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(49) Capítulo 2

O império mercantil e a plantation escravista: o Brasil lidera, os holandeses, ingleses e franceses


aperfeiçoam a fórmula

Os comerciantes italianos e flamengos financiaram os primeiros engenhos de açúcar nas ilhas


atlânticas portuguesas no período de 1480 a 1580. A força de trabalho dos engenhos e das fazendas de
cana era mista, com trabalhadores portugueses contratados ou assalariados e escravos nativos ou
africanos. Uma ilha que produzia 700 toneladas de açúcar por ano era considerada muito boa. Por volta
de meados do século XVI, os canaviais se espalharam pelo Brasil e começaram a adquirir uma nova
escala. O Nordeste do Brasil possuía terra em abundância, e solo e clima favoráveis para o cultivo da
cana. Os ventos constantes permitiam uma rápida navegação para a Europa. As quantidades de açúcar
produzidas no Brasil depois 1580 atingiram uma nova ordem de magnitude, e a produção total da
colônia, no início do século XVII, chegou a mais de 10.000 toneladas por ano, a maior parte sendo
adquirida pelos comerciantes de Gênova e Antuérpia. No processamento da cana, os senhores de
engenho empregavam uma força de trabalho composta de portugueses, indígenas e africanos. Eles
permitiram a presença de pequenos produtores, cuja cana era moída conjuntamente. Os fazendeiros
brasileiros eram muitas vezes ex-titulares de cargos ou homens que tiveram bons laços com a
burocracia, e todos os engenhos eram propriedade de súditos portugueses. Eles foram capazes de
utilizar os conhecimentos dos agricultores e trabalhadores experientes das ilhas do Atlântico, alguns
dos quais migraram para o Brasil, bem como as habilidades comerciais italianas e flamengas. Os
comerciantes ajudaram a unir os produtores americanos e os consumidores europeus de uma forma
que o sistema de comboio espanhol, ou flota, não conseguira. Por volta da década de 1620, a exportação
de açúcar num ano bom alcançava 20.000 toneladas.1
A união de Portugal com a coroa de Espanha, em 1580, e as concessões forçadas do Rei
espanhol aos comerciantes portugueses no período subsequente às Cortes de Tomar, podem ter ajudado
a manter e desenvolver as relações entre os comerciantes europeus ou portugueses e os senhores de
engenho brasileiros. Agentes flamengos, alguns casados com mulheres portuguesas, viveram no Brasil,
e muitos dos navios que levavam os carregamentos de açúcar da Bahia eram urcas, o navio favorito
dos comerciantes do Norte da Europa. Os “cristãos-novos”, homens de origem judaica que foram
forçados pelo monarca português e a Inquisição a se converterem, eram ativos no comércio de açúcar
e (50) tinham certa participação nos engenhos.2 Alguns mantinham conexões com a comunidade

1
Stuart Schwartz, Sugar Plantations in the Formation of Brazilian Society: Bahia, 1550–1835, Cambridge 1985; Frédéric
Mauro, Le Portugal et l’Atlantique au XVIIe, 1570–1670, Paris 1960.
2
Stuart B. Schwartz, “A Commonwealth Within Itself: The Early Brazilian Sugar Industry”, in Stuart B. Schwartz, ed.,
Tropical Babylons: Sugar and the Making of the Atlantic World, 1450–1680, Chapel Hill 2004, pp. 158–200, especialmente
pp. 172–6. Para o contexto comercial mais amplo e a crescente demanda de açúcar, ver também o ensaio de Eddy Stols,
sefardita, em Amsterdam. Tais conexões uniram os senhores de engenho brasileiros aos mercados
europeus mais amplos e os ajudaram a evitar a asfixia que se abateu sobre a indústria açucareira do
Caribe espanhol. Todavia, como o valor da safra brasileira aumentou, ela tornou-se alvo de corsários
holandeses, ingleses ou franceses interessados em capturar um rico carregamento de açúcar.

O sistema de comércio do Atlântico Sul português provou ser resiliente. Os fazendeiros


brasileiros enviaram várias expedições a Angola e à África Ocidental, para salvaguardar as feitorias
comerciais costeiras portuguesas. Os portugueses haviam fincado raízes tanto na África Ocidental
quanto no Brasil, e criaram comunidades luso-africanas e luso-brasileiras cimentadas por casamento e
relações comerciais. Isso os ajudou a sobreviver aos desafios militares, especialmente da Companhia
Holandesa das Índias Ocidentais (que será abordada mais adiante). A forte ligação entre os enclaves
portugueses na África, as ilhas atlânticas portuguesas e o Brasil, além das viagens comparativamente
curtas e as conexões comerciais familiares transatlânticas, capacitaram as plantations brasileiras a
ultrapassar as caribenhas. Tais eventos forneceram uma fonte de capital, bem como de trabalho, e
levaram os comerciantes luso-africanos a permitir que os brasileiros comprassem escravos a crédito.3
Os produtores brasileiros introduziram inovações importantes na produção de açúcar. Uma
nova técnica, que utilizava três moendas girando em conjunto, impulsionou a produção individual dos
engenhos; curiosamente, este novo tipo de moinho foi trazido para o Brasil do Peru, onde havia sido
desenvolvido por trabalhadores indígenas para moer minério.4 A produção média anual de uma
propriedade açucareira no final do século XVI girava entre 15-24 toneladas em São Tomé, 23 toneladas
na Madeira, e 10,2 toneladas em Cuba. Por volta da mesma época, a produção de uma propriedade
açucareira brasileira (51) era várias vezes maior – na faixa de 69-87 toneladas.5 Estima-se que, em
1612, às vésperas da grande expansão, havia no Brasil 192 engenhos, e de vinte a trinta em Cuba e nas
demais ilhas. Por mais surpreendente que seja, o desenvolvimento brasileiro seria contido por uma
série de conflitos destrutivos, estimulados pela nova riqueza do açúcar. Dentro da colônia, a demanda
por trabalho do novo sistema foi atendida por meio da compra de mais cativos da África e pela

“The Expansion of the Sugar Market in Western Europe”, in Schwartz, Tropical Babylons, pp. 237–88. O autor fornece
informações fascinantes sobre o desenvolvimento da cultura do consumo de açúcar e os laços entre os comerciantes da
Itália e de Flandres com os produtores de açúcar do Atlântico português. Ele menciona a importância precoce do açúcar –
por exemplo, no início do século XVI – mas a evidência citada por ele sugere que o consumo de açúcar era um desejo da
elite antes de 1590, quando a produção brasileira começou a crescer. Por exemplo, as receitas de compotas e confeitaria
aparecem em meados do século XVII (pp. 146-7) e as refinarias se multiplicam nos Países Baixos após 1600 (p. 273). O
autor admite: “Pode-se até afirmar que o grande boom do açúcar ocorreu entre 1590 e 1630” (p 266).
3
Luiz Felipe de Alencastro, O trato dos viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul, São Paulo 2000. A evolução
posterior deste sistema de comércio está narrada em Joseph Miller, Way of Death: Merchant Capitalism and the Angolan
Slave Trade, Madison 1988.
4
António Barros de Castro, “Brasil 1610: mudanças técnicas e conflitos sociais”, Pesquisa e planejamento econômico, vol.
10, no. 3, 1980, pp. 679–712. Uma obra fundamental para a compreensão do desenvolvimento do açúcar brasileiro é Sugar
Plantations in the Formation of Brazilian Society, de Schwartz. Mas vale a pena também ver Stuart Schwartz, “Plantations
and Peripheries”, in Leslie Bethell, ed., Colonial Brazil, Cambridge 1987, pp. 67–144, 76.
5
Schwartz, Tropical Babylons, p. 18.
intensificação das incursões escravizadoras contra os povos nativos americanos. Os recrutamentos
forçados de mão-de-obra, organizados pelo novo sistema, enfrentaram a resistência dos indígenas e
africanos, que se juntaram em movimentos milenaristas de santidade, dando forma religiosa à sua
recusa de submeter-se aos bandeirantes e senhores. Ao engajar trabalhadores indígenas e africanos
lado a lado, e expô-los ao conhecimento da doutrina cristã, arriscava-se aliar a visão e o conhecimento
local dos indígenas com as qualidades marciais e a flexibilidade cultural dos africanos. A busca dos
tupinambá pelo espaço sagrado – a “Terra Sem Mal” – inspirou um desses movimento pela
“santidade”. Durante algum tempo, tolerou-se que o proprietário do engenho de açúcar de Jaguaripe,
Fernão Cabral, e sua esposa, oferecessem refúgio aos escravos fugitivos. As autoridades reais e os
jesuítas, que estiveram inúmeras vezes em desacordo, prontamente concordaram que esta seita
perigosamente herética tinha que ser combatida. Em Jaguaripe, o centro da idolatria foi desmantelado,
mas a heresia persistiu e se espalhou.6
As autoridades portuguesas criaram milícias e ofereceram o seu comando a chefes indígenas e
africanos capazes, mas tiveram o cuidado de organizá-las em destacamentos separados. Da mesma
forma, os mulatos foram organizados em esquadrões especiais, sob as ordens de um capitão de cor,
para caçar escravos fugidos e eliminar os quilombos que surgiram na selva. A riqueza do açúcar
também provocou conflito entre colonos e missionários jesuítas, levando as autoridades coloniais a
tentar mediar a situação entre ambos os grupos. Todavia, a Igreja no Brasil tinha uma capacidade ainda
mais fraca do que na América espanhola de regular a vida cotidiana. A Inquisição fez aparições
ocasionais no Brasil, mas não se estabeleceu, e a região de cultivo de cana-de-açúcar era considerada
particularmente negligente.7 A relativa fraqueza da Igreja e o ethos comercial do Brasil também
estavam associados a uma disposição à inovação, pelo menos, no final do século XVI e no início do
século XVII.
A preeminência portuguesa teve curta duração. Os comerciantes e capitães holandeses, ingleses
e franceses consideravam os comércios de açúcar e de africanos como ramos rentáveis de um comércio
qualquer, que não deviam ser deixados sob um injustificado monopólio português (e católico) – muitos
capitães franceses eram huguenotes. Os empreendedores coloniais destas nações chegaram a ver as
vantagens de comprar escravos que, arrancados (52) de seu local de nascimento, eram produtivos,
versáteis e resistentes às doenças ambientais. O tráfico português de longa data indicava que já havia
uma oferta de cativos para venda na costa africana.
A riqueza gerada pelo açúcar do Brasil tornou-se o alvo da Companhia Holandesa das Índias
Ocidentais (WIC). Seu primeiro ataque à Bahia, em 1624, foi repelido, mas uma segunda expedição,
em 1630, conquistou Pernambuco, no Nordeste, uma grande área produtora de açúcar. Os holandeses

6
Ronaldo Vainfas, “From Indian Millenarianism to a Tropical Witches’ Sabbath: Brazilian Sanctities in Jesuit Writings
and Inquisitorial Sources”, Bulletin of Latin American Research, 24/2 (2005): pp. 215–31.
7
Schwartz, All Can Be Saved, pp. 177–208.
também capturaram Elmina e outros fortes na costa africana. Alguns proprietários de engenho
cooperaram com os holandeses e permitiram que eles aprendessem as técnicas de cultivo e
processamento da cana-de-açúcar. Os holandeses eram bons na comercialização e competentes no
fabrico do açúcar, mas muitos não estavam dispostos a deixar sua terra natal próspera e tolerante para
residir nos trópicos. Sob o príncipe Johann Mauritz, o Brasil holandês prosperou por certo tempo, mas
as regras da Companhia eram ocasionalmente severas. Em 1644, uma revolta portuguesa levou à perda
de grande parte do interior produtor de açúcar, deixando os holandeses somente com acesso aos portos.
Os colonos holandeses tiveram dificuldade para prevalecer contra os portugueses, tenazes e
culturalmente mais enraizados e flexíveis, tanto no Brasil quanto na África. Os portugueses
mobilizaram os destacamentos de combatentes africanos e indígenas do Brasil numa campanha de
guerrilha que desgastou os holandeses. Uma expedição liderada por um brasileiro, Salvador de Sá,
retomou Luanda e Benguela, na costa angolana. Finalmente, a WIC se retirou do Brasil em 1654, mas
manteve uma grande participação no comércio da África (produtos variados, bem como escravos).
Já na década de 1640, alguns comerciantes e fazendeiros holandeses, incluindo os cristãos-
novos e os brasileiros que cooperaram com os holandeses, decidiram partir para Curaçao, Santo
Eustáquio e Barbados, em um movimento que ajudou a disseminar as habilidades do fabrico de açúcar
no Caribe. Os fazendeiros ingleses e franceses demonstraram ser excelentes alunos e logo
implementaram suas próprias melhorias. Ainda que a aquisição das técnicas de fabrico de açúcar
tenham representado uma grande ajuda, a guerra entre os holandeses e os portugueses reduziu a
produção brasileira e elevou os preços do açúcar europeu, o que forneceu um incentivo para outros
produtores.8
(53) A partir de meados do século XVII, a plantation escravista dirigiu o crescimento
econômico Atlântico. Os holandeses financiaram este desenvolvimento, mas não eram fortes o
suficiente para dominá-lo por muito tempo. Os Países Baixos eram relativamente pequenos e
vulneráveis. Apesar de possuírem uma marinha mercante e uma marinha de guerra formidável, a
atuação colonial exigia vultosos recursos e grande número de colonos. Os holandeses forneceram as
técnicas e os serviços comerciais aos ingleses e franceses, mas, como vimos, poucos emigrantes. A

8
Roger C. Batie, “Why Sugar? Economic Cycles and the Changing of Staples in the English and French Antilles, 1624–
1654”, in Hilary Beckles e Verene Shepherd, eds, Caribbean Slave Society and Economy, London 1991, pp. 37–55. John
McCusker e Russell R. Menard afirmam que o papel holandês em Barbados tem sido exagerado, e citam a participação
fundamental dos fazendeiros britânicos, notadamente Maurice Thompson, William Penoyer, Thomas Andrews, Richard
Bateson e Martin Noel. Estes são os mesmos homens identificados como “novos comerciantes” por Robert Brenner, em
Merchants and Revolution, Princeton 1993. Brenner salienta os laços estreitos que eles mantinham com os holandeses, por
isso é provável que tenham se beneficiado da experiência e do capital holandês, uma possibilidade que novas pesquisas
podem esclarecer. Uma das características notáveis de Barbados eram as centenas de moinhos de vento utilizados para
acionar a moagem da cana-de-açúcar. Enumerei abaixo algumas das características originais das plantations inglesas, e
concordo que o papel holandês não deve ser exagerado. Os próprios McCusker e Menard admitem: “Não temos interesse
em negar a contribuição dos comerciantes holandeses para a expansão do açúcar de Barbados”. Ver John J. McCusker e
Russell R. Menard, “The Sugar Industry in the Seventeenth Century: A New Perspective on the Barbadian ‘Sugar
Revolution’”, in Schwartz, Tropical Babylons, pp. 289–330, 295.
França e Inglaterra forneceram um número maior de colonos livres, que apreciaram as oportunidades
e a relativa liberdade das colônias. Aventureiros individuais deixaram os Países Baixos em direção a
Nova Amsterdam ou a Colônia do Cabo, e muitos marinheiros arriscaram a vida nos navios das
Companhias das Índias Ocidentais e Orientais. Mas, ao contrário da Inglaterra e da França, os Países
Baixos não produziram um fluxo seguro de trabalhadores – trabalhadores contratados ou engagés –
dispostos a vender três ou cinco anos de sua vida em troca da passagem para o Novo Mundo e da
esperança de, eventualmente, se tornarem pequenos agricultores. Eles persuadiram outros europeus a
ajudar a tripular seus navios, mas não conseguiram migrar em número suficiente para tornar viável o
Brasil holandês. (Os historiadores debatem por que os Países Baixos não conseguiram produzir um
movimento abolicionista, embora compartilhassem muitas das supostas precondições do
abolicionismo. Voltarei a esta questão na Parte IV, mas vale a pena considerar que a falta de vontade
dos holandes de migrar para o Brasil pode ter refletido um mal-estar de viver numa sociedade
escravista).9
As plantations escravistas britânicas e francesas prosperaram. Os fazendeiros de Barbados,
Jamaica e Virgínia, ou de Martinica, Guadalupe e Saint-Domingue, começaram a produzir dezenas de
milhares de toneladas de açúcar e milhões de libras de tabaco em resposta aos novos mercados de
massa para produtos exóticos do noroeste da Europa. Em 1670, a pequena ilha de Barbados produzia
tanto açúcar quanto o Brasil. A demanda por trabalho disciplinado cresceu rigorosamente à medida
que os comerciantes holandeses e ingleses tiveram acesso aos grandes mercados – os do norte da
Europa. A Espanha, como já vimos, carecia de mercado interno ou de recursos comerciais para
sustentar o desenvolvimento das plantations em grande escala. Todo o sistema de carrera, em que o
comércio das Índias era reservado à Casa de Contratación de Sevilha, foi projetado para excluir os
comerciantes estrangeiros. Portugal tinha um mercado doméstico ainda menor, mas tinha sido capaz
de transformar a produção brasileira graças aos comerciantes de Gênova, Antuérpia e Amsterdam.
Mesmo quando Portugal estava em guerra com a Holanda havia um comércio ativo entre os
comerciantes holandeses e portugueses.10
Os comerciantes ibéricos não possuíam nada que se comparasse às extensas redes que ligavam
Amsterdam, Middelberg, Londres e Bristol. Depois de 1660, as autoridades portuguesas foram
forçadas a organizar o seu próprio sistema de frotas para proteger os navios portugueses da captura e
assegurar o controle metropolitano. (54) Embora os comerciantes portugueses tenham sido capazes de
permanecer como fornecedores secundários de açúcar para os mercados europeus, eles não puderam
conter o desenvolvimento das plantations nas colônias inglesas e francesas. Os engenhos de açúcar no
Brasil – a palavra “plantation” ainda não era usada no Brasil – mantinham uma força de trabalho mais

9
Seymour Drescher, “The Long Goodbye”, in From Slavery to Freedom: Comparative Studies in the Rise and Fall of
Atlantic Slavery, London 1999, pp. 196–234.
10
C. R. Boxer, The Dutch War for Brazil, 1624–54, London 1957.
mista, com uma produção e produtividade menores do que as novas plantations que apareceram no
Caribe Oriental. Ainda que os melhores engenhos brasileiros produzissem cerca de 75 toneladas de
açúcar por ano, uma plantation de Barbados produzia 150 toneladas, e havia mais de 600 dessas
plantations nas década de 1670. A plantation de Barbados utilizava abundantemente implementos de
metal e empregava a força dos ventos ou da água nos moinhos ao invés da força animal, utilizada pelo
trapiche cubano ou o engenho brasileiro. As novas plantations inglesas e francesas estavam mais
integradas aos circuitos do Atlântico Norte do que os engenhos de açúcar do Brasil. No Caribe inglês,
as plantations combinaram o cultivo da cana-de-açúcar com o processamento do açúcar na fábrica,
atividades que muitas vezes estavam separadas no Brasil.
Enquanto as propriedades do Caribe dominaram a expansão açucareira do século XVIII, o
Brasil permaneceu sendo o terceiro maior produtor, ficando um pouco atrás dos britânicos e franceses.
Ele também continuou a ser um grande comprador de escravos da África. A descoberta de ouro no
Brasil na década de 1690 e no início de 1700 criou uma nova demanda pelo trabalho escravo, bem
como permitiu que Portugal, e sua enorme colônia, entrassem no seu próprio período barroco de
floração tardia. As fazendas do Brasil (engenhos de açúcar) não eram as mais modernas, mas elas
tinham baixo custo. No Brasil, os escravos podiam ser comprados por cerca de metade do preço pago
pelos fazendeiros do Caribe, devido ao menor tempo de navegação transatlântica, à “eficiência” das
redes de comércio luso-africanas, e ao seu sucesso de cultivar na África Ocidental um gosto pelo tabaco
impregnado de melaço. Os fazendeiros brasileiros ficavam felizes de fornecer este artigo e receber
escravos como forma de pagamento. Os luso-africanos de Angola – famílias que uniam ramos
mercantis portugueses e africanos – coordenavam grande parte do tráfico transatlântico da África.11
Eles mantinham a posse dos escravos, transportavam-nos para o Brasil, e só então colocavam-nos à
venda. Enquanto os luso-africanos desempenhavam um papel fundamental no tráfico de escravos
brasileiro, no Atlântico Sul os comerciantes portugueses adiantavam mercadorias para os afro-
brasileiros e utilizavam essa estratégia para manter o controle geral.
O padrão brasileiro de exploração escravista se espalhava por toda a colônia e abarcava uma
grande variedade de ambientes. As cidades brasileiras tinham muitos domésticos escravos e artesãos.
No século XVIII, os escravos eram amplamente utilizados para extrair ouro – essa atividade exigia que
ficassem muitas horas imersos na água gelada, o que levava muitos à morte. As taxas de mortalidade
nas plantations também eram muito altas, mas os fazendeiros decidiram reabastecer as suas turmas de
escravos com novas compras, em vez de aliviar a carga de trabalho. Em Minas Gerais, os escravos
também trabalhavam em grandes propriedades voltadas para a produção de alimentos básicos às
plantations, ao passo que no interior e no Sul os escravos eram comprados por criadores de gado.

11
Miller, Way of Death, pp. 245–83.
(55) A demanda por dinheiro, produtos exóticos e trabalho compulsório
A luta pelo controle do Brasil e as primeiras tentativas de cultivar tabaco, algodão e índigo para
os mercados europeus em qualquer outro lugar das Américas foram o sinal de uma expansão súbita da
demanda europeia. Os europeus não só desenvolveram um gosto por produtos exóticos, mas tinham o
dinheiro para comprá-los. A distinta combinação capitalista de produção de mercadorias com trabalho
livre assalariado, que operava em partes do noroeste da Europa, tinha definido o cenário para a
existência de algo muito diferente do outro lado do Atlântico. Pessoas que recebiam seus rendimentos
em dinheiro, fossem rendas, soldos ou salários, forneceram um mercado crescente aos produtos de
plantation.
Robert Brenner identificou a fatídica novidade da agricultura inglesa do século XVI: a ascensão
do fazendeiro capitalista arrendatário. Os fazendeiros arrendatários, que pagavam aluguel aos
proprietários, necessitavam produzir um excedente comercializável de trigo ou de lã. Uma vez que
extraíam seus rendimentos das vendas, eles se esforçavam para expandir sua produção, quer pela
contratação de trabalho e compra de insumos, quer pela utilização de melhores variedades de sementes
e melhores ferramentas. O proprietário também tinha motivos para investir em infra-estrutura, uma
vez que lhe permitiria cobrar aluguéis mais elevados. Os empregadores rurais tinham um incentivo
para aumentar a produtividade do trabalho por meio da inovação, pois os custos do trabalho eram um
item bastante pesado para o agricultor (em contraste, o proprietário europeu que utilizava servos
expandia a produção por meio da aquisição de mais aldeões que lhe entregavam seu trabalho, ou pela
extração de mais trabalho dos servos já existentes). A demanda rural ajudou a aumentar fortemente o
âmbito do mercado. As cidades da Europa a oeste do Elba muitas vezes dispunham de autorizações
que lhes concediam uma verdadeira autonomia. Esta situação era propícia para o surgimento do
capitalismo, mas o mercado urbano era limitado e a prevalência de alianças e de monopólios
comerciais agia como restrições. Os comerciantes que realizavam o comércio de longa distância
favoreciam um tipo de negociação que se baseava em pequenas quantidades e em preços elevados. O
comércio de especiarias da Ásia tinha esse caráter. Enquanto os mercados urbanos continuaram a se
expandir, o crescimento da agricultura capitalista e da indústria caseira gozaram de boa liberdade. O
comércio inglês de lã, bem como o comércio holandês de grãos e têxteis, refletiram uma nova escala
de trocas, que logo impôs uma crescente demanda pelos produtos das regiões subtropicais.12

12
Este é o resumo de um argumento complexo. Ver as contribuições de Robert Brenner a T. S. Aston, ed., The Brenner
Debate, Oxford 1986. Ver também Robert Brenner, “The Origins of Capitalism”, New Left Review 106 (julho-agosto 1977).
O argumento de Brenner é endossado e desenvolvido por Ellen Meiksins Wood em The Origins of Capitalism, London,
1999. [N. T. WOOD, Ellen Meiksins. A origem do capitalismo. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2001]. O início do capitalismo agrário na Inglaterra foi fundamental em termos de tamanho do mercado, de incentivo à
inovação e da consequente capacidade de crescimento sustentado. Mas houve certamente aspectos da Europa feudal e dos
negócios medievais que ajudaram a preparar esse avanço. A propagação do moinho de vento e do arado profundo ajudou
a aumentar a produtividade agrícola, ainda que a fraqueza comparativa e a fragmentação do estado feudal permitissem o
desenvolvimento de uma maior autonomia urbana. As práticas financeiras e as redes comerciais das cidades-estados
italianas, da Liga Hanseática,de Antuérpia e Amsterdam contribuíram para o desenvolvimento capitalista; mas em termos
(56) A crescente comercialização da economia rural criou oportunidades para o estado. O
regime Tudor, como outras monarquias europeias, tinha uma urgente necessidade de receitas, que,
eventualmente, foram levantadas com a dissolução dos mosteiros e com a permissão de que as terras
comuns e florestas reais fossem cercadas. As ondas de privatização na Inglaterra do século XVI só
foram possíveis porque o trabalho assalariado já era bastante comum na zona rural, e suas redondezas
já haviam se submetido à comercialização de longa distância da lã, dos produtos lácteos e do trigo. Os
cercamentos e as vendas das terras da Igreja expandiram o número de pessoas que precisavam vender
seu trabalho se quisessem alimentar a si e a suas famílias; eles também ajudaram a estimular a
emigração inglesa da zona rural. Enquanto muitas monarquias continentais imponentes caíram nas
garras de financistas e tributaram os fazendeiros, os Tudors acharam lucrativo isentar os proprietários
e seus locatários. A ascensão da agricultura e da manufatura capitalista libertou do resíduo de economia
natural e criou uma nova cultura de consumo. Os Países Baixos e partes do norte da França também
contribuíram para o consumo comercializado e a difusão do trabalho assalariado, mas estes
desenvolvimentos estiveram mais expostos e vulneráveis à pressão militar e fiscal do que na Inglaterra,
que contava com suas fortes defesas naturais.13
As figuras vigorosas do Gargantua de Rabelais e do Falstaff de Shakespeare podem, talvez, ser
consideradas como caricaturas dos novos apetites incentivados pela economia monetária, apenas
domesticadas de maneira diferente, uma pelos puritanos e outra pelo barroco. A princípio, os produtos
do Novo Mundo – não só a prata, mas o bacalhau seco, as peles e o tabaco – não eram fruto do trabalho
escravo, embora a cultura de consumo não se preocupasse em especificar a sua procedência exata. Mas
à medida que cresceu a demanda de índigo, tabaco e açúcar, um novo tipo de comerciante percebeu o
quão vantajoso seria obter fornecimentos constantes do Novo Mundo.
É conveniente esperar que Robert Brenner, autor de uma extraordinária síntese comparativa
das origens do capitalismo, também nos forneça um relato impressionante acerca dos “novos
comerciantes” que estiveram atentos aos primeiros sinais da demanda de massa. Considerando que,
anteriormente, os grandes comerciantes preferiam lidar com pequenas quantidades de produtos de
preço elevado, e desfrutar de monopólios estatais, os novos comerciantes holandeses e ingleses (57)
evoluíram para um sistema mais competitivo, que lidava com volumes maiores e preços mais baixos

de escala e de sustentabilidade, o desenvolvimento de uma forma de capitalismo rural na Inglaterra marca um avanço
qualitativo. Em relação às barreiras levantadas em outros lugares contra o capitalismo, ver, por exemplo, Eric Hobsbawm,
“The Crisis of the Seventeenth Century”, Past and Present 5 and 6 (1954). Ver também Luciano Pellicani, The Genesis of
Capitalism and the Origins of Modernity, New York 1993, para a contribuição das cidades, e Eric H. Mielants, The Origins
of Capitalism and the “Rise of the West”, Philadelphia PA 2007, para o Mercado mundial. Embora esses autores divirjam
sobre sua natureza precisa, eles consideram o capitalismo como um sistema econômico extremamente distinto. Gregory
Clark (A Farewell to Alms, Princeton NJ, 2007), a partir de uma categoria pouco rigorosa, elaborou especulações
fantasiosas sobre herança genética para explicar o crescimento sustentado da agricultura inglesa no período entre 1600 e
1800.
13
As características peculiares do absolutismo britânico foram expostas por Perry Anderson, em Lineages of the Absolutist
State.
(assunto que abordarei mais adiante). A expansão do capitalismo esteve associada à ascensão da
racionalidade experimental à custa do tradicionalismo e do maior cuidado na gestão do tempo. O
famoso argumento de Max Weber, segundo o qual a ética puritana do trabalho, a doutrina do “eleito”
e a ansiedade pela salvação ajudaram a promover as mentalidades racionalizantes, ainda tem força,
mesmo que permaneça difícil identificar com precisão a causa e o efeito. Os fazendeiros do Novo
Mundo também foram inovadores e adotaram uma abordagem racionalizante.14
Segundo E. A. Wrigley, o crescimento da plantation se deve, em parte, ao aumento da
produtividade e da monetização na Europa. Ele escreve:

A importação em larga escala de produtos como o açúcar ou o algodão estava condicionada a uma demanda
correspondente por tais produtos, ainda que para atender ao novo desejo de fumar tabaco, beber café adoçado
ou fornecer matéria-prima para uma florescente nova indústria têxtil. Tal demanda era maior e crescia mais
rapidamente num país como a Inglaterra, onde o constante crescimento da produtividade per capita na
agricultura havia permitido uma mudança da estrutura da demanda pelas necessidades e confortos, e até
mesmo luxos, do que num país como a Espanha, que tinha sido menos afortunado.15

Embora aceitando plenamente que os comércios de plantation refletiam a demanda


metropolitana, as plantations eram em si mesmas locais de uma revolução agrícola e de novas
abordagens acerca do cultivo tropical – infelizmente, de maneira fortemente associada ao trabalho
escravo. Tal situação mantinha uma estreita relação com as vantagens geográficas do Novo Mundo, a
eficiência das rotas marítimas que ligavam o Novo Mundo à Europa e a escassez de fontes adequadas
de trabalho.
Os produtos que não podiam ser cultivados na Europa tinham uma atração especial e atingiam
os melhores preços. O açúcar era classificado como um produto especial devido aos seus inúmeros
usos, bem como às suas supostas funções medicinais. Ele adoçava bebidas, bolos, doces e pudins.
Tinha propriedades conservantes e veio a ser amplamente utilizado na produção de cerveja. O glacê
no bolo de casamento ou de Natal nos lembra que seu significado cerimonial ainda persiste. Sua
contribuição puramente calórica (58) à dieta está muito aquém de todas estas considerações. O tabaco
não era tão versátil – embora pudesse ser mastigado ou aspirado, bem como fumado. Era uma droga
poderosa, mas, ao contrário do álcool, maconha ou cocaína, não confundia os sentidos ou tornava o
usuário mais vulnerável. Ainda assim, aqueles que ofereciam gratuitamente um cachimbo deveriam

14
Max Weber, The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism, London 1957.
15
E. A. Wrigley, “The Transition to an Advanced Organic Economy: Half a Millennium of English Agriculture”, Economic
History Review, 59/2 (2006), pp. 435–80, 242. O dinamismo da agricultura inglesa significava mais espaço para o setor de
não-subsistência. Há evidências de que a Inglaterra, no período de 1600 a 1800, se caracterizou pelo avanço tecnológico
dinâmico na agricultura e na manufatura, ver Gregory Clark, “The Long March of History: Farm Wages, Population, and
Economic Growth, England 1209–1869”, Economic History Review, 60/1 (2007), pp. 97–135. As plantations inglesas e
francesas também representaram um avanço em relação à escala de produção e de produtividade do trabalho, mesmo que
este último tivesse seus limites, como veremos a seguir. Os fazendeiros também compraram suprimentos e equipamentos,
de modo a bombear alguma demanda de volta para a economia metropolitana.
ser tratados com desconfiança. Os comerciantes que encorajavam jovens aprendizes a se mudarem
para as colônias de plantation, convidavam-nos primeiro para fumar numa festa, como uma forma de
convencê-los das delícias que supostamente encontrariam caso assinassem um contrato de trabalho.
Estimulantes adocicados num salão iluminado tornaram possível a cafeteria, bem como se
transformaram na peça central dos rituais domésticos.16 Uma nova corrente da filosofia inglesa alegava
que havia um direito natural à satisfação dos apetites naturais. Como Jeremy Taylor expôs: “O direito
natural é perfeito e me dá a liberdade universal de fazer tudo o que estiver ao meu alcance para me
proteger ou para me agradar. Os apetites mais refinados, originais e naturais, aos quais somos
obrigados a satisfazê-los, são um tormento contínuo e vão, se não forem aplacados, satisfeitos e
contentados. Tudo o que nós naturalmente desejamos, naturalmente, nos é permitido... Portanto, para
salvar minha própria vida posso matar outra ou vinte, ou cem, ou tomar de suas mãos para me agradar,
se isto estiver ao alcance das circunstâncias e do meu poder; e, assim, para comer, beber e ter
prazeres”.17 Este autor mais tarde insistiu que esses “direitos naturais” só deviam ser apreciados se
fossem compatíveis com a moralidade cristã e a lei positiva, mas ele ainda afirmou que, sujeito a esta
qualificação, muito poderia ser permitido e apreciado. Esta nova ênfase estava em desacordo com a
doutrina puritana, mas se harmonizou agradavelmente ao gosto pelos produtos de plantation.
Por causa dos ventos alísios, os produtos de plantations expedidos do nordeste brasileiro, no
Caribe Oriental e da Virgínia podiam chegar à Europa em pouco mais de um mês – metade do tempo
de navegação da costa da África Ocidental ou da África Central. As regiões do Caribe e das Américas
que foram escolhidas pelos fazendeiros eram férteis, e como eram distantes dos centros de poder
espanhol, também eram seguras. O impasse entre os colonos e os povos nativos americanos era
incômodo, e durante o primeiro meio século de contato ou um pouco mais o choque foi intermitente e
incontornável. Os fazendeiros eram exigentes: eles necessitavam de terra plana, com bastante água e
perto da costa. Os povos nativos que praticavam a agricultura itinerante e a caça logo aprenderam a ter
cuidado com os agressivos recém-chegados e tentaram manter o seu modo de vida nas extensas áreas
que os europeus ainda não tinham condições de colonizar.
As colônias de plantation do Novo Mundo estavam expostas a alguns perigos, mas eram muito
mais seguras do que as plantations na África. As companhias e os comerciantes europeus que tentaram
criar plantations na África enfrentaram não apenas o longo tempo de navegação, mas também a
mortalidade extremamente alta do ambiente epidemiológico desconhecido. As (59) companhias
europeias de tráfico de escravos construíram fortalezas e “feitorias” na costa africana, que somente
não foram destruídas graças aos acordos com os governantes locais. Elas comandavam uma pequena

16
Jordan Goodman, Tobacco in History: The Cultures of Dependence, London 1993; Sidney W. Mintz, Sweetness and
Power: The Place of Sugar in Modern History, New York 1985.
17
Jeremy Taylor, Ductor Dubitandum, London 1676, pp. 167–8, 184, citado em Tuck, Natural Rights Theories, pp. 111–
12.
faixa de território e ofereciam proteção somente contra outra fortaleza. Os tratados e as redes
portuguesas comerciais que adentravam o interior permitiam contatos mais extensos, mas isso ocorria
devido às alianças com os monarcas, como os reis do Congo.18
Se as regiões do Novo Mundo eram convenientes para a criação de plantations, os povos
indígenas eram tratados como um inconveniente notável. Barbados era desabitada, mas houve tensões
constantes com os povos caribenhos do restante do Caribe Oriental. Embora os franceses fossem
capazes de colonizar Martinica e Guadalupe, e os ingleses de desenvolver as plantations nas ilhas
Leeward, os caribenhos permaneceram hostis e invencíveis nas ilhas mais montanhosas até a década
de 1770. Os colonos ingleses da América do Norte acharam quase impossível integrar os nativos
americanos à sua própria cultura, mas não tiveram tanta dificuldade em fazê-lo com a sua terra.
Dezenas de milhares de contratos foram elaborados, nos quais os colonos norte-americanos e as
autoridades coloniais afirmavam que os chefes nativos venderam-lhes a terra tribal, não obstante o fato
de que tais chefes, mesmo que genuínos, não tivessem a autoridade para alienar qualquer território
ancestral. Na verdade, a relação dos nativos americanos com a terra, a flora e a fauna não se
conformava com as concepções inglesas acerca da propriedade individual permanente.19
Em contraste com a América espanhola, os nativos da América do Norte foram despojados e
deslocados ao invés de subordinados. Alguns líderes da sociedade colonial tentaram instruir os
indígenas nos princípios do cristianismo protestante, mas obtiveram resultados magros e temporários.
Enquanto a Espanha seguia uma política inclusiva em relação aos indígenas, os colonos ingleses
preferiam expulsar e excluir os povos nativos. Nas Américas espanhola e portuguesa, a tentativa de
construir uma hierarquia das identidades étnicas e de classe semelhante à de castas não impediu uma
verdadeira mistura étnica, numa escala que não se repetiria na América do Norte inglesa. O número de
homens excedeu fortemente o de mulheres entre os migrantes ibéricos às Américas. Em muitas partes
da América espanhola, a própria elite crioula possuía alguns descendentes de filhas de caciques
indígenas, e até mesmo alguns com bisavós negras. Por outro lado, dizia-se que qualquer branco de
linhagem cristã-velha (isto é, sem antepassados judeus ou mouros) seria considerado um fidalgo, ou
cavalheiro, nas Américas.
O conceito espanhol de limpieza de sangre tinha um equivalente direto – limpeza do sangue –
em Portugal. Como vimos no capítulo anterior, essa noção foi inicialmente implantada contra os
convertidos para afirmar o monopólio dos “cristãos-velhos” aos cargos públicos. No contexto do
colonialismo e da escravidão, ele visava aos indígenas, africanos (60) e seus descendentes. A prática
de dotar linhagens de sangue com significado moral harmonizou-se com a prática de escravizar

18
Alencastro, O trato dos viventes, pp. 70–7; Hugh Thomas, The Slave Trade: The History of the Atlantic Slave Trade,
1440–1870, London 1997, pp. 129–49.
19
O impacto devastador é exposto por William Cronon, Changes in the Land: Indians, Colonists, and the Ecology of New
England, New York 1983.
africanos e índios, porém ela correspondia mais a uma hierarquia oficial de castas do que a uma
construção racial generalizada, quase espontânea (como ocorreu nas colônias inglesas).
Os reinos espanhóis e portugueses eram uma confusão de jurisdições, não um espaço normativo
homogêneo. Embora as regras relativas à limpieza fossem opressivas e racializantes, elas também eram
uma miscelânea incoerente.20 Elas estabeleciam critérios ostensivamente religiosos – mas também
raciais – para a obtenção de um cargo público. Sancho Pança, ao se orgulhar de sua identidade de
cristão-velho, indica que um dos efeitos da limpieza, numa sociedade com forte consciência de sua
condição, era elevar os plebeus. Como ocorria com o escravo, o indivíduo contaminado não seria digno
de honra, mas entre os espanhóis e portugueses das Americas, aqueles com alguma ascendência de
converso ou escrava poderiam esperar ser gradualmente purificados da mancha, especialmente se
estivessem em condições de dar dinheiro para a Igreja. Os cristãos-velhos mantiveram o controle dos
postos de alto nível e da hierarquia da Igreja, mas alguns mulatos prósperos ou aqueles com um avô
converso podiam aspirar a um cargo na milícia. Embora um descendente de Montezuma pudesse ser
vice-rei da Nova Espanha, foi negada a limpieza à grande massa de plebeus de ascendência indígena.
Ao longo do tempo, a distinção entre peninsulares (de origem espanhola) e criollos (nascidos na
América) se tornou mais importante à medida que postos de alto nível estavam em questão.
A crescente importância das plantations brasileiras no final do século XVI e início do século
XVII perturbou a ordem racial oficial uma vez que, como mencionado acima, vários senhores de
engenho ricos possuíam ascestrais impuros ou conversos. O regime racial brasileiro era menos
ostensivo do que aquele que emergiu nas colônias inglesas e francesas. Por uma série de razões – maior
longevidade da colonização portuguesa, decisão dos fazendeiros brasileiros de viver em suas
propriedades e a relativa escassez de mulheres brancas – muitos dos homens de posse (homens bons)
do Brasil provinham de uma mistura racial. O historiador brasileiro Luiz Felipe de Alencastro escreve
que a “invenção do mulato” no Brasil foi uma conquista estranha, especialmente para uma sociedade
que se dedicava à limpeza do sangue – e cita o ditado do século XVII, segundo o qual o Brasil era “o
inferno dos negros e indígenas, o purgatório dos brancos e o paraíso dos mulatos”.21 No Brasil, os
bandeirantes rapaces, eles próprios racialmente misturados, empenharam-se em caçar povos indígenas
para escravizá-los. Os canaviais eram frequentemente cultivados por trabalhadores indígenas forçados,
bem como por escravos africanos. Mas a força de trabalho do engenho era portuguesa e africana.
Desde o início, a plantation inglesa foi um empreendimento original, que tinha pouco
intercâmbio com o seu contexto indígena e estava estritamente focada na produção (61) de
mercadorias. Nas primeiras décadas, os fazendeiros ingleses dependeram dos servos contratados

20
Para uma descrição informativa que relata minuciosamente a coerência da ordem racial portuguesa e suas implicações
para a escravidão, ver Maria Luiza Tucci Carneiro, Preconceito racial: Portugal e Brasil-colônia, São Paulo 1988 (2ª ed.),
pp. 43–174, 195–256.
21
Alencastro, O trato dos viventes, pp. 345–53.
importados, porque havia uma aguda escassez de trabalho nas colônias e os fazendeiros temiam o
poder dos trabalhadores livres durante o período crítico da colheita. Levou tempo para que os
fazendeiros descobrissem as vantagens dos escravos africanos. Por cerca de cinquenta anos, os
plantadores norte-americanos de tabaco compraram servos contratados brancos da Grã-Bretanha.
Durante este período, o número de negros livres na América do Norte era equivalente ao de escravos
e os primeiros gozaram brevemente de direitos semelhantes aos dos colonos brancos.22 Os nativos
americanos foram sistematicamente deslocados das suas terras, o que gerou uma boa quantidade de
terra disponível para os trabalhadores contratados que haviam recentemente conquistado a liberdade.
Os fazendeiros das colônias inglesas descobriram que, mesmo que um administrador de uma
grande propriedade oferecesse um bom salário, simplesmente não havia trabalhor assalariado
disponível para o trabalho básico de cultivar tabaco, açúcar ou índigo. Assim, só restavam os servos
contratados, que cumpriam o seu período obrigatório no Caribe, bem como na Virgínia e em Maryland.
Nos anos conturbados de 1620 a 1660, dezenas de milhares se inscreveram para o trabalho nas
plantations. Algo em torno de 170.000 a 225.000 emigrantes de todos os tipos deixaram as Ilhas
Britânicas rumo à América entre 1610 e 1660 – mais da metade deles era de servos contratados. Entre
110.000 e 135.000 foram para o Caribe, 50.000 para a Virgínia e de 20.000 a 25.000 para a Nova
Inglaterra. Muitos daqueles que navegaram para o Caribe pereceram antes de terem completado o seu
contrato, e muitos daqueles que sobreviveram partiram para a América do Norte ou retornaram à Grã-
Bretanha. O fato de que anualmente muitas centenas de navios eram necessárias para o transporte de
tabaco e açúcar das plantations para a Inglaterra indicava que havia passagens baratas na viagem de
ida. Os comerciantes ingleses ou capitães poderiam, consequentemente, cobrar preços baixos dos
contratos dos servos. Virgínia e Maryland incentivaram este tipo de trabalho pelo sistema “headright”,
que consistia em conceder um lote de terra àqueles que completassem o seu contrato. O número de
servos diminuiu depois de 1660 e pouquíssimos assinaram contrato para o Caribe, contudo mais de
30.000 se dirigiram para Virgínia entre 1660 e 1690, momento em que esse fluxo praticamente secou.
O fornecimento de engagés para as ilhas francesas era menor, mas chegou ao redor de 40.000
nos anos 1630-80. Embora a população da França fosse muito maior do que a da Inglaterra, sua
agricultura utilizava trabalho de forma mais intensiva. No momento da promulgação do Code Noir,
em 1685, os proprietários franceses estavam fortemente decididos a recorrer aos cativos africanos. Por
isso, a implementação posterior do código foi modificada pelos conseils de cada colônia. As
autoridades reais desconfiavam das inclinações huguenotes dos marinheiros e colonos franceses vindos
dos portos do Atlântico. O Code Noir reservou aos bons católicos o direito à propriedade colonial.

22
Ira Berlin, Many Thousands Gone, Cambridge MA 1998, pp. 29–46; Betty Wood, The Origins of American Slavery,
New York 1999.
Desde o início, cativos africanos haviam sido comprados dos comerciantes holandeses, ingleses ou
portugueses como uma força de trabalho compulsório suplementar.
(62) Conforme os assentamentos ingleses se difundiram, os confrontos com os indígenas às
vezes possibilitaram a aquisição de americanos nativos que estavam cativos. Depois de várias décadas,
em meados do século XVII, dezenas de milhares de prisioneiros haviam sido tomados, e – para se
livrar deles – despachados para a venda no Caribe. Mas os cativos indígenas não obtinham bons preços
e eram considerados inadequados como trabalhadores do campo ou artesãos. Independentemente do
fato de que não havia oferta regular, os homens não eram treinados para a agricultura e fugiam.
Todavia, ao final da Guerra do rei Felipe (1675-6) e em outros conflitos, muitos prisioneiros indígenas
foram enviados para o Caribe. Os comerciantes da Carolina do Sul fomentaram rivalidades entre
diferentes povos indígenas e abasteceram alguns com armas de fogo e munições, incentivando-os a
atacar seus vizinhos. Os cativos – homens, mulheres e crianças – adquiridos desta forma podiam ser
vendido no Caribe ou trocados por escravos africanos numa relação de dois indígenas para cada
africano. Os proprietários da colônia se preocuparam com o fato de que os comerciantes estavam
explorando a “cobiça do nativo por armas, pólvora, projéteis e outras mercadorias europeias” para
atacar seus vizinhos, “com o objetivo de violentar a esposa do marido, matar o pai para obter a criança
e queimar e destruir as habitações dessas pobres pessoas em cujo país fomos alegremente recebidos...
quando éramos fracos”.23 De uma forma ou de outra, dezenas de milhares de nativos americanos foram
vendidos como escravos aos fazendeiros, principalmente nas Índias Ocidentais. Eles podiam ser
utilizados em ocupações específicas, mas não eram a solução buscada para expandir a força de trabalho
da plantation. Antes de qualquer coisa, nessa época, havia somente cerca de meio milhão de
americanos nativos na América do Norte e apenas um pequeno número deles estava ao alcance dos
caçadores e comerciantes de escravos.
O número de escravos africanos ultrapassou o dos servos contratados brancos nas plantations
de Barbados já em 1650, na Jamaica por volta da década de 1670, e na Virgínia somente no início do
próximo século. O crescimento das plantations não se deveu à iniciativa estatal. Ele refletiu os esforços
competitivos e inovadores de centenas de comerciantes e milhares de fazendeiros, que se empenharam
para satisfazer aos apetites de desenvolvimento da sociedade civil. O tabaco tornou-se um artigo de
consumo de massa com pouco ou nenhum incentivo estatal e ajudou a tornar viável assentamentos
ingleses ou franceses que poderiam ter desaparecido. As plantations apareceram pela primeira vez
como resultado do financiamento comercial em áreas fora do alcance do poder espanhol. O enxame de
piratas e corsários ingleses, franceses e holandeses havia obrigado os espanhóis a se restringir a áreas
bem fortificadas do Caribe, onde pudessem contar com guarnições contra a pilhagem. Entre o Tratado
de Cateau-Cambrésis, em 1559, e o Tratado de Ryswick, em 1697, uma zona geográfica denominada

23
Alan Taylor, American Colonies: The Settling of North America, New York 2002, p. 231.
de “além da linha”, ou seja, a oeste do Meridiano e ao sul do Trópico de Câncer, estava excluída do
âmbito de aplicação dos tratados europeus. Foi nesta terra de ninguém que a nova plantation se
desenvolveu depois de 1630. Muitos daqueles que estavam inclinados a desafiar o poder espanhol,
(63) predadores ou colonos, eram protestantes e huguenotes. Devido às lutas internas, os governantes
da Inglaterra e da França não puderam dispensar muita atenção aos acontecimentos caribenhos de
meados do século e permitiram que as plantations se desenvolvessem, pelo menos por um tempo, sem
interferência. Colbert criou uma companhia colonial em 1664, que retirou dos holandeses o controle
comercial das ilhas francesas, mas a empresa logo foi dissolvida e substituída pelo sistema de Exclusif,
em que todo o comércio com as colônias era monopolizado por Bordeaux e Nantes.
Bristol e Londres competiam para se tornar o centro do novo desenvolvimento colonial. Os
novos comerciantes não deviam sua riqueza a patentes reais e monopólios. Eles atendiam à demanda
de massa e muitas vezes começaram como capitães de navio financiados por varejistas. Eles não
pertenciam às guildas de comerciantes, mas estavam em contato com os lojistas que vendiam a varejo
ou até mesmo estavam diretamente envolvidos neste tipo de comércio.24 Alguns dos novos
comerciantes também entraram no comércio africano e venderam escravos para fazendeiros por eles
financiados. Esses fazendeiros podiam ser parentes mais novos ou filhos jovens caça-fortuna da
pequena nobreza. Aqueles que desejavam fazer fortuna com a agricultura tinham uma mentalidade
diferente dos que se estabeleceram simplesmente para pilhar. Como os fazendeiros se estabeleceram
em áreas distantes do controle espanhol, os corsários e piratas focaram nas rotas de prata. Os sistemas
coloniais da Inglaterra e da França só entraram em cena depois das plantations, que, com a ajuda
holandesa, já estavam praticando um comércio estrondoso. A partir desta perspectiva, os fazendeiros
e comerciantes foram os primeiros motores, ao passo que o mercantilismo colonial foi uma
superestrutura secundária de exploração. As novas plantations escravistas caribenhas apareceram e
fizeram grandes avanços nos anos de 1630 a 1655, uma época em que os Estados inglês e francês
estavam distraídos e foram lentos para avaliar as implicações da revolução da plantation. Todavia, o
aumento espontâneo das forças de mercado logo desencadeou um impulso para regulá-lo e controlá-
lo. Os próprios fazendeiros necessitavam de um novo regime de lei e ordem. Eles também precisavam
de proteção contra os corsários inimigos e os piratas individuais. As colônias inglesas foram quase
desde o início dotadas de assembleias que podiam promulgar suas próprias leis internas.
As plantations já estavam florescendo em Barbados quando o governo da Commonwealth
inglesa estabeleceu pela primeira vez os Atos de Navegação, que limitavam o comércio aos navios
ingleses. A Commonwealth também embarcou no “desígnio ocidental” que levou à aquisição da

24
Robert Brenner, “The Social Basis of England’s Overseas Expansion”, Journal of Economic History 32 (1972), pp. 361–
84; Robert Brenner, Merchants and Revolution: Commercial Change, Political Conflict and London’s Overseas Traders,
1550–1653, Princeton 1993, pp. 30–9, 92–197; e David Harris Sachs, The Widening Gate: Bristol and the Atlantic
Economy, 1450–1700, Berkeley, CA e London 1991, pp. 251–77.
Jamaica em 1655. A assembleia de Barbados aprovou uma lei para “a melhor gestão dos negros”, em
1661. Os princípios dos Atos de Navegação foram confirmados na década de 1660, e restringiam o
comércio colonial aos navios ingleses e aos portos ingleses. A monarquia restaurada (64) incorporou
uma ordem colonial que incentivou fazendeiros independentes e novos comerciantes, apesar de
reconhecer alguns dos privilégios dos proprietários coloniais originais. A Revolução Gloriosa, de
1688, ajudou o segundo grupo a ser reduzido e confirmou uma margem generosa de autonomia
colonial. A Junta Comercial de Londres, sob a orientação de ninguém menos que John Locke, endossou
a feroz legislação da Virgínia para policiar os escravos, desencorajar a alforria e controlar ou reprimir
quaisquer negros livres.25
Por volta da década de 1660, os fazendeiros do Caribe inglês e francês tinham optado por uma
força de trabalho braçal quase inteiramente composta de cativos africanos, uma mudança de rota que,
mais tarde, também ocorreu na América do Norte, entre 1680 e 1710. Os fazendeiros achavam que não
fazia sentido econômico oferecer um preço melhor para uma oferta cada vez menor de trabalhadores
europeus contratados. Eles descobriram que eram vantajoso, em termos de mão-de-obra, prover suas
plantations com uma força de trabalho relativamente permanente e cada vez mais qualificada do que
com servos que só permaneciam alguns anos ou com cativos indígenas que não eram utilizados no
trabalho de campo e sempre eram propensos a fugir. Os cativos africanos já estavam acostumados às
rotinas agrícolas e tinham muito menos oportunidade de resistir ou fugir do que nativos americanos ou
os europeus. Eles já traziam, ou logo adquiriam, as habilidades necessárias para produzir os gêneros
comerciais básicos e atender à maioria das suas próprias necessidades de subsistência. Os proprietários
de escravos descobriram as vantagens daquilo que hoje os economistas chamam de “capital humano”.
Enquanto os servos contratados logo os abandonavam depois de aprenderem seus ofícios, o
conhecimento e a crescente habilidade dos escravos permaneciam em benefício de seus proprietários.
Os ingleses tomaram a palavra “negro” dos espanhóis e, com ela, a forma de pensar, que ligava
o negro à exploração escravista. No processo, a ideia do “negro” foi extraída de uma hierarquia
previamente elaborada e, finalmente, colocada em simples oposição aos “cristãos”, “ingleses” e
“brancos”. John Hawkins, o primeiro inglês traficante de escravos, frequentou as ilhas portuguesas e
espanholas do Atlântico e aprendeu a adquirir cativos africanos dos portugueses. As compilações dos
relatos de viajantes reunidas por Richard Hakluyt e Samuel Purchas ajudaram os leitores ingleses a
obter infrmações sobre a experiência da colonização ibérica. Mas, ainda que os ingleses e holandeses
tenham aprendido alguma coisa com os ibéricos, eles, por outro lado, deram um impulso mais vigoroso
ao desenvolvimento das plantations das Américas, baseadas no trabalho escravo. Eles também
trouxeram consigo uma noção bastante nítida de propriedade privada, e, uma vez instados pelos

25
Ver John Locke, Political Writings, edited by David Wooton, London 1993, pp. 446–51; David Armitage, The
Ideological Origins of the British Empire, Oxford 2000; e Blackburn, Making of New World Slavery, pp. 263–6.
pastores puritanos a evitar as uniões com “mulheres estranhas”, um sentido mais restrito da identidade
religiosa e étnica. Todavia, se os colonos tivessem filhos com mulheres nativas, eles seriam punidos
pelo crime, mas não incentivados a se casar com a mãe de seu filho, como a Igreja Católica (65)
ensinava, no século XVII, no Canadá francês ou na Martinica. Os ingleses, fazendeiros ou agricultores,
formavam comunidades de colonos cada vez mais homogêneas. Ainda que alguns protestantes alemães
ou holandeses pudessem ser admitidos, os povos nativos eram mantidos distantes à força. As inúteis
tentativas de converter os indígenas ou de convencê-los a se adaptar às normas culturais inglesas foram
pontuadas por conflitos armados. A adoção tardia da escravidão racial na Virgínia serviu ao mesmo
tempo para refletir e intensificar essa consciência etnocêntrica e racial; mas, é interessante notar que,
na Nova Inglaterra, a antipatia pelos pagãos e selvagens poderia gerar hostilidade à introdução de
escravos. Muitos se aventuraram no Novo Mundo em busca de terra e estavam bastante preparados
para trabalhar com suas próprias mãos.
A virada em direção à escravidão ocorreu em momentos diferentes nas diversas regiões. No
Caribe inglês ela já era bastante pronunciada por volta de 1670, ao passo que nas Antilhas Francesas
ela ocorreu um pouco mais tarde. Na Virgínia e em Maryland, a expansão do tabaco baseou-se
inicialmente no trabalho escravo e a difusão da plantation escravista ocorreu entre 1680 e 1710.
Servos contratados e escravos tinham a obrigação comum de trabalhar e não podiam ameaçar
abandonar o emprego ou exigir um salário melhor quando chegasse o momento da colheita. Mas os
fazendeiros descobriram vantagens significativas na compra de escravos, apesar de serem mais caros
do que os servos contratados. Como mencionado acima, as técnicas de cultivo e processamento eram
complexas e exigiam tempo para que fossem dominadas. Enquanto os servos contratados iam embora
depois de alguns anos, os escravos tornavam-se mais produtivos e valiosos. Além disso, em plantations
maiores, os novos escravos podiam trabalhar em turmas, sob a supervisão de um feitor, e constituir
uma poderosa força produtiva. Não se considerava adequado submeter os servos contratados, sob a
força do chicote, a este sistema . As turmas de escravos impulsionaram a produção por trabalhador e
deram às plantations escravistas uma vantagem sobre os cultivadores que não dispunham de
escravos.26
Essas vantagens “produtivas” decorriam do trabalho mais intenso do escravo. Mas os
fazendeiros alegavam que as vantagens dos escravos em relação aos servos contratados não paravam
por aí. Os europeus eram mais vulneráveis do que os africanos às doenças da zona de plantation e
podiam morrer antes do término de seu contrato. A resistência dos escravos tinha outra dimensão. Os
fazendeiros ou seus agentes nem sempre compravam provisões suficientes para os seus servos; já os
escravos, se lhes fosse dado um pequeno lote, eram mais propensos a produzir a maioria dos alimentos

26
Sobre a maior produtividade dos escravos em relação aos servos contratados, ver Lorena Walsh, “Slave Life, Slave
Society and Tobacco in the Chesapeake, 1620–1820”, em Ira Berlin e Philip D. Morgan, eds, Cultivation and Culture:
Labor and the Shaping of Slave Life in the Americas, Charlottesville, VA, and London 1993, pp. 170–201, 176.
que precisavam. As épocas de seca ou de peste eram especialmente difíceis para os trabalhadores
europeus. Os africanos eram mais propensos a deixar algo sempre reservado, em parte porque estavam
mais familiarizados com as culturas sub-tropicais e em parte porque não contavam com a benevolência
do fazendeiro. Consequentemente, em tempos de seca e escassez – um problema particular (66) nas
ilhas do Caribe – a condição dos escravos podia parecer comparativamente melhor, pois eles
dispunham da vontade e da capacidade de cuidar de si mesmos. Por vezes, alguns observadores
sugeriram que os servos contratados eram tratados de forma semelhante ou pior que os escravos. Os
aprendizes e marinheiros europeus podiam ser castigados fisicamente por seus senhores e os servos
contratados podiam, ocasionalmente, ser açoitados, embora certamente não de forma tão sistemática
ou dura como os africanos. Todavia, os tratamentos que os fazendeiros dispensavam aos servos
contratados eram contidos pela opinião de outros colonos livres, pelo costume e pelo contrato.
Os servos contratados da Virgínia tinham condições de processar seus senhores devido aos
maus-tratos e houve muitos milhares de casos no século XVII. Os escravos nas colônias inglesas não
dispunham desse recurso e não havia contratos aos quais se pudesse recorrer. As plantations de
pequeno e médio porte sobreviveram e até floresceram nas colônias norte-americanas e a introdução
da escravidão foi mais lenta. Os fazendeiros da Virgínia e de Maryland tinham propriedades menores
do que os fazendeiros do Caribe. Eles empregariam de oito a quinze escravos num único grupo de
trabalho, sob a sua vigilância, e apenas algumas propriedades possuiriam mais de cem escravos, como
era típico ocorrer nas plantations de açúcar das Índias Ocidentais.
Com a introdução dos escravos criou-se um padrão de trabalho mais intenso, com menos
feriados e a adoção do trabalho noturno. Os domingos permaneceram livres e não havia folga no Natal
e na Páscoa. Os fazendeiros e os próprios feitores adoraram essas mudanças, mas os escravos souberam
rapidamente converter em costume qualquer concessão. Os feitores mais experientes, que respeitavam
tais tradições, obtinham mais trabalho dos escravos. Se houvesse uma cultura valiosa para ser colhida
num domingo, seriam exigidas recompensas extras. Os fazendeiros também procuraram extrair mais
trabalho de seus escravos, adotando culturas secundárias e de subsistência que não interferissem no
cultivo do produto principal. A atribuição de “tarefas” calculadas cuidadosamente era outro dispositivo
para mobilizar o trabalho escravo. Este método permitia ao escravo uma pequena margem de manobra
e de negociação, mas, desde que exercido por um feitor competente, entregava ao fazendeiro os
resultados almejados. As “ilhas de açúcar” também produziam um pouco de algodão e índigo e
possuíam currais de gado para fornecer energia animal, carne e estrume. Na Virgínia e em Maryland
os escravos foram destinados ao cultivo do trigo e aprenderam a usar o arado de forma eficaz.27
A mistura precisa dos vários motivos que contribuíram para a aquisição de escravos variou de
lugar para lugar e de um período ao outro. Estes motivos, obviamente, foram muito consideráveis na

27
Walsh, “Slave Life, Slave Society, and Tobacco Production in the Tidewater Chesapeake, 1620–1820”.
zona de plantation no século XVII e ajudaram a elevar os preços dos escravos. Mas os empregadores
potenciais de outras partes das Américas não compravam escravos porque não podiam pagá-los ou
porque, talvez, a família, a liberdade, a dignidade ou o trabalho contratado podiam satisfazer as suas
necessidades. A escravidão da plantation criou novas versões (67) de estereótipos raciais e de antipatia
– mas isso também poderia desencorajar o recurso ao trabalho escravo onde o trabalho livre foi
implantado.
Enquanto as autoridades reais espanholas, portuguesas e francesas tinham um poderoso
aparelho administrativo no Novo Mundo e um desejo de regular as relações raciais em suas colônias,
o regime racial das colônias inglesas surgiu de maneira relativamente não-planejada. É verdade que a
Real Companhia Africana deteve por um tempo o monopólio da importação de escravos para as
colônias inglesas, mas ela atendia a uma demanda já existente. Quando os fazendeiros e os seus
companheiros colonos brancos adotaram a regra de que os filhos de mães escravas também seriam
escravos, eles estavam seguindo a prática ibérica e o Direito Romano (ao invés de adotar a observância
da linhagem masculina, da Common Law inglesa). A prática colonial inglesa da “regra de uma gota”
– qualquer pessoa com um mínimo de ascendência africana era “negra” – era peculiar. As várias
assembleias coloniais adotaram rapidamente uma legislação escravista repressiva e racializada, que foi
ratificada pela metrópole posteriormente. Charles Mills escreveu a respeito de um “contrato racial”
que moldou a ordem social colonial.28 Obviamente, tratava-se de um contrato exclusivo da população
branca. Ainda que os homens mais poderosos tivessem a última palavra em tais regulamentos, os
brancos mais pobres receberam certa participação numa ordem racial que reservava a labuta mais
difícil aos “negros”.

As novas plantations
Alguns elementos da “revolução industrial” foram antecipados pela plantation do Novo
Mundo. O implacável, facilmente vigiado, perigoso e profundamente insalubre regime do engenho de
açúcar foi um prenúncio sombrio dos primórdios da fábrica de algodão. Ambos impiedosamente
consumiram as vidas de homens, mulheres e crianças. A plantation de açúcar e o início das cidades
industriais que processavam algodão tiveram as mesmas altas taxas de mortalidade; sem novos
abastecimentos de trabalhadores, elas teriam rapidamente diminuído de tamanho. Ambas funcionaram
efetivamente sem controle algum e estiveram atreladas à expansão aparentemente ilimitada da
demanda.29

28
Charles Mills, The Racial Contract, Chicago 1998.
29
Para uma comparação das taxas de mortalidade entre Leeds e uma paróquia da Jamaica no início do século XIX, ver
Michael Craton, Searching for the Invisible Man: Slave and Plantation Life in Jamaica, Cambridge, MA, 1978, pp. 94,
116.
Os elementos da modernidade na plantation passaram a incluir uma coordenação rigorosa, um
ritmo definido por máquinas, precisamente calibradas, trabalho vigiado e a utilização da energia eólica
e hidráulica. Os instrumentos físicos e humanos foram financeiramente amparados por cartas de
crédito, extensas redes de confiança, seguro e um consumismo voraz, mas alheio. Algumas destas
características decorriam do fato de que a plantation escravista foi construída pelo e para o mercado,
com o objetivo de maximizar a produção de mercadorias, desde que este processo produzisse um
excedente de receitas em relação aos custos. Obviamente, a propriedade escrava era baseada numa
“economia natural” e auto-suficiente, que reduzia a necessidade de aquisições extras. Os escravos
cultivavam alguns dos seus próprios alimentos, faziam sua própria roupa simples, (68) construíam os
edifícios da plantation, cuidavam do seu senhor e de sua família e alimentavam os seus próprios filhos,
tudo isso sem o fazendeiro gastar um centavo. Mas, ainda que a “economia natural” limitasse as
compras do fazendeiro, a plantation ainda necessitava de muitos insumos produtivos, que muitas vezes
tinham de ser comprados – equipamento, enxadas, pregos, materiais para embalagem, provisões
adicionais para os escravos (carne seca ou peixe), tecidos, e, o item mais caro, os próprios escravos.
Alguns salários e impostos tinham que ser pagos e, no longo prazo, a plantation escravista tinha que
justificar suas despesas pela geração de algum lucro. Ao contrário da propriedade feudal ou da
hacienda hispano-americana, sua organização interna estava profundamente penetrada por uma lógica
comercial, e o processo direto de produção era supervisionado pelo proprietário ou o seu agente.
Diferentemente de uma empresa moderna, a plantation poderia permanecer por alguns anos protegida
pela couraça da sua “economia natural”, com seus habitantes, suas fazendas satélite e currais vivendo
da produção de subsistência.30 Ela poderia sobreviver à interrupção das rotas marítimas em caso de
guerra, mas a médio ou longo prazo era vulnerável à execução hipotecária ou à falência. Em suma, ela
foi um tipo híbrido de empresa, com características modernas (orientada para a “planta” industrial),
mas estava baseada na coerção extra-econômica.
Os primeiros fazendeiros de Barbados, das décadas de 1630 e 1640, tinham aprendido com os
portugueses e holandeses a comercializar escravos, bem como a fabricar açúcar. As plantations dos
proprietários ingleses eram mais produtivas e “modernas” do que as do Brasil, utilizavam moendas de
metal, dividiam os escravos em turmas, de campo e de engenho, e empregavam poucos ou nenhuns
trabalhadores nativos americanos. Nas ilhas em que as terras eram escassas, os canaviais eram
adubados para manter a sua fertilidade. Mas o segredo do grande aumento de produção das plantations
devia-se ao fato de que o trabalho das turmas de escravos poderia ser bem coordenado e dirigido em
tempo hábil para as tarefas mais urgentes. Os manuais de gestão de plantation salientavam que os
escravos que trabalhavam em grupos poderiam ser mais facilmente vigiados pelos capatazes e feitores,
estes últimos equipados com chicotes, espadas e armas. O plantel de escravos era geralmente dividido

30
Jacob Gorender, O escravismo colonial, São Paulo 1988, pp. 81–3, 142.
de acordo com a idade e a força, em três ou quatro turmas. Cada turma poderia, então, estabelecer um
ritmo formidável, com a mais forte ditando o passo. Durante a época de colheita, os escravos de uma
plantation de açúcar trabalhavam à noite no engenho, bem como durante o dia, com dias de trabalho
extraordinariamente severos, numa rotina que chegava a dezoito horas diárias. Para evitar perdas por
qualquer interrupção, o feitor tinha como objetivo manter o açúcar fervendo nos tachos de cobre vinte
e quatro horas por dia. As exigências de trabalho numa plantation de tabaco eram divididas mais
uniformemente ao longo do ano, mas ainda havia o trabalho noturno, quando cuidava-se da qualidade
do tabaco ou debulhava-se o milho, mas não havia necessidade de uma mobilização vinte e quatro
horas por dia, como ocorria na plantation de açúcar.31
(69) O dia de trabalho na plantation estava dividido em períodos ou horas, sinalizados pelo
toque dos sinos ou pelo sopro de um chifre, como num navio. Na verdade, a direção metódica do
trabalho na plantation devia algo tanto à rotina marítima quanto aos exercícios militares no campo de
manobra, executados durante a “revolução militar” que ocorreu na Europa, no século XVII.32 A
disciplina militar visava incutir nos soldados novas noções de marcha e contra-marcha, de modo a
torná-los capazes de recarregar os mosquetes numa série de movimentos padronizados. O príncipe
Mauritz da Casa de Orange, tio do governador do Brasil holandês, foi o pioneiro desta revolução
militar, e tanto o Novo Exército Modelo quanto a Marinha de Cromwell também aprenderam com ele.
Obviamente, a coordenação da plantation refletia as práticas africanas, bem como as europeias.
A ferramenta europeia crucial de cultico era o arado, puxado por um cavalo ou um boi. A
agricultura africana frequentemente incorporou cultivos itinerantes e era baseada em equipes de
trabalho que empregavam enxadas. Na maior parte da África Subsaariana não havia animais de tração
adequados e o solo seria esgotado muito rapidamente pelo arado profundo. Todavia, turmas de trabalho
equipadas com enxadas e divididas por grupos etários e de parentesco eram ritmadas e produtivas. Os
escravos do Novo Mundo prontamente trabalharam com a enxada, mas foram muito resistentes ao
arado. E, conforme eles trabalhavam, geralmente cantavam, assim como as turmas de trabalho na
África, e suas canções, por vezes, satirizavam o feitor ou o administrador.33

31
O primeiro manual a recomendar e explicar a divisão da força de trabalho em turmas foi de Henry Drax, “Instructions
for the Management of Drax Hall”, citado por Gary Puckrein, Little England: Plantation Society and Anglo-Barbadian
Politics, 1627–1700, New York 1984, pp. 82–3; em relação às turmas de escravos nas ilhas francesas, ver Gabriel Debien,
“Les esclaves”, in Pierre Pluchon, ed., Histoire des Antilles et de la Guyane, Paris 1982, pp. 141–62. Um historiador
brasileiro enfatiza a importância crucial da coordenação e do controle do trabalho encontrados nas plantations inglesas a
partir de década de 1660: ver Rafael de Bivar Marquese, Feitores do corpo, missionários da mente: Senhores, letrados e o
controle dos escravos nas Américas, 1660–1860, São Paulo 2004, pp. 19–86. Os fazendeiros norte-americanos foram mais
lentos na adoção da turma de escravos, uma vez que obtinham bons resultados com o sistema de tarefas, tanto no cultivo
do arroz quanto do tabaco. Para a evolução do sistema de turmas e de tarefas na América do Norte inglesa, ver Philip D.
Morgan, Slave Counterpoint: Black Culture in the Eighteenth-Century Chesapeake and Lowcountry, Chapel Hill 1998, p.
179. A turma de escravos tornou-se crucial nas plantations de algodão do Sul dos Estados Unidos no período antebellum,
e sua importância econômica está no centro do argumento desenvolvido por Robert Fogel e Stanley Engerman, Time on
the Cross, New York 1974.
32
William McNeil, The Pursuit of Power, Chicago 1982, pp. 126–33.
33
Para o contraste entre o arado na Europa e a enxada na África ver Jack Goody, Technology, Tradition and the State in
Africa, Cambridge 1971. Para as turmas de trabalho na África, ver John Van D. Lewis, “Domestic Labor Intensity and the
Não obstante as longas horas no campo e no engenho, esperava-se que os escravos cultivassem
a maior parte dos alimentos que eles comiam. Eles recebiam pequenos lotes longe da plantation para
cultivar aos domingos, e, à noite, se não estivessem trabalhando no engenho. Os velhos e doentes às
vezes cuidavam de galinhas e pequenos jardins próximos às senzalas. A fome e a preocupação do
escravo pelos entes queridos reduziam os gastos com as provisões – embora normalmente os escravos
não conseguissem sobreviver com o que eles mesmos produziam, o que os obrigava a continuar
dependentes do fazendeiro para as porções extras de carne seca ou peixe. O fazendeiro ou feitor, muitas
vezes, entregava porções de alimentos, roupas e rum aos (70) chefes para que as distribuíssem e
reforçassem assim a hierarquia interna da plantation. Nas propriedades açucareiras, os escravos
podiam beber o caldo de cana, uma fonte de calorias. A taxa de extração de trabalho alcançada pela
plantation escravista com o seu trabalho de turmas e auto-provisão era extraordinariamente alta.
Enquanto o servo da Europa Ocidental podia trabalhar três ou quatro dias para o seu senhor, e muito
menos no inverno, o escravo da plantation trabalhava seis dias por semana e por um tempo muito
maior durante o ciclo do plantio e da colheita. Os escravos trabalhavam cerca de 2.500 ou 3.000 horas
por ano diretamente para o seu senhor.34
A multiplicação das plantations de açúcar no Caribe aumentou a produção abruptamente e os
novos métodos fizeram crescer a produção por propriedade. Nas primeiras décadas do século XVIII,
uma propriedade de açúcar de Barbados ou da Jamaica produzia 150 toneladas de açúcar anualmente,
em comparação com as 75 toneladas de uma propriedade brasileira do século XVII. Nos anos 1780, o
proprietário de Worthy Park, uma grande propriedade com um plantel de 400 escravos, viu sua
produção atingir 400 toneladas por ano, e em anos de preços elevados (principalmente de 1792 a 1814)
ela ultrapassou consideravelmente essa meta.35 No início do século XVII, o escravo em uma
propriedade cubana de açúcar estava produzindo cerca de um terço de uma tonelada de açúcar por ano.
J. R. Ward apresentou alguns cálculos para as plantations das Índias Ocidentais britânicas do final do
XVII ao início do século XIX, e eles indicam que um escravo produzia em média pouco menos de
meia tonelada de açúcar por ano. Não é fácil comparar um exemplo com outro, uma vez que a cana
recém-plantada em terras novas apresentaria um rendimento melhor; a cana soca seria cortada por mais
de vinte ou trinta anos e seus rendimentos apresentariam declínio. Para compensar, os fazendeiros
melhoravam seus métodos de produção, abriam novas terras para o cultivo ou aumentavam a produção
de produtos secundários. Entre o final do século XVII e o início do século XIX, a produtividade tinha

Incorporation of Malian Peasant Farmers into Localized Descent Groups”, American Ethnologist 8/1 (Fevereiro 1981), pp.
53–73.
34
Um dos melhores estudos sobre o Caribe inglês do século XVII é de Richard Dunn, Sugar and Slaves, London 1975.
Para os novos métodos agrícolas, ver também David Watts, The West Indies: Patterns of Development, Culture and
Environmental Change since 1492, Cambridge 1985, pp. 212–32, 319–447. Ver ainda Making of New World Slavery,
Capítulos 6 e 8, e Hilary Beckles e Verene Shepherd, eds, Caribbean Slave Society and Economy: A Student Reader,
Kingston and London 1991.
35
Craton, Searching for the Invisible Man, pp. 138–40. Notar que os dados de Craton são apresentados em barricas de 16
cwt, com 20 cwt por tonelada.
se elevado para uma tonelada por escravo; em seus melhores anos, Worthy Park registrou duas
toneladas de açúcar por escravo.36 David Watts indica que houve problemas de produtividade no
Caribe inglês, e Stuart Schwartz insiste que, em seus primórdios, a “revolução açucareira” inglesa só
havia aumentado em cerca de 20% a produção por escravo.37 As propriedades inglesas das Índias
Ocidentais produziam e vendiam melaço e rum, bem como açúcar mascavo e refinado. Na verdade, a
venda de melaço e rum para os comerciantes norte-americanos, muitas vezes, eram suficientes para
pagar as compras diretas de provisões e equipamentos da plantation, permitindo assim que o
fazendeiro auferisse lucros grandiosos com as vendas de açúcar.
(71) Os fazendeiros estavam perseguindo lucro, não produtividade. Eles expandiram o tamanho
de suas propriedades, ainda que o transporte da cana por distâncias mais longas reduzisse o teor de
açúcar. Eles também precisavam de um grande plantel de escravos, o suficiente para trazer e processar
a colheita, mesmo que isso significasse um pequeno excesso de escravos fora dos seis meses da época
de colheita. Embora a plantation se assemelhasse a uma fábrica, na qual os trabalhos sobre a cultura
principal eram supervisionados pelo fazendeiro, havia certa rigidez sobre ela que tornava difícil
aumentar a produtividade. Os fazendeiros se queixavam de que os escravos permaneciam ligados à
enxada e trabalhavam mal se acaso utilizassem o arado.38 Em qualquer momento, pelo menos metade
dos fazendeiros ingleses das Índias Ocidentais estavam ausentes de suas propriedades, e suas tentativas
de introduzir novas variedades de culturas ou métodos avançados foram vacilantes e ineficazes. Eles
iniciaram a revolução da plantation, mas descobriram que outros exploravam mais completamente as
suas possibilidades. Nas últimas décadas do século XVIII, havia muita preocupação com o
“melhoramento”, um termo que abrangia tanto medidas destinadas a promover as escravas a ter mais
filhos quanto melhorias agrícolas.39
O cultivo inglês, portanto, pouco devia às companhias régias coloniais. A Real Companhia
Africana, com seu monopólio do tráfico de escravos, criou fortalezas na costa africana e forneceu
crédito a alguns fazendeiros influentes. Provavelmente, ela ajudou a consolidar a presença inglesa no
tráfico, mas em pouco tempo tornou-se o alvo de fazendeiros que estavam à procura de preços mais
baixos e fornecimentos maiores, e dos comerciantes “contrabandistas”, que consideravam uma
injustiça o monopólio da Companhia. Entre 1690 e 1713, o parlamento recebeu centenas petições de
comerciantes que atuavam em portos menores solicitando o fim dos privilégios remanescentes da
Companhia e de seu monopólio. Esta agitação obteve sucesso e provou-se que o “livre-comércio”
assegurava um tráfico de escravos muito maior.40

36
J. R. Ward, “The Profitability of Sugar Planting in the British West Indies, 1650–1834”, in Beckles e Shepherd, eds,
Caribbean Slave Society and Economy, pp. 81–94.
37
Schwartz, Tropical Babylons, Introduction, pp. 19–20.
38
Watts, The West Indies, pp. 403–4, 429. Discuto os limites aos ganhos de produtividade em Making of New World
Slavery, pp. 332–44.
39
J. R. Ward, British West Indian Slavery, 1750–1834: The Process of Amelioration, Oxford 1988.
40
K. G. Davies, The Royal African Company, New York 1970, pp. 122–52.
O crescimento da plantation no Caribe britânico surgiu após o eclipse da companhia. A
vitalidade do sistema de plantation inglês resultou da livre iniciativa e da ascensão de um novo tipo de
sociedade de consumo. Ela encarnava o espírito dos primórdios do capitalismo, com seu cálculos de
custos e antecipação de demanda do mercado. Os milhares de navios oceânicos necessários para os
vários tipos de comércio do Atlântico tornaram-se cada vez mais especializados e de baixo custo. As
autoridades imperiais perceberam que não obteriam uma receita maior caso aumentassem as taxas
sobre as importações, mas, ao contrário, se interferissem o mínimo possível. O sistema “drawback”
permitia que as mercadorias trazidas para a Grã-Bretanha, mas que eram destinadas à reexportação –
como o tabaco da Virgínia – fossem mantidos nos entrepostos aduaneiros e pagassem uma taxa de
imposto mais baixa. O Exclusif francês funcionava de modo semelhante.
Se a plantation foi uma instituição fundamental para a ascensão da escravidão no Novo Mundo,
a mesma importância deve ser atribuída ao navio negreiro que transportou os cativos através do
Atlântico. Os reis e os comerciantes da costa africana eram bem conscientes de que os navios europeus
lhes permitiam colher os lucros produzidos pelo valor diferencial dos cativos na costa africana e esses
mesmos cativos nos mercados de escravos das Américas. As tentativas dos monarcas africanos de
comprar ou arrendar embarcações à vela capazes de cruzar o Atlântico sempre malograram.
Posteriormente, os navios negreiros tornaram-se muito hábeis em transportar um grande número de
cativos e acondicioná-los mais densamente do que era considerado adequado aos brancos, mesmo que
estes últimos fossem servos contratados. Na verdade, a típica relação de passageiros por tonelada de
um navio negreiro carregado era três vezes maior do que a de um navio de passageiros que transportava
migrantes europeus. As condições atrozes da viagem elevaram a mortalidade entre os cativos, mas não
o suficiente para anular o lucro a ser obtido com a sobrecarga, que diluía e reduzia o custo de frete por
unidade. Os traficantes de escravos sabiam que a doença era susceptível de levar à morte um décimo
ou mais daqueles que eles transportavam. O desrespeito racial e o cálculo econômico ajustavam-se
ordenadamente. Os tubarões do Atlântico também viam uma oportunidade e seguiam na esteira dos
navios negreiros.41
Os marinheiros europeus consolavam-se com a noção de um destino ou fortuna inconstante,
que poderia abater um homem, mas também levantá-lo. Os marinheiros portugueses, holandeses e
ingleses contavam com uma remuneração razoável e chances de negociar por conta própria
(geralmente em produtos africanos ou caribenhos, não escravos). Assim como ocorria com os cativos,
numa embarcação do tráfico de escravos, os marinheiros também estavam mais propensos a morrer
durante a viagem. Um marinheiro podia ser capturado por piratas da África do Norte, ser vendido como
escravo ou, se tivesse sorte, ser resgatado pelas sociedades de caridade que existiam para esse

41
Marcus Rediker, The Slave Ship, London 2007, pp. 37–9.
propósito.42 No Robinson Crusoe, de Daniel Defoe, o herói é ele próprio escravizado antes de escapar
e construir uma plantation no Brasil. A evocação da “roda da fortuna” caprichosa tornava mais fácil
assumir riscos e estoicamente suportar as desgraças dos outros.

Os franceses superam os ingleses


Luís XIV, o Rei Sol, foi perturbado pela riqueza e obstinação dos fazendeiros franceses e
determinou que eles se sujeitassem à Companhia das Índias Ocidentais. Esta companhia, idealizada
por Colbert, o arqui-mercantilista ministro das Finanças, durou apenas uma década, de 1665 a 1674,
mas durante esse tempo ela rompeu os laços dos fazendeiros com os comerciantes holandeses e
garantiu que a produção das plantations fosse transportada em cascos franceses para Bordeaux ou
Nantes, mesmo que fossem posteriormente (73) reexportados. Todavia, Colbert compreendeu que o
comércio colonial seria beneficiado se fosse libertado do controle da companhia, ainda que mantido
estritamente limitado aos portos franceses. Os colonos franceses de Saint-Domingue pensavam em si
mesmos como uma comunidade corsária autônoma que, voluntariamente, se submeteu à Coroa. Mas
eles ainda precisavam da proteção e da legislação francesa para codificar a propriedade escravista e o
trabalho de plantation. Consciente do sucesso de Barbados, Luís XIV e seus ministros estavam
dispostos não só a conceder certa autonomia aos fazendeiros, mas também privilégios especiais e
assistência para o desenvolvimento da plantation. Na verdade, o novo modelo de plantation escravista
estava sendo levado para um estágio mais avançado de desenvolvimento nas colônias francesas
caribenhas.
Saint-Domingue tornou-se a mais rica colônia europeia no Novo Mundo por volta de meados
do século XVIII. O absolutismo francês conseguiu realizar uma síntese do mercantilismo colonial, da
escravidão de plantation e do espetáculo barroco. Para promover suas ambições no Novo Mundo,
Louis XIV reforçou Saint-Domingue e construiu uma frota de cem navios de linha. O recrutamento
para a marine de guerre foi promovido de forma eficiente, por meio da assim chamada inscription
maritime, que estabelecia a obrigação do serviço naval para os marinheiros e causava menos atrito do
que o infame sistema de recrutamento forçado da Grã-Bretanha.
A corte, em Versalhes, desempenhou seu papel na promoção dos produtos coloniais, servindo
como um elegante balcão de exposição para os bens de luxo que a França e suas colônias eram tão
hábeis em produzir. Os comerciantes de Bordeaux tinham acesso privilegiado ao açúcar, café, algodão
e índigo das Antilhas e eram capazes de vendê-los para a Europa Central e Oriental juntamente com a
seda e os vinhos da metrópole. O estado colonial subsidiou o tráfico de escravos. Sob o assim chamado

42
Linda Colley, Captives: Britain, Empire and the World, London 2002. Que o destino pudesse expor o aventureiro à
escravização foi um tema recorrente de uma bastante lida compilação portuguesa dos relatos dos marinheiros. Bernardo
Gomes de Brito, História trágico-marítima, apresentação de Ana Miranda, Rio de Janeiro 1998 (edição original, Lisboa
1735).
sistema acquits de Guinée, os comerciantes franceses podiam usar o comprovante das compras de
escravos para obter isenção de impostos sobre a importação de produtos das plantations. Os
fazendeiros franceses também se beneficiaram das proezas da engenharia do exército francês, uma vez
que ele construíu estradas, portos, pontes, aquedutos e outras obras de irrigação que muito ajudaram a
aumentar a produtividade da plantation. As plantations de Saint-Domingue ultrapassaram as da
Jamaica, cujos proprietários se esforçavam para construir os sistemas de irrigação e toda a infra-
estrutura de que precisavam sem muita ajuda das autoridades.43
O rei tentou regulamentar o regime escravista com a promulgação de um édito, em 1685, muitas
vezes mencionado como Code Noir. A novidade da escravidão do Novo Mundo e o aumento do tráfico
atlântico de escravos no século XVII tinham despertado a preocupação entre alguns clérigos católicos,
como Alfonso de Sandoval, na (74) América espanhola, Antonio Vieira, no Brasil, e o padre Du Tertre,
em Saint-Domingue. A crescente contribuição protestante à escravidão, sem dúvida, tornou mais fácil
assegurar uma audiência a tais críticas na Europa católica. As autoridades chegaram à conclusão de
que a escravidão e o tráfico de escravos deveriam estar submetidos mais firmemente ao âmbito das
regras estabelecidas pelo monarca e pela Igreja. Após receber uma petição do Brasil no início da década
de 1680, a Santa Sé, ainda que brevemente, avaliou a ideia de proibir o tráfico de escravos no Atlântico.
O bispo Bossuet, eminente teólogo francês, estava preparado para defender a escravidão do Novo
Mundo, desde que ela fosse devidamente regulamentada. A elaboração de uma codificação que tratava
da situação dos escravos nas colônias francesas, provavelmente, foi uma resposta de Luís XIV às
preocupações de tais críticos, pois ela ressaltava o dever dos fazendeiros de proporcionar o bem-estar
espiritual e temporal aos escravos. Judeus e protestantes deveriam ser proibidos nas colônias francesas.
Os escravos africanos deviam ser instruídos e batizados, e os fazendeiros eram obrigados a fornecer-
lhes porções regulares de pão e carne ou peixe.44 Havia penas severas para a desobediência – aqueles
que fugissem por mais de um mês teriam uma orelha decepada. Um esboço do Code já havia sido
elaborado por Colbert e seus funcionários, e depois recebeu contribuições dos fazendeiros residentes
das ilhas. O Code também refletia as preocupações religiosas de Madame de Maintenon: a amante do
rei tinha vivido um período nas Antilhas.
Na prática, os colonos franceses tiveram ampla liberdade para interpretar – e, mais tarde, alterar
– o Code, mas ele teve o mérito de reconhecer a existência de um pequeno número de pessoas de cor
livres. Se um homem livre solteiro tivesse um filho com uma escrava, ele era incentivado a se casar
com ela. O artigo 59 reconhecia aos libertos e libertas (escravos que tinham obtido a alforria por meio

43
Jean Meyer, Histoire du sucre, Paris 1989, pp. 106–90; Jean Meyer, Jean Tarrade, Annie Rey-Goldzeiguer, Jacques
Thobie, Histoire de la France coloniale des origines à 1914, Paris 1991, pp. 75–99, 117–47, 235–78; Blackburn, Making
of New World Slavery, pp. 277–305, 431–56. Ainda que as plantations francesas tenham ultrapassado as ilhas inglesas por
volta de 1780, os fazendeiros jamaicanos absenteístas conceberam uma instituição extraordinariamente eficaz para
monitorar o desempenho dos seus administradores, o Accounts Produce Department.
44
O texto complete do Code está reproduzido em Louis Sala-Molins, Le Code Noir ou le calvaire de Canaan, Paris 1987.
de um bom serviço ou de pagamento) os mesmos direitos cívicos daqueles que nasceram livres.
Entretanto, nem sempre as pessoas de cor livres eram capazes de tornar realidade essas disposições,
mas eles começaram a constituir formalmente um elemento reconhecido na sociedade colonial, em
contraste marcante com a situação de muitas colônias inglesas – por exemplo, a Virgínia – que tornou
extremamente difícil a obtenção da alforria e pressionou os negros libertos a deixar a colônia. Ainda
que os fazendeiros franceses tivessem elaborado com sucesso uma organização produtiva a partir dos
seus homólogos ingleses, o Estado francês barroco estava ansioso para deixar claro que assumiu total
responsabilidade pelo funcionamento de uma instituição tão importante como a nova escravidão
colonial.
Todavia, o mercantilismo colonial francês foi menos dominado pelo estado do que o dos
impérios ibéricos. Assim como estes, o francês adotou algumas características da modernidade,
especialmente o espetáculo cortês, que exibia o exótico e procurava deslumbrar a massa de súditos.
Mas enquanto o sistema colonial francês alimentou as esplêndidas fortunas da elite mercantil de
Bordeaux e Nantes, ele não foi bem-sucedido em encontrar uma cultura apropriada para a Louisiana,
que permaneceu muito pouco desenvolvida; os colonos ingleses, (75) menos constrangidos por
regulamentos, poderiam ter obtido um resultado melhor. Os regulamentos e privilégios coloniais
franceses, com seus sucessos e frustrações, levaram o empreendedor colonial francês Thomas Le
Gendre a cunhar o termo “laissez faire”, quando peticionou por um regime colonial mais liberal. Os
comerciantes coloniais franceses assumiram a liderança no comércio de reexportação e construíram
magníficas casas em Bordeaux e Nantes, mas faltava-lhes um grande mercado interno, como o que
estava disponível aos comerciantes ingleses. A consolidação do absolutismo francês descansou sobre
um sistema fiscal feroz, e isso inibiu o crescimento e a integração do mercado interno da metrópole.
Apesar de possuir uma população muito maior, a França consumia apenas a metade do açúcar
consumido pela Inglaterra em meados do século XVIII. Muitos comerciantes e fazendeiros coloniais
que se ressentiam profundamente do Exclusif, o monopólio exercido por Nantes e Bordeaux,
envolviam-se no contrabando com as colônias inglesas sempre que podiam. O antagonismo entre os
diferentes tipos de interesse comercial e proprietário, ocasionalmente, levou à eclosão de revoltas,
como a de Gaoulé, de 1719, na Martinica, quando os colons brancos rejeitaram o projeto de uma nova
companhia colonial.

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