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O Brasil Holandês

Boxer, Charles R. “A luta global com os holandeses (1600-1663). In: Boxer, Charles
R. O império marítimo português, 1415-1825. São Paulo: Companhia das Letras, 2002,
p. 120-140.
Maurício de Nassau. Gravura do
livro de Gaspar Barléu, Rerum
per Octennium in Brasilia Et
alibi nuper gestarum.
Amsterdam: Ioannis Blaeu, 1647.
Johannes de Baen. Retrato de
Maurício de Nassau. 1665.
Os circuitos mercantis do açúcar e a independência dos Países Baixos.

Contexto
• 1566-1572: revolta calvinista nas Províncias do Norte: governo militar do Duque de
Alba
• 1572: início da Guerra de Independência
• 1579: assinatura da União de Utrecht marca o nascimento das Províncias Unidas dos
Países Baixos, sob regime republicano
• 1583: independência de fato, com a evacuação das tropas espanholas
• 1585: saque de Antuérpia: Amsterdã se aproveita do rescaldo do comércio de Antuérpia:
guerra contra Espanha prossegue até 1609
• O açúcar em Amsterdã
– Mercadores holandeses não controlam o comércio do açúcar português
– Controle de mercadores portugueses cristãos-novos ou sefarditas, e flamengos, que fogem de
Antuérpia após 1585

• Guerra de Independência: Países Baixos miram o Império Espanhol: União Ibérica


(1580) coloca Portugal no centro do conflito
• Estratégia holandesa para a conquista das rotas ultramarinas ibéricas: fundação de
Companhias de Comércio, com um impulso simultaneamente econômico, militar e
político
• Objetivo: levar guerra contra Espanha ao ultramar

• Boxer: “Luta global com os holandeses” (1600-1663)


• “Luta travada em quatro continentes e sete mares”
– Luta pelas especiarias asiáticas
– Luta pelo comércio escravista da África Ocidental
– Luta pelo comércio do açúcar brasileiro

• “Resultado final equilibrado”


– Vitória holandesa na Ásia
– Empate na África Ocidental
– Vitória portuguesa no Brasil
A fundação da W.I.C. e as guerras do açúcar no Atlântico Sul, 1621-1654

• Fundação da WIC (West-Indische Compagnie) é idéia que circula em Amsterdã desde o


final do século XVI
• Objetivos da Companhia, segundo Willen Usselincx (rico mercador)
– Fundação de colônias no Novo Mundo
– Promoção do comércio
– Extensão da luta contra a Espanha para o ultramar

• Paz com a Espanha (Trégua dos 12 anos, 1609) engaveta o projeto


• Apesar da proibição espanhola de comércio de seus súditos americanos com
estrangeiros, negócios do açúcar português em Amsterdã é retomado em larga escala
– Holanda intensifica seus interesses pelos gêneros do Brasil
– Fretamento de urcas “flamengas” em portos portugueses para comércio com o Brasil

• Fim da trégua com a Espanha (1621) leva à fundação da WIC


• Motivações externas + motivações internas: novo grupo mercantil, mais nacionalista e
agressivo, precisa de mediação nas relações com antigos grupos, contrabandistas,
envolvido do comércio “ilegal” de açúcar português = papel da WIC (Puntoni, 1999)
Invasão da Bahia, 1624-25
• Expulsão: única ocasião em que há ação conjunta entre a Coroa espanhola e a “fina flor”
da nobreza lusa, logo no início do governo de Olivares

• 1628, captura da frota da prata em Cuba, por Piet Heyn

Invasão e conquista de PE, 1630-1635

• Noção de “Guerras do Açúcar” (Evaldo Cabral de Mello, 1975): guerra pelo controle da
produção açucareira, financiada pelo açúcar produzido localmente
• Estratégia de conquista: guerra de bloqueio naval e sitio das praças-fortes, visando
manter intacto o sistema produtivo açucareiro
• Fracasso da estratégia, com a resistência das tropas luso-brasileiras e a manutenção do
comércio entre os engenhos de PE e Portugal, via portos ao S e N de Olinda-Recife
• Necessidade de uma guerra terrestre para vencer a resistência: ataque holandês aos
engenhos entre 1633-35
Desconhecimento batavo sobre a produção açucareira da América Portuguesa

• “[Os portugueses] que se submeteram à nossa obediência, são os principais fatores da


cultura da terra; alguns permanecem na antiga posse dos engenhos, outros compram
muito dos engenhos confiscados. Ainda outros são lavradores de canaviais ou servem
nos ofícios necessários ao movimento dos engenhos, entre os quais os ofícios para cujo
desempenho não se apresentou até agora nenhum holandês, não só porque não têm
experiência deles como porque não os compreendem, como seja os de temperar e
purgar o açúcar. (...) Os portugueses são também zelosos no cultivo de seus canaviais e
graças a eles a agricultura do país progrediu, se bem que, a não ser poucas vezes, se
veja algum deles fazer por suas próprias mãos algum trabalho; sabem, porém, fazer
trabalhar seus negros” (Adriaen van der Dussen, Relatório sobre as capitanias
conquistadas no Brasil, 1639 – funcionário da WIC)

• Livro de viagem ao reino do Brasil, 1624: a imagem sobre a produção de açúcar nada
mais é do que uma reelaboração das pranchas de Theodore de Bry)
Período nassoviano, 1637-1644

• Esforços para reorganizar a produção açucareira de PE


– Leilão dos engenhos, financiamento aos novos proprietários
– Uso dos esquemas intelectuais da história natural para apreender o mundo do
açúcar (Marcgraf, Post)
– Captura de postos na África: São Jorge da Mina, 1638; Luanda, 1641
– O aprendizado da geografia do complexo açucareiro-escravista atlântico

Guerra de Restauração, 1645-1654


• Fatores
– Restauração portuguesa
– Senhores luso-brasileiros endividados, diante da queda acentuada dos preços do
açúcar em Amsterdã entre 1638-1642: crise para a WIC, que endurece com os
devedores luso-brasileiros
– Senhores radicados na Bahia, sem engenhos
• Guerra custeada quase inteiramente com recursos locais, gerados pelo açúcar (Mello,
1975).
– Recursos: 80% do açúcar, 20% de impostos sobre produtos de subsistência

• Estratégia: “guerra lenta”, que permitia o escoamento do açúcar pelo litoral sul

• Reativamento do sistema produtivo açucareiro entre 1646-47

– Ingleses são vitais (com o fornecimento de barcos) para o escoamento do açúcar


– Ataques holandeses aos barcos “portugueses” entre 1647-48 (3/4 nos navios são apreendidos)
leva à criação da Companhia Geral de Comércio do Brasil (1649)

• Guerra ativada nos dois lados do Atlântico: reconquista luso-brasileira de Angola em


1648 (Boxer, Alencastro)

• Para o sucesso definitivo da restauração de PE, a 1ª Guerra Anglo-Holandesa (1652-54)


tem papel central.
D. João IV e o Brasil

• Desde 1641-42, é evidente, na condução diplomática de D. João IV, a opção pelo Brasil
em detrimento da Índia
– Primeiros esforços diplomáticos portugueses em Haia (através de Francisco de Sousa Coutinho)
serão para restituir PE mediante compra.

• Projeto de compra não é aceito nos Países Baixos (1643-44): plano para o levante e
expulsão da WIC é colocado em prática em 1645, mas não obtém os resultados
esperados pela Coroa (“diplomaticamente, simplesmente desastroso” – Mello)
• Preparativos para a paz de Munster (1647, paz franco-espanhola, afinal não encetada)
leva D. João IV a buscar a acomodação com os Países Baixos “a qualquer preço,
inclusive ao de oferecer a restituição do NE em troca da inclusão de Portugal na paz de
Munster ou ao menos numa trégua com a Espanha”
– Proposta de entrega do Nordeste para os holandeses é apresentada em agosto de 1647, por
Francisco de Sousa Coutinho (quando Portugal já estava definitivamente excluído de Munster)
– Padre Antonio Vieira é enviado para Haia para montar a entrega do NE
– Paz Holanda-Espanha de 1648 (paz de Haia) agrava a situação portuguesa: negociações para a
entrega do Nordeste progridem
• Virada vem com a chegada da notícia da vitória na 1ª Batalha de Guararapes
(19/04/1648) em Lisboa, em agosto de 1648
– fortalecimento do “partido da guerra”, ou dos “valentões” (apelido dado por Vieira), que
defende a conflito aberto com os holandeses, contra os anseios do próprio D. João IV, que
queria a paz, temendo a guerra simultânea contra Espanha e Holanda.
• Notícia da reconquista de Luanda (que chega a Lisboa em outubro de 1648) fortalece
ainda mais a posição dos “valentões”: argumento central destes: América e Angola (i.e.,
Atlântico Sul) constitui o centro do Império português

• 2ª Batalha de Guararapes (19/02/1649): cresce a convicção nos Países Baixos de que


PE seria militarmente irrecuperável
– Neste ano, principal razão para a Holanda não decretar guerra contra Portugal é o sal de
Setúbal, central para a indústria pesqueira dos Países Baixos.

• 1ª Guerra Anglo-Holandesa (1652-1654) enfraquecerá, e muito, a WIC


– “para Portugal, [essa guerra] constituiu um presente do céu, destes que reforçavam as crenças
sebastianistas na especial proteção que lhe dispensava a Providência Divina” (Mello)

• Dez. 1653: frota lusa cerca o Recife: rendição negociada, 23/01/1654


• Após 1654, conflito Portugal-Holanda passa para o campo diplomático: relação direta
com o início do domínio inglês em Portugal
– Tratado de 1642: Inglaterra “nação mais favorecida” em troca do reconhecimento
da independência
– Tratado de 1654, sob pressão de bloqueio do Tejo (Cromwell)
• Fretamento exclusivo de naus inglesas para a carreira do Brasil
• Monopólio do comércio do sal
• Liberdade de comércio no ultramar
• Livre acesso da marinha de guerra

• Entre 1654 e 1659, é constante a ameaça de bloqueio do Tejo e ataque a posições no


Brasil: estado formal de guerra entre Holanda e Portugal entre 1657 e 1661

• Tratado Holanda-Portugal de 1661


– Como indenização pela restituição do NE, pagamento, em 16 anos, de 4.000.000 em numerário
(equivalente a U$650 milhões em 1998)
– Mais o cancelamento dos impostos sobre o açúcar, o fumo e o sal portugueses vendidos aos
holandeses.
• Paz franco-espanhola dos Pirineus em 1661: volta com força a ameaça espanhola
– Inglaterra se torna a “tábua de salvação” de Portugal

• Tratado Anglo-Português de 1661


– Casamento de Charles II com Catarina de Bragança, irmã de D. Afonso VI, com o pagamento
de um dote de 2.000.000 cruzados, mais Tanger e Bombaim
– Contrapartida: Inglaterra defenderá Portugal de invasão espanhola e dos ataques de espanhóis e
corsários à armada lusa (sobretudo a da carreira do Brasil)
– Tratado é fundamental para Portugal:
• Garante sua independência
• Garante a segurança das colônias e de suas comunicações marítimas
• Levará ao reconhecimento espanhol (1668) de Portugal
• Freará os anseios bélicos da Holanda

• Situação militar crítica de Portugal frente à Espanha na primeira metade da década de


1660: recorre-se ao imposto extraordinário do “Donativo da rainha de Inglaterra e da
paz de Holanda”, imposto pessoal cobrado no Reino e no Ultramar
• 2ª Guerra Anglo-Neerlandesa (1665-1667) trará novo desafogo para Portugal
• 1669: segundo tratado de Haia

• Paz definitiva entre Portugal e Holanda


• Cessão de Conchim e Cananor para a VOC
• Indenização passa para 2.500.000, mediante a receita do novo imposto de exportação do
sal de Setúbal, exclusivamente consignada à satisfação da dívida com os Países Baixos
• Prazo de 20 anos para o pagamento, prestações de 150.000 cruzados.

• Desdobramentos das guerras do açúcar

a) surgimento da competição antilhana francesa e inglesa: perda do monopólio açucareiro


b) a competição no litoral africano
c) os custos da Restauração Portuguesa (1640-1668): Atlântico Sul como sustentáculo do
Império português
• Acima de tudo, profunda clivagem nos sistemas atlânticos

• Ibérico (Portugal e Espanha)


– Espacialidade: Mesoamérica, Andes, litoral brasileiro, feitorias na África (bilateralidade África-
Brasil)
– Dependência de capitais e das redes comerciais não-ibéricas
– Fraqueza estrutural das economias metropolitanas
– Restrições ao acesso dos colonos ao mercado mundial (monopólio Sevilha e Lisboa)
– Composição étnica das colônias é balanceada entre nativos, europeus e africanos

• Norte-atlântico (Inglaterra, França, Holanda)


– Espacialidade: Caribe, África, Metrópoles
– Plantations islands: demografia específica, inédita
– Domínio da estrutura capitalista moderna
– Apesar das tentativas mercantilistas de Colbert e Cromwell, os investimentos e os mercados
desse sistema são muito mais internacionais
• Competição no tráfico de escravos
• Financiamento holandês das plantations inglesas e francesas
• Distribuição internacional da produção por Amsterdã
• Presença dos colonos norte-americanos
• Alencastro: reconquista de Angola garante a viabilidade do escravismo na lavoura
açucareira na América portuguesa ao longo dos séculos XVII e XVIII.

• Bilateralidade se consolidará com as vitórias brasílicas em Angola (1648)

• Considerável autonomia colonial na gestão dos negócios internos, algo profundamente


distinto em relação à base caribenha.
Frans Post. Ciriii. Gravura extraída do livro de Gaspar Barléu.
Frans Post. Praefectura Paranambuca pars Borealis. Gravura extraída do livro de
Gaspar Barléu.
Frans Post. Paisagem com Plantação (O Engenho). 1668.
Frans Post. Paisagem Brasileira com Nativos Dançando e Capela. Sem data.
Zacharias Wagener. O Mercado de Escravo, na Rua dos Judeus, extraída do Thierbuch, século XVII.
W. Piso, G. Marcgraf e I. de Laet.
Historia Naturalis Brasiliae.
Leiden: Franciscus Hack;
Amsterdam: Ludovicus Elzevier,
1648.
Albert Eckhout. Mulato. 1641.
Georg Marcgraf. Peixes. Historiae Rerum
Naturalium Brasiliae.
Georg Marcgraf. Acaiaba, vulgo
caju. Historiae Rerum Naturalium
Brasiliae.
Bibliografia

• ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico


Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
• BOXER, Charles. Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola. São Paulo: Editora
Nacional, Edusp, 1973.
• MELLO, Evaldo Cabral de. O Negócio do Brasil. Portugal, os Países Baixos e o
Nordeste, 1641-1669. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.
• MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda restaurada. Guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654.
Rio de Janeiro: Forense Universitária-Edusp, 1975.
• PUNTONI, Pedro. A mísera sorte. A escravidão africana no Brasil holandês e as
guerras do tráfico no Atlântico Sul, 1621-1648. São Paulo: Hucitec, 1999.

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