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A grande lavoura açucareira e a economia atlântica

Ferlini, Vera. “Senhores e lavradores”. In: Ferlini, Vera. Terra,


trabalho e poder. Bauru: Edusc, 2003, p. 287-344
Frans Post. Engenho Real, ca. 1637-1644. Roterdam, Museum Boijmans
O ser senhor de engenho é título a que muitos aspiram, porque
traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos
(Antonil, 1711)

Em Pernambuco encontra-se mais vaidade do que em Lisboa


(Fernão Cardim, 1583-90)
Johanes Blaues, Mapa do Território Brasileiro sob Domínio Holandês. Coleção Beatriz e Mário Pimenta Camargo, SP.
Joan Blaeu, Rerum per octennium in Brasilia et alibi nuper gestarum . . . Historia (Amsterdam, 1647)
A geografia açucareira no espaço atlântico

• 1425: plantio de canas da Sicília na ilha da Madeira (D. Henrique)


– 1455, 6.000@

• 1516, feitoria de Cristóvão Jacques, em Itamaracá

• Na América Portuguesa: informação sobre pagamento, na Alfândega de Lisboa,


de direitos sobre açúcar de Pernambuco, 1526 (Varnhagen)

• PE e seus engenhos: 23 em 1570 (Gândavo), 66 em 1583 (Cardim) e 77 em


1608 (Campos Moreno)

• Produção:
– PE, 1591, 378.000@
– BA, 1610, 300.000@
– BA, 1624, 960.000@
Henry Koster, Travels in Brazil (London, 1816), p. 336
O ter muita fazenda cria commummente nos homens ricos e
poderosos desprezo de gente mais pobre e por isso Deos
facilmente lha tira, para que se não sirvão della para crecer em
soberba. Quem chegou a ter título de senhor parece que em todos
quer dependência de servos

(Antonil, 1711)
Estimativas sobre a produção açucareira atlântica, (Galloway, 51)

• déc. 1560
– São Tomé, 3.000
– Madeira, 600
– Hispaniola, 1.000
– América Portuguesa, 4.000

• déc.1600
– São Tomé, 500
– Madeira, 250
– Hispaniola, 200
– América Portuguesa, 10.000

• 1624
– América Portuguesa, 14.000
As primeiras políticas para o açúcar na América Portuguesa

• Regimento de Tomé de Sousa, Governador Geral


• Conceder sesmarias aos homens com condições de equipar um
engenho no prazo de três anos
• Exigência de residência nas suas terras ou em Salvador
• Não podiam vender a propriedade pelo menos durante 3 anos
• Responsáveis pela defesa da terra
• Obrigação de beneficiar a cana dos lavradores
• Isenção temporária do dízimo

• Tomé de Sousa é encarregado de construir um grande engenho para a Coroa


(Pirajá): sinalização de interesses

• Mem de Sá (1558-1572): política de conquista de terras aos índios


(Recôncavo), com apoio dos jesuítas
Grandes inovações técnicas na produção açucareira da América portuguesa

a) manufatura: o impacto da invenção da moenda vertical de três rolos (1610);


o aperfeiçoamento da sequência de fornalhas; o aperfeiçoamento da purga
Le Magasin Pittoresque (1835), p. 68
b) campo: adaptação da coivara, com emprego da enxada; a natureza do
massapê; a organização do trabalho em turmas e tarefas
c) a relação lavradores de cana – senhores de engenho
d) a transição da escravidão indígena para a escravidão africana

Engenho: uma combinação de empreendimento agrícola e industrial, que exigia


grande quantidade de capital e crédito, habilidades especializadas de ferreiros,
carpinteiros, tanoeiros e pedreiros, e o conhecimento técnico de homens que
compreendessem os meandros do processo de fabricação de açúcar.
(Schwartz e Lockhart)

• até déc. 1620, contínua subida dos preços europeus do açúcar permitia
alcançar a fortuna; após, a diminuição da expansão mudaria as coisas
• uma ou duas más colheitas podiam levar à ruína: resultado, fracassos e
circulação de produtores
• lavradores de cana - plantio compartilhado para diluir os riscos
- custo de compra de cativos
- ociosidade nas crises de preços
• Os lavradores de cana: complexidade de situações

• Rendeiros e meeiros: sem terra própria


• Cana “cativa”: obrigados a moer no engenho, pagando em geral 3/5 do açúcar
• Lavradores mais ricos ficavam com as melhores terras
• Lavradores pequenos e grandes
• Homens livres com quinhões de terra: vaqueiros, lenhadores, fornecedores de
alimentos
• Artesãos especializados: feitores, capatazes, gerentes, mestres de açúcar
(salários)

• 1668: engenhos, com seus escravos, prédios, maquinaria e terras foram


declarados unidades indissolúveis

• A organização do sistema com lavradores (herança da Madeira) favoreceu o


movimento de vinda de novos colonos sem necessidade de grandes capitais
O açúcar brasileiro

• complexidade e variedade do comércio


– Destinado aos portos de Lisboa, Porto, Viana do Castelo e Póvoa de
Varzim
– Fins séc. XVI: Londres, Hamburgo, Antuérpia (1577, Amsterdam, após
saque espanhol)
– Até 1600, 2/3 do açúcar transportados em navios holandeses

• ausência de uma indústria doméstica de refino


– ausência também em Portugal
– Brasil: açúcar “barreado”

• aguardente e melado para o mercado local


- segundo Schwartz, a produção de 45 kg. de açúcar barreado levava à
obtenção de 25 l. de “meles”.
- especialização do RJ no XVIII (tráfico); na Bahia foi menos importante,
mas é difícil o estudo
- há informações ocasionais de que aguardente e “meles” é que dariam
lucro.
Crítica

• De uma maneira geral, todas as análises sobre senhores de engenho e


lavradores de cana padecem:

- de generalização cronológica
- de excessiva centralidade na argumentação de Antonil, Gândavo, Vilhena,
Tollenare
- de considerar todas as categorias de senhor de engenho unificadamente
- de considerar todas as categorias de lavradores de cana unificadamente
- de exagerar a dependência e fragilidade dos lavradores de cana para com os
senhores de engenho; como ficam os lavradores com muitos escravos?
- de colocar todos os engenhos no mesmo saco; há engenhos com muitos
lavradores, outros com poucos / e varia no tempo!
- excessiva dependência no caso Engenho do Conde, que é uma exceção!
- há que se considerar a variação da dependência entre açúcar e gêneros de
subsistência
Bibliografia

ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.
BACELLAR, Carlos A. P. Os senhores da terra. Família e sistema sucessório entre os senhores de
engenho do Oeste paulista, 1765-1855. Campinas: Centro de Memória/Unicamp, 1997.
BOXER, Charles. Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola. São Paulo: Editora Nacional, Edusp,
1973.
FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento. Fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
FERLINI, Vera Lucia Amaral. Terra, trabalho e poder. O mundo dos engenhos no Nordeste colonial.
Tese de doutorado pela FFLCH-USP. São Paulo: 1986.
LARA, Silvia Hunold. Campos da Violência. Escravos e senhores na Capitania do Rio de Janeiro, 1750-
1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
MELLO, Evaldo Cabral de. O Negócio do Brasil. Portugal, os Países Baixos e o Nordeste, 1641-1669.
Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.
PETRONE, Maria Thereza Schorer. A Lavoura Canavieira em São Paulo. Expansão e declínio, 1765-
1851. São Paulo: Difel, 1968.
SCHWARTZ, Stuart B. e LOCKHART, James. A América Latina na época colonial. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002.
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos. Engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São
Paulo: Companhia das Letras, 1988.

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