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CASO DIANA

Elaborado e publicizado pela Psicóloga Lorena Bandeira


C A S O D I A N A – S.2
• T- Na sessão anterior falamos sobre um `hábito alimentar
incomum´. Desde quando você tem apresentado este hábito?
• C- Eu percebi há dois meses, mas acho que começou mesmo
há uns seis meses.

• T- Você mencionou que, antes de pedir a comida, tenta chorar


e não consegue, mas quando está comendo, consegue chorar.
Você consegue explicar esta relação?
• C- É como se, à medida que eu fosse preenchendo o vazio
de comida, meu corpo vai esvaziando de tristeza. É isso
que sinto, tristeza.

• T- Pelo que você sente tristeza?


• C- Por ter batalhado tanto e terminar sozinha.
C A S O D I A N A – S.2
• T- Compreendo. Então é assim que você se sente. Sozinha?
• C- É assim que estou. Me separei há um ano, mas é como se
já estivesse sozinha bem antes. Meu filho mais velho saiu de
casa, o outro adolescente, não para em casa, pouco conversa.
No trabalho, as pessoas só querem saber de você quando tem
algo a oferecer. Hoje estou só, não tenho ninguém.

• T- Fazendo um esforço, é possível enxergar alguém que te


faça se sentir acompanhada, sair desta solidão?
• C- A Tulla, minha amiga. Tem sido um anjo pra mim, cuida de
mim. Você acredita que toda semana, quando ela vai lá em
casa, ela leva flores pra mim? Ela sabe que adoro flores e me
diiz que é preciso florescer, apesar das dores.
C A S O D I A N A – S.2
• T- Que bela relação de cuidado, né?! Tulla parece ser muito
amorosa. Alguém mais?

• C- Minha mãe também me dá muito suporte. Adoro ficar


com ela. E sei que ela também adora ficar comigo, desde
que meu pai faleceu, ficamos cada vez mais próximas. Eu
sou filha única, então agora só temos uma à outra.
(pausa)... Meus filhos também. O Guilherme, mais velho,
sempre liga, toda semana, e faz questão de ligar de vídeo,
pra gente se ver. O João, mais novo é mais quieto. Mas eu
lembro que, quando eu e o Pedro anunciamos a separação,
ele disse que iria ficar comigo pra cuidar de mim e eu sei
que ele cuida, do jeito adolescente dele.
C A S O D I A N A – S.3
• T- Na sessão passada, você me falou da sua amizade com a Tulla, do seu
vínculo com sua mãe e do cuidado que seus filhos, do jeito deles, tem contigo.
Mas que, ainda assim, você se sente só.
• C- Refleti nisso durante a semana e agora parando pra pensar, talvez eu não
esteja tão só, mas me sinta como se faltasse algo, como se tivesse um vazio,
sabe?

• T- E o que você tem feito pra preencher esse vazio?


• C- Com a comida.

• T- E já sentiu esse vazio em outro momento?


• C- Acho que sempre senti. Tinha coisas boas na vida, o casamento, os
filhos, o crescimento profissional. Mas é como se sempre faltasse algo.
Lembro que antes de casar, quando era solteira, eu era viciada em comprar
sapato. Nossa, eu tinha uma coleção enorme! Quando tava triste, ia lá e
comprava. Aí o Pedro me pediu em casamento, fiquei tão feliz... Parei de
comprar sapato e decidi inclusive vender alguns novos, que nunca tinha
usado, para ajudar a pagar as contas do casamento.
C A S O D I A N A – S.3
• T- Interessante. E o casamento como foi?
• C- A gente ficou casado por 2 anos até vir o Guilherme, foi tudo maravilhoso. Dois
anos depois veio o João. Nossa, daí, eu acho que uns 8 ou 9 anos depois, daí...
Sabe o que estou lembrando agora?

• T- O que?
• C- Comecei a focar muito no trabalho, mas assim, muito mesmo sabe. E bom, eu
tive um ótimo retorno disso, ganhe dinheiro, comprei bens, mas foi muito porque,
na época, o casamento não ia bem. Eu estava mal e acho que me joguei no
trabalho pra me preencher com algo.

• T- O trabalho então serviu para preencher o vazio do casamento. E como você


compreende este comportamento a partir do que vem acontecendo hoje?
• C- Eu acho que sempre tive um problema de descontar nas coisas, né?

• T- Talvez precise pensar um pouco mais sobre isso. O que acha?


• C- Pode ser.
C A S O D I A N A – S.4 / S.5 / S.6

Ao longo das sessões 4; 5 e 6, Diana percebe um padrão de ação, do seu


ser-no-mundo. Ela tem hábitos compulsivos diante de sentimentos de
vazio existencial. Aconteceu antes de se casar, com sua compra compulsiva
em sapatos; posteriormente com trabalho compulsivo e, atualmente,
comendo compulsivamente.
A fim de fortalecer sua capacidade de autorregulação / modulação
de atitudes, foram refletidos alguns outros comportamentos com o
objetivo de evitar os padrões negativos. Ela passou a planejar
atividades quando estivesse sozinha, como fazer leitura, atividade
física ou ver um filme. Se abriu para a ideia e planejou uma viagem
sozinha também.
Na 6ª sessão começamos a aprofundar mais sua relação com Pedro, ex-
marido, e compreender até que ponto seu sentimento de vazio atual estava
relacionado ao fim do casamento. O objetivo foi entender mais sobre esse
sentimento a fim de contribuir para uma melhor expressão do
autodistanciamento e autotranscedência.

C A S O D I A N A – S.7
T- Na semana passada falamos do fim do seu casamento e do vazio que isto
parece ter deixado. Você refletiu sobre?
• C- Pois é! Refleti e não acho que esse sentimento de vazio venha por causa da
separação. Apesar de ter ficado muito decepcionada com a traição, nós já não
queríamos mais estar naquela relação, só não tínhamos coragem de assumir e
decidir. Fomos imaturos em ter que depender de uma situação dessa, provocada
por ele, para que conseguíssemos assumir. Mas fomos muito felizes e
construímos uma família linda. Tenho muito orgulho dos meus filhos e da
educação que demos a eles. (pausa)... Acho que esse sentimento de vazio
sempre existiu e as outras coisas iam tirando o foco disso, sabe?

• T- Então estas experiências fizeram sentido pra você?


• C- Nossa, sim! Meu casamento e meus filhos foram o grande sentido da minha
vida. Aliás, meus filhos continuam sendo. Mas é que…é como se faltasse sempre
algo. E eu não sei dizer o que.

• T- Percebeu que quando você falou sobre o sentido, mencionou seu


casamento e seus filhos, mas não mencionou seu trabalho?
• C- É que…(pausa) eu gosto do meu trabalho, mas não amo. Acho que
nunca contei, mas eu fiz o curso de engenharia por causa do meu pai.
C A S O D I A N A – S.7
• T- Não contou ainda. Eu gostaria de ouvir essa história.
• C- Meu pai era carpinteiro sabe, cresceu na roça e adorava construir coisas. Ele
fazia brinquedos de madeira para mim. Até hoje eu tenho uma flor que ele
esculpiu para mim. É linda demais! Foi o melhor presente que recebi. (pausa)...
Então, minha mãe era dona de casa e sempre foi o sonho do meu pai construir
uma casa para eles, mas eles não tinham dinheiro. O sonho da minha mãe era
uma casa na praia, ela nasceu no litoral. Quando eu tinha 16 anos, meu pai foi
atropelado na estrada voltando do serviço. Ele morreu na hora. Foi horrível, uma
dor que eu não desejo a ninguém. No velório, eu percebi que o sonho da minha
mãe nunca ia se realizar, porque ele não estava mais aqui e tomei esse sonho
para mim. Fiz engenharia e, anos depois, construí a casa pra minha mãe, em
frente ao mar. A Tulla, minha amiga, fez o desenho do projeto e ficou lindo.

• T- E como você se sentiu quando concluiu a obra da casa?


• C- A pessoa mais realizada do mundo. Minha mãe ficou muito feliz. Por isto,
eu gosto de ir lá. Estar lá não é só estar com ela, mas também ter a
presença do meu pai perto.

C A S O D I A N A – S.7
T- Você mencionou que seu pai esculpiu uma flor para você. Por que uma flor?
• C- Ah, é que eu amo flores e ele sabia disso. Sempre faço arranjos, pra mim,
minhas amigas. Lembra que eu falei que a Tulla sempre me traz flores
quando vai lá pra casa? É por isso. Meu buquê de casamento, eu mesma
que colhi as flores e montei. Ficou lindo.

• T- Interessante. Você falou que gosta do seu trabalho, mas não ama. E agora
você falou que ama as flores. Percebeu isso?
• C-(surpresa) nunca tinha percebido e nunca parei pensar sobre (pensativa)

• T- Como você se sentiu quando falou das flores agora?


• C- Me sinto tão bem. Eu poderia passar horas falando sobre flores, seus cheiros.
Inclusive, a viagem que eu programei pra fazer sozinha é pra Holambra, a cidade das
flores. Sempre sonhei conhecer, mas Pedro não curtia.

• T- Que bom que você decidiu não mais adiar seu sonho. Fico feliz que
esteja respeitando a você. Quando respeitamos às nós mesmos, também
respeitamos nossos sonhos, acolhemos eles e os transformamos em
objetivos. É o que você está fazendo agora.
C A S O D I A N A – S.8 / S.9 / S.10

Ao longo das sessões 8; 9 e 10, fomos aprofundando mais esse amor de


Diana pelas flores, algo que não estava totalmente consciente por parte
dela. Ao perceber isso, ela começou a dar mais atenção e perceber seus
sentimentos quando montava arranjos para ela e suas amigas. Aos poucos,
os pedidos começaram a expandir e ela trouxe para a sessão que recebeu
uma sugestão da amiga Tulla : “e se você ganhasse dinheiro com isso?”
Diana verbalizou na sessão que, no começo descartou a sugestão, mas
quando chegou em casa e se viu tão pensativa com a ideia, começou a
planejar. Trouxe essa demanda para as sessões e trabalhamos suas
expectativas e medos com relação ao projeto das flores. Quais as chances
de dar certo? O que ela poderia planejar com este fim? Quais as
possibilidades da experiência não ter êxito? Como ela lidaria com a
frustração?
Nesta etapa, Diana não consumia mais o tempo da sessão para
falar das dores da solidão e separação conjugal. Já não
apresentava compulsão alimentar e estava envolvida com outros
objetivos, com novos projetos/sentidos de vida.

C A S O D I A N A – S.11
T- Na sessão passada trabalhamos suas aflições sobre o projeto das flores. A
semana passou e o que você refletiu?
• C- Eu penso que, se tornar isso uma profissão, vai perder a graça. E além
do mais, eu já estou velha, mudar de profissão a uma altura dessa. Não
tenho mais idade pra ter esta coragem.

• T- Compreendo, Diana. Então você acredita que existe uma idade pra sonhar e
pra ter coragem?
• C- Às vezes acho. Mas também lembro que minha mãe realizou o sonho da casa
na praia sem meu pai e já com 70 anos.

• T- E por que com você teria que ser diferente?


• C- Pois é, não faz sentido, né? Mas, como eu iria me manter, como iria fazer
isso? Teria de largar tudo? Começar do zero? Fico perdida.

• Indiquei que Diana preenchesse o formulário "MEU PROBLEMA”


pensando diferentes possibilidades, vantagens e desvantagens de
cada escolha. Na sessão seguinte, ela trouxe o que preencheu.
C A S O D I A N A – S.12
• T- Como foi o desenvolvimento da atividade? Facilitou suas decisões?
• C- Sim. Decidi que vou ser florista, mas vou continuar como engenheira também.
Vou diminuir o ritmo do trabalho como engenheira, tenho dinheiro guardado e
consigo me manter por um bom tempo e ainda investir nesse sonho. Antes eu
pensava que só podia ser uma coisa ou outra, mas colocando as possibilidades
que tinha, vi que poderia começar aos poucos, até me sentir mais segura e ver o
quanto quero fazer disso uma profissão ou hobby.

• T- Como você se sente com esta decisão?


• C- Segura e feliz. Agora eu consigo avaliar bem as vantagens e desvantagens de
cada uma e, assim, me sinto mais segura para tomar minha decisão. Todas as
pessoas me deram apoio, a Tulla disse que vai me indicar para os clientes dela,
enfim... Estou tão feliz.

• T- É visível sua expressão de felicidade? Muito diferente da Diana que chegou


aqui há três meses atrás. Lembra dela?
• C- Como eu lembro! Mas é como se aquele vazio não existisse mais. A
necessidade de compensar o vazio com outras coisas não existe mais, eu
nem acredito, sabe?! Parece irreal.
C A S O D I A N A – S.12
• T- Por que irreal?
• C- Porque eu nunca tinha me sentido tão plena. Me dá até vontade de
chorar de tão feliz que eu estou.

• T- Você pode chorar se quiser. Que choro seria este?


• C- De quem, finalmente, se encontrou na vida. As flores dão vida aos
espaços, nessas últimas semanas, eu me permiti fazer mais
arranjos, presentear amigos. O brilho no sorriso das pessoas
quando recebem flores é tão especial. Quando eu fiz meu buquê de
noiva, eu encapsulei uma das rosas em resina e guardo até hoje,
junto com a flor que meu pai esculpiu. Elas não são só flores, são
lembranças de momentos importantes, das minhas histórias. Pensar
que eu posso auxiliar as pessoas a vivenciar isso também…nossa,
fico muito feliz.
Duas sessões depois, Diana
recebeu alta. Após 6 meses, ela
entrou em contato , solicitando
recibos fiscais, e contou que
abriu uma empresa de arranjos
de flores e tem diminuído cada
vez mais sua vida profissional
como engenheira. Entende que
aquele foi um ciclo que ainda
precisa ser encerrado. Ela
sempre viaja para Holambra e
agora está buscando se
especializar
em arranjos para eventos e
cerimônias como casamentos,
formaturas e aniversários. Como
brinde, ela sempre entrega
uma rosa em resina para que os
clientes eternizem aquele
momento especial.

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