade.27(...)
27. BRASIL. Decreto Presidencial nº 46.981, de 09 de outubro de 1959. Promulga, com o respectivo Protocolo
Final, a Convenção para a repressão do tráfico de pessoas e do lenocínio, concluída em Lake Success Nova
Entretanto, ainda conforme Ela Wiecko, destarte os pontos positivos
e inéditos dessa convenção - a qual, sendo mais rigorosa e assistencialista
que as demais quando, também, “lança bases para a cooperação jurídica
internacional”, conforme expõe Wiecko , a mesma restou ineficaz, pois, até
o ano de 1996 sucessivas convenções e conferências tiveram que retomar o
tema a fim de incitarem uma postura ativa dos Estados contra esse delito.
A ineficácia da Convenção de 1949 é reconhecida pela Convenção
sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher
(1979), ao obrigar os Estados Partes a tomar as medidas apropriadas para
suprimir todas as formas de tráfico e de exploração da prostituição de
mulheres. Em 1983 o Conselho Econômico e Social da ONU decide cobrar
relatórios. Em 1992, a ONU lança o Programa de Ação para a Prevenção
da Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil. A
necessidade de um processo de revisão se fortalece na Conferência Mundial
dos Direitos Humanos (1993), cuja Declaração e Programa de Ação de
Viena salientam a importância da “eliminação de todas as formas de assédio
sexual, exploração e tráfico de mulheres”. Daí o Programa de Ação da
Comissão de Direitos Humanos para a Prevenção do Tráfico de Pessoas e
a Exploração da Prostituição (1996).

1.2 PROTOCOLOS DE PALERMO

Por fim, elaborado, no âmbito da “Convenção das Nações Unidas


Contra o Crime Organizado Transnacional”, o “Protocolo Adicional à
Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional
Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em
Especial Mulheres e Crianças”, conhecido como “Protocolo de Palermo”, é
o último instrumento internacional que tem por objeto o tráfico de pessoas,
tendo sido ratificado pelo Decreto Presidencial nº 5.017, de 12/03/2004.28
A “Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional”, também chamada de “Protocolo sobre Tráfico de
Migrantes”29 ou “Convenção de Palermo”, entrou em vigor em 29.09.2013,
York, em 21 de março de 1950, e assinada pelo Brasil em 5 de outubro de 1951. Brasília, Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-46981-8-outubro-1959-
386048-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 12 nov. 2018.
28. ATITUDE, Compromisso e. 08 2012 Protocolo de Palermo – promulgado pelo Decreto nº 5.017,
de 12/03/2004. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/protocolo-de-
palermo/>. Acesso em: 13 nov. 2018.
29. AMARAL, Madson Anderson Corrêa Matos do. Protocolo contra o contrabando de migrantes por via
terrestre, marítima e aérea da convenção das nações unidas contra o crime organizado transnacional. Disponível
em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_
biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_informativo/bibli_inf_2006/Cad-Dir_n.31_04.
pdf>. Acesso em: 08 nov. 2018.
tendo sido ratificada pelo Brasil em 28.02.2004 e posteriormente promulgada
por meio do Decreto Presidencial nº 5.015/2004.
A título de complementação dos motivos que ensejam a escolha da
cidade de “Palermo” (Itália) como sede dessa Convenção, essa ocorreu
em homenagem aos magistrados “Paolo Borsellino” e “Giovanni Falcone”30,
que foram assassinados em 1992 a pedido de chefes de famílias ligadas à
organização criminosa “Cosa Nostra”.
Segundo dados das Nações Unidas, essa Convenção é o primeiro
instrumento internacional a ser criado para fins de combate contra o crime
organizado transnacional – o qual, segundo a entidade, gera um lucro
aproximado de 870 bilhões de dólares por ano31 -em suas múltiplas formas.
Desta forma, a fim de ter uma atuação eficaz e padronizada pelos
Estados-Parte, a Convenção é ampla e minuciosa, expondo assim medidas
de prevenção, repressão, adoção de tipos penais, medidas legislativas e
investigativas a serem adotadas, além de ser complementada por três
protocolos: i. Protocolo Relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via
Terrestre, Marítima e Aérea; ii. Protocolo contra a fabricação e o tráfico ilícito de
armas de fogo e iii. Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de
Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, chamado também de “Protocolo de
Palermo”, o qual possui relevante interesse dentre os demais, para fins deste
artigo.
O Protocolo de Palermo destaca-se dentre os demais instrumentos
de proteção já citados, seja porque é o único instrumento internacional
vocacionado unicamente ao tráfico de pessoas, seja também porque,
baseando-se no que se julga serem ideais de proporcionalidade com foco
no elemento da “vulnerabilidade”, possui o interessante e necessário foco
na prevenção contra o tráfico de mulheres e crianças.
Possuindo claramente uma abordagem referente à temática do
crime organizado e, expondo claramente que suas disposições devem ser
interpretadas em consonância com a Convenção que complementa, o
Protocolo de Palermo adota a cooperação jurídica como uma de suas bases
de ação, a qual possui eixos de prevenção (“prevention of the trafficking”),
proteção (“the protection os the victims”) e repressão (“prosecution of
traffickers”), iniciando assim as suas exposições com a conceituação
cautelosa de seu objeto:
30. GOMES, Rodrigo Carneiro. O Crime Organizado na visão da Convenção de Palermo. Disponível
em: <https://www.tribunapr.com.br/noticias/o-crime-organizado-na-visao-da-convencao-
de-palermo/>. Acesso em: 7 nov. 2018.
31. ONU. Convenção da ONU contra crime organizado transnacional comemora 10 anos. Disponível em:
<https://nacoesunidas.org/convencao-da-onu-contra-crime-organizado-transnacional-
comemora-10-anos/>. Acesso em: 10 nov. 2018.
Por “tráfico de pessoas” entende-se o recrutamento, o transporte,
a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo
à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à
fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade
ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o
consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins
de exploração. A exploração deverá incluir, pelo menos, a exploração da
prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho
ou serviços forçados, a escravatura ou práticas similares à escravatura, a
servidão ou a extração de órgãos;
O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em
vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente artigo,
deverá ser considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um
dos meios referidos na alínea a);
O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou
o acolhimento de uma criança para fins de exploração deverão ser
considerados “tráfico de pessoas” mesmo que não envolvam nenhum
dos meios referidos na alínea a) do presente artigo;
Por “criança” entende-se qualquer pessoa com idade inferior a
dezoito anos. (destacado)
Valendo-se do chamado “tipo misto alternativo”, presente na
legislação penal brasileira, inicialmente o Protocolo age com vista à eficiência
ao englobar uma diversidade de ações tanto diretas de aliciamento como
correlatas, alcançando assim também a figura do partícipe nas legislações
estaduais, de modo que este também possa ser considerado um possível
coautor do crime.
A isso acrescem-se os requisitos de seu objeto, previstos na alínea
“c” do supracitado artigo, quais sejam: a exploração da prostituição de outrem
ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou
práticas similares à escravatura, a servidão ou a extração de órgãos.
Referentemente à exploração sexual, que é a temática a qual se dirige
a presente pesquisa e, considerando-se a vocação do instrumento em
prevenir, proteger e reprimir o tráfico especialmente de mulheres e crianças,
é essencial que se avalie a eficiência total ou parcial desse instrumento a
partir das medidas adotadas particularmente no que diz respeito a essa
população específica.
A partir da análise específica dos artigos de nº 02, alínea a, nº 09, alínea
b, itens nº 04 e 05 e 10, item nº 02, se observa que o Protocolo de Palermo
não se limita a abordar a esboçada questão de forma sugestiva e genérica,
antes, ainda que o pontuando sutilmente nos dois primeiros artigos, frisa
de modo firme a necessidade de que questões específicas referentes ao
tratamento do TP ocorram com a consideração às necessidades individuais
das vítimas.
Artigo 2.º O presente Protocolo tem como objeto:
a) Prevenir e combater o tráfico de pessoas, prestando uma especial
atenção às mulheres e às crianças;
Artigo 9.º Prevenção do tráfico de pessoas 1. Os Estados Partes
deverão estabelecer políticas, programas e outras medidas abrangentes para:
b) Proteger as vítimas de tráfico de pessoas, especialmente as
mulheres e as crianças, de nova vitimização.
4. Os Estados Partes deverão adotar ou reforçar medidas,
designadamente através da cooperação bilateral ou multilateral, para reduzir
os fatores como a pobreza, o subdesenvolvimento e a desigualdade de
oportunidades, que tornam as pessoas, em especial as mulheres e as
crianças, vulneráveis ao tráfico.
5. Os Estados Partes deverão adotar ou reforçar as medidas
legislativas ou outras, tais como medidas educativas, sociais ou culturais,
designadamente através da cooperação bilateral ou multilateral, a fim de
desencorajar a procura que propicie qualquer forma de exploração de
pessoas, em especial de mulheres e crianças, que leve ao tráfico.
2. Os Estados Partes deverão assegurar ou reforçar a formação dos
funcionários dos serviços responsáveis pela aplicação da lei, dos serviços
de imigração ou de outros serviços competentes, na prevenção do tráfico
de pessoas. A formação deve incidir sobre os métodos utilizados para
prevenir o referido tráfico, para perseguir judicialmente os traficantes e para
fazer respeitar os direitos das vítimas, nomeadamente protegendo-as dos
traficantes. A formação deverá igualmente ter em conta a necessidade
de abarcar os direitos humanos e as questões específicas dos homens,
das mulheres e das crianças bem como encorajar a cooperação com
organizações não governamentais, outras organizações relevantes e
outros sectores da sociedade civil.32 (grifos nossos)
Um dos impactos do referido Protocolo no Brasil se deu a partir da
promulgação da Lei nº 13.344/2016, a qual, tendo por objeto o tratamento
criminal quanto ao tráfico interno e internacional de pessoas33, afirma a
32. BRASIL.  Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra A Criminalidade Organizada
Transnacional Relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial de Mulheres
e Crianças. Disponível em: <http://sinus.org.br/2014/wp-content/uploads/2013/11/OIT-
Protocolo-de-Palermo.pdf>. Acesso em: 09 nov. 2018.
33. BRASIL. Lei nº 13.344, de 06 de outubro de 2018. Dispõe sobre prevenção e repressão ao tráfico interno e
base principiológica de combate ao tema, pontuando o desenvolvimento de
seus eixos de ação, com especial atenção para a intensificação da repressão.
Embora a ratificação do Protocolo represente um ganho em termos de
proteção estatal em direitos humanos, seu tratamento prioritário pela lei que
o incorpora abarca tão somente crianças e adolescentes, desconfigurando
assim, em seu texto, um dos pontos centrais desse instrumento.
Na esteira das supracitadas disposições, segue abaixo quadro que
contém todos os instrumentos internacionais e eventos referentes a direitos
humanos que, respectivamente, foram ratificados pelo Brasil e que tiveram
a sua participação.

2 PRINCIPAIS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS CONTRA O


TRÁFICO DE MULHERES

Referente aos instrumentos internacionais, foram catalogados


apenas aqueles que contêm expressamente o termo “tráfico” em seu
texto, sendo listados de acordo com a data de sua elaboração e a forma de
comprometimento referente ao tema.
Feitas as devidas ressalvas à riqueza de detalhes e princípios que
permeiam as supracitadas Convenções e Protocolos, os quais representam,
com maior ou menor intensidade, marcos históricos nos avanços
internacionais contra a prática de todas as formas de escravidão, serão
listadas abaixo a síntese das obrigações assumidas pelo Estado Brasileiro
contra a prática do Tráfico de Pessoas com particular atenção para as
obrigações pertinentes às políticas adotadas em favor de mulheres.

internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas; altera a Lei no 6.815, de 19 de agosto de 1980,
o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e o Decreto-Lei no 2.848,
de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); e revoga dispositivos do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro
de 1940 (Código Penal). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2016/Lei/L13344.htm>. Acesso em: 9 nov. 2018.
Síntese do
Síntese da
conteúdo do Tratamento dado
obrigação
Instrumento instrumento à questão da
assumida
+ Meio de mulher
referente ao TP
promulgação

A Convenção
Suplementar
sobre Abolição da
Escravatura, do A obrigação
Tráfico de Escravos assumida consiste
e das Instituições e na criação de
Práticas Análogas impedimentos em
à Escravatura, relação a trânsito de
adotada em 1956 quaisquer tipos de
no âmbito das meios de transporte
Nações Unidas, que sirvam ao
Convenção
tem por base a deslocamento de
Suplementar
sobre Abolição Convenção relativa pessoas traficadas. Não há dispositivos
à Escravatura Além disso,
da Escravatura, que tratem
(1926), tendo por há o enfoque
do Tráfico de especificamente
pontos relevantes o no exercício
Escravos e das de questões
combate à formas da cooperação
Instituições e pertinentes à vítima
internacional
Práticas Análogas de comercialização mulher.
de pessoas, contra o delito e
à Escravatura
servidão por na necessidade
(1956).
dívidas e casamento de prestação de
e trabalho forçados. informações
Previsão explícita ao Secretário-
ao longo do texto. Geral a respeito
de quaisquer
Promulgada mudanças
pelo Decreto normativas
Presidencial nº referentes ao TP.
58.563 de 1º de
junho de 1966
Baseando-se
na Declaração
Universal
dos Direitos
Humanos de
1948, e originando
o Sistema
Interamericano
de Proteção aos
Direitos Humanos,
o pacto tem como
finalidade e a
reafirmação dos
direitos e garantias Não há dispositivos
Convenção fundamentais Adoção de medidas
que tratem
Americana do ser humano legislativas contra
especificamente
de Direitos daquela declaração quaisquer formas
de questões
Humanos -Pacto em âmbito regional, de Tráfico de
pertinentes à vítima
de San José (1969) levando em conta Pessoas.
mulher.
as particularidades
dos países latino-
americanos .
Previsão explícita
no artigo 6º.
Promulgada
pelo Decreto
Presidencial nº
678, de 06 de
novembro de
1992/ EC nº
45/2004
Ainda que adotada
com reservas
e objeções por
determinados
países por razões
de ordem cultural
e religiosa, a
Convenção sobre
a Eliminação de
Todas as Formas O instrumento
Convenção sobre de Discriminação cita ligeira e
a Eliminação de contra a Mulher Adoção de medidas
genericamente a
Todas as Formas visa eliminar a (lato sensu) contra
necessidade de
de Discriminação discriminação o Tráfico de
adoção de medidas
contra a Mulher e assegurar a Pessoas.
contra o tráfico de
(1979) igualdade entre mulheres.
homens e mulheres.
Previsão explícita
no artigo 6º.
Promulgada
pelo Decreto
Presidencial nº
4.377, de 13 de
setembro de 2002.
A DPP se destaca
frente aos demais
instrumentos pela
sua perspectiva de
Adoção de medidas equidade com a
referentes à qual trata a questão
inserção da tem da vítima mulher.
ética do TP na Inicialmente, o
educação forma e instrumento aponta
na conscientização a necessidade que
Resultantes da que sejam adotadas
da população, neste
4ª Conferência medidas legislativas
último caso, a fim
Mundial sobre e assistencialistas
de se combater
as Mulheres, considerando-se as
também o turismo
em Pequim, especificidades da
sexual.
China, o Plano mulher enquanto
e a Declaração Foco na adoção
tal. A partir disto,
se restringem à de leis e medidas
numa perspectiva
análise prioritária assistencialistas
generalista e
de 12 temas em a partir da
conglobante, o
que mulheres e perspectiva das
DPP discorre
Declaração e meninas tenham especificidades
sobre: políticas
Plataforma de maiores obstáculos. da mulher
públicas, legislação;
Pequim (1990) Desta forma, enquanto tal.
inserção da
aqueles visam, Intensificação da
temática do TP na
principalmente cooperação jurídica
educação formal
a igualdade de internacional
com vistas à
gênero. com vistas à
conscientização
melhor eficiência
Participação das pessoas,
investigativa.
brasileira na assim como à
Foco também
aprovação dos conscientização
numa assistência
documentos da população;
sustentável à
resultantes combate ao
vítima, de modo a
turismo sexual;
possibilitar também
combate a práticas
que essa possa
culturais e religiosas
superar situações
discriminatórias
de vulnerabilidade
contra a mulher;
material.
alocação de
recursos para a
reintegração da
vítima de modo
a impedir a sua
revitimização.
Sendo a Convenção
mais ratificada
do mundo, a
Convenção sobre
os Direitos da
Criança visa em
seus 54 artigos
expor os direitos
das crianças nos
mais diversos
âmbitos e fixar a
responsabilidade de
seus responsáveis
legais. Além disso, Não há dispositivos
também conta com Foco na adoção de
que tratem
Convenção sobre três protocolos medidas nacionais
especificamente
os Direitos da complementares e na cooperação
de questões
Criança referentes à jurídica com vistas
pertinentes à vítima
participação ao combate ao TP.
mulher.
de crianças em
conflitos armados,
à prostituição
infantil e à venda
de crianças.1
Previsão explícita
no artigo 35.
Promulgada
pelo Decreto
Presidencial nº
99.710, de 21 de
novembro de 1990.
Sendo os
documentos
mais importantes
produzidos no
último século,
Combate aos
a Declaração
elementos Seus elementos
e Programa de
que abarcados referentes à mulher
Ação de Viena,
pela violência possuem foco no
resultantes da
contra a mulher, combate à violência
Conferência
possibilitando contra a mesma,
Declaração e Mundial dos
também a vedação assim como às
Programa de Direitos Humanos,
à perpetuação de práticas culturais
Ação de Viena visa o reforço aos
ações culturais ou religiosas
(1993) direitos humanos
e religiosas que discriminatórias
e fundamentais
discriminem a que possam
a partir de sua
mulher e, assim, contribuir para a
incorporação nos
possibilitem a perpetuação de
planos educacionais
violação a seus violações.
dos Estados2.
direitos.
Participação
brasileira na
presidência do
Comitê de Redação
da Conferência.3
Baseando-se
na Convenção
sobre os Direitos
do Menor, a
Convenção
Interamericana de
sobre o Tráfico
Internacional de Tratar a repressão
Menores é fixada penal considerando
a responsabilidade a gravidade da
Estatal para a conduta. Promover Não há dispositivos
A Convenção apuração de a cooperação que tratem
Interamericana de possíveis delitos internacional especificamente
sobre o Tráfico e a adoção e aprimorar o de questões
Internacional de pelos mesmos intercâmbio entre pertinentes à vítima
Menores (1994) de medidas de fontes de dados mulher.
prevenção e sanção estatais pertinentes
desse tipo de delito. à temática do
Previsão explícita tráfico de pessoas
ao longo do texto.
Promulgada
pelo Decreto
Presidencial nº
2.740, de 20 de
Agosto de 1998.
A Convenção de
Belém do Pará
se coloca como Embora não
um importante trate de forma
instrumento de aprofundada o
proteção à mulher tráfico de pessoas
no que diz respeito tanto na sua
Convenção a sua integridade modalidade ampla
Interamericana física ao conceituar Proteção essencial como em relação à
para Prevenir, a violência contra aos direitos da vítima mulher, ao
Punir e Erradicar a mesma e expor mulher, com conceituar o TP
a Violência meios práticos de a consequente dentro do conceito
Contra a Mulher combater violações repressão de de violência contra
– Convenção de a seus direitos. quaisquer ações em a mulher, aquela
Belém do Pará Previsão explícita contrário. passa a “usufruir”
(1994) no artigo 2º. das disposições
protetivas
Promulgada
outorgadas às
pelo Decreto
vítimas das
Presidencial nº
demais formas de
1.973, de 1º de
violência.
agosto de 1996.
Sendo parte
integrante da Assegurar
Convenção dos que quaisquer
Direitos da Criança, finalidades de
esse Protocolo visa tráfico de pessoas
a criminalização da sejam abrangidos
venda, prostituição pela legislação
e pornografia de penal. Garantir
crianças, além que a sanção penal
Protocolo
de permitir que seja proporcional
Facultativo para
crianças que à gravidade do
a Convenção Não há dispositivos
tiveram seus delito cometido, de
sobre os Direitos que tratem
direitos violados modo que a sanção
da Criança especificamente
possam denunciar civil também seja
sobre a venda de questões
seus violadores aplicada. Adoção
de crianças, pertinentes à vítima
prostituição para as autoridades de todas as medidas menina.
públicas de seus estatais possíveis
e pornografia
países.4 Previsão para o combate.
infantis (2000)
explícita nos Promoção da
parágrafos 3º e 7º. conscientização
popular a respeito
Promulgada
desse crime.
pelo Decreto
Promoção e
Presidencial nº
fortalecimento
5.007, de 8 de
da cooperação
março de 2004
internacional.

1
PROFUTURO. A história da ‘Convenção dos direitos da criança’. Disponível em:
<https://profuturo.education/pt/2017/11/23/a-historia-da-convencao-
dos-direitos-da-crianca/>. Acesso em: 08 nov. 2018.
2
ONU. Declaração e Programa de Ação de Viena (1993). Disponível em: <https://
slideplayer.com.br/slide/68292/>. Acesso em: 13 nov. 2018.
3
ALVES, José Augusto Lindgren. O significado político da Conferência de Viena
sobre Direitos Humanos. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/
index.php/rap/article/viewFile/8555/7293>. Acesso em: 08 nov. 2018.
4
BRASIL, Onu. ONU pede ratificação universal de convenção sobre direitos da criança.
Disponível em: <https://nacoesunidas.org/onu-pede-ratificacao-universal-
de-convencao-sobre-direitos-da-crianca/>. Acesso em: 09 nov. 2018.
3 ANÁLISE DOS DADOS EXPOSTOS

3.1 DECLARAÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS


FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER: SUAS
IMPLICAÇÕES À POSTURA BRASILEIRA

Da tabela supracitada se depreende que, dentre os nove instrumentos


supracitados, apenas a Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra a Mulher (1979), a Declaração e Plataforma de
Pequim (1990), a Declaração e Programa de Ação de Viena (1993) e a
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
Contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará (1994) trazem dispositivos
que versam sobre a vítima mulher e, dentre eles, apenas os dispositivos das
Declarações de 1990 e 1993 o fazem de forma específica – com destaque
para o primeiro, em relação ao qual importa expor uma importante análise.
Entretanto, atendo-se ainda aos dados, se depreende que não
somente a inserção de dispositivos específicos pertinentes à proteção da
mulher se deu de forma tardia (1979), como também não se deu por meio
de instrumento que trata dos direitos humanos a partir de uma perspectiva
da coletividade, mas sim de um instrumento especificamente direcionado
aos direitos das mulheres.
A partir de uma abordagem centrada na necessidade da igualdade de
direitos entre homens e mulheres e ao afastamento de quaisquer formas
de discriminação contra essas últimas, acresce-se ainda a necessidade de
quebra de estereótipos negativos que lhes impõe papeis sociais subalternos.
Desta forma, o contexto argumentativo da Declaração sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher pontua o tráfico
de mulheres como um dos frutos de discriminações sólidas historicamente
construídas.
Considerando que não existe qualquer óbice para que instrumentos
internacionais de direitos humanos possam tratar especificamente de um
público-alvo sem que ele se preste somente a isso, essa abordagem revela
determinada resistência em relação ao tema por parte da comunidade
internacional; resistência essa que se procurará decifrar e que vem sendo
superada com menos intervalos de tempo, como se vislumbra a partir da
Convenção e Protocolo de Palermo.
3.2 UM ADENDO À RESISTÊNCIA INTERNACIONAL À
CEDAW

Referentemente à alegada resistência, nas palavras de Flávia Piovesan,


essa se confirma ou, pelo menos, se evidencia a partir da seguinte postura
adotada por Bangladesh e pelo Egito cujas contra o Comitê sobre a
Eliminação da Discriminação contra a Mulher:
Um universo significativo de reservas concentrou-se
na cláusula reativa à igualdade entre homens e mulheres
na família. Tais reservas foram justificadas com base em
argumentos de ordem religiosa, cultural ou mesmo legal,
havendo países (como Bangladesh e Egito) que acusaram
o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a
Mulher de praticar “imperialismo cultural e intolerância
religiosa”, ao impor-lhes a visão de igualdade entre
homens e mulheres, inclusive na família.34
Em relação ao Brasil, este foi um dos países a demonstrar resistência
a determinadas disposições da CEDAW, assinando-o somente em 1981 e
ratificando-o tão somente em 1984, com reservas referentes ao Direito de
Família35, as quais foram retiradas em 1994:
As reservas aos artigos 15 e 16, retiradas em 1994, foram
feitas devido à incompatibilidade entre a legislação
brasileira, então pautada pela assimetria entre os direitos
do homem e da mulher. A reserva do artigo 29, que não
se refere a direitos substantivos, é relativa a disputas entre
Estados parte quanto à interpretação da Convenção e
continua vigorando. Quanto ao Protocolo Adicional à
Convenção, o Brasil se tornou parte em 2002.36
Para fins de aprimoramento da discussão, seguem abaixo os citados
artigos de nº 15 e 16, aos quais foram feitas as reservas:
Artigo 15.
Os Estados-Partes reconhecerão à mulher a igualdade com
o homem perante a lei:
§4. Os Estados-Partes concederão ao homem e à mulher
os mesmos direitos no que respeita à legislação relativa ao
direito das pessoas à liberdade de movimento e à liberdade
de escolha de residência e domicílio.

34. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva


- Jus, 2018. 752 p. (18). Disponível em: <https://books.google.com.br>. Acesso em: 07 nov.
2018.
35. Os direitos das mulheres no contexto internacional: a Conferência de Beijing. Disponível em: <https://
www.maxwell.vrac.puc-rio.br/10180/10180_5.PDF>. Acesso em: 10 nov. 2018.
36. MULHERES, Secretaria de Políticas Para As. Convenção para a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher - CEDAW - Comentários. Disponível em: <http://www.spm.gov.
br>. Acesso em: 10 nov. 2018.
Artigo 16
§1. Os Estados-Partes adotarão todas as medidas adequadas
para eliminar a discriminação contra a mulher em todos os
assuntos relativos ao casamento e às relações familiares, em
particular, com base na igualdade entre homens e mulheres,
assegurarão:
a) O mesmo direito de contrair matrimônio:
c) Os mesmos diretos e responsabilidades durante o
casamento e por ocasião de sua dissolução;
g) Os mesmos direitos pessoais como marido e mulher,
inclusive o direito de escolher sobrenome, profissão e
ocupação;
h) Os mesmos direitos a ambos os cônjuges em matéria
de propriedade, aquisição, gestão, administração, gozo e
disposição dos bens, tanto a título gratuito quanto a título
oneroso.37
Considerando que, atualmente, o Brasil é um dos membros do
Comitê CEDAW e que o mesmo se tornou parte do Protocolo Adicional
à Convenção em 200238, visualiza-se a apontada e gradual superação
de resistências estatais à atuação especificamente em prol da defesa da
mulher. Entretanto, ainda assim, ante o exposto, se pôde vislumbrar que
essas resistências podem significar obstáculos à criação e concretização,
respectivamente, de instrumentos internacionais e compromissos
internacionais contra práticas criminosas contra a mulher, como é o caso
do tráfico de pessoas. Daí, o tratamento dessa temática de forma cada vez
mais específica por instrumentos internacionais que não a tenham como
único objeto pode refletir essa gradual superação dessas discriminações
institucionalizadas.
Referentemente à “Declaração de Pequim” (1990), nas palavras de
Ana Vianna39, aquela constitui um texto sensível, pois, trata de um tema que
é considerado um tabu ao defender e promover dos direitos das mulheres,
mobilizando crenças individuais (pág. 44) a partir de uma forte perspectiva
da igualdade de gênero. Desta forma, sendo um texto dessa espécie, possui
37. ONU. Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. Disponível em:
<http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2013/03/convencao_cedaw1.pdf>.
Acesso em: 08 nov. 2018.
38. GÊNERO, Observatório de. O Comitê CEDAW – Comitê para a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher. Disponível em: <http://www.observatoriodegenero.gov.br/eixo/
internacional/instancias-regionais/o-comite-cedaw-2013-comite-para-a-eliminacao-de-todas-
as-formas-de-discriminacao-contra-a-mulher>. Acesso em: 10 nov. 2018.
39. VIANA, Ana Luiza Treichel. A Declaração de Pequim como texto sensível: Uma análise das unidades de
tradução relativas à noção de gênero. 2017. 197 f. Tese (Doutorado) - Curso de Linguística Aplicada,
Unisinos, São Leopoldo, 2017. Disponível em: <http://www.repositorio.jesuita.org.br>.
Acesso em: 08 nov. 2018.
peculiaridades a si inerentes, as quais possuem uma forte carga valorativa,
ainda que essa característica seja inerente a documentos que versam sobre
direitos humanos.
Entretanto, ainda que a Declaração e a Plataforma de Ação de
Pequim configurem o maior quadro de políticas mundiais para realizar os
objetivos da igualdade de gênero, do desenvolvimento e da paz40, o que,
em termos, significa a proteção aos direitos fundamentais das mulheres,
houve controvérsias quanto à aceitação dos seus dispositivos por parcela
dos Estados-Membro. Basicamente, haveria uma dualidade representada
pelos Estados ditos “progressistas”, que defendiam a universalidade dos
direitos das mulheres, e os “fundamentalistas”, que, por sua vez, negavam a
concepção de “universalidade” sob a alegação da dependência dos ideais de
direitos fundamentais à diversidade cultural. 41
Diferentemente da postura adotada em 1979, no contexto da
Declaração e da Plataforma de Pequim, o Brasil posicionou-se de forma
progressista, o que se refletiu numa postura ativa de trabalho do Comitê
Nacional de preparação da posição brasileira. Além do mais, assim como
sustentado por Ana Luci Paz Lopes42, citando Haddad e Lima, a abertura
democrática experimentada pelo país – que saíra recentemente do período
ditatorial – possibilitou não somente o aumento do interesse nacional
pela política internacional, como também o pronunciamento de novos
protagonistas no âmbito do Ministério de Relações Exteriores, o qual já
possui determinada autonomia em relação à política externa.
Deste modo, se evidencia que o combate ao tráfico de mulheres,
especificamente, tem a sua eficiência em proporcionalidade com o grau
de liberdade dos indivíduos dentro de uma sociedade. Portanto, cabe
acrescer também que a grande questão referente ao Tráfico de Mulheres
é que a referida eficiência pode também estar intrinsecamente ligada às
discriminações institucionalizadas nos Estados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Satisfatoriamente, foram encontrados diversos instrumentos


jurídicos internacionais que, se desprendendo de convicções pautadas em

40. UNRIC.  Declaração e Plataforma de Acção de Beijing, quinze anos após a sua adopção. Disponível
em: <https://www.unric.org/pt/actualidade/27555-declaracao-e-plataforma-de-accao-de-
beijing-quinze-anos-apos-a-sua-adopcao>. Acesso em: 08 nov. 2018.
41. LOPES, Ana Luci Paz. Construção da posição do governo brasileiro referente à plataforma da Ação de
Pequim: primórdios e atualidade. Disponível em: <http://www.wwc2017.eventos.dype.com.br/
resources/anais/1499397250_ARQUIVO_artigoMMFGfinal.pdf>. Acesso em: 06 nov. 2018.
42. Ibidem
preconceitos – que iam além da questão de gênero, como se observou no
caso do Tráfico de Escravas Brancas – foram cruciais para uma introdução
e desenvolvimento de questões ligadas à igualdade de gênero, como é
exemplo a Declaração de Beijing (1995).
Entretanto, a análise do conjunto desses instrumentos, os quais
foram selecionados por conterem expressamente a palavra “mulher”, o que
indica que os tais pudessem ter normas específicas destinadas a elas, revelou
que àquela, até a referida Convenção, não costumavam ser destinados
mecanismos específicos de proteção.
Assim, foi constatado que apenas esforços feitos por mulheres e para
mulheres puderam dar a elas o tratamento específico que necessitavam, pois,
como foi discorrido ao longo da pesquisa, ao grau de sua vulnerabilidade
deveriam ser proporcionais a quantidade de instrumentos jurídicos e
políticas públicas com foco na proteção, assistência e prevenção daquelas
com vistas à proporcionalidade. Colaborando com a presente afirmação, o
Protocolo de Palermo, destinando-se especialmente às mulheres e crianças,
percebe esta vulnerabilidade acentuada desses grupos.
Pertinentemente à referida igualdade, pode-se vislumbrar que
esta é a principal causa que representa um óbice a que todos os países,
indistintamente, assumam os compromissos de atuarem incisivamente
contra esse crime. Essa desigualdade se tornou nítida na análise da evolução
do combate ao Tpex no Brasil, tendo assim se tornado notável que ela, aliada
à discriminações sociais existentes sobre a mulher, em especial à mulher que
se prostitui, se torna um essencial fator de afastamento da atuação estatal
em relação à mulher e, consequentemente, à vítima de Tpex.
Portanto, evidencia-se que a postura brasileira em relação à mulher
traficada caracterizou-se essencialmente por omissões provenientes de
estigmas sociais quanto à mulher, entretanto, percebe-se, satisfatoriamente,
a abertura do Estado Brasileiro às convenções internacionais que tratam
especificamente da mulher.
Conforme narração pertinente à incorporação dos dispositivos do
Protocolo de Palermo às normas internas em sua integralidade, não é
possível afirmar que o Brasil demonstra postura isenta de discriminações
negativas em relação à mulher prostituída. Entretanto, das exposições aqui
realizadas, se depreende a existência de uma maior liberdade de discussão
desse tema pelo país, de sua vinculação às normas internacionais que o
tem por objeto e, consequentemente, da adoção de medidas contrárias à
perpetuação de sua prática.
REFERÊNCIAS

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Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal),
e o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); e
revoga dispositivos do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940
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São Leopoldo, 2017. Disponível em: <http://www.repositorio.jesuita.org.
br>. Acesso em: 08 nov. 2018.
CAPÍTULO 21

A EXPLORAÇÃO DA
MULHER NO CONTEXTO DE
CONFLITOS ARMADOS: DA
VULNERABILIDADE DE GÊNERO
AO TRÁFICO DE PESSOAS

ANA FLÁVIA FRANCISCO FACURY


Graduanda em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM),
pesquisadora discente no projeto “Pessoas Invisíveis” em 2019.

JULIANA VIGARANI BELUZZO


Graduanda em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM),
pesquisadora discente no projeto “Pessoas Invisíveis”. Interessa-se por
Direito Penal e Direito da Criança e do Adolescente.

INTRODUÇÃO

O tráfico internacional de pessoas é atualmente o crime mais lucrativo


ao redor de globo e tem como sua principal vítima mulheres e crianças
em situação de vulnerabilidade. Esse crime vem crescendo gradativamente
devido a diversos fatores que ainda não foram superados em nossa sociedade
o que acaba tornando um grupo de pessoas mais suscetível a ser vítima
desse crime, são esses fatores: conflitos armados mundiais, intensificação
do fluxo de refugiados e imigrantes que fogem das guerras e da escassez
econômica de seus países, crescimento dos índices de violência na esfera
global, instabilidade política e econômica, o aumento da desigualdade
socioeconômicas, ineficácia de leis e desinteresse dos estados e autoridades
responsáveis, preconceitos relacionados ao gênero, raças e culturas. Por
ser um crime altamente lucrativo, muitas vezes estão envolvidas redes
internacionais de criminosos espalhados pelo mundo, o que dificulta ainda
mais o combate a essa prática.
Este fenômeno é complexo e inaceitável, sendo materializado em
crime organizado, associado à corrupção institucional, e apesar de apresentar
diversas vertentes, o presente artigo tem como objetivo analisar o tráfico
pessoas no contexto de conflitos armados, sendo suas principais vítimas
mulheres e crianças, em que mulheres são exploradas sexualmente, no qual
será abordado as diversas faces da exploração sexual, como a escravidão
sexual e o casamento forçado com relação às mulheres.
A questão da violência contra mulher é tão antiga quanto a história
humana e foi por um longo período de tempo ignorada pela sociedade,
políticos e estudiosos. A violência contra mulher é um tema que ultrapassa
barreiras do doméstico e do privado, estando presente no meio internacional
e especialmente durante conflitos armados.

1 O QUE É UM CONFLITO ARMADO?

Em 2016, mais países estavam passando por algum tipo de conflito


violento do que em qualquer outro momento nos últimos 30 anos. As
pessoas que vivem nessas áreas de conflito podem sofrer abusos, violência
e exploração, incluindo o tráfico de pessoas. O risco de tráfico de pessoas
também está relacionado ao alto número de refugiados. A necessidade de
fugir da guerra e da perseguição pode ser aproveitada para a exploração
pelos traficantes.
O tráfico de pessoas no contexto de conflitos armados tem crescido
relativamente, e consequentemente chamando a atenção para o problema
pela comunidade internacional, isso porque as pessoas que são vítimas
desses conflitos apresentam um alto grau de vulnerabilidade, estando
sujeitas à diversas violações de direitos humanos. Em novembro de 2017, o
Conselho de Segurança da ONU emitiu na Resolução 2388 e reiterou uma
grande preocupação com o tráfico de pessoas nas áreas em que perduraram
o conflito armado. 
O Conselho de Segurança da ONU condenou todos os atos de tráfico
de pessoas praticados pelo Estado Islâmico, Boko Haram, Al-Shabaab,
Exército da Resistência do Senhor que tinham como propósito a escravidão
sexual, a exploração sexual e o trabalho forçado. 
Os conflitos armados trazem diversos elementos que podem
caracterizar o tráfico, isso porque esses conflitos aumentam a vulnerabilidade
social e econômica do local. Adicionando a isso, a falta de obediência às leis
levando a impunidade que apenas gera um ambiente propício para que o
tráfico de pessoas possa acontecer, tanto por grupos armados como por
criminosos locais. 
Diferentes instituições que trabalham com segurança e assistência
humanitária definem conflitos armados de diversas maneiras, entretanto, os
autores das definições devem identificar o começo e o fim de um conflito
armado, e determinar um critério para identificar quais os tipos de violências
constituem um conflito armado.
A definição dada pelo UCDP/PRIO Armed Conflict Dataset, publicado
pelo Centre for the Study of Civil War at the Internatioal Peace Research Institute,
distingue conflito armado em duas categorias, que são classificados de
acordo com as taxas anuais de causalidades, no qual um conflito “menor”
é definido como um conflito no qual há entre 25 a 990 mortos em uma
batalha, e “guerra” é definida como um conflito em que há pelo menos
1.000 mortes relacionadas à batalhas. Com relação as mortes relacionadas à
batalha, estão excluídas as mortes diretas e indiretas devido a doença e fome,
criminalidade ou ataques deliberadamente direcionados apenas contra civis.
Um conflito armado é uma incompatibilidade contestada que se
refere ao governo e/ou território onde o uso da força armada entre duas
partes, das quais pelo menos uma é o governo de um estado, que resulta em
pelo menos 25 mortes relacionadas à batalha.1 (tradução livre)
A principal característica da definição de conflitos armados da
UCDP/PRIO é a qualificação e classificação baseada no número de mortes
ocorrida durante a batalha, porém, focar em mensurar um conflito armado
pelo seu número de mortes é algo complicado. O primeiro grande problema
é que nem sempre é reportado o número correto de mortes que ocorre
em uma batalha, isso porque, conflitos armados em estados autoritários e
em países em desenvolvimento são frequentemente subnotificados, não há
uma preocupação em fazer uma base de dados confiável, e muitas vezes as
forças do governo e rebeldes costumam exageram na quantidade de mortes
ocorridas em batalha. Além disso, diferentes métodos de contagem podem
produzir estimativas bastantes diferentes dos números de mortes.
O segundo problema está relacionado em focar a classificação de um
conflito armado com relação as mortes ocorridas durante a batalha, isso
porque, nesses casos se exclui o impacto socioeconômico relacionado ao
conflito, ou seja, o impacto que ele gera indiretamente na sociedade local.
Do ponto de vista de gênero, a quantificação de conflitos armados com
base em mortes relacionadas é muito mais tendenciosa para os homens,
em detrimento das mulheres e meninas. Enquanto mais homens tendem a
1. UCDP/PRIO. The UCDP/PRIO Armed Conflict Dataset Codebook Version 4-2006. Disponível em
<https://www.prio.org/Global/upload/CSCW/Data/UCDP/2006/Codebook_v4-2006.
pdf >. Acesso em: 02 de novembro de 2019. Texto original: An armed conflict is a contested
incompatibility which concerns government and/or territory where the use of armed force between two parties,
of which at least one is the government of a state, results in at least 25 battle- related deaths.
serem mortos no campo de batalha, mulheres e crianças são frequentemente
desproporcionalmente alvo de outras formas de violência letal durante o
conflito, isso inclui violência sexual, no qual teremos o que chamamos de
violência secundária contra sobreviventes de violência sexual e morte por
gravidez ou infecção por HIV/ AIDS resultante de estupro que acabam
não sendo contabilizadas nesses dados.
Outro ponto que deve ser levado em consideração é o colapso
do sistema de saúde e outras infraestruturas importantes que se perdem
durante um conflito armado, afetando principalmente mulheres e meninas
de maneiras que podem levar à morte por diferentes situações.
Para fins de conceituação neste artigo, utilizaremos o conceito de
“conflito armado não internacional” definido pelo Segundo Protocolo
Adicional das Convenções de Genebra no qual é caracterizado pelo
confronto armado prolongado entre dois ou mais Estados ou entre as
forças armadas do governo e as forças armadas de um ou mais grupos
armados dentro de um Estado. 
Segundo o Art. 1 º do II Protocolo Adicional às Convenções de
Genebra (in verbis):
O presente Protocolo, que desenvolve e completa o Artigo
3 comum às Convenções de Genebra de 12 de agosto de
1949, sem modificar suas condições de aplicação, atuais,
se aplica a todos os conflitos armados que não estiverem
cobertos pelo Artigo 1 do Protocolo Adicional às
Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949, relativo à
proteção das vítimas dos conflitos armados internacionais
(Protocolo I) e que ocorram no território de uma Alta
Parte Contratante entre suas Forças Armadas e Forças
Armadas dissidentes ou grupos armados organizados que,
sob a direção de um comando responsável, exerçam sobre
uma parte desse território um controle tal que lhes permita
realizar operações militares contínuas e concentradas e
aplicar o presente Protocolo. 2
Para que seja caracterizado um conflito armado não internacional,
fazendo com que as partes devam se submeter às leis da guerra, deve-
se observar dois critérios principais: a organização dos grupos armados,
que deve ter capacidade de sustentar operações militares prolongadas
sendo sustentado por um comando responsável e que controla parte do
território. Além disso é preciso verificar a intensidade do conflito, no tempo
e no espaço. Atos esporádicos e isolados de violência são excluídos desses

2. BRASIL. Decreto nº 849, de 25 de junho de 1993. Promulga os Protocolos I e II de 1977 adicionais


às Convenções de Genebra de 1949, adotados em 10 de junho de 1977 pela Conferência Diplomática sobre
a Reafirmação e o Desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário aplicável aos Conflitos Armados.
Presidência da República, Brasília, 25 de junho de 1993.
critérios. No direito internacional humanitário, o termo conflito armado
não internacional substitui expressões como conflito interno, guerra civil,
rebelião, insurgência e insurreição, que não são definidas nas leis da guerra.
Com relação ao conflito armado internacional, podemos encontrar
sua classificação no Art. 1º do I Protocolo Adicional às Convenções de
Genebra (in verbis):
As situações a que se refere o parágrafo precedente
compreendem os conflitos armados nos quais os povos
lutam contra a dominação colonial e a ocupação estrangeira
e contra os regimes racistas, no exercício do direito de
livre determinação dos povos, consagrado na Carta das
Nações Unidas e na Declaração sobre os Princípios de
Direito Internacional referente às Relações de Amizade
e Cooperação entre os Estados, em conformidade com a
Carta das Nações Unidas.3
Portanto, em contraste, o conflito armado internacional, segundo o
direito internacional humanitário, é o conflito entre dois ou mais Estados,
independentemente de ter havido ou não uma declaração de guerra formal,
a expressão também se aplica quando há ocupação militar de parte ou de
todo um território por uma força estrangeira, com ou sem resistência.

2 UM PANORAMA GLOBAL SOBRE O TRÁFICO DE MULHERES


NO CONTEXTO DE CONFLITOS ARMADOS

Diferentes modalidades de tráfico de pessoas surgem em diferentes


partes do mundo, junto com diversas formas de exploração, embora outras
formas de tráfico e exploração – que não sejam exploração sexual e trabalho
forçado – possuem baixas taxas de incidência, elas apresentam algumas
especificidades geográficas. Um bom exemplo é o tráfico para casamento
forçado, que é mais comum ser detectado em partes do Sudeste Asiático.
Para se identificar outras formas de tráfico é preciso analisar a forma em
que os países optaram por criminalizar diferentes tipos de exploração.
Os conflitos armados podem aumentar a vulnerabilidade ao tráfico
de pessoas de diferentes maneiras, visto que há diversas motivações para
se cometer o crime de violência durante conflitos armados. Podem ser
de forma aleatória, como um subproduto do colapso na ordem social e
moral que acompanha a guerra ou podem ser sistemáticas, realizadas por
forças que lutam para o propósito explicito de desestabilizar as populações,

3. BRASIL. Decreto nº 849, de 25 de junho de 1993. Promulga os Protocolos I e II de 1977 adicionais


às Convenções de Genebra de 1949, adotados em 10 de junho de 1977 pela Conferência Diplomática sobre
a Reafirmação e o Desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário aplicável aos Conflitos Armados.
Presidência da República, Brasília, 25 de junho de 1993.
destruindo laços de comunidades e famílias, podem também servir para
sufocar a resistência, inserindo o medo em comunidades ou na oposição a
grupos armados.
Particularmente em conflitos definidos por questões raciais, tribais,
religiosas e outras, a violência pode ser usada para promover a limpeza étnica.
Casos de mulheres e meninas que foram raptadas para fornecer serviços
sexuais para combatentes também pode ser um meio de manifestação da
violência sexual em conflitos armados.
Como os conflitos armados geram áreas com um Estado de Direito
precário e sem recursos para que o Estado ou a população possa enfrentar o
crime cometido pelos traficantes, o local fica propício para o cometimento
de crimes bárbaros. Essa situação é exacerbada por um número maior de
pessoas sem acesso às necessidades básicas e por muitas vezes ocorrendo a
exploração de civis por esses traficantes.
É importante mencionar as formas de tráfico que acontece em áreas
de conflitos armados ou por outros criminosos que se aproveitam da
situação, são: tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e todos os
seus desdobramento como escravidão sexual e prostituição, recrutamento
de crianças soldados, trabalho forçado e rapto de mulheres e meninas para
o casamento forçado.
O tráfico de pessoas para fins de exploração sexual ocorre em todas
as zonas de conflitos analisadas, que inclui a África subsaariana, Norte
da África, Oriente Médio, Sudeste Asiático, entre outros. Em campos de
refugiados no Oriente Médio, está sendo observado que meninas e mulheres
jovens tem sido casada sem consentimento e submetida à exploração sexual
em países vizinhos.
É relevante mencionar que os grupos armados não são os únicos
atores envolvidos no tráfico de pessoas em conflitos armados. Grupos
criminosos e traficantes individuais têm como alvo civis e refugiados,
além de população que se deslocam internamente em campos formais ou
informais.
Em análise feita pela UNODC no Relatório Global sobre o Tráfico
de Pessoas (UNOC, 2018),4 ficou constatado que o rapto de mulheres e
meninas para fins de exploração sexual foi relatado em muitos conflitos
na África Central e Ocidental, bem como nos conflitos do Oriente Médio.
Sendo também relatado que mulheres e meninas são traficadas para o
casamento forçado nas mesmas áreas.

4. UNODC, Global Report on Trafficking in Persons 2018. United Nations publication. New York:
2018.
A maioria das vítimas detectadas é traficada para fins de exploração
sexual, embora não podemos afirmar que acontece em todas as regiões. A
principal vítima do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual são
pessoas do sexo feminino, em que se verifica maior incidência de exploração
sexual nas Américas, Europa, Ásia Oriental e Pacífico. Na América Central
e no Caribe, mais meninas são detectadas como vítimas de tráfico para fins
de exploração sexual, enquanto as mulheres são detectadas como vítima
dessa forma de exploração em outras sub-regiões.
Quando analisamos os tipos de exploração que ocorrem no Oriente
Médio podemos afirmar que:
O Estado Islâmico tem como alvo o povo Yazidi, uma
minoria religiosa, para o tráfico de pessoas para a escravidão
sexual e servidão doméstica (meninas e mulheres), bem
como exploração em combate armado (meninos e homens).
Em alguns casos, a exploração culminou com a venda das
vítimas em “leilões de escravos”, seja para ser vendido de
voltar para às suas famílias, para outros combatentes do
Estado Islâmico ou para outros. Estima-se que em 2016,
mais de 3.200 pessoas Yazidi estavam em cativeiro do
Estado Islâmico. Cerca de 80% das mulheres e meninas
Yazidi capturadas foram vendidas como mercadorias,
enquanto os 20% restante foram distribuídos em campos
militares.5 (tradução livre)
Com relação ao uso da violência sexual como arma de guerra em
conflitos armados, podemos mencionar o caso de Nadia Murad – que
recebeu o Prêmio Nobel da Paz de 2018 por seus esforços na luta contra
a exploração sexual de mulheres em conflitos armados – no qual a jovem
pertencia a minoria Yazidi no Iraque, quando ela e outras centenas de outras
mulheres foram sequestradas e violentadas pelo grupo extremista Estado
Islâmico, sendo vendidas e estupradas coletivamente, sendo vitimas do que
o Estado Islâmico chama de “jihad sexual”.
Nadia Murad6 foi sequestrada em 03 de agosto de 2014, quando
Estado Islâmico atacou os Yazidis em Sinjar – aldeia em que Nadia morava
-, no qual homens, idosos, crianças e deficientes foram massacrados pelos

5. UNODC. Global Report on Trafficking in Persons 2018, Booklet 2: Trafficking in persons in the context
of armed conflict. United Nations publication. New York: 2018. Texto original: ISIL has targeted
Yazidi people, a religious minority, for trafficking for sexual slavery and domestic servitude (girls and women),
as well exploitation in armed combat (boys and men). In some cases, the exploitation culminated with the sale
of the victims at organized ‘slave auctions’, either back to their families, to other ISIL fighters or to others.
Estimates suggest that in 2016, over 3,200 Yazidi people were in ISIL captivity. Some 80 per cent of the
captured Yazidi women and girls were sold as commodities, while the remaining 20 per cent were distributed in
military camps.
6. BBC Brasil. Nadia Murad, a vencedora do Prêmio Nobel da Paz que superou histórico de vítima de
‘jihad sexual’. Disponível em <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-45757310>.
Acesso em: 16 de novembro de 2019.
extremistas. Segundo Nadia, após o massacre cerca de 150 meninas foram
divididas e levadas até Mosul, onde encontraram muitas jovens, mulheres e
meninas, todas Yazidis que haviam sido sequestradas de outras aldeias no
dia anterior.
Essas jovens sequestradas eram levadas por homens do Estado
Islâmico que escolhia algumas delas, que era estupradas e devolvidas como
se nada tivesse acontecido. Muitos dos extremistas chegavam a manter as
mulheres consigo por mais de uma semana, porém logo eram vendidas.
Muitas mulheres acabavam gravidas e deram à luz no cárcere. Elas também
eram levadas ao tribunal islâmico e forçadas a se converter.
Nadia conseguiu fugir pois antes de ser vendida, o último homem
com quem conviveu a deixou em uma casa mulçumana que não concordava
com a ideologia do Estado Islâmico e, portanto, ajudaram a mesma fugir
levando-a até a fronteira com um véu negro e documento de identidade
islâmico.
Durante o painel do Escritório de Direitos Humanos da ONU
(ACNUDH) que ocorreu em 5 de julho de 2016, Nadia Murad busca viajar
pelo mundo para relatar o sofrimento de seu povo e afirma que: “A maior
necessidade da minha comunidade atualmente é a justiça. Não é possível
reconquistar o coração das mães que perderam 6 ou 7 filhos. Só através
da justiça, é possível fazer isso. Nós não precisamos de mais discursos,
precisamos de justiça”.7
Após ser libertada Nadia se tornou uma ativista, rendendo a ela
vários prêmios internacionais, além do Nobel da Paz. Em 2016 foi nomeada
embaixadora da Boa Vontade da ONU para a Dignidade dos Sobreviventes
do Tráfico Humano8.

3 A QUESTÃO DE GÊNERO E A VULNERABILIDADE

A discussão sobre as mulheres, infelizmente, ainda se relaciona à


figura do “sexo frágil” devido a uma construção histórica que se perpetuou
durante muitos anos: a opressão da mulher pelo simples fato de ser mulher.
Simone de Beauvoir exemplifica:
[...] quando duas categorias humanas se acham em presença,
cada uma delas quer impor a outra sua soberania; quando

7. ONU BRASIL. ‘Não precisamos de mais discursos, precisamos de justiça’, diz jovem Yazidi vítima do ISIL.
Disponível em <https://nacoesunidas.org/nao-precisamos-de-mais-discursos-precisamos-
de-justica-diz-jovem-yazidi-vitima-do-isil/>. Acesso em: 16 de novembro de 2019.
8. BBC Brasil. Nadia Murad, a vencedora do Prêmio Nobel da Paz que superou histórico de vítima de
‘jihad sexual’. Disponível em <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-45757310>.
Acesso em: 16 de novembro de 2019.
ambas estão em estado de sustentar a reivindicação, cria-
se entre elas, seja na hostilidade, seja na amizade, sempre
na tensão, uma relação de reciprocidade. Se uma das duas
privilegiada, ela domina a outra e tudo faz para mantê-la
na opressão. Compreende-se, pois, que o homem tenha
tido vontade de dominar a mulher. Mas que privilégio lhe
permitiu satisfazer essa vontade?9
Devido a essa situação de inferioridade surgiu a oportunidade
para que os homens impusessem as mulheres as mais diversas formas de
opressão, incluindo o tráfico de pessoas. Sendo assim, mulheres foram
vendidas, machucadas, traficadas, estupradas e mortas ao longo do tempo
por uma questão estrutural que a sociedade acatou, afinal, o marido
trabalhava enquanto a mulher era para procriar, cuidar dos filhos e da casa,
além de sempre servi-lo - obviamente, privada de trabalhar e dependente
do sustento que lhe era concedido. Inclusive, as que não eram casadas eram
vistas com maus olhos, pois toda mulher deveria pensar em casar e ter uma
família. 
Com o tempo as mulheres foram se posicionando, reivindicando
seus direitos, se impondo e se livrando da figura masculina como seu dono,
contudo, não quer dizer que chegou ao fim. A submissão da mulher perdura
até os dias atuais, não importando classe, raça/etnia ou religião. No presente
artigo, vamos focar no tráfico de mulheres com foco na exploração sexual
e seus desdobramentos, como a escravidão sexual e casamento forçado em
contexto de conflitos armados. 
O Relatório Global sobre o Tráfico de Pessoas, elaborado pelo
Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), aponta
que 71% das vítimas de tráfico humano são mulheres e meninas, que são
recrutadas muito jovens.10 Assim sendo, o tráfico de pessoas, nesse caso,
de mulheres, não é um problema isolado, ele (assim como o machismo)
vem de questões culturais, econômicas, políticas e sociais. Logo, o tráfico
de mulheres para fins sexuais deve ser entendido como mulheres sendo
obrigadas a trabalhar, principalmente como prostitutas, contra a sua vontade
- considerando que essas mulheres foram retiradas de suas casas, vendidas
ou raptadas, e sem condições de voltar ao seu local de origem.  
Um desdobramento muito comum no caso de conflitos armados
é que, por conta vulnerabilidade, coerção, segregação os grupos armados
se utilizam desse meio para perpetuar a escravidão sexual. Diante disso,
as vítimas são raptadas, ficando sob o domínio desses grupos armados,
9. BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. 2º Edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Junho de
2016.
10. UNODC, Global Report on Trafficking in Persons 2018. United Nations publication. New York:
2018.
sendo expostas a diversas formas de exploração sexual, incluindo a estupro
coletivo e a escravidão sexual.  
Entende-se por exploração sexual comercial:
[...] uma violência sexual que se realiza nas relações de
produção e mercado (consumo, oferta e excedente) através
da venda dos serviços sexuais de crianças e adolescentes
pelas redes de comercialização do sexo, pelos pais ou
similares, ou pela via de trabalho autônomo. Esta prática é
determinada não apenas pela violência estrutural (pano de
fundo) como pela violência social e interpessoal. É resultado,
também, das transformações ocorridas nos sistemas de
valores arbitrados nas relações sociais, especialmente o
patriarcalismo, o racismo, e a apartação social, antítese da
ideia de emancipação das liberdades econômicas/culturais
e das sexualidades humanas.11
Com base na definição acima, é importante entendermos que
exploração sexual e prostituição não são a mesma coisa. A prostituição,
desde que voluntária, para mulheres maiores de idade, não é crime na
maioria dos países. O que torna a exploração sexual diferente é o fato de
que para a realização da atividade sexual é necessário um terceiro obrigando
a mulher a realizá-lo. Dessa forma, a Winrock International Brasil, abordou: 
A prostituição de pessoas adultas se diferencia da exploração sexual ou
prostituição forçada pelo fato de existirem, nestas últimas, características de
servidão ou trabalho forçado, como privação ou cerceamento da liberdade,
uso de ameaça ou força, servidão por dívida, retenção de documentos, entre
outros. Já a submissão de crianças e adolescentes à prostituição é sempre
considerada exploração sexual. Não é correto o uso do termo prostituição
infantil.12
A outra modalidade analisada neste estudo será o tráfico de pessoas
para o casamento forçado, não sendo uma das modalidades explicitamente
listada como forma de exploração pelo Protocolo de Palermo, diante disso,
o determinará o tráfico de pessoa nesse caso será a falta de consentimento
da vítima e as diferentes formas de exploração praticada pelo parceiro.
Essa modalidade de tráfico afeta principalmente mulheres e meninas,
principalmente em conflitos armados ocorridos na África, no Oriente
Médio e da Ásia. 
O cenário de guerra/conflitos armados é ideal para o tráfico, isso
porque, além do medo alastrante, a prostituição já se inicia com os militares,
11. LEAL, Maria Lúcia; LEAL, Maria de Fátima P. (orgs). Pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças
e adolescentes para fins de exploração sexual comercial –PESTRAF: relatório nacional – Brasil. Brasília:
CECRIA, 2002. 
12. WINROCK INTERNATIONAL BRASIL. Manual de Capacitação para o Enfrentamento ao Tráfico
de Pessoas. Salvador: ILADH, 2010.
visto que a ideia era que as mulheres entretecem os homens enquanto eles
lutavam na guerra. Sendo assim, mulheres de todos os arredores são levadas
para diversificar a “mercadoria” e, consequentemente, aumentar a demanda
e oferta. Mas, a situação consegue ser pior quando a guerra/conflito acaba
e os militares retornam para suas casas, porque as mulheres estavam ali para
lhes satisfazer. Dessa forma, ou são deixadas no local, sem emprego ou
qualquer perspectiva de vida ou são novamente traficadas para atender a
demanda de novos locais. 
Não podemos deixar de lado que, além como forma de satisfazer
os militares, as mulheres são frequentemente violentadas em situações
de conflito. Isso porque ou elas são uma demonstração de superioridade
masculina, ou como forma de vingança, ou como humilhação para o inimigo
e, ainda, ou como prêmio para os vitoriosos. Mais uma vez, a mulher sendo
tratada como um objeto para satisfazer os homens e, vale lembrar, isso tudo
em pleno século XXI. 
O casamento, como visto, representa outra alternativa para os
traficantes. Assim, as meninas são retiradas de sua comunidade para se casar
com um homem que sequer conhecem, que pode as escravizar sexualmente
ou não, mas obrigam as vítimas a fazerem todos os tipos de trabalho
domésticos. Esses capturadores se tornam donos dessas jovens (bem como
as declaram como suas esposas) e, caso não aceitem a submissão imposta,
são espancadas por não cuidarem da casa, das crianças, por tentarem evitar
o estupro ou por tentarem fugir. 
Segundo a Organização Internacional do Trabalho13, a percepção
da mulher como objeto sexual, e não como sujeito com direito à liberdade,
favorece toda forma de violência sexual. A percepção do homem como o
provedor emocional e financeiro estabelece relações de poder entre ambos
os sexos e entre adultos e crianças. Nesse contexto, mulheres, tanto adultas
como crianças e adolescentes, são estimuladas a desempenhar o papel social
de atender aos desejos e demandas do homem ou de quem tiver alguma
forma de poder hierárquico sobre elas.
A justificativa do fator genético colocar a mulher em um patamar
inferior ao homem, quem mais movimenta o tráfico de mulheres (na maioria
das vezes, em busca do sexo pago), a torna mais exposta ao tráfico. Sendo
assim, considerando o histórico de desigualdade de gênero, faz parecer que
é necessário que a mulher sempre se submeta desde que o demandante seja
um homem ou alguém com poder hierárquico superior ao dela. 

13. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Tráfico de pessoas para fins de


exploração sexual. Brasília: OIT, 2006.
Usualmente, o tráfico acontece de duas maneiras: através do uso de
armas de fogo e/ou força ou por meio do convencimento da vítima ou
de seus familiares. Grupos armados, por exemplo, têm usado o tráfico de
pessoas como uma maneira de impor medo a população que está, direta
ou indiretamente, exposta à um conflito armado. Além disso, traficantes
que não estão no meio do conflito armado, tem aproveitado da situação de
vulnerabilidade para sequestrar, ou seja, enquanto para uns é um momento
amedrontador, para outros é uma oportunidade de cometer crime.  
Ademais, as famílias ou a própria vítima são ludibriados por uma
promessa de vida melhor por alguém, ao contrário do que muitos pensam,
que já estava inserido no seu ciclo de convivência, com boa aparência e
que, de certa forma, lhes trazem alguma segurança. Por exemplo, uma
pesquisa feita pelo UNODC mostra que refugiados do Oriente Médio são,
frequentemente, enganados a dar suas filhas para homens de outros países
em troca de dinheiro, promessas de uma vida melhor ou para o segurança
das meninas. 
Se, por alguma hipótese, essas meninas conseguem voltar a sua
comunidade após serem traficadas, a tendência é sofrer uma represália
– muito maior que a dos homens – por ser considerado que as mesmas
consentiram estar na situação em que estavam, principalmente, quando se
fala de casamento.  
Uma vez na situação de traficada, para manter a vítima dominada,
os traficantes se utilizam da coação física e moral, e, principalmente, da
violência. As mais comuns são: confisco de passaporte, isolamento, ameaças
das mais diversas, violência física e verbal, impedindo assim que as meninas
e mulheres tenham outra opção senão se render.

4 O PERFIL SOCIOECONÔMICO DAS VÍTIMAS

O tráfico de pessoas está totalmente ligado com a pobreza,


desigualdades e as mulheres (que são as principais vítimas). Por isso, traçar
um perfil é possível, mas delimitado, pois, não existe um perfil exato
que determine quem será vítima do tráfico. Na maior parte dos casos,
tanto nacional como internacional, o perfil da vítima é proveniente de
uma vulnerabilidade social, ou seja, trata-se mulheres entre 13 a 22 anos,
afrodescendentes, imigrantes ou refugiadas, em áreas periféricas, com baixa
escolaridade e pouca informação, em um contexto de grande desigualdade
social, desempregadas, baixa renda familiar, de classes pobres, com histórico
de violência doméstica e sexual e sem nenhuma perspectiva de vida.
Além disso, podemos perceber dois perfis: (i) a mulher que foi tirada
a força do seu ambiente e não sabe o que está por vir e (ii) a mulher que
procura algum emprego como doméstica, babá ou afins e vai em busca
de uma qualidade de vida melhor. Ambos acabam se tornando a mesma
coisa: tráfico de mulheres para fins de exploração sexual ou casamento. A
partir do momento que sua liberdade é privada, independente da forma
como ela chegou até lá, continua sendo uma mulher traficada. O que acaba
fazendo o perfil II a aceitar ir para algo desconhecido é principalmente o
fato econômico, enquanto o perfil I foi raptada e, sequer, teve poder de
escolha. 
Nesses casos específicos de tráfico que estamos abordando no
estudo, a tentativa é de “recrutar” mulheres jovens e bonitas, visto que as
modalidades apresentadas são para satisfazer vontades masculinas. Assim
sendo, procuram-se mulheres que estão nos padrões estéticos de belezas:
jovens, magras, bonitas e altas, pois, as que são esteticamente padronizadas
serão as mais caras, gerando consequentemente mais lucro. 
O tráfico de mulheres é uma forma explícita de violação dos direitos
dessas mulheres citadas anteriormente. Afinal, estamos falando de mulheres
muito jovens, sobretudo crianças, que estão na ilusão de se libertar da
situação que se encontram, seja de pobreza, seja familiar seja de conflitos
sociais, econômicos e/ou políticos ou seja de qualquer outra situação de
vulnerabilidade. 
Muitas das vezes, essas jovens mulheres vão para outro país, ou até
mesmo outro continente, aliciadas por uma proposta irrecusável de trabalho,
que ao ter em mãos é totalmente diferente do que lhe foi ofertado. Nesse
caso, é comum que seus passaportes sejam confiscados e é feita uma dívida
impagável com seu “chefe” (que acaba se configurando mais como dono)
e elas são obrigadas a trabalhar para suprir todos seus gastos. Contudo,
para muitos, o fato de elas terem ido atrás desse emprego, significa que elas
teriam consentido. Entendemos que isso ocorre por ignorarem todos os
aspectos que as levaram a essa situação, voltando para os aspectos políticos,
econômicos e sociais.  Por fim, cabe dizer que as vítimas têm sua liberdade
e dignidade ameaçada. 
Referente aos familiares, as vítimas do tráfico se encontram com
histórico de violência intrafamiliar ou extrafamiliar e seu objetivo é sair dessa
situação. Elas, assim como seus familiares, estão inseridas em um quadro
socioeconômico precário o que acaba facilitando que elas sejam traficadas.
Como dito anteriormente, muitas vezes são os próprios familiares que de
má-fé, ou não, vendem suas filhas, sobrinhas ou netas em busca de uma
qualidade de vida melhor. 
No caso conflitos armados, uma forma de operar é se beneficiando
daqueles que tem que fugir. Os refugiados, muitas vezes, não têm uma opção
melhor além de sair do seu país confiando em um suposto contrabandista,
que pode levá-lo ao seu destino final prometido, mas também, usá-lo para
o que bem entender. Quanto a isso o Escritório das Nações Unidas contra
Drogas e Crime pontua que:
(...) foi documentado, por exemplo, que grupos de tráfico
que operam ao longo das rotas do leste da África atraíram
jovens através de recrutadores com base na Somália. Uma
vez que eles embarcam em sua jornada, no entanto, eles
podem ser vendidos a traficantes ou detidos e extorquidos
para resgate por grupos armados ao longo das rotas14.
(tradução livre)
As mulheres sempre tiveram papel secundário no caso dos conflitos
armados: vítima direta ou indireta. Contudo, as mulheres guerreiras curdas
da Unidade de Proteção da Mulher têm ganhado destaque na sua forma de
atuação, pois, mostraram que é possível ter um papel ativo nos conflitos.
Essas mulheres pertencem ao YPJ15, uma facção feminina formada para
lutar pela independência do Curdistão e que faz parte do YPG16. 
As “mulheres curdas17”, como são chamadas, além de oferecer
proteção militar aos cidadãos e lutar pela democracia, lutam contra o
machismo presente no Oriente Médio, redefinindo o papel da mulher.

5 AS FORMAS DE TRÁFICO DE MULHERES RECORRENTES NO


CONTEXTO DE CONFLITOS ARMADOS

O UNOCD em um estudo realizado em 2016 conseguiu identificar


mais vítimas de tráfico do que nos últimos 13 anos. O aumento do
número de vítimas detectadas pela UNODC é resultado de uma cobertura
14. UNODC. Global Report on Trafficking in Persons 2018, Booklet 2: Trafficking in persons in the context of
armed conflict. United Nations publication. New York: 2018. Texto original: It has been documented,
for example, that trafficking groups operating along Eastern African routes attracted young men through
recruiters based in Somalia. Once they embark on their journey, however, they may be sold to traffickers or
detained and extorted for ransom by armed groups along the routes.
15. As Unidades de Proteção das Mulheres ou Unidades de Defesa das Mulheres, ou ainda
Unidades de Proteção Feminina, (em curdo: Yekîneyên Parastina Jin, YPJ, pronunciado Yuh-
Pah-Juh) é uma organização militar formada apenas por mulheres curdas. 
16. As Unidades de Proteção Popular (em curdo: Yekîneyên Parastina Gel), também conhecido
como YPG, são uma organização armada curda da região do Curdistão sírio. O grupo foi
fundado como braço armado do Partido de União Democrática sírio (PYD) e também tem
ligações com o Conselho Nacional Curdo, e atualmente controla militarmente boa parte do
nordeste da Síria.
17. VEJA. Quem são as mulheres curdas que combatem o Estado Islâmico. Disponível em <https://veja.
abril.com.br/mundo/quem-sao-as-mulheres-curdas-que-combatem-o-estado-islamico/>.
Acesso em 20 de outubro de 2019.
geográfica mais ampla de coleta de dados do que a utilizada nos dois últimos
Relatórios Globais. Atualmente, mais países estão dispostos a relatar seus
dados nacionais sobre o tráfico de pessoas para o UNODC. Ao mesmo
tempo, o número médio de vítimas detectadas por país também aumentou
nos últimos anos.
O aumento do número de vítimas detectadas pode indicar que está
ocorrendo mais tráfico, ou que os países estão utilizando ferramentas mais
eficientes para identificar as vítimas de tráfico. Embora a gravidade do
crime dificulte mensurar suas vítimas, uma avaliação das respostas nacionais
ao combate ao tráfico poderia ser uma luz sobre os fatores que motivam
esses números crescentes, podendo esse aumento significativo estar ligado
diretamente com os conflitos armados que ocorrem ao redor do globo.
Diante disso, pode-se afirmar que as maiores formas de tráfico
que ocorrem no contexto de conflitos armados são: tráfico para a fins de
exploração sexual, escravidão sexual, casamento forçado, recrutamento
de crianças para compor os grupos armados e diversas outras formas de
tráfico para o trabalho forçado. Esse quadro se dá por conta do alto nível
de violência e coerção que ocorre nesses ambientes, fazendo com que a
situação seja propícia para o acontecimento desses crimes bárbaros.
Diante da proposta deste artigo, será analisado as formas de tráfico
de pessoa relacionadas as vítimas mulheres, portanto, será analisado o
tráfico para fins de exploração sexual, que se divide em diversas formas de
exploração, como a escravidão sexual e prostituição, e por fim o casamento
forçado, visto que, as mulheres são as maiores vítimas dessas modalidades
de tráfico de pessoas.
É preciso, antes de adentrar as formas de tráfico, definir em linhas
gerais o crime tráfico de pessoas, para isto, será utilizada a definição dada
pelo Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime
Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do
Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, conhecido como
Protocolo de Palermo, Convenção ratificada pelo Brasil em 2004, no qual
dispõe em seu Artigo 3º (in verbis) que tráfico de pessoas é:
O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento
ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou
uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à
fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de
vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos
ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa
que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.
A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da
prostituição de outrem ou outras formas de exploração
sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou
práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de
órgãos. (BRASIL, 2004)18. 
Diante da definição de tráfico, pode-se identificar três elementos
constitutivos: a ação, os meios, e a finalidade de exploração. Esses
elementos estão interligados determinando, assim, uma conduta delitiva
com a finalidade de exploração. É importante destacar, que no Artigo 3º
A do Protocolo de Palermo, o consentimento dado pela vítima ao tráfico é
irrelevante visto que, na maior parte das vezes é obtido diante uma situação
de vulnerabilidade, mediante rapto, fraude, engano e abuso de poder.
Uma das situações que fazem caracterizar o crime de tráfico de
pessoas no contexto de conflito armado é o alto nível de violência e coerção.
É preciso apontar que os grupos armados utilizam do tráfico de pessoas
como forma de dominação territorial, utilizando mulheres e meninas como
“escravas sexuais” ou casamento forçado para recrutar novos homens.  
Em uma análise mundial sobre o tráfico de pessoas, a forma de tráfico
para fins de exploração sexual é a que ocorre em maior escala. A exploração
sexual é uma ampla categoria, entretanto, formas mais especificas desse
tipo de exploração são identificadas no contexto de conflitos armados.
O tráfico de pessoas para fins de exploração sexual também está
associado a um aumento de demanda por serviços sexuais que emergem
no contexto de conflitos armados. A alta demanda combinada com a falta
de serviços básicos e oportunidades econômicas que afetam os civis acaba
incentivando o desenvolvimento da rede de tráfico.
O tráfico de pessoas para fins de exploração sexual também foi
relatado como parte da violência sexual e baseada no gênero que caracteriza
as áreas de conflito. Mulheres e meninas que vivem em ambientes onde o
abuso e a violência sexual são abundantes correm mais risco de exploração
sexual, inclusive através do tráfico.19 (tradução livre)
A exploração sexual consiste na vitimização sexual de uma pessoa
ligada a remuneração econômica ou a outro tipo de benefício e regalias,
sendo que o corpo da pessoa explorada é utilizado para o proveito
econômico do explorador e dos intermediários e para prazer ou satisfação
do abusador. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT,
18. BRASIL. Decreto Nº 5.017, de 12 de março de 2004. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção
das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do
Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Presidência da República, Brasília, 12 de março
de 2004.
19. UNODC. Global Report on Trafficking in Persons 2018, Booklet 2: Trafficking in persons in the context of
armed conflict. United Nations publication. New York: 2018. Texto original: Trafficking in persons
for sexual exploitation has also been reported as part of the generalized sexual and gender-based violence that
characterizes conflict areas. Women and girls who live in environments where sexual abuse and violence are rife
are at increased risk of sexual exploitation includ- ing through trafficking.
2012)20, as vítimas “estão expostas a diferentes tipos de violência, como
pressões psicológicas, maus-tratos físicos, espancamentos, humilhações,
difamações, calúnias, assédio sexual, estupro e assassinato.”
Portanto, podemos afirmar que a exploração sexual:
É uma das formas de exploração na qual as vítimas de
tráfico de pessoas podem ser submetidas. Ela se caracteriza
pelo uso da violência, física ou psíquica, para forçar alguém
a realizar o ato sexual. Por isso, a exploração sexual assume
características de trabalho forcado e deve sempre ser
considerada uma grave violação aos direitos humanos. 21
A violência sexual relacionada a conflitos armados normalmente
ocorre em residências, campos, locais de detenção e militares e campos de
refugiados. Pode ocorre no auge do conflito ou durante o deslocamento da
população, podendo se perpetuar após o fim do conflito. Muitas mulheres
e meninas, que são as maiores vítimas de violência sexual, são sequestradas
por grupos armados e mantidas em situação de exploração sexual.
Quando analisamos a motivação desses crimes sexuais, podemos
afirmar que:
Em alguns conflitos foi usado estrategicamente para
promover objetivos militares, como a remoção de uma
população civil de uma área ou apoio oficiais. Em outros
contextos, aparentemente ocorreu como “resultado” de
uma falta de estrutura disciplinar organizacional ligada a
uma quebra da lei e da ordem.22 (tradução livre)
Entretanto, não se pode afirmar de que estas seriam as únicas
motivações, visto que a questão é muito complexa e vários motivos podem
ser identificados para seu uso em conflitos armados. A violência sexual
pode ser utilizada para tortura e humilhar pessoas, e pode ainda ter como
objetivo o controle sobre as vítimas ou garantir sua conformidade durante
o período de detenção ou recrutamento forçado. É usada ainda para punir
ou humilhar um grupo inimigo visando um amplo impacto.
Esse crime, quando cometido contra as mulheres e meninas, tem
como objetivo humilhar e destruir as estruturas familiares e da comunidade,

20. OIT. Cidadania, Direitos Humanos e Tráfico de Pessoas: Manual para Promotoras Legais Populares.
Organização Internacional do Trabalho: Brasília, 2012.
21. Ibidem.
22. BASTICK, Megan; GRIMM, Karin; KUNZ, Rahel. Sexual Violence in Armed Conflict: Global
Overview and Implications for the Security Sector. Geneva Centre for the Democratic Control of
Armed Forces: Geneva, 2007. Texto original: In some conflicts it has been used strategically to advance
military objectives, such as the clearing of a civilian population from an area and has occurred with varying
degrees of official knowledge and support. In other contexts, it has seemingly occurred “as a result” of a lack
of organizational structure and discipline or linked to a general breakdown of law and order.
visto que as mulheres e meninas são “portadoras de honra” e os homens
são envergonhados por não protegerem “suas” mulheres.
A violência sexual visa instalar o terror em uma população e incitar
a fuga de um determinado território. Em alguns lugares é utilizado como
forma de ato ou tentativa de genocídio, cometido com a intenção de
contribuir para a destruição de um grupo étnico ou social específico.
A violência sexual, pode trazer graves implicações para a saúde,
tanto física quanto psicológicas. As lesões diretas podem incluir dor
crônica, infecção e infertilidade. O estupro brutal pode resultar em fístula
ginecológica traumática, no qual a vagina da mulher, bexiga ou reto, ou
ambos, são dilacerados. O estupro pode levar ao aborto, trazendo seus
próprios riscos à saúde.
Além disso, a violência sexual é frequentemente acompanhada
de outras formas de violência, como ossos quebrados, mutilações ou
amputações de membros, que muitas vezes pode ser fatal. Com relação
as implicações psicológicas, que também são de estrema gravidade, os
sobreviventes frequentemente possuem traumas e depressões, podendo
levar ao suicídio. Algumas das vítimas sobreviventes podem ser infectadas
com doenças sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV.
Os conflitos armados também podem ter consequências indiretas
e a longo prazo em termos de violência sexual e de gênero, visto que essa
violência pode se agravar e se perpetuar mesmo após o término de um
conflito.
É difícil determina se os níveis de violência sexual pós-conflito são
mais altos durante ou antes do conflito ou se há um aumento na denúncia
de tais crimes em comparação com os períodos pré-conflito e conflito. No
entanto, vários países emergentes provindos de conflitos armados relatam
uma incidência muito alta e/ ou crescente de violência criminal e familiar,
incluindo formas sexuais e outras formas de violência contra as mulheres. A
impunidade por atos de violência sexual cometidos durante o conflito pode
perpetuar a tolerância de tais abusos contra mulheres e meninas, como um
legado duradouro do conflito.23 (tradução livre)

23. BASTICK, Megan; GRIMM, Karin; KUNZ, Rahel. Sexual Violence in Armed Conflict: Global
Overview and Implications for the Security Sector. Geneva Centre for the Democratic Control of
Armed Forces: Geneva, 2007. Texto original: It is difficult to determine whether levels of post-conflict
sexual violence are higher than during or before the conflict, or whether there is an increase in reporting of such
crimes compared to the pre-conflict and conflict periods. However, a number of countries emerging from armed
conflict report a very high and/or increasing incidence of criminal and family violence, including sexual and
other forms of violence against women. Impunity for acts of sexual violence committed during the conflict might
perpetuate a tolerance of such abuse against women and girls, as a long-lasting legacy of conflict.
Quando analisamos uma comunidade pós-conflito, podemos observar
um alto número de desemprego, pobreza e exclusão social, situações que
enfraquecem o Estado de Direito, no qual acabam tornando as mulheres
e meninas mais vulneráveis à exploração sexual e consequentemente
aumentando as possibilidades de ocorrência do crime tráfico de pessoas.
As questões de prostituição e exploração sexual foram temas centrais
nas discussões em torno da definição de tráfico, visto que, as origens do
Protocolo de Palermo remetem à preocupação com a crescente incidência
de exploração sexual de mulheres e meninas no processo de migração
envolvendo as organizações criminosas. Nesse contexto ainda, é preciso
observar que tanto o tráfico para fins de exploração sexual quanto a
prostituição se encontram intrinsecamente ligados, e foram configurados
de forma ambígua nos diversos dispositivos legais. Por conta disso, a
comunidade internacional não possui um entendimento pacífico quando
falamos da criminalização da prostituição, visto que nem todos os casos de
tráfico ocorrem para a prostituição:
Alguns defendem que referências específicas à prostituição
operariam para confirmar a oposição legal internacional a
todas as modalidades de prostituição. Outros argumentaram
que a inclusão de ‘prostituição’ como objetivo de tráfico
sem qualificação adicional, tornaria a definição de
tráfico excessivamente ampla e apresentaria dificuldades
particulares para aqueles que optaram por responder de
maneira diferente à prostituição.24 (tradução livre)
Para sanar qualquer dúvida com relação “a exploração da prostituição
de outrem ou outras formas de exploração sexual” disposta no Protocolo,
essa disposição veio acompanhada de uma nota interpretativa em que
afirma que o Protocolo de Palermo aborda a exploração da prostituição
de outrem ou outras formas de exploração sexual apenas no contexto de
tráfico de pessoas. Foi necessária essa compreensão, para que se diferencia-
se as duas modalidades, para que a prostituição não fosse criminalizada e
para o combate ao crime de tráfico não se dar apenas repressivamente.
Para a OIT25, a prostituição pode ser considerada exploração sexual
ou prostituição forçada quando aparecerem as características de trabalho
forçado, entre elas, cerceamento da liberdade, servidão por dívida, retenção
de documentos, ameaças, etc.

24. UNODC. The Concept of ‘exploitation’ in the trafficking in persons protocol. United Nations
publication. Vienna: 2015. Texto original: Others argued that inclusion of ‘prostitution’ as a purpose
of trafficking without further qualification would make the definition of trafficking overly broad and present
particular difficulties for those who had chosen to respond to prostitution differently.
25. OIT. Cidadania, Direitos Humanos e Tráfico de Pessoas: Manual para Promotoras Legais Populares.
Organização Internacional do Trabalho: Brasília, 2012.
Com relação ao tráfico de pessoas para a escravidão sexual, sua
definição poderá se dar com a caracterização do relacionamento entre o
traficante e a vítima. Para o direito internacional e segundo o artigo 1º
da Convenção Relativa à Escravatura promulgada pelo Brasil em 1966,
escravidão é definida como “o estado ou condição de um indivíduo
sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, os atributos do direito de
propriedade”26.
Escravidão e práticas similares a de escravidão são formas de
exploração listada pelo Protocolo Adicional à Convenção das Nações
Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção,
Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e
Crianças, que normalmente é perpetuado através da coerção, segregação e
violência pelos grupos armados em diferentes tipos de conflitos ao redor
do mundo. Vários estudos relacionados a violência ocorrida durante os
conflitos armados demonstraram que as vítimas são raptadas e mantidas em
cativeiros, sendo expostas a diferentes tipos de exploração e abuso sexual,
que incluem o estupro e a escravidão sexual.
Exemplo disso, é o caso de Hollie27, hoje com 36 anos, que aos 15
anos foi vendida para o tráfico sexual, após uma infância conturbada e
abusiva. Em um momento de vulnerabilidade e encantada com a imagem
elegante e glamorosa do homem que fora visitar, a menina foi aliciada para
trabalhar no grupo de prostitutas dele. 
O ambiente de trabalho era algo assustador e extremamente
violento, visto que o estupro era muito comum para controlar as vítimas da
escravidão sexual. E, uma coisa que chama atenção no caso de Hollie é que
seu “cafetão” a obrigou a fazer uma tatuagem escrito “love is loyalty” (amor
é leal, em inglês) para marcá-la e assim, todos saberem que as mulheres que
possuíam essa tatuagem eram dele e totalmente leais ao grupo. 
O caso de Hollie termina de maneira positiva: ela consegue escapar
das mãos do seu dono que foi condenado a prisão. Contudo, a mesma
alega que nunca se enxergou como vítima de tráfico, mas sim que tinha
algum tipo de laço traumático com seus traficantes, porque apesar de a
baterem muito, sentia que também cuidavam dela. Inclusive, diz que chegou
a amá-lo por ter sido uma das poucas pessoas constantes em sua vida, ao
mesmo tempo que ela acordava com ele o estuprando. Esse caso só nos
mostra algo bem comum, a pessoa que se encontra numa relação abusiva,
26. BRASIL. Decreto nº 58.563, de 1 de junho de 1966. Convenção Relativa à Escravatura. Presidente
da República, Brasília, 1 de junho de 1996.
27. BBB Brasil. Escravizadas e marcadas com tatuagens: a rede que tenta salvar vítimas do tráfico sexual
nos EUA. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50549829. Acesso
em: 30 nov. 2019.
raramente consegue enxergar o seu dominador como alguém mau, mesmo
que entenda a situação. 
Em diversos casos levados aos Tribunais Internacionais, as narrativas
desse tipo de exploração mostram que esses crimes são tratados como atos
e meios que poderiam qualificar esses crimes como tráfico de pessoas para a
escravidão sexual. O Estatuto do Tribunal Penal Internacional considera os
crimes de escravidão sexual e de prostituição forçada como crimes contra a
humanidade e de guerra.
Entre os refugiados em campos formais ou informais e no contexto
urbano do Oriente Médio, algumas famílias, se sentindo sem opção,
trocaram suas filhas mulheres por casamento para obter algum dinheiro
para poder sustentar o resto da família. Algumas famílias viram essa opção
como uma forma de proteger suas filhas da violência sexual baseada no
gênero. Entretanto, muitos desses casamentos resultam em meninas e
mulheres sendo coercitivamente forcadas a exploração sexual, o que, nesse
caso, irá configurar o tráfico de pessoas.
O casamento forçado, não sendo uma das modalidades explicitamente
listada como forma de exploração pela Protocolo Adicional à Convenção
das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional Relativo
à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial
Mulheres e Crianças, o que irá determinar o tráfico de pessoa nesse caso
será a falta de consentimento da vítima e da exploração praticada pelo
parceiro em diferentes formas. Esse tipo de tráfico afeta principalmente
mulheres e meninas, principalmente em conflitos armados ocorridos na
África, no Oriente Médio e da Ásia. 
Entretanto, no contexto de casamento forçado, segundo a UNODC28
configura-se com a união de duas pessoas em que uma das partes não
consentiu totalmente a relação, de maneira que a pessoa que não consentiu
acaba sendo explorada de diferentes maneiras, esse tipo de exploração irá
determinar o tráfico de pessoas.
Esse tipo de tráfico tem como principal vítima as meninas e mulheres,
em que se aproveitam os papeis estereotipados de gênero, nos quais a esposa
realiza tarefas domésticas enquanto sofre formas graves de violência, abuso
e coerção, incluindo estupro e relações sexuais não consensuais.
Em alguns contextos, essa prática acaba se tornando parte da estratégia
dos grupos armados para dominação, como é o exemplo do Boko Haram,
que sequestrou em torno de 200 jovens meninas da Comunidade Chibok no

28. UNODC. The Concept of Exploitation in the Trafficking in Persons Protocol. United Nations
publication. Vienna: 2015.
Estado de Borno com o propósito de casar esse meninas com os soldados
da guerra, muitas vezes culminando em outras formas de exploração e
abuso. A maior parte dessas jovens foram resgatadas e reencontraram suas
famílias.
Mulheres e meninas que são traficadas para o casamento forçado
possuem uma perspectiva de vítima diferente de outras vítimas do tráfico
para fins de exploração sexual ou escravidão, isso porque, meninas e
mulheres que são forçadas a se casarem recebem um status melhor do que
as outras vítimas, visto que essas esposas não são divididas com outros e
acabam sendo tratadas como uma propriedade pelo soldado que as possui.
O tráfico de pessoas em conexão com o casamento forçado também
ocorre as margens dos conflitos armados, visto que a pobreza pode levar a
algumas famílias darem ou trocarem suas filhas por casamento. Em alguns
casos, assumir um compromisso conjugal precoce ou arranjado é visto como
uma alternativa aceitável para frequentar a escola, especialmente porque a
frequência e o transporte para a escola podem ser perigosos durante os
períodos de conflitos armados. Os traficantes podem tirar proveito dessas
vulnerabilidades e coagir as vítimas a situações de exploração.
Pode-se entender, portanto, que o tráfico de pessoas está estreitamente
unido à escravidão – isso porque, se dá pelo domínio, submissão, restrição de
liberdade ou mesmo a exploração de trabalho alheio -, sendo uma violação
de direitos humanos, e também uma violência de gênero, visto que está
relacionado com a discriminação contra a mulher que propicia um sistema
desigual, sendo uma das causas e consequências do tráfico de mulheres.
Além disso, o tráfico de pessoas é um crime contra a humanidade, conforme
dispõe o Artigo 7º do Estatuto de Roma da Corte Penal Internacional, que
consiste em afastar uma pessoa de sua origem, com o fim de explorá-la em
outro lugar de destino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando analisamos o tema, podemos observar que a maioria


das pessoas vítimas de tráfico estiveram em uma situação, constante ou
temporária, de violação de seus direitos humanos, sociais, culturais e
econômicos, o que as tornam pessoas mais vulneráveis ao tráfico de pessoas.
Essa série de violações de direitos podem contribuir para que as vítimas
entrem em situações na qual essas violações se aprofundam e se agravam –
esse ciclo pode ser denominado como abuso da situação de vulnerabilidade.
Quando falamos de vítimas do tráfico de pessoas, esses ciclos de
violações acabam fragilizando a própria percepção da vítima com relação a
sua condição de exploração e violência, e quando analisamos especificamente
o tráfico de pessoas no contexto de conflitos armados, podemos perceber
que a vulnerabilidade, tanto de gênero quanto da violação de direitos que
ocorre durante um conflito, acabam facilitando que este crime ocorra em
grande escala, sendo que nesses casos, sua configuração fica mais complexa
de ser identificada.
Após uma análise bibliográfica sobre o assunto abordado e do
Protocolo de Palermo, podemos observar a existência de três elementares
que devem ser preenchidas para que se configure o crime de tráfico de
pessoas, isto é, atos, meios e objetivos. Os atos são as ações praticadas pelo
traficante – segundo o Protocolo de Palermo são atos de tráfico recrutar,
transportar, transferir, alojar ou acolher.  
Com relação ao meio será a maneira em que o traficante convence
a vítima, impelindo a acompanhá-lo, no qual poderá ser feito através de
ameaça, força, coação, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade ou
apropriação da conjuntura de vulnerabilidade. E por fim os objetivos
deverão ser para fins de exploração da vítima, configurando-se através
da exploração sexual, trabalho forçado, escravidão, servidão e até mesmo
remoção de órgãos. 
Diante disso, podemos afirmar que inexistindo qualquer elementar
mencionada acima, não há que se falar de tráfico de pessoas, por conta disso,
é preciso cautela ao análise os crimes cometidos em contexto de conflitos
armados, mas sempre com um olhar crítico e atento, pois atualmente, é
um problema humanitário que a comunidade internacional está tendo que
enfrentar. 

REFERÊNCIAS

BBC Brasil. Nadia Murad, a vencedora do Prêmio Nobel da Paz que superou
histórico de vítima de ‘jihad sexual’. Disponível em <https://www.bbc.
com/portuguese/internacional-45757310>. Acesso em: 16 de novembro
de 2019.
BBB Brasil. Escravizadas e marcadas com tatuagens: a rede que tenta salvar
vítimas do tráfico sexual nos EUA. Disponível em: <https://www.bbc.
com/portuguese/internacional-50549829>. Acesso em: 30 de novembro
de 2019.
BASTICK, Megan; GRIMM, Karin; KUNZ, Rahel. Sexual Violence in
Armed Conflict: Global Overview and Implications for the Security Sector.
Geneva Centre for the Democratic Control of Armed Forces: Geneva,
2007.
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. 2º Edição. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira. Junho de 2016.
BRASIL. Decreto nº 849, de 25 de junho de 1993. Promulga os Protocolos
I e II de 1977 adicionais às Convenções de Genebra de 1949, adotados em
10 de junho de 1977 pela Conferência Diplomática sobre a Reafirmação
e o Desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário aplicável aos
Conflitos Armados. Presidência da República, Brasília, 25 de junho de 1993.
BRASIL. Decreto Nº 5.017, de 12 de março de 2004. Promulga o Protocolo
Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado
Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de
Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Presidência da República,
Brasília, 12 de março de 2004.
BRASIL. Decreto nº 58.563, de 1 de junho de 1966. Convenção Relativa à
Escravatura. Presidente da República, Brasília, 1 de junho de 1996.
LEAL, Maria Lúcia; LEAL, Maria de Fátima P. (orgs). Pesquisa sobre
tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para fins de exploração sexual
comercial –PESTRAF: relatório nacional – Brasil. Brasília: CECRIA, 2002. 
OIT. Cidadania, Direitos Humanos e Tráfico de Pessoas: Manual para
Promotoras Legais Populares. Organização Internacional do Trabalho:
Brasília, 2012.
ONU BRASIL. ‘Não precisamos de mais discursos, precisamos de justiça’,
diz jovem Yazidi vítima do ISIL. Disponível em <https://nacoesunidas.
org/nao-precisamos-de-mais-discursos-precisamos-de-justica-diz-jovem-
yazidi-vitima-do-isil/>. Acesso em: 16 de novembro de 2019.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Tráfico
de pessoas para fins de exploração sexual. Brasília: OIT, 2006.
UCDP/PRIO. The UCDP/PRIO Armed Conflict Dataset Codebook
Version 4-2006. Disponível em <https://www.prio.org/Global/upload/
CSCW/Data/UCDP/2006/Codebook_v4-2006.pdf>. Acesso em: 02 de
novembro de 2019.
UNODC. Global Report on Trafficking in Persons 2018. United Nations
publication. New York: 2018.
UNODC. Global Report on Trafficking in Persons 2018, Booklet 2:
Trafficking in persons in the context of armed conflict. United Nations
publication. New York: 2018.
UNODC. The Concept of ‘exploitation’ in the trafficking in persons
protocol. United Nations publication. Vienna: 2015.
VEJA. Quem são as mulheres curdas que combatem o Estado Islâmico.
Disponível em <https://veja.abril.com.br/mundo/quem-sao-as-mulheres-
curdas-que-combatem-o-estado-islamico/>. Acesso em 20 de outubro de
2019.
WINROCK INTERNATIONAL BRASIL. Manual de Capacitação para o
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Salvador: ILADH, 2010.
GIANPAOLO POGGIO SMANIO
FELIPE CHIARELLO DE SOUZA PINTO
ANA CLÁUDIA RUY CARDIA ATCHABAHIAN
ANA CLAUDIA POMPEU TOREZAN ANDREUCCI
MICHELLE ASATO JUNQUEIRA
Organizers

INVISIBLE PEOPLE
PREVENTION AND COMBAT OF
INTERNAL AND INTERNATIONAL
HUMAN TRAFFICKING
ORGANIZERS

GIANPAOLO POGGIO SMANIO


FELIPE CHIARELLO DE SOUZA PINTO
ANA CLÁUDIA RUY CARDIA ATCHABAHIAN
ANA CLAUDIA POMPEU TOREZAN ANDREUCCI
MICHELLE ASATO JUNQUEIRA

INVISIBLE PEOPLE
PREVENTION AND COMBAT OF
INTERNAL AND INTERNATIONAL
HUMAN TRAFFICKING

Londrina/PR
2020
© Direitos de Publicação Editora Thoth. Londrina/PR.
www.editorathoth.com.br
contato@editorathoth.com.br
Diagramação e Capa: Editora Thoth
Revisão: os autores. Editor chefe: Bruno Fuga
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Diretor de Operações de Conteúdo: Arthur Bezerra de Souza Junior

Conselho Editorial

Prof. Me. Anderson de Azevedo • Me. Aniele Pissinati • Prof. Dr. Antônio Pereira Gaio Júnior •
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Martins Tristão Profª. Dra. Marcia Cristina Xavier de Souza • Prof. Dr. Osmar Vieira da Silva •
Esp. Rafaela Ghacham Desiderato • Profª. Dr. Rita de Cássia R. Tarifa Espolador • Prof. Me. Smith
Robert Barreni • Prof. Me. Thiago Caversan Antunes • Prof. Me. Thiago Moreira de Souza Sabião
• Prof. Dr. Thiago Ribeiro de Carvalho • Prof. Me. Tiago Brene Oliveira • Prof. Dr. Zulmar Fachin

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Smanio, Gianpaolo Poggio. Pinto, Felipe Chiarello de Souza. Atchabahian, Ana


Cláudia Ruy Cardia. Andreucci, Ana Claudia Pompeu Torezan. Junqueira, Michelle
Asato. Invisible people: prevention and combat of internal and international
human trafficking / Organizadores - Gianpaolo Poggio Smanio, Felipe Chiarello
de Souza Pinto, Ana Cláudia Ruy Cardia Atchabahian, Ana Claudia Pompeu
Torezan Andreucci, Michelle Asato Junqueira. – Londrina, PR: Thoth, 2020.
112 p.

Inclui Bibliografia.
ISBN 978-65-86300-09-3

1. Direito. 2. Direitos humanos. I. Título.

CDD 323.09

Índices para catálogo sistemático


1. Direitos Humanos : 323.09

Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização.


Todos os direitos desta edição reservardos pela Editora Thoth. A Editora Thoth não se
responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra por seu autor.
ABOUT THE ORGANIZERS

ANA CLAUDIA POMPEU TOREZAN ANDREUCCI


Post-Doctorate in Human Rights and Labor from the Advanced Studies
Center of the National University of Córdoba, Argentina. Post-doctorate
in New Narration from the School of Communications and Arts of the
University of São Paulo (ECA/USP). Post-doctorate in Human Rights
and Democracy from the Ius Gentium Institute, University of Coimbra,
Portugal. PhD and Master’s from the PUC/SP. Graduated in Journalism
from the Cásper Líbero Social Communication School and Law by UPM.
Professor of the Graduate Course at the Law School of the UPM. Guest
Professor of the Lato Sensu Postgraduate Course of the ECA/USP.
Leader of the Emerging Research Group – CriaDirMack – Rights of the
Child and of the Adolescent in the 21st Century from the UPM School
of Law. Researcher at the “Invisible People: Prevention and Combat of
Internal and International Human Trafficking”, financed by MackPesquisa.

ANA CLÁUDIA RUY CARDIA ATCHABAHIAN


PhD and Masters in Law I by the Pontical Catholic University of São
Paulo. Professor at Mackenzie Presbyterian University. Member of the
International Law Association – Brazilian Branch (ILA-Brazil) and
Councilor of the Latin American Section of the Global Businesses
and Human Rights Scholars Association. Coordinator of the Research
Group “Invisible People: Prevention and Combat of Internal and
International Human Trafficking”, financed by MackPesquisa. Attorney.

FELIPE CHIARELLO DE SOUZA PINTO


PhD of Law from the Pontical Catholic University of São Paulo (2006) and
Masters of Law by the Pontical Catholic University of São Paulo (2000). He
was a member of the Technical Scienti c Council, of the Higher Council
and of the CAPES-MEC Law Area Committee, in which he chaired the
Book Classication Commission (2010) and (2012 - 2013). Deputy Dean of
Research and Postgraduate Studies at Mackenzie Presbyterian University and
Professor of the Masters and Doctorate Program in Political and Economic
Law, Member of the Review Committee of the Curriculum Matrix of Law
Graduation in Brazil (CNE External Guest), Member of the Committee
of the Area of Law in the SciELO/FAPESP Program, Member of the
Editorial Board of the Magazine of the General Attorney’s Of ce of the
Central Bank and Full Member of the São Paulo Academy of Legal Letters,
Opinion Maker in the Law Area of CAPES- MEC, Invited Professor in the
Stricto Sensu Postgraduate Program in Law - Master and Doctorate – Passo
Fundo University and Deputy Secretary of the CONPEDI. Member of
the Research Group “Invisible People: Prevention and Combat of Internal
and International Human Trafficking”, financed by the MackPesquisa.

GIANPAOLO POGGIO SMANIO


PhD and Masters in Law from the Pontical Catholic University of São Paulo.
He is currently an Executive Of cer of the Law School of the Mackenzie
Presbyterian University and Professor of the Masters and Doctorate Program
in Political and Economic Law. Leader of the CNPq Research Group “Public
Policies as an Instrument for Effective Citizenship. Member of the Higher
School of the Public Ministry. Attorney General of the State of São Paulo.
Leader of the Research Group “Invisible People: Prevention and Combat of
Internal and International Human Trafficking”, financed by MackPesquisa.

MICHELLE ASATO JUNQUEIRA


PhD and Master in Political and Economic Law from the Mackenzie
Presbyterian University – UPM. Specialist in Constitutional Law with
Extension in Higher Education Didactics. Vice-leader of the “Public Policies
as an Instrument for Effective Citizenship” and “Rights of the Children and
of the Adolescents in the 21st Century” Research Groups. Researcher of
the CNPq research group named “State and Economy in Brazil”. Research
Coordinator and TCC of the UPM Law School. Researcher at the Invisible
People Research Group of the Law School of the Mackenzie Presbyterian
University, financed by the MackPesquisa.
PRESENTATION

“And speaking of missing


Where have you been?
Where are your eyes going
That we don’t see....”
(Vinícius de Moraes and Tom Jobim)

This text represents the beginning of something that puts an end to what has
no end. The articles produced in this work are the result of a year of work,
discussions, research, concerns and hope, much hope, of being able to
contribute to the fight against human trafficking, a subject that, in many
ways, showed us its complexity and transdisciplinarity.
The “Invisible People: preventing and combating internal and
international trafficking of human beings” project was born in continuation
of the research project on “Invisible Women: international panorama
and the Brazilian reality of the transnational trafficking of women”, both
financed by Mackpesquisa and headquartered in the joint force research
group CNPq “Public Policies as an Instrument for Effective Citizenship”
and “State and Economy in Brazil”, from the Stricto Sensu Graduate
Program in Political and Economic Law of the Mackenzie Presbyterian
University.
The first project, contingent upon the analysis of the trafficking of
women, was the researchers’ first contact, in 2017, with the disturbing and
worrisome theme of the crime of human trafficking, which can originate
from several social, economic and cultural factors. However, there was an
urgent need to expand studies, which is what happened in 2019.
The second project was extended to human trafficking in the national
and international scenarios. Already aware of the legislation on the matter,
of the institutions for the combat of crime and support victims, of the
doctrinal and jurisprudential construal of the subject, it was possible to
establish an interdisciplinary dialogue between Criminal Law, International
Law and International Human Rights Law and, in addition to the legal
universe, promote a dialogue with other fields that influence the statistics
related to international human trafficking and in the forms of modern
slavery such as Sociology, Psychology, Social Service and Architecture,
among others.
Notwithstanding the efforts of public and private institutions to
promote the debate on the issue, we started from the premise that national
and international human trafficking still suffer from invisibility within
Brazilian society, which hinders an efficient debate for its prevention and
combat.
We approached the emerging research group “CriADirMack: Rights
of Children and Adolescents in the 21st Century”, to insert more carefully
an analysis of the trafficking of children and adolescents, an opportunity
in which issues such as illegal adoption, child labor, child soldiers and the
disappearance of children gained prominence.
Considering the current institutional arrangements in international
society, which has a greater participation of new actors, such as transnational
companies, and their involvement in the violations of Human Rights, the
contributions of Human Rights and of Companies received based on
the discussions of the “Mack DH&E” studies group resulted in a joint
analysis of human trafficking and the submission of workers to conditions
that are analogous to slavery (modern slavery) and the role of corporate
exploitation of migrants.
Furthermore, the analysis of the vulnerability of human beings, of
gender, of migration, of the state action on promoting public policies and
technology were also treated with a critical and reflective sense. They are
undergraduates, postgraduates and teachers who have not got away from
the challenge of giving time, voice, color and body to invisible people.
Behind these academic reflections there are unfinished life stories
and uncertainties, with which the law coexists and must seek to interfere,
since, more than “should be”, we need to interact with the reality that “is”.
If everything that is human belongs to the study of law, that humanity
never escapes in the search for a better, more just and solidary world,
founded on the dignity of human beings.
Good reading, in the assurance that it remains as the beginning.
São Paulo, summer of 2020.
Gianpaolo Poggio Smanio
Felipe Chiarello de Souza Pinto
Ana Cláudia Ruy Cardia Atchabahian
Ana Claudia Pompeu Torezan Andreucci
Michelle Asato Junqueira
SUMÁRIO

ABOUT THE ORGANIZERS����������������������������������������������������������������������5


PRESENTATION��������������������������������������������������������������������������������������������7

PART I
MIGRATION AND HUMAN TRAFFICKING: CURRENT
CHALLENGES�����������������������������������������������������������������������������������������������13

CHAPTER 1
Ana Cláudia Ruy Cardia Atchabahian
Gianpaolo Poggio Smanio
Felipe Chiarello de Souza Pinto
THE COMPLACENCY OF THE BRAZILIAN STATE WITH
MODERN SLAVERY: FROM THE DECISION IN THE “FAZENDA
BRASIL VERDE VS BRAZIL” CASE TO THE DEVELOPMENTS
OF THE NATIONAL LEGISLATION ON THE SUBJECT��������������15
Introduction���������������������������������������������������������������������������������������������������16
1 Modern slavery: international construal of human trafficking and
Human Rights and Companies�������������������������������������������������������������������17
2 Modern slavery and Brazil on the defendants’ bench: the “Fazenda
Brasil Verde vs Brazil” Case������������������������������������������������������������������������19
3 National legislative consequences of the “Fazenda Brasil Verde
vs Brazil” Case: new rules for combating human trafficking and the
exploitation of labor practiced by companies������������������������������������������23
Final Considerations ������������������������������������������������������������������������������������26
References������������������������������������������������������������������������������������������������������27

PART II
TECHNOLOGY AND HUMAN TRAFFICKING: USE OF DATA
AND NETWORK FOR COMBATING THE CRIME�������������������������� 31

CHAPTER 2
Antonio Jonas Dias Filho
NETWORK OF DATA AND INFORMATION ON HUMAN
TRAFFICKING IN BRAZIL: THE CHALLENGE OF PRODUCTION,
INTEGRATION AND INTER-INSTITUTIONAL SHARING��������� 33
Introduction��������������������������������������������������������������������������������������������������� 33
1 Data and information: what we need to understand �������������������������� 34
2 Databases and sources of global information�������������������������������������� 36
3 Databases and Sources of Information in Brazil��������������������������������� 39
Final Considerations������������������������������������������������������������������������������������� 45
References������������������������������������������������������������������������������������������������������ 47

CHAPTER 3
Clarisse Laupman
Marília Gagliardi
THE TECHNOLOGY IN FAVOR OF HUMAN RIGHTS:
COMBATING HUMAN TRAFFICKING BY MEANS OF CREATING
SHARED DATABASES AND PROCESSING PERSONAL DATA IN
THE INTERNATIONAL SCOPE������������������������������������������������������������� 49
Introduction��������������������������������������������������������������������������������������������������� 49
1 The Relation between Human Trafficking, the Technology and the
Protection of Data��������������������������������������������������������������������������������������� 51
1.1 The Forms for Treatment of Personal Data in the Cases of Human
Trafficking���������������������������������������������������������������������������������������������������� 53
1.1.1 International Scope..........................................................................53
2 The Databases on Human Trafficking and the Measures Adopted for
Protection of the Sources of Data ����������������������������������������������������������� 60
2.1.1 The International Organization for Migration............................60
2.1.2 United Nations Office on Drugs and Crime...............................63
2.1.3 IBM....................................................................................................64
Final Considerations������������������������������������������������������������������������������������� 65
References������������������������������������������������������������������������������������������������������ 67

PART III
TRAFFICKING OF WOMEN AND CHILDREN: OBJECTIFICATION,
CONSENT AND DISAPPEARANCE�����������������������������������������������������71

CHAPTER 4
Alline Pedra Jorge Birol
Thamara Duarte Cunha Medeiros
BETWEEN DISSENTS AND CONSENTS: HUMAN TRAFFICKING
AND SITUATIONS OF VULNERABILITY�������������������������������������������73
Introduction���������������������������������������������������������������������������������������������������73
1 Human Trafficking in Brazil: Legal and Conceptual Milestone��������74
2 Consent of the victim in the crime of human trafficking and situations
of vulnerability����������������������������������������������������������������������������������������������78
Final considerations��������������������������������������������������������������������������������������82
References������������������������������������������������������������������������������������������������������83

CHAPTER 5
Ana Cláudia Pompeu Torezan Andreucci
Michelle Asato Junqueira
Valéria Jabur Maluf Mavuchian
WHERE ARE YOU NOW? “MOTHERS OF THE SÉ” IN THE
MEETINGS AND DISAGREEMENTS BY MISSING CHILDREN:
NARRATIONS OF PROTAGONISM, CITIZENSHIP AND
SOLIDARITY��������������������������������������������������������������������������������������������������87
Introduction���������������������������������������������������������������������������������������������������88
1 Disappearance as a narrative of unending mourning��������������������������91
2 Mothers of the Sé: when the words pain and struggle become
synonymous���������������������������������������������������������������������������������������������������93
3 Mothers of the Sé: dialogues with normative sources of protection of
the child and of the adolescent������������������������������������������������������������������96
4 Mothers of the Sé: communication as an instrument for our everyday
sensibility��������������������������������������������������������������������������������������������������������98
4.1 Images, impressions, posters, ball on the field: multiplying
partnerships of social engagement��������������������������������������������������������100
4.2 When fictional and real narratives meet: soap operas communicating
social discussions��������������������������������������������������������������������������������������101
4.3 Cyberactivism.......................................................................................106
Final considerations������������������������������������������������������������������������������������108
References����������������������������������������������������������������������������������������������������109
PART I

MIGRATION AND
HUMAN TRAFFICKING:
CURRENT CHALLENGES
CHAPTER 1

THE COMPLACENCY OF THE


BRAZILIAN STATE WITH
MODERN SLAVERY: FROM THE
DECISION IN THE “FAZENDA
BRASIL VERDE VS BRAZIL” CASE
TO THE DEVELOPMENTS OF
THE NATIONAL LEGISLATION
ON THE SUBJECT1

ANA CLÁUDIA RUY CARDIA ATCHABAHIAN


PhD and Masters in Law I by the Pontical Catholic University of São
Paulo. Professor at Mackenzie Presbyterian University. Member of the
International Law Association – Brazilian Branch (ILA-Brazil) and
Councilor of the Latin American Section of the Global Businesses and
Human Rights Scholars Association. Coordinator of the Research Group
“Invisible People: Prevention and Combat of Internal and International
Human Trafficking”, financed by MackPesquisa. Attorney.

GIANPAOLO POGGIO SMANIO


PhD and Masters in Law from the Pontical Catholic University of
São Paulo. He is currently an Executive Of cer of the Law School of
the Mackenzie Presbyterian University and Professor of the Masters
and Doctorate Program in Political and Economic Law. Leader of the
1. Abstract presented in the IRC-WASET Congress, in October 2019, in travel financed by the
Mackenzie Presbyterian Institute – MackPesquisa and published in the yearbooks of that
event: CARDIA A., Ana Cláudia Ruy. SMANIO, Gianpaolo Poggio. The Complacency of the
Brazilian State with Modern Slavery: From the Decision in the ‘Fazenda Brasil Verde vs Brazil’
Case to the National Legislation on the Matter. ICHTS 2019: XIII International Conference
on Human Trafficking and Social Justice. Los Angeles: International Research Conference
Proceedings, 2019, page 1134.
CNPq Research Group “Public Policies as an Instrument for Effective
Citizenship. Member of the Higher School of the Public Ministry.
Attorney General of the State of São Paulo. Leader of the Research
Group “Invisible People: Prevention and Combat of Internal and
International Human Trafficking”, financed by MackPesquisa.

FELIPE CHIARELLO DE SOUZA PINTO


PhD of Law from the Pontical Catholic University of São Paulo (2006)
and Masters of Law by the Pontical Catholic University of São Paulo
(2000). He was a member of the Technical Scienti c Council, of the
Higher Council and of the CAPES-MEC Law Area Committee, in
which he chaired the Book Classication Commission (2010) and (2012 -
2013). Deputy Dean of Research and Postgraduate Studies at Mackenzie
Presbyterian University and Professor of the Masters and Doctorate
Program in Political and Economic Law, Member of the Review
Committee of the Curriculum Matrix of Law Graduation in Brazil (CNE
External Guest), Member of the Committee of the Area of Law in the
SciELO/FAPESP Program, Member of the Editorial Board of the
Magazine of the General Attorney’s Of ce of the Central Bank and Full
Member of the São Paulo Academy of Legal Letters, Opinion Maker in
the Law Area of CAPES- MEC, Invited Professor in the Stricto Sensu
Postgraduate Program in Law - Master and Doctorate – Passo Fundo
University and Deputy Secretary of the CONPEDI. Member of the
Research Group “Invisible People: Prevention and Combat of Internal
and International Human Trafficking”, financed by the MackPesquisa.

INTRODUCTION
In October 2016, the Brazilian State was convicted by the Inter-
American Court of Human Rights in the “Fazenda Brasil Verde vs Brazil”
Case for having been negligent in the treatment given to the victims of
human trafficking, as well as the conditions analogous to slavery on a farm
in the State of Pará, configuring the so-called modern slavery. However, a
few days before the publication of the mentioned international decision,
Law No. 13.344 was published in Brazil, specifically aiming at establishing
new measures to prevent and suppress domestic and international human
trafficking, as well as to ensure greater assistance for the victims of the
mentioned crime.
What appeared to be a protective moment for victims of abuse
committed by corporations, however, did not materialize in 2018: in the
Decree that established the National Guidelines on Businesses and Human
Rights (Decree No. 9.571/2018), there was no mention of the possibility
of holding companies accountable for human trafficking, but only for the
submission of workers to conditions analogous to slavery, the latter being
valid only in the case of companies that voluntarily adhered to such rule.
Considering that Brazil presents alarming data related to modern
slavery, having rescued, in 2019 alone, more than nine hundred workers2, it
becomes essential to study the matter in the light of both scenarios.
In this sense, this article aims to show – by means of qualitative
research based on documentary analysis of primary and secondary sources,
with an inductive construal method deriving mainly from secondary
sources, such as national and international legal literature on Human
Trafficking, International Law on Human Rights and Human Rights and
Companies – that the normative initiatives of the Brazilian State since
2016, if theoretically praiseworthy, represented only a part of the process
of compliance with the decision of the Inter-American Court of Human
Rights, given that the reforms and policies implemented are not consistent
with the international standards assumed by Brazil.
This work shall be divided into three parts. In the first chapter, the
initial concepts of human trafficking and of modern slavery shall be brought
into International Law and the International Law on Human Rights. In the
second chapter, an analysis of the construal of the Inter-American Court
of Human Rights in the “Fazenda Brasil Verde vs Brazil” Case in relation to
both matters. In the third chapter, a critical reading of the rules established
by the Brazilian State relative to human trafficking is the Human Rights
and Companies theme, in the attempt to analyze whether or not there was
congruence between the regulations developed on human trafficking and
Human Rights and Companies in relation to the decision of the Inter-
American Court of Human Rights and the other international instruments
that are applicable to the matter under analysis.

1 MODERN SLAVERY: INTERNATIONAL CONSTRUAL


OF HUMAN TRAFFICKING AND HUMAN RIGHTS AND
COMPANIES
The definition of modern slavery by the International Labour
Organization (ILO) presupposes the occurrence of traditional practices of

2. MINISTRY OF ECONOMICS. Portal of Labor Inspection. Painel de Informações e Estatísticas da


Inspeção do Trabalho no Brasil. Available at: <https://sit.trabalho.gov.br/radar/>. Accessed on:
Jan 30th, 2020.
forced labour, such as “vestiges of slavery or slave-like practices (...), and various
forms of debt bondage, as well as new forms of forced labour (...), such as human
trafficking”3. The term, thus, seeks to represent the living and working
conditions that are contrary to human dignity.
From such definition, therefore, arises the reasoning that human
trafficking, such as determined in the Additional Protocol to the United
Nations Convention against International Organized Crime (Palermo
Protocol)4, must be constituted as the precondition for the commitment of
other crimes, be they of a labor, sexual nature, among others5.
It is possible, therefore, to realize that, of the possible facets that
modern slavery can present today, human trafficking and its consequent
reduction to a condition analogous to slavery are an indelible sign6.
From the international norm aimed at combating the mentioned
crime, the Palermo Protocol mentioned above stands out, as well as – in
terms of forced labor and of reduction of the individual to a condition
analogous to slavery –, but not only, the Convention No. 297 and its
Protocol of 20148, both of the ILO. Further in the plan of the Human
Rights and Companies, special attention must be given to the Guiding

3. In the original: “(...) traditional practices of forced labour, such as vestiges of slavery or slave-
like practices, and various forms of debt bondage, as well as new forms of forced labour that
have emerged in recent decades, such as human trafficking.” INTERNATIONAL LABOUR
ORGANIZATION. What is forced labour, modern slavery and human trafficking. Available at:
<https://www.ilo.org/global/topics/forced-labour/definition/lang--en/index.htm>.
Accessed on: Jan 30th, 2020.
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pessoas sob as lentes da jurisprudência recente da Corte Interamericana de Direitos Humanos: lições para o
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além da interposição de conceitos. In NOGUEIRA, Christiane. NOVAES, Marina. BIGNAMI,
Renato (Org.) Tráfico de Pessoas: Reflexões para a compreensão do trabalho escravo contemporâneo. São
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“modern slavery”, in a criticism based on class, gender and race references, see BENITEZ,
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desde as referências de classe, gênero e raça. Tribunal Magazine of the Federal Regional Court of the 3rd
Region. Special Edition. Jul 2019. São Paulo: Federal Regional Court of the 3rd Region, page
155.
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Labour. Available at: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---normes/
documents/normativeinstrument/wcms_c029_pt.htm>. Accessed on: January 30th, 2020.
The mentioned convention was internalized by Brazil in Decree No. 41.721, of Jun 25th, 1957.
8. INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Protocol of 2014 to the Forced Labour
Convention, 1930. Available at: <https://www.ilo.org>. Accessed on: January 30th, 2020.
Principles relative to Companies in Human Rights9 of the United Nations
(UN), the Guidelines of the OCDE for Multinational Companies10, as well
as the recent UN initiative of establishing a treaty on the matter11.
In the international human rights adjudicatory plan, the role of the
Inter-American Court of Human Rights in combating modern slavery is
noteworthy12. Coincidentally, the first contentious case decided by that Court
in direct relation to the subject under analysis had Brazil as the defendant,
resulting in the conviction of the country and placing it in the spotlight
of international society due to the failure to comply with the assumptions
established in the American Convention on Human Rights.

2 MODERN SLAVERY AND BRAZIL ON THE DEFENDANTS’


BENCH: THE “FAZENDA BRASIL VERDE VS BRAZIL”
CASE
The “Fazenda Brasil Verde vs Brazil” Case13 was subject-matter of
analysis by the Inter-American Court of Human Rights between 2015 and
2016. Related specifically to the occurrence of human rights violations at
Fazenda Brasil Verde, located in the municipality of Sapucaia, in the South of
the State of Pará, the decision of the mentioned case was cast on October
20th, 2016, consolidating the understanding of that Court that human
trafficking and the forms of exploitation that are analogous to slavery are
modalities of what is now called “modern slavery”.
The violations, which occurred and were documented from the
end of the 1980s until the first years of the 21st century, were analyzed

9. UNITED NATIONS ORGANIZATION. Guiding Principles on Businesses and Human Rights:


implementing the United Nations “protect, respect and remedy” framework. 2011. Available
at: <https://www.ohchr.org/documents/publications/guidingprinciplesbusinesshr_en.pdf
Accessed on: January 30th, 2020.
10. ORGANIZATION FOR THE CORPORATE AND ECONOMIC DEVELOPMENT
(OCDE). OECD Guidelines for Multinational Enterprises. OECD Publishing, 2011.
11. In this sense, see CARDIA, Ana Cláudia Ruy. GIANNATTASIO, Arthur Roberto Capella.
O Estado de Direito Internacional na condição pós-moderna: a força normativa dos princípios de Ruggie
sob a perspectiva de uma Radicalização Institucional. BENACCHIO, Marcelo (Coord.). VAILATTI,
Diogo Basílio. DOMINIQUINI, Eliete Doretto (Org.). A sustentabilidade da relação entre empresas
transnacionais e direitos humanos. Curitiba: Editora CRV, 2016, pages 127-146. DEVA, Surya.
BILCHITZ, David (Ed.). Building a treaty on business and human rights: context and contours.
United Kingdom: Cambridge University Press, 2017.
12. CARDIA A., Ana Cláudia Ruy. Empresas e Direitos Humanos: contribuições dos sistemas adjudicatórios
de proteção. PAMPLONA, Danielle Anne. FACHIN, Melina (Coord.). BOLZANI, Giulia
Fontana (Org.). Direitos Humanos e Empresas. Curitiba: Íthala, 2019.
13. INTER-AMERICAN COURT FOR HUMAN RIGHTS. Fazenda Brasil Verde vs. Brasil Case.
Series C, No. 318. Decision on October 20th, 2016. Available at: <http://www.corteidh.or.cr/
docs/casos/articulos/seriec_318_esp.pdf>. Accessed on: January 30th, 2020.
internally by the Brazilian State, but did not receive the proper attention by
the administrative and judicial authorities in their judgements, which is also
the reason for the admission of that case by the Court.
In summary, the demand is related to the practice of internal human
trafficking and slavery of workers hired to work in the cutting of the
juquira plant14 at the Fazenda Brasil Verde, which at the time of the facts was
property of João Luiz Quagliato Neto. The workers were enticed by gatos15
– that enticed them with the assurance of good salaries and decent living
conditions, with housing and food – and, often, left their family members
with the expectation of assurance of better conditions in their homeland.
When they arrived at the place of work – which was located away from the
main urban centers, embedded in the Amazon Forest –, however, they were
faced with inhuman and degrading conditions of living and work, with
workdays of more than twelve hours and little time off, retention of their
work and identity documents and death threats in the event of departure
or escape from the Farm, in addition to the disappearance of workers that
questioned their condition. Furthermore, the workers found themselves to
be in debt, right from the first moment of their journey: initially with the
recruiters, which asked them to pay for their travel to the workplace, in
addition to expenses with food and eventual lodging and, following this,
with their employers, who deducted amounts for the utensils used for their
work and even lodging and the food that was served to them, whereby they
were left with no kind of remuneration at the end of the period of work16.
Notwithstanding the practice of trafficking, there was also configuration
of labor in conditions that are analogous to slavery and the practice of
servitude due to debt.
Despite the complaints made by workers that managed to escape from
that context, as well as the inspections carried out at different periods by
representatives of the Federal Police and of the Labor Prosecutor’s Office,
which culminated in judicial lawsuits and administrative procedures17,
internally there was no effective punishment for the perpetrators of such
violations, which is why the civil society entities submitted this claim to the
Inter-American Commission on Human Rights, which subsequently led to
the analysis by the Court that belongs to the same system.

14. Native plant of the region.


15. Nomenclature usually given to employees hired to conduct the enticement of workers in this
type of exploitation.
16. Details on the degrading conditions to which the workers of Fazenda Brasil Verde were subjected
are found in Paragraphs 163 to 173 of the decision under comment.
17. For a detailed chronology of the judicial and administrative measures that were implemented
internally, see Paragraphs 128 to 188 of the decision now under analysis.
The decision, correctly concluded in relation to the crime of
subjection of workers submitted to working conditions that are analogous to
slavery18, brings relevant considerations on the crime of human trafficking,
especially in relation to the construal given by that body for Article 6.1 of
the American Convention on Human Rights.
In the decision under review, an extensive and evolutionary construal
of that instrument was made19, likewise in relation to the other international
sources of a similar nature20, so as to understand the determination of the
prohibition of trafficking, explicitly related only to the crime of trafficking
of women and slaves in the American Convention, to any and all categories
of persons that are in a subsequent condition of vulnerability, confirming
the theory now presented that human trafficking is the main assumption
for the occurrence of other forms of exploiting the individual.
The evolutionary construal of the device considered not only the
dialogue between the sources and the international bodies21, such as the
Vienna Convention on the Law of Treaties, the Palermo Protocol, the
Council of Europe Convention on the combat against human trafficking,
the understanding of the Working Group on the Contemporary Forms of
Slavery, but also the dialogue among the International Courts, by analyzing
the precedent of the European Court of Human Rights in the “Rantsev
vs. Cyprus and Russia”22 Case, which brought considerations on human
trafficking and the appropriation of the workers by the employers, again
corroborating the argument of the “reification” of individuals and its

18. In this regard, it is valid to observe the matter carried out by the non-governmental organization
Repórter Brasil: REPÓRTER BRASIL. Eu fui escravo. Available at: <https://reporterbrasil.org.
br/brasilverde/reportagem.html>. Accessed on Jan 30th, 2020.
19. Paragraphs 281 to 290 of the judgement of the Inter-American Court of Human Rights.
20. On the possibility of the American Convention being construed in accordance with other
international instruments, see Paragraphs 78 and 79 of the judgement of the Inter-American
Court of Human Rights.
21. In this regard, the following text defined by Paulo Borba Casella is mentioned: “An international
system cannot be built with the simple superposition, more than the sum of internal systems,
placed side by side. It is necessary to have a set of principles, standards and institutions also
in the international order”. The analysis of international commandments in harmony with the
construction of the construal by the Inter-American Court of Human Rights in the present
case shows the search for the necessary harmony and dialogue also at the international level.
CASELLA, Paulo Borba. Fundamentos do Direito Internacional Pós-Moderno. São Paulo: Quartier
Latin, 2008, page 712.
22. Paragraphs 284 to 289 of the decision. Further, in this regard, the position of Flávia Piovesan
is valid: “It is through dialogue and jurisprudential loans that each one of the regional systems
develops the refinement of arguments, construals and principles aimed at affirming human
dignity.” PIOVESAN, Flávia. Diálogo entre Cortes: a interamericanização do sistema europeu e a
europeicização do sistema interamericano. In PIOVESAN, Flávia. SALDANHA, Jânia Maria Lopes
(Coord.). Diálogos jurisdicionais e direitos humanos. Brasília, DF: Gazeta Jurídica newspaper, 2016,
pages 175-196.
possibility of appropriation by other persons, then mentioned and defended
in the items prior to this work. The prohibition of the mentioned criminal
modality was also paralleled to a commandment of jus cogens23, a norm that
cannot be waived by the States, claiming also its nature of non-limitability
in view of the regulation of International Law24. The transcendence of the
literal meaning of Article 6.1 of the American Convention to the crime
of human trafficking, bringing a more general construal to that provision,
was correctly defined by the Inter-American Court of Human Rights, thus
following the evolution of international society in relation to the forms of
combat of crimes that establish contemporary slavery. Last but not least,
the mentioned document expressly established for the second time in the
history of its jurisprudence the UN Guiding Principles on Businesses and
Human Rights.
In addition, one of the criteria considered by that court to ensure
support for the arguments of its sentence was related to the condition of
socioeconomic vulnerability of individuals submitted to such exploratory
modality, being also the first time that a case was decided based on a historical
structural discrimination of a country25. The previous misery to which the
workers were subjected was also a condition for their consent based on
the false promises made by the recruiters. Once again, one stresses the
verification of a reality that not only permeates the Brazilian society – with
its social inequalities, often the fruit of its own slavery past –, but also other
jurisdictions submitted to that Body and that have practices that are similar
in contemporary times.
This sentence, therefore, when presenting a new construal of Article
6.1 of the American Convention on Human Rights, according to the most
recent sources of International Law, enabled the opening of an important
precedent in the combat against human trafficking and the lowering of
workers to conditions that are analogous to slavery, which is why its effects
must be analyzed in relation to the Brazilian State, both from a normative
and a practical point of view, establishing the first purpose of this work.

23. In relation to jus cogens norms, see TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. International law
for humankind: towards a new jus gentium. The Hague Academy of International Law. The
Netherlands: Martinus Nijhoff Publishers, 2010.
24. Paragraphs 249 to 258 of the decision of the Inter-American Court for Human Rights.
25. Paragraph 81 to 100 of the decision of the Inter-American Court for Human Rights.
3 NATIONAL LEGISLATIVE CONSEQUENCES OF THE
“FAZENDA BRASIL VERDE VS BRAZIL” CASE: NEW RULES
FOR COMBATING HUMAN TRAFFICKING AND THE
EXPLOITATION OF LABOR PRACTICED BY COMPANIES
The decision of the Inter-American Court of Human Rights was
passed on October 20th, 2016. Curiously, on the 6th of that same month,
Law No. 13.344/201626 was passed, which revoked Articles 231 and 231-
A of the Criminal Code, and as from then a more comprehensive rule
relative to the crime of human trafficking became effective, i.e., Article
149-A. In addition to the Criminal Code, specific provisions for children
were also established in the Statute of Children and Adolescents and,
pursuant to the provisions of the Second National Plan to Combat Human
Trafficking27, measures of assistance to victims of that criminal modality
were established28.
Thus, one perceives that at least in relation to the crime of human
trafficking, the legislative change in comment was commendable, especially
for the essential purpose of bringing Brazilian norms closer to the
international rule existing and internalized since 2004, to wit, the Palermo
Protocol. The establishment of Article 149-A and the displacement of
the criminal type for crimes against personal freedom also aimed at the
elimination of the gender stigmas, which, as seen, went in parallel with what
was decided by the Inter-American Court of Human Rights in its dynamic
and evolutionary construal of Article 6.1 of the American Convention on
Human Rights.
However, this rule was also subject to criticism, both in relation to the
established penalty and to the causes of increase of penalty, less than those
of crimes against property (corroborating the arguments of objectification
of human beings in the crimes of human trafficking and the reduction to
26. BRAZIL. Law No. 13.344, of October 6th, 2016. Available at: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/L13344.htm>. Accessed on: Jan 30th, 2020.
27. Target “2.D.6” of the Second National Plan to Combat Human Trafficking. MINISTRY OF
JUSTICE AND PUBLIC SAFETY. National Justice Office. Second National plan to combat
human trafficking. National Justice Office. Brasília: Ministry of Justice, 2013. Available at:
<https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/politica-brasileira/anexos_ii-
plano-nacional/ii-plano-nacional.pdf>. Accessed on: Jan 30th, 2020. In this same sense, see
SILVA, Ronaldo Alves Marinho da. MATTOS, Fernanda Carolina Alves de. Tráfico de Pessoas:
Uma análise da Lei No. 13.344/2016 à Luz dos Direitos Humanos. Direitos Humanos e Democracia
Magazine. Year 7. No. 14. Jul./Dec. 2019. Editora Unijuí, pages 187-200.
28. Despite Law No. 13.344/2016 having been published temporarily at a moment prior to the
publication of the decision of the Inter-American Court of Human Rights, its edition was
largely due to the fear of the Brazilian State of possible conviction in the case under analysis.
Thus, for purposes of this work, the edition of Law No. 13.344/2016 must also be understood
as being a consequence of the international decision of a binding nature.
a condition analogous to slavery29), and in relation to the social readings
relative to the subject, condemning the so-called maximum criminal State
and in the manner expressly determined in that Law of assistance for
victims30.
In the wake of the protection of human rights by companies,
particularly after the visit of the UN Working Group on Business and
Human Rights to Brazil in 2015 and the publication of an extensive
report of that Group in 201631, Brazil sought to implement on a national
scope a policy focused on the subject. The process, which initially had
the participation of national bodies and civil society entities, ended up
resulting in the issuance of a presidential decree, the text of which –
until its publication was unknown to the public and private entities then
participating in the debates32, – reproduced the UN Guiding Principles on
Businesses and Human Rights. Thus, the genesis of Decree No. 9.571, of
November 21st, 2018, which established the so-called National Guidelines
on Businesses and Human Rights, was presented33.
Although the Decree in question reflects the principles of the
international soft law rule that originated it, there was no interest of the
Brazilian State in tightening up the forecasts of blaming the companies
in the event of potential violations of the human rights. On the contrary:
the mentioned rule, which is of a voluntary adherence by the interested
companies (Article 1, Paragraph Two), did not bring any mechanism for
repair of damages caused to victims of violations of human rights and to

29. BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Translation by Mauro Gama, Cláudia


Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, page 34.
30. BENITEZ, Carla. SEFERIAN, Gustavo. Tráfico de Pessoas e a Lei No. 13.344/2016: leituras
jurídico-críticas desde as referências de classe, gênero e raça. Tribunal Magazine of the Federal Regional
Court of the 3rd Region. Special Edition. July 2019. São Paulo: Tribunal Magazine of the Federal
Regional Court of the 3rd Region, page. 156.
31. UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS COUNCIL. A/HRC/32/45/Add.1. Available at:
<https://undocs.org/A/HRC/32/45/Add.1>. Accessed on: Jan 30th, 2020. One must stress
at this point the fact that Brazil’s greatest involvement with the issue occurred mainly after
the tragedy that took place in Mariana, in the State of Minas Gerais, after the rupture of the
Fundão ore tailings dam, owned by the company named Samarco. The event under comment
ended up inserting Brazil again in the list of States that violate human rights by corporations.
CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Direitos Humanos e Empresas no Brasil: Report of the
UN Work Group. São Paulo: Conectas Direitos Humanos, 2017.
32. Relative to the works prior to the edition of the Decree, see HOMA – Centro de Direitos Humanos
e Empresas. Reflexões sobre o Decreto 9571/2018 que estabelece Diretrizes Nacionais sobre Empresas e
Direitos Humanos. Homa Research Book. Vol. 1. N.7. 2018. Available at: <http://homacdhe.
com/wp-content/uploads/2019/01/Análise-do-Decreto-9571-2018.pdf>. Accessed on: Jan
30th, 2020, pages 6-7.
33. BRAZIL. Decree No. 9.571, of November 21st, 2018. Available at: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/D9571.htm>. Accessed on: Jan 30th, 2020.
the environment practiced by corporations that operate on the national
ground.
In relation to the crime of human trafficking, understood throughout
this article as being one of the potential assumptions for violations of the
workers’ dignity, Decree No. 9.571/2018 made no explicit mention to the
need for the companies to prevent such criminal practice, thus no longer
dialoguing directly with Law No. 13.344/2016.
In this way, the new rule not only ceased to understand the intrinsic
link between the crimes and violations of human rights that are subject-
matter of this article, but it also failed to pay attention to the centrality of
the suffering of victims of human trafficking and that are submitted to
conditions that are analogous to slavery, with the same situation occurring
with Law No. 13.344/2016.
In other words, notwithstanding the fact of both of the domestic
rules having been established based on the observance of international
normative documents (Palermo Protocol and UN Guiding Principles
on Businesses and Human Rights), as well as in the light of a binding
international decision of the Inter-American Court of Human Rights and
the Report of the UN Working Group on Businesses and Human Rights,
their relevant wordings did not consider the characteristics that are intrinsic
to the Brazilian State and typical of the Latin American context34 which
differentiate it from the generic and comprehensive wording of those rules.
Thus, even though recent data coming from the Ministry of Economy
show an increase of the tax auditing of the companies that rely on practices
that are abusive for their workers’ dignity, such as human trafficking and
reduction to conditions that are analogous to slavery35, it is not possible,
based only on the normative analysis subsequent to the decision of the
Inter-American Court of Human Rights in the “Fazenda Brasil Verde vs
Brazil” Case, to affirm that the legal advancements shall be effective and
efficient for the repression and punishment of companies involved in the
crimes that make up so-called modern slavery.
As explained in that sentence, it is not enough to simply abstain from
practices aimed at the trafficking and exploitation of individuals. Positive

34. Mainly in relation to the theme Companies and Human Rights in Latin America and its
particularities, see SANTORO, Michael A. Business and Human Rights in the Latin American
political context: the enduring importance of Nation States. PAMPLONA, Danielle Anne.
FACHIN, Melina (Coord.). BOLZANI, Giulia Fontana (Org.). Direitos Humanos e Empresas.
Curitiba: Íthala, 2019, page 250.
35. AGÊNCIA BRASIL. Brasil teve mais de mil pessoas resgatadas do trabalho escravo em 2019. Available
at: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-01/brasil-teve-mais-
de-mil-pessoas-resgatadas-do-trabalho-escravo-em>. Accessed on: Jan 30th, 2020.
measures are necessary, such as the existence of an adequate legal framework
of protection, in addition to the prevention policies and practices that
enable the national agents to act efficiently in view of the denouncements36.
In this way, the wording of the rules presented should have considered the
intrinsic link between the corporate responsibility in the combat of modern
slavery and their inseparable dialogue with the crime of human trafficking.

FINAL CONSIDERATIONS

The purpose of this work was of analyzing, in the domestic legislative


sphere, the two main developments that occurred specially after the casting
by the Inter-American Court of Human Rights in 2016 of the decision
of condemning the Brazilian State in the “Fazenda Brasil Verde vs Brazil”
Case. This mentioned decision, which was a pioneer in the Inter-American
adjudicatory system for the protection of human rights, contributed to the
positioning of Brazil in the spotlights of the international society as a State
that practices the so-called modern slavery.
Thus, once the main contours of modern slavery were defined, both
from the international norms and from the decision under analysis, it was
possible to conclude that human trafficking and the lowering of the workers
to conditions analogous to slavery are supplementary practices, consisting
of the crime of human trafficking on the assumption for committing the
crimes that are related to it. Hence, therefore, to evaluate the subject in the
light of the rules aimed at combating human trafficking and that are related
to the theme of Companies and Human Rights.
In this way, a critical analysis was made of Law No. 13.344/2016,
which established a new criminal type for the crime of human trafficking,
as well as Decree No. 9.571/2018, which defined the National Guidelines
on Businesses and Human Rights. Notwithstanding the potential advances
found in their relevant wordings, arising mainly from the treaties that served
them as inspirations, the fact remains evident that both instruments were
written in an isolated manner within their contexts, there being no dialogue
capable of implying a true normative structure of repression of modern
slavery in Brazil.
Despite the institution of the rule not constituting a unique aspect
in the combat of the crimes that characterize it, it is as from this systemic
construal of such principles that there is consolidation of a true protective
order for the victims of human trafficking, both from the judicial point of
view and from the establishment of new institutional arrangements and
36. Paragraph 320 of the decision of the Inter-American Court of Human Rights.
implementation of public policies. The protective culture of the workers
submitted to modern slavery can only be established when the correct
elimination of their circumstances has as its cornerstone the establishment
of clear and cohesive norms that are sufficient to ensure their efficacy and
applicable practices.

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PART II

TECHNOLOGY AND
HUMAN TRAFFICKING:
USE OF DATA AND
NETWORK FOR
COMBATING THE CRIME
CHAPTER 2

NETWORK OF DATA AND


INFORMATION ON HUMAN
TRAFFICKING IN BRAZIL: THE
CHALLENGE OF PRODUCTION,
INTEGRATION AND INTER-
INSTITUTIONAL SHARING

ANTONIO JONAS DIAS FILHO


Professor with PhD in Social Sciences from the PUC São Paulo. Professor
of the Law course of the Nove de Julho University/São Paulo. Sociologist
that is a member of the Brazilian Society of Sociology. Independent
Commercial Researcher. Researcher of the “Invisible People” Group of
the Law School of the Mackenzie Presbyterian University of São Paulo.

INTRODUCTION

Despite the national and international pressure and the frequent


criticism of the lack of updating, the dispersion and constant disintegration
of data on the movement of people – whether smuggled or trafficked – for
the purposes of slave labor, illegal adoption, sexual exploitation and other
types of crimes with the same origin, the State bodies responsible for the
production, storage, sharing and use of the statistical data and information
have not yet addressed the need for integration thereof in order to optimize
the work of public and non-governmental entities that combat this type
of practice involving Brazilians and foreigners entering and leaving Brazil
under these conditions.
The international organism, which have channels for exchanging
data and information with countries that send and receive people who
are trafficked and/or smuggled, demand without much success but
frequently that the Federal Police, the Government Attorney’s Office,
the Public Defender’s Office, the Ministry of Justice and the Ministry of
Foreign Affairs share in an integrated way, both the results of their control
mechanisms, as well as the measures taken and their quantification based on
the public policies put into practice in the combat and prevention of this
type of crime.
These requests ask that there be remittance of reports, processes,
numbers of arrests, international identification of traffickers and trafficked
people for the proper checking with their databases and information.
The objective is of sending back to Brazil cross-information showing
the outcome of the actions of the criminal groups abroad. This type of
sharing is of paramount importance for the monitored visualization of the
Trafficking Circuit1 and its constant alterations.
The affirmations above summarize a little of our experience as
researcher on this theme in the course of two decades, listening to specialists,
activists, authorities and victims in Brazil and abroad.
In this brief article, we intend to show some aspects of this scenario,
emphasizing: the location and storage of data and information available for national
and international consultation; their use by the public bodies responsible for the prevention
and control of human trafficking crimes and; the growing need for network integration
of these agencies in the internal and international sharing of data aiming at developing
a new trustworthy map of Brazil as a country that sends, intermediates and receives
trafficked human beings.

1 DATA AND INFORMATION: WHAT WE NEED TO


UNDERSTAND

When we talk about Data and Information, the question immediately


arises of whether the two are not synonymous. No. The definitions and
uses of each of them show that we must pay close attention when we
decide to use them to group, synthesize and report any aspect of social
reality.
In this sense, we follow ROSLING (2019:214) when he argues to
reinforce his thesis concerning the factfulness2.
Numbers, but not only numbers. The world cannot be
understood without numbers and cannot be understood

1. An expression that we created in 1998, to name the combination of countries to which the
trafficked people are taken or directed, as well as the Brazilian states that are issuers and
recipients of such target audience. The expanded or restricted use of the research sample size
depends on the dimension and the need for investigation.
2. Factfulness is to recognize that a single perspective is limited and the best attitude to analyze a
social phenomenon – mainly those of a social-global nature – would be to look at the problem
from facts and multiple angles and factors.
only with numbers. Enjoy numerical data for what they say
about real lives.
The data obtained in a survey is of a quantitative nature and must be
expressed in a mathematical or statistical form. Isolated and without a clear
objective to be used, it has little utility and ends up being lost, becoming
gradually outdated. The information is the data that has meaning and
understanding for a situation that we need to understand better. It can also
appear in the form of testimonies and documents that provide the research
with qualitative characteristics.
These definitions are fundamental to explain one of our greatest
difficulties when we seek information on Human Trafficking, given that
international data and information are generally well grouped and have
been updated with reasonable frequency by bilateral bodies and non-profit
organizations around the world, unlike Brazil which is far from following
this trend.
There are few public channels for searching for data on human
trafficking in Brazil – whether via the Internet, on printed material or by
means of the Law of Access to Information (LAI)3 – that expose and
provide updated material that is easy to understand.
In this sense, we identify as a problem the way the cases are grouped
and made available, without following the more frequent international
standards, i.e.: data/information, and placed within a network that establishes
channels of work and spaces for cooperation between the public authorities
and the organized civil society with a view to combating this type of
crime that, together with drug trafficking are currently the most profitable
international illegal activities in the world, according to the United Nations4,
with sexual exploitation in first place in the beginning of 2019 with 24,000
cases in 142 countries5.
In relation to these data that are present in a number of global
platforms, which aim to inform and serve as a basis for research on the
matter, we can say that they are abundant, however, they mostly portray
worldwide scenarios and when they are directed to local realities they collide
with the lack of a duly prepared network to incorporate them and add more
quality to the numbers that arrive from different parts of the world.

3. Law No. 12.527 of May 16th, 2012 which regulates the constitutional right of access to public
information.
4. https://exame.abril.com.br/mundo/onu-zonas-de-guerra-tem-aumento-do-trafico-humano-
e-da-escravidao-sexual/. Accessed on Dec 20th, 2019.
5. United Nations Office on Drugs and Crime – UNODC.
To explain the difficulty of incorporating and updating this mass of
data and information on the theme that circulate around the world and
arrive in Brazil, as well as the dispersion of data and local information
that should use the Big Data6 globally on the matter in its favor, we will
initially show the types of data available in the Databases and sources of global
information and following this we will draw a scenario on the production of
the database and information of the public bodies in Brazil pointing out some signs
of the difficulties of integration and international and local cooperation
that so hamper the work of combating Human Trafficking.

2 DATABASES AND SOURCES OF GLOBAL INFORMATION


We shall use as a reference the UN.GIFT7 which, in Brazil receives
the support of the UNODC (United Nations Office on Drugs and Crime),
which is the guardian of the Protocol to the United Nations Convention against
Transnational Organized Crime to Prevent, Suppress and Punish Trafficking in
Persons, Especially Women and Children.
This work has the participation of a number of UN Agencies, but we
will highlight two of them as examples, due to their relevance for the study
on Human Trafficking:
1. International Labour Organization (ILO): in Brazil it operates in a
number of fronts, participating and influencing Plans for Combat of Slave
Labor; State Commissions for Eradication of Slave Labor (CONATRAE)
and Registration of Employers in the “Dirty List” of Slave Labor. This entity
has updated information and data on the problem and its actions require,
from the UN member states, a combat agenda. However, the cooperation
collides with the immense web of bodies and offices that mainly take care
of the inspections, the application of sanctions and the creation of public
policies that are scattered around States and Municipalities, with thousands
of pieces of data and information that would be useful and integrated with
the global pact. Likewise, this global information could be incorporated to
face the local problem and apply good international practices, as the trends
of the Trafficking and Slave Labor change at every instant in Brazil and in
the world and it is necessary to follow them.

6. In an expanded definition it would be the term that describes the large volume of data, whether
structured or not, that circulates around the world, overloading the institutions (companies
and State) and the often uncertain destination given to them.
7. A global initiative to mobilize around the common targets to achieve the best way to Combat
Human Trafficking.
PERSONS THAT ARE TIED TO SLAVE LABOR – ILO
The ILO estimates that by the end of the second decade of the
21st century, around 20.9 million people will be victims of forced labor
worldwide. This represents about three in every 1,000 persons of the current
world population. Of these, 90% will be exploited by individuals and legal
entities of the private economy, while 10% will be forced to work for the
State, by rebel military groups or in prisons, in conditions that violate the
fundamental ILO standards. The sexual exploitation affects 22% of all of
the victims, while labor exploitation affects 68%.
Trabalho Forçado Forced Labor
20,9 MM 20.9 million
Mulheres Women
11,4 MM 11.4 million
Estado State
2,2 MM 2.2 million
Setor Privado Private Sector
18,7 MM 18.7 million
Exploração Sexual Sexual Exploitation
4,5 MM 4.5 million
Exploração Laboral Labor Exploitation
14,2 MM 14.2 million
Migrantes Migrants
9,1 MM 9.1 million
8

The ILO estimate shows how the phenomenon affects different


groups of people: 55% of all of the victims are women and girls, while
45% are men and boys. Children make up about one quarter of all of the
victims.
The ILO also estimated how many persons are imprisoned with
forced labor as a result of internal or cross-border migration: 29% of all
of the victims were submitted to forced labor after crossing international
borders, with the majority being forced to become prostitutes; 15% became
victims of forced labor after the migration within their country, while the
remaining 56% did not leave their place of origin or of residence.
The average duration of time spent in forced labor varies, depending
on the form and region. The ILO estimates that the victims are exploited
8. OIT Brasília.Quantas pessoas estão presas no trabalho forçado, c2018. Página: Trabalho Forçado.
Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-escravo/WCMS 393068/lang--
pt/index.htm. Acesso em 19 de nov. de 2018.
on average for almost 18 months in conditions of forced labor, before
being rescued or escaping from their exploiters.

SOURCE: https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-escravo/
WCMS_393068/lang--pt/index.htm
2. United Nations Fund for Childhood (UNICEF): the year 2021
according to the UN, should be considered as the “International Year for
the Elimination of Child Labor” in the world. This difficult mission will be
up to the ILO and UNICEF itself, which record alarming numbers in the
exploitation of labor involving children around the world. There are about
152 million of them, with ages that vary between 5 and 17 years old. Of
this total, at the end of 2017, around 73 million were involved in highly
hazardous work.
This data led the Assembly to approve a resolution that requires
the Member States to take immediate and effective measures to eradicate
forced labor, modern slavery and human trafficking.
With regards to children and adolescents, the Assembly centralized
the focus of the resolution in the following forms of exploitation: urban
and rural child labor and the recruitment and use of child soldiers, given that
these are the current forms that are most incident according to UNICEF
data.
The figures above and the information that reinforces them indicate
the direction to be followed by each of the Member States. In this sense,
we understand that Brazil could incorporate this agenda by adding its data
to compare with the external scenario with a view to eradicating these
practices in its territory. However, the same situation verified in relation
to the ILO, as we saw previously, also appears when we are faced with the
immense bureaucratic and hierarchical web of public agencies in the state,
municipal and federal levels that deal with the problem.
What is verified in practice is the existence of dispersed and often
outdated data in addition to the delay between the identification of the
objective to be achieved and the implementation of the planned actions.
In late 2018, for example, UNICEF estimated that 2.5 million
Brazilians between 5 and 17 years of age were involved in some type of
child labor. In the same period, the IBGE (Brazilian Institute of Geography
and Statistics) pointed out that about 250 thousand children were in the
same conditions in Greater São Paulo, i.e., 10% of the total verified in
Brazil. In the first semester of 2019, the PNAD (National Household
Sample Survey) assessed that there are currently 3 million children and
adolescents, making up a total of 6% of the population in this age group.
This variation of 500 thousand children and adolescents, in less
than one year, leads us once again to question the lack of unification and
standardization of data to effectively direct the intended actions and also
makes clear the lack of synchrony among the public agents that produce
the data and information.
The example in question also shows that the information extracted
from the international data is clearly distant from that presented by the
IBGE, confirming our previous affirmation about the divergences in the
global/local relationship.

3 DATABASES AND SOURCES OF INFORMATION IN


BRAZIL
When we analyzed the data and information produced in Brazil,
which serve as a parameter for internal actions of combating Human
Trafficking in its various faces, we find that a good part of them are used
to provide general responses and often without the due crossing with the
international or local sources.
An example of this are the figures for the 2018-2019 period that
we surveyed at the Ministry of Women, of Family and of Human Rights
(MMFDH). According to its ombudsman, who responded to our request
in August 2019, the annual balance of the Dial 100 (Human Rights Dial),
relative to Human Trafficking in Brazil shows that 159 denouncements
occurred that revealed 170 concrete cases. Of this total, we also found that
the internal trafficking for purposes of sexual exploitation, for example,
represented, in the same period, 16.9% of the total registered.
The consolidated figures for 2018 were extracted from a very small
sample size, but show a very worrying reality, especially for women and
adolescents, who are at the top of the list.
According to this Ministry, the internal trafficking grew to such an
extent that in some of the situations it exceeds its international dimension,
as is the case of sexual exploitation, which is increasing in all of the States
of the Federation, having as final and preferential destination the cities of
São Paulo and Rio of Janeiro.
TABLE 1 - HUMAN TRAFFICKING IN FIGURES – Modalities
Sexual Exploitation – Internal Trafficking 16.9%
Sexual Exploitation – International Trafficking 8.15
Internal Trafficking for purposes of Adoption 7.5%
International Trafficking for purposes of Adoption 2.5%
Internal Trafficking for labor exploitation purposes 6.9%
International Trafficking for labor exploitation purposes 5.0%
Internal Trafficking for removal of organs 1.8%
International Trafficking for removal of organs 0.63%
Human Trafficking for other purposes 57.23%
Source: Ministry of Women, of Family and of Human Rights – 2019
Despite the importance of such information, what draws attention
in the Table 1 is the generality of about 2/3 of the cases, i.e., 57.23%
of the notifications were presented by the Ministry. We understand that
the clear expression of the data and its explanation are essential for us to
have a broader scenario of the problem in Brazil and in what the country
collaborates for the global increase of Human Trafficking and the random
grouping makes it difficult to conduct a consistent analysis on the theme.
TABLE 2 - HUMAN TRAFFICKING IN FIGURES – Victims
Women 53.1%
Men 11.7%
Gender Not Known 35.14%
Age Range from 15 to 17 years old 18.9%
Age Range from 0 to 3 years old 7.2%
Age Range from 25 to 30 years old 6.31%
Age Range from 12 to 14 years old 4.5%
Age Range from 18 to 24 years old 3.6%
Newborn 1.8%
Age Range not revealed 54.9%
Source: Ministry of Women, of Family and of Human Rights – 2019
In Table 2 it is possible to note once again the concentration of
data without the proper description. Firstly, when the Ministry leaves it
blank who are the 35.14% trafficked per sex/gender, when it is known by
the authorities themselves that in addition to men and women, there are
records of transgender people as victims of this type of crime. Secondly,
with the lack of precision in relation to 54.9% of the trafficked people
without it being revealed clearly and publicly what are the exact age groups
relative to this total.
TABLE 3 - HUMAN TRAFFICKING IN FIGURES – Suspect/
victim relationship
Family relationship – Grandparents 4.2%
Family relationship – Mothers 1.8%
Work relationship – Employer 1.2%
Relationship not informed 86.7%
Source: Ministry of Women, of Family and of Human Rights – 2019
Added to these data are the figures related to the places where the
contacts, the enticement and the violations were made. In most of the
cases they had occurred in the actual home of the victim, i.e., in 34.1%
of the records. In 20.2% of the cases, the crime began to be committed
at the suspect’s home. In 5% of the cases, the home of the victim was the
source of the contact with the suspect and in 3% of the registered cases the
workplace appears as a reference for the offense.
As we understand that the dynamics of Trafficking is very fast and
multifaceted, we note that this data has not been cross-linked with the aim
of producing a profile that has been closer to the problem in Brazil in
the last twelve months. In addition, the totalization, in several parts of the
series presented, does not reach or exceed 100% of the total cases reported
by MMFDH in its answer.
It is also worth stressing that this difficulty does not only affect
the mass of data and the current sources of information on internal or
international Human Trafficking, having Brazil as a reference. One of the
most interesting documents that reveal these difficulties was produced by
the Ministry of Justice about three years ago. This is the National Report on
Human Trafficking: data 2014 – 20169. Its content points out a number of
9. LETTER FROM THE MINISTRY OF JUSTICE. President of the Republic, Michel Temer.
Minister of State for Justice and Public Security, Torquato Lorena Jardim. National Secretary
for Justice, Astério Pereira dos Santos. Executive Officer of the Department of Justice Policies,
Jorge da Silva. Coordinator to Combat Human Trafficking, Renata Braz Silva. Technical Team
to Combat Human Trafficking, Alyne Antunes Diogenes Bessa, Johnes dos Santos Salustiano,
Maria Celva Bispo dos Reis, Maria Fernanda Jorquera Briceno, Marina Soares Lima Borges and
Natasha Barbosa Mercaldo de Oliveira. UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND
CRIME (UNODC), Representative of the Office of the UNODC Liaison and Partnership
Office in Brazil, Rafael Franzini. Coordinator of the Rule of Law Unit, Nívio Nascimento.
Program Officer, Fernanda Patricia Fuentes Munoz. UNODC Consultant, Alline Pedra Jorge
Birol (PhD). UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAM (UNDP) UNDP Interim
inconsistencies concerning the unification, the sharing and the disorderly
production of data and information on the theme.
In that context, the actions of the Brazilian Government for
confrontation of Human Trafficking relied on the partnership between the
Ministries (Education, Health, Social Development and Combat of Hunger
and Agrarian Development); Government Agencies (Special Office for
Policies for Women, Special Office for Human Rights, National Office for
Justice – technical cooperation with States of Goiás, Rio de Janeiro and
São Paulo, National Office for Public Security, Federal Police and Federal
Highway Police) and the International Cooperation (UN and its agencies –
ILO, UNICEF, UNIFEM and UNODC).
The first inconsistency was ascertained by the technicians that were
reviewers of the procedures, when they analyzed the sources of data and
information that should provide indicators as to the Trafficking routes, the
inflows and outflows of people and the modus operandi in Brazil.
The bases for analysis, used to obtain these results, should be police
investigations and legal proceedings, where the description of the criminal
phenomenon would, in theory, be shown in great detail. However, when
the Integrated Methodology created by the public agencies confronted
such references in the States of Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia,
Roraima, Tocantins, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná,
Bahia, Pernambuco, Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte, Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul and Goiás, the technicians were faced with a major
problem: “the local police forces, at most, record the number of procedures, inquiries
and defendants.” (Report of a field technician).
In this way, the determination of the origin, of the forms of
enticement, of the trafficking itself and of exploitation in each State – with
their specificities – were compromised, making it difficult to analyze the
phenomenon, as well as the future actions of prevention and combat against
local, national and international networks that operate in the country.
Another difficulty for the production of information was identified
in the actions of the criminal justice, which are united in the CNJ database.
According to the technicians, it contains only the number of proceedings,
pursuant to the criminal types provided in the Criminal Code and in special
legislation.
This created an additional problem for the interdisciplinary teams
that investigate the problem because, the quantitative data or the criminal
Resident Representative in Brazil, José Eguren. Assistant Resident Representative and Program
Area Coordinator, Maristela Baioni. Head of Operations for Brazil, Caroline Brito Fernandes.
Head of the Peace and Governance Unit, Moema Freire.
statistics available in Brazil, do not reveal information about on the routes
or modus operandi of the crime of human trafficking. And even if they had
revealed, they would not be representative, given that the failures of the
source of origin, as we saw above, produce a series of sub-notifications.
The difficulties for the production, systematization and inter-
institutional sharing of such data and information are even clearer when we
read the conclusions of the 2014-2016 Report.
In their opinions, the technicians ponder on the two principal
elements of the crime of human trafficking: the action and the purpose
of its operators. According to them, the two aspects can only be properly
understood if they are incorporated with the quantitative data disclosed by
the CNJ, the reports of the authorities, the testimonies of the victims and
of the traffickers.
In this sense, the qualified sharing based on the partnerships between
public agents, state agencies, universities, research centers and NGOs must
be based on certain standards that combine data and information in a
continual flow.
Based on the conclusions of the Ministry of Justice’s technical team,
we highlight and will comment below certain errors in the methodology
of collection and systematization that contribute to making more complex
the study and the combat against Human Trafficking in a coordinated and
inter-institutional way:
1. Manuality: the validity/quality of the quantitative data on human
trafficking in Brazil is questionable. The major problem here is: Who
manipulates the data and how such data is manipulated. What the technicians
of the Ministry, who are responsible for the 2014-2016 Report, observed
was that the manuality in the record of the data in certain institutions or the
manuality when generating reports present a number of methodological
errors. In addition, they also point out that there have been a number of
changes in the form of collecting or recording data between the periods
since the beginning of the collection, making it impossible to compare
properly and within the basic standards for this type of work.
2. Absence of important variables: in spite of the construction of
the Integrated TP Methodology suggesting a minimum of variables, there
are no information systems that are capable of recording data for dealing
with human trafficking adequately, or that contemplate the characteristics
that constitute the crime. In particular, the criminal justice systems are the
most precarious in terms of the level of detailing.
3. Differences in the concepts: thus as noted in the National
Report covering the period from 2005 to 2011, each term, according to
the technicians, may have a definition that is different in each information
system, making a comparison impossible. For example: the concept of
human trafficking adopted by the police is the one provided in the Criminal
Code, which considers human trafficking exclusively when the purpose
of the exploitation is sexual. Yet the concept adopted by the institutions
that assist the victims is that of the National Policy, which encompasses a
number of types of exploitation. The Ministry of Labor, in turn, accounts
for the cases of reduction to a condition that is analogous to slavery,
which are not always the cases of human trafficking. With the prediction
of the criminal type of human trafficking and at least four modalities and
exploitation, on the terms of the wording of Article 149-A, given by Law
No. 13.433/2016, and in accordance with the Palermo Protocol and with
the National Policy, it is possible that this obstacle will be overcome, if the
systems are adapted to this concept; Difference in the periods of collection:
the institutions are mismatched in time. There are institutions that have not
completed the processing of the data collected in 2015, so they did not
publish it, while other institutions generated normally reports even of the
data collected in 2016;
4. Inadequate form of presentation of the data: many institutions
still provide absolute figures in their reports, when the ideal for purposes of
analysis or comparability would be percentages or rates, for example, per
1,000 thousand inhabitants. This is because it is not possible to compare
the number of cases of human trafficking recorded in São Paulo with the
number of cases recorded in Acre, as the population difference between the
two States is considerable. Obviously, there are more cases in the first State.
The statistical scale is an international convention and must be followed for
the proper incorporation into the global bases.
5. Margin of error: when there is analysis of the verification systems
to identify if there has been any progress due to the implementation of the
Integrated Methodology, the data that they record, percentages or numbers
“not informed”, occupy a significant portion of the collection, reaching
up to 40% of the total. For the purposes of statistical calculations, these
“not informed” should be excluded from the sample at the time of the
calculations, but this would imply reduction of the sample size to little over
half. In other words, the margin of error for any analysis of frequency or
comparison is very large, and should not be done because it can induce to
a serious error in the conclusions.
6. The absence of periodicity in the assessment of the
information: the most serious and fatal problem for there to be a
continuous flow in the monitoring of the dynamics of Human Trafficking,
pointed out by the technicians that prepare the 2014-2016 Diagnosis, was
the lack of periodicity in the analysis of data by the public institutions
themselves. For them, the problem is that the analysis is motivated by some
type of demand. If, for example, the National Coordination to Combat
Human Trafficking requests data on human trafficking for the development
of this National Report, a survey is made of what is available or a collection
is provided for that moment. This implies absence of analysis of quality or
criticism of the data.
7. Inconsistency of data: the inconsistency of the data was also
noted by the analysts. For them, it is a direct consequence of the problems
we discussed in the previous items. It was observed, for example, that the
total number of cases differs, in one same year, depending on the variable
studied. The comparisons, then, could also lead to a serious error of
construal, to the development of distorted and contradictory assumptions
in relation to the reality, which leads to incorrect and inadequate inferences.

FINAL CONSIDERATIONS

Our analysis and criticism, directed at the way that the data and
information are produced, as well as the difficulties of inter-institutional
sharing, are justified because we see in these flaws the loopholes that make
the itineraries10, the routes11 and the Circuit of Human Trafficking12, more
invisible for the majority of eyes that seek to combat this practice.

10. The Trafficking itinerary is another term that we created in our research on the topic and
constitutes the most sensitive part of this field of research because they represent the direct
contact with the stories, the conditions of origin, the forms of enticement, the reasons and
the personal and legal consequences for the lives of people that involve or are involved in
this sample. It is through their itineraries that men, women, children and adolescents connect
with the routes and, consequently, with the circuits. This part of the field of research allows
the ethnography of Invisible People enabling, right from the humanitarian assistance that
they often lack, up to the more effective policies for prevention of traffic and exploitation of
human beings in the dimensions that are currently observed.
11. The routes are precisely the corridors through which millions of people transit, taken in a
clandestine way, legally, illegally or on their own account, around the world or within Brazilian
territory, preferably for the purposes of slave labor, illegal adoption, arranged marriages, child
marriage, prostitution, trade of organs or as mules for drug trafficking and smuggling of
various goods. There are many routes that branch into sections that change quickly to make
it more difficult to fight this type of crime, as well as to meet new demands for people that
can compose the market for human beings. The routes make the connection with the Circuit
constituting the pillars for sustaining the Trafficking.
12. See footnote of page 2.
We understand that any information must be based on an adequate
collection so that it can be used in a safe form, whether it be produced by a
global source or by a Brazilian source.
In this sense, we believe that there is a vacuum between the local
networks and their relations with the international network because the
checking of the collection and the grouping of the data, in Brazil, faces, on
the one hand, the lack of quality control in the “manuality”, as observed
by the Ministry of Justice technicians in the 2014-2016 Report and, on the
other hand, the slowness with which they are systematized, updated and
made available to generate a continual flow between the institutions.
The routes, the agents, the strategies and the itineraries have an
impressive fluidity, which hinders a more permanent mapping of Trafficking.
In addition, the changes in the managements of the institutions that deal
with the combat of this crime, motivated by the changes of government,
also strongly impact the establishment of a safe and accessible network for
exchange of information.
This being so, the demarcation of a common field that would serve
as a basis for the collection and systematization of data based on indicators,
could solve a good part of the problems listed above.
We defend the demarcation of an inter-institutional collaborative
work space that we have called “Field of Research” for some time.
FIELD OF RESEARCH

CIRCUIT CIRCUIT CIRCUIT CIRCUIT CIRCUIT

ROUTES

CIRCUIT ROUTES RARIES ROUTES CIRCUIT

CIRCUIT ROUTES ITINERARIES ROUTES CIRCUIT

ROUTES

CIRCUIT CIRCUIT CIRCUIT CIRCUIT CIRCUIT


Source: Antonio Jonas Dias Filho
Corresponds to the total sample size in which persons and groups in Brazil or in the
world circulate
Corresponds to the map and potential routes by which and to which are taken persons
or groups
Origin, characteristics and forms of contact of the persons that transit through the
circuit and through the routes
Source: Antonio Jonas Dias Filho
In this “Field”, the indicators that would be sought could be
established, for the purpose of composing a database. It is worth stressing
that great efforts would not be necessary to choose the data and information,
given that there are problems that are common to all of the countries that
deal with Human Trafficking in a more intense form.
The basis for defining the Research Field could be formed by using
the following basic indicators with their respective data and information:
Trafficking Modalities (see Table 1); Victims (see Table 2); Suspect/
Victim Relationship (see Table 3); Origin/Destinations; Suspects/Prisons/
Proceedings/Penalties.
As the experts that study and deal with this problem know, as
public agents or researchers, the dynamics of Trafficking is intense and
unpredictable. In this sense, the variables by regions within one same
country, as well as from one country to another, could be subject-matter of
Special reports that would compare the flow of data based on the proposed
indicators, with exceptional cases, in the search for new standards within
the Circuit.
We believe that the “Research Field” could be produced as a Shared
Digital Platform in a continual flow, by the municipal, state, federal and
international agencies, with the objective of reducing the abyss that
separates the problem from the effective ways of combating it, as well as
the institutions that operate inside and outside of the Brazilian territory.

REFERENCES

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globalização e rota Brasil-Europa. Brasília: Universidade de Brasília, 2009.
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São Paulo, 2004. Available at: www.smm.org.br/artigo.htm. Accessed on:
Jan 5th, 2019.
CHAPTER 3

THE TECHNOLOGY IN
FAVOR OF HUMAN RIGHTS:
COMBATING HUMAN
TRAFFICKING BY MEANS OF
CREATING SHARED DATABASES
AND PROCESSING PERSONAL
DATA IN THE INTERNATIONAL
SCOPE

CLARISSE LAUPMAN
PhD from the Pontifical Catholic University of São Paulo (PUC-
SP) and Professor of the same institution from which she graduated.
Concentration in International Law and Human Rights. A member of
the Research Group named “Invisible People: Prevention and Combat of
Internal and International Human Trafficking”.

MARÍLIA GAGLIARDI
Attorney and Researcher of the CEPI FGV. A member of the Research
Group named “Invisible People: Prevention and Combat of Internal and
International Traffic of Human Beings”.

INTRODUCTION

One of the most perceivable characteristics of the crime of human


trafficking is precisely the difficulty of detecting it. It is for this reason that
one of the greatest challenges for development of answers for the combat
of this crime currently resides in the lack of reliable data and in a quality
that enables one to analyze the rise of human trafficking, the profile of the
victims and the impact and proportion of such crime.
Inasmuch as it is a crime that occurs around the globe, and often,
in a trafficking network that has its process distributed among several
states, there is growing international concern in finding ways to eradicate it.
Precisely for this reason, there was inclusion of its combat in the purposes
of the United Nations (UN) Sustainable Development Goals (SDGs) and
of the Global Compact for Safe, Orderly and Regular Migration (GCM).
For it to be possible to achieve any one of these objectives, however,
it is necessary that, in addition to the agents that aim at combating human
trafficking being prepared and sufficiently informed to identify it, that there
be cooperation and exchange of information among such agents.
In this context, this article seeks to analyze how technology can be
used to assist in combating human trafficking. Furthermore, one seeks to
understand how the use of the technology must be conducted in and what
the limits are that must be respected for the protection of the holders of
the collected data.
In other words, the aim is to understand the concern with the
treatment of sensitive data, as well as the concern with the consequences
of disclosure of such data, so that there is no violation of the fundamental
rights of the victims.
In this sense, it is also considered how Brazil adapted its domestic
legal system both as to the matter of human trafficking, with Decree No.
5.017/2004; with the advent of Law No. 13.344/2016, as well as the way in
which it adopted a new posture regarding the protection of personal data
(Law No. 13.709/2019).
Thus, this text aims at verifying how the technology can be used as
a way to combat human trafficking in the context of the shared databases
of the victims of this crime. For this end, one must consider the protective
aspects, both from the international point of view and from the legal
aspects of the Brazilian legal system in relation to both the specific rules in
relation to human trafficking, and as to the rules related to the protection
of personal data and sensitive data of the victims of this crime. For the
purposes desired in this article we use the inductive method, built from
the bibliographic research on the protection on data and cases of victims
of trafficking, considering (i) the literature about it, (ii) reading reports,
guidelines and recommendations in general on the matter made available by
national and international organizations and (iii) analysis of the data made
available satisfactorily by different institutions.
1 THE RELATION BETWEEN HUMAN TRAFFICKING, THE
TECHNOLOGY AND THE PROTECTION OF DATA

Prior to entering specifically into the legal aspects of the treatment


of data1, it is important to understand the characteristics of the crime of
human trafficking and how it relates to the technological advances. It is also
essential to understand how this connection is related to the protection of
personal data.
Firstly, it is clarified that the crime of human trafficking is a
complex and dynamic crime, which occurs in various places, in a broad
variety of contexts, with different purposes. The records and reports of
human trafficking denounce that this practice has the purpose of (i) sexual
exploitation; (ii) trafficking of organs, blood or other body parts; (iii) slave
labor; (iv) forced military service; (v) forced marriage; (vi) practice of
criminal activities; (vii) other objectives and the combinations thereof.
In this sense, one stresses that many aspects of the crime of human
trafficking have altered due to recent technological developments. This is
because the ways in which the connections between exploiters, buyers and
victims of human trafficking have altered. Another aspect that also deserves
attention concerns the transformations of the crime of human trafficking
as regards the greater circulation of information on how to get involved in
this type of criminal activity2.
The application of the technology in the structure of human
trafficking can be both harmful and beneficial. This can also be perceived
as an important tool for the prevention, investigation, judicialization (in
the national or transnational scope); mapping, as well as the protection of
the victims of such crime. Such measures are even achieved through the
creation of sufficiently complete databases that enable improvement of the

1. For all purposes of this Article, the term “treatment” shall have the same meaning as
that attributed to it by Article 5, X of Law No. 13.709/2018, which defines treatment as
“any operation carried out with personal data, such as those referring to the collection,
production, reception, classification, use, access, reproduction, transmission, distribution,
processing, filing, storage, elimination, evaluation or control of information, modification,
communication, transfer, diffusion or extraction”. Available at:<http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm>. Accessed on: Nov 10th, 2019.
2. LATONERO M., BERHANE G., HERNANDEZ A, MOHEBI T., MOVIUS,L. Human
Trafficking Online: The Role of Social Networking Sites and Online Classifieds (Technology
and human trafficking, 2011). Available at: <https://technologyandtrafficking.usc.edu/
report// Accessed on: Nov 24th, 2019. E ; M. Latonero, J. Musto, Z. Boyd, E. Boyle, A.
Bissel, K.Gibson, and J. Kim, The rise of mobile and the diffusion of technology-facilitated
trafficking (USC Annenberg Center on Communication Leadership and Policy, 2012. Available
at: <https://technologyandtrafficking.usc.edu> Accessed on: Nov 24th, 2019.
policies for identification of trafficking networks and for the prevention of
this crime around the world.
In this way, it is emphasized that the crime of trafficking has a pattern
and, consequently, a flow of information that is typical of the practice of
this crime. In this sense, the crime also becomes traceable and mappable.
To identify the information that is necessary to trace such routes
and make the necessary mapping, however, is not a simple task. This is
because it is very difficult to identify complete and reliable sources on
the matter. The absence of an accurate and consistent information base
makes it more difficult to identify the routes and devise ways to effectively
combat this crime. And the scarcity of sources in this sense is justifiable.
The development of a database is entailed to the treatment of personal
information of victims of trafficking and, therefore, of information of
persons who have just experienced a traumatic situation and that may still
be exposed to risks3.
It is noteworthy that the data collected in cases of human trafficking
inevitably involves personal details and, often, intimate data. Many agencies
that deal with victims of trafficking collect personal data such as (i) the
place of residence, (ii) name and address, (iii) family members, (iv) medical
history, possibly including their HIV status.
If this personal data is not protected and properly processed prior
to being included in the database, the consequences can be serious. In this
sense, it is clear that (i) the witnesses and victims can be identified, located
and intimidated; (ii) the victims can be publicly exposed, or worse, their
lives can be put in danger; and (iii) informants can be identified and become
targets for harassment.
In addition, the improper use of personal data does not affect only
the individual, but also jeopardizes the efficacy of the entire effort and
the anti-trafficking measures. If the personal information is not protected
against improper use, the victims will become even more reluctant as to

3. On this aspect, the Collateral Damage: the impact of anti-trafficking measures on human
rights around the world (GAATW, 2007: 2) study states that “Many government agencies
undoubtedly assume that the purpose of enforcing the law and of defending human rights,
are the same. However, in the case of human trafficking it is not always so. The existing
evidence suggests that especially marginalized people, such as migrants, internally displaced
persons, refugees or asylum seekers, have unfairly suffered the negative consequences of anti-
trafficking measures, which have been counterproductive for a group that should benefit”.
GLOBAL ALLIANCE AGAINST TRAFFIC IN WOMEN/GATTW. Collateral Damage. The
Impact of Anti-Trafficking Measures on Human Rights Around the World. Bangkok, 2007. Available
at: <https://www.iom.int/jahia/webdav/shared/shared/mainsite/microsites/IDM/
workshops/ensuring_protection_070909/collateral_damage_gaatw_2007.pdf> Accessed on:
Nov 24th, 2019.
sharing their experiences, and the informants and witnesses will not feel
safe to assist in the investigations.
In this way, it is essential that there be policies and procedures to
protect the security and privacy of personal information in the event of
sharing data for the purpose of combating human trafficking.

1.1 THE FORMS FOR TREATMENT OF PERSONAL DATA IN


THE CASES OF HUMAN TRAFFICKING

Non-personal data or properly treated and non-anonymous data


are usually sufficient for the purpose of development of anti-trafficking
policies. In other words, if it becomes impossible to identify the holder
of the data based in the analysis of the data, one sees that the necessary
protection is being given to those involved in the trafficking network.
One can also infer that the access to the sensitive personal data
usually does not have to be available to policy makers for prevention of this
crime so that, in theory, the protection would be duly ensured.
However, it is certain that, in certain scenarios, the access and
exchange of sensitive personal data can be requested for legitimate reasons
and operational motifs and reasons. This is an existing prediction in all of
the data treatment regulations. It is noteworthy, as of now, that this access
to data and exchange of personal information must be conducted within
a framework of policies and procedures that protect personal data against
improper use thereof.
The treatment of the data of these victims, therefore, must be done in
a specific way, considering also that all of the necessary protective measures
are being taken. In this sense, it is important to ponder about which
measures are suggested for the treatment of data on victims of human
trafficking at the international level, as well as the national provisions on the
matter, so that it is possible to verify how the technology can be allied with
combating human trafficking. Thus, this problem will be analyzed based on
the international and national plans.

1.1.1 INTERNATIONAL SCOPE

The use of technology for the purpose of identifying the crime of


human trafficking gives rise to significant concerns about how it can be
identified without compromising the safety and the fundamental rights of
the victims and of other individuals that may be affected in a collateral
form.
At the international scope, it is important to highlight both the
work of the World Health Organization (WHO), of the United Nations
Children’s Fund (UNICEF), of the “United Nations Action for Cooperation
against Trafficking in Persons” (UN-ACT), and of the Red Cross, as of the
organizations that establish guidelines for the treatment of data of victims
of trafficking.
In this sense, it is understood that in 2003 the WHO published a
combination of ten guidelines on how to interview women that are victims
of human trafficking4. This was a major step to ensure the respect for the
rights of victims of trafficking, as well as to designate the principles on the
use of the collected data.
This guide is in addition to the guidelines stipulated by UNICEF
in 2006 on the Protection of Child Victims of Trafficking5, in relation to
the indication of the procedure to be adopted for the treatment of data
deriving from crimes of human trafficking.
In this sense, it is interesting to stress that UNICEF guidelines
establish that, among the data that must be protected, one should not only
consider data such as name, address, date of birth and nationality, but also
information about personal circumstances, such as activities, finances and
health status, including issues like HIV or pregnancy.
Aiming to supplement the existing guidelines, the UN-ACT launched
in 2008 a series of guidelines with the objective of contemplating more
assumptions of human trafficking, addressing also men, communities and
persons that are in a vulnerable situation.
It is worth mentioning that the UN-ACT is a regional project managed
by the United Nations Development Program (UNDP), which operates
with a wide range of partners, including the UN and affiliated agencies,
such as ILO, UNICEF, UNODC, IOM and UN Women; and organizations
of the civil society such as World Vision, Save the Children or ECPAT. The
UN-ACT has a guide to Ethical Standards for Research and Programming
on the subject of combating human trafficking6.

4. WHO (2003). WHO Ethical and Safety Recommendations for Interviewing Trafficked Women. Available
at: <https://www.who.int/mip/2003/other_documents/en/Ethical_Safety-GWH.pdf>.
Accessed on: Nov 10th, 2019.
5. UNICEF (2006). Guidelines on the Protection of Child Victims of Trafficking. Available at: <https://
www.unicef.org/protection/Unicef_Victims_Guidelines_en.pdf>. Accessed on: Nov 10th,
2019.
6. UNACT. Guide to Ethics and Human Rights in Counter-Trafficking. 2008. Available at: <http://un-
act.org/publication/guide-ethics-human-rights-counter-trafficking/> Accessed on: Nov 10th,
2019.
In all of the listed cases, the principles used specifically as to the
treatment of the information obtained by victims tend to be the same,
which are the following: (i) that of not generating more damage/harm for
the victims; (ii) of assuring the confidentiality; and (iii) of obtaining free
and informed consent of the victims.
The guidelines provided herein are broad, but demonstrate, as of
now, that all of the data collected from the victims of trafficking must be
treated aiming at secrecy and confidentiality with regards to whose the data
is, including to ensure more security for them.
Furthermore, as to the recommendations on the treatment of the
personal data in cases of human trafficking, the UN’s provision on the
subject stands out in the document entitled “Recommended principles and
guidelines on human rights and human trafficking (E/2002/68/Add.1)
(United Nations High Commissioner for Human Rights) Guideline 37.”
In it, one of the principles that stands out concerns the one of
which the data must be protected. In this sense, the data must be protected
with clear policies and procedures that break even the interests of law
enforcement with the need to ensure privacy, confidentiality and safety for
the holders of the data.
In this document, it is highlighted once again that non-anonymous
data and non-personal data tend to be sufficient for the formulation of
protection policies. However, in the scenarios where these are necessary,
they must be subject to strict protection controls.
Lastly, the Red Cross has a structured manual on how to handle the
data of people during humanitarian crises. Even if the victim of human
trafficking is not always in a scenario of humanitarian crisis, this is an
important paradigm for considering those who have undergone serious
violations of human rights.
The manual is based on existing guidelines, procedures and work
practices, established in humanitarian actions for the benefit of the most
vulnerable victims of humanitarian emergencies.
It seeks to assist the humanitarian organizations in meeting the
standards of personal data protection, raising awareness and providing
specific guidance on the construal of the principles of protection of
data within the context of humanitarian actions, particularly when new
technologies are applied.

7. UN. Recommended Principles and Guidelines on Human Rights and Human Trafficking.
2002 Available at: <https://undocs.org/E/2002/68/Add.1>. Accessed on: Nov 24th, 2019.
The Organization defines personal data as any information related to
an identified or identifiable natural person. In this same sense, the holder
of the data is therefore an individual that cannot be identified, directly or
indirectly, in particular by reference to personal data.
The Organization also stresses that certain data protection laws
include the additional category of Sensitive Data within the concept of
personal data. For the purposes of the Manual, “Sensitive Data” are personal
data, which, if disclosed, can result in discrimination or repression of an
individual. Normally, data related to health, race or ethnicity, religious/
political/armed group affiliation, genetic information and biometric data
are considered to be sensitive data.
The Red Cross also stresses that all of the sensitive data require more
protection. In this sense, it is highlighted that the humanitarian organizations
work in different scenarios, always in situations and serious violations of
human rights. As these situations are very tactful, the organizations began
to consider that many particular elements of the violation situations are
elements that can generate discrimination, thus expanding the scope of
what can be considered as sensitive data. It is evident that every situation
must be analyzed case-by-case. In certain situations, for example, the
absence of the anonymity of the surname of an individual can put him/
her in a situation of major risk, a situation in which the name is considered
to be sensitive data.
In this sense, it is understood that the Organization considers that all
of the data which can put victims into a situation of greater risk should be
treated as sensitive data.
By analogy, in this way, it can be said that all of the data in the study
of human trafficking that can identify victims or place them in situations
of greater vulnerability must be considered sensitive data and thus treated
with the necessary precautions.
One of the necessary precautions in the case of trafficking, extracted
from all of the manuals and guides listed hereunder8, is precisely that of
effectively causing to be anonymous the information obtained to prevent
that the holders of data be subject to greater risk. National Scope – Legal
Aspects of Human Trafficking and Protection of Data in Brazil.
Although there is no specific provision as to the processing of data
of victims of the crime of human trafficking in Brazil, there are specific

8. The sources observed are more consistent up to the moment of the research, there are more
recent ones but that are not adequate.
provisions on the treatment of data and treatment of sensitive data, as well
as provisions on human trafficking in the Brazilian legal system.
Moreover, it is clear that the Brazilian State has committed itself in
the international scope with combating human trafficking so that it is also
linked to the international provisions on the matter9.
In this way, it is interesting to understand how the national and
international legislations are linked to this subject. The Federal Constitution
shows the dignity of human beings as a fundamental right10, which is directly
related to the protection of the victims of human trafficking. Additionally,
according to Article 5, X, of the Federal Constitution, the right to privacy
must not be violated11. It is evident, therefore, that any measure adopted to
combat human trafficking must comply with these provisions.
There is also specific legislation relative to the crime of human
trafficking, i.e., Law No. 13.344/2016. This amended the Brazilian Criminal
Code, expanding the modalities of trafficking and its penalties. This is
because, prior to the enactment of this Law, only trafficking for the purposes
of sexual exploitation was expressed in the Criminal Code.
Thus, in addition to the sexual exploitation, there is provision for
the trafficking for removal of organs or tissues, for purposes of subjecting
persons to conditions that are analogous to slavery or any type of servitude,
and for illegal adoption (Criminal Code, Article 149-A).
Among the guidelines stipulated by the law for combating human
trafficking, for purposes of study as to the data collected from such
victims, the principles of “respect for the dignity of human beings”; “full
attention for the direct and indirect victims, irrespective of nationality and
of collaboration in investigations or legal proceedings”12 are highlighted.
9. Brazil ratified, among other treaties: Additional Protocol to the United Nations Convention
against Transnational Organized Crime to Prevent, Suppress and Punish Trafficking in Persons,
Especially Women and Children, which was adopted in New York on November 15th, 2000.
The Protocol was approved by the National Congress by means of Legislative Decree No.
231/2003, and determined its execution by means of Decree No. 5.017/2004. Available at:
<https://www.conjur.com.br/2016-out-17/cesar-dario-brasil-cumprindo-tratados-trafico-
pessoas>. Accessed on: Nov 12th, 2019.
10. Article 1, III of the CF “Article 1 The Federative Republic of Brazil, consisting of the
indissoluble union of the States and Municipalities and the Federal District, becomes a
Democratic State of Law and has a grounds: (...) III – the dignity of human beings.”
11. Article 5 of the Federal Constitution, “X – inviolable are the intimacy, the private life, the
honor and the image of people, with assurance of the right to indemnity for the material or
moral damage resulting from their violation.”
12. The principles provided in Article 2 of Law No. 13.344 2016 “Article 2 The combat against
human trafficking shall comply with the following principles: I – respect for the dignity
of human beings; II – promotion and assurance of citizenship and of human rights; III
– universality, indivisibility and interdependence; IV – non-discrimination based on gender,
sexual orientation, ethnic or social background, origin, nationality, professional performance,
It is evident, therefore, that despite a judicial investigation, the victims
must always be assisted so as to ensure their safety and their dignity.
The mentioned Law also provides that combating human trafficking
shall comply with the guidelines for
“II – articulation with national and foreign governmental
and non-governmental organizations; III – incentive
for the participation of the society in instances of social
control of trade, or professional entities in the discussion
of the policies for human trafficking; VI – incentive for
international cooperation; VII – incentive for conduction
of studies and research and for their sharing; VIII –
preservation of the secrecy of the administrative and
judicial procedures, on the terms of the law”.13
In this way, one sees that Brazilian legislation itself acknowledges the
need for sharing data and for cooperation in the national and international
scope. However, this law also acknowledges the need for secrecy in the
procedures adopted, always aiming to protect the victims.
In the mentioned law, there is no specific provision as to the exchange
of data and information at the international scope for the fight against this
crime. It is interesting to highlight, therefore, Decree No. 5.017 of March
2004, which cast the Additional Protocol to the United Nations Convention
against Transnational Organized Crime to Prevent, Suppress and Punish
Trafficking in Persons, Especially Women and Children.
The abovementioned Decree, in which one of the objectives is
of promoting cooperation between the States to combat the crime of
trafficking, stipulates that one of the forms for this cooperation is by means
of exchanging information. As this could involve sensitive information,
Article 10 of that document provides that “A State Party that receives
information shall respect any request of the State Party that transmitted
such information, in order to restrict its use.”
This measure ensures that the State that has the data of the victims
of trafficking shows the purpose for which such data will be used prior to
sharing it. Thus, if this sharing occurs in order to map data, they cannot be
used for another purpose and shall have to be discarded if necessary.
This, however, also provides that:
“In the cases where it is deemed appropriate and to the

race, religion, age group, migratory status or other statuses; V – transversality of the dimensions
of gender, sexual orientation, ethnic or social background, origin, race and age group in public
policies; VI – full attention for the direct and indirect victims, irrespective of their nationality
and of their collaboration in investigations or judicial proceedings; VII – full protection of
children and of adolescents.”
13. Article 3 of Law No. 13.344, of 2016.
extent permitted by their internal law, each State Party
shall protect the privacy and identity of the victims of
human trafficking, including, among others (or inter alia),
the confidentiality of the judicial procedures relative to this
trafficking.”
Although the Decree provides for the exchange of data in the
international scope, it is understood that this regulates the exchange of
information between States, and not between States and members of the
civil society, so that the relationship established in the latter case is not
properly protected.
In this way, in order to understand the limitations as to the treatment
and sharing of data, even in cases of human trafficking, one sees as
necessary the analysis of the General Law for the Protection of Personal
Data (LGPD).
Law No. 13.709/2018 also has, as one of its fundamental principles,
respect for privacy and the human rights14. For purposes of this Law,
personal data is all of the information related to an identified or identifiable
natural person; while sensitive data are the personal data about the racial or
ethnic origin, religious conviction, political opinion, union membership or
organization of a religious, philosophical or political nature, data relating to
health or sexual life, genetic or biometric data, when entailed to a natural
person.
It is evident, therefore, that the data collected regarding human
trafficking are personal data and, often, sensitive data. In this sense, it is
highlighted that the LGPD provides that the processing of sensitive data
may occur irrespective of the consent of the holder, if this is indispensable
for the “shared treatment of the data that are necessary for the conduction,
by the public administration, of public policies provided in laws or
regulations”15.
Thus, the processing of information to compose international
databases is authorized by Brazilian law, especially if it has the purpose
of treatment of data for consolidation of a public policy for combating
human trafficking. For this, it is necessary to always ensure the dignity of
the holder of such data, having as necessary that the data be anonymous
aiming at ensuring the due protection for the victims of this crime.

14. Article 2 of Law No. 13.709/2018, items I and VII.


15. Article 11 of Law No. 13.709/2018 “The processing of sensitive personal data can only occur
in the following cases: (...) II – without providing consent of the holder, in the cases where it
is indispensable for: (...) b) shared treatment of data that is necessary for the enforcement by
the public administration of the public policies provided in laws or regulations.
2 THE DATABASES ON HUMAN TRAFFICKING AND THE
MEASURES ADOPTED FOR PROTECTION OF THE SOURCES
OF DATA

As set forth above, with the growing technological advances, it is


possible to notice not only the creation of broader databases, but also the
possibility of mapping and crossing information from all over the world.
These bases, however, in addition to being scarce, also have the duty
of complying with the specific provisions on the protection of the personal
data of victims of trafficking, so as to ensure for them the fundamental
rights as to the security, privacy and dignity, which are fundamental rights
provided both in the Brazilian Constitution and in different international
agreements.
The obligation of adopting measures for the protection of data in
these contexts is provided both in international treaties and regulations as
well as in Brazilian national legislation. Therefore, it is necessary to verify
how the database mechanisms, which also use information made available
by members of the Brazilian civil society, have adapted to the necessary
measures for the proper treatment of personal data.
The relevant databases for this study, which currently enable
the analysis of information on human trafficking around the world, are
composed both by UN agencies and by a number of international non-
governmental organizations (NGOs) and even by private companies.
Among the sources, the following stand out: (i) the International
Organization for Migration (IOM); (ii) the United Nations Office on Drugs
and Crime (UNODC) on human trafficking; (iii) the International Business
Machines Corporation (IBM).
Each one of the listed databases shows both positive and negative
aspects as to the mapping of information on human trafficking. It is
interesting, therefore, to verify how these sources deal with the issues of
protection of personal data in cases of human trafficking, considering, on
the one hand, the need for exchanging data for the creation of a reliable
base, as well as the sensitivity of these same data.

2.1.1 THE INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR


MIGRATION

The IOM stands out for having the largest database of victims of
trafficking in the world. This is due to the IOM’s programs of assistance
and research as to the migratory flows. In this sense, it is correct to infer
that the processing of personal data is an essential part of the operations
of the International Organization for Migration (IOM), since the collection
of such data derives precisely from the provision of direct assistance for
victims of human trafficking.
Currently the organization’s database contains more than 90,000
individual cases, with approximately 5,000 new cases added each year. The
data captured includes information on (i) the victims’ backgrounds, (ii)
the locations and routes of trafficking, (iii) how the persons fit into the
trafficking process, (iv) associated forms of exploit and abuse, (v) sectors
of exploit, (vi) means by which victims are controlled, and (vii) certain
information about the perpetrators.
It can be said, therefore, that the IOM deals with highly sensitive data.
It is for this reason that the organization was one of the first to develop
its own internal policy on data protection, the “IOM Data Protection
Principles” adopted in 200916. Subsequently, the “IOM Data Protection
Manual” was developed in 201017.
It is precisely in the data protection manual that a specific
recommendation for data processing is found when the person is a victim
of human trafficking. In this sense, the IOM establishes that if the recipient
was a victim of human trafficking, additional considerations must be taken
into account, including safeguards as to the protection of the confidentiality
and the anonymity of such beneficiary.
The principle that governs this provision is the principle of not
causing harm to the victims, which includes protecting the beneficiary of
the media where there is a risk that the interaction could compromise their
personal interests, safety or rehabilitation. In addition, adequate time should
be given to enable the IOM to consider requesting and, if appropriate,
identifying a suitable individual that could be willing to participate in the
coverage of the media18.
In view of the sensitivity of the data processed by the organization,
the IOM database was not always available for the public. The main reason
was due to the concern of protecting the victims, as well as to provide the
due protection of data and to ensure the confidentiality of the information.

16. https://www.iom.int/data-protection Accessed on: Nov 24th, 2019.


17. https://publications.iom.int/books/iom-data-protection-manual Accessed on: Nov 24th,
2019.
18. Information available in the IOM data protection manual, available in the site of the
Organization <https://publications.iom.int/books/iom-data-protection-manual> Accessed
on: Nov 24th, 2019.
It was only in 2017 that primary, anonymized (“de-identified”) data, at
an individual level, about victims of human trafficking were made available
online. The information was made available by means of the Counter
Trafficking Data Collaborative (CTDC)19 data portal. This is the first global
hub20 of data on human trafficking, with data coming from contributions
of organizations around the world.
This hub enables analyses on human trafficking from the perspectives
of (i) gender; (ii) age; (iii) purpose; (iv) trafficking routes. Currently, this
global combination of data enables the research about more than 55,000
records of non-identified persons that were victims of human trafficking,21
in addition to providing general information based on an analysis of non-
personal data in more than 90,000 cases.
Even though this initiative exists, it must be mentioned that the data
shared, so far, serve mostly for statistical purposes. This is because, although
anonymized, the sharing of personal data between organizations would
continue to make it possible to re-identify the victims, which could lead
to serious consequences. The UN itself has provisions that establish that
the data be strictly confidential and used exclusively for statistical purposes
(UN, 2013)22.
This is one of the reasons why access to the data and its use in
various initiatives has been limited so far. In this scenario, it is observed
that, although the IOM has a large database, it is not shared in its entirety.
Thus, on the one hand, the protection attributed contributes to the effective
implementation of the IOM projects, ensuring the privacy and the safety
of all of the persons assisted by the organization, including victims of
human trafficking. On the other hand, the limitation of the information
made available reduces the exchange of potentially relevant data with other
bodies, and makes it difficult to identify the perpetrators of the crime of
human trafficking.
Further, it is known that the data has a geographical scope and limited
coverage. This is because the availability of the IOM data depends on its
schedule, which varies in length by country.
19. THE COUNTER TRAFFICKING DATA COLLABORATIVE. GLOBAL DATA HUB
ON HUMAN TRAFFICKING. Available at: <https://www.ctdatacollaborative.org/>
Accessed on: Nov 24th, 2019.
20. For the purposes of this article, the term “hub” shall be used as “concentrator” and “processor”
by means of which the information is transmitted or disseminated.
21. THE COUNTER TRAFFICKING DATA COLLABORATIVE. THE GLOBAL DATASET.
Available at: <https://www.ctdatacollaborative.org/> Accessed on: Nov 10th, 2019.
22. UN. 2013/21. Fundamental Principles of Official Statistics. Resolution adopted by the Economic and Social
Council on 24 July 2013. Available at: <https://unstats.un.org/unsd/dnss/gp/FP-Rev2013-E.
pdf>. Accessed on: Nov 24th, 2019.
Finally, it is worth stressing that the IOM hub uses data collected
worldwide, which also includes the data collected in Brazil23. Also, these
data reveal that only 0.5% of the trafficked persons in Brazil are properly
identified.

2.1.2 UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME

The UNODC carried out an important work in relation to human


trafficking, which involves producing periodically a global report on human
trafficking. The most recent report dates back to 201824, and was developed
by means of sending questionnaires with different questions to the
governments in order to identify a series of standards of human trafficking.
The data collected enables identifying the gender, age and type of
exploit of the victims of this type of crime. In addition, the UNODC
collects official information, such as police reports (available in the public
domain).
The UNODC database, however, is based on the collection of official
information mainly from participating governments. Thus, the scope of
the data varies according to the State. The laws and policies of the countries
for combating trafficking, as well as their abilities to identify victims, can
both facilitate and impair the collection of data25.
Finally, it is noteworthy that Brazil is one of the States that collaborates
with the information provided to the body, therefore it is important to
understand how it deals with the data made available.

23. https://www.ctdatacollaborative.org/map
24. UNODC. Global Report on Trafficking in Persons 2018 (United Nations publication, Sales No. E.19.
IV.2). Available at: <https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/glotip/2018/
GLOTiP_2018_BOOK_web_small.pdf> Accessed on: Nov 24th, 2019.
25. In this sense, it is important to highlight the excerpt extracted from the article “STATISTICS
RELATED TO HUMAN TRAFFICKING: from UNODC reports in the search for a
comprehensive methodology on the theme” which states that “Notwithstanding the efforts of
the UNODC to improve its methodology for collection of data, one difficulty was common to
all of the reports: the problem of failures that occurred in the most different jurisdictions not
only in relation to the fight against the crime per se, but also in relation to the internal collection
of data, often subject to difficulties that are inherent to the actual organization of the internal
organs of the States, or even for the absence of a methodology capable of considering the
information obtained for each of the entities that are active in the combat of traffic and
in the support for the victims.” SMANIO Gianpaolo P., CHIARELLO Felipe de S. Pinto.
ATCHABAHIAN, Ana Cláudia Ruy Cardia. JUNQUEIRA, Michelle Asato. ANDREUCCI,
Ana Cláudia P. Torezan (Orgs.). Mulheres invisíveis: panorama internacional e realidade brasileira do
tráfico transnacional de mulheres. Curitiba: CRV, 2018.
2.1.3 IBM

The private companies also play an important role in the mapping


of information for the combat of the crime of human trafficking. In this
sense, it is worth highlighting the performance of IBM, a North American
company focused on the information technology area that works with the
NGOs to combat human trafficking26.
IBM worked with Watson Speech to Tex (STT) to develop a data
hub that allows different financial institutions (such as Barclays, Europol,
Liberty Global, Lloyd’s Banking Group, University College London, and
others) to identify the networks and the flows of human trafficking.
The analysis of information coming from financial institutions is
particularly relevant, considering that one of the characteristics of human
trafficking is its profitability, which would make it possible to trace the
amounts involved. In this sense, when monitoring the flow of money, it
will also be possible to monitor the flow of human trafficking.
It is also noteworthy that money laundering is a predominant part
of human trafficking, thus it is possible to seek and map trafficking data,
also starting with the identification of specific patterns related to money
laundering.
The identification of these data occurs in two different steps. Firstly,
there is large-scale collection of data. Secondly, there is use of an Artificial
Intelligence (AI) tool so as to enrich and refine the collected data.
This AI is trained to recognize and detect terms and specific incidents
of human trafficking. The AI also enables the hub to receive data with
open code in a scale – including thousands of daily newsfeeds – to assist
the analysts in identifying the characteristics of the incidents of human
trafficking (as methods for recruitment and transportation) with greater
ease.
The tool uses the AI to aggregate and construe the data – transforming
it into tangible information for use by governments, NGOs and financial
institutions. The analyzed data does not contain specific information about
entities or persons. They inform when the transaction took place, and the
relationship with the cities of origin and of destination.
The crossing of grouped data from various sources – NGOs, news
and other financial institutions is not common. This is the information that

26. IBM. Working with NGOs, non–profits and industry partners to disrupt human trafficking by using
cloud and AI technologies to identify patterns of activity to make communities safer. Human Trafficking.
<https://www.ibm.org/initiatives/human-trafficking> Accessed on: Nov 24th, 2019.
enables a more precise analysis of the flows of money related to the flow
of trafficked persons. It also enables a greater mapping of information.
This collection and treatment of data has the aim of identifying where
the trafficking routes occur, which the points of transit are, and what types
of trafficking prevail in different periods of time and in different locations.
The strategy used by IBM consists of analyzing non-personal data
related to human trafficking. Although the information comes from financial
institutions, this information is not entailed to the holders of the data. This
is because the hub does not keep personal or confidential information. As
they are not specific data, the legislation on the treatment is not a problem.
By analyzing non-personal data, IBM circumvents the problems with
privacy policies and allows the sharing of results. In this way, the IBM/
STT platform facilitates a better inter-sectorial collaboration to interrupt or
reduce as much as possible human trafficking.
However, the information collected depends exclusively on the
information provided by the institutions that use IBM and that agree to
process their data with the purpose of identifying human trafficking.
In this way, even though the analysis of financial data by using AI is a
chance to identify cases of human trafficking, this measure is subject to the
will of the controllers of such data.
Once again, there is an analysis of the flows, but not the identification
of the agents that work in the crime of human trafficking, due to the
anonymity of the personal data. This not being enough, it is known that
this collection identifies large flows, so that the isolated cases probably go
unnoticed by the mapping that is carried out. Although IBM does not use,
initially, data provided by entities located in the Brazilian State, it is clear
that it can use anonymous data of Brazilians that have information in one
of the financial institutions that provides the information to the AI.

FINAL CONSIDERATIONS

The technology changed the way that one should deal with human
trafficking. This is because it changed not only the dynamics of trafficking,
but also enhanced the forms of combating it.
One of the forms of combat is just tracing the forms and the patterns
contained in this type of crime, to identify the routes used, and, based on
this information, to try to establish new combat and prevention policies.
For this, it is necessary to analyze and use the data of the victims of human
trafficking.
In this sense, it is noteworthy that although there is no specific
guideline in Brazil for this particular treatment, there are international
guidelines and treaties, as well as internal legislation on the treatment of
data and on human trafficking. All of these rules must be combined in
specific cases to ensure protection for the victims, as well as for greater
effectiveness in the networks for protection from and fighting of crime.
Thus, it is noteworthy that various institutions that are headquartered
in Brazil, or that use data made available by the Brazilian Government or,
potentially, use the data of Brazilians, have found ways of assuring the
protection of data and, at the same time, generate databases that can be
shared internationally. This information, however, is still scarce.
In this sense, even though the databases generated are not able to
contemplate all of the assumptions of trafficking, they significantly assist
in the identification of routes and routines of the agents that practice this
crime, and consequently, assist in fighting them.
It is emphasized that a measure that could help profoundly in the
mapping of this data would be that all of those involved in assisting victims
of human trafficking should share the data after they have been duly
anonymized. Such action, in itself, would increase the information collected
around the world and assist in the mapping to be carried out by various
States.
It should be kept in mind, however, that the use of technology for
the purpose of integrating databases is not unrestricted. This is because
the data related to the victims of human trafficking are personal data, often
sensitive, that must be treated adequately, so as not to further expose victims
to a situation of violence and greater vulnerability.
In this sense, although it is necessary to expand more and more the
sharing of relevant information to attempt to combat this crime, it is also
necessary to pay attention to the rights to privacy and to the protection of
the personal data of the holders of the data, always ensuring the dignity, the
protection and the safety thereof.
The sharing of the databases is essential. This is because gathering
global data on a platform strengthens and empowers the local, national
and international institutions to eradicate the crimes of trafficking and
exploitation. This sharing, so as to be effective, requires a collective effort,
both of members of the civil society, as well as of private institutions and
the governments themselves.
It is certain, therefore, that the effort to share the data on victims
of human trafficking must be enhanced, so that the databases can be even
more complete, always with due regard for the protection of the holders of
the mapped data.

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<https://www.who.int/mip/2003/other_documents/en/Ethical_Safety-
GWH.pdf>. Accessed on: Jan 30th, 2020
PART III

TRAFFICKING OF
WOMEN AND CHILDREN:
OBJECTIFICATION,
CONSENT AND
DISAPPEARANCE
CHAPTER 4

BETWEEN DISSENTS AND


CONSENTS: HUMAN
TRAFFICKING AND SITUATIONS
OF VULNERABILITY

ALLINE PEDRA JORGE BIROL


Attorney, Post Doctorate in Law (UFSC), PhD in Criminology (Université
de Lausanne, Switzerland), Consultant for International Organizations
(ICMPD, UNODC, PNUD, IOM, UNICEF).

THAMARA DUARTE CUNHA MEDEIROS


Attorney, PhD in Criminal Policy and Criminal Law (Granada-ES),
Professor at the Mackenzie Presbyterian University.

INTRODUCTION

Human Trafficking is one of the most ancient forms of violation of


human rights. It concerns a perverse reality that weakens and dehumanizes
thousands of people by means of the exploitation of one human being by
another. Historical records show that since the colonization of the Americas
and until the abolition of slavery, black Africans were transported from
their countries and forced to work in various places in Brazilian territory.
However, at that time, both the transportation and the exploitation of these
human beings was permitted by law.
With the globalization and the intensification of human mobility,
there has been a resurgence in the transportation of people for the purpose
of exploitation, where the codename of the expression “human trafficking”
is the expression “slavery of modern times” and reminds us that this is one
of the forms of violation of human rights that never ceased to exist1.
It is observed, however, that human trafficking is inserted in the
context of vulnerability associated with the violation of Human Rights, in
particular the violation of economic, social and cultural rights. There are
multiple factors that contribute to materializing the situation of vulnerability,
among which we highlight: economic and social insecurity; inequalities and
discrimination against women and black people; unemployment, precarious
health and education services, poor housing and feeding conditions,
migrations, among others.
Despite the hideousness, human trafficking is a crime that is hardly
ever notified. Fear, shame, ignorance of the condition of victim make it
difficult for the people who are trafficked to report this form of violence
to the authorities, or to seek support from organizations that provide
assistance to the victims. And the absence of knowledge about the elements
or indicators that make up human trafficking causes the authorities to fail to
perceive the situations of victimization.
This article has the purpose of bringing certain essential reflections
on the issue of the consent of the victim within the scope of human
trafficking, without the intention of exhausting the debate on the subject,
but with the purpose of contributing to the reflection on one of the most
serious forms of violation of human rights in the world.

1 HUMAN TRAFFICKING IN BRAZIL: LEGAL AND


CONCEPTUAL MILESTONE

The Additional Protocol to the United Nations Convention


against Transnational Organized Crime to Prevent, Suppress and Punish
Trafficking in Persons, Especially Women and Children, known as the
Palermo Protocol, on November 15th, 20002 is the primary international
reference standard in the combat of Human Trafficking It has been ratified
by a large number of countries that are members of the United Nations3
and approved in Brazil through Decree No. 5.017 of 2004.

1. The expression “modern-day slavery” is even the slogan of the Freedom Project, financed
by the international television network CNN. Another commonly used expression is
“contemporary slavery.” See Justin Guay, The Economic Foundations of Contemporary
Slavery.
2. The Palermo Protocol was adopted by the General Meeting of the United Nations, Resolution
55/25, and became effective on December 23rd, 2003.
3. As of November 8th, 2013, 158 member countries of the United Nations were party-states of
the Protocol.
Under the terms of the Palermo Protocol, human trafficking is:
[...] the recruitment, transportation, transfer, harbouring
or receipt of persons, by means of the threat or use of
force or other forms of coercion, of abduction, of fraud,
of deception, of the abuse of power or of a position of
vulnerability or of the giving or receiving of payments or
benefits to achieve the consent of a person having control
over another person, for the purpose of exploitation.
Exploitation shall include, at a minimum, the exploitation
of the prostitution of others or other forms of sexual
exploitation, forced labour or services, slavery or practices
similar to slavery, servitude or the removal of organs.
Inspired on the terms of the Palermo Protocol, the Brazilian
government, in 2006, by means of Decree No. 5.948, approved the National
Policy to Combat Human Trafficking, which institutes the principles,
guidelines and actions that should guide the performance of the public
power in the combat against human trafficking and incorporates the Coping
with Human Trafficking in the public agenda based on three strategic axes:
a) Prevention: b) Suppression of trafficking and accountability of its actors
and c) the care for victims.
While in terms of Brazilian criminal law, after the legislative alteration
promoted by Law No. 13.444/2016, it is observed that Article 149-A of
the Criminal Code followed the guidelines of the Palermo Protocol for the
purpose of criminalizing human trafficking and added three other verbs
or conducts that can also configure human trafficking, whether they are
negotiating, enticing and purchasing.
Article 149 – To negotiate, entice, recruit, transport,
transfer, purchase, lodge or receive a person, by means of a
serious threat, violence, coercion, fraud or abuse, with the
purpose of:
I – removing his/her organs, flesh or parts of the body;
II – submitting him/her to work in conditions that are
similar to slavery;
III – submitting him/her to any type of servitude;
IV – illegal adoption; or
V – sexual exploitation.
The legislator considers the conduct even more serious, increasing
the sentence, if:
I – committed by a public servant in the exercise of his/her
duties or under the pretext of exercising them;
II – committed against a child, an adolescent or an elderly
or disabled person;
III – the agent takes advantage of parent, domestic,
cohabitation, hospitality, economic dependence, authority
or hierarchical superiority relationship that is inherent to
the exercise of a job, position or function; or
IV – the victim of human trafficking is removed from
national territory.
In other words, the trafficking of children and adolescents, which
was previously provided for in the Child and Adolescent Statute, is now
provided for in the Criminal Code itself. International human trafficking is
also provided for in this same Article 149-A, different from the previous
legislation that established a criminal type for internal trafficking, and
another for international trafficking.
In addition, the law also provides that if the agent is primary and
does not belong to a criminal organization, the penalty shall be reduced.
This is because what is most common is that the conducts that end up
configuring human trafficking are carried out by agents who are part of
criminal organizations, since they are many conducts. They are several
actions that are practiced by various subjects in cooperation which enable
the accomplishment of the crime of human trafficking. But there are
isolated cases in which the agent practices the conduct in isolation, for
example, recruiting or enticing sporadically, but without being part of a
criminal organization, hence the need to provide reduction in the penalty.
Finally, it is observed that both on the terms of the Palermo Protocol,
as well as of the National Policy and of the Criminal Code, three elements
are necessary for the conduct to be considered as human trafficking, i.e., the
action, the means and the purpose.
The law, however, does not require the PURPOSE of the exploitation
to take place effectively so that the offense can be consummated. It shall
be considered consummated as long as the three elements are present:
ACTION, MEANS and PURPOSE.
The means of conduction of the crime can be the serious threat, the
violence, the coercion, the fraud and the abuse.
The coercion can be physical, moral or psychological. The fraud
occurs when the trafficker uses fraudulent devices as fake employment
contracts, job promises, marriage, to obtain his/her agreement. The abuse
occurs when the agent uses his/her power (for example, in a hierarchical
relationship) or of the position of vulnerability of the person to be
trafficked (financial or family difficulty) to coerce him/her into adhering
to its conduct.
If the victim is a child or an adolescent, the means are irrelevant,
seeing as the legal incapacity of the child or adolescent of making his/her
choices and taking his/her decisions or his/her condition of a vulnerable
person, when being under 18 years old. In other words, the child and
adolescent are subjects that are protected and, under the doctrine of full
protection, cannot consent. Therefore, the ACTION and the PURPOSE
of the exploitation are enough for a child or adolescent found in a situation
of trafficking to be considered a victim of human trafficking.
Finally, both the Palermo Protocol and the National Policy to Combat
Human Trafficking are not definitive as to the forms of exploitation. The
Protocol expressly affirms that: “exploitation shall include, at a minimum,
the exploitation of the prostitution of others or other forms of sexual
exploitation, forced labour or services, slavery or practices similar to slavery,
servitude or the removal of organs.” In other words, both are open to other
forms of exploitation. Field research has even identified other types of
human trafficking, such as human trafficking for the purposes of begging4.
Or human trafficking for the purpose of compelling the victim to commit
crimes5.
There is, therefore, a significant advance in the new criminal
legislation. Since the approval of the Palermo Protocol in 2004, there has
been a struggle in Brazil to expand the exploration modalities because, until
the approval of Law No. 13.344 of October 6th, 2016, which amended the
Criminal Code, the only type of exploitation envisaged was sexual. Other
criminal types were used as alternatives, such as Article 149 of the Criminal
Code, in the case of slave labor. Not at least, the criminal classification
was incomplete, therefore, the changes promoted in the Brazilian criminal
legislation to combat human trafficking are commendable.

4. Begging consists of different activities by which a person asks a stranger for money, under the
justification of his/her poverty or for the benefit of religious or charitable institutions. The
sale of small items such as flowers and sweets at the traffic lights, cleaning windows, parking
or watching cars, assisting in the grocery shopping, artistic performances (circus, playing
musical instruments) in the streets can also be considered as begging. We emphasize, however,
that begging as a form of exploitation is configured when an organized group or individuals
transport and coerce people, particularly children and adolescents, but not solely, so that they
stay on the streets asking for money or selling small products, restricting their freedom and
retaining, all or in part, the fruit of this begging (National Office of Justice, 2013).
5. It is when the trafficked person is forced or coerced into the practice of criminal activities,
such as growing or transporting drugs from one place to another, small thefts, etc. (National
Office of Justice, 2013).
2 CONSENT OF THE VICTIM IN THE CRIME OF HUMAN
TRAFFICKING AND SITUATIONS OF VULNERABILITY

The consent of the victim within the scope of criminal law gives rise
to various opinions the debates of which provoke reflections about the
availability and non-availability of the protected legal property. In this sense,
Figueiredo Dias highlights “in all of the cases in which the law protects the
individual’s freedom of disposition, the agreement of the interested party
means that he/she cannot and should not speak of a violation of the law”6.
However, when dealing specifically with the victim of human trafficking
for the purpose of sexual exploitation, one asks in which situations is it
possible to have individual/sexual freedom? The careful analysis of the
victim’s dissent/consent is essential for the adequacy of the fact to the
criminal rule.
In this context, Daniel de Resende Salgado explains7:
[...]It is important to highlight that the potential injury to
sexual freedom, the law protected by the rule provided
in Article 149-A, V, of the Criminal Code, must always
be assessed taking into account the vices that hinder the
possibility of free and conscious manifestation of the true
will of the victim. [...] This means to say: if the amount
protected by the rule is available and exempt of criminal
liability, its holder must have conditions to dispose of the
legal asset by means of a manifestation of will without
vices, totally free and conscious.
The National Policy to Combat Human Trafficking addresses the
irrelevance of the victim’s consent in Article 2, Paragraph Seven. The
Palermo Protocol, in its Article 3, item “b”, determines that the consent
granted by the victim is irrelevant as long as the means used is the threat
or use of force or other forms of coercion, of abduction, of fraud, of
deception, of the abuse of power or of a position of vulnerability or of the
giving or receiving of payments or benefits to achieve it.
Law No. 13.344/2016, in turn, makes no mention of the consent
of the victim, whether relevant or not. The typical conduct provided in
Article 149-A includes the element of means – violence, serious threat,
fraud, coercion and abuse – as elementary circumstances of the nucleus of

6. FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito penal: parte geral, questões fundamentais a doutrina geral do
crime. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, tomo I, page 473.
7. SALGADO, Resende Daniel. Tráfico de seres humanos para fim de exploração sexual – o abuso e a
manifestação da vontade em um contexto de vulnerabilidade. Regional Federal Court of 3rd Region in
São Paulo magazine, special edition, pages 220-221, July/2019. Available at: https://www.
trf3.jus.br/documentos/revs/DIVERSOS/REVISTA-ESPECIAL-2019_com_LINKS.pdf
Accessed on: Jan 27th, 2020.
the criminal type, thus, if the consent of the victim of human trafficking is
considered valid, it will exclude the typicality.
Indeed, understanding the relevance or validity of the “consent of
the victim” is not an easy task. Gregori points out that “starting from the
assumption that the structure of the society of rights in which we live is
constituted from the relationship between very unequal subjects [...], the
consent is certainly much more complex and difficult to be determined”8.
The situation of human trafficking can begin with a simple promise
of better earnings in a foreign country, for sex professionals, who are
immersed in financial difficulties in Brazil, consenting or agreeing with the
proposal made by the recruiters and voluntarily moving to another specific
country aware of the condition of working as sex professionals. However,
they are subjected to extreme working conditions and indebtedness for
travel expenses in the country of destination, which are essential elements
of modern-day slavery or human trafficking. In such situations it is necessary
to assess “if the manifestation of will for entering the field of prostitution
was rational and truly free or if the person made an option for survival9.
In this sense, it is important to consider, as Louise Borer explains,
that 10:
[...]when inserting in the criminal type the vice of consent
deriving from abuse, in a generic way, the law relentlessly
reminds us of the need to identify the vulnerable situation of
the enticed, recruited, negotiated, transported, transferred,
purchased, lodged or accepted individual, i.e., of the
potential victim of human trafficking, and not only to
identify if such a person would be, formally and legally, able
of consenting with his/her recruitment for the activities
proscribed by the criminal rule
Therefore, the economic/psychological/social/family situation
of the victims of trafficking should be investigated in order to ascertain
whether there is a real situation of vulnerability, especially in the sense of
identifying, “if such victims have already been victimized by the absence
of opportunities, by broken hopes and dreams never realized and if such
factors were exploited by traffickers to re-victimize them”11.

8. GREGORI, Maria Filomena. Prazer e Perigo: notas sobre feminismo, sex-shops e s/m. Sexualidade
e saberes: convenções e fronteiras. In: PISCITELLI, A. et al. (Ed.). Sexualidade e saberes: convenções e
fronteiras. Rio de Janeiro, Garamond, 2004, page 53.
9. SALGADO, Resende Daniel. Op. Cit., page 223
10. BORER, Filgueiras Leite Vilela, Louise. O consentimento da vítima no tipo penal do tráfico de pessoas.
Regional Federal Court of 3rd Region in São Paulo magazine, special edition, pages 220-221,
July/2019. Available at: https://www.trf3.jus.br/documentos/revs/DIVERSOS/REVISTA-
ESPECIAL-2019_com_LINKS.pdf Accessed on: Jan 27th, 2020
11. Ditto.
In this sense, it is also important to consider that the victim’s levels of
consent are multiple, as well as that there are various levels of victimization12
that correspond to different levels of knowledge and information that are
given to the victim and that are related to his/her consent – whether valid
and informed or not.
The first level corresponds to the total coercion in which the victims
are abducted; the consent at this level is null. The second level concerns the
victims that were deceived with promises of employment. In this case, the
victim’s consent was given based on a fraud. The third level refers to a lower
level of deception, where the victims know, for example, that they are going
to work in the sex industry, but not in prostitution. Lastly, the fourth level
of victimization concerns victims that, prior to their departure, knew they
would work as sex professionals, but that did not know to what the extent
they would be controlled, intimidated, indebted, exploited13.
Thus, the risk, is of obtaining a definition of traffic that establishes
moral hierarchies informed by moral values, which ultimately translate into
legal and/or practical barriers in the defense of the human rights of the
victims of human trafficking14.
Hence the intelligence of the National Policy to Combat Human
Trafficking when it excludes any form of consent (obtained under threat,
violence, fraud, etc., or not) or when there is identification of a situation of
human trafficking.
This is because consent obtained by means of serious threat, violence,
coercion (physical, moral or psychological), fraud or abuse of the position
of vulnerability is flawed, and cannot be considered as informed or valid
consent.
But what does vulnerability mean15? Vulnerability is an individual or
group situation, preexisting or created, that means fragility and therefore
enhances the possibility of the person finding him/herself in situations
of risk and exploitation. The vulnerability can be personal, situational
or circumstantial. Personal vulnerability is that related to the individual

12. ARONOWITZ, Alexis A. Smuggling and Trafficking in Human Beings: The phenomenon, the markets
that drive it and the organisations that promote it. European Journal on Criminal Policy and Research,
v. 9, pages 163195, 2001.
13. Ditto.
14. ANDERSON, Bridget; DAVIDSON, Julia O’Connell. Trafficking – A Demand Led
Problem. Suécia: Save The Children, 2002. Available at: http://lastradainternational.org/doc-
center/1011/trafficking-–-a demand-led-problem-a-multi-country-pilot-study, Accessed on
Jan 26th, 2020
15. Check Regras de Brasília sobre Acesso à Justiça das Pessoas em Condição de Vulnerabilidade. Available at:
https://www.anadep.org.br/wtksite/100-Regras-de-Brasilia-versao-reduzida.pdf
characteristics of a certain person, which may be, for example, their
actual sex, their gender identity, their sexual orientation, their age, their
ethnicity, or a mental or physical deficiency, among others. The situational
vulnerability is acquired, it is related to people and to the moment that they
are going through. For example, it may be related to the fact that the person
is undocumented in a foreign country, is socially or linguistically isolated.
And the circumstantial vulnerability concerns a particularity, for example,
the economic situation, unemployment, poverty, dependence on narcotic
substances or alcohol16.
It is important also to highlight, as stresses Daniel Resende Salgado
that17:
These situations of vulnerability are not to be confused
with the definition of vulnerable, which are minors, the
mentally ill or the sick, persons who are in a state that
makes it impossible for them to offer resistance, in view of
the absence of full capacity of understanding. The latter,
when victimized, make it possible to recognize the cause
of the increase of the penalty provided in Article 149-A,
Paragraph One, II, of the Criminal Code. The content of
the vulnerability that prevents the victim from manifesting
his/her freedom in a reputable, non-addictive manner,
allowing the incidence of the basic type of Article 149-
A, V, of the Criminal Code, is, on the contrary, closely
interwoven with the absence of a material isonomy between
the trafficker and human trafficking, giving rise to easier
coopting in the face of the precarious and fragile situation
supported by the designated victim. In other words, the
situation of vulnerability is identified by the fragility of
the social, labor, family and/or psychological bonds. They
are, in reality, situations that combine precariousness and
instability in the labor market, fragility of support and
of the social relations, irregularity of access to the public
services or other forms of social protection, which can
be extended or reduced depending on economic crises
or rising unemployment, for example. [...] The “consent”,
in such situations, is induced and, as a result of this, the
hermeneut needs to employ a greater value intensity in the
analysis of the manifestation of will.
And concludes:
[...] It should be noted that the perception of the recruited
person in relation to his/her own vulnerability is of little
importance. The relevant thing is to have the criminal agent
perceive that he/she is in a materially superior condition

16. UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME (UNODC, 2012b), Issue Paper
on Abuse of a Position of Vulnerability and Other Means within the Definition of Trafficking in Persons.
2012. Available at: <http://www.unodc.org>. Accessed on: Jan 20th, 2020.
17. SALGADO, Resende Daniel. Op. Cit., pages 221-222
than that of the victim in a vulnerable situation.
In fact, historical records show that the abuse of situations of
vulnerability gave rise to relations of servitude and slavery throughout the
history of humanity, thus, it is necessary that the elementary normative –
abuse – provided in Article 149-A of the Criminal Code be analyzed in a
careful and discerning way in order to avoid vague and inaccurate construals
that mitigate the protection of human rights in cases of human trafficking.

FINAL CONSIDERATIONS

The crime of human trafficking is one of the cruelest violations of


human rights. It represents what is most perverse in human conduct since
it consists of the exploitation of man by man and in the objectification of
human beings. It is also a crime, of which the dimension and scope are not
clear. This is not only in Brazil, but in so many other countries in the world
that have not yet adapted their legislation to the Palermo Protocol, or that,
although they have adapted, they face difficulties for its comprehension,
understanding, and consequently for the identification, protection and
assistance for the victims.
Human trafficking is fed by legitimate dreams. The fact is that the
desire for better living and working conditions, for getting to know another
culture, another country and even for having affectionate relationships with
foreigners, motivates people who, as a rule, find themselves in a situation of
vulnerability, to choose to leave their territories and go to other cities and
countries in search of opportunities and, often, the real uncertainties and
risks of this migratory project disappear in view of the dream. It is in this
environment that recruiters/traffickers choose their victims.
In this sense, one has the relevance that the consent of the victim
is going against the protection of human rights, since the situations of
vulnerability that motivate most victims of human trafficking for situations
of exploitation, even if voluntarily, are ignored.
For this reason, in spite of freedom being one of the most noble
fundamental rights, the manifestation of will in a context of vulnerability
must be carefully analyzed. It cannot be neglected by the interpreter
and enforcer of the criminal rule, as its recognition is essential for the
identification of the crime of human trafficking.
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<http://www.unodc.org/unodc/en/human-trafficking/publications.
html?ref=menuside>. Accessed on: Jan 26th, 2020
CHAPTER 5

WHERE ARE YOU NOW?


“MOTHERS OF THE SÉ”
IN THE MEETINGS AND
DISAGREEMENTS BY MISSING
CHILDREN: NARRATIONS OF
PROTAGONISM, CITIZENSHIP
AND SOLIDARITY

ANA CLAUDIA POMPEU TOREZAN ANDREUCCI


Post-Doctorate in Human Rights and Labor from the Advanced Studies
Center of the National University of Córdoba, Argentina. Post-doctorate
in New Narration from the School of Communications and Arts of the
University of São Paulo (ECA/USP). Post-doctorate in Human Rights
and Democracy from the Ius Gentium Institute, University of Coimbra,
Portugal. PhD and Master’s from the PUC/SP. Graduated in Journalism
from the Cásper Líbero Social Communication School and Law by
UPM. Professor of the Graduate Course at the Law School of the UPM.
Guest Professor of the Lato Sensu Postgraduate Course of the ECA/
USP. Leader of the Emerging Research Group – CriaDirMack – Rights
of the Child and of the Adolescent in the 21st Century from the UPM
School of Law. Researcher at the “Invisible People: Prevention and
Combat of Internal and International Human Trafficking”, financed by
MackPesquisa.

MICHELLE ASATO JUNQUEIRA


PhD and Master in Political and Economic Law from the Mackenzie
Presbyterian University – UPM. Specialist in Constitutional Law with
Extension in Higher Education Didactics. Vice-leader of the “Public
Policies as an Instrument for Effective Citizenship” and “Rights of the
Children and of the Adolescents in the 21st Century” Research Groups.
Researcher of the CNPq research group named “State and Economy
in Brazil”. Research Coordinator and TCC of the UPM Law School.
Researcher at the Invisible People Research Group of the Law School of
the Mackenzie Presbyterian University, financed by the MackPesquisa.

VALÉRIA JABUR MALUF MAVUCHIAN


Masters in Law from the Nove de Julho University. Professor at the Nove
de Julho University. Attorney. Researcher of the Invisible People Research
Group of the Law School of the Mackenzie Presbyterian University.

How tonight will end


And the sun will then shine
I’m thinking about you
Where would my love be?
Does she care like I do?
Does she call like I do?
Does she ask about me?
Where would my love be?
(Maria Bethânia)

INTRODUCTION

An empty nest. A feeling of absence. A pain that never ends. An


anguish. A birthday that is not celebrated. A dream. Loss, guilt and absence
are mixed in an explosion of feelings. The guilt felt by others. The blame
pointed out by the society. The lack of information. An endless search. The
neglect of the State. The solidarity in a network. An unfinished mourning.
All of these feelings, expressed in verbs and adjectives, are insufficient to
describe the purpose of investigation in this article: the scientific analysis of
the Mothers of the Sé Association’s performance in the search for missing
children and adolescents in Brazil. This is the way: to provide visibility to
a subject, which requires a network of solidarity for action, in particular,
bringing the Academy into the field of debates, as the present article
arises within the scope of the Invisible People Project of the Mackenzie
Presbyterian University School of Law, focusing on the disappearance of
people and on human trafficking.
It is important to say that international human trafficking, a criminal
practice that occurs nationally and internationally, fits into the premise of
a postmodern consumer society. It is currently the third largest criminal
activity that has occurred internationally, only behind drug and weapon
trafficking.
The transnational nature of the criminal modality is characterized
precisely by the fact that, in many cases, it involves networks of individuals
and organizations of different nationalities, based in different locations,
but having a common purpose. The activity carried out thus has the same
purpose, no longer worried about the borders of the States involved.
Internationally, human trafficking is regulated by the United Nations
Convention against Transnational Organized Crime (Palermo Convention),
of 2000.
So as to provide effectiveness for the actions of combat, there was
creation of the United Nations Office on Drugs and Crime – UNODC
which has maintained, since March 1999, the Program against Trafficking
in Persons, in collaboration with the United Nations Institute for Research
on Justice and Interregional Crime (UNICRI). The program cooperates
with Member States in their efforts to combat human trafficking, stressing
the involvement of organized crime in this activity and promoting effective
measures to suppress criminal actions and based on the legal and theoretical
foundation of the three international conventions for control of drugs,
in the conventions against transnational organized crime and against
corruption and the international instruments against terrorism. (UNODC,
2019)
In Brazil, the UNODC acts in compliance with the obligations it
assumed when ratifying the UN Conventions on Control of Drugs;
against Transnational Organized Crime and their three Protocols –
against Trafficking in Persons, Smuggling of Migrants and the Weapon
Trafficking; and the UN Convention on Corruption; in addition to the
recommendations of the International Group for Financial Action that
combats terrorism. In the communicational field, the UNODC has the
institutional missions of prevention, protection and criminalization. For
the effectiveness of such actions there are recurring campaigns broadcast1
1. An example of this is the Blue Heart Campaign launched on March 5th, 2009, under the title
of Blue Heart Campaign, which means the sadness of the victims of human trafficking and
creates sensibility on the infamies of the commerce of human beings. The Campaign has as
its purposes: To transform the “Blue Heart” symbol into an icon of acknowledgement of the
Campaign against Human Trafficking; To stipulate promotional actions and interventions,
with the purpose of sensitizing the society, NGOs, Government Agencies, media and opinion
makers on this social problem; To promote in the population the social sensibility, encouraging
the search for information and denouncement. Using also the strength of the social networks,
on TV and radio, distribution of informative pamphlets and partnerships
for the public sensibility and consciousness on the subjects that are related
to them. (UNODC, 2019)
In Brazil, the crime is provided for in the Criminal Code, which,
in its Article 231, underwent changes in 2009 due to the advent of Law
No. 12.015, of August 7th, 2009. The Country also ratified the Palermo
Convention, promulgated by means of Decree No. 5.015, of March 12th,
2004, and since 2008 relies on the National Policies to combat human
trafficking. In addition, the combat has the institutional support of the
Ministry of Justice, the Federal Public Ministry, the Federal Police, the Public
Defender’s Office of the Union, the Attorney-General of the Federation,
and the Special Office for Policies for Women and of the Judiciary Power,
among other public organizations. The Brazilian civil society also plays an
important role in the dissemination of the principal aspects related to the
crime under analysis.
Currently, international human trafficking is considered to be
one of the most economically profitable activities, and a large portion
of human trafficking is related to children and adolescents, considered
to be commodities2 for the most diverse issues, work, adoption, sexual

it is worth stressing that in 2010 the Blue Heart Campaign reached in Facebook the milestone
of 10,000 members, standing out as one of the largest groups in this social media.
Brazil adhered to the Campaign in May 2013, by means of a partnership between the Ministry
of Justice and the UNODC Liaison and Partnership Office, and the first slogan was “Freedom
is not purchased. Dignity is not Sold. Report Human Trafficking”, the motto for the social
sensibility and mobilizations. Since then, in the week of combating human trafficking,
government offices, buildings, among others, have been illuminated in blue aiming at social
awareness. In 2017, the campaign has the motto “So that the dream does not become a trap”,
with emphasis on the combat of slave labor, sexual exploitation and trafficking of human
organs. The various partnerships between the Ministry of Justice and Public Security, as well as
the numerous nuclei were responsible for stimulating national events of Mobilization against
Trafficking in Persons, particularly on July 30th, declared by the United Nations as being
the World Day against Trafficking in Persons. One of the main concerns of the Ministry of
Justice, which has broad support of the Ministry of Foreign Affairs, is of disseminating to the
population the importance of the channels for denouncement among them, the Dial 100 and
Connect 180, which collaborate to assure visibility for the subject.
2. On May 25th, annually, one celebrates the International Day of the Disappeared Children,
a time for reflection, discussions and social mobilization on the issues that involve such
disappearances on a transnational scale. The date has as its origin the disappearance in New
York, USA, of Etan Patz, a 6-year-old boy, when he was returning from school, on May 25th,
1979. As from that date, family members, friends and the community began to meet in order
to discuss and disseminate the care for avoiding the occurrence of such crime. The child was
killed by Pedro Hernandez and the body was never found. Between the comings and goings
of the judicial proceeding, the final convicting sentence occurred 38 years later, in 2017. In
1986, Ronald Reagan, President of the USA at the time, declared nationally the date of May
25th as being dedicated to the theme of missing children. However, it was in 1988, on the
occasion of the international event named Global Missing Children’s Network – GMCN,
that representatives of a number of countries established May 25th as being the International
Day for Missing Children. Information is available at https://exame.abril.com.br/mundo/38-
exploitation. In Brazil, when it concerns the disappearance of children and
adolescents, the figures are inaccurate, with an extreme lack of data and
inter-communicability between the entities and the state agents. In order
to face the situation, on December 17th, 2009, Law No. 12.127/2009
(Brazil, 2009) was sanctioned, responsible for the creation of the National
Registry of Missing Children and Adolescents. A Parliamentary Committee
for Inquiry (CPI) was also established, and in February 2010 a task force
between the Human Rights Office of the Presidency of the Republic –
SDH/PR, in partnership with the Ministry of Justice – MJ, with the support
of the National Network for Identification and Localization of Missing
Children and Adolescents, to implement the National Registry of Missing
Children and Adolescents.

1 DISAPPEARANCE AS A NARRATIVE OF UNENDING


MOURNING

São Paulo, December 23rd, 1995, Saturday. Celebratory season.


Preparations for Christmas. New Year’s resolutions. The typical acceleration
of year-end balance sheets. For Ivanise Esperidião it was different. On this
day her life ended. It was the beginning of a new narrative. More than 24
years later, December 23rd, 1995, was the day that never ended. It is relived
every day of her life, in the form of pain, in the form of struggle, in the
form of hope, in the form of solidarity. On that Saturday afternoon, her
13-year-old daughter, Fabiana, went to a friend’s house to wish her a happy
birthday, and never returned. Reports and testimonies reported that she
was seen for the last time 120 meters away from her home.
Devastation, anguish, a feeling of guilt were the first feelings of
Ivanise. And it was in this labyrinth of pain and, taken by extreme emotion,
that Ivanise went out looking for her daughter. Among the stones along the
way, she found a lack of attention of state entities, the merciless judgement
of society, the feeling of guilt in the duty of care of a mother, the solidarity
of some, and the pain shared by others. Police Stations, Legal Medical
Institutes, Forums, Hospitals, Airports became her routine in the search for
Fabiana. Where there was information, even if it lacked any objectiveness,
there was Ivanise. In her reports, many of them shared in the morning
of the Invisible People Congress that took place at the end of September
2019, at the Mackenzie Presbyterian University, there were three months
of intense searching, information gaps, state neglect, a solitary pilgrimage,

anos-depois-chega-ao-fim-caso-de-crianca-desaparecida-nos-eua/ Accessed on Sep 30th,


2019.
which almost drove her to insanity, malnutrition and the certainty, according
to her literal words, that “to experience the disappearance of a person is
a thousand times worse than death, it is a pain that has no medicine, it is
an unending mourning.3 This pain is worse than death because you die a
little each day”, she says. “Every day when waking up and every night when
sleeping, this is the first thing that crosses my mind.”4
Since the news until today, the words that emerge from her incessant
search are: pain, guilt5, neglect, solidarity and action6. The intense and
solidary pain caused the emergence and sharing of a collective pain, there

3. On the subject see “As there is no definitive data that show the complete absence of the child,
mothers face an internal dilemma between maintaining the expectation of reappearance of the
relative, together with the tiredness and emotional exhaustion that this situation entails and the
guilt of not maintaining the expectations continuously. This ambivalence can even affect the
resumption of the routine, the coexistence with other family members, making it difficult to
reorganize the family structure. However, some mothers, to a certain extent, manage to resume
part of their lives, without failure of seeking news and information on their missing children.
However, it is observed noticeably that mourning starts to be experienced predominantly in
the individual sphere, resulting in the removal or reduction of the participation in NGOs and
groups of mothers of missing children, as also the discredit attributed to the governmental
bodies that are responsible for the searches. The individualization of mourning highlights
the failures of the State in the performance of its role of protection and assistance in the
search for the missing. When making the act of mourning an individual responsibility, there
may be trivialization of the disappearance and a naturalization of the maternal suffering,
reinforcing the idea that mothers are the only ones responsible for searching for their children.
The association between the individual dynamics already described, with the failures of the
State, contributes to the process of sadness of such mothers, which find themselves without
resources for the development of the mourning.” ROLIM, G. S., RADZEVICIUS, L. C.,
SALDANHA, M. F., TARDIVO, L. S. L. P. C., & SALLES, R. J. (2018). ANALYSIS OF THE
MOURNING OF MOTHERS OF DISAPPEARED CHILDREN AND ADOLESCENTS.
PSICOLOGIA: CIÊNCIA E PROFISSÃO, 38(3), 507-521. ACCESSED ON JAN 20TH,
2020.
4. Available at https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/09/24/luto-
inacabado-relatos-de-maes-que-vivem-em-busca-de-filhos-desaparecidos.htm? Accessed on
Dec 20th, 2019.
5. The feeling of guilt is entailed to the Theory of Ambiguous Loss studied by Boss, who has
his genesis in the Theory of Stress in the Family, attributing to the stress the result of family
contexts and changes, which can occur in view of the physical absence of a family member,
which is the case here, in the matters of disappearance, as well as in the cases of the family
member being present physically but, psychologically, for reasons of health there is an absence
in the family relationship. Such issues generate the existential void and the multidisciplinary
variances that such loss can cause, in particular the re-signification of the absence and the
closing of rituals. BOSS, P. Ambiguous loss. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1999.
6. According to Marcelo Moreira Neumann “there is a minimization of the problem on behalf
of the State. This movement is related to the actual lack of responsibility of the State in
relation to the assurance of public policies, which consequently leads to the disappearance
of people. (...) The private institutions and the non-governmental organizations are in the
vanguard of the tackling of the problem and assume a role that should be of the State, as
the issue is not yet a State policy, which weakens the entire guarantee system.” NEUMANN,
Marcelo Moreira. O desaparecimento de crianças e adolescentes. Doctorate Thesis. Social Service,
Pontifical Catholic University of São Paulo, 2010.
was a call to convert the pain into action7, and there arose the first seeds of
what would later be the Brazilian Association of Search for and Defense of
the missing child, known as “Mothers of the Sé”.

2 MOTHERS OF THE SÉ: WHEN THE WORDS PAIN AND


STRUGGLE BECOME SYNONYMOUS

Ivanise Esperidião da Silva and Vera Lúcia Gonçalves had something


in common: they shared the pain of having a missing child. Both received
an invitation, in January 1996, to participate in the recording of a soap opera
on Rede Globo de Televisão, with the signature of novelist Glória Perez.
Explode Coração went on the air during prime time, and as usual in Perez’s
soap operas, would bring to the debate sensitive and invisible subjects of
the national setting, the one chosen now was the disappearance of people.
The invitation caused the emergence of a network of solidarity and
empowerment8, Ivanise and Vera got to know the work of the Mothers
of Cinelândia in Rio de Janeiro and the National Movement in Defense of
Missing Children, in Paraná. And so, aware of the feeling of State neglect,
of the invisibility of the subject and the pain, these mothers on March
31st, 1996 founded the Brazilian Association for the Defense of Missing
Children (ABCD) or Mothers of the Sé, with reference to mothers of
missing politicians in Argentina, the Mothers of Plaza de Mayo.

7. In relation to the theme of state neglect and the solidarity among mothers with missing
children, it is emblematic to recall here the case of the Mothers of the Victims of the Acari
Slaughter, which took place in Rio de Janeiro in 1990, mentioning “On July 21st, 1990, 11
youngsters went to spend the weekend at a farm in Suruí, Magé, in the Baixada Fluminense,
State of Rio de Janeiro. After the weekend, they decided to remain a few more days at the
location. According to testimonies, on the evening of the 26th, six hooded men entered the
site saying that they were policemen. After talking to three of the youngsters on the farm,
they had taken them all in a Kombi van and in the car of one of the youngsters. There are
several versions. One of them is that after being tortured, they were placed in a van that was
set on fire. Another is that the bodies were thrown to the lions that were kept at the farm of
a civil police officer, close to the site where they were initially found. The Mothers of Acari
compared to the Mothers of Plaza de Mayo, in Argentina, are supported by the International
Amnesty. In 1993, one of the most active mothers, Edméia, was brutally murdered when
leaving a prison in Rio de Janeiro. According to reports, she had just received information that
would have been fundamental for clarification of the slaughter. SOARES, Bárbara; MOURA,
Tatiana; AFONSO, Carla. (Orgs.). Auto de Resistência: relatos de familiares de vítimas da
violência armada. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009.
8. On the topic, see “Empowerment is like this for Freire in which we human beings are
constructed and as we critically problematize the reality, we begin to “become aware”,
discovering breaches and ideologies; such awareness gives us the “power” to transform the
social relations of domination, which power leads to freedom and liberation”. Guareschi, P.
Empoderamento (verbete) In STRECK, D., REDIN, E. J. Zitkoski, J. Dicionário Paulo Freire.
Belo Horizonte: Autêntica, 2010, pages 147-148.
At a first moment, the Association’s objectives and missions were
primarily focused on the search for missing children and adolescents, but in
these more than 20 years of operation, the demand for care has expanded,
with no further age range. The objectives were expanded due to the even
greater social function, to provide communicational, psychological and
legal shelter for the families with missing relatives.
It remains clear, therefore, that the disappearance and the neglect
of the State entities made these mothers spring the will to play the leading
role of the pain9, turning it into action, the willingness of acting to assist
thousands of people that live with this drama in Brazil, remembering,
however, that this is a transnational problem.
The Association articulates actions with public and private sectors,
denouncing risk situations, collaborating with a psychological and legal
service based on integrity and respect for all human beings. These are the
entity’s main actions:
1) Psychological assistance for the mothers and families of the
missing, as well as those found, by means of partnership with the Mackenzie
Presbyterian University;
2) Referral to psychiatric care, also the result of a partnership with a
professional in the field;
3) Legal advice with the collaboration of volunteer attorneys;
4) Partnerships and agreements with the Missing Persons Police
Precinct, NGOs and Institutes, the Ministry of Justice, Shelters,
Guardianship Councils, Social Assistance, among others;
5) Broad dissemination of photos of the missing persons, in various
communication channels.
Among the recurring activities of the Association are the fortnightly
meetings on Sundays, on the stairways of the Catedral da Sé, located in
the center of the capital of São Paulo. Mothers and family members carry
photos and posters of their missing relatives. Renewal of hope for those
that share the same pain. For Ivanise “from the moment I started to share
my pain, I learned to deal with this unfinished mourning in a more pleasant

9. About empowerment and solidarity, see also: “when constituting themselves as mothers in
the public space by means of ethics, new power relations are produced, even if they are
established from the reaffirmation of traditional social norms and roles. These women, by
reinforcing their maternal bindings with their missing children, remove the legitimacy of
their role of care in private life. They speak in the place of mothers that live, not to subvert,
but to reaffirm it as an assumed condition for their struggle. LEAL, Eduardo Martinelli. “At
that time, you would never hear anything about missing people”: family and maternity in the
militancy of the disappearance of people in Brazil. Mana, Rio de Janeiro, v. 25, No. 3, pages
605-634, December 2019. Available at <http://www.scielo.br>. Accessed on Jan 30th, 2020.
way” and “we insist that nobody gives up. We are united by the same
suffering.”10
The Mothers of the Sé Associations pragmatically translates into
the social reality what philosopher Hannah Arendt called “the grammar
of action”, i.e., the transportation of the world from the theory to social
praxis, because existence is only perfected by proactivity or by protagonism.
It is not enough to just be in the world, to exist is to act. Arendt, with
an emphasis on action, leads us to the notion of acting to exist when
pondering that “only in this way is it possible to be someone”, to achieve
full reality. When exposing oneself not only to the physical space of the
world, but also in the “web of human relationships”, the action initiated by
the agent gains dynamism that will produce a story in which the individual
and the subject, being able to achieve immortality, enter the story without
a beginning or ending, which is the book of stories of humanity”. Further,
Arendt reinforces the idea of collective
​​ action, the human inter-personality
for social pragmatics, and it is in the exercise of the policy that the privileged
locus for such act demands creativity and becomes an expression of the
highest of faculties.11
This collective action gains constitutional dimensions12 given that it is
based on solidarity not only as an attribute of unity, but also of protagonist
of action to involve the family, society and the State in the implementation
of priority public policies, especially for the child and the adolescent. It

10. https://www.terra.com.br/noticias/transformei-a-minha-dor-na-luta-por-10-mil-pessoas,0ffe
88a79bef7d4ac7946f742fcf4f01di77RCRD.html. Accessed on Dec, 2019.
11. ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, page
231.
12. Endowed with unmatched importance for the architecture of the system, the principle of
solidarity structures and dignifies the social relations and, according to Willis Santiago Guerra
Filho: the human rights – and the fundamental rights, in the plan of established right, positive
law – have been acquiring a configuration that is increasingly in line with the ideals projected by
the political revolutions of modernity, so well represented by the triad “freedom, equality and
fraternity”. Nowadays, one can perceive with clarity the interdependence of these fundamental
values: without the reduction of inequalities, there is no freedom possible for the combination
of human beings, and without fraternity – or rather, “solidarity” to be more “realistic” seeing
as the fraternity sometimes does not even exist among the true brothers –, without the
recognition of our mutual dependence, not only as individuals, but as nations and natural
species – we also depend on the natural environment – we do not understand the meaning of
the search for freedom and equality. It can be said that the Law, in this context, must be based
on a constitutional order that, when being proper of a Democratic State, imposes duties of
solidarity on those who make up the political community, so as to mitigate the harmful effects
of inequality between them in relation to their freedom and to the respect for human dignity.
Proposta de Teoria Fundamental da Constituição (com uma inflexão processual) In ALMEIDA
FILHO, Agassiz & MELGARÉ, Plínio. Dignidade da pessoa humana: fundamentos e critérios
interpretativos. São Paulo: Malheiros, 2010, pages 319-320.
constitutes as one of the facets of Human Rights, of the Democratic State
of Law and of humanitarian fraternity.13

3 MOTHERS OF THE SÉ: DIALOGUES WITH NORMATIVE


SOURCES OF PROTECTION OF THE CHILD AND OF THE
ADOLESCENT

The pragmatic action of the Mothers of the Sé Association finds its


absolute grounds in the international and national instruments that govern
the theme of the children and adolescents. Absolute priority, full protection,
solidarity are words of the weaving of legal norms, but that often do not
echo in social pragmatics. This was exactly the feeling of a gap between
rules and factual application that caused mothers such as Ivanise and Vera
to begin to act. It was due to the neglect of not treating the communication
of a crime of disappearance of a child as a priority that made them start
to act. It was in the face of the State’s non-solidarity that made them start
to act.
It is worth remembering that the principle of solidarity is enshrined
into Article 19 of the Pact of San José, Costa Rica or also known as the
American Convention on Human Rights, established based on the Inter-
American Specialized Conference on Human Rights, among the countries
that are members of the Organization of American States, on November
22nd, 1969, becoming effective only on July 18th, 1969. The mentioned
Convention is the paradigm of protection of Human Rights based on the
ideas of the Universal Declaration of Human Rights of 1948, establishing
that: “Every child has the right to protection measures that their condition
as minors requires from their family, from the society and from the State”.
Thus, despite having been ratified by Brazil only in 1992, by means of
13. The mothers’ solidarity would be born from this shared pain that becomes fuel for the political
struggle. This union is celebrated by all mothers. However, I wish to highlight one issue. Indeed,
solidarity appears as the background of many speeches today. When appealing to universal
and humanitarian values, this notion manages to “tie together” the most different collectives.
However, it is worth stressing that despite its comprehensive perspective, this speech arises
historically from organized groups. If the solidarity is seen as a universal feeling, in practice,
it needs to be “activated”. It was using the “mother” category and everything that it entails
in terms of social meanings, as well as using a know-how that is close to it, that these women
built their speeches, which could not be unaware of the discussions that were then taking place
in society. For this reason, they started with a call to the mothers, not to an undifferentiated
humanity. Instead of being universal, solidarity appears by demarcating the belonging or the
non- belonging to a group (and in a specific agenda of interests, even if concerned with the
“social totality”). It is seen as the only way to guarantee a better future, a union that moves
away from the most individualistic values ​​and rests on a vision of society (and of the future)
where different social subjects can be respected. FREITAS, Rita de Cássia Santos. Famílias e
violências: reflexões sobre as Mães de Acari. Available at http://www.scielo.br. Accessed on Dec 20th,
2019.
Decree No. 678, of November 6th, 1992, it had strong influences in the
production of the 1988 Constitution, particularly, on the elaboration of
Article 227 that accepts the constitutional protection of the Rights of
Children and Adolescents.
The establishment of solidarity as a value that will be present as a
legislative inspiration, academic debates and judicial decisions. Necessary
interventions in the family based on justifiable moments may be necessary,
since the notion of the child as an object of property of the parents was
replaced by the doctrine of full protection and protection by everyone
integrally. The ECA also established the principle of solidarity between
family, community, society and the State, ensuring that all of them are co-
responsible for the full development of children and adolescents. Thus,
such underlying architecture makes us realize that children are not only of
their parents, but are subject to the rights of which everyone should be
aware of, they are called to contribute, as well as to monitor not only the
family, but also society and the State.
In the 1988 Letter, as well as the ECA – Statute of the Child and
Adolescent –, in strict adherence to the Pact of San José, Costa Rica, the
Universal Declaration of the Rights of the Child (1959) and the International
Convention on the Rights of the Child (1989), provide in the Brazilian legal
system the result of a long and harsh battle of social movements in favor
of the recognition of the rights of children and adolescents.
The most important source of the doctrine of full protection of the
child and of the adolescent, in Brazilian law, is undoubtedly Article 277
of the Constitutional Charter, which explicitly provides that it is “a duty
of the family, of society and of the State to ensure for the child, for the
adolescents and to the youngsters, with absolute priority, the right to life, to
health, to food, to education, to leisure, to professionalization, to culture,
to dignity, to respect, to freedom and to family and community coexistence,
in addition to saving them from any forms of negligence, discrimination,
exploit, violence, cruelty and oppression.”
One stresses that the need for special protection is justified in view
of the “lack of physical and mental maturity”, according to the Universal
Declaration of the Rights of the Child. Thus, in addition to the fundamental
rights that are common to every human being, we can identify certain
special ones relative to the children and to the adolescents, which rights
are housed under the principiological mantle and the doctrine of what is
conventionally called “the doctrine of full protection”. One stresses that
the affirmation of the child and of the adolescent as “persons in a peculiar
condition of development” and from the point of view of the social praxis
and the applicability of such a principle in the concrete reality means to
say that children and adolescents, as from the ontology of the being, are
subjects of development law and such recognition presupposes a special
value, designed, even by the Constitution of 1988, as a social right, which
shall generate the imperative of the production of Public Policies by the
State.14
In view of this normative architecture of protection of the rights of
the child and of the adolescent, is that the Mothers of the Sé Association
guides its pragmatic actions by demanding Public Policies, transparency,
speed and State action.

4 MOTHERS OF THE SÉ: COMMUNICATION AS AN


INSTRUMENT FOR OUR EVERYDAY SENSIBILITY

When we talk about awareness, the word communication emerges


as a radiating nucleus, and that deserves to be better exploited. It is
communication that makes us human, which promotes the creation of
bonds and that makes social interaction possible. Communication is the
key instrument for human solidarity and, as an instrument, it is subject to
changes in times. Communication is one of the facets of human evolution.
Communication is a form of becoming communitarian, social and collective.
Communication is a Fundamental Human Right.
To cause the invisible to become visible has the purpose of making
public what is hidden and, therefore, bringing the private problem to the
public sphere, to the public opinion, to society, which, within the scope of
representative democracy, must be active, participative and transforming,
and thus produce a multiplier effect of new conducts that spreads and
is beneficial. In topics as profoundly relevant such as human trafficking
and, more particularly, the trafficking of children, the communication is
an instrument of combat that cannot be forgotten, presenting itself with
features of public policies of protection for the minorities that are in
vulnerable conditions. Ultimately, what is intended to be effective is the right
to communication, the right to voice and, as a consequence – to citizenship
– which is the support of the Federative Republic of Brazil, designed by
the 1988 Constitution, to the extent that it builds awareness of the “right to
have rights”, transforming words into the dialogue/action binomial.

14. ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches, Estatuto da
criança e do adolescente comentado: Lei 8.069/1990: artigo por artigo. 5 ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2013, page 74.
From this perspective, the Right to Communication can be seen with
intrinsic links with citizenship and equality. However, in spite of being
considered a Fundamental Human Right, pursuant to Victor van Oeyen,
Paulo Lima and Graciela Selaimen:
the mobilization for the defense of the right to
communication is more difficult than any other
mobilization for human rights. Communication is still
seen as a less urgent issue – when it becomes considered
– by governments and the civil society. The struggle for
this right is still incipient and it is essential that all of the
organizations of civil society and persons that are dedicated
to the strengthening of citizenship – and not just those
dedicated to media and communication issues – turn their
attention and a portion of their efforts to ensure that the
right to Communication is preserved.15
The way of communicating has altered, it has not ceased to exist. In
Post-Modern times, communication is carried out through networks, and
so one emphasizes the democratic and protagonist role of cyberactivism,
an instrument that is typical of digital citizenship. We belong, we debate,
we sympathize. The social network when done in an ethical, transparent
and committed way can bring unparalleled advances to society. As proof
of this, there is the cyberactivism of Institutes, Associations, Governments,
States, Universities and organized civil society, which that by means of
confluences promoted by social networks, enhance their agendas, generate
information and provide faster results. And, thus, the importance of the
right to communication remains clear, in the so-called “information age” or
also known as “network society”, an era inherently marked by the fluidity,
by the frenetic pace of social, political and economic changes, in which
there is a need to think about the contemporary, the new institutional
narratives and the development of strategies that bring together the various
social actors with a view to the sensitivity for Human Rights subjects, both
current and recurrent.
Based on the new forms of communication, relevant issues have been
raised bringing greater sensitivity to the participants of this new Ágora of
the post-modern world, the social networks. The form of communicating
and causing the problems and crises to be shared to invade the public spaces
and move from the micro-narrative into the macro-narrative. There are
various pages that share information, challenges and mobilize collaborative
networks, ensuring visibility and effectiveness for debates which until
then were restricted only to the demarcated categories. The debates that
15. OEYEN, Victor van; LIMA, Paulo & SALAIMEN, Graciela. A Campanha CRIS. Revista do
Terceiro Setor. Extracted from the text “A Cúpula Mundial de 2003: a Sociedade Informacional”. São
Paulo: RITS, June 2002. Available at: www.cmsi.org.br/cris.htm. Accessed on Sep 23rd, 2019.
start in the social networks although well engineered can be a potential
of mobilization for public-private partnerships, as well as promoting the
Communicational Public Policies for digital innovation and education for
the inclusion of new participants in the cyber partnership process aimed at
the social mobilization of Human Rights themes.
It is important to stress that, in 2010, Brazil organized a Parliamentary
Inquiry Committee to address the issue of missing children and adolescents
and among the proposals was highlighted the need to call together effective
partnerships between the various social, public and private actors to ensure
greater comprehensiveness in conducting the searches. Among the many
proposals were the use of facial recognition software and the use of social
and sharing networks to ensure a greater range of searches.
In view of this scenario, it is worth stressing that one of the nuclei
of action for the Mothers of the Sé Project is the dissemination and Ivanise
Espiridião emphasizes that “the dissemination is our working tool. The
greater it is, the greater the chances of finding [the missing]. Only as an
example, I mention the case of a boy, with special needs, who disappeared
11 years ago. We found out that he ended up in an institution. And by
means of dissemination, a social assistant decided to go to our website and
managed to find his family”.16
Who should play the role of reframing the multiple changes, founding
new paradigms of social interaction and human development? Our answer
has always been, is and will be emphatically, the conjugation of a number of
social actors, but particularly, the communication strategies that have major
weight, we go to the main activities carried out by the Mothers of the Sé
Association to raise the awareness of different audiences.

4.1 IMAGES, IMPRESSIONS, POSTERS, BALL ON THE FIELD:


MULTIPLYING PARTNERSHIPS OF SOCIAL ENGAGEMENT

Multiple forms. Different platforms. Simple ingredients. Union of


purposes. Creative communication. Yes, all of the formulas contribute to
the social engagement in the issue of missing people. The Mothers of the
Sé are well aware of this and each year they appear with new proposals,
agreements and partnerships that lead to the multiplication of the social
actors involved in the issue.
In this sense, one of their original initiatives and that remains today
are the fortnightly meetings of relatives of missing persons that occur on
16. Available at http://www.saopaulo.sp.leg.br/blog/maes-da-se-renovam-esperancas-para-
encontrar-criancas-desaparecidas/. Accessed on Dec 12th, 2019.
the stairways of the Catedral da Sé, showing posters and photographs. This
moment has a whole force of imagery and of solidarity, and became one
of the first actions for raising awareness of the Mothers of the Sé. The
initiative gains even more current and social multiplication outlines, with
the Imprima project to assist, in an agreement with the FCB Brasil and HP
that invite users of HP printers with ePrint technology, to print posters
with images of the missing people in different places of the country. The
consumers that wish to collaborate register for identification with the
Mothers of the Sé Association. A communication action that multiplies the
radius of action and increases the real chances of finding a missing person.
For the creators of the project this translates into a way of putting the
technology in favor of hope.17
There are also government projects that seek to give visibility to
the theme and, as an example, we can mention the “Mothers of the Sé
Exhibition” at the Largo Treze metro station with photos of missing
children and persons, with the intention of increasing the visibility of the
International Day of Missing Children, which occurs on the 25th of May.
The exposed posters have some messages with tips on how to prevent
cases of disappearance. The action is carried out by Via Mobilidade, the
concessionaire responsible for the operation and maintenance of Line
5-Lilás of the São Paulo subway, in partnership with the Mothers of the Sé
Association.18
Sensorially when speaking or thinking about soccer, wishes become
present. The desire to obtain another title, another match, another goal.
Upon each soccer match, there is energy that is contagious, a psychology
of the crowds in their sounds, hymns and symbols sung upon each dribble.
Why not take advantage of a moment like this to involve and engage? The
spectacle cannot go further than entertaining, disseminating information,
multiplying voices. Well, such initiatives have already been occurring
with various social demands. The ball stage has been used to provide
visibility for the social guidelines. And in relation to this, in the subject of
disappearance, the partnerships established between the Mothers of the Sé
and the Palmeiras and Santos teams deserve an applause. These, in their
games, showed images of missing children on the screens, on the sleeves
of the players’ uniforms and on the sponsors’ panel, in addition to records
of the subject in real time of the match on their various pages on the social
networks.

17. Available at https://saopaulosao.com.br. Accessed on Dec 21st, 2019.


18. Available at https://saopauloparacriancas.com.br/exposicao-maes-da-se-criancas-
desaparecidas-estacao-largo-treze/ Accessed on Dec 10th, 2019.
4.2 WHEN FICTIONAL AND REAL NARRATIVES MEET: SOAP
OPERAS COMMUNICATING SOCIAL DISCUSSIONS

It is in this scenario that narrating stands out as an element of the


communicational act of sharing by excellence, to the extent established by
means of “telling a story” a “deliberate sharing of what is symbolic between
the sender and receiver, with the ability to understand the implications of
narrative elements, duly organized and with the potential for transforming
the issuers and receivers into participants in the narrative environment,
constructing spaces and producing other dimensions of Communication.19
The act of telling a story, beyond any consideration as a
simple description, is linked to a considerable series of
factors, of the questions of style for problems of text, of
the narrative points of view of the visions of the world
that are present in any narrative. More than this, the act
of telling stories is linked, in most cases, to a feeling of
sharing something with other persons; stories are told to
each other; even when the narrative is made for itself, in
the sense of a soliloquy, the facts narrated and the way of
narrating are questioned in terms of remembering what
others have told.
The narrative act, at the moment of telling a story, seems
to be the privileged moment to think and understand the
communicational act as a form of meeting with the other.20
On account of their importance and complexity, the narratives are
organized systematically as a branch of Human Sciences named Narratology,
aimed epistemologically at studying the role of narrative systems in
societies, seeking to understand the construction of the phenomena “inter-
subjectively their meanings through apprehension, representation and
narrative expression of the reality”.21 Motta emphasizes that by means of
the narrative statements “we are able to put things in relation to one another
into an order and perspective, in a logical and chronological development.
This is how we understand the majority of the things around the world”.22
Every narrative emerges from the pragmatic reality and, from such
locus, it gathers elements to become transformed into a story that will be
told. It begins in a way, transmutes, transforms, gains another dimension,

19. SÁ MARTINO, Luis Mauro. De um eu ao outro: narrativa, identidade e comunicação com a alteridade.
Paragraph, Jan/Jun. 2016, v. 4, No. 1 page 44. Available at www.http://revistaseletronicas.
fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/377/376. Accessed on Mar 22nd, 2018.
20. Ditto.
21. MOTTA, Luiz Gonzaga. Narratologia: análise da narrativa jornalística. Brasília: Casa das Musas,
2004, page 83.
22. Análise crítica da Narrativa. Brasília: Editora da UnB, 2013, page 2.
new configurations from countless other construals that are added up. A
new text is born, a new world, and thanks to the reader it creates wings and
acquires full existence thanks to the new paradigms and communicative
intentions.23
As for the importance and timelessness of the indispensable
narratives are the contributions of Roland Barthes when assuring that:
The narrative is present everywhere, in every society; there
is not, anywhere, anyone who does not have a narrative;
every class, every human group has their own narratives,
and often these narratives are appreciated by people of a
different culture, and even that are opposite: the narrative
ridicules the good and bad literature: international, trans-
historical, transcultural, the narrative is there, with life.24
The narrative, when put into words, articulates elements and
expressions that provide for a story the reason to exist.25 Thus, the
reconstruction of life takes place, as it is made up of “unstable, transitory,
living matter, which constantly recomposes itself at this moment when it is
announced”.26 It is also identified as a continuous process and a permanent
transformation that is configured as of remembering and connecting
instantly the past, present and future.
It is also worth emphasizing that the narrative is a usual way of
constructing meanings for the isolated experiences, such as in the search for
social cohesion, when the establishment of the objects and events to which
the public’s attention is directed, which is important for the formulation of
identities in the micro and in the macrocosm leading to new meanings and
construals of the world.27
Cognitive scientists have discovered that we transfer our experiences
as well as those of others into narratives that help us build our individual
and collective existence in an effective process of communication.28 The
temporal dimensions and those that unite generations, of acquaintances

23. LEAL, B.S. Quando uma notícia é parte da história: as mídias informativas e a identidade narrativa.
E-compós, Brasília, v.17, No. 3, 2014, pages 1-17. Available at: <http://www.compos.org.br/
seer/index.php/e-compos/article/view/1056/793>. Accessed on: Jan 31st, 2017.
24. Aula. São Paulo: Cultrix, 1979, page 23.
25. VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica. Campinas: Papirus,
1994, page 41.
26. DELORY-MOMBERGER, Christine. Formação e socialização: os ateliês biográficos de projeto.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 32, No. 2, pages 359- 371, May/Aug, 2006, page 362.
27. ROBICHAUD, D.; GIROUX, H.; TAYLOR, J. R. The metaconversation: the recursive
property of language as a key of organizing. Academy of Management Review, Briarcliff Manoer,
v. 29, No. 4, pages 617-634, Oct. 2004, page 619.
28. DENNING, S. The Leader’s Guide to Storytelling – Mastering the Art and Discipline of Business
Narrative. San Francisco: Jossey-Bass, 2005, page 32.
and strangers, of coexistence and non-coexistence, come to us organized
by means of narratives, and for this process we create the rites and the
rituals. In this way, to the narrative is given the role of protagonist in
organizing chaos, uniting past and present, splitting in a systemic or even
irregular way – by pauses and commas – characters, spaces, motifs, symbols
and messages. Thus rites and rituals are organized by narratives and are
confounded with the actual history of Humanity.29
Segalen emphasizes that the process of the rituals are continuous acts
of recurrence of forms, structures and repetitions aiming at their actual
strengthening, but that new experiences and new symbolic dimensions of
language are gradually adding up.30 In the same sense, Chanlat highlights
that the construal of the human universe is absolutely intrinsic to the idea
of “a world of signs, images, metaphors, emblems, symbols, myths and
allegories. Every human being and every human society have produced a
representation of the world that confers on it a meaning”31
Here is a first construal: the inseparable relationship between narratives,
rites and rituals. The relation can be translated as being Humanity’s very
own history, i.e., we are the fruit and product of the first ways of narrating.
We are historical subjects that are protagonists of narratives organizing
chaos and fostering present rituals that will be launched in the future.32
It must be emphasized that the stories are constructed on a
collaborative agreement and bring different points of view on the narrated
facts, it is, therefore, a collective act, a sharing of perspectives, whether
simultaneous or not and multiple. And so, the search for narratives of the
closeness and affection are more than ever absolutely indispensable. And
thus we bring for comparison the end of this topic the words of Italo
Calvino claiming for the pressing need of return to the sensory narratives,
bearing in mind that the next millennium carries with it the prefabrication
of the images, we are in danger of losing a fundamental human capacity:
the ability of focusing visions with closed eyes, to cause the creation of
colors and forms of an alignment of black alphabetic characters over a
white page, of thinking through images.33
And it is in this context of ritualistic narratives that the Brazilian soap
operas reach high ratings, of audience both on national soil, as well as those
29. SEGALEN, Martine. Ritos e rituais contemporâneos. Rio Janeiro: FGV, 2002, page 31.
30. Ditto, page 117.
31. CHANLAT, Jean-François (org.) O Indivíduo na Organização. Vol. I and II. São Paulo: Atlas,
1996, page 43.
32. BRUNER, J. The Narrative Construction of Reality. Critical Inquiry, 1991, page 21.
33. CALVINO, Italo. Seis Propostas para o Próximo Milênio. São Paulo: Companhia das Letras, 1990,
pages 107-108.
that are exported and translated into a number of languages. The plots
that develop into around 4 to 8 months of duration have major influence
on society, for some only entertainment, for others they raise debates and
questioning, it has been like this since the 60s, and for Figueiredo:
With the daily entry of soap operas into the life of Brazilians,
especially from the end of the 1960s, the debate on their
social function becomes more intense [...], for some, just
being broadcast by means of mass media is enough for the
soap opera to be considered authoritarian and, necessarily,
must be inserted in the concept of spectacle, being nothing
more than entertainment, without proposing any production
of knowledge and art. However, for others, television is a
consumer good that has a democratic function, and some
of its products, such as television drama, can indeed, in
addition to being a spectacle, bring knowledge and reach
an aesthetic quality.34
For Maria Immacolata Vassallo de Lopes, the soap operas were raised
to the category of national narratives, and are an important communicative
resource to present social issues, which, in a pedagogical way, implicitly
or explicitly, can propose behavioral changes and, based on cultural
representations, reshape citizenship.35 In the same sense, Valquíria John
and Nilda Jacks reinforce that “by entering other media, by extrapolating
the space of their own viewing time, the soap operas reached everyone,
including those that do not watch (or say that they do not watch) soap operas.
In this way, they contribute to the scheduling of social discussions”.36
Thus, such soap operas have been considered to be a social
merchandising, as they mobilize social debates and generate a public opinion
on national daily issues, and can be considered to be strategic resources for
behavioral changes.37 Among the many soap operas with the profile of
34. FIGUEIREDO, Ana Maria C. Teledramaturgia brasileira: arte ou espetáculo. São Paulo: Paulus,
2003, page 81.
35. LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Telenovela como recurso comunicativo. In: MATRIZes: six-
monthly magazine of the Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de
São Paulo, São Paulo: ECA/USP/Paulus, year 3, No. 1. pages 21-47, 2009.
36. JOHN, Valquíria; JACKS, Nilda. Telenovela e Agendamento da Mídia: como os conteúdos das
telenovelas da Rede Globo pautam o jornalismo de revista. In: 1st World Congress on Ibero-American
Communication. Annals. São Paulo – SP: ECA, 2011, page 3.
37. There is an interesting relationship between social merchandising in the light of the so-called
Theory of Scheduling or Agenda Setting, proposed by authors Maxwell McCombs and
Donald Shaw in the 1970s, showing that target audiences begin to put more emphasis on
news broadcasted by the media, and in this way, it can both lead to important social debates,
as well as serve as an instrument of power and manipulation. On the topic see “thematic
scheduling constitutes a more comprehensive subject, starting from the communicational
theory of the setting agenda. In the contemporary world, it is common knowledge that, if a
fact does not appear portrayed in any way in the media, it did not happen. This being so, the
mass communication media assumes a fundamental role in the propagation of facts, since they
become a main source used by the population to obtain information. It is argued that the topics
social merchandising, it is worth here mentioning the soap opera named
“Explode Coração” by the Rede Globo de Televisão, which between 1995
and 1996 brought into debate the issue of disappearance of a child.
Fictional and real narratives were designed based on the lenses of
novelist Glória Perez38, one of the major Brazilian specialists in soap operas
of this nature. It was based on the drama of the Mothers of Acari in Rio
de Janeiro, that the subject reached the screens during prime time. It was
not enough to entertain, it should mobilize and that is how Explode Coração
presented to millions of Brazilians the topic of the disappearance and the
pain of family members in the incessant search. Alterity in the feeling and
social mobilization were the principal mottos of the soap opera.
As a communicational resource, at the end of each episode, the
fiction became reality, with the presentation of posters with images of
missing persons. On March 9th, 1996, in a special episode, the showing of
an image of a son sought by his mother for more than ten years, and to the
surprise and exaltation of the social power of soap operas, six days later he
was found. In total, 64 children were found.39
Explode Coração also has another social function, uniting the Ivanise
and Vera recordings, which are the main protagonists of this scientific
article, and caused the surge of the Mothers of the Sé Movement.

scheduled by the major media are potentially liable to become subject-matter of an informal
discussion among the public. In this context, the themes presented as being relevant by the
media, commonly, became the target of the attention and of the concerns of the recipients
of media messages. CZIZEWSKI, Claiton César. Falando sobre a telenovela: agendamento temático a
partir da narrativa de ficção. In: XXXIII Brazilian Congress on Communication Sciences. Annals.
Caxias do Sul-RS: UCS, 2010, page 2.
38. The performance of the author of the soap opera, Glória Perez, was fundamental for the
representation of the disappearance. Glória Perez lived the drama of having her daughter,
actress Daniella Perez, murdered in 1992 by actor Guilherme de Pádua and his wife, Paula
Thomaz. At the time, the two actors worked on the soap opera De corpo e alma, which
had been written by Glória Perez. After the close contact between Glória Perez and the
movements of mothers during the soap opera Explode Coração, the author began to have the
support of them and of other movements in her own struggle: the conviction of Guilherme
de Pádua for aggravated homicide2, in a trial that took place in 1997. Among the actions of
protest against the daughter’s murderers, there was organization, prior to the judgement, of a
walk along Avenida Atlântica, a mass, pamphlets and outdoors. The marketing campaign had
Daniela’s face shown on it and the words: “what if it were your daughter? enough impunity”,
having been coordinated by the Brazilian Center for Defense of the Rights of Children and
Adolescents and sponsored by businesspeople. The walk was attended by the Mothers of
Cinelândia, the Mothers of Acari, the Association of Victims of Violence, the Movement
for Life, the fans and actors of soap operas and Human Rights entities. LEAL, Eduardo
Martinelli. “At that time, you didn’t hear about missing people”: family and maternity in the
militancy of the disappearance of people in Brazil. Mana, Rio de Janeiro, v. 25, No. 3, pages
605-634, December 2019. Available at <http://www.scielo.br>. Accessed on Jan 31st, 2020.
39. XAVIER, Nilson. Almanaque da telenovela brasileira. São Paulo: Panda Books, 2007, page 198.
4.3 CYBERACTIVISM

These are times of acceleration. Times to revisit old practices.


Times of hyperconnections. Times of algorithms. Times to rethink the
social movements. Times of new forms of sociability.40 Times of digital
citizenship.
By means of the social networks there is sharing of reports of
disappearances, and from there, there is a communion of social actors,
called for action, united in the so-called “network society” that begins to
act in solidarity with police and judicial bodies. From a practical point of
view, actions and communications are faster; from the psychological point
of view, the feeling of being welcomed and of belonging to a network
that shares values and purposes gives rise to new forms of sociability.
Social networks such as websites, groups, Facebook and Instagram become
powers of action and generate new forms of solidarity.
Currently, the 4.0 Industry can be understood as a system of
automation and information technology aimed at ensuring greater speed
in the processes, with transparency of communications and of data, of
celerity, of the search for information transparency. The hyperconnectivity
associated with the data stored in management software in the cloud can
improve the communication acceleration, as well as the strengthening of
the Big Data with the information explosion, it will bring mechanisms from
algorithms that are responsible for the identification of various processes
in a faster, systemized and transparent way. In this new model there no
longer exist any territorial obstacles41, the interactions are global, real and
instantaneous and the cyberactivism is understood to be a new way of
connecting people, connecting worlds and making communication, and can
contribute to a greater social cohesion, solidarity and the spread of axes of
common discussions and debates.

40. It is worth stressing that “when a computer network connects people or organizations, it is
a social network. In the same way that a computer network is a combination of machines
connected by cables, a social network is a set of people (or organizations or other social
entities) connected by social relationships, such as friendships, working together, or exchanging
information. GARTON, L.; HARTHORNTHWAITE, C.; WELLMAN, B. Studying Online
Social Networks. Journal of Computer Mediated Communication, v. 3, issue 1 (1997). Available
at: <http://www. ascusc.org/jcmc/vol3/issue1/garton.html.> Accessed on: Sep 6th, 2019, page 75.
41. On the topic, see “Each change in media alters our perception of temporal space, reaching
nowadays an experience of a sense of real time, immediate, “live”, and the abolition of physical-
geographic space. The information society is marked by the ubiquity and instantaneity, coming
from the widespread connectivity. Thus we enter the WYSIWYG society (What You See Is
What You Get)”. LEMOS, André; Cunha, Paulo (orgs). Olhares sobre a Cibercultura. Sulina, Porto
Alegre, 2003; pages 11-23.
Thus, many of the communication activities conducted today by the
Mothers of the Sé are hyperconnected to the digital world. We bring as
an example the so-called #10yearchallenge, which invaded social networks
in January 2019, inviting people to post their own photos with 10 years
of difference. Data show that more than 8 million users took part in
the challenge, generating many debates and controversies about its real
reason for existing, and as assumptions raised: spontaneous updating of
data, business monitoring, invasion of privacy, storage of information,
among others. However, for the Mothers of the Sé, the challenge became
a major opportunity for engagement and cyberactivism, thus launching
on its platform the proposal for sharing images based on the hashtag,
“#XXyearchallenge: the challenge that helps to find missing people.”
For Ivanise, a representative of Mothers of the Sé, the technology can
be used to alleviate pain and “we find in this movement a major opportunity
to mobilize people in favor of such a relevant cause. The digital sharing
further signifies the reach of our message, giving rise to a greater chance for
missing people to be found by their family members”.42
In the same sense, it is important to highlight the “Amor Sem Distância”
campaign with the support of the São Paulo City Council to post photos
of missing people in the social networks. It concerns an initiative of the
Portal and TV Câmara, together with the Mothers of the Sé NGO, in the
ethical, transparent and protagonist sharing in the search for information
on missing persons, and which may have even greater sharing based on the
hashtag #amorsemdistancia.
Another extremely important partnership of Mothers of the Sé is
with Microsoft that announced in 2019 the creation of a facial recognition
application, developed by Mult-Connect, to contribute in a potential way in
the search for missing persons and establishes itself as one of the actions
of the global corporate social responsibility program called Microsoft
AI For Humanitarian Action, which aims at the supply of instruments,
subsidies for training people to engage in humanitarian issues. The artificial
intelligence in the state-of-the-art technology shall be used for the data
intercommunication, its sufficing for this that the user forward a photograph
of the missing person to the application and the latter shall seek in the
NGO database any possible compatibilities of description of the physical
characteristics, among them, the color of the skin, hair and eyes. For Brad
Smith, president of Microsoft, “the partnership between Mothers of the
Sé and Microsoft is a powerful example of how we can apply technology

42. Available at https://www.hypeness.com.br/2019/02/xxyearchallenge-maes-da-se-promove-


desafio-para-ajudar-a-encontrar-pessoas-desaparecidas/ Accessed on Dec 20th, 2019.
to help resolve major challenges in our society” he highlighted in his
presentation at the Artificial Intelligence in Digital Transformation event,
in the Ministry of Economy, in Brasília.43

FINAL CONSIDERATIONS

Pain that turns into a struggle. Architectural solidarity. Voices that


multiply. The re-signification of a loss causes the surging of a movement
of solidarity in the search for a missing person. Where are they? Who
to ask? How to search? These are everyday questions of people that are
facing the reality of disappearance. A reality that goes beyond the yards,
neighborhoods, cities or countries. A transnational reality with countless
signs of human trafficking.
The present article seeks to present the narrative of the existence
of an Association in São Paulo, which appears to collaborate with answers
to the questions asked above. Unfinished mourning. Potentiated pain in
action.
At the end of the narrative that was brought it is possible to emphasize
the need to create constant public policies that promote the accessibility
in the data, the communicability between bodies, the fight against crime.
It is in the face of informational gaps and the absences that the criminal
practice continues. And thus, as an Academy, the intention in this article
is of giving visibility and demonstrating the importance of debate and of
action in this theme, making the invisible become visible. It is what Mothers
of the Sé has done. It is all we all should do.

REFERENCES

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2010.
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Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2005.

43. Available at https://canaltech.com.br/inteligencia-artificial/microsoft-e-maes-da-se-lancarao-


app-para-ajudar-na-busca-por-desaparecidos-139795/ Accessed on Oct 13th, 2019.
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371, maio/ago, 2006, p.362.
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