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Memória

A casa onde o passado mora

Produzido por
Grupo de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos
CRAS de Eugênio de Castro - RS
MEMÓRIA
A casa onde o passado mora

CRAS EUGÊNIO DE CASTRO, 2017

O LIVRO
Nasceu a partir do projeto "Outono da Vida"
proposto pela Associação das Primeiras Damas dos
Municípios das Missões, que tinha por objetivo a
inclusão e valorização de  pré-idosos e idosos. 

OS AUTORES
Participaram com suas histórias os senhores Altanir
Della Flora, Atilio Fuhr, José Cavalheiro, Nery dos
Santos, Olavo Zarth, Paulo Euclides da Costa e Valmir
José Silveira.

OS POEMAS E AS ILUSTRAÇÕES
Surgiram a partir das falas dos integrantes do Serviço
de Convivência e Fortalecimento de Vínculos e foram
organizados pela psicóloga e Coordenadora do grupo,
Paula Cristiele Steinhaus.

AGRADECIMENTOS
À equipe do CRAS, em especial a coordenadora Teresa
Leal, à Primeira Dama do município Lisete Zweigle e a
todos os participantes dos nossos encontros que, em
maior ou menor grau, foram parte do nosso processo
de criação.
Sumário
Recuerdos ...................................................... 03

Como eram as casas ............................... 07

Ainda sobre casas, e casais ................. 10

Com que idade se começava a


trabalhar .......................................................... 11

Namorar é coisa séria! ............................ 12

E quando alguém adoecia? ......... 13

Como fazia para falar com alguém


que estava longe? ..................................... 14
Recuerdos
Sonho com minha infância
E tenho saudade das artes que fazia
Nada era moderno como hoje em dia,
Mas apesar do rigor do trabalho,
E do sistema em que fomos criados,
Sabíamos nos divertir.
Ovo choco, esconde-esconde
arminhas de sabugueiro
virávamos todos caçadores
correndo pelo potreiro.

Na infância
Eu contava e ouvia histórias
Ia especulando os antigos,
Fingia não perceber as conversas,
Mas “apontava” os ouvidos.

Seu Albino dizia que “tinha sol na cabeça”,


E vinha pedir que minha velha lhe benzesse.
Ela colocava sobre ele um pano branco
Com uma garrafa d’água em cima,
Ela virava a garrafa
E eu via aquela água cair,
Olhava toda aquela cena
Me segurando para não rir.
Logo depois de benzido seu Albino dizia:
“Agora passou, não estou mais com o sol na cabeça”
E ia embora curado.
Eu ainda jovem achava tudo engraçado.

A infância pra mim


Tem muito a ver com saudades
Dos grupos de colégio,
Das artes que fazia e das amizades.
Por vezes, na aula
Escondia coisas dos colegas
Era engraçado vê-los procurando
Eu me interessava mais em brincar 03
Do que em ouvir a professora falando.
Além da escola,
há outras histórias que me lembro
Numa delas eu era ainda piá,
Tinha oito anos idade
E ouvi minha avó falar:
“Vou levar uns ovos para a comadre”,
Corri para o trilho que ela passaria
E armei uma emboscada,
Minha avó tropeçou e,
os ovos,
No chão,
viraram gemada.

Outra coisa que me marca muito,


É o respeito que havia naquela época.
Lembro que, já crescido, aos 16, perdi minha mãe
E dentro de um ano ou dois,
Meu pai arrumou uma namorada.
Tereza, 19 anos, foi à minha casa.
Meu pai, com 56, organizou um almoço para recebê-la
Com batata doce e churrasco
Já na mesa meu pai olhou para Tereza
e diz oferecendo-lhe um prato:
“Serve-se delas”
para não dizer: “batatas”
porque essa palavra era ofensiva
para moças recatadas.
Essas coisas a gente não esquece,
Quando me lembro desse tempo
O respeito da época me vem à memória,
Percebo que nada foi como é agora.

Era outro o sistema em que fui criado,


Respeitava pai e mãe, fui bem educado.
Meu pai me olhava com o canto do olho
E estava dado o recado.
De minha parte,
Poucas palavras eram suficientes
“Não senhor, sim senhor”
04
Era tudo, geralmente.
Certa vez, quando era moço
Quebrei o porongo de meu pai,
Ao buscar água no poço
“VAI BUSCAR OS CACOS!” – disse ele.
Juntou os pedaços e me fez um colar,
“coloca isso no pescoço! Pros outros você vai ter de mostrar”
Quando recebíamos visita
Ele me mandava falar:
“Vai, conta! Conta o que é isso no teu pescoço!”
E eu contava do ocorrido no poço.
Educação com humilhação
“Não senhor, sim senhor”
E não havia contestação.

Tentei ensinar meus filhos do mesmo jeito


Agora que estou velho, espero o mesmo respeito
Em vão.
“Sai daí meu pai, isso era só no teu tempo”
Para eles sempre há argumento.

Na velhice agora digo


Que o futuro para nós está vindo,
O futuro é cova,
Estar a sete palmos do chão.
Mas sei que ainda há muito pela frente,
Antes de terminar num caixão.

Meu desejo é ficar velho,


Mas envelhecer com tranqüilidade,
Não quero dar trabalho a ninguém,
Não importa a minha idade.
Eu, hoje, não tenho medo de morrer,
Meu medo é de incomodar,
Meu medo é de sofrer.

Se hoje eu deitar na minha cama


E porventura não amanhecer,
Se minha partida for tranquila,
À Deus vou agradecer.
05
E no final da minha vida,
Vou lembrar da minha história
Sai de casa cedo,
Parei de estudar,
Trabalhei, trabalhei muito
Para poder me sustentar.

No meio do caminho alguns tropeços,


E num desses caí na bebida
Por conta disso fiquei sem casa,
Sem família, sem amigos
E sozinho me senti perdido.
Tudo piorou depois de um acidente,
Que me paralisou um lado,
Talvez para sempre.
A tristeza virou minha companhia,
Senti que a vida já não valia.
Passei a andar sem rumo pela cidade,
Para evitar, na minha cabeça
Os pensamentos de maldade.
Hoje em dia,
Ainda sofro dos males da mente,
Mas reconheço
Ninguém vive o que é da gente
E aceito o que vêm para mim
E o melhor da vida vou buscando,
Até chegar ao fim.

06
Como eram as casas

Algumas moradas eram de material


E quando digo isso,
Quero dizer manual.

A pá do pedreiro
Era a mão
E pouco a pouco
A casa se erguia do chão.

O barro,
Sovado com os pés,
Era o cimento
E com as taquaras,
As estruturas da casa
Ganhavam sustento.

Para o reboco e a pintura


Algo nada tradicional
Misturava-se água e cinza
Com esterco animal.
O resultado da mistura
Era uma massa consistente
Que deixava a parede lisa
Além de muito resistente.

Uma coisa impressionante


Que agradava muita gente
É que no verão a casa era fria
E no inverno quente.

A minha casa era assim


Paredes de barro e taquara,
E no teto capim.
Mas esse telhado
Exigia cuidado
E nos cômodos
Onde se fazia fogueira,
No teto colocávamos madeira. 07
As paredes de barro sem pregos
Eram amarradas com cipó
Que colhíamos na lua minguante
A melhor lua para cortar madeira!
Se escolher cortar em outra
Terá de refazer a casa inteira.
Cipó cortado em lua nova
Apodrece,
Cria caruncho
Ou floresce.

Pronto,
a casa está erguida,
Mas ainda falta falar do chão
Que era de terra batida, lisa.

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A parte que conto agora
Até pode ser engraçada,
Na época
Não havia água encanada
Então,
a gente não tinha privada.
Quando porventura,
Alguém quisesse um banheiro
Tinha que sair correndo
Para o mato ou potreiro.

Se quer havia patente


Isso é uma invenção recente.
E como papel higiênico
Usávamos o famoso sabugo
Colhíamos os milhos
E debulhávamos tudo
Para guardar
E assim,
Poder se limpar.

Depois dele,
Vieram os jornais
E nós os rasgávamos em partes iguais

E para o banho,
Sanga, rio ou lajeado,
E era essa opção
Com tempo quente ou gelado.

Só algumas meninas
Tinham como privilégio
Um chuveiro improvisado
Iam pra baixo de um balde d’água
Cheio de furos
E o banho estava tomado.

09
Ainda sobre casas, e casais...

Como sou mais novo


A minha história
É diferente dos outros
Eu morava com meus pais
E na minha casa não faltava nada,
Tínhamos luz elétrica
E água encanada
Mas isso mudou
Quando eu me casei,
E no ano de 77
Com minha esposa
Eu me mudei.
Fomos para minha terra
Lá nossa luz era vela
E uma casa “cai não cai”
Depois de um tempo,
Outra mudança
Meus pais faleceram
E ganhei a minha herança
Com minha prenda
Eu voltei para a terrinha
Que era de meus pais
E agora é minha

10
Com que idade se começava a trabalhar

No meu caso comecei cedo, A moeda naquele tempo era o “mirreis”


Eu fui criado por pessoa humilde Em um mês de serviço
E ajudava no nosso sustento. Eu comprava um ou dois pares de tênis
Meu avô acordava antes do sol nascer Duas ou três peças de roupa
E eu ia com ele fazer o trabalho do dia Certa vez levei uma surra de cinta
Aos nove lavrava com bois Para aprender lavá-las
Mas desde os cinco eu já carpia. E eu aprendi
De hora em hora meu avô parava Aprendi a lavar, a cozinhar...
Enquanto ele fechava um cigarro Agora perdendo o vigor da vida
Eu descansava. Tenho saudade do tempo que era piá
Trabalhava bastante porque tinha saúde
O passar das horas ninguém cuidava E não podia me queixar.
Era o sol quem mandava.
Nós mesmos éramos ponteiros
E dependendo da posição da sombra
A gente já sabia:
se em pé, clareou na ponta do pé, era meio dia.

Como já disse começar mesmo


Comecei trabalhando aos cinco
Mas aos onze me empreguei por mês
Foi então que sai de casa de vez.
Fui morar na casa do patrão,
Eu tinha um quarto nos fundos
E dormia no chão
As palhas de milho,
Encapadas,
Eram o meu colchão.

Por conta disso,


Estudar não era possível
E na terceira série,
Deixei a escola
A minha vida era trabalhar pra fora.

11
Namorar é coisa séria!

Naquela época namorar era difícil um tanto


Pra mostrar interesse a gente “mandava o santo”
Mandar o santo é dar uma olhada
E a menina correspondia se estivesse interessada.
Pelos amigos, nas matines,
A gente mandava recado
E as pretendentes estavam avisadas
Ao acabar a festa, fim de tarde,
Nós saíamos de mãos dadas.

Depois de pegar a mão


O máximo que acontecia
Era um beijinho no portão
Mas antes já íamos cuidando
Ver se a mãe ou o pai
Não estavam espiando

Nessa época o namoro era difícil,


E conseguir a prenda se tornava um sacrifício.
A coisa era mais complicada
Quando a menina queria
Mas o pai não aceitava.
A mãe, como boa aliada,
Se via que o rapaz era bom
O marido ela amansava.

Depois de aceito o genro,


O namoro não se estendia
“se você é moço direito,
Terá de casar com minha fia”.
Alguns meses depois,
Estava marcado o casamento
Que davam certo, por sinal,
Havia comprometimento.
Não sei se era amor ou sorte,
Mas o que separava os casais
Era realmente a morte. 12
como era quando alguém adoecia 

Quem tratava o povo,


Naquela época
era um curandeiro,
Antes de ir ao médico,
Os procurávamos primeiro.
Havia alguns no São João Mirim:
Candinho Soares, Emílio Veiga e Seu Adão
Depois a dona Glória
E Manoel Fernandes no Rincão.
Também o famoso Germano e tal de Júlio Prestes
Nossa cura vinha deles e das nossas preces.

Também havia quem benzia,


Criança ou adulto,
Atendia-se quem vinha.
O tratamento,
Além da reza,
Era homeopatia:
Marcela para digestão,
E para um bom xarope
Guaco com agrião.
Poejo igualmente é para o peito,
Deixe ferver bem e o remédio está feito.

Carqueja para o fígado faz bem,


Para dor de barriga um chá de pitangueira,
Maçanilha, endro e funcho funcionam também.

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Como fazia para falar com alguém que morava longe

Mandávamos bilhete ou cartas


Que iam a cavalo através de um mensageiro
Para visitar os parentes
Ou pessoas que moravam longe
Ninguém avisava nada
Só chegava
Depois de um dia inteiro a cavalo

Para envios pelo correio


Pagávamos o selo
E esperávamos
Às vezes um ano
De correio para correio
As cartas ficavam paradas
Todos esperando
Para serem enviadas

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