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Os autores / 509
Sergio Schneider
Marcio Gazolla
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Vale registrar que por conta de embates políticos e ideológicos, os termos agribusiness ou cadeia
agroindustrial também são utilizados para referir o bloco de poder e de políticos articulados em
torno dos interesses daqueles que defendem os “negócios” do campo, produtivos ou não. Para uma
discussão ver: Bruno e Sevá (2010) e Bruno (2009).
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A estrutura da obra
Do ponto de vista estrutural, a obra está organizada em quatro grandes partes.
Na primeira são apresentados os aspectos teóricos e metodológicos em torno das
cadeias curtas e das redes agroalimentares alternativas. O capítulo de abertura, de
Henk Renting, Terry Marsden e Jo Banks, define os aspectos de proximidade social
e espaciais das cadeias curtas, faz uma tipologia das mesmas e discute seus papéis nos
processos de desenvolvimento rural. O segundo capítulo, de David Goodman, dis-
cute as relações de produção e consumo localizadas, através dos conceitos de espaço
e lugar da Geografia, bem como questões de identidade e o papel dos consumidores,
exemplificando com o caso dos bairros de Londres. Adanella Rossi e Gianluca Brunori
discutem o papel dos Grupos de Aquisições Solidárias (GAS), na Itália, como consu-
midores organizados estão construindo práticas alimentares mais saudáveis, inovativas
e sustentáveis no sistema agroalimentar.
Roberta Sonnino e Terry Marsden fazem um balanço da discussão sobre as
redes agroalimentares alternativas em termos de agenda de estudos, concluindo que
estas redes estão imersas e conectadas às redes convencionais, evidenciando comuni-
cação e integração, e não segmentação e separação, como alguns autores as tinham
definido. O capítulo de Giovani Beletti e Andrea Marescotti discute os papéis das
cadeias curtas nos processos de inovações e busca de eficiência econômica, tanto do
ponto de vista logístico-organizacional, dos fluxos de informações e na distribuição
do valor agregado. O trabalho de Moisés Villamil Balestro fecha esta primeira parte,
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Referências
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Henk Renting
Terry Marsden
Jo Banks
Introdução
Nos últimos anos assistimos à emergência de novas formas de dinamismo nos
mercados de commodities agrícolas. Tais novidades devem ser situadas no contexto de
uma transição mais ampla nas economias rurais, caracterizada, por alguns autores,
como a virada de um regime alimentar produtivista para um “pós-produtivista” (Ilbery
e Bowler, 1998; Schucksmith, 1993), enquanto outros falam do estabelecimento de
um novo “paradigma do desenvolvimento rural” (Ploeg et al., 2000). A criação, fun-
cionamento e evolução das “novas” cadeias ou “cadeias alternativas” de abastecimento
alimentar é uma das dimensões fundamentais dos novos padrões de desenvolvimento
rural que vêm surgindo. Como aponta Marsden (1998, pag. 107), os “mercados de
alimentos estão se tornando mais diferenciados com base em uma série de critérios
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Tradução de Regina Beatriz A. Vargas e Revisão Técnica de Sergio Schneider.
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Long e Ploeg (1988) definem comoditização como a ampliação dos mercados a novas esferas de
atividade ou a imposição de novos tipos de relações de mercado nas já existentes.
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Interessantes, com relação a isso, são os panoramas do tipo “atlas” das inovações rurais que vêm
sendo publicados em diversos países (por exemplo IATP, 1998; Stassart e Engelen, 1999; van
Broekhuizen et al., 1997; e Ploeg et al., 2002). A base de dados LEADER também possui diversos
casos interessantes (LEADER, 2000).
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Curiosamente, esta tendência não está restrita à produção de alimentos, mas também é clara em
outras esferas da “sociedade de risco” contemporânea (Beck, 1992). Ela pode estar relacionada com
a redução da transparência e o crescimento do anonimato nas relações de produção nas economias
globalizadas.
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Um relatório recente da consultoria Moret Ernst & Young declara que dois entre três produtos recém
introduzidos desaparecem das prateleiras dos supermercados dentro de um ano. Para produtos “eu
também”, destinados para o lucro por imitação das inovações de outros, o fracasso é de 80%.
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Com relação a isso, Lash e Urry (1994) identificam a crescente “força do design” da produção como
uma característica fundamental do sistema de produção contemporâneo.
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Em férias no campo, não temos as mesmas expectativas de qualidade em relação à comida que
temos em casa ou na cantina de nosso local de trabalho.
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Em outro trabalho denominamos isto de modo “higiênico” burocrático de produção de alimentos
(Marsden et al., 2001)
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Novas receitas
Aperto
Receitas e despesas (preços constantes)
GVP
Novas formas
de redução de custo
Custos
Tempo
É exatamente essa saída do “aperto”, cada vez mais adotada por agricultores,
que possibilita entender o surgimento das RAAs e das formas diversificadas e mul-
tifuncionais de agricultura. Um número crescente de agricultores está hoje pronto a
tentar a sorte com formas de produção alternativas e novos modos de comercialização,
convictos de que a produção de alimentos em massa já não proporciona continuidade
nem renda suficiente para sua atividade agrícola. Essas práticas de desenvolvimento
rural constituem uma resposta proativa dos agricultores à constante mudança do
contexto econômico e político de seus empreendimentos, e correspondem, pelos
menos em parte, à compreensível defesa dos próprios interesses por parte da popula-
ção rural europeia. Nesse cenário, as CCAAs representam iniciativas dos produtores
para recuperarem valor na cadeia de abastecimento, na expectativa de minimizarem
os problemas usuais do aperto dos preços. Tais processos de “encurtamento dos cir-
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Um exemplo notável são as “cooperativas ambientais” que surgiram na agricultura holandesa
(Renting e Ploeg, 2001). Ao assumir responsabilidade coletiva pela sustentabilidade ecológica do
desenvolvimento rural em sua região, estas novas cooperativas negociaram sua autonomia para
implementarem políticas de forma mais flexível e ajustada às condições locais. Diversos investi-
mentos obrigatórios relacionados às “esteiras regulatórias” puderam, assim, ser evitados.
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CCAAs CCAAs
CCAAs próximas
Face-a-face ampliadas
Tendas rurais Grupos de tendas rurais Selos de
certificação
Feiras de Marcas regionais
agricultores Códigos de
Cooperativas de consumidores produção
Venda de beira
de estrada Agricultura de base comunitária Efeitos de
Roteiros temáticos (articulações no reputação
Colha e pague
espaço)
Cestas prontas
Eventos especiais, feiras (articulação no
Venda de porta tempo)
em porta
Mercearias locais, restaurantes,
Encomendas empreendimentos turísticos
E-commerce Varejistas “dedicados” (por exemplo, lojas
de alimentos integrais, especializados ou
dietéticos)
Catering para instituições (cantinas,
escolas)
Vendas para emigrantes
Figura 2. Diferentes mecanismos de ampliação das cadeias curtas de abastecimento de alimentos
(CCAAs) no tempo e no espaço.
Uma segunda categoria das CCAAs amplia seu alcance além da interação direta
e apoia-se essencialmente em relações de proximidade. Evidentemente, ampliar as
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orgânico
designação de origem
(por ex., denominação de integrado
origem protegida/ indicação
natural
geográfica protegida)
“Híbridos” saudável, seguro
produtos de granja ou
caseiros sem confinamento
típico, especialidade livre de OGM
processamento na granja
tradicional
comércio justo
Figura 3. Diferentes definições e convenções de qualidade empregadas nas cadeias curtas de abas-
tecimento de alimentos.
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Os produtos DOP (denominação de origem protegida) e IGP (indicação geográfica protegida) são
controlados pela regulamentação da UE 2081/92.
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São eles: Holanda, Reino Unido, Irlanda, Alemanha, Itália, Espanha e França. Juntos representam
76% de total de propriedades agrícolas, 84% da área agrícola utilizada e 84% do valor agregado
líquido total da agricultura (dados da Eurostat 1997).
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Inglaterra de País
Holanda Alemanha Itália Espanha Irlanda França
de Gales
Cadeias curtas.indb 45
Venda direta 4715 propriedades 2850 armazéns 24 000 propriedades No geral 800.000 No geral 90000 650 proprie- No geral 102000
com vendas locais rurais rurais com vendas empreendimentos empreendimen- dades rurais (censo de 2000),
(vendas de beira de diretas agrícolas, incluin- tos agrícolas, com bancas de dos quais:
estrada, armazéns 250 feiras de do: incluindo feiras mercado
rurais) agricultores (5000 110 armazéns de coo- de agriculto- c. 40.000 pro-
propriedades) perativas rurais vinho (185.000 res, vendas de 80 proprie- priedades rurais
33 feiras orgânicas proprieda- porta-em-porta, dades rurais com vendas na
de agricultores (100 1450 colha o seu 240 projetos regionais des), queijos s com cestas propriedade (sem
próprio de comercialização venda na pro-
propriedades) (c. 125.000), priedade rural prontas produção)
(7200 propriedades) azeite de oliva
100 propriedades ru- 3450 propriedades (280.000), 21 associações 56 proprieda- c. 60 000 pro-
rais com cestas prontas rurais com venda 200 feiras de agriculto- des rurais com priedades com
na porta ou venda res (1600 propriedades) Legumes e produtor-con-
sumidor de vendas de beira processamento
120 propriedades de beira de estrada batatas (85.000), de estrada na exploração
rurais com entregas 1100 propriedades produtos orgâ-
rurais com embalagem frutas (49000), nicos para as vendas
domiciliares carne (c. 300000), diretas
de carnes
500 – 1.000 pro- ovos (175000),
priedades rurais com 500 propriedades rurais mel (10.000)
lavagem, corte, empa- com entregas domici-
cotamento liares ou cestas prontas
2000 propriedades com
sistema “colha o seu
próprio”
Notas: AOC (appellation d’origine controlee), AOP (appellation d’origine protégée), DOC (denominazione d’origine controllata), DOCG denominazione
d’origine controllata e garantita), IGP (indication d’origine protégée), IGT (indicazione geografica tipica), PDO (protected denomination of origin), PGI
(protected geographical indication).
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TABELA 2
Níveis de impacto socioeconômico das cadeias curtas de abastecimento de alimentos (SFSCs)
e de duas outras atividades de desenvolvimento rural em sete países europeus, e níveis projetados para EU15 (1998).
Projeção
Holanda Reino Unido Alemanha Itália Espanha Irlanda França
EU15
Agricultura orgânica
∆ VAL (milhões de euros) 23 25 84 214 42 2.1 31 640
% do VAL total 0.3 0.2 0.8 1.1 0.2 0.1 0.1 0.6
Número de propriedades rurais envolvidas 962 1462 9 200 43 698 7 392 900 8 140 102 000
% do número total de propriedades rurais 0.9 0.6 0.6 1.9 0.6 0.6 1.2 1.5
% de propriedades rurais com mais de 2 UDE 0.9 0.8 2.1 3.5 1.0 0.7 1.5 2.2
Produção de especialidades
∆ VAL (milhões de euros) 85 54 209 865 142 16 887 2 724
% do VAL total 1.3 0.5 2.0 4.3 0.8 0.6 3.5 2.4
Número de propriedades rurais envolvidas 3 000 3 200 40 000 143 000 224 000 160 182 500 804 000
% do número total de propriedades rurais 2.8 1.4 7.5 6.2 18.5 0.1 26.8 11.5
% de propriedades rurais com mais de 2 UDE 2.8 1.7 9.3 11.5 28.8 0.1 32.7 17.4
Venda direta
∆ VAL (milhões de euros) 68 318 678 328 262 1.7 840 3 012
% do VAL total 1.0 3.0 6.4 1.6 1.5 0.1 3.3 2.7
Número de propriedades rurais envolvidas 6 000 14 700 35 000 800 000 90 000 790 102 000 1 420 000
% do número total de propriedades rurais 5.6 6.3 6.5 34.6 7.4 0.5 15.0 20.2
% de propriedades rurais com mais de 2 UDE 5.6 7.9 8.1 64.4 11.6 0.6 18.3 30.6
Agroturismo
∆ VAL (milhões de euros) 20 331 615 131 8.8 13 76 1 441
% of total NVA / % do VAL total 0.3 3.1 5.8 0.7 0.1 0.5 0.3 1.3
Número de propriedades rurais envolvidas 2 500 19 400 62 000 5 300 2 200 1 900 16 500 147 000
% do número total de propriedades rurais 2.3 8.3 11.6 0.2 0.2 1.3 2.4 2.1
% de propriedades rurais com mais de 2 UDE 2.3 10.5 14.3 0.4 0.3 1.4 3.0 3.2
Gestão da natureza e da paisagem
∆ VAL (milhões de euros) 12 71 156 86 88 125 138 1 443
% do VAL total 0.2 0.7 1.5 0.4 0.5 4.5 0.6 1.3
Número de propriedades rurais envolvidas 12 000 46 300 100 000 40 900 55 600 34 700 90 000 840 000
% do número total de propriedades rurais 11.1 19.8 18.7 1.8 4.6 23.5 13.3 12.0
% de propriedades rurais com mais de 2 UDE 11.1 25.0 23.2 3.3 7.2 26.7 16.2 18.1
Nota: VAL - valor agregado líquido, ∆ VAL - valor agregado líquido adicional gerado, UDE - unidades de dimensão econômica.
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seção anterior. A análise dos estudos de caso (Brunori e Rossi, 2000; Knickel, 2001)
indica que o grau de integração dos sistemas de produção-consumo de alimentos às
redes regionais ampliadas (distritos rurais) constitui um importante fator impulsor de
impactos e sinergias no desenvolvimento rural. Isso sugere que CCAAs face-a-face e
próximas seriam especialmente promissoras nesse sentido. Uma análise desses efeitos
em níveis mais agregados, nacionais, exige muito mais do que os conjuntos de dados
atualmente disponíveis, e presume melhorias substanciais nos sistemas de coleta de
informação. Entretanto, os números aqui apresentados (tabela 2) sugerem que relações
produtor-consumidor próximas e face-a-face continuam desempenhando um papel
importante, apesar do crescimento total da participação de mercado das CCAAs. A
venda direta, que corresponde em grande medida às CCAAs face-a-face no âmbito da
Europa, responde pelo maior número de unidades agrícolas envolvidas e pelos mais
altos níveis de impacto. Para alimentos orgânicos e de qualidade, o cenário é mais
complexo e altamente diferenciado entre os países. Contudo, também nos principais
mercados orgânicos, como da Alemanha, França e Áustria, parcelas importantes, que
variam entre 27% e 65%, continuam a ser comercializadas através de canais dedicados,
tais como vendas nas unidades agrícolas e lojas especializadas (Michelsen et al., 2000).
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Terry Marsden
Henk Renting
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Tradução de Regina Beatriz A. Vargas e Revisão Técnica de Sergio Schneider.
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Referências
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build cooperative food systems [Editorial]. Journal of Agriculture, Food Systems, and Community
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EUROPEAN COMMISSION. Closing the loop: an EU action plan for the circular economy.
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