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Amar com saudade

Como se ama com saudade?


É um amor ou uma dor que não cabe no peito?
É um sentimento de paz, conforto ou uma angústia tremenda?
Já soube, não sei neste momento.
Não estava preparada para hoje, amar com saudade.
Não estava preparada para perder este amor.
Não estava preparada para casar sem este amor estar presente.
Durante anos foste uma enorme companhia e depois fui-me afastando por medo da
realidade, por impotência.
Sabes, comecei a ficar impotente e a perder a esperança.
Quis tanto para ti, deste-me tanto.
Lembraste das torradas que me trazias do Sr. Fernando, pela manhã enquanto eu estava
na tua cama a ler?
Sim, dormi contigo muitos anos depois do avô morrer.
Foi bom, foi duro. Tu não estavas bem. Tinhas um feitio difícil, foram anos complicados.
Mas mais tarde, mais crescida, comecei a compreender a tua história, foste várias vezes
abandonada. E tiraram-te o homem que cuidou de ti.
Mesmo com os filhos e os netos parecia que já mais nada importava.
Cozinhavas como ninguém e foi contigo que aprendi a cozinhar.
Sei que tinhas orgulho em mim e amavas-me à tua maneira.
Eu amava-te à minha maneira.
Mais tarde tive de sair para tentar crescer avó.
Eu sempre quis tudo para ti, mas quando veio o sentimento de impotência decidi
afastar-me fisicamente.
Eu tinha de pensar em mim também.
Gosto tanto de ti, e tento sempre buscar as memórias em que estavas bem.
Mas ainda é difícil.
Lembro-me de te dizer muitas vezes que queria “que te pusesses fina” para ir ao meu
casamento.
Não viste nenhum casamento dos netos. Imaginei-te comigo.
Eras a única peça que me ligava à família da mãe.
Foi difícil ver-te como estavas, foi difícil ver a minha mãe como estava, as minhas irmãs
e o meu pai.
Eu amo a minha família. Nós os 5. Agora 6 com o Pedro.
Fazes-me falta avó.
Quero encontrar uma paz, mas ainda há muita revolta.
Já aconteceu, já está, já partiste. Mas ainda doí.
Doí muito.
Acompanhaste-me na primeira, segunda comunhão, no dia em que acabei o curso foste
ver e gostava que me visses casar e ter filhos.
Estás presente em mim, deixaste-me muita herança minha “joaninha”.
Era como o avô te chamava quando vinha da rua, com o seu fato e a boina já para o
lado, coradinho e a cambalear dos copos.
Ainda me lembro do cheiro do avô, do teu cheiro.
De ir contigo levar-lhe comida na cesta quando ele estava em Louredo a trabalhar na
primeira casa onde viveram.
Eras chata mas tornaste-te uma criança.
Foste ficando cada vez mais pequenina e eu não conseguia deixar de ser também
pequena a teu lado.
Lembraste de me ensinar o terço? Lembraste dos formigos e das rabanadas que fazias
para o meu pai?
Lembraste das brincadeiras da Cláudia? Sempre rabicha.
Lembro-me do pai começar a chamar-te mãe quando ficou sem a família dele.
Eu sou como o meu pai, sinto, mas afasto-me. Não consigo ver. Mas não quer dizer que
não ame. Não quer dizer que não me preocupe e não quer dizer que não me orgulhe.
Menina Natália, gostava tanto de chamar-te avó.
Agora, parece que perdi essa palavra.
O avô fez-nos muita falta, tu fazes falta.
Mas, já estavas a sofrer há muito tempo. Tempo demais. Primeiro emocionalmente,
depois o corpo...
Quero que estejas presente na minha memória e na saudade.
Este caminho está a ter altos e baixos, esta angústia teima em não desaparecer. Agora
percebo como viveste estes anos todos.
Pelo menos consigo identificar e tu não. Sofrias e irritavas-te, mazinha às vezes,
chatinha... Mas como adorava teu sorriso.
Como adorava também cuidar de ti e ficares contente com as mais pequenas coisas.
Não quero que te vás embora de mim. Fica.
No dia em que entrar pela igreja, estarás comigo.
Estarás comigo, na saudade e espero que estejas em paz. Se calhar também estarei em
paz.
Deixei-te em paz, deixaste-nos em sofrimento.
Espero que estejas agora melhor e finalmente em paz.

Avó....

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