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Portugal e a expansão ultramarina no século XV

Boxer, Charles R. “O ouro da Guiné e Preste João (1415-99)”. In: Boxer,


Charles R. O império marítimo português, 1415-1825. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002, pp. 31-53.
Portugal, 1500: cerca de 1.500.000 habitantes

Cá nós de uma parte nos cerca o mar e da outra temos muro no reino de
Castela

(Gomes Eanes de Zurara, 1450)


• Conjuntura europeia
• Peste Negra, 1347-50; Crise econômica: falta de ouro
• Expansão turca: encarecimento das especiarias e déficit com o Oriente

Como entender o papel de Portugal na expansão europeia?

• Estado Nacional precoce


• Nasce através do conflito com mouros e castelhanos
• Definição precoce das fronteiras (expulsão árabe: 1249)
• Limita o terreno de atuação militar da nobreza portuguesa
• Opção pelo corso (sul)

• Ideário medieval de combate ao Islã se mescla a interesses mercantis e à catequese


• A reconquista do Norte da África é projeto antigo da Igreja
• Direitos históricos e de continuidade geográfica (linhas meridianas sem limite para o
sul)
• Limites do imaginário possível é a Guiné, abaixo da qual começa a África equatorial,
desconhecida (que só começa a ser pensada na segunda metade do séc. XV)
• Atividade marítima

• Tradição lusa de comércio com a Europa ao sul (Gênova) e ao norte (Flandres,


Normandia, Inglaterra: 1203, João Sem Terra, carta de segurança

• Tradição pesqueira, principalmente de alto mar: atum, baleias (navios maiores) desde
1250

• Exploração do sal

• Marinha cada vez mais fortalecida com a diminuição da pirataria muçulmana


– conquista do Algarves e, depois, das praças africanas

• Desde meados do século XII há notícias de portugueses no litoral africano


– pesca no litoral marroquino
• Mas, para a expansão, era fundamental a resolução de problemas técnicos

• Desenvolvimento da tecnologia naval: Mediterrâneo para Atlântico


• Portugal: ponto de passagem
• Caravela: duplo velame:
– Velas latinas, triangulares, para qualquer vento (Portugal, séc. XV): apta para enfrentar
regimes de ventos e correntes desconhecidos
– Velas quadradas, para aproveitar o vento de popa
– Bússola (fim séc. XIV) e astrolábio (latitude, início séc. XV)
– Cartas de marear e portulanos (livros de navegação) em Portugal, séc. XV (Pisa, XII)
• importante ressaltar: contato português com o conhecimento da Escola de Tradutores de
Toledo, onde sínteses do conhecimento antigo e indo-árabe foram absorvidas,
principalmente através das comunidades sefarditas (náutica e cartografia)

• Interesse pelo Oriente = especiarias

• João de Plano Carpini, Guilherme de Roebrouk, Marco Polo (ficção x real)


• Lenda do Preste João
• Fatores que teriam impulsionado a expansão portuguesa: dependência em
relação ao exterior, principalmente Europa norte-atlântica (Godinho):

• Fraqueza numérica da população


• Aridez e esterilidade do solo
• Atraso da agricultura
• Escassez de cereais
• Dependência da importação quanto ao pão
• Insuficiência da produção de carne: ausência de pastagens
• Escassez de capitais
• Desprezo pelo comércio
• Escassez de madeiras para a construção naval.
• A Expansão Ultramarina.

• Primeira etapa – O Aprendizado - de Ceuta (1415) à ultrapassagem do cabo Bojador


(1434).
• Portugueses aprendem a navegar em mares desconhecidos dos europeus, numa
verdadeira “escola” - “Escola de Sagres.”
• Ceuta, 1415, motivações (resumidas por Antônio Dias Farinha):
- O trigo do Marrocos?
- O ouro do Sudão Ocidental?
- O corso e a pirataria praticados pelos mouros?
- A pressão social da nobreza portuguesa exigiria rendas crescidas?
- O prosseguimento da obra da Reconquista?
- Desejo dos infantes de serem armados cavaleiros no campo de batalha?
• Impossível explicar com base nos eventos posteriores.
• Após revolução de Avis (triunfante em 1385).
- Necessidade de viabilizar política, econômica e militarmente o novo reino.
- Ideia da expedição surgiu antes da escolha do objetivo, segundo Zurara.
• Madeira, 1419.
• Açores, 1427.
• Cabo Bojador, 1434, Gil Eanes (além do vazio da Mauritânia).
• Limite da navegação de cabotagem.
• Cabo: fazer a Volta (grande círculo).
Mapa do Noroeste africano
no fim do século XV e no
XVI. Vitorino Magalhães
Godinho, Os descobrimentos
e a economia mundial, vol. 4,
1983
• Segunda etapa – O desvendar do oceano: do Cabo Bojador (1434) ao Cabo Verde
(1444)

- a “grande volta” em qualquer estação

• Terceira etapa – A investida equatorial, o Congo: Da transposição da costa da Serra


Leoa (1446) até o Congo (1475)

- Volta sazonal: ida no inverno, volta no verão do sul


- 30 anos de aprendizado de navegação em alto mar
- diversificação da expansão portuguesa
- sucesso da cana na Madeira
- 1453, queda de Constantinopla: papa prega guerra santa
- resposta de Afonso V, o Africano: expansão territorial no Marrocos, inclusive
Tanger
- comércio em Arguim (ouro, escravos...)
- contrabando português do Marrocos para África Negra
• Quarta etapa – O caminho da Índia e a conquista do Atlântico

• o acerto da dupla Volta (o “oito”)

• São Jorge da Mina, 1482: p/ garantia do monopólio régio do trato do ouro,


escravos e malagueta

- 1515, D. Manuel, retirada de Mamora: fim do expansionismo no N da África

- D. João III, evacuação de algumas praças (década de 1540), devido à


concorrência de custos com o império
- 1550, somente Tanger e Ceuta

• Portugueses aprendem a navegar em mares desconhecidos dos europeus:


“escola de Sagres”
• A viagem de Bartolomeu Dias
- Constatação: fúria do oceano
- “criou uma outra lenda de perigos” (João de Barros)
- Cabo das Tormentas (depois, Cabo da Boa Esperança)

• Intervalo entre o retorno de Bartolomeu Dias (1488) e saída da expedição de


Vasco da Gama (1497):
- Substituição das caravelas por naus (“naus da Índia”)
- Maior porte, vela redonda, maior resistência às viagens de longo curso, maior
capacidade de carga (comércio, víveres, artilharia)

• Viagens exploratórias:

• Rota de Vasco da Gama passando próximo ao Brasil atesta que o regime de


ventos e correntes do Atlântico Sul já estava conhecido (coincidência da rota
de Cabral)

• Abertura da rota encerra processo de exploração africana, tornando a África


escala, e mais avançado no século XVI, em ponto de resgate de escravos
Bethencourt, Francisco, e Chaudhuri, Kirti (dir.) História da Expansão Portuguesa, vol. 1, p. 163.
• A disputa pelo Atlântico – tratados e bulas papais

- Sane Charissimus (1418): caráter de cruzada à conquista do Marrocos


- Dum Diversas (1452): permite atacar e conquistar infiéis (“carta do imperialismo
português, cf. Boxer)
- Romanux pontifex (1455): Guiné e Atlântico Sul português “perpetuamente”

- Tratado de Alcáçovas-Toledo (1479/80): paralelo das Canárias/cabo Bojador/terras


por descobrir (monopólio da costa africana, exceto Canárias)
- Aeternis Regis (1481): confirma tratado de Alcáçovas-Toledo
- Orthodoxae Fidei (1486): conclama D. João II a continua a conquista

- Inter caetera I (1493): Castela garante ilhas descobertas por Colombo

- Inter caetera II (1493): 100 léguas dos Açores (garantia a rota da Ásia...)

- Tratado de Tordesilhas (1494): 370 léguas a oeste de Cabo Verde – ultrapassava as


necessidades, e somente pode ser entendido (diante das concessões) em função, no
mínimo, de suspeitas de terras (Couto)

- Interesse em preservar a rota, e não as terras.


O achamento ou descobrimento do Brasil

Acaso ou intencionalidade?

1) Questão da primazia

- Hipótese de Dieppe (franceses)


– Presença de Jean Cousin em 1488 (baseado em relato do século XVIII)
– Arquivos destruídos em guerra (1694)
- Hipótese espanhola
– Vicente Pinzón e Diego de Lepe, 1499
– Ambos aparentemente chegaram ao Cabo de Santo Agostinho
– Ceará, Piauí, Maranhão, Pará e Amapá (segundo Max Justo Guedes,
1975)

- Segundo Capistrano de Abreu (O descobrimento do Brasil, 1883):


- Espanhóis nada fizeram em relação à “descoberta”
- “sociologicamente falando, os descobridores do Brasil foram os
portugueses, por eles inicia-se nossa história”
- Polêmica é questionável, e de pouca importância:
– Área visitada por Pinzón nem ao menos era “portuguesa” segundo
Tordesilhas; portanto, qual Brasil era esse?
– Trata-se todos como “estrangeiros”, como se estivessem a invadir um
direito ou território português

2) Casualidade

- Frei Vicente do Salvador, História do Brasil (1627)


- Sebastião da Rocha Pita, História da América Portuguesa (1730)

3) Intencionalidade

- Capistrano de Abreu
– Portugal conhecia ou presumia a existência de terras
– Forçou a alteração de Tordesilhas (meridiano de 100 para 370 léguas a
oeste de Cabo Verde)
- garantia para as navegações (Joaquim Romero de Magalhães)
• Indícios de intencionalidade:
- Trecho do Roteiro de Vasco da Gama (Capistrano, p. 56)

– “...e em XXII do dito mês [de agosto] hindo na volta do mar ao sull e a quarta do
sudueste, achamos muitas aves feitas comos garçoeens, e quando veo a noute
tiravam contra o susoeste muito rrigas como aves que hiam pera terra...”

– Mas o trajeto de Vasco da Gama não pode ter sido o primeiro, pois outras
tentativas anônimas podem ter ocorrido
– Além disso, o trajeto idêntico de Cabral viria a comprovar que o roteiro era já
suficientemente conhecido (correntes e ventos já identificados com segurança)
– Não há, nos relatos, indicações de avanço rumo ao desconhecido

- Vaga alusão de Duarte Pacheco Pereira, no Esmeraldo de Sito Orbis (1502-


1508)
- Teria havido uma expedição enviada em 1498 por D. Manuel para reconhecer
o litoral atlântico da América do Sul
- Na carta do Mestre João, escrita do Brasil a D. Manuel, em 1º de maio de
1500, há a alusão à localização da Terra de Santa Cruz no antigo portulano de
Pero Vaz Bisagudo, desaparecido
- Na precisão do Planisfério Cantino, já em 1502
Planisfério de Cantino, 1502
Bethencourt, Francisco, e Chaudhuri, Kirti (dir.) História da Expansão Portuguesa, vol. 1, p. 163.
D. Manuel. Iluminura da Leitura Nova. Irmão da
rainha D. Leonor, esposa de D. João II, casa-se com
a viúva castelhana do príncipe herdeiro D. Afonso.
Infante D. Henrique. Iluminura com a sua
suposta representação na Crónica da Guiné
de G. E. Zurara

D. João II. Desenho do Livro dos Copos.


Frota de Pedro Álvares Cabral. Desenho do
Livro das Armadas.
Referências bibliográficas.

ALMEIDA, Antonio Augusto Marques de. “Saberes e práticas de ciência no Portugal dos
descobrimentos”. In: Tengarrinha, José (org.). História de Portugal. 2ª ed. revista e
ampliada. Bauru, SP: Edusc; São Paulo: Unesp; Portugal: Instituto Camões, 2001, pág. 107-
116.
CHAUNU, Pierre. Expansão européia do século XIII ao XV. São Paulo: Pioneira, 1978.
CORTESÃO, Jaime. Os descobrimentos portugueses. 4ª ed.. Lisboa: Livros Horizonte, 1984, 6 vols.
COUTO, Jorge. A construção do Brasil – Ameríndios, portugueses e africanos, do início do
povoamento a final de Quinhentos. Lisboa: Edições Cosmos, 1998.
DOMINGUES, Francisco Contente. “A prática de navegar – Da exploração do Atlântico à demanda
do Oriente: caravelas, naus e galeões nas navegações portuguesas”. In: Bethencourt,
Francisco, e Chaudhuri, Kirti (dir.). História da expansão portuguesa, vol. 1. Lisboa: Círculo
de Leitores, 1998, pág. 62-72.
FARINHA, António Dias. “Norte de África”. In: Bethencourt, Francisco, e Chaudhuri, Kirti (dir.).
História da expansão portuguesa, vol. 1. Lisboa: Círculo de Leitores, 1998, pág. 118-136.
MAGALHÃES, Joaquim Romero. “O reconhecimento do Brasil”. In: Bethencourt, Francisco, e
Chaudhuri, Kirti (dir.). História da expansão portuguesa, vol. 1. Lisboa: Círculo de Leitores,
1998, pág. 192-216.
MATTOSO, José. “Antecedentes medievais da expansão portuguesa”. In: Bethencourt, Francisco, e
Chaudhuri, Kirti (dir.). História da expansão portuguesa, vol. 1. Lisboa: Círculo de Leitores,
1998, pág. 12-25.
RILEY, Carlos. “Ilhas atlânticas e costa africana”. In: Bethencourt, Francisco, e Chaudhuri, Kirti
(dir.). História da expansão portuguesa, vol. 1. Lisboa: Círculo de Leitores, 1998, pág. 137-
162.
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