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São  Tomé  e  Príncipe:  
Cultura(s)/Património(s)/Museu(s)  
 
 
 
Inês  Filipa  Abreu  de  Castaño  
 
 
 
 
 
   
Trabalho  d  e  Projecto    
de  Mestrado  e  m  Museologia  
 
 
 
 
 
  2    
VOLUME  
 
 
 
 
 

Setembro  2012  
ÍNDICE geral

1. Introdução 1
1.1. Definição do tema e objectivos 1
1.2. Enquadramento conceptual e metodológico 2

2. A prática da teoria 5
2.1. O social no binómio memória/património 6
2.2. Da memória social ao impulso museal 11
2.3. Museu em contexto 20

3. São Tomé e Príncipe: conhecer o território e a história como contexto 25


de desenvolvimento
3.1. Enquadramento geográfico 26
3.2. Raízes históricas de uma sociedade crioula africana 28
3.3 Sociedade e contexto político 35
3.4. Cooperação e desenvolvimento 41
3.5. Quadro legislativo 47

4. Cultura(s)/ Património(s)/ Museu(s) em São Tomé e Príncipe: 50


abordagem para um diagnóstico a partir do terreno
4.1. A Cultura Santomense: identidade cultural e Santomensidade 53
4.1.1 Língua e crioulos 57
4.1.2 Manifestações culturais 60
4.2. Património(s) 65
4.3 Acção Patrimonial 69
4.4. Museu Nacional de São Tomé e Príncipe 78
5. Via de acção patrimonial para São Tomé e Príncipe 84
5.1. Um olhar exógeno: Cabo Verde, relação inevitável 85
5.2. A experiência Soya Kutu 92
5.2.1. Metodologia utilizada 93
5.2.2. Locais 94
5.2.3. Equipa de trabalho 95
5.2.4. Repercussões imediatas e a longo prazo 95
5.3. Proposta de acção: o inventário do património para o 96
desenvolvimento
5.3.1 Equipa de trabalho 99
5.3.2. Formação 100
5.3.3. Metodologia 101
5.3.4. Tentativa/erro 103
5.3.5. Educação patrimonial 103
5.3.6. Repercussões a curto, a médio e a longo prazo 104

6. Considerações finais 106

Referências bibliográficas 110

Apêndices vol. 2

Anexos vol. 2
ÍNDICE

APÊNDICES A-1
ap.1 Entrevista | Guião A-2
ap.2 Entrevistas (transcrições) A-3
I. Ernesto Carvalho e Djadjingu Neto 1
II. Caustrino Alcântara 8
III. Nelson Campos 17
IV. Frederico Gustavo dos Anjos 24
V. Ernesto Carvalho 31
VI. Francisco Costa Alegre 34
VII. Albertino Bragança 39
VIII. Carlos Espírito Santo 43
ap.3 Autorizações dos entrevistados A-4
ap.4 Glossário: Manifestações culturais santomenses A-12
ap.5 Cronologia: Realidade cultural santomenese 1975-2011 A-16
ap.6 Planificação diária das Oficinas Criativas Soya Kutu A-17

ANEXOS A-18
fig.1 Mapa do Golfo da Guiné A-19
fig.2 Lei n.º 4/2003 - Lei do Património Histórico-Cultural Nacional (excerto) A-20
fig.3 Implantação do Forte de São Sebastião A-21
fig.4 Museu Nacional de São Tomé e Príncipe: Textos de sala A-22
fig.5 Fachada principal do Museu Nacional de São Tomé e Príncipe A-26
fig.6 Pormenor da fachada principal do Museu Nacional de São Tomé e Príncipe A-26
fig.7 Escadaria de acesso ao Piso 1 do Museu Nacional de São Tomé e Príncipe A-27
fig.8 Capela de São Sebastião localizada no pátio central do Museu Nacional de A-27
São Tomé e Príncipe
fig.9 Reserva do Museu Nacional de São Tomé e Príncipe A-28
fig.10 Loja do Museu Nacional de São Tomé e Príncipe A-29
fig.11 Cobertura-terraço do Museu Nacional de São Tomé e Príncipe A-29
fig.12 Esculturas monumentais do Museu Nacional de São Tomé e Príncipe A-30
fig.13 Pormenor da antecâmara do Museu Nacional de São Tomé e Príncipe A-30
fig.14 Sala 1 - Sala de Jantar da Roça, Museu Nacional de São Tomé e Príncipe A-31
fig.15 Sala 2 - Arte Sacra, Sala do Bispo D. Frei João Sahagun, Museu Nacional A-31
de São Tomé e Príncipe
fig.16 Sala de Etnografia, Museu Nacional de São Tomé e Príncipe A-32
fig.17 Sala da Agricultura, Museu Nacional de São Tomé e Príncipe A-32
fig.18 Sala 8 - Sala da Independência, Museu Nacional de São Tomé e Príncipe A-33
fig.19 Sala de exposição temporária, Museu Nacional de São Tomé e Príncipe A-33
fig.20 Sala das Tartarugas, Museu Nacional de São Tomé e Príncipe A-34
fig.21 Sala 10 - Sala do Massacre, Museu Nacional de São Tomé e Príncipe A-34
fig.22 Sala 11 - Quarto da Roça, Museu Nacional de São Tomé e Príncipe A-35
fig.23 Sala 12 - Sanzala, Museu Nacional de São Tomé e Príncipe A-35
fig.24 Mapa de Cabo Verde A-36
fig.25 Locais onde se realizaram as Oficinas Criativas Soya Kutu A-37

ANEXO digital: Filmes Soya Kutu 2012 A-38


APÊNDICES

A-1
Identificação
Nome:
Idade:
Contacto:
Localidade:
Actividade profissional:
Habilitações literárias:
_____________________________________________________________________________
(para responsáveis de estruturas culturais)

Acerca da estrutura
Identificação:
Localização:
Antecedentes históricos:
Programação:
_____________________________________________________________________________

Parte I: Cultura Santomense


1. Como caracterizaria a cultura Santomense? [uma identidade cultural ou várias. ex. língua ou
outras práticas evolutivas]
2. Sítios e locais de interesse? [que os santomenses valorizam particularmente - associados a
histórias de vida, à tradição oral, à história da ilha]
3. No seu ponto de vista, o que deveria ser feito para preservar a cultura em São Tomé? [para a
construção de uma memória colectiva e referências identitárias comuns]
4. Haverá já alguns traços (materiais/imateriais) da cultura Santomense que se perderam? Quais?
5. Quais os agentes culturais (instituições/indivíduos) em São Tomé? [mesmo na área da
cooperação e desenvolvimento ou do património]
6. Quais os criadores culturais

Parte II: Um museu em São Tomé


1. Conhece o museu de São Tomé?
2. Que outra tipologia de museu gostaria que houvesse em São Tomé?
2. O que gostaria de ver num museu de/sobre São Tomé?
3. Os museus são para os visitantes. De que forma se pode apelar à participação da população na
constituição de um museu?
4. Onde deveria ser um museu de/para as pessoas?

ap.1 Entrevista | Guião

A-2
Todas as conversas tiveram lugar na cidade de São Tomé (São Tomé e Príncipe) nos meses de
Outubro e Novembro de 2011. O seu registo foi autorizado pelos entrevistados, sendo a
transcrição da nossa responsabilidade.
Optamos por transcrever todas as conversas (gravadas com recurso a um gravador áudio), uma
vez que não nos foi possível reunir as condições adequadas para registar sonoramente com boa
qualidade a nossa recolha.

ap.2 Entrevistas

A-3
I. Conversa com Ernesto Carvalho e Djadjingu Neto, realizada no Museu Nacional de São Tomé e Princípe,
no dia 28 de Outubro de 2011, às 14h30m.

Ernesto Carvalho (EC) - Director do Museu


Djadjingu Neto (DN) - Técnico de Conservação e Restauro

Para começar, pode referir-me as datas importantes na história do museu?


|03:44|
EC: Historicamente, o museu... o edifício é uma fortaleza. Foi construída no séc. XVI/XVII aquando do
período do comércio atlântico para proteger a costa dos ataques dos piratas Franceses e Holandeses. Trata-se,
portanto, de uma fortaleza com fins de defesa. 1575 é a data de construção do edifício. Funcionou durante
esse período todo enquanto fortaleza para defesa da costa contra os ataques dos piratas. Só depois da
independência é que se pensou e transformou este edifício em Museu Nacional. Os artefactos, os objectos
que estão cá, foram trazidos directamente para cá das antigas roças (depois de nacionalizadas), das igrejas e
do palácio do governador. Quem esteve na arrumação e na montagem deste museu foi a poetisa Alda do
Espírito Santo, o Sr. Barros (afastado porque está doente) e um português de nome Ferreira da Silva. São
estes os três protagonistas que criaram e montaram este museu. De lá para cá... pelo que eu sei, o edifício não
sofreu nenhuma remodelação. A estrutura mantém-se, com algumas adaptações apenas, mas não existe
nenhuma remodelação de fundo. É um edifício que já clama pela restruturação. Temos alguns problemas…
com o tecto, enfim, com a iluminação, aliás o próprio edifício não é propício para um museu, isso nós
sabemos, de acordo com conhecimentos científicos actuais. Nós carecemos de várias alternativas, mudanças.
|07:03|
EC: Eu estou aqui há dois anos e tal. A minha licenciatura é em história e fui convidado para dar o meu
contributo aqui, na medida do possível, com o apoio do técnico Djadjingu e o Sr. Barros (que não está cá) e
eu tenho tentado compreender algumas acções do museu para além de algumas formações. Nós tivemos aqui
algumas acções de formação a nível do museu com a Escola Património Africano (EPA - École du
Patrimoine Africain).

Têm um protocolo para estas parecerias ou são esporádicas?


|07:40|
EC: Sabe, nós não somos autónomos. Dependemos da Direcção Geral de Cultura e muitas vezes as coisas
processam-se sem nós sabermos como é que se processaram. Esse é outro dos problemas que nós temos. O
director do museu não tem autonomia. O director pode estabelecer um projecto mas tem que ter a anuência
da Direcção Geral de Cultura. E se o Director/a Geral (de Cultura) não for sensível (mesmo deste governo) à
questão da cultura, do museu, isso é uma batalha morta. Isto é outro problema com o qual nós nos
confrontamos.
|09:22|
DN: Dentro das datas comemoradas, além do dia internacional dos museus, dia 18 de Maio, temos também o
dia de criação do museu, 11 de Julho de 1976.
|09:55|
EC: Outro aspecto, é que nós também temos problemas com o pessoal. Somos apenas eu, o Djadjingu, há
uma senhora que faz de guia mas não tem nenhuma formação específica e duas encarregadas de limpeza.
Hoje em dia, um museu não funciona com este número reduzido de gente.
|12:10|
EC: Temos cooperações, como com a Escola Património, que é uma cooperação bastante importante e com a
própria UNESCO mas, como disse, não são decisões tomadas por nós. Temos também com a União

1
Europeia, através do Projecto PAIC-PALOP (Projecto de Apoio às Iniciativas Culturais nos PALOP). São
decisões tomadas a nível superior, nós damos apenas seguimento.
|12:49|
EC: Porque o objectivo é tornar este museu mais abrangente. Nós somos um museu… não temático, mas
multi-facetado. Temos várias áreas, o museu é pluridisciplinar. O nosso objectivo é tornar o museu mais
abrangente, mais aberto a todos os níveis; principalmente um dos objectivos que nós temos é trabalhar com
crianças. Aliás o projecto já existe com a Escola e Património através do projecto “Meu Museu, Minha
Escola”. As crianças da escola vêm ao museu tal como o museu vai à escola. Este projecto já começou mas
falta dar um seguimento. Já há um protocolo estabelecido.
Com a União Europeia, através do PAIC-PALOP, também há um projecto. Aliás, decorreu aqui no museu a
primeira, uma acção de formação onde participaram vários funcionários e que incluiu uma aula prática
através da qual nos foi possível organizar a reserva. Na sequência deste projecto consta também um estágio
em Portugal que estava projectado para este ano mas, até à data, ainda não sabemos. Contempla ainda alguns
equipamentos para o edifício e para o seu funcionamento.

Então o museu continuará neste espaço?


|15:11|
EC: Até agora tudo indica que o museu continuará neste espaço. Há projectos para a fundação de outros
museus mas não têm nada a ver com este.

|18:30|
EC: Ainda relativamente ao acervo do nosso museu, em tempos nós tínhamos... digamos... um outro...
relativamente à Arte Sacra. Tentámos, uma vez mais, recuperar o edifício onde havia uma outra exposição de
Arte, mas até agora... Nós temos muitos objectos para montar um museu apenas de arte sacra. Já foi pensado,
já foi idealizado, mas ainda não recebemos resposta da outra parte. Porque o edifício em questão - a igreja do
Bom Jesus - é tutelado pela igreja Católica e já se iniciou o processo, escrevendo uma carta a pedir a
recuperação do edifício, mas não obtivemos resposta. E nós temos muitos objectos que estão entulhados e é
preciso mais espaço.

E em relação à colecção, continuam a ser incorporados objectos?


|19:53|
EC: Não, actualmente não. Há muito tempo que não são incorporados objecto na nossa colecção.

E há alguma política de incorporação?


|20:14|
EC: Não. Nós podemos continuar a incorporar. O problema é que, não havendo uma inventariação dos
objectos em todo o país... Por exemplo, a questão da inventariação das Roças. A Roça Rio do Ouro/
Agostinho Neto é uma das em que nós já tivemos um trabalho aturado, com a intenção de a inscrever na
nossa lista indicativa nacional e avançar com a sua candidatura a património mundial, mas até agora...

E porquê a Roça Agostinho Neto?


|21:18|
(EC) De todas as Roças, nós elegemos, devido à sua natureza, à sua caracterização.

A ideia era ser só uma, não o conjunto das roças....


|21:36|

2
DN: A Roça Rio do Ouro é um conjunto de coisas dentro de uma só Roça. Abarca certas qualidades em
relação às outras. É uma Roça que foi tomada como exemplo para dar o primeiro passo. Mas infelizmente o
processo não avançou.
|22:47|
DN: As roças estão inventariadas, alguns edifícios, e algumas delas estão classificadas. Estão na lista
indicativa de património nacional: religioso, arquitectónico, roças.
EC: A Dra. Nazaré de Ceita acompanhou este processo de classificação do património.
|23:30|
DN: Ainda em relação à política de incorporação de objectos, há necessidade sim. Para fazer incorporação de
objectos no museu há certos motivos que levam o museu a deslocar-se em busca de alguns objectos. Nós
temos consciência que temos colecções em falta, então podíamos realizar determinadas deslocações à
procura de certos objectos para completar algumas colecções. Mas não fazemos isso porque não temos
condições para fazer as deslocações necessárias. Deveríamos ir às antigas roças, algumas estão vandalizadas,
mas ainda há alguns objectos que poderiam ser recuperados. Mas temos também que fazer um trabalho de
casa, preliminar, antes de ir para o terreno. Mas não temos recursos humanos e financeiros para ir para o
terreno.

Então não há um programa de incorporações definido?


|25:43|
EC: Não. Nós aceitamos tudo, sendo um museu público.

Não há uma política criteriosa...


|26:19|
DN: Os objectos que cá estão, segundo informações que tenho, mesmo os que estão nas salas de exposição,
muitos foram trazidos das roças mas outros foram doados. E essa doação pode continuar. Agora cabe ao
museu decidir qual o tratamento que deve dar ao objecto, fazendo o seu enquadramento.

Há uma política de conservação?


|27:05|
DN: Sim, há uma tentativa de pelo menos manter as coisas no seu ponto razoável. Poderíamos fazer melhor
se tivéssemos condições, pelo menos, básicas. Porque nem mesmo as condições básicas para certos trabalhos
aqui, nós temos. Precisamos de fazer uma desinfestação e não podemos avançar porque não temos
desinfectante. Pretendemos fazer um trabalho mais aprofundado num certo objecto... mas não podemos,
porque não há determinados produtos, ou ferramentas ou materiais aqui no museu para tais actividades.
Então, é muito difícil. Mesmo nas sala de exposição, uma das coisas que podia prevenir a degradação dos
objectos, as ditas medidas de prevenção. Mas infelizmente, nem as luzes que temos nas salas de exposição
são adequadas para certos materiais.
|28:46|
DN: Temos objectos na sala do Massacre, as fotografias, que daqui a pouco vão desaparecer. Já reclamámos
isso. Basta recuperar, de uma forma ou outra, para não se perderem as originais. Mas é certo que, se nada for
feito, aquelas fotografias vão desaparecer. Não só aquelas como outras fotografias também. Temos ainda
pinturas de quase 2 metros de altura de ex-presidentes portugueses, como é o caso de Carmona1, que já estão
quase a esbranquiçar devido à incidência directa da luz natural. Neste momento, esta sala de exposição está
fechada ao público.
|29:54|

1 Óscar Carmona, Presidente da República entre 1926 e 1951.


3
DN: Depois, há ainda a humidade, que também contribui muito para a degradação que deveria ser atenuada
com a aquisição de alguns equipamentos.

Há uma política de documentação e investigação?


|30:30|
DN: A documentação (inventário) que existe está fechada e só há uma cópia que é de acesso restrito e que,
presentemente, se encontra no museu. Mas... tendo um inventário feito de raiz, ele pode ser disponibilizado
ao público para investigações científicas.
Mas não há nenhum arquivo documental.

No que diz respeito aos espaços do museu, podemos falar em espaços diferenciados?
|33:25|
DN: A oficina (R/C) é de acesso reservado, bem como os gabinetes (R/C e 1º piso) e a reserva. O átrio, as
salas de exposição, a cobertura, a loja e os lavabos são de acesso púbico (ambos sujeitos à aquisição prévia
de bilhete)2.

|34:19|
Há uma exposição permanente. Alguns objectos estão expostos com carácter de rotatividade, dando lugar a
outros armazenados na reserva. Há uma sala para a exposição temporária.

Existe, actualmente, um programa de difusão e comunicação?


|35:24|
EC: Em tempos produziu-se um desdobrável, mas precisa de ser actualizado, já não responde às exigências
actuais. Aliás, nós estamos a tentar refazer e já temos um senhor que está disponível a colaborar connosco
nesse sentido. Precisamos de publicitar mais, apesar de algumas carências. Nós, com algumas agências de
navegação turística temos um acordo... uma cooperação e, de vez em quando, trazem-nos visitantes turistas.
É uma parceria.

E em relação ao número de visitantes?


|37:00|
DN: Bom, se formos ver estatisticamente, todos os dias há visitantes, pelos menos um. Eu controlo a
estatística do museu através de um quadro/tabela que eu elaborei, onde todos os visitantes ficam registados.
Era uma coisa que não havia. Anteriormente só havia um livro do visitante e, caso ele não escrevesse uma
mensagem, nós não tínhamos como controlar os números. Mas, desde 2009, que esta tabela de registo de
visitantes foi elaborada e é preenchida criteriosamente.
|38:40|
DN: Além das agências também a época escolar tem muitas visitas. As visitas escolares são feitas através de
marcação; a escola faz o pedido com o dia e a hora e, logo que a carta chegue, nós respondemos de imediato
a marcar. Depois, no dia marcado, o visitante chega e nós fazemos a visita.

E como são organizadas essas visitas?


|39:36|
EC: A parte logística depende da própria escola.

2 Apenasuma antecâmara de acesso ao átrio (onde se podem ver quatro pinturas e uma peça em ferro) é pública. O
Museu não dispõe de auditório, biblioteca ou cafetaria.
4
E normalmente são só escolas daqui da cidade ou vêm de todo o país?
|39:53|
DN: Vêm escolas de todo o país. Do Príncipe não, mas de São Tomé vêm escolas de norte a sul.

E abrange todos os anos escolares?


|40:10|
EC: Sim. Desde o jardim de infância até ao último ano do ensino superior - Lusíadas, IDF, ISP 3.

As visitas são planeadas consoante a faixa etária?


|41:21|
EC: Sabe, a maior parte das vezes as próprias escolas não definem o objectivo da visita. Já houve algumas
escolas, como por exemplo os alunos de Lusíadas, que vieram com um objectivo específico e, nesse caso,
não precisaram de ir visitar todas as salas. A visita deles cingiu-se à Sala da Agricultura, do Massacre e Sala
da Independência.
Mas para as escolas primárias é mais um passeio.
|42:05|
DN: E do Liceu Nacional também há certas turmas que já vêm com objectivos traçados. Quando o professor
está a falar sobre determinado tema, fala connosco e nós tentamos encaminhar a visita para passar essas
informações.

Que tipo de segurança tem o museu (colecções/edifício/visitantes/funcionários)?


|43:11|
EC: Nós não temos qualquer tipo de segurança no museu. Nós mesmos somos os seguranças para proteger
os objectos quando há visitantes. O próprio edifício também não tem segurança, está entregue à sua sorte e,
por isso mesmo, já foi alvo de assalto.

Há algum plano de emergência face a calamidades (incêndios, inundações, terramotos)?


|43:48|
DN: Nós não temos nada. Nem alerta, nada. Não estamos ligados a nenhuma central.
Nem temos primeiros socorros para prestar.
Em tempos o edifício já houve um vigilante mas deixou de existir. É um assunto que tem vindo a ser
discutido, mesmo quando reunimos com o ministro, mas é sempre banalizado, tal como outros. E nunca
vemos os problemas solucionados.
Nem o facto de ser um forte impede de ser assaltado. A porta de entrada já deu vários problemas. Então
tivemos que adaptar e colocar uma fechadura com cadeado, se não as pessoas abriam e entravam. E foi por
isso que coloquei o papel (em 3 idiomas) que diz: “Toque à campainha e aguarde”. Tal como os avisos de
proibição de fotografar... eu arranjei os símbolos de proibição, fiz e coloquei em quase todas as salas por uma
questão de segurança dos objectos.

E em relação aos recursos humanos (estrutura orgânica/organograma funcional)?


|47:15|

3Universidade Lusíada de S.Tomé e Príncipe, pólo universitário da Universidade Lusíadas de Lisboa; IDF - Instituto
Diocesano de Formação João Paulo II, instituição escolar ligada à Diocese de São Tomé; ISP - Instituto Superior
Politécnico de São Tomé e Príncipe.

5
DN: Também temos problemas. O organograma está feito desde o ministério4, chega à direcção5, depois aqui
ao museu. Mas aqui não temos o organograma, está na Direcção Geral.
Eu só sei que eu estou aqui nesta área de conservação e restauro. Quer dizer... eu praticamente tomei esta
área, de acordo com as formações que eu tenho vindo a fazer desde que cá estou. Caso contrário também
poderia ser guia, que é um trabalho complementar que eu faço. Sempre que é preciso fazer visitas em inglês
sou eu que faço. Quando as visitas são em francês ou português já não sou eu. Eu só faço visitas em
português para ajudar, como é o caso das escolas em que, por vezes, temos visitas com 200 alunos e não é
possível ser uma só pessoa a fazer.

Mas chegam a ter visitas com 200 pessoas?


|49:13|
DN: Sim, até mais. As visitas de navios-cruzeiros às vezes trazem entre 300 e 400 visitantes.

Há alguma política de bolsas, estágios ou voluntariado?


|52:23|
EC: Do meu conhecimento ninguém propôs. Há bem pouco tempo, em contacto com o Professor Henrique
Coutinho Gouveia, ele propôs-me um mestrado em museologia em Cabo Verde, através de Juvenal Espírito
Santo. Nós estamos a ver... Mas aqui é tudo estatal e as coisas dependem mais do Ministério da Educação...
Mas voluntariado... bolsas...
|53:57|
DN: Voluntariado, houve sim. Houve uma senhora francesa (segundo o antigo responsável 6) que deu uma
ajuda importante na recuperação de algumas imagens policromadas. A senhora era conservadora-
restauradora. Creio que foi o único trabalho voluntário que houve.

Só para terminar, pode referir-se aos recursos económicos. O museu tem receitas?
|53:58|
EC: Sim, de bilheteira.

Têm uma orçamento para o funcionamento...


|54:15|
DN: O salário?
EC: Não. Isso não existe. Nós funcionamos com zero de orçamento do estado. Há um orçamento para a
Direcção Geral de Cultura que nunca chega até aqui. Eu já cá estou há dois anos e tal e nunca fui chamado
para discutir o que nós precisamos. Nós funcionamos com receitas. É com as receitas de bilheteira que nós
compramos os produtos de limpeza.
Por exemplo, estão agora a elaborar um novo orçamento, mas o museu não foi chamado para apresentar, pelo
menos, uma proposta do que é preciso. É só vontade...

Então as únicas despesas que têm é com gestão corrente?


|55:43|
EC: Sim, gestão corrente.

4 Ministério da Educação, Cultura e Formação


5 Direcção Geral da Cultura
6 Cirineu Barros.
6
E quando têm que montar as exposições temporárias?
|55:52|
EC: Desde que estou cá, nunca montamos uma exposição. Estamos a pensar em renovar a exposição...
Agora há uma nova direcção (da cultura), um novo director, e eu vou ter um encontro aturado onde vou
colocar um conjunto de questões que precisam de ser resolvidas; para eu saber qual é a sensibilidade dele.

Há um diagnóstico feito das carências e necessidades do museu? Estão identificadas as prioridades?


|56:48|
EC: A prioridade para mim (eu já sei que ele vai dizer outra!), enquanto responsável, é o edifício. Para mim
seria a recuperação do edifício... do prédio. Mesmo que nós tenhamos vontade, como o técnico Djadjingu
com toda a vontade de recuperar alguns objectos, se o tecto continuar a chover... esse trabalho é em vão.
Aliás, já havia um projecto para a recuperação do edifício, já havia um orçamento, mas o dinheiro, a verba
para o projecto, para a recuperação desapareceu, evaporou. Mas eu creio que ele dirá que a prioridade
enquanto... conservação, são os objectos, os materiais para a conservação!
|58:02|
DN: Eu discordo. Parece-me que recuperar o edifício é prioritário. Numa das reuniões que tivemos com a
antiga directora (da cultura) eu propus-lhe a criação de um outro edifício para museu. Porque continuando
aqui os objectos têm um prazo de vida. Mesmo os de madeira, metal, fotografias, não importa a categoria ou
material de constituição. É certo que os objectos que cá estão têm um tempo limite de vida. Se estivessem
noutras condições o tempo seria um outro, creio que seria mais alongado. Mas aqui nestas condições... O
antigo responsável dizia que até nós estamos em risco. O que fará aos objectos?
Neste momento está a degradar-se a colecção e o edifício.
Ao recuperarmos o edifício já estaríamos a estancar a primeira degradação dos objectos resultante dos
ataques externos.
A fazer a recuperação do edifício teríamos que fazer a deslocação da colecção para outro local.

Há ainda uma outra questão, para terminar, que não ficou esclarecida. Em relação à organização do
espaço, como está definido o percurso expositivo?
|01:03:07|
DN: Primeiro começamos na Arte Sacra, depois a Agricultura, depois Independência, depois exposição
temporária, Tartarugas, Massacre, Quarto da Roça, Sanzala, Etnografia e Sala de jantar.
O que falta é a organização das salas por ordem cronológica para ser compreendido como um museu da
história de São Tomé.

Este museu reúne então diferentes tipologias de museu?


|01:03:07|
A intenção é mesmo essa, reunir diferentes tipologias num só espaço. Só que falta uma organização
cronológica.

E porque motivo foi organizado assim?


|01:06:02|
Bom, como o dito inventário, também a falta de conhecimento, creio, é o que está na origem. Tendo
condições, tendo conhecimento... é mais prático. Na ausência de conhecimentos totais é tudo mais difícil.

***

7
II. Conversa com Caustrino Alcântara, realizada no Café Jasmim (Casa da Cultura), no dia 4 de Novembro
de 2011, às 11h.

Identificação

Nome: Caustrino Leal de Jesus Alcântara


Idade: 41 anos
Localidade: Boa Morte
Actividade Profissional: Prestador de serviço intelectual / Coordenador na ONG Adra Kids
Habilitações literárias: Engenharia em electricidade e equipamento industrial (licenciatura por concluir),
jornalismo (licenciatura por concluir), administração hospitalar (licenciatura por concluir); autodidatismo em
linguística7

Parte I: Cultura Santomense

Como caracterizaria a cultura Santomense? [uma identidade cultural ou várias]


|05:35|
Para mim, não existem várias identidades culturais santomenses. Para mim, o que existe é a identidade
cultural santomense. Ora, São Tomé diverge de qualquer uma das paragens da luso-africanidade. No luso-
africanismo o santomense diverge de todos, desde logo por matrizes da origem, enquanto os outros tinham
um povo puro, São Tomé e Cabo Verde não tinham. Porque a Guiné tinha, lá do Casamansa8. E, no entanto,
São Tomé conseguiu outra coisa - que Cabo Verde não conseguiu - a partir de 1515 São Tomé consegue a
carta de alforria com poder igual a um europeu. Para quem? Primeiro para os mulatos, depois em 1517 já
entram os escravos domésticos, também as mães escravas negras vindas da Nigéria. Até 1800 e tal... Com
todo o poder e direito ao bem, também tem terra, tem direito a escravos, pode trabalhar na função pública, tal
como um europeu. Nem Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau ou Moçambique, só em São Tomé.
Um santomense na tropa, quando saía tinha ordem segunda, um de Portugal tinha ordem primeira, um
angolano tinha que ter ordem terceira, em Cabo Verde ninguém pensou nisso... É uma grande diferença!
Então, como é que se constrói, ou por outra, qual é a matriz cultural de um santomense? Esse bicho é
esquisito... porque ele tem várias origens. O forjar cultural é de 1880 com Estanislau Augusto Pinto que cria
a Sociedade 23 de Setembro9. Até leva uma banda da câmara municipal de São Tomé para Paris e ganha o
primeiro lugar. Nós ganhámos, num concurso mundial das bandas charangas10.
Então, como é que que se constrói isto? Tem que primeiramente fazer uma estratificação. Porque o forro só
anda até 1800 e pouco. Depois tem os tongas. Eles têm cosmos, cada fazenda é um país dentro do próprio
país. Depois, se virmos os cosmos, vemos também outra estratificação das origens - angolanos, cabo-
verdianos. Moçambicanos, muito pouco, não foi determinante, nem guineenses. Mas são os angolanos e os
cabo-verdianos que vão determinar os comportamentos, aquilo que nós determinamos por estereótipos.
Depois temos o forro, mas de que origem? Porque o tipo tem atitudes! Ele tem atitudes e é contra os cosmos.

7 Refere o Dr. Rito Aragão como único linguista santomense, seu professor de liceu.
8 Casamansa é uma região do Senegal localizada ao sul de Gâmbia e a norte da Guiné-Bissau, atravessada pelo rio

Casamansa.
9 Estanislau Augusto Pinto foi um funcionário português no tribunal de São Tomé. Foi ele que, em Junho de 1880,
fundou em São Tomé a “Sociedade Africana 23 de Setembro”, associação recreativa, dramática e musical.
10 Charanga é uma banda de música geralmente composta apenas por instrumentos de sopro, embora também possa

incluir timbales. O termo está também associado a bandas que tocam música festiva e popular, frequentemente
marchando.
8
Então temos que balizar isto. Do ponto de vista sócio-cultural, biológico, comportamental, o forro é
diferente. Temos que dividir.
|11:47|
O colore (cultura) no grego é muito vasto. Do ponto de vista sócio-cultural é um indivíduo de personalidade
soberba porque vive muito de complexos e de estereótipos também. Ele não aceita as regras científicas. E ele
tem sempre atitude, que é sempre superior. Todo o mundo que vem para São Tomé, para ele (forro), é mansé,
que significa intruso (a ideia, o sentido). Não é daqui e veio, logo é mais baixo. Não é mais alto que um
forro. Então, um mansé, pode ser "mansé colomba", porque é um branco e veio de Portugal. Já será "mansé
gabom" quando se trata de um escravo e "mansé cabovede", se veio com contrato de Cabo Verde para vir
trabalhar aqui. E o forro sa sumu sun não sei quê... sumu sun fulano, samu san fulana. Percebeu a grande
diferença? Quanto ao forro, ele nunca é mansé. É sum sun, sumu sun... Percebeu? E isto para Deus é igual,
você não diz Deus mansé, você quando se refere a Deus diz "sumu sun Dêsu padê". Agora, sim, é "Senhor
meu Deus, o pai". E o forro tem a mesma categoria, todos os outros são mais baixos, até o branco. E isto é
muito complicado para perceber o comportamento de um santomense, sobretudo porque ele é arrogante.

Qual a razão que leva o forro a considerar-se parte de uma raça pura de cá?
|14:30|
Não, o forro não se julga nessa posição. O forro tem uma coisa que....

É por causa da conquista dos documentos?


|14:43|
Sim, é só isso. Foi muito poder que foi dado. Eles, com tanto poder atribuído, usavam-no. Também são
esclavagistas. Somente o forro chegou à independência. E nós só nos enfraquecemos por causa dos tongas
que vieram das fazendas que não têm o estatuto que nós (forros) temos. Esses são mais baixos, mais fracos.
Só que nós também estamos, agora tecnicamente falando e muito sério, nós também incorremos num erro
porque não sabemos tirar bom partido daquilo que temos, da bonança que temos na mão. Nós somos tal
Brasil, tal Kuwait, e da Nigéria não falo. Porque não houve raça pura aqui, se bem que no Brasil há uma
diferença, com os tupi-guarani, os índios. Mas não é significativo.... Aqui houve uma simbiose que garante
uma riqueza cultural muito vasta. Eu sou de origem árabe, tenho o progenitor brasileiro também. O Alcântara
vem do Brasil, o D. Pedro de Alcântara foi o primeiro imperador do Brasil. Agora quem é que me garante a
origem do Alcântara, se Angola tem, Cabo Verde tem (que eu saiba!), Guiné e Portugal também. Então não
sei de onde veio. O Leite veio de Portugal, tenho a certeza. Aqui está uma simbiose tão forte que nos garante
que as nossas origens são heterogéneas, não são homogéneas, não têm tribo.

Por outro lado, parece que os santomenses tendem a lidar mal com a mistura/a diferença...
|18:00|
A culpa não é nossa, isso é uma construção colonial. E eu peço imensas desculpas aos tongas por isso...
porque também eu sou assim. Ainda hoje de manhã eu estava na polícia porque levei um indivíduo que
estava em minha casa com falta de respeito. Porquê? É tonga... Tem que respeitar as nossas ordens e se não
respeitar... eu mandei chamar a polícia para ele obedecer às ordens. Até no apelido você não pode ter igual a
um tonga, eles não têm "de". O registo deles era feito aqui na curadoria11, é o ancoradoiro, era o que tratava
de pedir gabãos e tongas. Nós não, temos que estar registados em cada um dos serviços públicos da comarca
e freguesia.

Então não pode ser considerado um cidadão santomense?

11 Curadoria Geral dos Serviçais e Colonos


9
|19:23|
Não, porque nem se quer pode estar registado. É filho de uma única fazenda.

E quando ele vem morar para São Tomé e começa a relacionar-se com os santomenses...
|19:43|
Mas ele não tem. O filho nem é registado como filho dele. A menos que seja com uma forra.

Então, socialmente....
|20:06|
Ele é um excluído. Ele nem pode circular na freguesia. O forro tem direito a bater-lhe e prender, por causa da
polícia rural. É entregue ao regedor na freguesia e devolvido à mesma fazenda. Só com a independência em
1975 é que isto mudou, e mudou mal! Porque os sanzaleiros são sempre sanzaleiros. Eles comungam
comportamentos, atitudes e relações, no mesmo sítio. O forro é cada um no seu quintal. A atitude do forro é
muito separatista. A atitude do sanzala é comum, porque ele caga no mesmo sítio, na mesma retrete, cozinha
no mesmo sítio, usa a mesma sala. Ele não tem voz, nunca aprendeu a ter voz. O forro tem, o forro dá
ordens. Depois, o forro tem roças e ele não. Por mais que se tivesse distribuído lotes agora. Pelo contrário, só
veio complicar a situação, porque o tonga que recebeu o lote envolve-se com a mulher do forro. Porque o
forro está fraco, não tem recursos, e ele (tonga) tem porque tem lote.

Como foram distribuídos esses lotes?


|21:49|
Isso é com a política fundiária. São eles que distribuem lotes a quem estava nas fazendas e não aos forros. E
isso só complicou a situação! Como ele vivia na fazenda, sabia trabalhar e ficou com poder porque tem um
espaço de terra seu e produz. Já o forro não. Então o que acontece é que ele está a produzir comida e a
mulher do forro - que não tem espaço para produzir - vai comprar e ele pode ludibriá-la. Esta guerra é
complicada e tem que se alterar...

É uma luta entre o poder económico e social?


|22:45|
É uma luta pelo reconhecimento de personalidades. Porque, por exemplo, um cabo-verde deveria estar lá.
Ele deve ter atenção porque ele tem por hábito, apesar de ter nascido em São Tomé, de dizer que é cabo-
verdiano. Ele deveria assumir que é santomense de origem cabo-verdiana. Nem querem a língua santomense.
Neste momemto 98% dos moradores da ilha do Príncipe são cabo-verdianos. O lunguyé já foi abafado, não
há nem 30 falantes. O crioulo cabo-verdiano é que se sobreleva.

Então o lunguyé deveria ser estudado e preservado?


|24:24|
Estamos a estudar. Mas esta língua foi decretada morta. O Philippe Maurer fez uma gramática científica. Há
uma brasileira, a Ana Lívia Agostinho, que também já veio trabalhar comigo mas no quadro de São Tomé,
não do lunguyé,e ela apresentou uma gramática pedagógica. Mesmo assim, o lunguyé está a ser ensinado nas
escolas, embora linguisticamente esteja morto porque não estão a trabalhar com um linguista e, por isso, não
há método. O único metodólogo que havia era um professor que morreu com vinte e tal anos no Picão. Eu já
tentei ir ao Príncipe para corrigir o sistema e implementar um método para se salvar a língua, mas até agora...
E neste momento está a ser ensinado à toa. Não há nenhum método. Não se pode arrancar com um método
lúdico para se fazer uma coisa científica. O método lúdico, normalmente, apoia-se no sistema científico.

10
E cá em São Tomé?
|27:00|
Cá, tem pés para andar porque há muitos elementos que nos ajudam. A primeira coisa é o coeficiente das
músicas. Noventa e tal porcento da produção nacional é em línguas nacionais.

E em relação a São Tomé, que línguas podemos considerar ainda vivas?


|28:13|
Nacionais ou que vieram? O kaboverdianu de São Tomé é uma variante, chamado idioma Kaboverdianu
veiculado em São Tomé. Não é original porque não nasceu aqui. Nós não determinamos em cima disto. Nós
só trabalhamos com quatro línguas que são o santomé, lunguyé, ngola, fa d’Ambô (que é falar de Ano Bom).
E estas quatro línguas - nenhuma oficializada - fazem parte de um grupo linguístico especial no mundo e
nasceram em São Tomé. São o resultado de uma proto-língua com sucessivos abonos de diferentes épocas.
Depois houve o desmembramento, cada um com sua época e com resgates diferentes. Quer dizer que houve
abonos, o superestrato12 e o adstrato 13. Mas o angolar ganhou muitos (falantes) que vieram da costa africana
depois de 1520 com os resgates vindos de Angola, os quimbundo e umbundo. Para a ilha do Príncipe é os que
vieram da Nigéria, os Calabares. São Tomé, como estava aqui no meio termo, ganhou influências dos
portugueses que estavam aqui. Por isso, a maioria das nossas palavras são do português daquele tempo.
Então como fazemos uma reconstrução cultural? Eu tive a sorte de estar agora com a Celina Pereira, que
reconstruiu o lundú de Cabo Verde em 1976. Temos que levar para a frente este projecto de reconstrução do
lundú. E quem tem? Nasceu em Angola, foi para o Brasil, São Tomé, Cabo Verde e Portugal, os outros não
têm, nós é que temos! Há muitos elementos que nos unem culturalmente. Todos passaram por aqui, nós
somos o Brasil de África. Do ponto de vista fisiológico, biológico, antropológico, nós não somos da costa
africana, nem no nome! Somos insulares, um encontro entre a África e Europa. Somos um encontro, não o
absoluto!

Agora gostaria que me identificasse sítios e locais de interesse em São Tomé e Princípe. [que os
santomenses valorizam - associados a histórias de vida, à tradição oral, à história da ilha]
|35:10|
Isso requer, outra vez, uma estratificação. Se estivermos a falar dos tongas, os exemplos são bastantes. Se
quisermos falar dos últimos que vieram da região de Angola, os quimbundos e umbundos, os BasaCongos,
assim se pode dizer. Temos Monte Café como última estratificação, Bela Vista, Monte Macaco, Rio do Ouro
(roças). Houve um grande movimento para aldeamentos como, por exemplo, Oque del Rei - aldeia Moça,
Conde - Água Casada e Ferreira Governo. Todas as fazendas têm cabo-verdianos. Em relação aos
Moçambicanos o meu registo está desactualizado.
Por isso, se quisermos dividir os valores culturais, também temos que dividir por grupos de gente, eu chamo
a isto grupo sócio-histórico-cultural. Os valores deles não são iguais aos outros.
Agora se falarmos da cultura dos forros, isso é falar do indivíduo que não sabe que ele, é ele próprio.
Estamos a falar da individualidade cultural. Tem uma personalidade muito elevada. Ele é equiparado a um
europeu, tem direito à função pública e tudo, mas é um estúpido! Então deram-lhes poder, a maioria deles era
polícia rural. E tinham roças em que, grande parte, estava por plantar. E é uma coisa que se mantém. Isto é,

12 Em linguística o superestrato engloba o conjunto de características lexicais, fonéticas e gramaticais deixadas numa
língua já consolidada por falantes de um grupo invasor ou estrangeiro que fala uma língua diferente.
13Adstrato é a designação utilizada para descrever a influência mútua entre duas línguas de diferentes proveniências
que, durante derterminado período, coexistiram num mesmo território. Também pode ser definido como uma língua ou
dialeto que exerce determinada influência, por contiguidade geográfica, convivência ou coincidência temporal, sobre
outro idioma ou dialeto. Uma situação de adstrato ocorre quando uma língua indígena sobrevive e coexiste com a língua
dos invasores e enquanto houver uma influência mútua, nenhuma desaparece.
11
ele tem uma personalidade muito elevada, mas não a sabe usar. Nem da lei ele sabe, nem de casamento que é
uma grande fonte dos problemas e dos filhos que dele advêm.
A obrigação de acasalamento foi muito influenciada por África. A gente não quer europeus porque os
mulatos não têm pátria, não sabem defender um sítio. Então a tendência foi acasalar somente com negras.
Por exemplo, a minha mãe era uma célebre dançarina de gramafinola 14 e o meu avô proibiu-a de ir para o
ambiente das fazendas para que nenhum branco se apaixonasse por ela. A minha mãe tinha que ficar com um
forro e preto.

No seu ponto de vista, o que deveria ser feito para preservar a cultura em São Tomé? [para a
construção de uma memória colectiva e referências identitárias comuns]
|48:00|
Agora vamos falar dos elementos sócio-culturais, que não sócio-linguísticos. Ora, temos que continuar a
fazer uma estratificação. Temos que referenciar os elementos.
Embora havendo um apetite para a produção de músicas em línguas nacionais, há um grande problema que
é, não se consegue escrever correctamente, nem se diz correctamente, então é uma luta contra a maré.
São as atitudes comportamentais que também se reflectem na língua, o savoir faire. Por exemplo há uma
divisão do pronome de tratamento que o português não tem. É o sumusum, sumun, sum e cada um se refere a
um sujeito e comportamento diferentes. Isto para o santomé. Refiro-me ao facto da língua reflectir a cultura
de um povo. Por isso, é difícil.
Eu não aceito a tchabeta ou batuko como de São Tomé, mas sim como manifestações culturais em São Tomé,
que são de Cabo Verde.
O Tchiloli é nosso, nós assumimos. Porque nós reconstruímos. Vem desde 1300 e pouco. Os textos
importados são todos em verso e nós trabalhámos em cima deste texto. Acrescentamos personagens, o
anacronismo do telefone... com o apoio do professor Ferreira da Silva e Estanislau Augusto Pinto,
provavelmente, no ano de 1880.
Até a puita é nossa. Foi construída em São Tomé com o apoio dos escravos vidos de Angola. Na mesma
altura do semba 15 e lundú. Puita e almandage é nosso, somente tafúa é que veio [de fora] e o toque é
diferente.

Que outras manifestações culturais consegue incluir nas importações que se manifestam cá e nas que
são cá criadas?
|55:17|
Então vou dizer-te tudo. Temos puita, almandage, o semba foi feito aqui, danço de congo, plo mon dessu,
stleva, estas últimas são filhas do lundú. Foram todas construídas aqui, quando uma morreu criou-se a outra.
Aladá e goma não são de cá mas manifestam-se aqui. São muitos rituais animistas. E ainda o baile. Foram
todas sofrendo mutações.

E podemos dizer que continuam todas vivas?


|56:39|
Não. O lundú está morto. O baile eu penso que está quase... porque o stleva 16, havia em Santana, se o senhor
estiver vivo é o único que faz isto. O plo mon dessu, o único grupo é de Ototó, está praticamente

14 De gramofone.
15 Semba é um dos estilos musicais angolanos mais populares. A palavra semba significa umbigada em quimbundo

(língua de Angola). Foi também chamado batuque, dança de roda, lundú (ou lundum), chula, maxixe, batucada e partido
alto, entre outros, muitos deles convivendo simultaneamente.
16 Stleva ou trevas.
12
desmembrado. Almandage (irmandade) só o grupo Formiguinha da Boa Morte é que toca, no final do
Tchiloli. Eles fazem isto para preservar, é de 1800 e tal. Foi criado na mesma altura do lundú. É original da
Trindade, com o grupo Uémbé. Como vê esta zona está perto de Monte Café, e foram os tongas vindos de
Angola que ajudaram a construir isto.

Haverá já alguns traços (materiais/imateriais) da cultura Santomense que se perderam? Quais?


|59:30|
Bastantes. Uma das coisas é o traje. O São Tomense já não respeita a indumentária clássica. Antes era muito
rigoroso. O uso de um bastão/bengala era utilizado como defesa pessoal, que também está representado nas
personagens do Tchiloli. O chapéu, o bigode.... Aquele que é conservador tem grandes problemas de
reconhecimento na sociedade multicultural. A entrada dos tongas desfavorece o comportamento dos forros.
Os tongas normalmente falam de mais, mentem, não têm carácter, porque é muito sanzaleiro. A sanzala é
sempre comum e o forro é muito reservado e não admite que a conversa transborde, é discreto. Com o
advento da independência, os tongas também ganharam liberdade e vêm incomodar a matriz do forro.
Há um conflito entre o comportamento cultural de um realmente forro e os que são descendentes de fazenda.
Um tem tradição de sanzala e o outro de quinté (quintal). Há um diferendo. Estão de costas voltadas.
Mas voltando aos traços que se estão a perder. A stleva está quase mas ainda há memórias, o plo mon dessu
só ficou um reduto e o lundú morreu. Eu tinha um projecto de resgate do lundú, o ressurgimento ou
reconstrução. Eu tenho todo o material na mão, até as letras e pautas de 1800 e pouco. É um género musical
dançado com roda e alteamento (dos braços). Não tem traje. Tem coreografia e é muito lascivo e por isso foi
proibido em Portugal durante quase 100 anos. Saiu de Angola com o nome de batuco e no Brasil ganha o
nome de lundum/lundu. E lá ainda há até hoje.

E a letra é em que língua?


|1:13:24|
Houve várias. E é a Celina Pereira que estudou o de Cabo Verde que é só instrumental. Em São Tomé eu
conheço letras em santomé. A letra e o gesto só se referem ao acto sexual.

Tem a ver com um modo de vida?


|1:14:40|
Claro que sim. Reflecte tudo. A maioria é voltada para a relação homem/mulher/filho/criança.

O léxico é muito reduzido, não é?


|1:15:09|
Dois mil e tal. Mas a maioria é relacionada com isto!!!

|1:15:40|
Em termos comportamentais também já perdeu um bom bocado. Anteriormente o santomense tinha uma
carga de religiosidade muito alta e agora baixou. E cada vez que baixa a religiosidade também baixa a
relação e o amor mútuo. Já não há relação de parentesco. Sinal de parentesco não é por ser família mas sim
parente. Basta ser da mesma freguesia que já és parente, ou madrinha, ou associado a um amigo. O
parentesco aqui são relações sociais que se estabelecem. A palavra lumón não é porque é irmão mas sim
parente. Trata-se de uma relação que exige respeito.

Quer acrescentar alguma coisa aos traços culturais que se perderam?


|1:19:58|

13
Na extracção vinícola perdeu-se o calebasse (cabaça) e é grave, porque é um elemento de conservação do
vinho que garante a mais alta qualidade do estado do vinho. Digo isto porque tenho um manuscrito de 1506
que dizia que já se extraía vinho em São Tomé com calebasse por negros vindos da costa africana (eu penso
que eram nigerianos).

E que vinho era?


|1:20:00|
Vinho da palma.

Que agentes culturais (instituições/indivíduos) identificaria em São Tomé?


|1:22:41|
Produção cultural em São Tomé começou naquela altura.... porque eu tenho memória. É que eu não gosto de
falar desacertado. Não havia instituições. A Liga de Interesses Indígenas é esta casa aqui, por isso é que se
tornou na Casa da Cultura. Sede da Liga entre 1911 e 1927. E o estado mandou assaltar e pegou fogo a todos
os documentos. Só que havia um problema, eles só defendiam homens de bens, não os pobres. Mas já no ano
de 1880 havia sido constituída a Sociedade Africana 23 de Setembro para defender todas as causas culturais.
No ano de 1906, o príncipe real D. Luís Filipe veio para São Tomé. Aqui é a casa da câmara e havia cá uma
banda. E foi para França, a convite daquele príncipe, e ganhou o primeiro lugar num concurso, com apenas
14 elementos. E cruzou-se com a banda da Guarda Nacional Republicana com 1500 homens.

E o que interpretou?
|1:25:42|
O Lundú de São Tomé. Tem um compasso de andamento de quatro passos.
Era aqui a casa da Câmara Municipal de São Tomé. Vê que tem mármore e esta tem estátuas em todos o
quadrantes. Esta é de 1800 e qualquer coisa.

E quando foi reabilitada?


|1:27:06|
Há coisa de 10/15 anos, com o apoio da UNESCO. Foi recuperada para restituir o seu valor cultural.
Preservaram todas as suas características. Isto já tinha sido um hotel. Tornou-se Casa da Cultura por ter sido
a sede da Liga dos interesses Indígenas. Porque a Associação de Socorros Mútuos veio depois na Trindade.

Então e agora, consegue indicar alguns criadores culturais?


|1:28:33|
Nós temos o Sum Canalim17, de Santana, que é muito importante. Ele é um pintor naive e é pai de um estilo.
Antes do Brasil e é o primeiro em África, com baixos-relevos e tudo. Depois não vamos ter mais nada se não
os grupos de baile. Não é por serem realmente grupos de baile, é um clube. Temos o Sporting Clube de São
Tomé, que não é do Sporting, é cultural e político, e há várias manifestações culturais lá dentro, mas também
com procedimentos políticos para a independência de São Tomé. Há também os grupos como Coimbra
Nova, o Almense que também são grupos, em algumas freguesias, que se agregam para realizaram actos
culturais, que também têm por trás actos políticos. Isto viveu, mais ou menos, uma centena de anos. Depois,
logo a seguir, o que vamos encontrar, são os movimentos culturais, que já não são clubes. Que são as zonas
que criam, o Tchiloli, bulawés. E isto desenvolve-se por quase toda a ilha. Depois de 1976 encontramos a
morte dos bailes e socopés e encontra-se o surgimento dos bulawés, contudo alguns grupos culturais

17 Pascoal Viana de Sousa Almeida Viegas Lopes Vilhete (nascido no séc. XIX), conhecido com o nome de Sum

Canarim ou Sum Canalim


14
resistem. É isto que vamos encontrar. Independentemente daquilo que chamamos de conjunto que é uma
forma copiosa, ou internacional, ou desta paragem da costa. Porque para os ritmos de São Tomé o que mais
marcou é ússua e só ficou marcado com Ayder Índia até ao mais alto grau com Seu Lula (1978/9).
Fora disso não se construiu mais nada em São Tomé. Angola regressou para a rebita. São Tomé ainda não
regressou para a sua raiz original. Está a cantar coisas dos outros. Nós temos também o bimbá que está
extremamente ameaçado. É um tipo de arpado tradicional, harpa. Só há um homem em São Tomé que toca
isto e vai morrer. E temos um mais alto tocador de nguené - que o Brasil chama berimbau - também está à
beira da morte.

Parte II: Um museu em São Tomé

Conhece o museu de São Tomé?


|1:35:26|
De lés a lés.

Que outra tipologia de museu gostaria que houvesse em São Tomé?


|1:35:41|
Deveria dividir as memórias dos grupos sócio-historico-culturais. Nós não somos todos iguais. O Ferreira da
Silva é que fez aquilo como a cabeça mandou para o V Centenário da Descoberta de São Tomé, em 1970.
Não foi uma coisa seriamente construída. Se reparar, quantas peças estão lá? Estão lá peças de ordem, de
religião católica. Não tem mais nada. Cama do Barão de Água-Izé... não representa nada! Não representa
São Tomé.
Por exemplo, um devasson é muito representativo para São Tomé, tanto que até no Tchiloli está presente, e
porque é que lá não tem? Lá tem moquixi, tem coisas à toa. Coisas de animismo. Não tem coisas que
represente São Tomé. No Tchiloli, o Reinaldo de Montalvão traz uma cruz nas costas porque por tradição da
família ele é católico, mas ele traz também um devasson (defensor)18 na mão ao lado da bengala. E porque é
que não há lá isto? Tem que estar descrito. E falta muito mais...
Lá no museu tem uma flauta de prata que foi o prémio que São Tomé ganhou em França, em 1906, com as
fardas brancas com botões de ouro e capacete tingido de ouro. Mas o Sr. Barros dizia que aquilo é da
monarquia e não é... as coisas de São Tomé não estão escritas e cada um diz o que a cabeça manda.

O que gostaria de ver num museu de/sobre São Tomé?


|1:39:47|
Tem que estar interpretado. Tem que ser feita um estratificação social. E representação dos grupos sócio-
culturais. Estratifica primeiro e depois apresenta os grupos. Estão lá coisas à toa... Há lá coisas de fazendas.
Eu gosto, no entanto, é preciso falar dos forros, dos tongas.

De que forma se pode apelar à participação da população na constituição de um museu?


|1:41:00|
Eu continuo a dizer que para o equilíbrio social, a primeira coisa é que todo o mundo tem estatuto de gente,
desde o momento em que nasce. Logo a seguir, como é que eles estão cá, qual é o estatuto deles? Então é
estratificação. Dá-lhes categorias. Fazer a representação deles lá. Os valores deles, desde linguístico,
manifestações culturais, tudo isso. Porque, por exemplo, o djambi não é nosso. Pelo menos não é meu. Mas
passou a ser nosso porque os filhos de São Tomé também manifestam o djambi. Mas o que substitui o
djambi, para o meu grupo é aladá e goma. Mas eu também já assisti ao djambi, não vou dizer que aquilo não

18 Devasson ou xiló/txiló.
15
presta, também é bom. É um resquício de animismo. São manifestações ancestrais diferentes. No djambi
entram em transe, saem fora do juízo. Djambi significa Deus em quimbundum.
Como foi construído por um católico ele tem que escamotear estas coisas. As coisas são contadas de forma
conduzida.

Onde deveria ser um museu de/para as pessoas?


|1:46:17|
Fotxi pedassu. Onde se fez o Hotel Pestana. Há lá uma fortaleza que foi semi-destruída pelos Holandeses.
Está lá uma estrutura em pedra e cal. O estado Santomense devia ter-se preocupado com a sua preservação.

|1:48:48|
Eu sou presidente da associação cultural santomense que defende todos os valores culturais de São Tomé e
Príncipe e diásporas. Zelamos pela preservação de valores ou pela reconstrução ou reabilitação dos valores
em vias de extinção. O lundú morreu em 1800 e pouco.

E de que forma fazem esse trabalho?


|1:49:39|
É necessário investigar, adquirir elementos e depois disso afectar todos os recursos. Por exemplo eu trabalho
directamente com as bandas para que voltem a tocar coisas antigas. Dou-lhes as pautas e, neste momento,
está vivo. E também somos membros da FONG.

E há mais algumas associações deste tipo?


|1:51:05|
Com o nosso nível, não! Eu só respeito todas a que pertenço: UNEAS, LEC (Liga de Escritores dos 5 Países
de Língua Oficial Portuguesa), ACS. Só não pertenço à AAPLAS, e é a única que respeito com pendor
cultural. Os outros não têm o know how.

Mas há mais?
|1:51:52|
Há Os divertidos, Intercultura, Associação Cultural de Guadalupe. Mas não tem serventia porque não
actuam.

E quais são as estratégias que vocês utilizam?


|1:53:40|
Aqui não há nada disso. As coisas não são lineares.

***

16
III. Conversa com Nelson Campos, realizada na Casa da Cultura, no dia 7 de Novembro de 2011, às 16h.

Identificação

Nome: Nelson Campos


Idade: 35 anos
Localidade: Água Porca, São Tomé
Actividade profissional: Professor, Director da Casa da Cultura
Habilitações literárias: Bacharlato em Línguas e Literaturas Modernas; Licenciatura em Língua e Cultura
Portuguesa

Gostaria que me falasse das datas importantes acerca desta estrutura.


|0:01:35|
Sobre a Casa da Cultura, uma das maiores dificuldades com que nos confrontamos são as fontes
documentais. No passado, a Casa da Cultura foi o centro da Liga dos interesses indígenas que era um grupo
organizado que defendia os interesses do homem santomense. Eu de momento não posso precisar a data, mas
caso esteja interessada, tenho documentos e posso facultar-lhos. Tenho alguma informação daquela
organização ainda da era colonial. E depois, este edifício pertenceu a uma família, cujo nome não consigo
precisar agora porque eu tratei de fazer o levantamento quando assumi esta divisão, fui ao museu mas
dificilmente se consegue alguma coisa...ouve-se, as pessoas vão dizendo... As pesssoas mais velhas têm
alguma informação mas são memórias, não há suporte escrito, documental.
A Casa da Cultura, depois da era colonial, serviu muito os interesses da população, do povo santomense,
depois veio para cá residir uma família, a família Aguiar, já depois da independência (inclusive eram primos
do Dr. Armindo Aguiar, professor de História e historiador), inclusive uma das filhas foi a ex-directora da
Direcção Regional de Cultura, Yolanda Aguiar.
Depois de terem deixado esta casa, ela caiu num estado de esquecimento e abandono e como tal, se não fosse
a qualidade desta estrutura da época colonial... Só em 2006 é que o Estado Santomense recuperou a
estrutura, reabilitou-a e entregou ao sector da cultura como sendo a Casa da Cultura, património nacional.
Foi recuperada com o apoio da cooperação espanhola.

Quais os principais intervenientes para a existência deste espaço?


|0:06:50|
Enquanto Casa da Cultura posso garantir-lhe que a figura de proa, o número um, é o Ministro da Educação,
tal como do Instituto Superior Politécnico (ISP) e a Biblioteca Nacional são instituições tuteladas
directamente pelo ministro. E depois está o director da Casa da Cultura, que neste caso sou eu. Também
estamos ligados à Direcção Geral de Cultura devido ao tipo de estatuto que a Casa da Cultura tem e, apesar
de não parecer, ela não é totalmente autónoma porque depende também da Direcção Geral de Cultura.

A gestão é partilhada?
|0:07:58|
A gestão não porque os estatutos deixam muito claro que a Casa da Cultura goza de plenos poderes de gerir
os recursos financeiros e patrimoniais. Mas, no entanto, há ali uma ambiguidade na interpretação que deixa
em crer a interferência da Direcção Geral de Cultura em alguns assuntos.

A que se refere quando fala em gestão patrimonial?


|0:08:28|

17
Eu estou a falar concretamente da preservação/manutenção do edifício/imóvel.

Portanto, esse é o património pelo qual a Casa da Cultura zela. E há algum acervo?
|0:08:47|
Não, não tem. Já houve algum acervo mas foi tudo entregue ao Arquivo Histórico. Tratava-se de um acervo
documental.
(...)
Agora, no que diz respeito à planta de raiz do edifício, não se trata da planta originária. Ela foi alterada
porque nós não conseguimos precisar quantos anos esta estrutura, este edifício, tem. Deve ter sido construído
na altura da edificação da cidade, porque todos estes edifícios devem ser da mesma época, têm estruturas
semelhantes. A Câmara, o Gabinete do Primeiro Ministro...
Antigamente, as ex-empresas agrícolas tinham necessidade de ter a sua sede aqui na capital e foi com este
intuito que se foram construindo estes edifícios. Não sei, por isso, até que ponto este edifício não terá sido
um escritório de uma das empresas agrícolas. Não posso avançar mais porque não tenho a informação
precisa. Ainda não consegui fazer uma pesquisa exaustiva porque não é fácil pesquisar no Arquivo Histórico
uma vez que está com grandes dificuldades de preservação dos documentos. Não têm material técnico, os
documentos já estão num estado muito avançado de degradação e há um trabalho em que a directora está
muito empenhada que é a informatização dos dados (que se perderam com o desaparecimento - roubo - dos
antigos computadores).

De que forma é que a programação da Casa da Cultura veicula a sua missão?


|0:12:57|
Quando eu assumi a direcção da Casa da Cultura, encontrei um programa que havia sido estruturado pelo
antigo director, o Frederico Gustavo dos Anjos. O que tenho feito é tentar alargar o programa de forma a
poder responder às necessidades actuais, às demandas, que são naturalmente muito prementes, como os
valores em crise/decadência, e vamos ver se conseguimos reabilitar esta parte.
Sabe, uma Casa da Cultura, deve trabalhar no sentido de preservar todos os valores, desde a língua até aos
objectos. Mas isso depende muito dos recursos que a instituição tenha ao seu dispor e da política do próprio
país. Depende muito da política cultural e da vontade dos políticos. Porque o sector cultural nunca mereceu
muita atenção, está sempre focada na educação. Daí a necessidade de realizarmos este Fórum Nacional da
Cultura, para termos um suporte único, um documento oficial que possa ser entregue ao Governo e que este
possa encontrar recursos para o desenvolvimento do sector da cultura.
Nós aqui temos objectivos muito claros e bem definidos. Esses objectivos não estão a ser cumpridos uma vez
que eu, enquanto director, não tenho conseguido dar resposta aos nossos intentos. Como dizia, nós não temos
recursos financeiros, vivemos de pequenas cobranças. Aquilo que o próprio estado põe à disposição da Casa
da Cultura não dá para pôr o programa em execução, em pleno funcionamento. Nós vivemos de cobranças
internas, de aluguer de espaços que também é um valor muito irrisório. Daí que nós nos preocupemos mais
com a realização de palestras, debates, mesas-redondas, conferências. E também, ultimamente, desde que eu
assumi o cargo, tenho trazido muitos grupos culturais para a Casa da Cultura, aos quais não cobramos,
apenas cedemos o espaço para que eles ensaiem e se preparem da melhor maneira para as apresentações
públicas. Cedendo o espaço nós estamos a contribuir e a promover, uma vez que não podemos fazer o nosso
próprio programa. E os grupos comprometem-se, aquando de uma actividade na Casa da Cultura, a
apresentar uma peça ou outra coisa.

18
Posso ainda acrescentar que o ministro, numa das viagens ao Brasil, entrou em contacto com o governo
brasileiro e trouxe para cá a Casa Brasil19, a equipa da Casa Brasil, que zela pela preservação dos valores
culturais brasileiros. Nós vamos assinar uma parceria com a Casa Brasil. Já vieram equipas 2 vezes a São
Tomé. Há 2 meses esteve cá uma equipa constituída por engenheiros da construção civil que vieram fazer a
prospecção e um levantamento das necessidades do espaço das traseiras, para o transformar, talvez, num
anfiteatro. Eles estão a trabalhar sobre a planta. Eles trouxeram um projecto e já fizemos uma adaptação à
realidade nacional, eu e outra representante do Ministério da Educação, é que estamos a trabalhar com a
equipa. E quando o projecto chegar, a Casa da Cultura vai deixar de ser o que é. Haverá muitos serviços, uma
rádio comunitária que funcionará a partir daqui, um tele-centro, sala de informática muito bem equipada com
cerca de 20/30 computadores, sala de leitura, e muitos outros serviço. Virão técnicos do Brasil e irão alguns
jovens santomenses para o Brasil receber uma formação de curta duração intensiva para poderem trabalhar
connosco. O projecto visa a inclusão social.

|0:20:34|
Só para citar, nós temos quatro grandes áreas que são: instituir o espaço “À conversa com...” que é um
espaço radiofónico. Inclusive eu já estive a tratar com o Director da Rádio Nacional porque a Direcção Geral
da Cultura tem um espaço institucional e gostaria de o recuperar com o objectivo de informar o público,
principalmente os jovens, acerca das especificidades de cada um dos géneros literários porque vamos
promover concursos literários. Também gostaria de promover entrevistas radiofónicas com escritores,
representantes de grupos culturais. Inventariar e informar o público sobre as particularidades culturais
santomenses, quer sejam locais, regionais ou nacionais. Também gostaríamos de ter um espaço para
promover e dinamizar o teatro nacional, formação no domínio do teatro, organização de espectáculos
teatrais, comemoração do dia mundial do teatro, realização de um concurso anual de teatro. Organização de
digressões culturais para a região autónoma do Príncipe e para os distritos em estreita parceria com o
governo regional e com as câmaras distritais; reedição do Auto de Floripes e da Tragédia do Marquês de
Mântua e do Imperador Carloto Magno; promoção de textos dramáticos susceptíveis de serem representados.
Incentivar o gosto pela leitura e promover a escrita através da iniciativa “Vem ler” que se trata da leitura
recreativa de textos de autores santomenses; Concurso “A poesia do mês”; Concurso “A prosa do mês”;
ilustrar contos populares santomenses em jeito de concurso; adaptar os contos populares santomenses a
banda desenhada; publicar os textos e trabalhos seleccionados nos concursos; activar um sítio da Casa da
Cultura na internet (é um trabalho que já está a ser realizado); criar uma revista mensal da Casa da Cultura.
Organizar e manter um espaço de encontro e animação cultural chamado Kinteli flogá, um espaço de
interacção, com participação das actividades comemorativas do dia da música, dia da Casa da Cultura (28 de
Setembro).
Promover debates e palestras em torno de temas da actualidade. Promover e incentivar os artistas nacionais a
exporem as suas obras ao público. Promover um concurso de músicos e músicas nacionais, sobretudo jovens.
Realizar sessões (noites e tardes) de rumba, ússua, socopé que são as danças tradicionais. Homenagear
músicos e artistas nacionais já falecidos. Promover sessões de cinema e contos infantis para crianças.
Promover sessões de pintura, escultura, música e outras mais formas de expressão artística ao ar livre.
Registar para arquivo os referidos acontecimentos como forma de preservar as informações recolhidas em
suportes audiovisuais e escritos, caso haja.
Promover iniciativas de estudo e pesquisa que contará com o apoio do Centro de Estudos em Ciências
Sociais, cujo coordenador é o Dr. Armindo Aguiar.

19 O Projecto é uma iniciativa do Governo Brasileiro, que envolve vários Ministérios. A Casa Brasil é um espaço

comunitário, onde todas as actividades são gratuitas, cujo objectivo é promover a cidadania e o conhecimento através da
inclusão tecnológica, da divulgação da ciência, da leitura, da democratização das comunicações, da cultura e das artes.
19
Está ainda pensado um quadro de referências com os objectivos e custos elaborados para o ensino da música,
artes visuais. Tendo sido a Casa da Cultura a pensar na promoção e preservação de valores sócio-culturais e,
tendo nós uma cozinha, eu estou a pensar na possibilidade de promovermos a nossa gastronomia. Eu já fiz
um levantamento total das receitas, inclusive.
Eu já submeti o programa ao ministério e agora estou à espera... Se tivermos recursos e eventualmente
quando vier a Casa Brasil, se contarmos com o apoio deles nós poderemos por em execução estas actividades
todas.

Então a grande prioridade em relação a esta nova parceria é a existência de um novo programa
arquitectónico?
|0:28:27|
Sim, nós cedemos as quatro salas do piso térreo a este projecto bem como o espaço polivalente.

O café é uma das nossas fontes de receita, tal como a sala de conferências que está ao serviço do público e da
sociedade santomense e o valor de aluguer é muito baixo (600.000 dbs20) face ao de outros espaços.

Parte I: Cultura Santomense

Como caracterizaria a cultura Santomense? [uma identidade cultural ou várias. ex. língua ou outras
práticas evolutivas]
|0:31:07|
Eu vou ser preciso, respondendo à questão das línguas, nós podíamos falar de outras realidades, é verdade
que este assunto é um pouco polémico, e não é fácil neste momento preciso resolvermos esta questão. Mas as
pessoas neste momento e mais concretamente o Ministério da Educação e o Governo sabem muito bem a
necessidade que temos em preservar esses valores linguísticos que caracterizam o ser e o estar do homem
santomense. Essas línguas crioulas nunca mereceram muita atenção, até porque nós, como ex-colónia
portuguesa, quando saímos do jugo colonial, a colonização, como dizia Amílcar Cabral, se por um lado nos
fez mal, por outro lado, deixou-nos uma relíquia, uma riqueza imensurável, que é a língua portuguesa.
Porque quando saímos do jugo colonial não tínhamos recursos financeiros para podermos sistematizar uma
das línguas nacionais e se o tivéssemos feito, certamente não teríamos este problema de diglossia21 a que se
assiste em todo o território. No entanto, adoptou-se a língua portuguesa como língua de unidade nacional/
oficial, quer em São Tomé, quer no Príncipe. Porque se nós adoptássemos uma das línguas crioulas, não sei
com quem íamos comunicar devido à limitação, à insularidade, e também ao número reduzido de habitantes.
Ora, nós saímos da era colonial com toda essa necessidade e situação económica e financeira tão débil que
não pudemos escolher, naturalmente, uma das línguas nacionais e elas continuaram assim até hoje e
concomitam no espaço com a língua portuguesa. E então, o que é que acontece? Há interferências constantes
e até o português que se fala cá é uma variante de São Tomé. É, se me permite, “português aéreo”. Porque a
língua faz-se no espaço. Outrora falava-se na língua portuguesa, hoje podemos falar em línguas portuguesas.
Nós estamos a atravessar momentos muito delicados, muito difíceis, porquê? Porque o homem santomense
pensa de uma maneira, numa das línguas que lhe seja mais próxima, por exemplo, o crioulo forro, que é
falado e entendido por quase toda a população, mas depois ele tenta traduzir, mas que tipo de tradução? Ele
usa o léxico português mas o pensamento está muito distante entre aquilo que é o português e o crioulo, ele
não consegue separar as fronteiras. Eu penso que o ministério e o ministro da Educação estão bastante

20 600.000 Dbs = 24€


21 Diglossia designa a situação linguística em que, numa sociedade, duas línguas ou registos linguísticos funcionalmente

diferenciados coexistem, sendo que o uso de um ou de outro depende da situação comunicativa.


20
preocupados com esta questão, e a realização deste Fórum é também para colhermos subsídios para
preservação e promoção dos crioulos. Será preciso estabelecer a fronteira entre as línguas porque isto tem
dificultado muito o processo de ensino/aprendizagem e o bom desempenho por parte dos alunos. E também
não tem sido fácil por parte dos professores.
Quando o ministério da educação adoptar uma das línguas que será, certamente, o crioulo forro, e virá aí
uma guerra linguística, se tivermos que escolher uma língua e não dermos atenção às outras, as pessoas vão
começar a reivindicar. Mas o Ministério da Educação e o Estado vão ter que saber lidar com esta situação.
Numa fase inicial e de transição terá que se escolher apenas uma língua para o ensino. E isto melhorará
muito o ensino/aprendizagem.
Mas há muitos outros valores para além da língua. Quando eu falava em ser e estar, como os provérbios,
adágios e muitos outros valores que actualmente estão em crise, em decadência. Porque, ao que parece, não
está a haver uma passagem de testemunho desses conhecimentos. A sociedade moderna está virada para
outras realidades. Como tal, sempre que nós realizamos algum evento e convidamos pessoas, só aparece
meia dúzia, mesmo sendo pessoas letradas e informadas. E é preciso perceber porquê. Não sei se será por
causa da globalização, apesar dos seus efeitos positivos. As músicas tradicionais, por exemplo, não são
divulgadas e por isso não são conhecidas por outros povos. Então a camada juvenil está mais virada para a
música comercial, que é a cabo-verdiana e angolana.

Mas a camada juvenil tem acesso à música tradicional?


|0:42:50|
É verdade, isso depende muito do tipo de política que o próprio governo tem definido para o país. O que
acontece é que a comunicação social, a rádio e televisão nacional, têm essa responsabilidade porque atingem
de uma só vez, num só momento, toda a população. Se eles passarem, criarem um programa, um espaço
musical onde se possa passar músicas nacionais, eu acredito que as pessoas aprenderão a gostar daquilo que
é nosso. Eu acho que eles podem e têm como mobilizar as pessoas. Pode-se promover conferências e debates
mas é sempre para um grupo restrito, ao contrário dos meios de comunicação social. Eu penso que o Fórum
Nacional da Cultura também encontrará uma reposta para isto porque os fazedores da comunicação social
também estarão envolvidos.

Pode referir-se agora a sítios ou locais de interesse? [que os santomenses valorizam particularmente -
associados a histórias de vida, à tradição oral, à história da ilha]
|0:46:00|
Há determinadas manifestações que também estão ligadas à religião. Vamos ver a questão dos
descobrimentos, em Anambó há um monumento comemorativo do descobrimento da ilha que está
praticamente esquecido e abandonado. Temos também o Pico de São Tomé que tem um marco, que julgo ser
de bronze, que depois da escalada, está no limite, já em contacto com a nuvem, e há ainda um juramento:
“Eu juro que jamais voltarei a este sítio”. Porque a caminhada é tortuosa e as pessoas não mais quererão
regressar. E não se sabe como é que os portugueses colocaram aquilo ali.
Há também uma coisa que muitos santomenses não sabem, como os túneis construídos na era colonial.
Aquilo é magnífico. Perfuraram as rochas para a passagem de águas. Fica em Contador, ao pé da barragem, a
única, maior e mais antiga do país.

Mas estão desactivados?


|0:50:40|
Não. Estão em pleno funcionamento. São da plena responsabilidade da EMAE. E eu tive conhecimento
através de um engenheiro da EMAE, responsável por aquela zona, que me levou lá. E de lá vê-se o rio

21
Mondego, que remonta à história do país, por uma comunidade que vivia lá, naquela proximidade, que se viu
subterrada pelo desabamento de uma rocha que tapou aquela comunidade e ninguém sobreviveu. Quer
dizer....só sobreviveu uma pessoa que não estava lá quando se deu o incidente e quando chegou já não
reconheceu a aldeia. Mandaram para lá máquinas e não se encontrou nada. Só se ouvia gritos de pavor.

E nunca se fez nenhuma prospecção arqueológica?


|0:51:50|
Não, nunca.
E lá, quando se passa o 3º ou 4º túnel é que se vê aquela região, é uma rocha que tem uma elevação de c.300
metros.
Depois há também Água Tomá, na região de Neves. Penso que estavam a limpar, a extrair areias na orla
marinha e o caterpílar ficou preso e desapareceu. Se o condutor não saltasse também ia. Mandaram para lá
equipamentos, tractores, especialistas, nunca mais se viu nada...
Temos também a Boca do Inferno, associado ao mito de que os portugueses passavam de lá para Portugal.
A empresa Agostinho Neto também é um símbolo, tanto mais que vem numa das notas nacionais. Há lá uma
cascata que se chama Tranchezé e diz-se que o antigo proprietário da empresa que era José Fonseca, passava
de lá directamente para Portugal. E não só! Lá próximo, Queluz em Santa Margarida, há também um outro
espaço, só que era uma dependência, já se desfez, as paredes desmoronaram, já não existe mais nada. Uma
vez eu fui espreitar e realmente há uma escavação com uma bifurcação que diziam também que iam dali para
Portugal.
Há também em São João dos Angolares, associado à igreja, há uma manifestação cultural que se realiza
lá....é uma data que se celebra anualmente e fazem-se penitências e normalmente vêm-se resultados. É da
igreja Católica. Mas não tem a ver com o Rei Amador.

No seu ponto de vista, o que deveria ser feito para preservar a cultura em São Tomé?
|0:57:56|
Primeiro e acima de tudo, instituir uma política que vise a preservação, o desenvolvimento, a divulgação, do
sector da cultura. Dar mais oportunidades às pessoas. Porque me parece que os elementos da cultura, a cada
dia que passa, vão caindo no esquecimento porque não se investe muito, quer em recursos humanos, quer nos
próprios sectores afins.

Haverá já alguns traços (materiais/imateriais) da cultura Santomense que se perderam? Quais?


|0:59:00|
Claro que sim. O primeiro é, como dizia, a instituição de uma política que vise a promoção da cultura
nacional e também, talvez, trabalhar um pouco para a mudança da mentalidade das pessoas. Porque esses
valores têm muito a ver com a forma de pensar e agir. É preciso que o estado encontre mecanismos próprios
capazes de fazer renascer determinados valores que se vão perdendo à medida que as pessoas mais idosas
vão morrendo porque elas são as detentoras desses valores, já que não está a haver passagem de testemunho.
Porque não fazem um levantamento?

Quais os agentes culturais (instituições/indivíduos) em São Tomé?


|1:00:47|
Quanto a instituições, antes de falar de agentes, daqueles que estão ao serviço da cultura, nós temos a Casa
da Cultura, a Direcção Geral de Cultura, o Museu, o Arquivo Histórico. E depois as pessoas que estão
directamente ligadas a essas instituições. Mas nós temos outras pessoas também como os músicos
tradicionais, que cantam músicas tradicionais. Eles têm dado muita força ao sector da cultura, porque quando

22
convidamos pessoas para eventos eles é que estão presentes. O Sr. José Umbruete, que é músico e
compositor. O Sr. Armindo Aguiar, Frederico Gustavo dos Anjos, Ayres Major, Sr. José Aragão, há muitos.

E na área da cooperação e desenvolvimento?


|1:02:40|
Bem, a área da cooperação e desenvolvimento quem tem informações mais precisas será o Reginaldo
D’Alva, facilitador da Direcção Geral da Cultura ou o próprio director, Fernando D’Alva.
Eu aqui não tenho muitas informações porque estou um bocado isolado....

Parte II: Um museu em São Tomé

Conhece o museu de São Tomé?


Sim.

Que outra tipologia de museu gostaria que houvesse em São Tomé?


Gostaria que houvesse em S. Tomé outros tipos de museu, tais como: Museu militar, Museu de arte, Museu
tecnológico. Este último por onde se podia reunir todas as maquinarias da era colonial, desde os correios,
Artes Gráficas, as das antigas Empresas Agrícolas, etc, o resto de combóios antigos ainda existentes em
determinados pontos do país, as linhas férreas datadas da época da produção e exportação de cacau e café.

O que gostaria de ver num museu de/sobre São Tomé?


Recolha no máximo possível do Património material e imaterial de STP.

De que forma se pode apelar à participação da população na constituição de um museu?


No caso concreto de STP, deve-se fazer com que a população se identifique com a sua história local, através
de conhecimentos e estudos realizados. Outra forma ainda é fazer com que a população participe da recolha
de objectos antigos.

Onde deveria ser um museu de/para as pessoas?


O Museu para as pessoas deve ser um espaço de atracção, um espaço de visita, para se informarem.

***

23
IV. Conversa com Frederico Gustavo dos Anjos, realizada no ISP, no dia 8 de Novembro de 2011, às 11h.

Primeiramente gostaria que me referisse de que forma está relacionado com a cultura santomense.
|0:01:08|
A minha ligação com assuntos relacionados com a cultura tem a ver, um pouco, com o relacionamento que
consegui estabelecer com a D.ª Alda Espírito Santo. Eu fui funcionário da Rádio Nacional, salvo erro, em
1977/78, eu penso que é mais ou menos nessa altura que eu me comecei a relacionar com a D.ª Alda Espírito
Santo. E eu lembro-me que ia, algumas vezes, para o gabinete dela, quanto mais não fosse para mostrar um
poema e conhecer a sua opinião. Depois, em 78, fui-me embora para a Alemanha democrática, foi lá onde
estudei, sou germanista de formação, e digo isso, embora não trabalhe nesse domínio e cheguei em 84 e
nunca mais tive qualquer coisa a ver com as germânicas e fui fazendo o que é possível. Primeiro fui
integrado como técnico da Direcção da Cultura, depois, em 86, estive envolvido num pequeno gabinete
aquilo a que se chamava Grupo de trabalho para a criação de um centro de estudos e pesquisas para o
desenvolvimento. Estive naquele grupo até que veio a mudança em 90/91 e, de repente, convidaram-me para
director da Rádio Nacional. Vi-me director da Rádio Nacional durante algum tempo e depois fui Director-
Geral da Comunicação Social e depois Secretário de Estado da Comunicação Social e Cultura. Sabe,
normalmente a gente quer fazer muito, mas muito significa ter meios para fazer, e não estou a falar só de
recursos financeiros mas também competência técnica e, no domínio da cultura, até aquela altura, nós
tínhamos formado muito pouca gente.
Deixo a Secretaria de Estado em 94 e, em 2004, havia um programa de apoio a iniciativas culturais, um
projecto com financiamento da União Europeia, estavam a 6 meses do fim do projecto e chamaram-me para
finalizar o projecto. No quadro daquele projecto eu deveria gerir a Casa da Cultura e fazer uma proposta de
funcionamento da Casa da Cultura. O projecto terminou, eu tive uma conversa com a entidade competente,
que na altura era o Sr. Ministro da Educação e Cultura e eu disse-lhe: “Bom, o projecto terminou, agora o
senhor envia um gestor da Cultura, a minha missão está no fim”. A resposta foi: “O senhor já está lá e fica
até nós resolvermos”. E foi assim que eu me vi na Casa da Cultura até ao fim do ano passado (2010), com
contratos anuais de prestação de serviços.
Eu tenho uma perspectiva, provavelmente muito minha... isto é um pequeno país e que, se muito não pode
fazer, deveria, pelo menos no domínio da cultura, afirmar-se como entidade com características próprias. E
isso significa, sobretudo, saber respeitar os valores dos outros, para que os outros saibam reconhecer-nos
naquilo que significa a nossa especificidade e as possibilidades que nós temos de, conjuntamente com os
outros, encontrarmos um espaço de sobrevivência num universo que é de todos nós. Esta é a filosofia. E
então eu apercebi-me, já naquela altura, que os valores culturais se estavam a degradar; e quando digo
culturais estou a falar num sentido muito amplo, não apenas na cultura num sentido restrito que pressupõe
um entendimento da literatura, artes plásticas, teatro, artes do espectáculo, enfim... Mas também percebi que
não poderia ser tudo feito e que era preciso definir prioridades e estabeleci algumas linhas para o
funcionamento da Casa da Cultura. Naquele quadro entendi que, desde a independência até hoje, as artes
plásticas provavelmente foram o domínio artístico que mais evoluiu, refiro-me a pintura, escultura, tudo! A
música, fez uma evolução com características muito específicas, com muita influência de fora, que faz com
que hoje, o que nós chamamos música nacional precise de ser repensado num quadro em que temos que ter
em conta a juventude, as novas aspirações, as novas formas de estar, mas tudo isso só se viabiliza se nós
tivermos a noção da preservação e promoção de valores. Eu acho que mesmo essa evolução que nós
constatamos hoje, se podemos falar do país com cultura específica, com características específicas, eu acho
que qualquer evolução se faz a partir de uma raiz própria. Eu quero dizer com isto que temos uma base,
temos manifestações próprias, mesmo ao nível da música podemos falar hoje da rumba, do socopé ou de
outras manifestações que a evolução que agente possa constatar hoje se faça a partir dessa raiz. Se não, nós

24
temos corpos estranhos, com os quais a gente não se identifica necessariamente. A gente convive, no espaço,
com manifestações de hoje, não querendo dizer que a gente se identifica com essas manifestações
necessariamente. A literatura também fez um percurso bastante interessante, contrariamente ao que se possa
pensar, produziu-se muito mais da independência até aos nossos dias, do que se produziu na época colonial,
se quisermos falar da literatura santomense. O que se pode questionar hoje é a consistência dessa produção,
mas em termos de volume produziu-se muito mais. E, se nos constatamos que ao nível da educação, do
ensino/aprendizagem, passou-se por um processo de degradação sistemática até aos nossos dias, vamos ver
que, muito provavelmente, esses fenómenos irão repercutir-se também na qualidade daquilo que se produziu
ao longo dos últimos anos. Mas a verdade é que há um processo de produção literária, surgiram mais nomes,
e um fenómeno que se constata hoje é que se a literatura doutros tempos era fundamentalmente poesia (não
estou a falar das suas características panfletárias, mais ligadas à política, porque são coisas de contexto) mas
há prosa, que não havia noutros tempos, e também drama como é o caso particular de Ângelo de Jesus
Bonfim, mais conhecido por Ayto. Bom, depois tudo isto, eu fiquei com a sensação que o teatro é o domínio
que ficou mais prejudicado, então entendi que deveria assumir o teatro como prioridade na Casa da Cultura.
Não tinha condições para dar grandes apoios aos grupos culturais, mas abri-lhes o espaço para ensaios. Nós
ainda conseguimos, durante um ano, ter aqui uma colaboradora francesa que trabalhou com os jovens
durante algum tempo, ensaiou e introduziu o teatro de marionetas, mas depois foi-se embora e não pudemos
recrutar mais ninguém. E também organizamos espectáculos e concursos teatrais anuais que no último ano
não se fez, não sei por que razão...
Bom, esta é a percepção global. De qualquer modo, a questão que se coloca em termos de uma política
cultura... eu acho que nós pecamos aqui precisamente porque não temos uma política cultural, São Tomé e
Príncipe não teve uma política cultural, desde a independência até hoje. Uma política desenhada para a
cultura. O que aconteceu foi que, nos sucessivos programas de governo, havia um programa para a cultura,
mas isso não se subordinou ou não foi uma consequência de uma reflexão ou uma sistematização, foram
ideias que uns e outros tinham acerca dos problemas da cultura e o que se devia fazer. É verdade que havia
uma política subjacente mas não foi uma política desenhada para responder às preocupações culturais que se
tem. Daí que, na minha perspectiva, o que acontece na cultura hoje é um problema de, por um lado,
desconhecimento. Andamos todos a dizer cultura, nós decoramos essa frase bonita de Alda do Espírito Santo
que diz que a cultura é o bilhete de identidade de um povo, mas o que é que isso é, o que faz o bilhete de
identidade? Que elementos devem contar no bilhete de identidade para que a gente possa dizer: este é o meu
bilhete de identidade? Então nós dizemos que a cultura é o bilhete de identidade de um povo e tudo cabe lá.
Se perguntarmos a um jovem, porque é que é importante nelsopromover o Tchiloli, ele responde: porque é a
nossa cultura e cultura é o bilhete de identidade de um povo. Eu pessoalmente acho que isso não chega, é
preciso saber o que é o Tchiloli, conhecer as suas origens, como evoluiu, como nos relacionamos hoje com o
Tchiloli, o que é que ele significa hoje para nós e o que pode significar para as gerações futuras. Só assim
estaremos a falar da cultura.

Tendo estado sempre de perto e ligado a algumas decisões ligadas à cultura, consegue indicar-me
estratégias encetadas de defesa do património, isto é alguma política patrimonial ou legislação que
defendesse e resguardasse o património?
|0:14:04|
Bom, é verdade que eu não tenho todas as informações, mas eu não conheço nenhuma iniciativa interna que
tenho ido nesse sentido. Eu sei sim que houve algumas, vou citar duas. Uma é muito recente e resultou do
esforço da D.ª Alda, em conversa connosco, conseguiu-se que, ao nível da Assembleia Nacional, fosse
aprovada a Convenção da UNESCO sobre a defesa do património material e imaterial e foram adoptadas
pela Assembleia Nacional. Depois, eu sei de uma iniciativa, distante desta, muito antes, de uma reunião que

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houve no Hotel Miramar. As pessoas estavam preocupadas (estou a falar da minha amiga Alda do Espírito
Santo) com o rumo que a música estava a levar, em termos de texto, a composição dos textos utilizada nas
diferentes músicas. E então estavam preocupados que os nossos textos só maltratavam as mulheres, as
mulheres tinham todo o tipo de defeitos. Então fizeram uma reunião com os cantores, os músicos, a ver se
era possível contornar isso porque a mulher não é sempre essa figura má, com defeitos, que a gente
apresenta; os homens também têm defeitos e é preciso mudar isso. E, provavelmente, aquilo resultou. Mas
porque é que eu digo que não estou de acordo com estas coisas, porque os textos de música, em todo o lado,
são uma consequência da vivência, consequência da experiência, isso não se faz por decreto ou porque
alguém não quer que se cante sobre mulheres ou homens. Bom, alguns interiorizaram esse problema e,
efectivamente, tentaram fazer textos com outras características, mas eu, confesso que não sou apologista
dessas tomadas de posição. Estas são as duas iniciativas que eu me lembro. Se não, por exemplo, no quadro
daquele projecto de apoio a iniciativas culturais para além de se terem compilado documentos sobre história
e literatura que havia, conseguiu-se fazer uma recolha de músicas ou tradição oral, na Rádio Nacional,
porque constatou-se, naquela altura, que haviam sido utilizadas cassetes de arquivo para gravar material
novo, perdendo-se muito do arquivo. Então, naquele projecto, tentou-se coligir o que havia na Rádio
Nacional para não se perder tudo. Ainda se conseguiu gravar cerca de 80/84 CD’s, mas eu não sei depois que
destino tiveram. Outra iniciativa, que eu penso que deveria ser tida em conta é em relação ao jardim botânico
da empresa Agostinho Neto (antiga Rio do Ouro). A ideia era tentar recuperar o jardim, na altura estava
entregue ao Presidente Fradique Menezes porque era ele quem geria a empresa na altura, mas depois eu já
não sei o que aconteceu com o jardim. Consta que hoje estaria entregue à Câmara distrital de Lobata mas
julgo que eles não têm conhecimentos para, efectivamente, se manter o jardim.

E de quando é este jardim? Ele foi mesmo pensado como um jardim que reunisse e preservasse várias
espécies?
|0:18:42|
Já tem muito tempo, não sei precisar. Sei que é da época colonial. Ele foi mesmo pensado como um jardim
botânico, porque os administradores de outros tempos tinham essas preocupações. Não só espécies
endémicas necessariamente, algumas até foram introduzidas. Eu lembro-me que este jardim existe mas não
sei em que estado está.

E este jardim tem alguma relação com o Jardim Botânico Bom Sucesso 22?
|0:19:21|
Deveriam ser geridos no mesmo quadro de protecção do património natural, mas que ligação hoje existe eu
não sei. Só sei que se contratou um senhor na altura, ele tinha formação para isso, ainda fez uma catalogação
e tudo mas que seguimento se deu, eu já não lhe sei dizer.

|0:19:47|
Mas hoje, quando nós falamos da cultura, fundamentalmente quando queremos falar do folclore, dessas
manifestações que ainda estiveram muito próximas do quotidiano dos cidadãos, e estou a falar do Danço
Congo (na altura não havia bulawé), Auto de Floripes, socopé, a ússua. Na altura passou por cá um
governador que muito fez por isso e hoje, quando falamos de cultura, todos nos lembramos daquela época.
Estou a falar do governador Silva Sebastião e foi com ele que se reabilitou o que é hoje o Parque Popular, e

22 O Jardim Botânico é a porta de entrada para o Parque Natural d'Ôbo. Está localizado em Bom Sucesso, que fazia
parte da antiga Roça Monte Café. Com mais de 400 espécies da flora endémica e mais de mil amostras de plantas, o
jardim Botânico e Herbário foram criados para educar especialmente as gerações mais jovens sobre questões de
biologia e botânica sistemática. Pretende ainda preservar espécies ameaçadas de extinção, colectar espécimes vivos e
dados para a investigação científica e, finalmente, para fins turísticos e de lazer.
26
então todos anos havia manifestações de todo o tipo, no Parque Popular, com concursos, entrega de prémios,
tudo. E assim ele conseguiu ainda incentivar os diferentes grupos. Mas depois disso, até hoje, não se fez
grande coisa. E muita gente ainda tem saudades daqueles tempos porque verifica-se que alguma coisa foi
feita naquele tempo. Estou a falar de 70/72, antes do último governador que foi Cecílio Gonçalves.
Uma coisa é a gente ter consciência que a cultura não é estática, em todo o lado ela é dinâmica, algumas
alterações fazem-se paulatinamente. Mas é preciso que a gente se identifique com o que está a acontecer.
Mas nós não nos identificamos, eu pelo menos não. A juventude está sempre muito entusiasmada com os
seus kuduro... tudo isso é bom, tudo isso faz parte, mas só é bom se não me dissocia daquilo que é
verdadeiramente meu. Vou dizer-lhe uma coisa que qualquer cidadão santomense, qualquer dirigente não lhe
vai dizer. E o que eu vou dizer é muito chato, é assim: muita gente diz que São Tomé e Príncipe, nós somos
um manto de retalhos e isso só é verdade em parte. Nós já fomos esse manto de retalhos na composição
daquilo que é o santomense, mas a partir de um determinado momento nós não podemos continuar a ser um
manto de retalhos, nós podemos ser um manto que se fez de retalhos. E então há algumas presunções.
Quando falo disso, eu digo, eu sou neto de português, neto de forro, neto de angolar, portanto, se sou
suspeito, o problema é vosso! Eu só estou a falar de São Tomé e Príncipe e do país que me interessa defender
quando nós falamos da cultura. Então eu pergunto-me se o funaná é santomense. Para um dirigente,
eventualmente, numa sessão pública, diz que já faz parte do património. Mas, a partir de que momento? O
funaná é uma manifestação cultural cabo-verdiana que é tocada da mesma forma em Portugal, em São Tomé,
na Holanda ou nos Estados Unidos. Então, quando eu me refiro ao funaná, eu digo que é uma manifestação
cultural cabo-verdiana aqui. Mas eu não digo que é património santomense, porque isso tem outras
implicações. Poderia ser uma variante nascida aqui, mas não é. O critério é sempre como assumimos e que
relação estabelecemos com cada fenómeno.
Por exemplo, neste momento há uma grande polémica entre quem é santomense e cabo-verdiano aqui. Se
não geram promiscuidades e depois não sabemos quem é quem. Eu estou convencido que mesmo a nossa
convivência política se ressente disso, porque cada um tem um posicionamento diferente relativamente ao
que é trabalhar para esse país e trabalhar para desenvolver este país. Uma coisa é eu querer trabalhar, garantir
a sobrevivência da minha família e ter saudades, porque eu sou português, e no primeiro momento eu quero
ir-me embora para Portugal. Outra coisa é eu identificar-me com isto, tenha vantagens ou tenha prejuízos,
que sacrifícios eu estou disposto a fazer, e eu estou a falar de uma ilha de 1001 Km2, que ou a gente faz este
serviço ou não vale a pena termos hino e bandeira. Enquanto nós continuarmos a dizer que somos São Tomé
e Príncipe, somos um país, temos um hino, temos uma bandeira, temos uma estrutura própria, somos
independentes, isso tem que se repercutir em algum lado. Ainda que eu não descure nunca, que eu sou
cidadão do mundo e eu preciso de estabelecer relacionamentos com todo o universo. Se não, eu desapareço
nesse universo, enquanto cada um ainda está a construir identidade, embora falemos de globalização. Vou
dar-lhe um exemplo, quando o Bush invadiu o Iraque, um dos argumentos que ele utilizou foi a defesa do
“American way of life”. E eu pergunto, qual é o meu way of life, eu não tenho direito de defender também?
Globalização, sim, já não é um fenómeno novo, entramos todos nele, cada um dá a sua quota-parte, mas cada
um com as suas especificidades, com o seu rosto, e a minha grande mágoa é que o santomense está a perder
a fisionomia própria. Daí que, essa noção de política cultural, eu continuo a defender que, em pequenos
países como o nosso, devemos ter uma política cultural devidamente sólida, com objectivos.

Como caracterizaria, então, a cultura Santomense? [uma identidade cultural ou várias]


|0:29:10|
O que faz a diferença é o simples facto de eu reconhecer que sou diferente. Coisas simples como cozer
banana com peixe é um prato típico de São Tomé, pode haver variantes de calulú em todo o lado mas ele é de
São Tomé. O Tchiloli é uma manifestação cultural típica de São Tomé que não se encontra em mais lado

27
nenhum, apesar de poder haver representações várias da Tragédia do Marquês de Mântua. Sabemos que no
Príncipe existe o São Lourenço que é a representação do Auto de Floripes que também não encontramos em
mais lado nenhum, e outras.... Faz a diferença saber que nós fizemos a mudança em 1990 e desde lá para cá
já tivemos já mudamos muitas vezes de governo. Portanto, há especificidades que é preciso ter em conta
quando equacionamos essas políticas culturais, fazêmo-las em função da nossa vivência, daí que só podemos
aparecer no Conserto das Nações com fisionomia própria, se não desaparecemos.
Depois ainda há mais... a língua. Dizer que o forro é muito próximo do português ou o angolar é mais
próximo de... é verdade que não há muitos estudos mas o forro é uma língua bem específica, com
características próprias, com morfologia e sintaxe próprias. É verdade que tem uma carga vocabular grande,
pela forma como se formou a língua crioula (esse termo eu também não goto muito!). Mas, ao longo dos
últimos anos, temos sofrido influências, temos recebido vocabulário, quando queremos exprimir uma coisa
específica, espontaneamente utilizas expressões de outra língua... Deus do céu, mas isso acontece em todas
as línguas no mundo! E depois, só ouvimos forro aqui e o comportamento discursivo que nós temos
utilizando o forro também só encontramos aqui. Daí que, tenhamos especificidades, de facto!

Gostaria que me falasse de sítios e locais de interesse que lhe parece que os santomenses valorizam -
associados a histórias de vida, à tradição oral ou à história da ilha.
|0:33:00|
Bom, eu não conheço muitos sítios, tenho que ser franco! Mas é assim, há referências que nós temos em
conta, se elas existiram antes ou só a partir de determinado momento, mas hoje já fazem parte do imaginário
colectivo. Nós muitas vezes falamos em Batepá, onde houve o Massacre de 53, falamos de Fernão Dias,
todos sabem o que é e o que representou. Se hoje vier um turista, todos lhe perguntam se já foi à Boca do
Inferno ou se já foi ver a Cascata de São Nicolau. Há ainda duas referências, que vêm de outros tempos que é
a fortaleza de São Sebastião, onde está o museu, que deveria merecer atenção particular, e a fortaleza de São
Jerónimo que é de 1530, incomoda-me seriamente a forma como foi tratado porque ficou acantonado no
Hotel Pestana e nunca poderia ter sido feito, se não sob determinadas condições, isto é, deveria ser um
espaço aberto, visível e eventualmente deveriam ser tomadas iniciativas de preservação.
Tenho outra referência que deve também ser tida em conta e que, infelizmente, hoje estão muito degradados,
que são os espaços das roças coloniais. Deveriam ser devidamente preservadas e ser-lhes dada utilidade.
Muita gente fala delas como espaços que deveriam ser qualificados para o turismo, mas nada foi feito, antes
pelo contrário, e estamos a assistir à degradação sistemática.

No seu ponto de vista, o que deveria ser feito para preservar a cultura em São Tomé?
|0:39:17|
Quer dizer, há algumas iniciativas. Eu acho que, efectivamente, deveria haver momentos de diálogo,
concertação, debate, para que se possa identificar, de facto, o que consideramos serem os pontos fracos... um
diagnóstico que projecte alguma coisa. Neste sentido, eu estou de acordo com a iniciativa actual do
Ministério da Educação, Cultura e Formação que vai no sentido da realização de um fórum nacional da
cultura, que em princípio está programado para 19-26 deste mês (Novembro, 2011). Só não tenho a certeza
da forma como o fórum está organizado e se vai conduzir onde nós queremos; mas a preocupação é essa,
obter subsídios que nos permitam depois o desenho de uma política cultural com a qual todos estivéssemos
familiarizados, podemos não estar todos de acordo, e trabalharmos no sentido de fazermos alguma coisa no
domínio da cultura.

Haverá já alguns traços (materiais/imateriais) da cultura Santomense que se perderam? Quais?


|0:46:13|

28
Bom, material. Se falarmos de património que deveriam ter sido preservados e não foram, se falarmos das
antigas roças já há muito que não se vai recuperar, está perdido, e é pena. Cada um pensa com a sua cabeça, é
verdade que representam imagens coloniais, mas são imagens de um tempo, que foi o nosso tempo e
marcaram etapas e deveriam estar devidamente identificadas, registadas, e já não vão estar.
Imaterial, deixe-me dar só um exemplo. Há uma coisa que eu mesmo gostaria de recuperar, eu teria de fazer
um esforço. Nós temos uma coisa que se chama Sete passu, Sete passos, que no fundo é o contar dos
padecimentos de Cristo, as diversas estações. Isto pode ser encontrado nos textos da igreja mas o que o
santomense fazia era pegar em cada estação, trabalhar o texto e introduzir elementos da sociedade em que a
gente vivia. Por exemplo, dizer que Cristo levou tantas chicotadas ou palmatórias, isto poderia ser associado
às guerras e conflitos que há no universo, hoje, estruturando um texto. Eu lembro-me, porque eu participei
com mais 7 miúdos. Num caderno de 5 tostões, com cerca de 10 páginas, cheias de texto, cada miúdo
decorava, ao longo de meses, todo o texto. Depois, por ocasião da Quaresma, antes da Páscoa, havia uma
cerimónia religiosa em que cada um subia ao púlpito e lia o que tinha aprendido, desde a 1ª à última estação.
E o povo estava presente e acompanhava com música, mas eu nunca mais vi isto. Veja bem, quando falamos
de Trevas hoje, falamos do Sr. Cornélio que vive na Trindade, é verdade que há outros grupos de rapazes
aqui de Almas, etc. Mas são manifestações que se não forem efectivamente promovidas vão acabar por
desaparecer. Quiná só há o grupo de Ribeira Afonso, se o indivíduo que coordena de repente desaparece e
não transmitiu, o quiná também vai acabar por desaparecer. O socopé, quem tem hoje? Há resquícios ainda
com alguns grupos mas estas manifestações estão, efectivamente, ameaçadas. E se nós não definimos
rapidamente critérios de preservação, vamos acabar por perdê-los. Não me importa se o socopé, nos tempos
de hoje, evolui para qualquer outra coisa, isso é um processo normal em qualquer lado. Mas, em todo o caso,
é preciso que a gente saiba que houve um socopé que nos períodos subsequentes evoluiu para tal coisa. Por
exemplo, em 74 nós não tínhamos uma coisa que temos hoje que é o bulawé. Surgiu, está a desenvolver-se e
tem o seu lugar hoje inegável quando falamos das manifestações folclóricas do país. Mas o socopé, a ússua,
o quiná, se não se tomarem medidas específicas, estas manifestações vão desaparecer nos próximos tempos.
Por exemplo, havia uma coisa que se chamava Plo mon dessu (Pela mão de Deus), é também uma
manifestação ligada à religião, eu nunca mais vi nenhum grupo que representasse isto.

E estas manifestações de que me fala são todas de São Tomé ou têm outras influências?
|0:51:56|
Há algumas leituras, eu não sei descer ao concreto, nesta matéria, mas todas as que eu citei são
manifestações típicas de São Tomé. Poderão, eventualmente, ter outra origem e depois ancoraram aqui em
São Tomé. Há um fenómeno que aconteceu em 74/75/76/77 que foi a puíta. A puíta não era uma
manifestação dos forros, era acantonada aos descendentes de Angola que estavam cá. Depois da
independência, com a ideia de que “somos todos iguais”, promoveu-se, e hoje é uma manifestação cultural
santomense, para todos os efeitos. E eu estou convencido que está a acontecer um fenómeno idêntico com o
tafúa, embora esteja só em Monte Café, mas se sair de lá e se se espraiar por aí, vai acontecer o mesmo que
aconteceu com a puíta. Só que estas coisas, a gente não impede, a gente assiste, a gente vê e agente regista
como é que a evolução está sendo feita.
Há ainda uma coisa que eu lhe queria dizer acerca destas manifestações (e é por isso que nestas coisas nós
temos que estar atentos). Por exemplo, eu falei-lhe do S. Lourenço que é o Auto de Floripes, só há no
Príncipe, e existe apenas um grupo. O que quer dizer que se não se transmitir aos mais novos, basta que uma
meia dúzia de mais velhos desapareça, para que o Auto de Floripes também desapareça. Tradicionalmente é
mesmo só um grupo e era no dia da Festa de São Lourenço que eles actuavam, começava de manhã e ia até à
tardinha. E eu pergunto-me porque é que tem que haver um grupo só, porque é que não se introduz, com a
ajuda dos actuais elementos, o ensino do Auto de Floripes nas escolas, como uma actividade lúdica, como

29
uma forma de os miúdos, desde pequenos, se habituarem aquilo e se identificarem com aquilo e estarem na
disposição de trabalhar para perpetuar. Hoje apenas se assiste a um pedaço, não apenas do Auto de Floripes,
mas também em relação ao Tchiloli, Danço Congo e isto tem um pecado, qual é? O turismo. Eu não tenho
nada contra isto; é verdade que não podemos pôr o turista, de manhã até à noite, a assistir a uma peça. E
então têm-se feito pacotes muito reduzidos para a satisfação dos turistas. Isto é bom, por um lado, porque
satisfaz a curiosidade dos turistas, por outro lado é perigoso porque está a desvirtuar essas manifestações e
está a tirar essas manifestações do seu meio original, ficando francamente desvirtuado. O que fazer?
Eu tenho andado a pensar numa coisa. Nós vemos aqui kizomba, Kuduro, puíta, tafúa, porque não há
também fado e vira?

***

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V. Conversa com Ernesto Carvalho, realizada no Museu Nacional de São Tomé e Príncipe, no dia 9 de
Novembro de 2011, às 10h30m.

Parte I: Cultura Santomense

1. Como caracterizaria a cultura Santomense? [uma identidade cultural ou várias]


|0:00:58|
A cultura santomense é também um resultado do tráfico de escravos. Quiçá, nós podemos dizer que temos
apenas uma actividade cultural que é original, que é o socopé. Sabe, nós somos fruto da mistura de outros
povos da costa africana, aquando da implementação quer da cultura da cana do açúcar, quer da cultura do
café e do cacau, houve a necessidade do tráfico/da importação de mão de obra. São Tomé e a nossa cultura é
um resultado, também, desta mistura. Temos o Danço Congo, que como o próprio nome diz é do Congo;
temos o Tchiloli que é a partir da tradução de um texto europeu, mas que hoje nos caracteriza bastante; o
Auto de Floripes, também é da Europa. A língua portuguesa e a língua crioula forra, que é aqui da região da
África bantu. E pronto, a nossa cultura é uma mistura de várias culturas.

2. Sítios e locais de interesse? [que os santomenses valorizam particularmente - associados a histórias


de vida, à tradição oral, à história da ilha]
|0:02:46|
Ligado à própria história de São Tomé, nós ainda temos a praia Fernão Dias, onde está o campo de
concentração que serviu de base para o Massacre de 5323, é um local muito significativo, onde há, todos os
anos uma romaria, em homenagem a todos aqueles que perderam a vida neste local. O destaque vai mais
para as festas religiosas, as igrejas, que são construções antigas. Levantou-se agora a questão de Rebordelo,
onde houve, há 36 anos, um desabamento de terra que vitimou muita gente. Esse local estava esquecido mas,
ultimamente, um repórter da rádio fez um trabalho que reavivou a memória de muitos santomenses.

3. No seu ponto de vista, o que deveria ser feito para preservar a cultura em São Tomé?
|0:04:54|
As autoridades competentes deveriam dar maior atenção. Devia haver uma política para o desenvolvimento
cultural porque tem-se notado que algumas actividades ou algumas manifestações culturais têm tendência a
desaparecer. Não há um acompanhamento, não há transmissão porque estas manifestações, normalmente são
seguidas pelos mais velhos e com o seu desaparecimento físico algumas tendem a desaparecer ou estão em
vias de desaparecer. Portanto será necessário que as autoridades governamentais, ligadas à área cultural,
prestem bem atenção a isto. Mas vem aí o Fórum da Cultura, vamos ver se deste fórum saem medidas
importantes, no que concerne a algumas manifestações culturais do país.

4. Haverá já alguns traços (materiais/imateriais) da cultura Santomense que se perderam? Quais?


|0:04:54|
Textualmente não tenho ideia. Pode vir a perder-se.

5. Quais os agentes culturais (instituições/indivíduos) em São Tomé? [mesmo na área da cooperação e


desenvolvimento ou do património]
|0:07:18|
A nível governamental temos a Direcção Geral de Cultura, a Casa da Cultura, a Biblioteca, o Arquivo. A
nível individual temos o Sr. João Carlos Silva que este é de se lhe tirar o chapéu porque tem feito bastante.

23 Massacre de Batepá, 1953.


31
Temos também o Professor Carlos Espírito Santo (Bené), que há uns tempos recolheu algum material de
grupos que estavam a desaparecer. ONG’s, temos por exemplo, os Amigos da cultura, e algumas pessoas
individuais. Nós, em tempos, tínhamos vários conjuntos musicais que estão a acabar, embora tenham
aparecido bandas que apesar de já não tocarem os mesmos ritmos, mas reactivam alguns ritmos antigos.
Temos ainda aqueles cantores mais antigos, mais famosos, o Pepê Lima, o João Seria, o Ayto (já falecido).
Ligados à cultura temos o Dr. Armindo Aguiar, Dra. Nazaré de Ceita, são pessoas que batalham bastante.

Parte II: Um museu em São Tomé

Que outra tipologia de museu gostaria que houvesse em São Tomé?


|0:09:41|
Um museu de história. Um museu temático de história. Nós poderíamos utilizar muitos objectos do nosso
acervo para a montagem de outros museus. Teríamos que diversificar porque aqui é muito abrangente. Nós
podíamos montar um museu de história, que narrava apenas a história de São Tomé e o restante acervo seria
para a montagem de outros museus. Por exemplo, pensa-se num museu do café para a Roça Monte Café, nós
temos aqui peças que poderiam integrar a montagem deste novo museu. Poderia ainda associar-se o cacau. O
café/cacau foi introduzido em 1822, porque não um museu da agricultura virado para estas culturas, até a
cana de açúcar, como primeira cultura.
Por exemplo, nós temos um acervo bastante grande de arte sacra, havendo um edifício, um local próprio,
poderíamos criar uma exposição, num edifício separado, só de Arte Sacra.

O que gostaria de ver num museu de/sobre São Tomé?


|0:12:44|
Gostaria de ver narrada a história completa de São Tomé , que começa com os descobrimentos até hoje. E
muita gente já escreveu sobre isso, nós estamos em condições de montar um museu sobre a história de São
Tomé. Desde 1470/71 à data da independência em 1975, ainda outra parte pós independência até aos anos 90
(período monolítico), e daí em diante, com o pluripartidarismo. E assim teríamos um museu bastante rico
sobre são Tomé.

Os museus são para os visitantes. De que forma se pode apelar à participação da população na
constituição de um museu?
|0:13:54|
Sensibilização. Dar a conhecer à população, porque eu acredito que a população não conhece o significado,
não sabe o que é um museu. As pessoas conhecem este edifício como um museu mas não sabem qual é o seu
valor. Tem que haver mais divulgação, dar mais atenção. O próprio edifício precisa de mais atenção, uma
recuperação. Enfim, um trabalho de fundo deve ser feito para abrir mais o museu ao público e dar ao público
a conhecer o significado, a importância de um museu para qualquer estado.

Mas de que forma é que a população poderia vir a sentir um museu também como seu?
|0:14:50|
Criar programas de aproximação. Começaríamos talvez com estudantes, alunos, que é um público alvo. Com
estes meninos, eles próprios se encarregarão de passar a mensagem em casa, dizendo que estiveram no
museu e como ele é, e talvez assim os mais velhos tenham vontade de cá vir para conhecer a história. Mas
para tudo, isto é, preciso que nós estejamos preparados e tenhamos condições para receber grupos
diversificados de visitantes e com interesses diferentes.

32
Onde deveria ser um museu de/para as pessoas?
|0:16:00|
A localização geográfica ainda não pensei. Aqui neste edifício nós temos algumas fraquezas, estamos
próximos do mar e por isso há a brisa, é a falta de segurança... Por isso teríamos que estar noutro edifício,
num lugar mais bem apetrechado, onde se garantisse a segurança, sem perigo. Talvez no centro da cidade,
num lugar mais próximo, porque o facto de estarmos distantes talvez seja um motivo para as pessoas não
virem. Mas concretamente o local, eu não sei.

***

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VI. Conversa com Francisco Costa Alegre, realizada no Ministério dos Negócios Estrangeiros, no dia 14 de
Novembro de 2011, às 15h.

Identificação

Bom, eu vivi durante muito tempo num sector considerado como roça. Porque há 3 sentidos de roça.
Antigamente havia aquele sentido que a Graça do Espírito Santo fala no seu poema “Lá no Água Grande”.
Roça enquanto empresas agrícolas, havendo várias em São Tomé e Príncipe. Depois o sentido de roças como
freguesias, existindo 11 em São Tomé e 1 no Príncipe. Depois há outro sentido de roça que eram pequenas
glebas de pequenos latifundiários. Bom, eu vivi lá durante muito tempo e depois de me formar no
estrangeiro, eu posso lhe dizer que o meu comportamento hoje tem 2 valências de influências. Eu formei-me
nos Estados Unidos mas também passei pela França. Portanto a minha forma de escrever tem muita
influência dos Estados Unidos, principalmente. Primeiramente, eu tenho um tio-avô que foi poeta, escritor.
Mas depois disso eu lancei-me talvez na vontade de lhe seguir as pisadas, mas não fiquei só por aí, porque
para além de fazer poesia, embrenhei-me no romance, em trabalhos de investigação, trabalhos de que gosto
bastante como A cidade de São Tomé - A cidade de todas as esperanças. Tentar misturar tanto a literatura
com uma perspectiva de desenvolvimento, por exemplo eu tenho um livro que se chama Crónica de
Magodinho que é uma tentativa de ver o futuro mas construindo, levando as pessoas a ver. Por vezes o
escritor tem essa iniciativa e ele quer que os leitores vejam mas nem sempre isso acontece. É mais ou menos
isto que eu tenho feito, a minha contribuição é mais na área da literatura propriamente dita, de várias formas.
Sempre estive no Ministério dos Negócios Estrangeiros e agora tenho a categoria de conselheiro na categoria
diplomática.

Parte I: Cultura Santomense

1. Como caracterizaria a cultura Santomense? [uma identidade cultural ou várias]


|0:04:40|
A cultura santomonse é miscigenada, de tal forma que nós, depois da independência, começamos a construir
uma perspectiva chamada de santomensidade. A santomensidade é uma mistura de culturas e de
comportamentos, isto é, da forma de ser e estar do povo de São Tomé e Príncipe na construção da sua
identidade própria. Pode ser vista de várias formas, uma fusão de culturas, um plano de desenvolvimento,
correntes literárias. Por isso é que, se formos ver a partir da perspectiva dos escritores santomenses, eles
diferem uns dos outros, dependendo da sua origem étnica, se assim podemos dizer, porque somos uma
mistura de portugueses, angolares, cabo-verdianos, moçambicanos, e muitos outros. Portanto é uma cultura
que está em construção, se bem que todas as culturas estão em constante construção, mas ela está numa
construção rápida ou lenta e quanto ao estilo não sabemos onde vai ter. Muitas vezes nós procuramos algo de
diferente para ter como a nossa cultura, a nossa identidade, e isso, nós, os operadores literários, preocupamo-
nos com isso e esperamos que o Governo ou o Estado Santomense assuma a liderança no sentido de utilizar
essa cultura como uma forma de orientar cultural na criação de uma identidade própria santomense. Eu
próprio não consigo definir, o que eu digo sempre é que nós estamos na presença de uma santomensidade
que é a perspectiva de criação de uma identidade própria de São Tomé e do Príncipe, das duas ilhas, que
continua sempre em construção. Por exemplo, isto é muito confuso, nós poderíamos considerar a Ilha do
Príncipe, como a 11ª ilha de Cabo Verde, porque uma grande percentagem da população é cabo-verdiana. Há
sociedades como esta. Nós dizemos que somos uma sociedade africana, porque as ilhas estão localizadas no
Golfo da Guiné, mas nós não temos muitos traços existentes no interior do continente, só alguns vestígios.
Nós quase poderíamos ser colocados nas Antilhas, só que nós falamos português.

34
2. Sítios e locais de interesse? [que os santomenses valorizam particularmente - associados a histórias
de vida, à tradição oral, à história da ilha]
|0:09:13|
Há várias coisas, do ponto de vista religioso, do ponto de vista político, florestal. São Tomé e Príncipe é um
país bastante complicado, sui generis. Falando de pessoas ela é uma mistura de várias culturas, mas a ilha em
si é muito complicada. A ilha de São Tomé, por exemplo, do lado esquerdo (ou direito, consoante a posição
em que estivermos!) existem areias cristalinas, com conchas brancas, do outro lado areias negras com
calhaus redondos. A Praia das Conchas, a subir daqui, depois de passar Guadalupe, há uma zona de savana
que não existe em mais nenhum lado na ilha. Temos um sítio, por exemplo, ao subir pela Madalena, que se
chama Ponte que Deus fez24, que é uma barreira, um muro com cerca de 800m, que não se sabe quem
construiu e então, é por isso que tem este nome.
Do ponto de vista religioso, a igreja de Santana tem uma imagem que se diz que nasceu lá. Como é isso
possível? Há mitos de que um dia, tiraram essa imagem para a trazerem para a cidade, e houve pessoas que
adoeceram, tinham feridas. Ela agora está lá, mas fez-se uma réplica para a igreja de Bom Jesus mas não sei
se ainda existe.
Do ponto de vista científico há, na ilha do Príncipe, na Roça Sundy, um marco onde foi testada a Teoria da
Relatividade de Einstein pela 1ª vez a 29 de Maio de 1919. A teoria foi testada simultaneamente no Sobral
(Brasil). Temos ainda o marco do Equador no ilhéu das Rolas, por onde passa a linha imaginária que divide a
Terra em dois hemisférios, Norte e Sul.
Há várias referências, históricas, políticas, ambientais. Há um sítio que se chama Lagoa Amélia mas se for lá
não vai ver água nenhuma. O que vai ver é um local circular, com um raio de 100/200m coberto de barro. Eu
nunca tentei andar lá em cima até ao meio, mas dá a sensação que se está a andar por cima de uma chapa de
zinco leve e que parece que tem água. Dizem que tinha água mas desapareceu. Chama-se Lagoa Amélia
porque se diz que morreu lá uma senhora de um dos patrões coloniais e que se chamava Amélia. Mas
cientificamente não posso comprovar. Fica no Parque Obô. Está também provado que todos os grandes rios
de São Tomé nascem lá.
Mais uma referência histórica. Está provado que há três indicações de Ana Chaves, a baía, o pico, um rio. A
história diz que eram, pelo menos, 2 ou 3. Uma era concubina do rei, depois veio para São Tomé e vinha
acompanhada da mãe. Mas os dados ainda são muito confusos.
O facto de estarmos no centro do mundo, também explica a confluência de tantas coisas.
Há em Lobata, mas eu não sei se a nova geração se lembrará, os vestígios dos lobatos, que ganhou este nome
devido à revolta dos escravos, a primeira iniciativa da luta de libertação nacional que ocorreu em 1517. Há
pequenos vestígios existentes neste momento.

3. No seu ponto de vista, o que deveria ser feito para preservar a cultura em São Tomé? [para a
construção de uma memória colectiva e referências identitárias comuns]
|0:28:15|
Haver maior intervenção dos actores políticos e governamentais interessados pelas questões culturais nas
diversas áreas, não só na literatura e nas artes plásticas, mas também no teatro e na música, garantido a
identidade nacional. Deveria ser uma luta contra-relógio, no sentido de preservar a identidade cultural
santomense. Não quer dizer que nós estejamos fechados às outras culturas, mas seria bom que houvesse essa
tentativa de diálogo com outras culturas. Porque a absorção somente de outras culturas, sem haver troca, é

24Nos catálogos de colheitas de Newton, aparece a Ponte-que-Deus-fez como local de colheita. Não se trata de um
topónimo, sim de um substantivo comum, por isso não tem valor geográfico. As pontes-que-Deus-fez são arcos
escavados na rocha pelas ribeiras e há vários em S. Tomé. É pena que tenha desaparecido a fotografia que diz ter tirado
junto dela.
35
como se fosse uma perdição. Muitas vezes nós vemos a entrada do Kuduro e de outras formas de música
(que eu não vejo mal nenhum porque não podemos estar de costas para outras culturas) mas o que é certo, o
que nós sentimos é que é preciso que haja vontade, iniciativa, de todos os cidadãos, inclusive dos decisores
políticos no sentido de garantir a sua sustentabilidade. É claro que há outras prioridades, como a tentativa de
dar de comer aos cidadãos. Mas deve-se procurar uma forma... Mas uma coisa é certa, a sociedade
santomense vai mudar. Em 1975, quando nós tomamos a independência, havia uma separação entre os
grupos. Havia distinção entre forros, angolares... mas isso, com a independência, quebrou-se e houve uma
tentativa de por toda a gente no mesmo pé de igualdade, que é impossível, nunca acontecerá em lado
nenhum. Mas dentro dessa utopia houve uma espécie de sucesso, quer dizer, depois tornou-se um sucesso
porque foi de tal forma exagerado que... porque antigamente viver na roça era como estar no trabalho
escravo e toda a gente veio para a cidade à procura de trabalho e para trabalhar nas repartições, acabando por
ser uma loucura, porque isso era impossível. Mas acabou por dar a oportunidade a todas as pessoas de se
formarem. Depois com a conjuntura nacional e internacional houve uma mudança do regime político e
criaram-se várias partidos. Hoje nós temos um figurino político de pessoas de várias origens e de desafios
diferentes e com opiniões diferentes. Nós temos até pessoas que vieram desde meninos de rua e ascenderam
ao cargo político, concorreram às presidenciais e quase com perspectiva de ganharam as eleições
presidenciais.
Talvez a iniciativa do poder política vá nessa direcção, eles talvez estejam a fazer mas de forma atabalhoada.
Eu pertenço à primeira geração da leva de formação em que as pessoas se iam formar e vinham de forma
atabalhoada. Só nos últimos 5/10 anos mandou-se mais de 200 estudantes a Cuba estudar, de vários cursos e
quase 90% voltaram formados. Muitos deles estão empregados e alguns ocupam o mesmo cargo que eu. Eu
vou a várias reuniões e sinto que está a haver uma grande mudança geracional. E estou só a falar de Cuba,
houve para o Brasil, há pequenas universidades no país. As pessoas estão ávidas de aprender...
Dentro de algum tempo esta gente toda vai mudar o figurino do país. Vai haver discussões, vai haver uma
tentativa de se fazer o melhor.
Há algumas pala iês (vendedoras de rua) que têm os filhos no infantário... é ambição.
Só que isto talvez seja tudo de forma atabalhoada porque há muita gente a tirar direito, economia, gestão e
quase não vão para medicina. São preferências ou formas de... capital cultural que no futuro iremos ter e que
vai mudar o figurino do país. Temos indivíduos que podem pensar, “isto que nós temos não é um museu,
podemos construir um museu”. É uma sociedade em mudança. Não sabemos como vai ocorrer, a revolução
não será de armas mas sim de muitas ideias e muita competição.

4. Haverá já alguns traços (materiais/imateriais) da cultura Santomense que se perderam? Quais?


|0:37:52|
Há alguma documentação, por exemplo, o texto original que serviu de base para o Hino Nacional,
desapareceu da Rádio Nacional, por negligência ou interesse para se utilizar, naquele tempo não havia CD ou
internet e gravou-se na bobine. A Maria Alves é uma boa pessoa que lhe pode dar mais informações.
Uma manifestação que desapareceu, dizem, é o lundú, eu nunca vi. Outra manifestação que estamos a tentar
recuperar é a stleva, que ocorre na 4a feira Santa, percorre-se as casas das pessoas, canta-se e pede-se uma
esmola. O plo mon dessu, ocorre na Quinta-feira santa, eu não me lembro muito bem, porque era pequeno,
lembro-me de as pessoas se vestirem de preto e fazerem marionetas. Todas estas manifestações têm um
carácter sincrético, são Católicas. A triangulação geodésica feita por Gago Coutinho.... A ússua também está
quase a desaparecer, porque o que há agora já não é a mesma coisa. O nosso Carnaval antigo também tem
tendência a desaparecer. Era uma crítica social e por causa da situação de género e pela vinda do carnaval
brasileiro, deixou de ter interesse para as gerações mais novas.

36
Lembrei-me agora de uma coisa, são Tomé e Príncipe, até antes do século XX, era só caminhos de ferro do
estado e das roças, como vemos no livro de Salomão Vieira. Ela até diz no seu livro que talvez as novas
gerações as possam recuperar, mas não sei... Muitos deles já não existem.
Há uma zona chamada Rebordelo que foi uma povoação que ficou subterrada, fica na zona de Ponta Figo.
Para os colonos da altura era uma zona muito próspera porque havia tudo. Não foram feitas escavações e
alguns colegas dizem que ainda é cedo. Mas hoje já se começa a ver o telhado da casa do patrão. E naquela
altura não havia condições...
Outra coisa, nós perdemos muitas coisas com a nacionalização das roças. Não podemos dizer que foi um
erro... é um erro, mas não é um erro! Depois da independência tinha que se fazer aquela nacionalização e
fazer com que as pessoas saíssem. Porque a roça era como uma prisão, mas é preciso saber libertar. Mas
quem é que naquele momento sabia que se fazer isso? Depois houve vandalismo, muitas pessoas levaram
coisas. Pratos de alta qualidade que nunca mais se vai ver como os da Roça Boa Entrada. No marco de Gago
Coutinho, abriu-se aquilo, rasgou-se um dos mapas preparados pelo punho do próprio Gago Coutinho. É um
erro mas como controlar a população ávida naquele momento?

5. Quais os agentes culturais (instituições/indivíduos) em São Tomé? [mesmo na área da cooperação e


desenvolvimento ou do património]
|0:47:32|
Existe a Direcção Geral de Cultura. A Associação Bienal do João Carlos Silva, apesar de ele ter mais uma
tentativa comercial, ele não vai muito pelas questões científicas. Como ele quer publicitar e ganhar com o
turismo... mas ele já vai na 6ª Bienal e não podemos contradizer que é uma boa iniciativa. Depois temos a
Teia d’Arte que também é dele. Individualmente temos os artistas plásticos, escritores. Existem pequenas
associações, avulsas, que se dedicam a aspectos culturais.
A FONG tem uma listagem das ONG’s que lidam com questões culturais.

Parte II: Um museu em São Tomé

1. Conhece o museu de São Tomé?


|0:51:11|
Eu conheço mas é muito pobre.

2. Que outra tipologia de museu gostaria que houvesse em São Tomé?


|0:51:27|
Eu acho que devemos trabalhar mais para ter um museu, ou museus, de qualidade. Podemos construir
museus. Aquele museu podia ser um museu histórico, em que todos aqueles sinais da história, como o
Massacre de 1953, ficassem lá. Depois podíamos fazer um museu de literatura, porque já estamos em
condições de fazer um museu de literatura, num local diferente, com escritos antigos. Podíamos fazer
também um museu da música, ou então um espaço onde se pudessem criar vários espaços temáticos, e
pusesse gente a trabalhar.
Podia-se criar museus ou só um museu temático. Eu preferia museus diferentes de literatura, música, artes
plásticas, porque há muitas vertentes e é preciso classificá-las. Por exemplo, a Bienal é muito forte nas artes
plásticas, mas era bom criar dividendos para o país, porque já há uma mão cheia de artistas plásticos.

2. O que gostaria de ver num museu de/sobre São Tomé?


|0:56:30|

37
Eu gostaria que houvesse a recuperação de tudo aquilo que faz parte do património histórico que está
desaparecido, tanto nosso como aquilo que pensamos ser importado. Material e imaterial. Que ocupasse
diversas áreas temáticas. Por exemplo a Alda do Espírito Santo é uma figura nossa mas poderia já figurar
como parte do património literário.
Tem que se fazer alguma coisa com perspectiva para o futuro.

3. Os museus são para os visitantes. De que forma se pode apelar à participação da população na
constituição de um museu?
|0:58:26|
A população tinha que ser a sociedade civil organizada informada. Informada e com algum capital financeiro
para participar. Talvez algumas instituições como o BISTP, a CST.
Era o que eu lhe dizia há pouco. Isso vai levar tempo. Eu penso que será esta nova geração que poderá
prosseguir com a construção deste novo museu, porque muitos deles já têm formação especializada. Mas é
preciso orientação política.
O museu do cacau e café também seria uma boa ideia porque não só incluía o problema das roças mas
também a questão da sociedade colonial em si e também as roças envolventes, contíguas. E ainda se podia
incluir o ciclo do açúcar.
Mas para uma sociedade que depende da ajuda de arroz do Japão....

4. Onde deveria ser um museu de/para as pessoas?


|1:05:14|
Ali onde está, pode ser, mas é preciso ter muito cuidado com a preservação dos materiais por causa da
humidade, o mar. Num outro sítio... no centro da cidade, talvez.

***

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VII. Conversa com Albertino Bragança, realizada no Centro Cultural Português - Instituto Camões, no dia 18
de Novembro de 2011, às 15h.

Identificação

Eu nasci em São Tomé e fiz cá os ensinos iniciais, até 1964, e depois aos 19 anos parti para Portugal. Era
muito conhecido cá nos anos 60, era uma estrela do futebol. Então em 64 parti para o Académica de Coimbra
para jogar e para estudar na Universidade de Coimbra. Estive lá durante alguns anos, estudei engenharia
electrotécnica, e desviei-me do campo das letras porque era incomportável para o meu pai pagar a propina.
Depois fui chamado para fazer serviço militar em Portugal, durante 4 anos, como alferes meliciano. Quando
acabei, em 1972, estava em Lisboa. Quando rompe o 25 de Abril de 74, eu e outros jovens embrenhamo-nos
na luta política desde aquele tempo. Havia uma grande aliança entre o povo português e o das ex-colónias, os
partidos da esquerda ajudavam e nós também. Foi chamado o Verão quente de 75. Depois deu-se a
independência do país, pela qual nós lutamos com a actividade política em Portugal, alguns vieram logo para
aqui e depois conseguiu-se a independência em Julho de 75. Eu regressei definitivamente em Janeiro de 76.
Eu trabalhava, na altura, no Ministério do Trabalho e Corporações, em Portugal. Regressei e não estava
muito de acordo com a política que se tinha levado a cabo, era no contexto dos partidos únicos com todos os
seus males, a obstrução da liberdade de expressão, de intervenção. Foi um tempo que eu deixei descrito num
romance intitulado Um clarão sobre a baía, onde eu retrato as vítimas das prisões e das arbitrariedades.
Depois disso nós criamos aqui, em 1990, o PCD - Partido da Convergência Democrática, que era um Grupo
de Reflexão - GR. E concorremos às primeiras eleições livres e democráticas, contribuímos para a
elaboração dos primeiros textos democráticos, sobretudo a constituição, já que não podíamos participar nas
discussões porque isso estava-nos vedado. Mas tivemos uma presença muito activa e o povo reconheceu no
GR a estrutura necessária para que São Tomé e Príncipe mudasse de rumo. E assim, o referendo de 22 de
Agosto de 1990 (uma data histórica), haveria de ser o primeiro passo para a nossa vitória em 20 de Janeiro
de 1991, nas primeiras eleições legislativas democráticas em São Tomé e Príncipe, ganhámos com maioria
absoluta. Foi um tempo fantástico, de uma alegria grande. Para grande surpresa minha, num contexto muito
difícil, em que havia forças do antigo regime a desmoronar, eu fui indicado para Ministro da Defesa. As
pessoas ficaram a pensar, porquê eu, ligado às artes e literatura. Estive neste cargo 18 meses, depois o
governo caiu, e em 92 nós constituímos um 2º Governo do PCD e eu deixei a Defesa e fui para os Negócios
Estrangeiros, onde estive 2 anos e meio. Convivi muito com Durão Baroso, Ministro dos Negócios
Estrangeiros português da altura. Tivemos muitas intervenções, entre as quais o momento em que a CPLP foi
criada, numa reunião em Fevereiro de 1994, em Brasília. E a nossa intervenção foi no sentido de criar, ao
contrário do Brasil e Portugal que defendia uma organização de cariz exclusivamente diplomático, nós
vislumbramos logo como um espaço de concertação não só político mas também social e económico.
Dois anos antes, em São Luís do Maranhão, tinha-se criado o Instituto da Língua Portuguesa (ILP), foi uma
coisa que foi criada mas logo morreu na medida em que nunca mais se falou, e talvez tenha morrido porque
alguns países talvez não estivessem de acordo com a forma quase leviana como se procurava estruturar o
instituto. E isso serviu-nos de lição.
Depois disso, aqui politicamente, o PCD perde em Julho de 94, saí da governação. Instabilidade. Mudança
constante de governação. Numa destas fases, em 96, cai o governo do MLSTP e nós criamos um governo de
coligação com eles, uma coisa impensável. E neste governo fui indicado para Ministro da Educação, Cultura
e Desporto, de 96 a Janeiro de 99. Eu fui sempre um quadro da educação, quando regressei fui presidente da
comissão directiva do liceu, em 1976, depois fui director do Liceu Nacional até 79, director do ensino básico
e secundário da escola preparatória até 1983, em 84 fui director do gabinete de estudos do Ministério da
educação e cultura, onde permaneci até 91, saí de lá para Ministro da Justiça.

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Durante este tempo fui deputado com actividade suspensa por estar no Governo, de forma que estou na
Assembleia Nacional já ha 20 anos. Actualmente sou deputado, presidente da comissão dos petróleos, das
infra-estruturas. Sou presidente da 4ª comissão da Assembleia Nacional que corresponde às infra-estruturas e
meio ambiente, que abarca a área das telecomunicações, petróleo, meio ambiente.
Depois, do ponto de vista desportivo, quando regressei de Portugal, depois de ter jogado na Académica, vim
treinar várias equipas, fui campeão, fui seleccionador nacional durante 10 anos. E depois de entrar nas lides
governamentais deixei o futebol.

Parte I: Cultura Santomense

1. Como caracterizaria a cultura Santomense?


|0:17:00|
A minha palestra no Fórum da cultura será exactamente sobre estas questões e ouvirá a minha opinião acerca
da identidade cultural e santomensidade.

2. Consegue identificar-me sítios e locais de interesse que os santomenses valorizam particularmente -


associados a histórias de vida, à tradição oral, à história da ilha?
|0:17:57|
Na preparação do Fórum da Cultura nós criamos equipas por distritos para conversar com as entidade locais
e pessoas que estivessem ligadas à cultura, ao nível dos distritos e da região do Príncipe, sobre a situação da
cultura em cada distrito, os impedimentos e contratempos que se levantam e também aquilo que poderia ser o
símbolo cultural do distrito. Na cidade de Neves, no distrito de Lembá, no Norte, uma parte da zona dos
Angolares, falamos de duas hipóteses, a primeira seria o levantamento do voador (peixe) em Junho, na
gravana, os cardumes que vão desovar deixam as águas quentes vão para as águas frias, porque a gravana é a
época das temperaturas baixas, e aí eles são captados. Esta captura existe sobretudo no Norte e é seguida de
um ritual, mas está a desaparecer. Nós identificamos este ritual como símbolo cultural do distrito, porém,
dizem que deixou de estar organizado e que agora se faz o levantamento do voador em todo o lado. Aquilo
tinha uma data certa com uma cerimónia, a partir da qual se podia apanhar o voador. Nós gostaríamos de
recuperar a cerimónia, até com fins turísticos, com digressões. O outro símbolo é um local chamado
Anambó, que foi onde chegaram os portugueses. Eu não percebo como é que Portugal, ou a embaixada, não
se interessa por imprimir maior notoriedade àquele padrão, que simboliza a chegada dos portugueses. Porque
para alguns santomenses aquilo simboliza a chegada dos invasores.... Foi ali que se criou a primeira
povoação, apesar de já não haver vestígios, e lá se construiu o padrão. Depois da chegada, 14 anos depois,
em 1485, os portugueses fazem a 1ª expedição para explorar a ilha. Aquele sítio chegou a ser um centro
quase turístico, durante a primeira república que poderia voltar a reconverter-se numa atracção turística.
Claro, uma tem um cariz mais nacionalista, a apanha do voador, e a outra tem um cariz histórico que nós não
podemos deixar perder. É como estas estátuas (João de Santarém e Pêro Escobar). Elas estavam nas praças
na época colonial e ainda um tempo depois da independência. Houve uma grande polémica... afinal o que é
que elas representam, fazem ou não parte da história de São Tomé e Príncipe? Nós defendemos que sim
porque eles fizeram história. Elas chegaram a estar desmanteladas no piso superior do museu à chuva.
Depois de muita discussão elas foram postas à frente da fortaleza, que foi importantíssima na defesa da ilha.
Eles estão lá como guardas da fortaleza e foram erigidas novamente e assim conseguimos conciliar. Podem
não estar nas praças, porque os povos têm os seus ídolos, os seus heróis, mas fazendo parte da nossa história
tinham que estar de pé. Esta fortaleza foi mandada construir pelo rei D. Sebastião no séc.XVII, com material
vindo de Portugal e com apoio dos populares santomenses.

40
Este país tem que ser sempre um entreposto e ele perdeu a sua caracterização. O meu partido e alguns do
MLSTP (no governo em que estivemos juntos) vimos que era necessário fazer de São Tomé e Príncipe um
centro de exportação de serviços, porque foi sempre esse o papel que teve na história e São Tomé precisa de
se reencontrar com a História. Estamos de bem com o petróleo, é certo, mas seria importante sermos um
interposto aqui com os países de fronte, do Golfo da Guiné, e nós somos a bissectriz. Seria uma questão
estratégica para o desenvolvimento do país.
Portanto, o século XVII foi o século do auge, do apogeu, da criação da diocese em 1534, e a criação da
cidade de São Tomé em 1535 - que é uma das cidades mais antigas. Nesta questão, tenho tido muitas
discussões com os Cabo-verdianos devido à Cidade Velha, hoje património da UNESCO. Porque os
santomenses nunca viram importância nisso, não houve um trabalho sistematizado de imposição, nem a
tentativa de ter os apoios de Portugal e Espanha. E isto está ligado a uma velha questão, a Macronésia
(Açores, Madeira, ilhas Canárias e ilhas de Cabo-Verde) e no imaginário de alguns políticos portugueses era
necessário recuperar essa ideia, como um prolongamento da Europa. O certo é que Cabo Verde conseguiu
que a Cidade Velha, com uma diocese criada em 1533 com Angra do Heroísmo.
Os portugueses criavam a diocese e no ano seguinte a cidade, que era antecedido por um documento que
oficializava a sua criação. Era uma carta régia. Em São Tomé e Príncipe, devido ao incremento da produção
da cana de açúcar e a exportação, esta cidade tinha as igrejas da Graça e da Conceição, tinha outras, a da
Trindade, de Guadalupe (Água de Lupe do rio que lá corria), todas do séc. XVI. Em 1534, a igreja da Graça
foi elevada a Sé Catedral por ser a maior. Em 1535, no ano seguinte, o rei D. João III faz uma carta régia
(nós temos este documento e Cabo Verde não tem em relação à Cidade Velha) em que especifica as razões
que o levam a considerar a povoação (posson, em crioulo) uma cidade, por estar tão “nobrecida de gente”.
Esta carta é datada de 22 de Abril de 1535 e foi escrita em Évora. E este documento nunca apareceu em Cabo
Verde, e mais esta cidade nunca deixou de ser cidade, ao contrário da Cidade Velha que deixou de ser cidade
durante muito tempo. Só que os cabo-verdianos são muito astutos e viram o potencial que isso tinha e
conseguiram recuperar a cidade.
(...)

|0:45:00|
Arlindo Manuel Caldeira a partir da pistas de Dona Simoa Godinho foi descobrindo as mulheres
santomenses, e a relação homem/mulher. Depois estudou a sociedade, sobretudo duas características: a
sociedade marcada pela diversidade devido aos diversos povos de que é constituída, e a conflitualidade, e ele
diz que não há zona mais conflituosa no mundo como esta aqui. Toda a história que nós tivemos, mesmo na
2ª República, os governos sucessivos, nós tivemos 14 Primeiros Ministros e Cabo Verde teve 2. Mas como é
que a História se refaz e como é que o país continua a viver nessa conflitualidade? Nós temos que encontrar
um antídoto. Assim como pelo desprezo que temos com a nossa própria cultura.
Quando se compara São Tomé e Cabo Verde, dois territórios arquipelágicos, como é que podem ser tão
diferentes na sua configuração sócio-cultural quando tiveram o mesmo colonizador? Nós fomos sempre uma
terra de acolhimento...
(...)

|1:05:35|
Continuando acerca dos locais de interesse, existe apenas um resquício de engenhos de açúcar do séc. XVI,
na Praia Melão, onde agora foi amarrado o cabo submarino.
Há uma outra igreja importante, a Madre de Deus, aqui perto. Há uma carta do Bispo de são Tomé em finais
do séc. XVIII a lamentar-se perante el-rei do ataque dos Holandeses e da forma como o governador cedeu ao
ultimato dos Holandeses e traiu a população.

41
O bispo organizou uma reunião com a população na igreja da Madre de Deus, antes da chegada dos
invasores, porque foram avisados. Isto tem muito significado para mim porque eu vivi lá ao pé e jogava a
bola no adro da igreja quando era miúdo e saber que foi ali que se fez uma reunião patriótica de preparação
contra o invasor.
A fortaleza de S. Sebastião é, de facto um sítio célebre porque historicamente era um dos pontos chave da
defesa da cidade. Havia 4 pontos que defendiam a cidade em cadeia. Havia um forte de S. José em Oque del
Rei, depois o de S. Sebastião, depois o de S. Jerónimo, onde está o hotel Pestana e havia um forte de
Santana, que já não se vê. Eram os 4 fortes que defendiam a baía, com fogo cruzado. Eles tiveram um papel
muito importante porque a cidade nos séculos XVII e XVII foi alvo de muitos ataques e depois, no séc. XVII
com a queda da soberania portuguesa e a submissão a Espanha, os Holandeses aproveitaram e os próprios
Filipes, franceses. Os Holandeses chegaram a estar aqui 9 anos. A indústria do óleo da baleia chegou a estar
em Neves muito tempo com Holandeses.
Mas muita coisa desapareceu, até na época colonial... perdeu-se muito património. Mas houve um homem, o
governador Silva Sebastião, ele chegou nos anos 60, eu ainda era estudante de liceu. Ele chegou em 63 e eu
parti em 64 para Portugal. Do ponto de vista da cultura era uma coisa curiosa. Ele compreendeu que a
melhor forma de entrar em contacto com um povo era conhecendo a sua cultura.
Depois da independência eu fiz um programa de rádio com um médico amigo, Amadeu Espírito Santo, nós
fazíamos critica musical e entrevistamos todos os grupos musicais, agrupamentos culturais, o programa era
semanal. Uma vez fomos entrevistar um senhor da Ússua do Cruzeiro, na Trindade, a ússua era uma dança
dos moradores da cidade da classe alta, era uma dança de salão, com traje de chapéu de palha e sapatos de
polimento. Então nós entrámos num quintal popular, o Sr. chamava-se “Avelino, que os pés não comem o
quintal” (em crioulo), nós apresentamos-nos e ele disse-nos assim: “vocês já não vão ver aquilo que havia
antes, os homens foram-se embora e tudo acabou”. O que ele me estava a dizer era que com a saída dos
colonos tudo tinha acabado e eu perguntei-me como é que isso era possível se a função do colono era
exactamente apagar as culturas nativas. Ele então contou-me uma história. Um dia estavam a ensaiar à noite
e apareceu um senhor sem se apresentar para assistir ao ensaio e só no dia a seguir, depois de terem sido
convidados a ir ao palácio é que descobriram que era o governador Silva Sebastião. Ele então financiou traje
para os 60 elementos, nas melhores empresas comerciais da cidade. E depois de ele se ir embora tudo
acabou.
Mas quanto a mim a prioridade são as línguas nacionais. No Príncipe é mesmo minoritário, falado por muito
pouca gente. Está agora a ser ensinado, apesar que de forma artesanal, de todo o modo foi introduzido o
ensino da língua. O angolar, a língua é falada a sul, e cantada por alguns cantores também.
A UNEAS (União Nacional de Escritores e Artistas Santomenses), de que eu sou o secretário-geral, a Dna.
Alda era a presidente, nós fazemos todos os anos, uma tradição que a D.ª Alda alimentou sempre, o Paço fiá
Glêza, que é a construção de pequenos passos onde teria nascido Jesus Cristo, uma representação simbólica.
Fazemos em todos os distritos e depois fazemos um concurso. No dia 27 de Dezembro vamos fazer a
exposição dos Passos, na sede da UNEAS, são 21, 3 por distrito. Depois saem os 3 vencedores nacionais.

***

42
VIII. Conversa com Carlos Espírito Santo, realizada no Centro Cultural Português - Instituto Camões, no dia
21 de Novembro de 2011, às 9h.

Os ingredientes necessários para a constituição de um futuro museu em São Tomé:

- Os aspectos económicos: os materiais tradicionais de produção (gancho, machim, saco para recolha do
cacau, utensílios da apanha do cacau) em termos agrícolas. O comércio representado através das balanças
antigas do país e tudo ligado ao comércio de outrora como a fita métrica, a tesoura. A indústria representada
com, por exemplo, os utensílios para se produzir a panela da barro (baga), o cachimbo.

- A culinária: através das panelas tradicionais, os fogões mais antigos, a colher de pau, a gamela, a cata
(colher de pau com formato triangular para mexer a comida).

- A indumentária: saia, quimono, lenço, bandeja, cinta (feminina). Casaco tradicional, chapéu de palha
(masculino).

- A perspectiva religiosa: animismo e cristianismo. Do animismo devem ser apresentados os rituais como o
paga devê, através dos materiais utilizados nos rituais mágicos. O flêcê (oferecer a criança a Nossa Senhora
de Madre Deus) deve ser apresentado, identificando os objectos utilizados.
O cristianismo pode estar representado através dos crucifixos tradicionais (de madeira). Há uma tendência
para objectualizar/representar entidades imateriais (defuntos, deuses) existindo uma materialização
ritualística de oferendas aos mortos à sexta-feira. Há dois eixos espaciais que definem o imaginário
santomense: o céu e o inferno. Representando o céu a bem-aventuraça.
A figura de anjos, bem como do diabo são a nítida influência da religião cristã.

- O folclore: principalmente a nível musical e da indumentária. O Tchiloli, Auto de Floripes (no Príncipe), o
Danço Congo, a Stleva (trevas), o Tlundu (Entrudo/Carnaval) com as máscaras utilizadas para não identificar
a pessoa que faz a crítica social (normalmente é sobre a mulher25). Normalmente tem um texto de base
(sarcástico) os participantes apresentam-se trajados dançando e tocando.

- As danças: Danço Congo (forros), Bulawé (começou por ser uma dança dos angolares, agora dançada por
outros grupos sociais). Os grupos de socopé estão a desaparecer, existindo, neste momento, apenas um grupo
de origem portuguesa de ússua.

- A música: O barril utilizado para testar a ressonância do som, o cavaquinho, o bandolim, a flauta, o pitu
dóxi.

- A roça: representar o que a define como o trabalho, o trabalhador, simular um terreno (um secador - para
secar o cacau), a sanzala, a casa do administrador (patrão), os objectos específicos das roças santomenses
como as mesas e cadeiras.

- As artes plásticas: do ponto de vista tradicional é praticamente inexistente. A pintura, ao contrário da


escultura, por não ser utilitária, praticamente não existe. Podemos referir, porém, Pascoal Vilhete, pintor
naive.

25 A Rádio Nacional tem algumas gravações.


43
Os objectos esculturais são sempre concebidos com uma função utilitarista. À semelhança do que acontece,
na generalidade, da cultura africana.

- A Cerâmica: tijolos tradicionais para construção da habitação.

- Energia: iluminação tradicional com candeeiros a óleo/azeite de palma.

- Educação: cartilhas de João de Deus, manuais que marcaram uma época da escola em São Tomé.

- Línguas: recolhas áudio de crioulos. O forro “bem falado”, uma vez que hoje o forre é um produto de
múltiplas influências. A estratégia para preservar as línguas seria estudar os crioulos, construindo uma
gramática e um dicionário e, recorrendo a estas ferramenta, ensinar.

- Património a conservar: edifícios das roças, Ministério da saúde, Bairro 3 de Fevereiro, Dispensário, Antigo
aeroporto (campo da aviação). Ambos testemunho de uma época histórica (na sua maioria do período do
governador Carlos de Sousa Gorgulho). Ainda o edifício da Câmara Municipal, igrejas (da Trindade e
Santana) e o Mercado Municipal.

A actual localização do museu, devido à brisa do mar, deteriora os objectos. Por este motivo um novo museu
não deveria ser naquele forte.

44
ap.3 Autorizações dos entrevistados

A-4
A-5
A-6
A-7
A-8
A-9
A-10
A-11
ap.4 Glossário: Manifestações culturais santomenses

TERMOS GERAIS
Aguêdê ou adivinha é um jogo de pergunta/resposta transmitido de geração em geração.
Baga téla é uma panela de barro tradicional.
Cata é o instrumento utilizado para cozinhar, por exemplo, o izaquente (prato típico)
Cubata é a tipologia tradicional da habitação santomense. Construída em madeira, define-se pela sua escadaria de
acesso uma vez que se sobreleva sobre quatro estacas.
Contági ou conto relata um facto real conservado na memória da população e é narrado em qualquer
acontecimento.
Men lôli é o vento maléfico que arrebata a vida das crianças.
Sóia ou estória trata-se de uma ficção narrada exclusivamente no nozadu e, por isso, à noite. Normalmente tem
partes cantadas e é acompanhado por um grupo coral.
Stlijóns são terapeutas tradicionais conhecedores das plantas medicinais que podem debelar enfermidades e, sendo
considerados excepcionais e dotados de poder sobrenatural conseguem detectar os feitiços. Embora tenham vindo a
perder protagonismo, são bastante respeitados e continuam a ser personalidades de enorme importância no tecido
social santomense (Santo, 1998:65).
Véssu ou provérbio/adágio é constituído por aforismos, sentenças, axiomas, conselhos, baseados em factos
históricos, estórias tradicionais (etc.) com um alto sentido pedagógico e moral.

RITUAIS
Djambi é um cerimonial que tem lugar como função curativa, visando, essencialmente a cura de doentes que
padecem de loucura. Nele participam vários curandeiros e espectadores que acompanhados por danças, transes e
estupefacientes, assim entram em êxtase, caindo em possessão (Santo, 1998:89).
Flêcê é um ritual complexo em que, após sete semanas do parto, a mãe vai oferecer o filho à Nossa Senhora da
Madre Deus (cf. Santo, 1998:75).
Plo mon dessu é um ritual constituído por três partes, duas de carácter religioso e uma pagã. Esta última,
caracteriza-se pela sua exuberância formal, quer nos trajes utilizados, na dança ou na música, simbolizando a
alegria dos inimigos de Jesus Cristo pela sua morte. Se bem analisado, torna-se compreensível ligar esta vertente
pagã à festa religiosa. A esta celebração, segue-se uma outra As sete estações, realizando-se ambas na Quinta-feira
Santa.
Stleva (trevas) é um grupo artístico masculino que actua na madrugada da Quarta-feira de cinzas. Em textos
mordazes, os cantores (a solo), acompanhados por um coro e parte instrumental, fazem ferozes críticas a
personalidades e grupos sociais, estando a mulher no centro das críticas. As músicas são pagas pelos populares.
Note-se que as manifestações plo mon dessu, goma, aladá, stleva e mussumba foram proibidas no período colonial
por se considerar que profanavam datas solenes do calendário cristão.
Vigiá mina ou vigia é o período a partir do qual (sexto dia) o recém-nascido deixa de dormir com a progenitora no
mesmo quarto, passando por um ritual que afaste a sua exposição a entidades malignas, uma vez que, a partir do
sétimo dia, perde a imunidade que tinha.
Vindes Menino é uma celebração de carácter religioso que decorre entre 31 de Dezembro e 1 de Janeiro, festejando
o nascimento de Jesus Cristo. Numa marcha cantada e dançada, os participantes param à porta das casas desejando
Boas Festas. Quando param (num quintal já definido), começam a cantar cantigas maliciosas que dão conta dos
escândalos ocorridos durante aquele ano na ilha.

MÚSICA
Canzá é um instrumento feito de bambu ou rama de coqueiro.
Fundões eram os recintos onde as tunas (agrupamentos musicais com ritmos muito característicos, fazendo lembrar
a música afro-sul-americana) tocavam e se dançava à maneira europeia.
Pitu dóxi é uma flauta de bambu.
Sacaia é um instrumento musical semelhante ao chocalho.

A-12
DANÇA
Bulawé é um género marcado pelo cruzamento entre a ússua e o socopé e a música é essencialmente de percussão,
acompanhada por gaita e outros instrumentos como a flauta e a viola (Alegre, 2005:101)
Dêxa é uma dança que se realiza no dia de Nossa Senhora da Graça. Depois de assistirem à missa, os participantes
organizam-se em marcha, dançando e cantando até uma festa onde comem pratos típicos, dançam e cantam. Note-
se que as celebrações dêxa e vindes menino, bem como o Auto de Floripes, revelam uma forte influência minhota.
Irmandade era uma dança típica de São Tomé que tinha lugar no fim das empreitadas, nas roças, ou em casa em
dias de festa. A sua música era composta por dois a três tambores e pitu dóxi. Formando um círculo, os dançarinos
iam sendo chamados ao centro, intercalando assim os pares, até ao momento em que todos os participantes haviam
dançado (Santo, 1998:250).
Lundú é a dança mais antiga de São Tomé. É um género musical dançado com roda e alteamento (dos braços). Não
tem traje. É uma dança muito lasciva (nos textos e na coreografia) por isso foi proibido em Portugal durante quase
100 anos.
Quiná é uma dança de origem bélica proveniente de Angola. Os intervenientes cantam textos curtos que se repetem
em coro, acompanhados por movimentos ritmados em que se empunham instrumentos como a catana (Alegre,
2005:98).
Sócopé é uma dança tradicional de grupo acompanhada por vários instrumentos: apitos, tambores, canzá, chocalho
e ferros. O grupo é composto por pessoas de ambos os sexos, tocando, cantando e dançando, alegrando pequenas
festas tradicionais.
Ússua é uma dança de salão tradicional santomense, de origem europeia. Caracteriza-se pelo movimento
compassado e o ritmo agradável, tendo por base um instrumento de sopro (corneta feita de madeira ou chifre de
animais), que cessava a continuação da dança para novos movimentos. É dançada através da relação estabelecida
entre dois grupos (um masculino e outro feminino), num movimento sucessivo e coordenado, dançado um par de
cada vez.

A-13
TEATRO
Auto de Floripes é um drama medieval representada todos os anos, a 10 de Agosto, no dia da festa de São
Lourenço na ilha do Príncipe. De autor desconhecido, o texto deriva provavelmente do século XVII (cf. Reis,
1969:127), enquadrando-se também no ciclo carolíngio das novelas de cavalaria medievais europeias. Tendo como
pano de fundo a batalha entre cristãos e mouros, a peça narra a história da revolta de uma filha contra seu pai. A
Princesa Floripes, filha do comandante mouro Almirante Balão, caiu de amores pelo cavaleiro cristão Gui de
Borgonha. A acção tem lugar na pequena cidade de Santo António, e os trinta actores usam trajes coloridos,
decorados, muitos usando bigodes e barbas artificiais. Os cristãos estão vestidos de branco e azul, e os mouros de
vermelho. Uma plataforma de madeira em frente à igreja paroquial representa o castelo de Carlos Magno e, no lado
oposto da rua, ergue-se o castelo do mouro Almirante Balão.
O espectáculo, que dura um dia inteiro, tem início logo ao alvorecer, quando os habitantes da cidade são
despertados pelo toque das cornetas e pelo rufar dos tambores que acompanham duas personagens, um cristão e um
mouro, começando uma ronda pela cidade cercados por grupos de meninos curiosos, dando assim início à festa.
Depois de um longo preâmbulo, envolvendo mouros e cristãos, que dura a manhã toda, começa então a peça. Num
clímax de duas horas e meia assiste-se à uma luta entre o nobre cristão Oliveiros e o turco Ferrabrás, irmão de
Floripes e filho do Almirante Balão. Durante um duelo corpo a corpo com espadas, os dois homens tentam
converter o outro à sua própria crença. Finalmente, Ferrabrás rende-se e converte-se ao cristianismo, juntando-se ao
exército de Carlos Magno. Numa das muitas batalhas, Balão consegue capturar Gui de Borgonha e detém-no em
seu castelo. Floripes fica dividida entre o seu amor por Gui e o seu pai. Ela pede, então, a seu pai que se converta
ao cristianismo, à semelhança de seu irmão, porém Balão rejeita a sua proposta. Após uma batalha final, na qual
Balão é derrotado pelos cristãos, termina o auto, num grande cortejo composto pelas personagens cantando, às
quais se juntam praticamente todos os habitantes da ilha, acompanhados por tambores e cornetas, saindo pelas ruas
de Santo António.
Danço Congo é um misto entre dança e teatro, tendo lugar na gravana (estação seca), ao ar livre, e é exibida nas
festas religiosas e populares, podendo chegar a durar seis horas. Não tem praticamente diálogos, actuando numa
pantomima com danças, acrobacias, apitos e percussão, fazendo deste espectáculo, provavelmente, a manifestação
mais animada, colorida e barulhenta do folclore local. O elenco é constituído por cerca de vinte e oito figuras (hoje,
entre vinte e trinta) entre as quais, um capitão e seus soldados (aproximadamente dezoito), o lôgôzu (guarda da
roça), três anjos (o anso môlê ou anjo que morreu e dois anso cantá ou anjos cantantes), dois opé pó (homens que
se movem sobre andas e envergam calças vermelhas), quatro bobos (que por vezes adoptavam a forma de mulher),
o feiticeiro, o zuguzugu (ajudante de feiticeiro) e o djabu (diabo). O feiticeiro, o seu ajudante e o diabo usam fatos
vermelhos e máscaras horrendas. Os primeiros usam ainda barretes vermelhos e o diabo, por seu turno, encabeça
um par de chifres. Os figurantes vestem trajes polícromos, calções curtos debruados com rendas e usam grandes
chapéus de papéis coloridos e habilmente entrançados, predominando, no entanto, a cor verde. Os bobos usam
trajes burlescos, exibindo buzinas de búzio, colares, pulseiras, brincos, corno de boi, entre outros adereços.O tema
provavelmente decorre da coroação do Mani-Congo em Angola. A narrativa relata a história de quatro filhos (os
bobos) que herdam de seu pai uma roça e, por incompetência para a sua administração, pedem a colaboração a um
capitão que os ajude nesta tarefa. Durante uma festa na roça, tanto os bobos como o capitão convidam o feiticeiro e
seu ajudante que, porém, se recusam a entrar no recinto da festa, acabando por ser capturados e obrigados a
participar na dança. O capitão, no entanto, teme constantemente que os dois possam matar o anso môlê.
Finalmente, o feiticeiro e seu ajudante conseguem escapar. Entretanto, os opé pó começam a dançar, rodeados por
todas as personagens. Então, entra o diabo e começa a pular e a mover-se convulsivamente. Com a chegada deste, o
feiticeiro reaparece e consegue matar o anso môlê. O capitão fica chocado com o sucedido, culpando o lôgôzu por
ter permitido a fuga do feiticeiro e do diabo. Totalmente indiferentes ao que havia sucedido, os bobos continuam a
dançar e cantar, alargando não haver nenhuma razão para interromper a festa (cf. Santo, 1998:253,254; Seibert,
2004:685).
Tlundu (entrudo, carnaval) é uma forma de representação teatral musicada e acontece nos três dias anteriores ao
Domingo de Quaresma. Os grupos são constituídos por um número variável de homens que normalmente adoptam
modos e trajes femininos, cobrindo o rosto com máscaras durante o dia e tirando-as à noite. À semelhança da stleva
os textos, que são cantados e acompanhados por violas, canzás e outros instrumentos musicais, são mordazes e
fazem ferozes críticas sociais.

A-14
Tragédia do Marquês de Mântua e do Imperador Carloto Magno ou Tchiloli baseia-se num texto escrito por volta
de 1540 por Baltasar Dias, um dramaturgo cego madeirense, terá sido introduzido introduzido a partir de Portugal
em meados do século XIX ou, mais cedo, no século XVI.
Realiza-se, por norma, em pequenas clareiras de terra batida (quintés), ao ar livre e na estação seca, a gravana,
predominantemente por ocasião das festas religiosas e outros festivais, é uma peça teatral que pode chegar a durar
seis horas, embora existam já novos modelos de apresentação: durante inaugurações oficiais, exposições,
espectáculos ou encomendas estrangeiras. Consoante o contexto da apresentação, assim o drama pode ser
condensado em poucas cenas, durando cerca de noventa minutos, admitindo ainda espaços fechados como espaço
alternativo de representação.
Presentemente há mais de dez Tragédias - a noção de trgédia tem várias assepções em São Tomé e Príncipe,
podendo dizer respeito ao texto representado no tchiloli; ao grupo que o representa; a uma representação em local e
data específica ou ainda à representação genérica do tchiloli -, as quais são compostas por cerca de trinta actores
amadores, provenientes de diferentes localidades. Aqui destacamos a Tragédia Formiguinha da Boa-Morte, uma
vez que através deste grupo nos foi possível melhor conhecer as dinâmicas internas das tragédias, bem como
assistir a uma representação completa do Tchiloli, que se realizou no quintal da D. Catariana em Oque-del-rei.
Durante a nossa estadia em São Tomé e Príncipe foi-nos ainda possível assistir a duas apresentações reduzidas (c.
10 min.) do Tchiloli, enquadradas em eventos publicos: a inauguração da 6ª edição da Bienal de São Tomé e
Príncipe e na abertura do I Fórum Nacional da Cultura. Foi-nos possível, assim, melhor compreender os diferentes
formatos de apresentação que o Tchiloli pode tomar.
Cada tragédia, dentro de certos limites dramatúrgicos, encena a sua versão particular da peça a partir do texto
fixado por Fernando Reis em “Povô Flogá”(1969). Estes grupos caracterizam-se ainda por encenarem sempre a
mesma peça, bem como pela hereditariedade do papel que cada actor representa, i.e., o papel de cada personagem
passa, dentro do seio familiar, de pais para filhos e é exclusivamente representado por homens, ainda que se trate de
uma personagem feminina (cf. Gonçalves e Liberdade, 2009).
O espaço de representação - o terreiro ou a sala - tem uma configuração rectangular, de proporções diferentes
conforme os casos, localizando-se em cada um dos lados menores, a Corte Alta - o palácio do Imperador Carlos
Magno - e a Corte Baixa - do Marquês de Mântua, numa oposição que enuncia fisicamente o conflito de atitudes
entre os dois grupos. A Corte Alta ergue-se, assim, sobre estacas de madeira e é coberta com ramos de palmeira e,
no lado oposto, uma cabine no chão feito de ramos verdes representa, então, a Corte Baixa. O palco aberto, com
cerca de 15 a 20 metros de comprimento e 5 a 10 metros de largura, pode ser visto a partir de todos os lados. O
cenário é ainda composto - para lá do contexto natural em que a representação se insere e do qual é impossível o
espectador abstrair-se - por um pequeno caixão colocado num banquinho no centro do palco (terreiro) e que ali
permanece durante toda a peça, simbolizando o morto Valdevinos.
Os espectadores participam activamente na acção, fazendo comentários durante as várias cenas, que muitos ilhéus
conhecem bem, acção que é permitida pelos limites do espaço de representação que, na realidade, são praticamente
inexistentes. As fronteiras são ténues, móveis e dinâmicas e indefinidos os limites entre o interior e o exterior da
representação que em muito se delimita pelo corporizar da performance, isto é, o corpo ou os corpos dos figurantes.
Grande parte dos versos heptassílabos seiscentistas de Dias são mantidos na sua versão original, embora nos anos
40/50 do século XX tenham sido acrescentados fragmentos em prosa de textos portugueses, modernos, os quais
dominam os interlúdios jurídicos relativos à investigação criminal e aos procedimentos legais. Estas alterações de
guião estão constantemente a ser adaptados pelos actores (Valverde, 1998:224). O texto é ainda complementado,
cadenciando o ritmo da performance, por vários interlúdios musicais constituídos por três pitu dóxi, entre três e
quatro bombos e várias sacaias.
No que toca aos aspectos formais, refiramo-nos agora aos figurinos, os quais, à semelhança da música e do texto,
desempenham um papel preponderante na encenação do tchiloli. Os membros da família de Carlos Magno vestem
exuberantes trajes, coloridos, e os seus ministros usam uniformes e chapéus de estilo Napoleónico. Os membros da
família Mântua aparecem de luto, enquanto os dois advogados, Anderson e Bertrand, usam fato e carregam pastas
de mão. Os actores usam, raramente hoje em dia, máscaras de arame, óculos de sol e os rostos aparecem
polvilhados de pó de talco. Algumas personagens usam longas fitas coloridas, em sinal de riqueza.

A-15
1975 Acção patrimonial desencadeada logo após independência do país que contou com
um célere processo de identificação e recolha do património, devido à necessidade de
minimizar o risco de dispersão a que o património havia sujeito, depois de nacionalizado.
Depois da integração da Fortaleza de S. Sebastião no departamento cultural do sector
ministerial da Educação e Cultura, ali foi instalado o Museu Nacional de São Tomé e
Príncipe. Alda Graça do Espírito Santo, Álvaro Ferreira da Silva e Cirineu Barros
integravam a equipa responsável por este processo.

1976 Criação, por Decreto-Lei nº19/1976, do Instituto Nacional de Educação e Cultura


(INEC) que fundaria quatro serviços: o Arquivo Histórico; o Museu Nacional, um serviço
de espectáculos; um serviço de promoção das populações rurais.

1989 Realização da I Semana Nacional da Cultura, de 3 a 11 de Dezembro, com o


objectivo de analisar a problemática da cultura nacional e o seu desenvolvimento.

1995 Programa de Conservação do Património Nacional, elaborado com o apoio da


UNESCO e da Cooperação Francesa, sob coordenação do Secretariado Geral da Comissão
Nacional de São Tomé e Príncipe para a UNESCO.

2003 Redacção Lei do Património Histórico-Cultural Nacional (lei nº4/2003) na qual se


inclui o processo de inventário como instrumento indispensável e fundamental de
protecção e de salvaguarda do património nacional santomense.

2007 Ateliês destinados a quadros africanos provenientes dos serviços culturais ou do


património do seu país. Organizado pelo Bureau multi-países da UNESCO de Libreville
(Gabão), sob coordenação científica da Escola do Património Africano (EPA) e
acompanhamento logístico do Ministério da Cultura de São Tomé e Príncipe com o
objectivo de formar profissionais capacitados na realização de um programa nacional de
inventário do património cultural imóvel no seu país, bem como na elaboração de um plano
de gestão de um website e de um dossiê de submissão à inscrição no património mundial.

2009 Com a mesma organização dos ateliês de 2007, realizou-se um intitulado Público e
Actividades de Animação dos Museus em África, com o objectivo de se reflectir acerca dos
desafios relacionados com a fidelização de públicos e a eficácia social dos museus em
África, dando instrumentos aos responsáveis dos equipamentos e animadores de museus
que lhes permitam enfrentar estes desafios.

2011 I Fórum Nacional da Cultura, organizado pelo Ministério da Educação Cultura e


Formação. Momento de análise e reflexão acerca das problemáticas da cultura com vista à
definição de políticas de promoção cultural, definindo os mecanismos e procurando meios
para iniciar um processo de recuperação e consolidação dos elementos que sustentam a
identidade cultural dos santomenses. Organizado em dois momentos, o I Fórum Nacional
da Cultura contou, numa primeira fase, com um workshop cultural e, numa segunda fase,
várias palestras conduziram ao debate e à troca de ideias entre todos os participantes.

2011 6ª Bienal de São Tomé e Príncipe, estruturada sob a temática Património(s), propôs-
se, de forma ampla, reflectir acerca do(s) património(s) santomense(s). Destaque para o
trabalho de investigação em torno do património arquitectónico santomense, apresentado
em duas exposições realizadas no Palácio de Congressos, na cidade de São Tomé: Inventari
(ar) as Roças de São Tomé e Príncipe e Cubatas - Evolução.

ap.5 Cronologia: Realidade cultural santomenese 1975-2011

A-16
2ª feira 3ª feira 4ª feira 5ª feira 6ª feira

MANHÃ Apresentação do Percurso de Escolha e definição Concepção e Sonoplastia.


9h30-12h projecto; reconhecimento do de metodologias e realização do
Constituição das local, práticas de projecto de
equipas; acompanhado por animação. animação.
Introdução às terapeutas
plantas medicinais. tradicionais locais.

ALMOÇO
12h-13h

TARDE Introdução ao Início do trabalho Fotografia, Edição de vídeo. Conclusão do


13h-15h30 Cinema de de animação: movimento e projecto e pré-
animação. argumento. narrativa. apresentação

ap.6 Planificação diária das Oficinas Criativas Soya Kutu

A-17
ANEXOS

A-18
fig.1 Mapa do Golfo da Guiné com as ilhas Fernando Pó, Príncipe,
São Tomé e Ano Bom, dispostas na bissectriz do golfo, disponível em
[http://atlas.saotomeprincipe.eu/atlasstp_02_golfguinea.jpg]

A-19
TÍTULO II Formas e Regime de Protecção Legal Artigo 48º Regras de Classificação do Bem Cultural

◆ Capítulo I Bens materiais Artigo 50º Natureza dos Bens Culturais a Proteger,
Salvaguardar e Conservar
● Secção I Disposição comum
● Secção V Protecção do Património Natural
Artigo 10º Classificação
Artigo 54º Natureza dos Bens Culturais a Proteger,
● Secção II Bens Imóveis
Salvaguardar e Conservar
Artigo 11º Enumeração
Artigo 55º Sítios Rurais, Urbanos e Sítios Naturais
Artigo 12º Monumentos Históricos
Artigo 56º Património Natural
Artigo 13º Medidas de Salvaguarda e Conservação
Artigo 57º Forma de Classificação
Artigo 14º Proposta de Classificação
● Secção VI Conjuntos Arquitectónicos
Artigo 15º, Artigo 16º, Artigo 17º Formas de
● Secção VII Património, Pesquisas Arqueológicas
Classificação em função do seu proprietário
e achados Fortuitos
Artigo 19º Obrigações do Proprietário e do
● Secção VIII Objectos de Arte
Detentor do Imóvel Classificado
Artigo 72º Regulamentação
Artigo 20º Obrigação de Execução de Trabalho em
Imóveis Classificados ● Secção IX Comércio

Artigo 75º Comércio de Bens Culturais


Artigo 35º Desclassificação

● Secção III Bens Móveis e Imóveis por ● Secção X Processo de Classificação e Registo

Destinação Artigo 77º Processo de Classificação

Artigo 36º Classificação dos Bens Artigo 81º Inventário e Registo

Artigo 37º, Artigo 38º Formas de Classificação dos ● Secção XI Associação de Carácter Cultural
Bens em função do seu proprietário
Artigo 85º Acções de Formação e Associativismo
● Secção IV Definição do Inventário
◆ Capítulo II Bens imateriais
Artigo 43º Inventário
Artigo 86º Medidas de protecção
Artigo 44º Inscrição no Inventário

Artigo 46º Bens Inscritos no Inventário

Artigo 47º Classificação por Inventário

fig.2 Lei n.º 4/2003 - Lei do Património Histórico-Cultural Nacional (excerto)

A-20
fig.3 Implantação do Forte de São Sebastião na extremidade da Baía de Ana Chaves,
disponível em [http://atlas.saotomeprincipe.eu/1664annachaves_siegeholandes.jpg]

A-21
fig.4 Museu Nacional de São Tomé e Príncipe: Textos de sala

Sala 1 - Sala de Jantar da Roça


Pancá, ventarola giratória circulando pelas mãos duma criança de doze anos, era muitas vezes o cenário
dum festim ou dum repasto normal.
Contracenando com o caldeiro da fuba podre reservado à força do trabalho, os leitões, as caldeiradas
enchiam as mesas lautas dos roceiros.

Sala de Agricultura
moldura 1
“Entreposto de escravos e posto de abastecimento de barcos negreiros, nos primeiros séculos da
colonização, estas ilhas começam a ter certa importância económica sob o ponto de vista agrícola com
o desenvolvimento da cultura da cana do açúcar, cujo fomento se tornou efémero, com as convulsões
sociais, resultantes das revoltas de escravos e o êxodo dos colonos-agricultores para outras paragens”.
...A cultura do cacau introduzida no início do século dezanove após um longo “pousio” constituiu a
mola real da implantação do colonialismo português, nas ilhas de S. Tomé e Príncipe fazendo surgir das
ruínas dos engenhos de açúcar e das plantações de café em decadência “A Roça”.
...A Roça ou FAZENDA, era o efeito combinado da forma de exploração da terra, orientada
essencialmente para produzir matérias primas destinadas à exportação, com relações específicas de
trabalho, pondo o trabalhador explorado sob controle e domínio absoluto do patrão...
...A cultura do cacau deu origem a um novo processo de colonização e de ocupação de terras, tanto
mais intenso, quanto mais importante era aquele produto no mercado internacional.
A grande vitória das forças da emancipação popular recaiu a 30 de Setembro de 1975, dois meses após
a independência, precisamente sobre o símbolo máximo da opressão colonial: “As Roças”.
O alcance das nacionalizações das Roças coloniais foi preponderante na transformação da economia de
S. Tomé e Príncipe, visto que todas as grandes propriedades correspondendo a mais de 90% da
superfície total do País foram atingidas.
...O processo de transformação da estrutura agrária prossegue com o objectivo imediato do aumento
da produção pela utilização mais racional dos meios de produção.
As empresas agrícolas nacionalizadas foram sendo agrupadas tendo em vista a complementaridade
necessária na utilização dos meios de produção disponíveis em cada empresa, e a eficácia agro-
económica, que poderia ser comprometida pela manutenção das fronteiras herméticas legadas da
estrutura da Roça colonial.
As actuais empresas estatais agro-pecuárias que estão sendo organizadas, para permitir uma utilização
mais racial do seu potencial, constituem uma importante força económica e social para
desenvolvimento da República Democrática de S. Tomé e Príncipe, com a “Participação e Controlo
Popular”.
Fonte de documentação: Relatório do Bureau Político à Primeira Assembleia do M.L.S.T.P.

A-22
Sala de Agricultura (cont.)
moldura 2
Colónia de exploração, entreposto de escravos, no século XV. Ciclo da cana sacarina até meados do
século XVII.
As revoltas dos escravos, ataques de corsários, determinam o êxodo dos colonos das plantações e dos
engenhos de açúcar rumo a outras paragens do Oceano, em demanda do Brasil.
Dois séculos em poisio “nas ilhas de nome santo”, a terra barrenta entra na posse dos descendentes
mestiços dos plantadores.
O ciclo da posse das terras nas mãos dos donos verdadeiros da terra, inicia o processo de transmissão
por herança.
Este período transitório é varrido pelo tufão do lançamento na terra do cacau e café de insignes
latifundiários de aspecto circunspecto que mudaram o rumo económico das ilhas em benefício das
grandes Compainhas, dos bancos, das expoliações, dos longos processos seculares que deram nome e
fortuna aos tabeliões e aos rábulas que fizeram transitar noventa por cento da terra para os bolsos dos
astutos usurários.
30 de Setembro de 1975 - O ano da Agricultura em S. Tomé e Príncipe, a mudança das relações de
produção.

Sala da Independência
lápide
Esta lápide foi descerrada por Suas Excelências o Presidente da República Democrática de São Tomé
e Príncipe, Miguel dos Anjos Cunha Lisboa Trovoada, e o Presidente da Assembleia da República de
Portugal, Dr. Almeida Santos, em comemoração do 25º Aniversário da assinatura do Acordo de Argel,
de que foram subscritores, o qual conduziu à Independência Nacional, a 12 de Julho de 1975.
S. Tomé, 26 de Novembro de 1999

moldura
A estrutura feudal esclavagista, a pirâmide político-administrativa, símbolo actuante de potência
colonial, anteparo forte da presumível perenidade do sistema de humilhação e de alienação, o suor e o
sangue da mão de obra escrava, fusão da população do arquipélago e de irmãos africanos
desenraizados de suas terras por força da migração compulsiva, determinaram as forças produtivas
que, superando as contradições coloniais, cimentaram a frente comum de luta anti-colonial e
construíram com determinação, o País Independente de São Tomé e Príncipe.
Reunindo no Museu da História os instrumentos-testemunhas da opressão e do fausto, a luta
organizada do povo, liderada pela vanguarda revolucionária, o Movimento de Libertação de S. Tomé e
Príncipe eliminou as muralhas da contradição com a conquista da Independência Nacional, em 12 de
Julho do ano de mil novecentos e noventa e cinco.

A-23
Sala 10 - Sala do Massacre
Sala D. Maria de Jesus Agostinho das Neves
Um nome de juntar a outros nomes.
Aqui esteve encerrada no período do massacre de batepá.
Mil mortos tombaram de Fevereiro a Março de 1953. Cadeiras eléctricas, homens lançados ao mar na
praia de Fernão Dias. Homens asfixiados acorrentados, mulheres violentadas.
Um nome ao massacre...colonialismo...
Causa remota: mão de obra escrava, vacilante por processo de emigração. Causa próxima: recusa
persistente dos Santomenses ao contrato escravo.
O massacre foi resposta à resistência.
Seus esbirros directos: Carlos Gorgulho, Governador facínora, e os seus capangas mandatados pela
potência colonial.
O massacre do povo trabalhador mostrou a verdadeira face da colonização. O detonador ecoou e
abalou os morros das ilhas vulcânicas e uniu os braços dos Homens para a única saída - A LUTA DE
LIBERTAÇÃO NACIONAL.

A Sala 11 - Quarto da Roça


A Reconstituição dum quarto da Roça representa o contraste entre a “Casa Grande” e a Sanzala, a
alcova senhoril e a tarimba no diminuto reduto onde o explorado era muitas vezes trancado até à hora
de tanger do sino.
A Roça colonial, instrumento da exploração, era controlada do exterior pelos grandes latifundiários
das terras, ocupadas na sua quase totalidade pelas grandes Companhias Coloniais.
Por ocasião das visitas à Colónia dos supremos representantes do poder colonial, ou em visitas
formais de reconhecimento, os proprietários desciam à Roça, num período de curta permanência,
quando o calor tropical não constituísse um perigo à sua estabilidade.
Há ainda uma informação onde se lê: «é expressamente proibido fotografar os objectos desta sala».

A-24
Sala 12 - Sanzala
“A intensificação sistemática e organizada do tráfico de escravos provenientes do continente africano
era o recurso utilizado para suprir a insuficiente mão de obra local necessária ao sistema de trabalho
da Roça colonial.
Esse circuito foi abalado com a abolição oficial da escravatura, resultante da divisão da África em
zonas de influência, orquestrada entre as potências imperialista. Esse facto conduziu ao recrutamento
da mão de obra escrava para as Roças de cacau e de café, das outras colónias Portuguesas, nos finais
do século passado (XIX).
A escravatura é substituída por um sistema de (contrato) aparente de trabalho, em que a intervenção
do trabalhador era quase nula ou forçada. A entidade recrutadora (A CURADORIA) e a entidade
patronal (O ROCEIRO) determinavam do destino do TRABALHADOR.
Escravo ou “livre”, ao trabalhador era-lhe exigido, fidelidade, obediência absoluta e trabalho
escravo, para merecer alojamento, alimentação, assistência médica e consolação espiritual, sem ser
necessário sair da Roça onde fora instalado Hospital, moradia (a sanzala); cantina (o caldeiro da
fuba); a igreja.
Na Roça, inspirada na estrutura feudal dos grandes domínios da nobreza ibérica, o patrão-patriarca
decidia de tudo: decidia do tipo de relação entre trabalhadores e ainda mais, do tipo de relações do
trabalhador com o exterior...
Fonte de documentação: Extracto do Relatório do Bureau Político à Primeira Assembleia

A-25
fig.5 Fachada principal do Museu Nacional de São Tomé e Príncipe

fig.6 Pormenor da fachada principal do Museu Nacional de São Tomé e Príncipe.

Nota: As imagens do Museu Nacional de São Tomé e Príncipe foram recolhidas com autorização do seu director.

A-26
fig.7 Escadaria de acesso ao Piso 1 do Museu Nacional de São Tomé e Príncipe.

fig.8 Capela de São Sebastião localizada no pátio central do Museu Nacional de São Tomé e Príncipe.

A-27
fig.9 Reserva do Museu Nacional de São Tomé e Príncipe.

A-28
fig.10 Loja do Museu Nacional de São Tomé e Príncipe.

fig.11 Cobertura-terraço do Museu Nacional de São Tomé e Príncipe.

A-29
fig.12 Esculturas monumentais do Museu Nacional de São Tomé e Príncipe.

fig.13 Pormenor da antecâmara do Museu Nacional de São Tomé e Príncipe.

A-30
fig.14 Sala 1 - Sala de Jantar da Roça, Museu Nacional de São Tomé e Príncipe.

fig.15 Sala 2 - Arte Sacra, Sala do Bispo D. Frei João Sahagun, Museu Nacional de São Tomé e Príncipe.

A-31
fig.16 Sala de Etnografia, Museu Nacional de São Tomé e Príncipe.

fig.17 Sala da Agricultura, Museu Nacional de São Tomé e Príncipe.

A-32
fig.18 Sala 8 - Sala da Independência, Museu Nacional de São Tomé e Príncipe.

fig.19 Sala de exposição temporária, Museu Nacional de São Tomé e Príncipe.

A-33
fig.20 Sala das Tartarugas, Museu Nacional de São Tomé e Príncipe.

fig.21 Sala 10 - Sala do Massacre, Museu Nacional de São Tomé e Príncipe.

A-34
fig.22 Sala 11 - Quarto da Roça, Museu Nacional de São Tomé e Príncipe.

fig.23 Sala 12 - Sanzala, Museu Nacional de São Tomé e Príncipe.

A-35
fig.24 Mapa de Cabo Verde, disponível em [http://www.state.gov/p/af/ci/cv/]

A-36
SAUDADE SÃO JOÃO DE ANGOLARES SÃO TOMÉ

fig.25 Locais onde se realizaram as Oficinas Criativas Soya Kutu


Mapa disponível em [http://www.tvciencia.pt/tvccat/pagcat/tvccat02.asp?varcota=CDI-2098-1961]

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ANEXO digital

FICHA TÉCNICA:

Saudade
Depois do dia do Bocado, 1’50’’ realizado por Aleksander Ramos, Alexia Tavares, Eliza Augusto, Elisa Monteiro e Esmael
da Conceição.
Estória do Girassol, 1’51’’ realizado por Emanuel Silva, Laelson Cabangala, Dionísia Dias e Marlene Cabangala.
Sr. Ganancioso & Sr. Atencioso, 1’35’’ realizado por Henridson Tomaz, Edson Tavares, Bruno Afonso, Elizabete Augusto e
Marlene Augusto.

São João de Angolares


Remédios da minha família - Mindjan ná ni Mó Nó, 1’50’’ realizado por Lenita Leny Lourenço, Pabokssy Pereira, Elton
Semedo, Benzilu da Costa, Cilândia Cosme, Diana Conceição, Heldy Inglês, Neila Campos e Camila dos Santos.
Uma Planta é uma Farmácia - Um’á Fia Cópôi yógó nó, 1’29’’ realizado por Joel Leopoldino, Pascoal Casimiro, Daniela
Luís, Edmilson da Silva, Cadekse Madre Deus, António Lourenço, Dalila Kelly Pereira e Dila Montinho.

São Tomé
O Jogo das Perguntas, 3’00’’ realizado por José Maia, Delmy Barros, Simara Ferreira, João Vilaseca, Elda Menezes e
Paulo Jorge.
A Boa Preparação de Remédios Tradicionais - A Garrafa Zizi, 1’29’’ realizado por Eugénia Ferreira, Iudimilson
Conceição, Mickley Nascimento, Manuel da Costa, Leticia Correia e Nilsa Lima.

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