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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA

Cidade Universitária – Campus Liberdade

Débora Zilah
Francielly Santiago
Isabela Carvalho
Luíza Ferreira

POBREZA MENSTRUAL

Belo Horizonte
2021
Débora Zilah
Francielly Santiago
Isabela Carvalho
Luíza Ferreira

POBREZA MENSTRUAL

Relatório técnico-científico apresentado ao Centro


Universitário UNA – Cidade Universitária, campus
Liberdade – como requisito parcial para obtenção do
título de Bacharel em Jornalismo.

Orientadora: Carla Maia

Belo Horizonte
2021
AGRADECIMENTOS

Agradecemos às nossas famílias e amigues que nos apoiaram e incentivaram no processo de


execução do presente trabalho. A professora Carla, que nos guiou e orientou com tanta
dedicação e paciência, mesmo que de forma online, pois ainda estamos vivendo a pandemia do
Covid-19.
A outros professores que nos auxiliaram com informações importantes para o
desenvolvimento do projeto. As pessoas que nos concederam entrevistas, tirando um tempo do
dia para participar do podcast. E a todos que contribuíram, de alguma forma, para a realização
deste trabalho.
Nosso agradecimento especial vai à Débora Zilah, que mesmo diante de uma grande
perda em sua vida pessoal, que impactou diretamente de forma emocional, não abandonou o
projeto, se manteve firme e correspondeu a todas as demandas, caminhando junto com cada
uma de nós e fazendo uma entrega linda que foi nosso produto final.
Resumo: O presente trabalho busca explicitar e conscientizar por meio de pesquisa
bibliográfica, bem como, qualitativa dedutiva, como a pobreza menstrual pode impactar a vida
de meninas, mulheres e pessoas que menstruam. Devido à carência de conhecimento, recursos
e infraestrutura para que tenham plena capacidade de cuidar da sua menstruação, um fenômeno
complexo e multidimensional, que impacta a vida de centenas de pessoas dentro da sociedade.
Para isso, examina relatórios divulgados pela UNICEF, documentos, artigos científicos e
analisa de forma ampla a realidade brasileira. A fim de esclarecer sobre essa temática que ainda
é cercada de tabus, escassez de dados e desinformação. Em seguida, verifica-se a saúde e os
direitos menstruais de acordo com as perspectivas e iniciativas da esfera pública para a
proposição de providências. Conclui-se que a falta de dignidade menstrual é um retrato da
desigualdade social e consequência da negligência por parte das autoridades para garantia
mínima da dignidade das pessoas que menstruam. Ao final, as informações coletadas em áudio
são disponibilizadas em formato de podcast, uma das modalidades de um produto jornalístico
audiovisual, tendo em vista a facilidade de acesso e aprendizado eficaz que este pode
proporcionar.
Palavras-chave: Menstruação; pobreza menstrual; dignidade menstrual; podcast;
conscientização; tabu.
Abstract: This work seeks to clarify and raise awareness through bibliographical and
qualitative deductive research, how menstrual poverty can impact the lives of girls, women and
people who menstruate. Due to the lack of knowledge, resources and infrastructure for them to
have full capacity to take care of their menstruation, a complex and multidimensional
phenomenon. For this, it examines reports released by UNICEF, documents, scientific articles
and analyzes Brazilian reality in a broad manner. In order to clarify this issue, which is still
surrounded by taboos, lack of data and misinformation. Then, the health and menstrual rights
are verified according to the perspectives and initiatives of the public sphere to propose
measures. It is concluded that the lack of menstrual dignity is a portrait of social inequality and
a consequence of the negligence on the part of authorities to guarantee the minimum dignity of
people who menstruate. At the end, the information collected in audio is made available in
podcast format, one of the modalities of an audiovisual journalistic product. In view of the ease
of access and effective learning that it can provide.

Key words: Menstruation, menstrual poverty, menstrual dignity, podcast, raising awareness,
taboo.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 5

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...................................................................................... 6

2.1. Pobreza Menstrual ....................................................................................................... 6

2.2. Podcast ......................................................................................................................... 8

3 PROJETO EXECUTIVO .................................................................................................. 10

3.1. Planejamento .............................................................................................................. 10

3.2. Definição do título ..................................................................................................... 11

3.3. Temas/episódios previstos ......................................................................................... 11

3.4. Listagem das fontes entrevistadas .............................................................................. 12

3.5. Cronograma ............................................................................................................... 14

4 RELATO REFLEXIVO DA EXPERIÊNCIA (INDIVIDUAL) ...................................... 16

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 23

ANEXOS .................................................................................................................................. 29
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1 INTRODUÇÃO

O produto do trabalho de conclusão de curso é um podcast com cerca de vinte e seis minutos
de duração, tendo em vista a facilidade de acesso e aprendizado eficaz que ele proporciona.
Com esse meio, criatividade e um pouco de conhecimento, é possível transformar-se em um
produtor e formador de opinião e experimentar o universo do jornalista e do locutor. Sendo
assim, o produto adequa-se ao nosso objetivo que é conscientizar sobre a pobreza menstrual,
gerar conhecimento e quebrar o tabu.
Essa nova forma de comunicação está associada a uma mudança de comportamento que
é ouvir na hora e lugar mais convenientes, tendo em vista cotidiano agitado. Ou seja, você ouve,
em qualquer lugar, o assunto sob medida para seu desejo e necessidade. Deste modo, garimpar
música e programas por meio do podcasting é uma experiência sensorial nova, que ganha valor
na sociedade contemporânea, marcada pela alta visibilidade e pelo espetáculo (PINE e
GILMORE, 2001; HERSCHMANN, 2007).
O podcasting veio para simplificar, tanto no conteúdo como na sua produção, visto que
não depende de um local específico, além da economia de tempo e poucos equipamentos
necessários para entregar um conteúdo dinâmico. “Com o avanço da tecnologia de compressão
de arquivos digitais e a crise da indústria fonográfica, o podcasting começa a inaugurar novas
formas de sociabilidade e a constituir toda uma rede de identificações culturais, valorizadas e
prestigiadas pelos usuários (HERSCHMANN e KISCHINHEVSKY, 2008).
A pobreza menstrual é um fenômeno complexo que abrange múltiplos aspectos,
vivenciados por pessoas que menstruam devido à falta de acesso a recursos, infraestrutura e
conhecimento para que tenham plena capacidade de cuidar da sua menstruação. É notável o
total desconhecimento do assunto ou, quando existe algum conhecimento, há a percepção de
que este é um problema fora de pauta e distante da realidade brasileira, inclusive de muitas
mulheres.
Imagine como deve ser menstruar e não ter acesso a protetores, não ter água para se
limpar, ou nem mesmo maneiras para manejar sua saúde de forma adequada. Nesse sentido
ainda, considere não poder sair de casa para evitar situações constrangedoras. Ignoradas pelo
sistema em suas necessidades específicas, mulheres em situação de rua, de comunidade e em
penitenciárias recorrem a “soluções alternativas” durante o período menstrual. Entre elas, o
6

miolo de pão: as mulheres o amassam para que fique no formato de um O.B. e colocam-no
dentro da vagina para absorver o fluxo.
Atualmente, uma em cada quatro adolescentes brasileiras não têm absorventes. Além
disso, quase 20% não têm acesso à água em casa e mais de 200 mil estudam em escolas com
banheiros sem condições de uso. Os dados estão no relatório Livre para Menstruar, produzido
pelo movimento Girl Up, com apoio da Herself. Analisando outro ângulo dessa triste realidade,
há a falta de políticas públicas para mulheres presas e os poucos kits, insuficientes para todas,
acabam se tornando moeda de troca dentro dos presídios. A autora do livro Presos que
Menstruam1, Nana Queiroz, conta que descobriu que mulheres presas usam miolo de pão, resto
de jornal, papel higiênico e até pedaços de plástico quando menstruam, por não receberem kits
de higiene adequados.
Os absorventes são considerados uma questão de luxo. Analogamente, estar em casa,
menstruada, embora possa não ser extremamente agradável para algumas mulheres, ainda traz
o benefício do conforto. Todavia, como vivem as mulheres de rua, durante o seu período
menstrual? Como o Brasil convive com o fato de que 23% das brasileiras não têm acesso a itens
de higiene menstrual? Quem são os responsáveis? Todos e todas nós alimentamos o poderoso
e silencioso tabu.
O objetivo do presente trabalho é conscientizar sobre esse assunto, gerar conhecimento
e quebrar o tabu. Precisamos falar sobre menstruação e sobre a garantia de direitos básicos para
pessoas que menstruam.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. Pobreza Menstrual

Diante da urgente necessidade da criação de novas políticas públicas, que garantam o direito
higiênico e de saúde às pessoas que menstruam, a dignidade menstrual é um assunto que entrou
em pauta recentemente, sendo objeto alvo do Projeto de Lei nº 4.968, de 2019, e nº 5.474, de
2019 ambos propostos pela deputada federal, Sra. Marília Arraes. O primeiro institui o
fornecimento de Absorventes Higiênicos nas escolas públicas que ofertam anos finais do ensino

1
QUEIROZ, Nana. Presos que Menstruam. Rio de Janeiro: Editora Record, 2015.
7

fundamental e ensino médio, o segundo busca garantir a oferta de Absorventes Higiênicos em


unidades da rede de atenção primária à saúde, em âmbito nacional (BRASIL. Projeto de lei nº
4.968 e 5.474, de 11 de setembro de 2019).
Em Minas Gerais, o Projeto de Lei 1.428/20, que prevê a oferta de absorventes
higiênicos em escolas públicas, nas unidades básicas de saúde, nas unidades e abrigos e nas
unidades prisionais, em âmbito estadual, foi aprovado em segundo turno pela ALMG
(Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais), no dia 17 de agosto de 2021.
No dia 04 de setembro de 2021, o PL 1.420/20, foi sancionado pelo Governador Romeu
Zema, garantindo assim o direito de mulheres em vulnerabilidade ao acesso gratuito de
absorventes higiênicos em Minas Gerais.
A pobreza menstrual é um fenômeno complexo, multidimensional e transdisciplinar
caracterizado principalmente pelos seguintes pilares:
• falta de acesso a produtos adequados para cuidado da higiene menstrual, tais
como absorventes descartáveis, absorventes de tecido reutilizáveis, coletores
menstruais descartáveis ou reutilizáveis, calcinhas menstruais etc., além de
papel higiênico e sabonete, entre outros;
• questões estruturais como a ausência de banheiros seguros e em bom estado de
conservação, saneamento básico (água encanada e esgotamento sanitário),
coleta de lixo;
• falta de acesso a medicamentos para administrar problemas menstruais e/ou
carência de serviços médicos;
• insuficiência ou incorreção nas informações sobre a saúde menstrual e
autoconhecimento sobre o corpo e os ciclos menstruais;
• tabus e preconceitos sobre a menstruação que resultam na segregação de pessoas
que menstruam de diversas áreas da vida social;
• questões econômicas como, por exemplo, a tributação sobre os produtos
menstruais e a mercantilização dos tabus sobre a menstruação com finalidade de
vender produtos desnecessários e que podem fazer mal à saúde;
• efeitos deletérios da pobreza menstrual sobre a vida econômica e
desenvolvimento pleno dos potenciais das pessoas que menstruam. (UNFPA;
UNICEF, 2021).
Meninas, mulheres, homens trans e pessoas não binárias menstruam. Devem, portanto,
ter asseguradas as condições para que a menstruação não represente vergonha ou ameaça a seus
8

direitos humanos (BAHIA, 2021, p. 10). A importância da higiene pessoal se intensifica durante
a gravidez e os períodos menstruais. Uma pessoa que menstrua precisa, por exemplo, trocar de
absorventes descartáveis – caso seja o método utilizado – algumas vezes ao dia para conter o
fluxo e evitar doenças. Apesar destas necessidades, o número de mulheres e meninas ao redor
do globo que não tem acesso a banheiros e privativos ultrapassa a casa do bilhão, e 526 milhões
sequer têm acesso a banheiros, independente do estado que se encontrem. (MOVIMENTO
ODS, 2020).
Tamanha precariedade impede as pessoas que menstruam de passarem por seus períodos
de menstruação de maneira digna. O elevado custo de absorventes descartáveis, por exemplo,
leva mulheres, meninas, homens transexuais e pessoas não binárias que menstruam a
recorrerem a métodos inseguros para conter a menstruação. A utilização de papéis, jornais,
trapos, sacolas plásticas, meias, miolos de pão ou a reutilização de absorventes descartáveis
coloca a saúde física dessas pessoas em risco (QUEIROZ, 2015). Salienta-se que moradoras de
abrigos, refugiadas, presas e moradores de rua estão em situação de ainda maior vulnerabilidade
no que tange a precariedade menstrual (QUEIROZ, 2015).
A precariedade menstrual, além de afetar a saúde física e psíquica de inúmeras pessoas,
faz perdurar a desigualdade entre homens e mulheres. Por não conseguirem controlar a
menstruação, meninas deixam de ir à escola, o que evidentemente prejudica seu desempenho
escolar. Segundo estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU), 10% das meninas
perdem aula quando estão menstruadas (AMARAL, 2020).
A pobreza menstrual é uma triste constatação de negligência por parte das autoridades
para garantia mínima da dignidade feminina. É urgente investimentos em infraestrutura e acesso
aos produtos de higiene menstrual. Os absorventes poderiam ser disponibilizados em postos de
saúde, por exemplo, assim como já é feito com preservativos e medicamentos – e a taxação de
impostos poderia ser reduzida para baratear esses produtos. O saneamento básico em escolas
deveria ser uma obrigação, assim como nos lares brasileiros (LOPES, 2021).
A pobreza menstrual é um retrato da desigualdade social. Ela evidencia a falta de
saneamento básico e de acesso à água tratada, assim como a carência referente a itens de higiene
pessoal. Como se não bastasse, a pobreza menstrual denuncia ainda o obstáculo referente a
desigualdade de gênero, sexismo e a misoginia. (ASSAD, 2021)

2.2. Podcast
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Um podcast geralmente reúne vários programas, ou episódios, que são definidos como um
arquivo de mídia em formato de áudio ou vídeo curto, que pode ser distribuído e acessado de
forma rápida e prática pelo ouvinte em plataformas gratuitas ou baixado para ouvir, mesmo sem
acesso à internet. Ele também conta com a facilidade de utilizar poucos equipamentos para sua
produção. Basta um microfone, que pode ir do mais simples ao mais sofisticado, e um aplicativo
ou equipamento de gravação, ambos encontrados muitas vezes em um celular.
O planejamento é considerado uma etapa primordial para construção do podcast. É por
meio dele que será decidido o tema a ser tratado, o roteiro, o local e o material para gravação,
assim como as fontes, o público-alvo, os participantes e a duração do programa. É importante
entender bem os aspectos técnicos das ferramentas usadas para fazer a edição, como frequências
e faixas de áudio. A estrutura deve conter: introdução, apresentação, ponte, conteúdo e
encerramento. O storytelling pode ajudar a prender o ouvinte em sua narrativa, levando-o a
histórias que gerem identificação e despertem o engajamento.
Há diversas formas de publicação. As mais comuns são as plataformas de streaming de
áudio, como: Spotify, Deezer, SoundCloud, etc. Mas é possível publicar nas redes sociais
comuns, como facebook e em sites. Ocasionalmente, o podcasting e a radiodifusão são
confundidos pelo público, principalmente, porque ambos trabalham com conteúdos sonoros em
seu processo de comunicação. Porém, embora tenham características em comum, a interação
com esses conteúdos difere bastante nesses dois meios.
A relação dos interagentes com as mensagens transmitidas por esses sistemas têm
características próprias, principalmente em aspectos de condições de acesso aos conteúdos
disponibilizados, sua relação de tempo e espaço, sua recepção e às formas de resposta às
emissões que são recebidas pela audiência. Ou seja, é importante destacar que o podcasting não
veio para substituir o rádio, pois ambos possuem seu próprio espaço e público. Se analisarmos
as características midiáticas do podcasting, a principal está no fato de que esse processo
viabiliza uma produção independente de alcance global. Ainda assim, esse modelo se enquadra
na tecnologia pull, em que o conteúdo é “puxado” pela audiência. Em contrapartida, temos a
tecnologia push, em que o conteúdo é “empurrado” até a audiência.
A universalização dos conteúdos propiciada pela internet através de suas características
midiáticas criou um veículo poderoso e inovador, em que emissores e receptores têm uma
relação democrática, podendo dialogar entre si.
O jornalista americano Kevin Roose (2014) descobriu que: Outra razão para que os
podcasts estejam crescendo é que o aspecto econômico é convincente. Produzir um podcast
comum custa menos que produzir um show para o rádio ou para a TV, e as taxas de publicidade
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num podcast de sucesso são grandes o bastante para pagar os custos de produção muitas vezes.
Vários podcasters de destaque me disseram que o PPM (preço por mil impressões, parâmetro
da indústria de publicidade) era entre US$ 20 e US$ 45. Compare isso ao PPM típico do rádio
(USS 1 a US$ 18) ou de uma rede de TV (US$ 5 a US$ 20) ou mesmo um velho anúncio padrão
da web (US$ 1 a US$ 20), e o podcast vence. (ROOSE, 2014).
No artigo, “A ‘segunda era’ do podcasting: reenquadrando o podcasting como um novo
meio digital massivo”, Tiziano Bonini analisa a história do podcast como uma prática cultural
de produção e consumo de conteúdo sonoro digital.
Para Bonini, o podcasting entrou numa nova fase de sua evolução, em que começa a
gerar um mercado não mais simplesmente complementar ao do rádio, mas um mercado
alternativo, que caminha para a profissionalização da produção e a normalização do consumo”.
A “segunda era”, assim chamada por ele, “se distingue pela transformação do podcasting em
uma prática produtiva comercial e num meio de consumo massivo e começa nos EUA em 2012,
com o lançamento dos primeiros modelos de negócios que foram capazes de apoiar a produção
independente e o consumo de conteúdos sonoro distribuído através do podcasting (2020, p.13).
Por fim, entende-se que o podcasting surge como um processo midiático novo, com grande
potencial, que reconfigura as indústrias do rádio e da música, “causando impacto direto sobre
o campo da cultura” (Herschmann e Kischinhevsky, 2008. p104). “Embora os podcasts ainda
constituam uma fração do mercado, representam a face mais visível de um processo de
transformação na mídia sonora, redesenhando os circuitos de produção, veiculação e de
consumo massivo” (Herschmann e Kischinhevsky, 2008), ainda há um longo caminho a
percorrer para conseguir se estabelecer como um processo popular e de valor social e comercial
reconhecido mundialmente.

3 PROJETO EXECUTIVO

3.1. Planejamento

Após a escolha do tema, foi definido o recorte, levando em consideração o quão amplo e
complexo o assunto é. Foi criado um roteiro de divisão das atividades, os tipos de fontes
necessárias e montado um esquema de entrevistas e apuração de fatos, dados, propostas de leis,
artigos e tudo que estava sendo tratado em relação ao tema.
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Cada membro do grupo ficou responsável pela elaboração de uma parte do trabalho.
Durante a execução do trabalho, houve sincronia e todas as tarefas foram realizadas dentro dos
prazos estabelecidos pela equipe. Foi cumprida cada etapa do planejamento feito juntamente
com a orientadora.
Isabela foi encarregada da apuração e entrevista com personagens e especialistas, que
trouxeram informações fundamentais e agregaram ao trabalho. Ela também participou da escrita
do relatório, da revisão bibliográfica e das correções no relatório apontadas pela orientadora.
Francielly foi responsável pela entrevista com os personagens, elaboração de pesquisas para
fundamentação teórica, correções indicadas pela orientadora no relatório e roteiro, e
organização e separação de áudios a serem usados, que foram organizados de acordo com o
roteiro, uma das peças chave para narração e apresentação do produto. Débora foi a criadora do
roteiro, selecionou cada áudio que seria usado, tendo que montar um verdadeiro quebra cabeça,
pois a variedade e qualidade de histórias e informações eram muito grandes, trazendo
dificuldade na seleção para que o tempo máximo não fosse ultrapassado. Além de todo o
processo relatado, ela foi a responsável pelo tratamento dos áudios, montagem e edição do
produto final. Luíza foi suporte em todos os processos, efetuando a transcrição de parte dos
áudios das entrevistas, além de ser responsável pelo corte dos áudios que seriam utilizados e
também peça chave na narração e apresentação do podcast.

3.2. Definição do título

Uma das partes mais difíceis foi a definição do título do podcast. Não queríamos nenhum nome
que carregasse o peso de todo tabu e preconceito que o tema tratado já possui. Foram diversas
ideias e discussões, até chegarmos a um consenso, intitulando nosso produto de “Que comece
o matriarcado”.
Escolhemos esse nome devido ao sonho ainda distante de equidade de gênero, do
reconhecimento da necessidade de valorização da mulher na sociedade e da preservação dos
seus direitos básicos, sendo a dignidade menstrual apenas um deles. Sabendo disso, entendemos
a importância de outros episódios para dar continuidade a este projeto. Contar diferentes
histórias de pessoas que herdaram tabus do patriarcado, mas que assim como nós, lutam por um
futuro melhor.

3.3. Temas/episódios previstos


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Episódio 2 Aborto

Episódio 3 Contracepção

Episódio 4 Violência doméstica

Episódio 5 Orientação sexual

Episódio 6 Vertentes do feminismo

Episódio 7 Autonomia corporal, saúde e direitos sexuais


reprodutivos

Episódio 8 Assédio

Episódio 9 Empoderamento

Episódio 10 Enfrentamento à violência política

3.4. Listagem das fontes entrevistadas

Personagens
Nome Contato Observação Data Responsável
Laura Pimenta (31)9430-1249 Ex-detenta 19 de outubro Débora
(ficou presa 4
dias e estava
menstruada)

Jéssica @jhs_jeh Ex-detenta 13 de outubro Débora

Samai @colombianaa Ex-detenta Segunda semana Francielly


Fernandes m13 (1 ano presa) de outubro

99560-3445
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Flávia Barboza @flavinha.bhz Líder de Projeto 7 de outubro Francielly


social na Vila
98890-1210 Andiroba

Carolina 99625-8907 Funcionária da 12 de outubro Francielly


PBH que faz
ação social com
mulheres em
situação de rua.
Emy Roots 98605-3924 Homem trans 9 de outubro Francielly

Amanda 98207-6036 Estudante de 14 de outubro Isabela


Ferreira pedagogia
Marcelo -------------- Participante do 14 de outubro Isabela
Ato Absorventes
ficam,
Bolsonaro sai
Pedro Henrique -------------- Participante do 14 de outubro Isabela
Ato Absorventes
ficam,
Bolsonaro sai
Rosângela Melo 98726-6150 Professora e 13 de outubro Isabela
psicóloga
Marcela --------------- Movimento 14 de outubro Isabela
Rebeldia
Maria Silvia @yosoysangria Sangria 21 de outubro Isabela

(31)99641-9393
Lorena (31)98845-1951 Coordenadora 15 de outubro Isabela
do Movimento
Flores de
Resistência
14

Especialistas
Nome Contato Observação Data Responsável
Cecília (31) 8816-1674 Médica 27 de outubro Isabela

Deputada Gabinete 3 e 11 de Isabela


Estadual (31) 2108-5188 novembro
Leninha -------------------
Assessor
Maycon Dantas
(34)99997-3426
Vereadora Larissa (Chefe 21 de outubro Isabela
Iza Lourença de Gabinete) -------------------

(31)98729-5662
Vereadora Nádia 28 de outubro Isabela
Bella Gonçaves (Assessora) ------------------
(31)99594-8178
Vitória Murta (31)99303-6013 Articuladora - 1 de novembro Isabela
Desencarcera
MG

3.5. Cronograma

Pesquisa e levantamento bibliográfico Agosto e setembro

Relatório técnico ● Relatório inicial - segunda semana


de setembro
● Relatório final - primeira semana de
dezembro
15

Entrevistas Outubro e novembro


● Ato Absorventes ficam, Bolsonaro
sai - dia 14 de outubro

Roteiro do podcast ● Roteiro inicial - segunda semana de


outubro
● Primeiro tratamento do roteiro -
segunda semana de novembro
● Roteiro final - 1º de dezembro

Gravação ● Primeira gravação - terceira semana


de novembro
● Gravação Final - primeira semana
de dezembro

Produção/edição do podcast ● Piloto - 26 de novembro


● Produto final - 4 de dezembro

Relato reflexivo da experiência (individual) Primeira semana de dezembro

No dia 14 de outubro, Isabela participou do ato “Absorventes ficam, Bolsonaro sai”, realizado
na Praça Sete por vários coletivos em conjunto. O objetivo da ação era pautar a dignidade
menstrual, pressionar a prefeitura de Belo Horizonte para que a distribuição de absorventes
possa ser uma realidade na cidade e lutar para derrubar o veto do presidente Bolsonaro. Além
de panfletar sobre o assunto, arrecadar e distribuir absorventes. Participamos do ato com o
intuito de entender mais sobre o movimento em prol dos direitos das pessoas que menstruam e
em busca de fontes para o podcast.
Ao longo do semestre, seguimos as orientações da professora Carla, o que nos permitiu
desenvolver as atividades, executar melhorias nos processos de redação, gravação e edição e
assim cumprir o cronograma traçado.
Após elaboração do primeiro roteiro, demos início a gravação e finalização do primeiro
produto, que após apresentado à orientadora teve algumas alterações a serem feitas. Partimos
então para as correções e alterações do roteiro, ao qual foi esmiuçado a música “Dignidade para
Fluir”, feita em parceria da cantora e compositora Bivolt, com a SEMPRE LIVRE, uma
conhecida marca de absorventes. A música foi colocada entre falas das entrevistadas e
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apresentadoras, com o intuito de dar fluidez, conexão e ritmo ao podcast. Com a finalização do
segundo roteiro, foi dado início a gravação, e posteriormente edição para apresentação do
produto final.
Com a apresentação do produto final na reunião de orientação que aconteceu no dia seis de
dezembro, o produto foi aprovado, tendo apenas uma pequena correção técnica no processo de
edição. No dia nove de dezembro, o podcast estava finalizado, pronto para ser apresentado para
a banca no dia treze de dezembro.

4 RELATO REFLEXIVO DA EXPERIÊNCIA (INDIVIDUAL)

Débora Zilah

Começo dizendo que minhas amigas se formaram primeiro que eu, portanto as acompanhei
durante o processo de TCC, bem como testemunhei o desespero delas. Além disso, quase todo
estudante treme quando se trata do projeto de conclusão de curso, mas no final acaba dando
tudo certo. Eu sabia que ia ser difícil, mas não sabia que ia ser tanto. Então, ao longo dos
períodos eu fui me preparando mentalmente para essa etapa. Deu certo? Não deu.
Realmente, foi um grande desafio que me ensinou muito sobre paciência, organização e
resiliência, visto que sou uma pessoa ansiosa do tipo que queria fazer tudo em um dia, entregar
e pronto.
A escolha do tema veio da nossa colega Isabela. Logo acatamos a ideia e, por incrível
que pareça, o tema Pobreza Menstrual se tornou pauta nos jornais, blogs e redes sociais durante
a realização do nosso TCC. Nesse sentido, conseguimos reunir bastante material e fontes para
abordar toda a polêmica em torno desse assunto.
Apesar do desespero, estresse e vontade de “chutar o balde”, nada disso teve relação
com o meu grupo, pois todas nós fizemos nossas partes de acordo com uma divisão bem justa
e organizada. Apesar dos pesares, literalmente. A Bela correu atrás das fontes oficiais que são
mais difíceis de conseguir contato e se desdobrou para entender o projeto de lei e suas
implicações. Além disso, foi bastante profunda nas perguntas, o que conduziu as fontes para
relatos emocionantes e ricos de informação. A Fran, mesmo com o dia corrido de trabalho e
sem tempo para quase nada, foi a primeira a realizar as entrevistas e concluir essa etapa, além
de ter o talento para narrar e ser a peça-chave do podcast. A Lu ganhou esse jogo, porque está
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quase parindo a sua filha Aysha e continua trabalhando, estudando e se dedicando a esse TCC.
Quanto a mim, tive uma grande perda de um avô querido que era como um pai. Ao longo desse
último semestre ele adoeceu, ficou internado, passou por uma cirurgia, foi para o CTI e,
infelizmente, não resistiu. Durante todo esse período, minhas emoções estavam à flor da pele e
não foi fácil conciliar tudo isso com o trabalho, faculdade e mudança de casa. Mas, a lição que
aprendi é que a vida não para e nem nossas obrigações. Juntei forças pelo meu avô, que pagou
minha faculdade, e fiz minha parte para concluir essa etapa com chave de ouro em homenagem
a ele.
A montagem do roteiro foi a parte mais difícil porque eram muitas fontes e muitos
relatos. Foi como montar um quebra-cabeça para construir uma narrativa bastante rica e
chamativa. Foi necessário refazer várias partes, mas apesar da frustração, entendemos que seria
o melhor para o nosso produto. Eu fiquei encarregada da montagem do roteiro e as meninas me
ajudaram a fazer as conexões e pontuar as partes mais importantes de cada entrevista. Além
disso, devido a facilidade que eu tenho com o programa de edição de áudio Audacity, eu me
propus a fazer montagem do produto. Tive grande ajuda do meu grupo que recortou e nomeou
os áudios para facilitar o processo. Nota 10 em organização e parceria para nós!
É gratificante ver o resultado pronto e poder dar aquele suspiro de alívio: “Ufa, acabou”,
mas a gratificação para mim foi mais pelo conhecimento que aprendi, tendo em vista que eu
nunca havia parado para pensar na gravidade desse tema. Então, posso dizer que me tornei uma
pessoa mais consciente sobre a realidade brasileira e a dificuldade das pessoas que menstruam.
Dessa forma, sigo com a obrigação de espalhar essas informações e ajudar nessa causa.
Agradeço também ao meu grupo, pois sem elas seria impossível concluir. E, por fim, agradeço
ao meu avô que me deu oportunidade de ter uma boa formação e por nunca ter deixado faltar
nada. Gratidão!

Francielly Santiago

Mesmo me reconhecendo como comunicadora em formação, sempre tive determinada


dificuldade com trabalhos em grupo, devido a minha autocobrança excessiva. Desde o semestre
anterior, eu já havia combinado com a Déborah de fazermos o TCC juntas, em dupla, pois já
nos conhecíamos, já havíamos feito trabalhos juntas e nos entendemos muito bem, devido aos
processos parecidos causados pela ansiedade.
Assumo que no início do semestre estávamos ainda perdidas referente ao tema, nos
identificamos com vários assuntos, o que dificultou a escolha, até aparecer a Isabela, com um
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tema incrível que gostamos de cara. Logo depois, a Luíza veio fazer parte do grupo e agregar
ainda mais as nossas ideias iniciais.
Com o tema decidido, começamos as pesquisas. Eu fiquei por conta da fundamentação
teórica. Mas como boa ansiosa que sou, assim que o tema já havia sido definido e o recorte
escolhido, já dei início a procura por fontes para as entrevistas. Como sempre fui muito
comunicativa, e sempre transitei entre variados públicos, consegui muito rápido pessoas que se
encaixavam exatamente nos perfis que precisávamos. A minha primeira entrevistada foi a,
Samai Fernandes, que eu já conhecia e já sabia um pouco da trajetória e das dificuldades
enfrentadas por ela, devido ao fato de ser uma ex- detenta. Após entrevistá-la, e ela estar a par
do meu trabalho, ela então me colocou em contato com um amigo, o Emy Roots, que foi meu
segundo entrevistado.
A Flávia Barbosa eu já conhecia e acompanhava de perto seu trabalho na Casa das
Poesias, e a Carol, psicóloga da Prefeitura, uma prima me apresentou. Após a fundamentação
teórica escrita, as entrevistas feitas, partimos para a escolha do nome e elaboração do roteiro.
O nome foi escolhido em conjunto, após diversas tentativas chegamos a escolha do “Que
comece o matriarcado”, pois não queríamos nenhum nome que carregasse o peso do
preconceito, que já é algo abordado e fundamentado pelo nosso tema. Queríamos um nome que
carregasse os nossos desejos de um futuro diferente, que nos parece distante, porém que acende
a chama da esperança de que um dia tudo possa mudar para melhor.
Com o roteiro pronto, partimos para as gravações de um primeiro produto do podcast,
fui uma das narradoras do roteiro. Com as pontuações feitas no roteiro pela orientadora, Carla
Maia, me dediquei à correção de cada uma, na tentativa de tentar chegar de maneira assertiva a
um produto satisfatório, com conexão, didática e que não fosse maçante de ser ouvido. Por
enquanto, parece que tivemos um bom resultado. E eu estou muito feliz em ter trabalhado ao
lado de pessoas que estavam tão dispostas quanto eu a entregar um produto feito com dedicação.
Quem sabe um dia, ele possa ser usado como uma lembrança de tempos distantes, em que a
pobreza menstrual seja apenas um marco triste na história.
Apesar de todas as lágrimas, pois o processo foi emocionalmente exaustivo para mim,
estou extremamente feliz com o resultado, e com o meu desempenho no trabalho em grupo. Sei
que às vezes pressionei as meninas, devido a minha ansiedade (que me deixa acelerada). Mas
ao desenrolar das coisas, consegui entender e processar que cada um tem seu tempo e sua
maneira de trabalhar. Para mim, foi enriquecedor a realização do trabalho.

Isabela Carvalho
19

Pobreza menstrual foi o tema definido para nosso trabalho de conclusão de curso. Um fenômeno
que era desconhecido por mim, até então. Com a correria do dia a dia – trabalhar, estudar, cuidar
da casa – é comum não pensarmos muito em realidades diferentes das nossas, já que não é
aquilo que vivenciamos. Quando me deparei com informações e dados alarmantes sobre
pessoas que sofrem com a falta de acesso a produtos básicos para manter uma boa higiene
íntima no período menstrual, fiquei muito assustada. Fui confrontada com muita desigualdade
e violações de direitos dentro desta temática. Era algo que eu nunca havia parado para pensar.
O assunto menstruação não era muito abordado em minha casa, e eu quando nova não
compreendia claramente o que era o ciclo menstrual, justamente pelo tema ser considerado um
tabu. Estes fatos passaram despercebidos, porque minha família sempre pôde me proporcionar
direitos que são considerados básicos para um ser humano, como moradia digna, água encanada
e saneamento, além dos itens de higiene, que são taxados no Brasil como itens de luxo.
Por isso, foi enriquecedor contribuir ativamente para o nosso último projeto experimental
jornalístico, poder executar um bom trabalho de apuração de fatos, entrevistando fontes que
pudessem nos ajudar a compreender os diversos aspectos da pobreza menstrual. Uma pauta
considerada atual e inovadora. Pouco conhecida, mas que vem se tornando cada vez mais de
interesse público. Deste modo, entendo que falar abertamente sobre um processo natural do
corpo, como a menstruação, mas que ainda não é naturalizado em nossa sociedade, foi um passo
importante para minha formação e entrada no mercado profissional.
Um dos maiores desafios foi desenvolver um projeto em um semestre de pandemia. Nos
deparamos com dificuldades para ir à campo, tendo que fazer algumas adaptações. Nossas
entrevistas, reuniões de orientação/acompanhamento e revisão dos materiais produzidos
aconteceram de forma virtual, respeitando o planejamento e cronogramas definidos, sempre
contando com o apoio da nossa professora orientadora, Carla Maia.
Aos poucos, tudo foi se encaminhando, conseguimos boas fontes, os encontros mesmo
online, deram certo. Foram cerca de vinte entrevistas, entre depoimentos e relatos de
especialistas, e uma participação em manifestação, para o desenvolvimento do produto que
escolhemos para produzir, além de toda pesquisa bibliográfica e documental, com a proposta
de compartilhar um conteúdo sobre dignidade e pobreza menstrual para as pessoas. Isto posto,
definimos podcast como produto do nosso projeto. Consideramos que este é tido como um dos
meios atuais mais populares de entretenimento e conhecimento para o público, uma vez que as
pessoas podem ouvir na hora e lugar mais convenientes. Escolhemos que o nome seria “Que
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comece o matriarcado", pensando em relatar vivências de pessoas que herdaram o tabu do


patriarcado, mas buscando mudanças para novas histórias.
Chego ao final do projeto com a sensação de dever cumprido: conscientizar sobre a
pobreza menstrual, incentivar o autoconhecimento, orientar e promover reflexão crítica para
juntas quebrarmos mais um tabu.

Luíza Ferreira

Acredito que todo universitário sonha com o final do curso, não só pelo trabalho árduo, mas
pela conquista e conclusão de um processo tão longo e que é sonho para muitos. Quando eu
iniciei a faculdade, nunca imaginei que chegaria ao final do curso estando nas condições que
estou: morando junto (leia-se casada), grávida, trabalhando de carteira assinada e dependendo
apenas de mim mesma. Graças a Deus e ao suporte que meus pais me deram, fui agraciada com
uma estrutura escolar muito boa em comparação à realidade de muitos brasileiros e tive a
oportunidade de prestar o vestibular com confiança. Cursei esses 4 anos com 100% de bolsa
por ter passado em 1º lugar quando foi minha vez. Isso me deu forças para me dedicar ainda
mais para dar orgulho para quem tanto me apoiou.
Antes de refletir sobre o processo em si para conclusão do TCC, preciso fazer meus
agradecimentos. Aos meus pais, que dedicaram a vida toda para que nada me faltasse e eu
tivesse as melhores oportunidades possíveis, ao meu irmão Leonardo, companheiro de
jornalismo, que dividiu comigo dúvidas, angústias e conquistas durante todos esses anos, aos
meus colegas de faculdade e professores, que fizeram desse processo uma verdadeira história
para contar e ao meu namorado, noivo e marido, Luan, que sempre demonstrou seu apoio
mesmo que indiretamente e demonstrou o quanto se sente orgulhoso de mim quando me vê
envolvida com os deveres e prazeres da faculdade.
O processo para conclusão do TCC não seria possível sem minhas colegas de grupo,
Débora, Francielly e Isabela. Todas nós tivemos obstáculos e momentos de cabeça quente, mas
trabalhamos quase que perfeitamente como grupo, sempre dividindo os sentimentos e desejos,
além de ideias e inovações. Me acolheram mesmo com minha chegada um pouco tardia na
participação e não diminuíram minha importância no grupo em momento algum, sendo
sensíveis com minha gravidez durante todo o processo e sendo ótimas parceiras para desabafos
também. Criamos uma relação de respeito e amizade. Gostaria de deixar minha observação e
admiração especial à Débora, que passa agora pelo momento que acredito ser o mais difícil da
21

vida dela, perdendo o avô que considera pai e ainda assim mantendo-se forte para enfrentar os
prazos e obrigações. Isso eu tenho certeza que deu muito orgulho ao avô dela.
Tudo isso afetou não só nossa percepção pessoal quanto nosso envolvimento com o
tema, a Pobreza Menstrual. Nos envolvemos e passamos a entender o quão importante é abordar
esse tema diante das dificuldades de acesso à uma dignidade sanitária em vários aspectos e
realidades. Com essa temática e ao ter contato com as entrevistadas e os materiais, a construção
de roteiro e projeto foi ainda mais minuciosa para que pudéssemos passar esse sentimento de
indignação para quem nos ouvir. Eu acredito que a escolha do podcast como produto foi a
melhor possível para transmitir sensações, informação e ainda estar em contato com uma mídia
tão atual e acessível. Senti muita falta de trabalhar isso cara a cara, com a pandemia essa
dificuldade foi amplificada – outro ponto a ser levantado, pois precisamos nos adaptar à
realidade para conseguir concluir tudo com a maior qualidade disponível.
De modo geral, todas as noites em claro, o contato com um tema tão delicado, as
dificuldades pessoais e a pressão de concluir esse projeto da melhor forma possível se tornaram
pontos positivos que impulsionam o cuidado na execução. Cada transcrição de áudio, o roteiro,
as alterações e orientações da nossa orientadora Cacá, as entrevistas, os arquivos, o produto,
tudo fez com que o projeto fosse tão especial para mim. Não foi fácil passar por cada etapa do
processo, mas estou muito satisfeita com o que entregamos e acredito ter sido da melhor forma
que poderia acontecer.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

MENSTRUAÇÃO: é a descamação das paredes uterinas quando não há fecundação, sendo


essa descamação parte do ciclo reprodutivo da mulher e acontece mensalmente. O corpo que
menstrua se prepara para a gravidez, e quando não ocorre, o endométrio (membrana interna do
útero) se desprende.
Além de sua importância biológica, sendo um acontecimento fisiológico que ocorre em
corpos femininos mensalmente, com ela acontecem uma série de mudanças hormonais que
afetam psicologicamente e emocionalmente a pessoa, e marcam também o início do período
fértil.
A menstruação é determinante do ponto de vista social e pode afetar um indivíduo em
diversos aspectos, levando em consideração que um corpo feminino não possui como opção
menstruar ou não, sem que recorra a tratamentos hormonais que a impeça de acontecer. E quem
menstrua tem necessidades: de higiene, de informação, de saúde, sociais e de direitos. Uma
pessoa pode passar cerca de trinta a quarenta anos de sua vida menstruando, (seu período de
maior produtividade dentro da sociedade). Não é possível pensar nisso sem considerar as
múltiplas realidades do Brasil.
Com o desenvolvimento da pesquisa bibliográfica e realização de entrevistas fica
evidente que a pobreza menstrual, ainda é cercada de tabus, escassez de dados e desinformação,
que refletem um problema sistêmico. No qual o cerne da questão se dá pela desigualdade social
e de gênero, falta de saneamento básico e em consequência da negligência por parte das
autoridades para garantia mínima da dignidade das pessoas que menstruam. Por isso faz-se
necessário que o Estado atue de forma eficiente e diligente no combate à precariedade menstrual
e que a sociedade civil cobre ativamente essas ações.
Conclui-se assim, que há urgência na implementação de políticas públicas e sociais para
que possamos caminhar para um país com mais igualdade e com dignidade menstrual para todas
e todos. Faz-se necessário a propagação de mais informações e educação, para que crianças e
jovens tenham consciência de seus corpos e processos fisiológicos sofridos, para que a
menstruação deixe de ser um tabu, e seja encarada da maneira correta: Um processo natural
vivido por corpos femininos, que merece cuidado.
23

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Absorvendo o tabu. 2018. Disponível em:


https://www.netflix.com/br/title/81074663?s=a&trkid=13747225&t=wha&vlang=pt&clip=81
076501 Acesso em 30 de agosto de 2021

Menstruação - O que é? Disponível em: https://www.gineco.com.br/saude-


feminina/menstruacao/o-que-e Acesso em: 09 de dezembro

A period should end a sentence, not a girl’s education. 2021. Disponível em:
https://thepadproject.org/ Acesso em 20 de setembro

Pobreza menstrual e medidas de enfrentamento são tema de discussão no programa


Conexões. 2021. Disponível em: https://ufmg.br/comunicacao/noticias/pobreza-menstrual-e-
medidas-de-enfrentamento-sao-tema-de-discussao-no-programa-conexoes Acesso em 20 de
setembro

Podcasts para iniciantes: saiba como fazer. 2019. Disponível em:


https://rockcontent.com/blog/podcasting-para-iniciantes/ Acesso em 19 de outubro
28

VAZ, Tiago. NO AR: Tudo o que você precisa saber para produzir e publicar o seu podcast.
2019. Disponível em: https://medium.com/@tvaz/no-ar-tudo-o-que-voc%C3%AA-precisa-
saber-para-produzir-e-publicar-o-seu-podcast-9e69d98d30d9 Acesso em 25 de novembro de
2021
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ANEXOS

Anexo 1 - Roteiro
Título do podcast: Que comece o Matriarcado
1º Episódio: Pobreza Menstrual
(Música de cabeça para a introdução: Deixa fluir 0:37 até 0:48 sei que devo deixar fluir, eu
carrego essa fase em mim, deixar fluir, deixar fluir )
Apresentadora 1: BEM-VINDOS AO PRIMEIRO EPISÓDIO DE *Que comece o
matriarcado*// Meu nome é Francielly Santiago e estou em companhia da Luíza Ferreira.
Apresentadora 2: OLÁ, EU SOU a Luíza Ferreira e neste primeiro episódio vamos falar sobre
Pobreza Menstrual.
(Recortar esse trecho de 00:01 “são mais de 11…” até 00:10 Existe uma realidade que a
gente tá vivendo, e eu não tô falando de anos atrás não viu,
Mais de 11 milhões de pessoas afetadas diretamente pela pobreza menstrual)
https://www.youtube.com/watch?v=1C7Vb2DX3Mg Vinheta de abertura
Obs.: Colocar o efeito fade out
Em apenas duas palavras temos um fenômeno complexo que abrange vários aspectos
vivenciados por pessoas que menstruam devido à falta de acesso a recursos, infraestrutura e
conhecimento para que tenham plena capacidade de cuidar da sua menstruação, a Flávia
Barbosa tem um relato sobre o assunto.

Áudio - Recorte da entrevista com a Flávia: “O meu primeiro contato com alguém que não
tinha absorvente, remonta da minha infância, da minha adolescência. Porque eu não entendia o
que era o sangue que escorria nas minhas pernas e eu tinha vergonha de pedir ao meu pai
dinheiro para comprar, porque era ele o mantenedor da casa.”
(recorte da música: O assunto é um tabu, Mas não vai passar batido 0:55 até 0:57)
Apresentadora 1: A Flávia é uma das guardiãs na Casa das Poesias, que é um projeto social
localizado na Vila Andiroba, e assim como ela, várias mulheres já sentiram vergonha de falar
sobre esse assunto. Quem nunca disse “estou naqueles dias” para não se referir diretamente à
“menstruação”? Então…: eu, você e todes nós estamos, inconscientemente, reforçando a ideia
de que a menstruação é um assunto proibido — e que, por isso, precisamos recorrer a códigos
e eufemismos.
30

Áudio - Recorte da entrevista com a Flávia: O contato mais recente que eu tive foi com uma
jovenzinha, uma menina de 11 anos que já está menstruando e ela foi até a Casa das Poesias
para fazer um trabalho lá. Na verdade, ela foi lá porque a Bruna estava catando piolho dela,
essa é a verdade, né? Vamos ser diretas. E a Bruna falou assim: “Senta aqui, Ana Clara.” E ela
falou “Não. Eu não posso sentar aí, professora. Porque aí é branco e minha menstruação chegou.
Eu não posso sentar porque depois pode manchar porque não estou usando absorvente.
(parte da música: ainda inacessível nas quebradas, nas vielas, eu quero que tu saiba é teu direito,
tu merece respeito, é teu direito liberdade e respeito 1:02 até 1:12)
Apresentadora 2: . O papel da Casa das Poesias é, amparar e aproximar os moradores da arte
e da cultura. Lá são realizadas ações de distribuição de cestas básicas, materiais de higiene e
limpeza, lanches, almoço, livros e brinquedos, com o intuito de mitigar os efeitos danosos do
viver em situações de vulnerabilidade”.
(parte da música: não quero que sinta dó, só quero mais dignidade, eu to na cena eu falo, perante
a dados não me calo o fluxo é intenso e complicado, e nem é coisa do passado. 0:16 até 0:26)
Apresentadora 1: O contraste entre a precariedade menstrual e a escassez de dados se mostra
ainda mais preocupante se associado ao nosso alarmante cenário brasileiro. 13,6 milhões de
habitantes, que equivale a cerca de 6,5% da população, vivem em condições de extrema
pobreza. // A necessidade de enfrentamento dessa realidade e redução das desigualdades tem
relação direta com o tratamento do problema da pobreza menstrual e seu impacto nas futuras
gerações.
Áudio - Recorte da entrevista com a Flávia: “E a sensação que a gente tem quando escuta
isso é que a gente continua ‘involuindo’, né? Porque essas crianças usam papel higiênico,
quando tem papel higiênico em casa, ou então rasgam pedaços de roupas para estancar o sangue
e depois jogam aqueles pedaços de roupas fora. Essas crianças, porque são crianças. Estar
menstruada aos 11 anos é uma situação complicada.“
Apresentadora 2: A Flávia ainda nos deu um relato sobre uma experiência marcante que ela
viveu recentemente na Casa das Poesias.
Áudio - Recorte da entrevista com a Flávia: Uma menina que geralmente não faria isso, né?
Ela veio e me abraçou. Eu assustei. Mas ela me abraçou porque ela precisava falar no meu
ouvido “Minha menstruação chegou. Será que você tem um absorvente? ” E a gente tinha. Sabe
por que que a gente tinha? Porque o Projeto Amar tinha deixado lá vários kits que tinham
absorvente. Então a gente tinha absorvente. O que a gente queria ter é ter absorvente sempre,
mas nem sempre é possível. Essa é a experiência que eu tenho em relação à pobreza menstrual.
É muito difícil principalmente em vilas onde o saneamento básico é precário. Ainda bem que
31

há alguns chuveiros mas tem casas que nem chuveiro tem. O jeito é tomar banho na torneira
com roupa e tudo e depois jogar fora. É isso. ”
Colocar o efeito gradativo de fade in
Extrair áudio da música - trecho:
Mulher é bicho esquisito
Todo o mês sangra
Um sexto sentido
Maior que a razão

Apresentadora 2: Pessoas com útero sangram, e as que são colocadas à margem da sociedade
que vivem em situação de rua, acabam vendo um processo fisiológico se tornar problema...

Colocar o efeito fade out e em seguida algum efeito que deixa a voz meio distante no áudio a
seguir:

Áudio - Recorte entrevista Carol: Nós temos diariamente essas mulheres chegando com as
roupas manchadas de sangue, com as pernas com sangue escorrendo pedindo para que elas
possam se lavar, se higienizar e ter um pouquinho de dignidade usando o absorvente delas.
Então é um problema recorrente, um problema sério.

Áudio - Recorte entrevista Carol: “Meu nome é Carolina, sou psicóloga, trabalho num
equipamento da prefeitura que atende mulheres em situação de rua. Esse equipamento funciona
na lógica da redução de danos e basicamente o público que a gente atende além de mulheres
em situação de rua são mulheres com o uso prejudicial de álcool e outras drogas. Esse
equipamento funciona para atendimento das 9 às 17 horas e recebemos basicamente as mulheres
da região Noroeste de Belo Horizonte. Essas mulheres chegam e elas têm acesso aos cuidados
básicos. Alimentação, banho e podem usar o equipamento para um momento de descanso que
a gente entende que é um intervalo entre a rua e as drogas, que elas fazem nesse lugar. Em
relação à questão da menstruação dessas meninas, a gente, logo que eu entrei e comecei a
trabalhar nesse lugar, eu percebi que uma das grandes demandas dessas mulheres era em relação
aos absorventes. Então muitas vezes acontecia de o equipamento ainda não estar aberto, a gente
estar lá mas o equipamento ainda não estar aberto para entrada delas e elas batiam dizendo que
elas precisavam do absorvente porque elas estavam no período menstrual e elas não tinham
32

como estarem na rua sem o absorvente. Então se a gente for pensar, hoje, uma das maiores
demandas que a gente tem nesse equipamento seria o de absorvente.

Apresentadora 1: E infelizmente, mesmo diante de tantos fatos como os relatados, ainda temos
que lidar com uma pessoa no poder que banaliza a situação...
Extrair o áudio desse vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=rhvwrpfQ0BY (recortar de
1:07 a 1:34)

Apresentadora 2: De acordo com os últimos dados do IBGE, 14,8 milhões de brasileiras vivem
na condição de pobreza menstrual.Não podemos esquecer que uma condição socioeconômica
desfavorável, é fator importante quando se analisa os dados, sendo além das pessoas em
situação de rua, a população carcerária feminina no país, também faz parte desta estatística.
(parte da música:Só pra você ter a noção do que eu to falando, meia, papel, miolo de pão pra
estancar menstruação 0:49 até 0:55)
Áudio - Recorte da entrevista com a Samai: Meu nome é Samai Fernandes, eu tenho 26 anos
e eu fui presa no ano de 2018… maioria das presas usa qualquer coisa menos absorvente. Por
quê? Porque cadeia de mulher são raras as pessoas que vão visitar. Se não tem visita, não tem
kit. Kit é o quê? Kit é o que você precisa de básico tanto para comer quanto para higiene. Então
se você não tem visita, você não tem. E se você não tem, você vai fazer o quê? Você vai recorrer
aos outros recursos. Algo que dê para você colocar dentro que dê para pelo menos tampar. Até
plástico, sacolinha essas mais fininhas. Você faz um bolinho com ela e bota. Aí a menstruação
fica lá dentro e na hora que você vai tomar banho ela desce toda. Ele estanca. Não absorve, mas
ele para o sangramento e é isso. A maioria das mulheres na cela. A cada 12 presas, 4 tinham
visita, 3. E é isso. Quando você não tem recurso, você não tem recurso e é isso.
(Pergunta já inclusa no áudio) Francielly: “E você conseguiu logo no primeiro mês ou você
teve que usar outros métodos?”

“Não. De primeira, eu usei papel. Também tem um rolê que a gente rasga um pedaço de lençol
porque uma hora o papel acaba. E eles não dão. Isso aí é coisa que a sua família tem que levar
para você, mas se sua família não tem condições de te visitar na cadeia, é isso. Ou é papel ou é
pedaço de pano. Você usa, enxágua, bota para secar e bota de novo. Fica deitada até o paninho
secar. Seca rápido. Aí depois que secou você coloca de novo. Deitada por quê? Porque deitada
a menstruação não desce. ”
33

Áudio - Recorte da entrevista com a Vitória Murta: Oi, meu nome é Vitória. Eu sou
articuladora da Agenda Nacional pelo Desencarceramento e da Frente pelo Desencarceramento
de Minas Gerais. Eu também faço parte da campanha de arrecadação Flores no Cárcere, que é
uma campanha que arrecada materiais de higiene e limpeza para levar para pessoas em privação
de liberdade.

É dever do Estado fornecer esses materiais de higiene e limpeza para as pessoas em privação
de liberdade, mas a realidade é que os produtos enviados para as unidades prisionais não são
suficientes para todas as pessoas e muitas vezes eles nem são mandados. Em alguns meses as
unidades nem recebem esses produtos. Então, é sempre uma situação bem complicada, uma
situação precária na higiene desses homens e mulheres que estão presos.

Apresentadora 1: Dignidade menstrual, algo que muitas pessoas só conhecem pelo nome…

A situação em relação à pobreza menstrual nos presídios é tão tensa. O que acontece é que essas
mulheres quando não tem o absorvente, elas usam o miolo de pão e aí quando elas não
conseguem e a menstruação vaza, algumas têm um ciclo menstrual que a menstruação dura
mais dias, algumas tem o fluxo menstrual maior. Enfim, e aí não conseguem ter acesso ao
absorvente e aí a menstruação mancha uniforme, muitas vezes elas recebem punições por isso.
Porque é considerado dano ao patrimônio público a mancha naquele uniforme, que é fornecido
pelo Estado muitas vezes. Então, o próprio Estado que deveria fornecer esses produtos, não
fornece e isso acaba sendo também se revertendo muitas vezes em punição para essas mulheres.
Apresentadora 1: Apesar da situação na prisão ser bastante precária tanto para homens quanto
para mulheres, ainda há muita desigualdade. A Samai tem uma opinião bem interessante sobre
isso, vamos ouvir.
Áudio - Recorte da entrevista com a Samai: A camisinha, se você for pensar pelo lado da
camisinha. A camisinha é uma opção: transar ou não transar. E eles disponibilizam. Qualquer
unidade básica de saúde disponibiliza camisinha. Mas disponibiliza camisinha mais masculina
do que feminina. Só que transar é uma opção e menstruar não é uma opção. Para você não
menstruar, você tem que ficar tomando anticoncepcional. Você vai ser uma cobaia humana e
não é uma opção dentro da cadeia.
Débora vai ler essa poesia escrita por ela:
(Colocar uma música instrumental por trás)
34

Era uma vez,


Uma flor incomum que florescia
Num belo e vasto jardim
Exalava poesia, mas não a do tipo que queriam ouvir

Florescia mais e mais


Espalhando sua cor e cheiro por todos os cantos
Diziam que não merecia um nome delicado de flor,
Porque um dia tentaram podá-la e ela os espetou

Tentavam desflorá-la e apagar seu brilho,


Mas cada vez mais forte ela crescia
Uma poesia indelicada de beleza independente,
Mas, de fato bela e livre incontestavelmente

Os cravos que se intitulavam donos do jardim,


Se revoltaram com a petulância daquela flor
De espalhar suas raízes pelo jardim
Sem nenhum pudor

Pediram e ela negou submissão


Enraivecidos os cravos se juntaram e
Um por um arrancaram suas pétalas

Entorpecida com toda a escuridão


Que habitava as folhas dos cravos
Morre a flor que era regada
De pureza, inocência e amor

Enquanto os cravos se vangloriavam,


As gotas de chuva que caiam como preces no solo
Passaram despercebidas e por debaixo de suas raízes
Regaram a semente de um fruto do amor
Germinado por aquela bela flor
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Apresentadora 2: A deputada Leninha, propositora da Lei 23.904 de 2021, que prevê a


Dignidade Menstrual para as pessoas em situação de vulnerabilidade social, revela porque os
números da pobreza menstrual no Brasil e no mundo são tão alarmantes:
Áudio - Recorte da entrevista com a deputada Leninha:
A resposta está no próprio termo. Esse é o grande cerne dos problemas, a grande questão sobre
dados tão alarmantes no Brasil e no mundo - a pobreza, a desigualdade social que aparta aquelas
e aqueles que têm o direito garantido e acesso às condições básicas para se viver e aquelas que
não tem.

No caso da pobreza menstrual, estamos falando de meninas, mulheres e pessoas que menstruam
que não têm acesso a produtos de higiene, que não tem água encanada, ou um banheiro com
privacidade, que vivem onde o saneamento básico sequer chegou. A pobreza menstrual vem
nos dizer também sobre a desigualdade social que vivemos. É a desigualdade que produz
inúmeras situações como estas de pessoas que usam jornais, miolo de pão, meias como itens de
higiene menstrual, que desenvolvem problemas sérios de saúde pela falta de cuidados
adequados.

Além disso, apesar da menstruação ser algo tão natural, ainda não é naturalizada em nossa
sociedade. Ainda é tratada como um grande tabu. Não é comum falarmos sobre menstruação e
como lidamos com período menstrual. É por isso também que as dificuldades que milhares de
mulheres e pessoas que menstruam enfrentam são invisibilizadas. Invisibilizadas no debate, na
produção de dados e na elaboração de políticas públicas. Estamos a passos curtos transformando
essa realidade.

Apresentadora 1: Conversamos também com a Vereadora Iza Lourença que explica o porquê
desses passos curtos que estamos dando, ou seja, porque as pessoas que menstruam ainda têm
tão pouca informação sobre menstruação.

Áudio - Recorte da entrevista com a Vereadora Iza Lourença:


A deseducação é um projeto político no nosso país. As pessoas que estão no poder se
beneficiam de uma maioria que é desinformada, mal-formada, alheia às discussões, que não
sabe sua própria história, que não conhece o funcionamento do seu corpo, que não conhece seus
direitos. Isso tudo é um projeto político desse sistema para manter quem está no poder no poder,
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para manter as pessoas caladas, inferiorizadas, sem condições de reivindicar seus direitos na
base da sociedade. Então, a gente precisa avançar com informações, a partir do momento que
mais de nós também chegue no poder, pautar isso porque só assim a gente vai conseguir
combater esse projeto político de subalternização das mulheres, mas principalmente da classe
mais pobre no nosso país.

(parte da música:homens trans, mulheres cis, com cuidados no seu ciclo básico, do básico 0:57
até 1:02 )

Apresentadora 2: É importante colocar em pauta também a dignidade menstrual para pessoas


LGBTQIA+ e a Vereadora Iza Lourença deixou bem claro o porquê.

Áudio - Recorte da entrevista com a Vereadora Iza Lourença:


Porque pessoas com útero menstruam durante boa parte da sua vida, independente da sua
orientação sexual ou identidade de gênero, pessoas com útero menstruam. Homens trans
menstruam, pessoas não-binárias menstruam, mulheres cis menstruam sendo lésbicas, bi,
hétero, etc e são negligenciadas nos atendimentos de saúde. Os homens trans são super
negligenciados no sistema de saúde, as pessoas não-binárias nem se fala. As mulheres lésbicas
e bissexuais também não tem suas especificidades respeitadas, são invisibilizadas. Então é uma
pauta do movimento LGBTQIA+ lutar pela dignidade menstrual para que todas as pessoas que
menstruam possam ser atendidas em seu direito básico à saúde na sociedade.

Apresentadora 2: O Emy Roots tem 21 anos, ele é um homem trans e vive essa realidade. A
seguir você vai acompanhar a opinião dele sobre o assunto.

Áudio - Recorte do Emy Roots


Real, é foda. Você já ter que ser um corpo trans masculino e ainda ter que lidar com período
menstrual e ainda ter que lidar com a falta do produto de higiene, assim. É muito foda! Ainda
mais por estar em um período que a possibilidade de trabalho é pouca, que a renda diminuiu. E
é foda passar por isso, vou falar para você: não é fácil. Não ter o básico, né? Que é um
absorvente que é para você sobreviver ali na sua menstruação. “
Se eu pudesse excluir e deletar totalmente a menstruação da minha vida, eu excluiria. Porque é
uma coisa assim que, sei lá, me causa uma agonia muito grande e no período ainda, é pior. Aí
que piora todos esses sentimentos e essas emoções.
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Apresentadora 1: A UNICEF e a UNFPA alertam que mais de 60% de adolescentes e jovens


que menstruam já deixaram de ir à escola ou a outro lugar que gostam por causa da menstruação.
Em um papo com a pedagoga Amanda Ferreira, ela nos contou um pouco da sua vivência.

Áudio - Recorte da entrevista com a Amanda Ferreira: Meu nome é Amanda, eu tenho 21
anos, sou estudante de pedagogia. Eu nasci na cidade de Contagem, Minas Gerais, mas fui
criada em Ibirité na região metropolitana de Belo Horizonte e é aqui onde eu encontrei esse
relato. Foi aqui que eu me encontrei,- nesse relato, na verdade.

Eu sou nascida e criada em escola pública. Então, muito das minhas vivências, dos dramas que
eu acompanhei e que eu vivi foram em torno dessa realidade. E uma das experiências que eu
tive em relação à pobreza menstrual foi quando eu tinha aproximadamente doze, treze anos, no
final da sétima série.

Eu não sei explicar muito bem como que se deu, como que a gente percebeu, mas em algum
ponto de alguma das aulas no dia surgiu o boato de que uma das meninas tinha sujado uma das
cadeiras com menstruação. E sujar já não é um termo apropriado, né? Porque a menstruação
não é algo sujo, mas até então, não era essa concepção que a gente tinha. E o que a gente tinha
entendido no momento é que aquilo era a menarca dela, né? Seria a primeira menstruação e por
isso ela foi pega de surpresa.

Porém, o que aconteceu foi que essa situação voltou a se repetir. E muita das vezes essa menina
acabava levando outras peças de roupa para escola e fazendo a troca dentro da escola, nesses
períodos de menstruação. Porém, sempre manchava a cadeira, sempre manchava a roupa. O que
culminou com que os outros alunos colocassem alguns apelidos pejorativos nela e que também
a cadeira dela fosse marcada com o nome e sobrenome dela para que ninguém sentasse ali
depois.

Apresentadora 2: Triste a história dela, né? Vamos ouvir como ela continua...

No oitavo ano, eu me lembro que ela faltava bastante. Em média de sete, oito, dez dias seguidos,
todo mês. No nono ano ela já não ia mais na escola e se eu não me engano, eu acho que nunca
mais ouvi falar dela.
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A gente já tinha noção de que ela vinha de uma situação precária, por conta das condições das
roupas, material faltando, ela raramente fazia as tarefas de casa ou trabalhos, porque
provavelmente não tinha auxílio para fazer.

E eu me lembro que assim, poucos professores fizeram algo para ajudar. Eu me lembro de um
professor só, que emprestou um casaco para ela amarrar na cintura. E os meninos da turma
ficavam no papel de fazer chacota e nós, que éramos meninas, a gente tinha medo de ajudar e
se tornar chacota também. Porque até então, a menstruação era algo sujo, algo fétido, algo para
se ter nojo. E se eu tinha nojo da minha própria menstruação, eu tinha que ter nojo da
menstruação de outra pessoa. Então eu não poderia ajudar, eu não poderia encostar, não poderia
fazer nada.

Apresentadora 1: Qual a importância de leis que apoiem a saúde menstrual de pessoas em


situação de vulnerabilidade social?

A menstruação é a coisa mais básica, mais vital na vida de quem tem útero. Então, a partir do
momento que você não tem uma medida pública ou você não tem nenhum tipo de amparo para
essas pessoas, você está apagando elas da sociedade, fazendo com que essa situação, que por
muitas vezes, repetindo, é vexatória, é constrangedora, de fato seja.

E mostra a nós, pessoas que temos útero, que não importa. E daí que você está com dor? E daí
que as suas roupas estão ficando manchadas? E daí que as pessoas estão te rechaçando? E daí
que você está passando vergonha? Ou melhor, e daí que o seu corpo se torna uma vergonha?
Então, a partir do momento que a gente olha com um pouco mais de carinho, de humanidade
para essas questões, a gente consegue trazer dignidade.

Apresentadora 2: É gente, não é mimi e é um assunto que não dá mais para ignorar e a
Vereadora Iza pode provar. Perguntamos para ela por que a pobreza menstrual é uma questão
de equidade de gênero e de direitos humanos. Essa foi a resposta:

Áudio - Recorte da entrevista com a Vereadora Iza Lourença: As pessoas com útero são
metade da humanidade, pelo menos, e a negação da dignidade durante a menstruação não atinge
apenas uma pessoa, mas toda a coletividade.
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O direito à saúde está contido na nossa Constituição e quando se nega a dignidade menstrual,
quando se nega o acesso universal e igualitário à saúde, inclusive através dos protetores
menstruais, você está admitindo a supressão do princípio da dignidade humana para pelo menos
metade da população, você está negando a humanidade dessa pessoa. A própria ONU, em 2014,
definiu o direito à higiene menstrual como uma questão de saúde pública e de direitos humanos.

As pessoas que não possuem condições econômicas de se protegerem durante o período


menstrual e adquirem meios para isso, com recursos próprios, devem ter seus direitos e
garantias fundamentais preservados pelo Estado e isso é buscar a dignidade que decorre da
natureza humana, que está expressa na constituição. Quando você nega essa dignidade para
uma parcela da sociedade, você atrasa toda a humanidade. Porque a humanidade não é composta
apenas por indivíduos, a humanidade são seres que se relacionam. Eu jamais vou poder me
dizer livre enquanto a pessoa do meu lado não tiver sua condição de saúde preservada.

(trecho da música: Papo de saúde acesso, tô na espera desse tal progresso, sangue escorre e nada
é feito, não importa o seu dialeto, saiba que você tem o direito… 0:26 até 0:37)

Apresentadora 1: Esse foi mais um episódio do “Que comece o matriarcado", um podcast que
relata vivências de pessoas que herdaram o tabu do patriarcado! Mas estamos aqui para mudar
a história.
Vem com a gente na mudança?
Vocês podem acompanhar os próximos episódios em nosso canal do Spotify. Venha e traga sua
lanterna, e juntas vamos iluminar os caminhos para que não sejamos mais herdeiras do tabu!
E para você que deseja fazer parte dessa causa, pode ajudar doando itens de higiene pessoal
para a @casadaspoesias, localizada na Rua Andiroba, nº 27, bairro São Paulo/BH - MG.
Contamos com você para que juntas façamos a diferença.

Anexo 2 - Transcrições dos áudios das entrevistas

Transcrição áudio entrevista com Samai Fernandes (Ex. Presidiária)


Áudio de 2:58
40

Samai Fernandes: “Meu nome é Samai Fernandes, eu tenho 26 anos e eu fui presa no ano de
2018. E assim que eu cheguei, a gente procura. O quê? Um sabonete, um absorvente, coisas
básicas de higiene que é o que a gente precisa para o dia a dia. Só que as cadeias não fornecem.
Então, no primeiro mês, o que eu fiz? Tinha um diálogo com as meninas da cela só que elas
não dão também. Se você tem pouco, não tem como você dar o pouco que você tem e ficar sem.
Então de primeira, nos dois primeiros meses que eu não tive visita, o que me salvou foi fazer
faxina pros outros na cela em troca de absorvente ou vender alimentação. Como assim vender
alimentação? Você troca o seu café da manhã... (porque você tem 4 refeições, né!?) Aí você
troca o seu café da manhã, seu café da tarde, a sua sobremesa por itens de higiene. Você dá seu
pão, seu leite, seu café e você ganha 1 absorvente. Não é nem o pacote, é 1 absorvente. Com o
tempo, você consegue pedir atendimento e através dos atendimentos, tem um atendimento que
é pela igreja e é muito a Universal, acho que centro espírita, a Congregação Cristã, eles levam
muito isso para a gente. Mas mesmo eles levando itens de higiene básico, a distribuição é feita
pelas agentes penitenciárias e nem sempre é feita porque grande parte disso aí é desviado.
Porque se eles estão doando e não chega na gente, é desviado, não tem como. E é isso. Se não
fosse essas organizações de igreja, de questão espiritual que tem aqui para fora, para levar pra
gente, a gente não tem porque as cadeias não fornecem. ”
Francielly: “E você conseguiu logo no primeiro mês ou você teve que usar outros métodos?”

Samai Fernandes: “Não. De primeira, eu usei papel. Também tem um rolê que a gente rasga
um pedaço de lençol porque uma hora o papel acaba. E eles não dão. Isso aí é coisa que a sua
família tem que levar para você, mas se sua família não tem condições de te visitar na cadeia, é
isso. Ou é papel ou é pedaço de pano. Você usa, enxágua, bota para secar e bota de novo. Fica
deitada até o paninho secar. Seca rápido. Aí depois que secou você coloca de novo. Deitada por
quê? Porque deitada a menstruação não desce. ”
Áudio de 3:21
Francielly: “A partir do momento que você percebeu que tinha perdido além da liberdade,
também perdido a dignidade, qual foi seu sentimento em relação a isso? ”
Samai Fernandes: “Então... Frustrante pra caramba. Por quê? A camisinha, se você for pensar
pelo lado da camisinha. A camisinha é uma opção: transar ou não transar. E eles disponibilizam.
Qualquer unidade básica de saúde disponibiliza camisinha. Mas disponibiliza camisinha mais
masculina do que feminina. Só que transar é uma opção e menstruar não é uma opção. Para
você não menstruar, você tem que ficar tomando anticoncepcional. Você vai ser uma cobaia
humana e não é uma opção dentro da cadeia. E é isso, você se sente impotente porque você não
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tem pra onde correr, você não pode simplesmente sair e ir numa farmácia, você não pode fazer
uma ligação pedindo “Traz um absorvente”. Mesmo que você, por outros meios, consiga fazer
uma ligação, o absorvente só vai chegar 2 semanas depois. É paia, né? Dá vontade de botar
fogo na cadeia. ”
Francielly: “E você conheceu outra detenta que teve que usar outros métodos? Como por
exemplo, nós temos visto recentemente relatos de mulheres que usaram miolo de pão, jornal...”
Samai Fernandes: “Sim. Então, a maioria das presas usa qualquer coisa menos absorvente. Por
quê? Porque cadeia de mulher são raras as pessoas que vão visitar. Se não tem visita, não tem
kit. Kit é o quê? Kit é o que você precisa de básico tanto para comer quanto para higiene. Então
se você não tem visita, você não tem. E se você não tem, você vai fazer o quê? Você vai recorrer
aos outros recursos. Algo que dê para você colocar dentro que dê para pelo menos tampar. Até
plástico, sacolinha essas mais fininhas. Você faz um bolinho com ela e bota. Aí a menstruação
fica lá dentro e na hora que você vai tomar banho ela desce toda. Ele estanca. Não absorve, mas
ele para o sangramento e é isso. A maioria das mulheres na cela. A cada 12 presas, 4 tinham
visita, 3. E é isso. Quando você não tem recurso, você não tem recurso e é isso. “
Francielly: “E alguma outra vez na sua vida você teve contato com situações assim? Como por
exemplo, na escola pública? “
Samai Fernandes: “Acho que não só na escola, até na vida mesmo, sabe? Na época da escola...
isso são assuntos que deviam ser conversados na escola, mas não é. Quando eu menstruei, eu
achei que eu estava doente, que eu estava passando mal. Eu pedi socorro e a galera começa a
rir. Rir não sei o porquê. Mas até eu entender o que era um absorvente, foi outro processo,
entendeu? Mas na escola mesmo, zero acesso. E para além, na vida. Porque durante a vida, já
teve várias vezes que eu não tinha 2 reais para comprar um pacote de absorvente e eu ir dentro
de bar, pegar papel toalha, enrolar e colocar, colocar como tampão mesmo. “
Áudio de 1:05
Samai Fernandes: “Inclusive, semana passada veio uma amiga minha. Ela estava aqui no centro,
a menstruação dela desceu e ela me pediu um absorvente aqui. E eu não tinha um absorvente
porque não carreguei na bolsa. E ela estava junto com uma outra menina. Essa menina ouviu
que ela estava precisando de um absorvente e quê que ela fez? Ela desceu e foi na Araújo e lá
na Araújo ela tentou roubar um pacote de absorvente. Ela rasgou o absorvente e tentou levar 1
absorvente porque não dava para sair com 1 pacote. Aí ela foi pega na porta, barraram ela, ela
tentando explicar a situação, mas aí chamaram a polícia para ela. Assim que chamaram a polícia
para ela, ela ligou aqui na gente e aí o dono da loja mandou 10 reais para pagar o absorvente e
42

ela ser solta. Porque ela estava tentando ajudar uma menina que não tinha absorvente e estava
menstruada aqui no centro. “

Transcrição áudio entrevista com Flávia Barbosa (Coordenadora de um projeto social)


Áudio de 2:39
Flávia: “Ao invés de falar do meu primeiro contato como adolescente que não tinha absorvente,
eu vou falar do meu contato mais recente. Porque na verdade, o meu primeiro contato com
alguém que não tinha absorvente, remonta da minha infância, da minha adolescência. Porque
eu não entendia o que era o sangue que escorria nas minhas pernas e eu tinha vergonha de pedir
ao meu pai dinheiro para comprar, porque era ele o mantenedor da casa. Então, o primeiro
contato que eu tive com alguém que não tinha absorvente, que não sabia falar sobre isso, que
não entendia nada foi comigo mesma. Então essa parte já passou, virou purpurina. Mas o
contato mais recente que eu tive foi com uma jovenzinha, uma menina de 11 anos que já está
menstruando e ela foi até a Casa das Poesias para fazer um trabalho lá. Na verdade, ela foi lá
porque a Bruna estava catando piolho dela, essa é a verdade, né? Vamos ser diretas. E a Bruna
falou assim “Senta aqui, Ana Clara. ” E ela falou “Não. Eu não posso sentar aí, professora.
Porque aí é branco e minha menstruação chegou. Eu não posso sentar porque depois pode
manchar porque não estou usando absorvente. “ E a sensação que a gente tem quando escuta
isso é que a gente continua ‘Involuindo’, né? Porque essas crianças usam papel higiênico,
quando tem papel higiênico em casa, ou então rasgam pedaços de roupas para estancar o sangue
e depois jogam aqueles pedaços de roupas fora. Essas crianças, porque são crianças. Estar
menstruada aos 11 anos é uma situação complicada. “
Áudio de 2:25
Flávia: “Essas crianças eu tenho acompanhado, a gente tem acompanhado e no período em que
elas estão menstruadas geralmente elas tomam de 2 a 3 banhos por dia para tirar o cheiro porque
elas não conseguem muito conviver com isso. E também tem vergonha de falar disso com outras
pessoas e tem vergonha até de chegar para a mãe e falar “Eu tô menstruada”, então elas preferem
ir e se lavarem. Então elas tomam muitos banhos quando estão menstruadas. O que a gente faz
é ter sempre absorventes à mão para poder doar. Tem menos de um mês que eu estava, quando
eu cheguei na vila assim... Uma menina que geralmente não faria isso, né? Ela veio e me
abraçou. Eu assustei. Mas ela me abraçou porque ela precisava falar no meu ouvido “Minha
menstruação chegou. Será que você tem um absorvente? ” E a gente tinha. Sabe por que que a
43

gente tinha? Porque o projeto AMAR tinha deixado lá vários kits que tinham absorvente. Então
a gente tinha absorvente. O que a gente queria ter é ter absorvente sempre, mas nem sempre é
possível. Essa é a experiência que eu tenho em relação à pobreza menstrual. É muito difícil
principalmente em vilas onde o saneamento básico é precário. Ainda bem que há alguns
chuveiros mas tem casas que nem chuveiro tem. O jeito é tomar banho na torneira com roupa e
tudo e depois jogar fora. É isso. ”
Transcrição de áudio entrevista Carol (Psicóloga da Prefeitura).
Áudio de 4:42
Carol: “Bom dia. Meu nome é Carolina, sou psicóloga, trabalho num equipamento da prefeitura
que atende mulheres em situação de rua. Esse equipamento funciona na lógica da redução de
danos e basicamente o público que a gente atende além de mulheres em situação de rua são
mulheres com o uso prejudicial de álcool e outras drogas. Esse equipamento funciona para
atendimento das 9 às 17 horas e recebemos basicamente as mulheres da região Noroeste de
Belo Horizonte. Essas mulheres chegam e elas tem acesso aos cuidados básicos. Alimentação,
banho e podem usar o equipamento para um momento de descanso que a gente entende que é
um intervalo entre a rua e as drogas, que elas fazem nesse lugar. Em relação à questão da
menstruação dessas meninas, a gente, logo que eu entrei e comecei a trabalhar nesse lugar, eu
percebi que uma das grandes demandas dessas mulheres era em relação aos absorventes. Então
muitas vezes acontecia de o equipamento ainda não estar aberto, a gente estar lá mas o
equipamento ainda não estar aberto para entrada delas e elas batiam dizendo que elas
precisavam do absorvente porque elas estavam no período delas menstrual e elas não tinham
como estarem na rua sem o absorvente. Então se a gente for pensar, hoje, uma das maiores
demandas que a gente tem nesse equipamento seria o de absorvente. Nós recebemos, a
prefeitura manda uma quantidade x de absorvente e nós tivemos 3 grandes doações esse ano
para as meninas. Uma doação particular e duas doações de duas empresas com absorvente. A
gente então fornece para elas para que elas tenham essa tranquilidade enquanto elas estão na
rua. Normalmente a gente fornece, por dia para as que pedem, 4 absorventes. Eu ainda acho
pouco, mas a gente tem uma certa escassez para elas. E nós temos diariamente essas mulheres
chegando com as roupas manchadas de sangue, com as pernas com sangue escorrendo pedindo
para que elas possam se lavar, se higienizar e ter um pouquinho de dignidade usando o
absorvente delas. Então é um problema recorrente, um problema sério. A gente não tem dados
para dizer para você sobre e em relação à tirá-las de circulação, em relação à escola, essas
questões. Porque elas são mulheres que não frequentam esses lugares hoje porque a situação
delas é uma situação de rua e envolvida com álcool e outras drogas, com o uso abusivo. Mas a
44

gente vê e entende que esse é um dos maiores desafios que a gente tem lá, uma vez que é uma
das maiores questões delas, uma das maiores demandas que é poder ter o conforto de ter um
absorvente no momento em que elas estão no período menstrual. A complexidade de trabalhar
com essas mulheres é exatamente essa da gente entender essa lógica, que ela acontece no
momento em que a mulher entra em situação de rua e ela rompe com a lógica de sociedade que
a gente tem. A lógica delas é outra. Mas são mulheres como qualquer outra mulher e que
demandam as coisas todas que nós também demandamos. E uma delas é esse conforto no
período menstrual. Então é isso. Em relação a como abordar essas mulheres, a gente nem precisa
abordar. Elas já chegam com o pedido, com a demanda que elas precisam se lavar, precisam do
absorvente. Então a gente não precisa abordá-las com essa temática. Essa já é uma demanda
recorrente e diária lá no serviço. “

Transcrição áudio entrevista com Emy Roots (homem trans).


Áudio 0:18
M Roots: “Salve, Salve! Meu nome é M Roots, eu tenho 21 anos, sou cantor, compositor e
poeta. Só gratidão por estar participando desse processo, desse TCC que é o TCC da Francielly
e vamo que vamo! “
Áudio 1:23
M Roots: “Como que é para mim, assim, passar pela transição e ter que lidar com as questões
da menstruação? Como meu período de transição ainda é bem recente, eu não comecei a me
hormonizar com a testosterona ainda. Mas desde a adolescência, desde quando começou sempre
foi muito difícil de lidar com esse período. Uma questão assim de você se questionar, de vir
aquela explosão de hormônios e tudo, aquela confusão do período da TPM. E sendo uma pessoa
trans é uma parada que é até difícil de explicar, mas é trash para caramba. Se eu pudesse excluir
e deletar totalmente a menstruação da minha vida, eu excluiria. Porque é uma coisa assim que,
sei lá, me causa uma agonia muito grande e no período ainda, é pior. Aí que piora todos esses
sentimentos e essas emoções. “
Áudio de 1:41
M Roots: “Essa pergunta é uma pergunta que quase, eu acho que ninguém nunca me fez essa
pergunta. Mas eu já passei, eu passo ainda por um processo de ter meses que não tenho produtos
de higiene. No período de pandemia, piorou bastante, né? Por trabalhar com a arte e tudo, tudo
parou, os eventos pararam. Então, eu fiquei sem renda nenhuma. E aí eu tive que recorrer até a
recursos para pessoas mais próximas de mim, da minha rede de apoio para me ajudar com as
questões de produtos de higiene. Porque é real, é foda. Você já ter que ser um corpo trans
45

masculino e ainda ter que lidar com período menstrual e ainda ter que lidar com a falta do
produto de higiene, assim. É muito foda! Ainda mais por estar em um período que a
possibilidade de trabalho é pouca, que a renda diminuiu. E é foda passar por isso, vou falar para
você: não é fácil. Não ter o básico, né? Que é um absorvente que é para você sobreviver ali na
sua menstruação. “
Áudio 2:22
“Na realidade, a maior disforia que eu tenho em relação ao meu corpo é as questões menstruais.
Não é fácil, nunca foi fácil e depois que eu fui entender porque que eu tinha tanta disforia, né?
Porque era tão complicado passar por esse período na minha vida. E ter que aceitar isso, ter que
trabalhar a mente, ter que trabalhar o corpo para poder aceitar que: olha, eu sou um corpo que
menstrua, eu sou um corpo que tem útero, que sente cólica, que passa pela TPM antes, durante
e depois, que passa por todo esse processo, assim… é difícil fazer a mente e o consciente da
gente entender que você vai passar por esse processo. E que, a transição, em si, e a
hormonização ela vai dar uma aliviada mas não é da noite pro dia. O processo é lento, é
demorado, demora pra chegar nos resultados. Como eu ainda não comecei a me hormonizar eu
tenho que lidar com esse período todos os meses, tenho que trabalhar minha mente e quando eu
vejo que está chegando perto eu já vou me preparando e tudo por conta do processo da disforia,
por conta do processo de ter que sair de casa, de ter que ir trabalhar sentindo essa disforia e de
que as pessoas ao redor não tem nem noção do que você tá sentindo, sabe? Até para as pessoas
saber que você está no período menstrual, pra mim e em relação ao meu corpo eu sinto até uma
disforia das pessoas saberem que eu estou nesse período. Então, eu acho que é a maior disforia
que eu sinto em relação ao meu corpo.”

Transcrição de áudios - Flores de resistência

Discurso Flores de Resistência


Áudio de 2:28

Nós estamos aqui: Coletivos Feministas e 08 de Março Unificado na luta por justiça da Mari
Ferrer mas também porque o Bolsonaro vetou a distribuição gratuita de absorventes no
momento mais grave da crise econômica e social do Brasil, na marca de milhões de mortos por
Covid e nós não vamos esperar para derrubar esse presidente e derrubar o veto porque distribuir
absorventes, em sinal de solidariedade, é desobedecer o atual presidente do Brasil. Venha aqui,
pegue um absorvente, não tenha vergonha e venha com a gente que essa luta não acaba hoje.
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Se cuida, se cuida, se cuida seu machista. A América Latina vai ser toda feminista. Se cuida, se
cuida, se cuida seu machista. A América Latina vai ser toda feminista. ELE NÃO! ELE NÃO!
ELE NÃO! ELE NÃO!

Áudio de 08:55

Isabela: Eu queria que vocês começassem contando um pouquinho sobre o projeto. Como
surgiu a ideia para a criação do Flores de resistência.

Lorena: Vou me apresentar. Meu nome é Lorena, sou moradora aqui do Barreiro, sou professora
e faço parte da coordenação. Eu construo junto com a Maria e com outras mulheres, o Flores
de Resistência, que é uma campanha pela dignidade menstrual e que atua nas comunidades do
Barreiro, mais especificamente a Vila CEMIG, a ocupação Vila Santa Rita e outras ocupações
ao redor. Bom, vou falar um pouquinho e depois a Maria também fala sobre os relatos, enfim.
O Flores de Resistência tem um percurso interessante. A gente surgiu, na verdade, em 2020
bem em abril, no começo da pandemia e a gente surgiu, na verdade, como uma campanha de
solidariedade muito focada na questão da fome, na época. Tanto que a nossa campanha
anteriormente chamava “BH - Fica em casa” e era uma campanha que distribuía cestas básicas.
A gente trabalhava com fases. Nossa primeira e segunda fase foram fases relacionadas à questão
da fome e da insegurança alimentar nas comunidades aqui do Barreiro. Então a gente começou
a distribuir cesta básica. E Maria, uma das nossas lideranças, referências lá na ocupação. A
Maria e a Simone, lá da Vila CEMIG… Elas traziam muito essa dimensão das mulheres dentro
do território. Então as mulheres, muitas vezes mães solteiras, mães de mais de três filhos, chefes
de casa mesmo e muitas vezes, a maioria das vezes negligenciadas e em (inaudível) do Poder
Público e também as campanhas de solidariedade que muitas vezes davam cesta básica e
acabou. E aí a gente começou a avaliar e a entender as necessidades dessas mulheres. Então, na
nossa cesta básica desde o início tinha absorvente e tinha itens de higiene também. Era uma
demanda dentro dos territórios que a Maria e a Simone, enquanto mulheres que vivenciam essa
realidade, trouxeram para a gente. Conforme o tempo foi passando, a gente foi se aproximando
ainda mais dessa questão das mulheres do território, das mães principalmente e a gente começou
a entregar o Kit Maternidade e o Kit Mulher. Então o Kit Maternidade tinha fraldas, itens de
bebê no início da gestação, enfim. Absorvente noturno para as mulheres que ainda estavam no
processo de gestar, lenço umedecido, enfim. E o Kit Mulher, um kit higiene para mulheres que
continua absorvente, entre outros itens de higiene. E foi isso. A gente foi fazendo essas entregas
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com as rodas de conversa. Nossa campanha visa muito mais do que uma campanha
assistencialista. Então hoje a gente tem vários focos inclusive saúde feminina dentro das
comunidades. E tudo começou desse trajeto, desse processo de aproximação com a realidade
das mulheres. Então não foi a gente que levou a demanda para os territórios. Os territórios
trouxeram as demandas pra gente. Partida das realidades que a gente foi vivenciando lá dentro,
a gente foi percebendo a carência das mulheres e a pobreza menstrual. Foi aí o nosso primeiro
contato. A Simone, que não está aqui hoje, ela é uma liderança da Vila CEMIG, ela trouxe um
relato pra gente, que foi o que modificou permanentemente a campanha, que foi de uma menina
que bateu na porta da casa dela, uma das vizinhas, pedindo absorvente porque ela não conseguia
comprar e não tinha dinheiro pra comprar e ela tinha ficado menstruada. E a Simone, por sorte,
também tinha lá um absorvente para dar para ela. E aí relatos como esse foram começando a
aparecer e isso gerou um alerta pra gente já que a gente era uma campanha que, a princípio,
combatia a fome e depois se aproximou das mulheres, isso era uma pauta que nos preocupava.
E aí a campanha mudou de nome. Então a gente se tornou, de fato, uma campanha feminista
que atende as mulheres dos territórios e combate a pobreza menstrual. Então hoje nós, desde o
final do ano passado e início deste ano, a gente mudou de perfil a campanha. Hoje é uma
campanha que entrega absorventes mas não absorventes descartáveis. Hoje a gente entrega
absorventes ecológicos. Então a gente fez uma Vakinha, que ainda está em vigência. A gente
tem a EVOE, também, como plataforma de apoio, você pode ser um voluntário fixo, mensal…
E também a gente está concorrendo a editais e até conseguimos uma grana dos sindicatos,
enfim. E a gente fez essa parceria com a Pagu Absorventes, que é uma loja de uma mana lá de
Juiz de Fora que fabrica os absorventes e vende pra gente com 50% de desconto. Então hoje a
gente faz esse Kit Absorvente, que é como a gente chama, que contém 8 absorventes de pano,
absorventes extremamente tecnológicos, inclusive, e cientificamente comprovados que faz bem
para a saúde da mulher, diferente do absorvente descartável que é um absorvente nocivo à saúde
da mulher. A gente também entrega o sabão de côco, que é o sabão ideal para lavar os
absorventes; Uma cartilha, que é a cartilha de saúde feminina e máscaras, álcool em gel… Tudo
isso dentro do nosso Kit Absorvente. E aí a gente faz um processo que é o processo de rodas de
conversa. Então, as lideranças (a Maria e a Simone) são responsáveis por fazer a listagem das
mulheres por ordem de prioridade dentro do território e a gente encomenda esses absorventes,
esses absorventes ficam prontos e a gente tem um GT, chama “GT Oficina”, que é um grupo
de trabalho dentro do Flores de Resistência hoje. Nós trabalhamos por grupos de trabalho, então
tem logística, finanças e o grupo oficina. Ele é responsável por preparar essas rodas de conversa.
Então levar pessoas especialistas para fazerem parte da conversa, perceber os temas, ter essa
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sensibilidade em relação às temáticas e o território foi dizer muita coisa pra gente, nesse sentido.
A gente começou a nossa roda de conversa com uma proposta de apresentar os absorventes, a
Marcela ensinar como usar e era isso. Mas acabou sendo uma roda de conversa sobre saúde
feminina, então toda roda de conversa a gente leva a Cecília, que é hoje parte do Flores de
Resistência, que é uma médica e ela responde as perguntas das mulheres em relação a isso, em
relação à saúde feminina. A gente está também agora explorando a questão da educação sexual,
a gente teve uma roda de conversa com adolescentes, na qual a gente entregou também
absorventes e a gente percebeu que essa era uma demanda enorme dentro do território. E
também estamos tentando nesse sentido. Maternidade, trabalho doméstico, que é o que vai
acontecer agora no domingo, uma roda sobre trabalho doméstico e essa outra frente também,
da campanha, que é a questão da maternidade. Além da pobreza e dignidade menstrual, a gente
também levanta essa bandeira da maternidade. Hoje a gente também está começando o processo
de entregar fraldas ecológicas dentro dos territórios. Além da Circulou, que é uma parceria com
uma loja, ela disponibilizou pra gente um inventário, ela doou pra gente do Flores de Resistência
um inventário de roupinhas de bebê e essas roupinhas circulam dentro do território. Então, de
mulher pra mulher. Conforme os meninos vão crescendo, essas mães passam para as outras e
assim por diante. Então, a questão das mulheres é a nossa maior prioridade hoje e todas as
questões subjacentes a isso. Mas a nossa bandeira principal é pela dignidade menstrual. - E acho
que a Maria pode falar um pouquinho também se você não tiver outra pergunta em relação à
campanha assim, mais estrutural, sobre os relatos dos territórios. A Maria vive lá dentro e
vivencia isso de maneira bem direta.

Áudio de 43:47

Isabela: Talvez elas tenham entrado no assunto que você já falou. Eu queria saber assim: o
projeto de vocês, você falou que tem rodas de conversa e tudo mais, né? Então vocês ainda não
tem uma estrutura física? Como é que funciona essa questão? Vocês se reúnem em algum lugar?

Lorena: Então, como o projeto começou na pandemia, né? A gente se reúne via google meet, a
gente tem essa estrutura de grupos de trabalho, então tem a coordenação geral, né? E membros
da coordenação fazem parte também de grupos de trabalho, mas hoje a gente não tem um lugar
físico do Flores de Resistência, né? As residências dos participantes acabam sendo referência
para atuação, coisa do tipo. A minha casa, a casa da Marina, a casa da Simone, mas não tem um
lugar fixo, né? Nós começamos na pandemia e pensando que a gente não é uma campanha de
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absorvente descartável mas de absorvente ecológico, né? E que esses absorventes demoram um
tempo pra serem feitos, enfim. Essa questão do armazenamento pra gente realmente não é uma
questão, né? A gente não… Assim, apesar da gente já ter recebido e receber ainda absorventes
descartáveis, né? Não é o nosso foco, não é com isso que a gente gasta o dinheiro que a gente
ganhou na vaquinha, por exemplo. É comprar absorventes de pano e assim que eles chegam
aqui eles já vão sendo entregues, né? Então essa questão do lugar físico pra gente no momento
não é uma uma demanda assim, né? Pode ser que no futuro aconteça mas no momento não é.

Isabela: Então essas essas reuniões que você fala que acontecem, essas rodas de conversa são
todas via meet Google Meet?

Lorena: Ah não! Não! Isto as reuniões da coordenação. As rodas de conversa acontecem dentro
dos territórios. Então nós vamos nas comunidades. Por exemplo, na ocupação Vila Santa Rita
isso acontece na casa da Maria. Então lá na casa da Maria tem um espaço aberto. A gente coloca
cadeiras em roda e se reúne ali dentro. Aí às vezes faz um café da tarde alguma coisa nesse
sentido. Na Vila Cemig isso acontece na rua mesmo. Então a gente tem um um cantinho lá meio
que uma pracinha assim e a gente se reúne também lá em roda fazendo o mesmo processo. As
da coordenação que é online só.

Isabela: Então eu queria saber assim: Qual é o objetivo de vocês... Assim, um sonho de vocês
pro Flores?

Lorena: O nosso, acho que é o nosso sonho mais sonhado mais recente, né? É a oficina de
costura, né? A ideia é que a gente profissionalize as mulheres pra que elas mesmas costurem
seus absorventes e faça disso inclusive uma fonte de renda. Então por serem para elas e para
outras. Então a gente tá com esse projeto pro ano que vem, de emancipação mesmo, em todos
os sentidos. Pra que a gente tenha alguma certeza de que pelo menos esses territórios se
autoalimentam e o que tange é a questão da dignidade menstrual. Esse é o nosso sonho mais
ousado até agora.

Bela: Eu queria saber assim: as pessoas que frequentam esse projeto, a roda de conversa, como
que é a estrutura do ambiente físico onde que elas moram? Elas têm recurso de saneamento
básico, recursos de higiene? Como que é isso?
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Lorena: Acho que a Maria pode falar melhor né, Maria? Sobre essa questão. Na Vila Cemig
pelo menos, já que a Simone não está aqui, o (inaudível) foi com um problema muito sério de
falta de água. A Vila Cemig já tem muitos anos que passa por esse processo, então às vezes lá
três horas da tarde cortam a água e não tem água até no outro dia. Isso é uma coisa que acontece
frequentemente. No caso do (inaudível) que é uma ocupação embaixo de uma torre de
abastecimento da Cemig, também é uma situação extremamente complicada as pessoas que
vivenciam aquela realidade, chão de terra e é uma ocupação recente e é uma ocupação muito
instável porque estão debaixo de uma antena, estação da Cemig. Estão sempre correndo riscos
de serem desapropriados, enfim, entre outras questões também de segurança. Então a situação
lá é bem grave em relação a essa questão. Inclusive, foi uma coisa citada. A Circulou, que é
essa questão das roupinhas, não daria certo lá por causa da questão da falta d’água. As mulheres
não teriam como continuarem circulando dentro do território. Lá seria realmente complicado
colocar um projeto como o Circulou. Então a gente optou por fazer na ocupação Camilo Torres.
A Simone que é a moradora lá da Vila Cemig, e a Deise do Alto das Antenas, elas fazem parte
da nossa coordenação também, não estão aqui hoje. Infelizmente, estão fazendo outras coisas…
E essa é um pouco da realidade das mulheres lá da Vila. Agora, no território da Maria, ela pode
falar um pouco.

Maria: Boa tarde, meu nome é Maria dos Santos. A situação aqui dos moradores das ocupações,
que são várias ocupações aqui ao redor, tem a Camilo Torres, a Irmã Dorothy, que é a que eu
moro. Tem a Eliana da Silva, Paulo Freire e Nelson Mandela. São essas, acho que 5 ocupações,
tudo próxima uma da outra. E o mais difícil para, não só para as mulheres mas como todos os
moradores em geral, é o saneamento básico ainda. Porque as ruas não são asfaltadas e na época
da chuva dá muita lama, na época do sol quente e do calor é muita poeira. Mas na questão,
assim: tem luz, tem água… Tem uma parte na Irmã Dorothy que eu vejo o pessoal reclamar
muito da falta de água. Principalmente no sábado. Tem uma parte, no sábado, que fica sem
água. Porque na parte onde eu moro, a água vem do Santa Rita e a parte debaixo vem da Vila
Pinho. Então vem de várias partes da região e tem uma parte que falta mais água, a luz cai mais
também. Porque já tem luz legalizada da CEMIG mas tem vários lugares que não chegou ainda
então tem aquele problema do gato, então cai muito. Mas na questão de ter um banheiro, todas
tem, tem banheiro. E na questão de falar sobre a distribuição dos absorventes, é uma coisa muito
benéfica para todas as mulheres que já receberam. Assim que faz uma roda, que faz uma entrega
tem sempre mulheres chegando para dar o nome e ficar na lista de espera. Igual na última
entrega agora mesmo, já tem mais 5 mulheres. Assim que fala que vai fazer entrega, eu vou e
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passo para a Lorena. Porque é a Lorena que fica no corre de ligar pra elas, de marcar a data e
tudo, confirmar horário e tudo isso. Eu fico encarregada de passar os nomes pra ela. Tem até
adolescente. Têm uma adolescente de 16 que já usa e tem uma de 11, que vai completar 12 mas
que já menstrua também e viu o da mãe e gostou, então ela também está usando porque ela
também estava sentindo o incômodo do absorvente descartável, tem aquela coceirinha que dá
quando começa a usar muito. Então já está usando também e já tem na lista aqui umas 5
mulheres já, para da próxima leva que for, dependendo das arrecadações começar… Porque faz
outras coisas também, né? Vai ter a entrega aqui de fraldas ecológicas aí vai lanche, várias
outras coisas. Agora eu comprei umas cadeiras, aí já não precisa. Mas quando não tinha, tinha
que alugar cadeira e tudo isso é bancado pela campanha. Então assim, tudo depende do dinheiro
para poder seguir também. É como a Lorena falou do sonho das rodas mas também depende
muito das doações. Por quê? Depende de máquina e máquina não é barata. De tudo isso, o mais
barato é a linha e a agulha, mas de resto, é tudo mais caro. Então assim, o produto também para
poder confeccionar. Tudo isso depende de dinheiro. E é isso aí. Se tiver mais alguma dúvida…

Isabela: Essa era uma dúvida que eu tinha. Vocês então atendem mais mulheres adultas do que
jovens, assim, adolescentes? Qual é a quantidade mais ou menos, vocês tem noção?

Lorena: A gente já atendeu com os absorventes ecológicos 60 mulheres. Dentre elas, a grande
maioria são mães. Então, essa questão da maternidade pra gente é bem importante, mas a gente
também entregou dois mil absorventes descartáveis para adolescentes e foi essa roda que eu te
falei sobre educação sexual. Não existe uma regra de que “Ah, as mulheres vão ser atendidas
em detrimento das adolescentes”. Mas é que a gente tem muita essa dimensão das mulheres
enquanto chefes de família. Enquanto no final do mês, elas têm que fazer o sacrifício de comprar
o leite ao invés de comprar o absorvente. É uma coisa que acontece frequentemente, esses
relatos. Porque às vezes, você pode até olhar na nossa página, lá tem lives. Toda entrega que a
gente faz e roda de conversa, a gente faz uma live. De uma maneira de prestar contas mesmo e
lá tem diversos relatos: “Ah, no final do mês eu tenho que escolher entre o óleo, o leite, o pão
do meu filho e um absorvente e eu deixo de comprar meu absorvente para comprar isso. Pego
papel higiênico, corto manga de blusa e uso”. Então é muito por esse sentido também que a
gente optou por atender as mães. Por essa escolha. Porque é importante saber que quem vive
pobreza menstrual vive insegurança alimentar. Isso é uma coisa diretamente relacionada. Então,
no final do dia, a gente sabe que quem é mais atingida por essa realidade são as mulheres, são
as mulheres negras e as mulheres periféricas. Então, é muito nesse sentido. Mas as adolescentes
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também fazem parte do nosso radar. A gente não recusa, igual a Maria falou que temos nas
próximas entregas, têm adolescente no meio mas no geral são mulheres. Inclusive, a própria
procura, né, Maria? A procura maior é das mães, também. Das mulheres chefes de família e das
mães. Porque não é a gente que vai lá e escolhe, elas vêm até a gente. Então a maioria é isso
mesmo.

Bela: Fala um pouco para mim dessa questão da insegurança alimentar relacionada com a
pobreza menstrual. Isso era algo que eu ainda não tinha lido, estudado diretamente. Explica um
pouco pra mim.

Lorena: A pobreza menstrual, assim, tem esses dois termos: hoje a gente gosta muito de falar
sobre dignidade menstrual, a luta por dignidade menstrual. Mas quando não existe a dignidade
menstrual, o que existe é a pobreza menstrual. A pobreza menstrual é a falta de itens de higiene
durante o processo de menstruação. Entre eles, absorventes, sabonete, água encanada, enfim.
Pensando nessa falta, se essas mulheres têm falta para comprar esses produtos, elas também
têm falta de comprar produtos alimentares. O absorvente hoje é o quê? R$3,20, R$4,00. Se uma
mulher no final do mês não tem dinheiro para comprar isso, provavelmente ela não tem dinheiro
muitas vezes para comprar um alimento. Então o que a gente percebe é que famílias, mulheres
que passam por pobreza menstrual, passam insegurança alimentar. Vide as mulheres em
situação de rua, por exemplo. Que é uma das categorias que sofre com a pobreza menstrual. É
essa escolha que eu falei no final do mês entre comprar um absorvente ou comprar comida. E
essa comida não necessariamente supre a família inteira, não necessariamente essa mulher vai
ter esse dinheiro para comprar um ou outro, às vezes ela não compra nenhum dos dois. Então,
a pobreza menstrual está relacionada de certa forma à questão da insegurança alimentar. Uma
mulher que não vivencia pobreza menstrual… Aliás, uma mulher que vivencia uma situação de
insegurança alimentar provavelmente também vivencia pobreza menstrual, porque se ela não
tem dinheiro para comprar comida ela não vai ter para comprar absorvente. E se ela optar por
comprar absorvente ela vai faltar na questão da comida então é uma relação que a gente faz
hoje em relação à fome e à pobreza menstrual.

Isabela: Porque eu perguntei também a questão do saneamento básico, como era nas
comunidades… Eu estava lendo o relatório da UNICEF de pobreza menstrual no Brasil. Eu
acho que vocês devem conhecer muito bem esse relatório e aqui fala da questão da água
encanada, em relação ao absorvente ecológico. Então se a moradora não tem água encanada,
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como ela vai lavar esse absorvente ecológico. Então o que eu estava lendo é que depende muito.
Às vezes uma pessoa em situação de rua, como ela vai lavar esse absorvente ecológico? Que às
vezes para ela é um pouco melhor o absorvente normal do que esse ecológico. Fala um
pouquinho sobre isso pra mim.

Lorena: A gente tem que entender a realidade do território que a gente atende e das pessoas que
a gente atinge. No nosso caso é o Barreiro, de periferias dentro do Barreiro. Então as lideranças
trouxeram essa questão pra gente, da realidade do saneamento básico na Camilo Torres mesmo,
nas ocupações que é uma região pequena que fica sem água, né? Mas não sem água
cotidianamente e no Alto das Antenas a mesma coisa. Mais ou menos esse processo de no final
de semana eles cortam a água. Mas, de fato, a questão da pobreza menstrual está relacionada à
questão do poder público. Por isso que a gente está sempre falando que é uma questão de saúde
pública. Porque não adianta a gente ficar entregando absorvente também de plástico, essas
mulheres não vão ter no próximo mês para comprar. Elas vão continuar menstruando. Então a
opção pelo absorvente de pano, além do meio ambiente, é uma questão de emancipação
financeira, econômica. Esses absorventes duram cerca de 6 anos. São 6 anos sem se preocupar
se no final do mês vão ter que comprar absorvente ou não. E além da questão da saúde. Tem
diversas pesquisas aí que mostram que o absorvente de plástico faz mal à saúde das mulheres.
Então é uma questão de saúde pública, é uma questão sim, do poder público. Não adianta a
gente virar as costas, senão fica assistencialismo. A gente, não tirando mérito dessas campanhas
que entregam o absorvente de plástico, de maneira nenhuma. A gente já fez isso e faz isso.
Ontem estávamos lá fazendo. Mas a gente entende que é uma medida paliativa porque essas
mulheres vão precisar de absorvente todos os meses. E se você dá o ecológico elas não têm
condições de mantê-lo. Então é uma questão muito mais profunda, digamos assim. É uma
questão de solidariedade. Não tem como, a gente não é o estado. Não é atoa que o Flores de
Resistência também está disputando a política institucional. Nós fizemos um PL de dignidade
menstrual para Belo Horizonte junto com a Iza Lourenço, (inaudível). E é isso, a gente tem que
disputar esses lugares, não basta só a gente ficar só nesse campo de movimentos sociais e
voluntariado, não resolve problema. O correto seria se as mulheres em situação de rua
precisarem de absorvente, o correto é que elas achassem em qualquer lugar: no posto de saúde,
dentro das escolas, que elas pudessem acessar isso, esse item de maneira infinita. Não só através
das campanhas de solidariedade. Então é por isso que a gente garante e dentro do PL fala
absorvente descartável. Nós não estamos falando sobre o absorvente de pano porque a gente
sabe que a realidade é bem diferente, enfim. E isso só é possível dentro das comunidades do
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Barreiro por essa questão do saneamento, que apesar de ainda ter problemas, existe dentro
desses territórios. Hoje lá é uma questão mais econômica. Das mulheres não terem condições
de arcar com esses produtos e terem que usar pano e papel higiênico, enfim. Mais nesse sentido
do que a questão do saneamento básico em si.

Isabela: Vocês sabem a questão, acho que a Maria vai saber falar melhor. Em relação às escolas
aí, porque também é uma questão assim de muitas vezes a escola não ter papel higiênico, às
vezes o banheiro em péssimas situações, não ter um sabonete líquido que é uma coisa ainda
mais difícil de encontrar para a menina poder lavar a mão. Vocês sabem me falar como é a
situação dos banheiros das escolas?

Maria: Olha, nessa situação agora, na volta às aulas, eu tenho 2 sobrinhos que estudam na escola
próxima aqui. Agora, está tudo muito bem. Está tendo álcool. Meu sobrinho estava até
reclamando comigo, ele tá assim “Tia, meu professor tá maluco. Eu não posso espirrar que ele
vem de lá me espirrando e espremendo álcool em mim. Se meu lápis cai, lá vem meu professor
(imita barulho de spray) de álcool em mim. Eu estou ficando maluco junto com o professor.”
Desse jeito, né? Agora na pandemia está tudo mais fácil, né? Depois que as aulas voltaram
porque tem essa obrigação das regras de ter mais higiene, acho que foram as normas que
adotaram para as aulas voltarem, né? Que é tudo isso. O sabonete líquido, o álcool, o papel
higiênico. Porque nas escolas eu tenho menos acesso. Eu posso te falar bem do posto de saúde.
No posto de saúde, antes da pandemia, não existia papel higiênico. A gente chegava… Eu
levava sempre. Sempre que eu tinha que ir eu tirava, enrolava um bocado e enfiava dentro da
bolsa e levava. Porque nos postos de saúde tem vez que você vai e nem água tinha. Você levava
garrafinha de água de casa e agora, na pandemia, a gente está achando papel. O papel, tem dia
também que a gente não acha o álcool, eles colocam aquele suporte para por álcool, não sei se
é questão de falta de funcionário ou se é falta mesmo do item, do álcool. Sabonete também a
gente não encontra nos banheiros de UPA nem de posto de saúde a gente não encontra não mas
o papel higiênico depois que começou a pandemia a gente deu pra encontrar. E não é sempre
também não. Igual, tem uma hora que acaba e até o funcionário trazer demora bastante então
eu sempre gosto de levar o meu na bolsa. E falar sobre as escolas do Barreiro também, mas não
é aqui, é em outros bairros que meus meninos estudavam, tinha uma escola que era bem precária
que era no Lindéia que depois ela mudou bastante. Agora eu também não sei, mas antes também
não encontrava papel. As paredes os meninos reclamavam que eram muito sujas então assim,
tem sempre essas demandas a serem pensadas.
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VITÓRIA MURTA (Desencarcera MG)

https://www.facebook.com/campanhafloresnocarcere/

Oi, meu nome é Vitória. Eu sou articuladora da Agenda Nacional pelo Desencarceramento e da
Frente pelo Desencarceramento de Minas Gerais. Eu também faço parte da campanha de
arrecadação Flores no Cárcere, que é uma campanha que arrecada materiais de higiene e
limpeza para levar para pessoas em privação de liberdade. Principalmente as mulheres em
privação de liberdade que muitas vezes não têm acesso aos produtos básicos de higiene, como
absorvente.

Kits de higiene

É dever do Estado fornecer esses materiais de higiene e limpeza para as pessoas em privação
de liberdade, mas a realidade é que os produtos enviados para as unidades prisionais não são
suficientes para todas as pessoas e muitas vezes eles nem são mandados. Em alguns meses as
unidades nem recebem esses produtos. Então, é sempre uma situação bem complicada, uma
situação precária na higiene desses homens e mulheres que estão presos.

Campanha Flores no Cárcere BH

A campanha Flores no cárcere começou em 2014, durante uma visita em uma unidade prisional
feminina. A presidenta da Associação de amigos e familiares de pessoas em privação de
liberdade, a dona Tereza, estava passando pelas celas, conversando com as mulheres e tal. E aí,
elas relataram que usavam miolo de pão como absorvente. A Dona Teresa e as pessoas que
estavam com ela nas visitas perceberam que isso era uma situação recorrente - as mulheres
usarem o miolo de pão como absorvente -, e aí começaram a arrecadar esses produtos para levar
para os presídios de doação para essas mulheres.

Pobreza Menstrual nos presídios


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A situação em relação à pobreza menstrual nos presídios é tão tensa. O que acontece é que essas
mulheres quando não tem o absorvente, elas usam o miolo de pão e aí quando elas não
conseguem e a menstruação vaza, algumas têm um ciclo menstrual que a menstruação dura
mais dias, algumas tem o fluxo menstrual maior. Enfim, e aí não conseguem ter acesso ao
absorvente e aí a menstruação mancha uniforme, muitas vezes elas recebem punições por isso.
Porque é considerado dano ao patrimônio público a mancha naquele uniforme, que é fornecido
pelo Estado muitas vezes. Então, o próprio Estado que deveria fornecer esses produtos, não
fornece e isso acaba sendo também se revertendo muitas vezes em punição para essas mulheres.

O Desencarcera é um movimento nacional, Agenda Nacional pelo Desencarceramento, que


começa a se articular nacionalmente em torno de 2012/2013 e é uma agenda com dez pontos
que podem ser acessados no site desencarceramento.org.br. E essa agenda, ela é uma agenda
política formada por dez pontos, em busca do desencarceramento e da desmilitarização da
sociedade. Nos estados existem as Frentes Estaduais pelo desencarceramento, que são ligadas
a agenda. O nosso programa político é agenda nacional e aí aqui em Minas Gerais, o grupo de
amigos e familiares de pessoas em privação de liberdade existe desde 2008 e foi um dos
articuladores iniciais da agenda Nacional pelo desencarceramento, junto com o grupo de
familiares de presos de outros estados e outras organizações militantes também pela causa dos
encarceramento e defesa dos Direitos Humanos das pessoas privadas de liberdade e dos
sobreviventes do cárcere.

Em muitas campanhas contra a pobreza menstrual, a gente vê a distribuição dos biossorventes,


dos absorventes de pano. A gente entende que os bioabsorventes são uma ferramenta importante
até para gerar autonomia nas mulheres que passam pela situação de pobreza menstrual, de não
precisar da doação de absorvente descartável todo mês. Mas dentro das prisões, a gente não
vislumbra isso como uma realidade palpável, porque em muitas unidades prisionais a
superlotação é uma realidade, a falta de água é uma realidade, em muitas delas nem tem água
suficiente para as presas beberem, tomarem banho. Então, as pessoas em privação de liberdade
passam por mais essa dificuldade. Que é a dificuldade do acesso a água e do acesso a outras
salubridades, saneamento básico, um espaço adequado para esses bioabsorventes tomarem sol,
não criarem fungos. A gente não vislumbra essa realidade para as penitenciárias, infelizmente.

A arrecadação da Campanha Flores no Cárcere presencialmente acontece em alguns pontos de


coleta, de doações físicas. Tem na PUC Minas da Praça da Liberdade, no campus de direito da
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UFMG, no prédio da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. Qualquer pessoa pode


colocar a caixa com o posto de coleta no seu local de trabalho, no local que estuda e depois
combinar com a gente para fazer entrega e a gente ir nas penitenciárias, montar os kits e
entregar. No perfil do Flores no cárcere no Instagram, vocês conseguem achar quais os produtos
que as penitenciárias costumam aceitar, tem algumas regras. Os sabonetes não podem ser
aqueles que tem sais de banho no meio, o prestobarba tem que ser vazado, para os absorventes
não tem nenhuma regra específica. Mas enfim, tem várias regrinhas e aí vocês conseguem ver
quais produtos podem ser arrecadados. Com a pandemia se tornou impossível esses pontos de
coleta presenciais serem o único meio de arrecadação. Então, a gente passou a aceitar as doações
pelo pix da Associação de amigos e familiares de pessoas em privação de liberdade, que vocês
também conseguem encontrar lá na página do Flores no cárcere. E aí lá a gente está sempre
postando as doações, as entregas, os kits e fazendo uma prestação de contas.

A família pode levar absorvente para elas?

As pessoas privadas de liberdade, em geral, têm acesso a esses produtos de higiene e limpeza
através dos kits enviados pelas famílias. Essas famílias compram esses produtos que o estado
deveria fornecer, mas não fornece satisfatoriamente. E aí, elas enviam para as pessoas privadas
de liberdade, muitas vezes as famílias compram produtos a mais e enviam. As mulheres
recebem muito menos visitas e elas têm menos assistência das famílias, então isso faz com que
elas vivam em relação aos homens privados de liberdade, uma vulnerabilidade em relação ao
acesso a esses produtos.

O que você acha do sistema prisional brasileiro? O que pode ser mudado?

A Agenda Nacional pelo Desencarceramento, a Frente Estadual pelo Desencarceramento de


Minas Gerais e a Associação de amigos e familiares de pessoas em privação de Liberdade são
abolicionistas penais. A gente não acredita que a prisão pode ser consertada. A gente acredita
que a prisão, a superlotação, a tortura são um projeto. A prisão serve exatamente para o que ela
foi criada, que é encarcerar pessoas pretas, pobres, e de periferia, e para isso, ela vem servindo
ao longo de anos. Desde a colonização do Brasil que a prisão vem cumprindo esse papel de
encarcerar essas pessoas. A gente acredita na luta por uma sociedade justa, igualitária. A gente
não acredita que prender é justiça, a gente acredita que enquanto sociedade a gente consegue
elaborar novas formas de resolução de conflito e é isso que a gente luta diariamente.
58

RELATO AMANDA

Meu nome é Amanda, eu tenho 21 anos, sou estudante de pedagogia. Eu nasci na cidade de
Contagem, Minas Gerais, mas fui criada em Ibirité na região metropolitana de Belo Horizonte
e é aqui onde eu encontrei esse relato. Foi aqui que eu me encontrei, nesse relato na verdade.

Eu sou nascida e criada em escola pública. Então, muito das minhas vivências, dos dramas que
eu acompanhei e que eu vivi foram em torno dessa realidade. E uma das experiências que eu
tive em relação à pobreza menstrual foi quando eu tinha aproximadamente doze, treze anos, no
final da sétima série.

Eu não sei explicar muito bem como que se deu, como que a gente percebeu, mas em algum
ponto de alguma das aulas no dia surgiu o boato de que uma das meninas tinha sujado uma das
cadeiras com menstruação. E sujar já não é um termo apropriado, né? Porque a menstruação
não é algo sujo, mas até então, não era essa concepção que a gente tinha. E o que a gente tinha
entendido no momento é que aquilo era a menarca dela, né? Seria a primeira menstruação e por
isso ela foi pega de surpresa.

Porém, o que aconteceu foi que essa situação voltou a se repetir. E muita das vezes essa menina
acabava levando outras peças de roupa para escola e fazendo a troca dentro da escola, nesses
períodos de menstruação. Porém, sempre manchava a cadeira, sempre manchava a roupa. O que
culminou com que os outros alunos colocassem alguns apelidos pejorativos nela e que também
a cadeira dela fosse marcada com o nome e sobrenome dela para que ninguém sentasse ali
depois.

Tanto que eu me lembro que uma vez, minha mãe foi numa reunião de pais e ela se sentou na
cadeira dessa menina e depois eles me zoaram falando que a minha mãe estava suja com a
menstruação dela.

Me recordo claramente que no dia em que isso aconteceu, esse primeiro evento, um dos
professores que tinham aula com a gente, era professora de ciências. E ela chegou a mencionar
que a coisa mais porca que tinha era a mulher que não sabia usar absorvente. Porque ninguém
é obrigado a sentir cheiro de menstruação, ninguém era obrigado a ver menstruação. E foi num
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momento em que essa menina não estava na sala, então, criou-se todo um burburinho quando
ela voltou.

E eu me recordo que das outras vezes que essa situação aconteceu, ela saía de sala e aí eram
chamados os responsáveis dela, mas ninguém a buscava. Então, ela ficava do lado de fora da
turma, até dar o horário de ir embora e ia para casa a pé. E aí nesse percurso para casa dela,
ainda acontecia (eu não posso nem chamar de brincadeira, né?), mas acontecia o deboche dos
outros alunos. O pessoal tirava bastante onda com a cara dela em relação a isso. E isso ainda no
sétimo ano.

No oitavo ano, eu me lembro que ela faltava bastante. Em média de sete, oito, dez dias seguidos,
todo mês. No nono ano ela já não ia mais na escola e se eu não me engano, eu acho que nunca
mais ouvi falar dela.

A gente já tinha noção de que ela vinha de uma situação precária, por conta das condições das
roupas, material faltando. Ela raramente fazia as tarefas de casa ou trabalhos, porque
provavelmente não tinha auxílio para fazer. Ela tinha mais dificuldade de aprendizado também.
E na época não se falava né, sobre pobreza menstrual e eu apesar de ter menstruado muito cedo,
não sabia como ajudar. E é até engraçado, eu pensar nisso com uma certa culpa, até porque não
estava ao meu alcance. Eu também era, entre aspas, uma criança, né, pré-adolescente. Eu não
tinha obrigação de saber o que fazer, mas hoje, vendo o que aconteceu, eu me sinto mal porque
poderia ter sido eu.

E eu me lembro que assim, poucos professores fizeram algo para ajudar. Eu me lembro de um
professor só, que emprestou um casaco para ela amarrar na cintura. E os meninos da turma
ficavam no papel de fazer chacota e nós, que éramos meninas, a gente tinha medo de ajudar e
se tornar chacota também. Porque até então, a menstruação era algo sujo, algo fétido, algo para
se ter nojo. E se eu tinha nojo da minha própria menstruação, eu tinha que ter nojo da
menstruação de outra pessoa. Então, não poderia ajudar, não poderia encostar, eu não poderia
fazer nada. Tanto que, é até maldoso lembrar disso, mas boa parte do restante do sétimo ano ela
não teve companhia. Ninguém conversava com ela, pelo menos não ninguém da turma.

Sobre a nomenclatura “pobreza menstrual”


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Nós que vivenciamos o dia a dia da escola pública, normalmente temos o contato muito direto
com essas realidades. Seja por meio dos colegas de turma, seja pela nossa própria vida. A gente
conhece muito bem o perfil de quem estuda numa escola pública no Brasil hoje em dia, ainda
mais numa região mais suburbana ou periférica.

Eu sempre vivenciei a pobreza menstrual, seja nesse relato que eu dei, seja por outras meninas
que simplesmente faltavam uma semana, todo mês. Eu me lembro que eram pessoas específicas
e também tinham essas mesmas especificidades, de dificuldade de aprendizado, de material
faltando. Sempre um perfil característico e que me vem muito à mente, muito claro, sabe? E
enfim, mesmo tendo vivenciado isso na minha pré-adolescência adolescência inteira, eu não
sabia nomear. A nomeação para isso veio até mim no início do ano passado, no início da
pandemia.

Até então, eu fazia parte de um movimento estudantil e por meio dele e do partido que a gente
estava coligada, que é atrelado ao movimento, foi feita uma campanha de ajuda para as famílias
em situação de risco aqui da Vila Cemig. E aí, foi quando eu comecei a ouvir sobre a pobreza
menstrual. Para mim, pobreza menstrual era algo relacionado a hormônio. Quando eu fui
participar da primeira reunião para debater como a gente iria introduzir absorventes e demais
itens de higiene feminina nas cestas básicas, eu fui entender o que era pobreza menstrual.

Na sua opinião, qual a importância das escolas ensinarem educação menstrual às crianças e
adolescentes?

Primeiro que esse não é um tema muito discutido em casa. Mesmo você sendo mulher, a
menstruação está envolvida em um tanto de “fábulas”, de mistérios, de vergonha, de tabus
dentro da própria casa. Se a criança não vai aprender em casa, ela tem que aprender em algum
lugar e que seja na escola, um espaço pedagógico que esteja instruído e preparado para fazer
isso.

A gente sabe que não é tão fácil assim, mas eu acredito muito no potencial da escola pública e
acredito, de fato, que isso é possível. Eu tive aulas de educação sexual durante o primeiro, o
segundo e o terceiro ano e fizeram toda a diferença na minha vida. E se eu tivesse aprendido
um pouquinho mais sobre menstruação, acho que eu poderia dar nota dez para a escola pública,
em relação a esse conteúdo, sabe?
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Sem contar que a gente cresce sendo constrangida, humilhada, tendo que esconder. Eu me
lembro de já ter ido para escola com o absorvente, a calcinha, dois shorts, uma legging e a calça
jeans por cima, para que ninguém pudesse saber que eu estava menstruada. Porque na minha
cabeça eu iria exalar cheiro de sangue. O que não acontece, não existe isso.

Até o fato de existirem outras coisas para gente poder usar, coisas mais confortáveis como uma
calcinha absorvente. É óbvio que o acesso a ela é um pouco mais difícil, porque ela é mais cara
do que do que um absorvente comum, porém é uma opção. Tem o coletor também, que aí é
mais indicado para pessoas que já perderam a virgindade, etc. Mas são possibilidades, assim
como o DIU, o anticoncepcional. Enfim, a gente precisa ser apresentada a esses novos métodos.

Sem contar que a anatomia feminina é muito pouco estudada, quando a gente é criança ou
quando a gente adolescente, na escola. Eu lembro que a primeira vez que eu vi a anatomia de
um seio feminino, as glândulas, o músculo, eu já tinha saído da escola. Então, esse
falocentrismo no ensino poderia ser um pouquinho estancado, por meio do estudo da
menstruação também.

Qual a importância de leis que apoiem a saúde menstrual de pessoas em situação de


vulnerabilidade social?

A menstruação é a coisa mais básica, mais vital na vida de quem tem útero. Então, a partir do
momento que você não tem uma medida pública ou você não tem nenhum tipo de amparo para
essas pessoas, você está apagando elas da sociedade, fazendo com que essa situação, que por
muitas vezes, repetindo, é vexatória, é constrangedora, de fato seja.

E mostra a nós, pessoas que temos útero, que não importa. E daí que você está com dor? E daí
que as suas roupas estão ficando manchadas? E daí que as pessoas estão te rechaçando? E daí
que você está passando vergonha? Ou melhor, e daí que o seu corpo se torna uma vergonha?
Então, a partir do momento que a gente olha com um pouco mais de carinho, de humanidade
para essas questões, a gente consegue trazer dignidade.

O que você acha da ideia da distribuição gratuita de absorventes?


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Acho que já passou da hora, né? O que a gente está pedindo não é nenhum favor, não é uma
questão de ser bonzinho. Se o governo pode distribuir preservativo, sendo que o sexo é uma
escolha, obviamente saindo do campo de agressão sexual e etc. Mas sexo teoricamente deveria
ser uma escolha. Por que para pessoas que menstruam o absorvente não é distribuído sendo que
a menstruação não é uma escolha? Eu não escolho estar de TPM nesse exato momento, eu não
escolho estar com cólica, eu não escolho trabalhar menstruada, trabalhar inchada. Nada disso é
uma escolha minha. Isso porque eu posso ter acesso a absorventes. Inclusive, eu faço uso do
coletor por escolha. Essa é minha escolha. Mas porque eu pude. Eu tive acesso a informação,
eu tive acesso ao valor de um coletor menstrual. Porque não foi barato. Então, eu imagino, (na
verdade, eu vi de perto), o quão é mais difícil para pessoas que não têm acesso, não tem esse
poder de escolha, nem de seletividade.

VEREADORA IZA LOURENÇA

Em 2020, você idealizou a campanha de solidariedade Flores de Resistência, voltada


principalmente para garantir que mulheres em situação de vulnerabilidade tenham acesso a
absorventes higiênicos. Conta um pouco pra gente de onde veio a ideia dessa campanha?

Desde o início da minha vereança eu já estava bastante envolvida com movimentos sociais aqui
da região do Barreiro e já tinha trabalho junto com a Simone, que é uma liderança comunitária
aqui da vila Cemig, Conjunto Esperança e Alto das Antenas e que hoje faz parte do nosso
mandato.

E foi a Simone quem nos procurou para falar que estava recebendo pedidos de mulheres
buscando absorventes, porque a campanha Flores de Resistência que no início organizava
doações de roupas de bebê, kits de maternidade para mulheres em situação de vulnerabilidade,
passou a receber através da Simone esse pedido de doação de absorventes. E foi com essa
crescente busca por absorvente, acredito que principalmente pelo período da pandemia e por
muita gente ter ficado com a renda prejudicada, muita gente ter ficado desempregada, começou
a surgir mais essa demanda. Então nós passamos a receber doações de absorventes e distribuir
também esses itens para as pessoas que precisam.
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Fala pra gente um pouco sobre o projeto de lei 99/2021, de sua autoria em conjunto com a
vereadora Bella Gonçalves, que dispõe sobre as diretrizes para as ações de Promoção da
Dignidade Menstrual.

Nosso projeto de lei foca em duas frentes de atuação, que têm o objetivo de erradicar a pobreza
menstrual em Belo Horizonte. A primeira diz respeito à distribuição de absorventes para
pessoas que menstruam em situação de vulnerabilidade, isso engloba estudantes das escolas
municipais, pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza, pessoas em situação de rua,
privadas de liberdade, entre outras. E a segunda frente do nosso projeto tem haver com a
educação reprodutiva e sexual, fomentando discussões públicas sobre a menstruação, para que
o poder público possa contribuir com a desmistificação do tabu e da repulsa que as pessoas têm
em relação ao tema da menstruação que faz com que as pessoas sofram sozinhas e caladas com
a pobreza menstrual. Então a informação é muito importante para ter dignidade menstrual na
cidade.

Foi aprovada na Câmara Municipal a emenda na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de


2022 que garante recursos para combater a pobreza menstrual. Os valores que serão destinados
à emenda já foram definidos? Se sim, qual será o valor?

Os valores ainda não foram definidos porque a LDO, Lei de Diretrizes Orçamentárias,
estabelece apenas uma diretriz e não estabelece valores. Então, ela indicou, nós conseguimos
aprovar na LDO, a indicação da diretriz que deve ser seguida pelo município da promoção da
dignidade menstrual. Agora, nós estamos estamos começando a debater a LOA, que é a Lei
Orçamentária Anual, que deve seguir as diretrizes da LDO. Então a LOA sim define os valores
exatos. E a LOA nós estamos começando a debater agora, a Flores de Resistência fez uma
emenda de Participação Popular para destinar recursos para a promoção da dignidade menstrual
e nós vamos fazer também essa emenda enquanto mandato para poder reforçar essa necessidade
no município.

Qual a importância da educação sexual e de gênero nas escolas?

Os nossos adolescentes iniciam sua vida sexual ainda no período escolar. Foi assim para mim,
provavelmente vai ser para você e sem informação esses adolescentes, essas adolescentes ficam
sujeitas a infecções sexualmente transmissíveis, a gravidez precoce por não conhecer o
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funcionamento dos seus corpos e as formas de se proteger. E da mesma forma também,


adolescentes que sofrem muito com preconceito, com a LGBTfobia, com o machismo,
adolescentes que sofrem com abusos sexuais, muitas vezes dentro da sua casa e não conseguem
identificar, seria tudo isso evitado ou diminuído se a gente tivesse uma educação sexual e de
gênero dentro das escolas.

Por que as escolas ainda se preocupam tão pouco com a higiene menstrual de seus alunxs?

Bom, em algumas escolas existem preocupações das diretoras em garantir sim a


disponibilização de absorventes para as pessoas que precisarem, Mas, isso não é divulgado, isso
não é público. Depende da pessoa ir lá e pedir, mas muitas diretoras se preocupam com isso
porque entendem a realidade e deixam disponível.

Agora, na medida que não é uma política pública, isso é muito limitado. Porque depende da
diretora, depende da escola e depende também da estudante ou do estudante procurar essa ajuda.
Então, se você tem uma política pública instituída, isso fica público e aí é muito mais fácil você
ter a disponibilização de protetores menstruais nas escolas e além disso tem que se preocupar
com muito mais coisas, como a limpeza dos banheiros e a garantia que o estudante possa ir no
banheiro a hora que quiser, essas coisas também são muito importantes para a higiene
menstrual.

Eu acho que à medida que a gente avança contra o machismo na sociedade e seus reflexos na
elaboração das políticas públicas e a medida que a gente avança também com mais mulheres
como as pessoas LGBTQIA+ nos cargos públicos, eu acho que é por isso que esses temas
começam a aparecer mais na sociedade.

Na sua opinião, por que as pessoas que menstruam ainda têm tão pouca informação sobre
menstruação?

A deseducação é um projeto político no nosso país. As pessoas que estão no poder se beneficiam
de uma maioria que é desinformada, mal-formada, alheia às discussões, que não sabe sua
própria história, que não conhece o funcionamento do seu corpo, que não conhece seus direitos.
Isso tudo é um projeto político desse sistema para manter quem está no poder no poder, para
manter as pessoas caladas, inferiorizadas, sem condições de reivindicar seus direitos na base da
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sociedade. Então, a gente precisa avançar com informações, a partir do momento que mais de
nós também chegue no poder, pautar isso porque só assim a gente vai conseguir combater esse
projeto político de subalternização das mulheres, mas principalmente da classe mais pobre no
nosso país.

Por que a dignidade menstrual também é uma pauta LGBTQIA+?

Porque pessoas com útero menstruam durante boa parte da sua vida, independente da sua
orientação sexual ou identidade de gênero, pessoas com útero menstruam. Homens trans
menstruam, pessoas não-binárias menstruam, mulheres cis menstruam sendo lésbicas e são
negligenciadas nos atendimentos de saúde. Os homens trans são super negligenciados no
sistema de saúde, as pessoas não-binárias nem se fala. As mulheres lésbicas bissexuais também
não tem suas especificidades respeitadas, são invisibilizadas. Então é uma pauta do movimento
LGBTQIA+ lutar pela dignidade menstrual para que todas as pessoas que menstruam possam
ser atendidas em seu direito básico à saúde na sociedade.

Como a pobreza menstrual se relaciona com os presídios femininos?

Em geral, as pessoas privadas de liberdade contam com fornecimento de absorventes por parte
das famílias. Então, se a família tem dinheiro a pessoa consegue ter mais absorventes, se a
família não tem dinheiro, muitas vezes não consegue ter absorvente durante todo seu ciclo
menstrual. Porque o que o estado oferece, quando oferece, não é o suficiente e aí muitas pessoas
privadas de liberdade passam a ter que adotar, por exemplo até miolo de pão como protetor
menstrual. Então, tem se gerado cada vez mais campanhas de solidariedade para doações de
absorventes para os presídios e a maioria delas são compostas pela população, pela sociedade
civil que acaba mais uma vez fazendo o papel que o estado deveria fazer, para que as mulheres
e as pessoas que menstruam nos presídios não continuem colocando a sua própria saúde em
risco ao tentar conter o fluxo menstrual, de forma improvisada, arriscada que pode levar à
infertilidade ou até a morte por infecções.

Quais as consequências do veto presidencial ao projeto que prevê distribuição gratuita de


absorventes a mulheres vulneráveis?
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Consequência do veto presidencial ao projeto de distribuição gratuita de absorventes é um


recado para a sociedade de que as mulheres, em especial as mulheres pobres, devem continuar
sofrendo caladas e não ter suas demandas atendidas. Que esse tema deve continuar sendo um
tabu e que ninguém deve conversar sobre ele.

A reação ao veto é muito importante, por exemplo, quando nós fomos para a Praça Sete, aqui
em Belo Horizonte, distribuir absorventes em praça pública foi impressionante ver a quantidade
de pessoas indo lá pegar absorventes para elas ou para suas filhas, foi muito impressionante.
Mas o mais importante disso, além de claro, oferecer ali aquele alívio momentâneo para aquela
mulher com um pacote de absorvente, o mais importante na minha opinião, foi levar esse debate
para a Praça. Foi conversar com as pessoas em praça pública, falar da importância disso e de
conversarmos sobre isso, que isso não pode mais ser um assunto escondido.

Qual é a vantagem de uma lei nacional que promova a dignidade menstrual?

Como o país inteiro sofre com a pobreza menstrual, isso não é mais exclusividade de algumas
cidades ou regiões, uma Legislação Federal que favoreça o enfrentamento dessa problemática
é muito melhor para você erradicar a pobreza menstrual no país e não ficar dependendo de cada
estado ou cada município aprovar uma lei. Em um país do tamanho do Brasil, com tantos
municípios, se você depender de cada cidade aprovar uma lei é muito mais difícil você combater
a pobreza menstrual, do que se você tiver uma diretriz Nacional colocada em lei para promover
a dignidade menstrual.

Por que a pobreza menstrual é uma questão de equidade de gênero e de direitos humanos?

As pessoas com útero são metade da humanidade, pelo menos, e a negação da dignidade durante
a menstruação não atinge apenas uma pessoa, mas toda a coletividade.

O direito à saúde está contido na nossa Constituição e quando se nega a dignidade menstrual,
quando se nega o acesso universal e igualitário à saúde, inclusive através dos protetores
menstruais, você está admitindo a supressão do princípio da dignidade humana para pelo menos
metade da população, você está negando a humanidade dessa pessoa. A própria ONU, em 2014,
definiu o direito à higiene menstrual como uma questão de saúde pública e de direitos humanos.
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As pessoas que não possuem condições econômicas de se protegerem durante o período


menstrual e adquirem meios para isso, com recursos próprios, devem ter seus direitos e
garantias fundamentais preservados pelo Estado e isso é buscar a dignidade que decorre da
natureza humana, que está expressa na constituição. Quando você nega essa dignidade para
uma parcela da sociedade, você atrasa toda a humanidade. Porque a humanidade não é composta
apenas por indivíduos, a humanidade são seres que se relacionam. Eu jamais vou poder me
dizer livre enquanto a pessoa do meu lado não tiver sua condição de saúde preservada.

DEPUTADA LENINHA

Na sua opinião, por que os números da pobreza menstrual no Brasil e no mundo são tão
alarmantes?

Por que os números no Brasil são tão alarmantes? A resposta está no próprio termo. Esse é o
grande cerne dos problemas, a grande questão sobre dados tão alarmantes no Brasil e no mundo
- a pobreza, a desigualdade social que aparta aquelas e aqueles que têm o direito garantido e
acesso às condições básicas para se viver e aquelas que não tem.

No caso da pobreza menstrual, estamos falando de meninas, mulheres e pessoas que menstruam
que não têm acesso a produtos de higiene, que não tem água encanada, ou um banheiro com
privacidade, que vivem onde o saneamento básico sequer chegou. A pobreza menstrual vem
nos dizer também sobre a desigualdade social que vivemos. É a desigualdade que produz
inúmeras situações como estas de pessoas que usam jornais, miolo de pão, meias como itens de
higiene menstrual, que desenvolvem problemas sérios de saúde pela falta de cuidados
adequados.

Além disso, apesar da menstruação ser algo tão natural, ainda não é naturalizada em nossa
sociedade. Ainda é tratada como um grande tabu. Não é comum falarmos sobre menstruação e
como lidamos com período menstrual. É por isso também que as dificuldades que milhares de
mulheres e pessoas que menstruam enfrentam são invisibilizadas. Invisibilizadas no debate, na
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produção de dados e na elaboração de políticas públicas. Estamos a passos curtos transformando


essa realidade.

Por que é tão importante discutir a saúde e os direitos menstruais nas esferas públicas?

A discussão ganhou projeção e relevância nos últimos meses. Relatos sobre situações diversas
de meninas, mulheres e pessoas que menstruam ganharam a mídia. Infelizmente situações
corriqueiras, mais comum do que esperávamos, mas não menos chocantes, revoltantes.
Algumas pesquisas e levantamentos realizados jogaram luz sobre a tal realidade e convocando
diversas áreas para o debate, debaixo da saúde e da Assistência Social e psicológica, da
economia, da educação.

Olha só como a menstruação afeta a dinâmica da vida das pessoas, não diz respeito só a alguns
dias do mês, tem reflexos na vida escolar, na saúde, na segurança. É todo esse contexto que diz
sobre a pobreza e dignidade menstrual. Por isso é importante trazer para as esferas públicas seja
mídia, pesquisa, política, porque é a partir do fomento do debate público, das evidências e dados
que se tem conhecimento da relevância de temas tão necessários de serem debatidos, mas tão
escondidos em nossa sociedade. Fazer a discussão da saúde da dignidade menstrual
publicamente é fazer com que o todo da sociedade reflita também sobre isso, é fazer com que
pensemos estratégias, maneiras, propor políticas públicas, ações afirmativas, mobilizar as
pessoas para transformar essa cruel realidade.

Qual a principal motivação para criar o Projeto de Lei 1428/2020? Já vivenciou isso de alguma
forma, ou teve a percepção dessa necessidade com o trabalho de deputada?

Fui professora das redes estadual e municipal de minha cidade, Montes Claros, por dez anos.
Professora da escola de periferia, de crianças e adolescentes que vivem em um contexto de
desigualdade social profunda. E foram inúmeras às vezes em que minhas alunas faltavam às
aulas por dias seguidos ou iam para escola com blusa de frio amarrada na cintura, mesmo no
calor que faz na cidade. Isso é pouco perceptível a olho nu, mas quando se analisa um todo, a
realidade amplifica os motivos ao longo da construção do nosso mandato e dos demais espaços
que ocupamos, os debates sobre questões de gênero, sobre a vida das mulheres fomos
percebendo a temática da pobreza menstrual sendo revelada. Fomos investigando, fazendo
mapeamento das pesquisas internacionais e nacionais. Os dados alarmantes e a preocupação
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com a situação dessas pessoas foram crescendo cada vez que tomávamos mais conhecimento
sobre a realidade. Se fez mais que urgente, necessário pensar e elaborar uma política pública
que pudesse dar respostas a essas meninas, mulheres e pessoas que menstruam, de trazer um
pouco mais dignidade para atravessar o período menstrual. Trouxesse um alívio de uma
retaguarda todo mês a essas pessoas, que às vezes não tem que comer e precisam se preocupar
também em como manter a higiene durante a menstruação.

Conta para os nossos ouvintes o que prevê o PL 1428/2020, que resultou na lei 23.904.

Além da dignidade menstrual, fruto da proposição do projeto de lei que apresentei à Assembleia
de Minas Gerais, está calçada em três pilares. Primeiro, o acesso a itens higiênicos e
consequentemente a promoção da saúde e bem-estar. Medidas educativas e preventivas, e
também a economia. A lei prevê a distribuição gratuita de absorventes higiênicos nos
equipamentos públicos do Estado de Minas Gerais, especificamente em escolas públicas,
unidades básicas de saúde, de acolhimento e prisionais, visando atender a população em
vulnerabilidade social. Além disso, a lei também estabelece o desenvolvimento de medidas
educativas e preventivas sobre o ciclo menstrual e a saúde reprodutiva. Ainda se prevê pela lei
a realização de parcerias, com a iniciativa privada ou com organizações não-governamentais
para aquisição dos itens, o incentivo a fabricação de absorventes de baixo custo por
microempreendedores individuais e pequenas empresas, fomento da criação das cooperativas
para impulsionar a produção e confecção desses itens, focando principalmente negócios de
mulheres.

Quais foram os obstáculos encontrados durante a tramitação do projeto de lei até que ele fosse
sancionado pelo governador?

O projeto tramitou por mais de um ano na Assembleia. Tenho a sensação que faltava
entendimento sobre a relevância do assunto à urgência de ações mais contundentes para apoiar
as pessoas que menstruam e não tem condições socioeconômicas de vivenciar o ciclo menstrual
com um mínimo de dignidade, que é justamente ter acesso ao absorvente higiênico.

A percepção mudou quando o assunto ganhou projeção nacional. A partir daí, ganhamos força
para fazer avançar a tramitação do PL (projeto de lei). Todo o processo também teria
acompanhamento e mobilização intensa da sociedade, principalmente do grupo “Livres para
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menstruar” do “Girl Up”. Nas redes e nas diversas cidades por Minas Gerais, esses coletivos
organizados por meninas e mulheres pressionaram para votação do projeto e para a sanção do
governador Zema, inclusive propondo ações de coleta de absorventes higiênicos para doações.
Mostrando na prática que é possível sim fazer e quão importante é garantir a distribuição desses
itens. A todas que se mobilizaram, individual ou coletivamente, as meninas e mulheres do
“Livres para menstruar” e da plataforma “Girl Up”, essa vitória é nossa, é coletiva!

Qual a importância de garantir acesso às pessoas em situação de vulnerabilidade social a


absorventes higiênicos?

Nada é mais importante do que garantir às pessoas dignidade em todos os sentidos. Pensem
bem, quatro em cada dez jovens deixam de ir à escola, faltam ao trabalho, porque não têm
acesso a absorventes higiênicos e não se sentem seguras para sair de casa. Os itens de higiene
são taxados como cosméticos, portanto, são tributados como supérfluos, o que os tornam ainda
mais caros e inacessíveis para famílias em situação de extrema vulnerabilidade. Casos em que
mais de uma pessoa menstrua, que tem impacto significativo no orçamento dessas famílias.
Além disso, o uso de itens adequados de higiene íntima evita diversos problemas de saúde,
alguns tão graves que podem causar a esterilidade de algumas mulheres.

Quais os maiores entraves para tirar propostas como essa do campo das ideias e levar para
ações?

O primeiro dos entraves é a representatividade de nós mulheres, e digo mais, nós mulheres
pretas, nos espaços de poder e de se elaborar as políticas públicas. É importante na mesma
medida (que é difícil), ter mulheres e mulheres negras que representam os interesses da classe
trabalhadora nesses espaços. Pois, só assim tais debates e proposições chegam nas casas
legislativas. Segundo, penso que a sensibilidade para colocar os mais pobres no orçamento, essa
experiência inaugurada pelos governos do meu partido e que eu tenho muito orgulho. Para se
ter uma ideia, a estimativa sobre o custo do ciclo menstrual de um ano, de acordo com a marca
internacional de absorventes higiênicos pode ficar entre três mil e até sete mil reais. É muito
dinheiro, em um cenário onde vinte milhões de pessoas não têm o que comer.

Quais as diferenças entre os projetos de lei criados em outros estados brasileiros que tratam de
pobreza menstrual?
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Em primeiro lugar, nós celebramos as iniciativas de promoção da dignidade menstrual, de modo


muito especial aquelas que podemos construir coletivamente apoiando outras parlamentares,
vereadoras, a levar adiante suas propostas. No âmbito Estadual, temos as experiências do Estado
da Bahia e do Distrito Federal, sendo que os dois estados estabeleceram como público
prioritário pessoas que menstruam e que frequentam as escolas públicas estaduais. No
entendimento, é que além das escolas os absorventes precisam também ser distribuídos
gratuitamente nas unidades de saúde e nas unidades em que as mulheres estão privadas de
liberdade. Essas condições não as isenta do direito à saúde e dignidade.

Além disso, há duas dimensões diferenciadas, uma na vertente de medidas educativas e


preventivas, ou seja, ações no âmbito da educação para formações teóricas sobre ciclo
menstrual, saúde reprodutiva, entre outros temas correlatos. A segunda dimensão é a
econômica, com geração de emprego e renda com foco nas mulheres e na economia local de
parceria do estado com microempreendedores e pequenas empresas para confecção de
absorventes higiênicos.

Qual a importância das mulheres na política para trazer debates como este à tona?

Não é só importante, mas necessária a participação das mulheres em todos os espaços de


decisão, entre eles o espaço da política. Temos indicadores sociais importantes que demonstram
a efetividade da participação feminina na implementação de políticas públicas, como por
exemplo, redução da mortalidade materno-infantil, melhoria na qualidade dos índices
educacionais e das políticas de proteção e desenvolvimento social. Além da lógica do cuidado
que de forma social e culturalmente nos foi atribuída, nós mulheres temos a capacidade de gerir,
mediar, implementar ações nas mais diversas áreas. Não há limitação física, intelectual ou moral
que nos coloque aquém daquilo que os homens são capazes de fazer.

Na sua opinião, por que há negligência por parte de algumas autoridades para garantia mínima
da dignidade feminina?

Penso que há uma negligência com a pessoa humana, sobretudo, diante de um absurdo quadro
de desigualdade social do número estrondoso de pessoas na extrema miséria. Não é apenas o
descaso com a mulher, com o povo negro, periférico, pobre, de uma maneira geral, e claro
72

somos a maioria da população brasileira, mulher negra e pobre. E nesse contexto, estamos
diante de uma política genocida que retira cotidianamente os nossos direitos mais básicos.

Qual a importância da criação de uma lei para o avanço das medidas de proteção à saúde de
quem menstrua?

Como disse anteriormente, imagine só vocês ouvintes, uma casa numerosa, uma família com
muitas filhas na atual situação do Brasil, onde a fome e o desemprego só aumentam. Ou o chefe
de família que muitas vezes precisa escolher se compra comida ou um pacote de absorvente é
claro, que se escolhe a comida. Para a menina que está no período menstrual dá-se algum jeito
e nem sempre esse jeito é o mais saudável. Os dados mostram que, por exemplo, uma em cada
quatro jovens brasileiras revelou não ter tido dinheiro para comprar produtos higiênicos para o
período menstrual em algum momento de sua vida. Nas classes D e E, isso se agrava ainda
mais. Ou ainda, 713 mil meninas vivem sem chuveiro em casa. O acesso a itens corretos de
higiene, como os absorventes podem mudar o contexto amplo, a realidade concreta dessas
pessoas, no que diz respeito à saúde. Pois, já não usarão miolo de pão, jornais, papéis que podem
trazer infecções, doenças e levar até a morte. A saúde emocional e psíquica, já que não sofrerão
mais preocupadas com período menstrual.

Qual a data para implementação da Lei 23.904, que garante o acesso a absorventes nas escolas,
centros de saúde e presídios de Minas Gerais?

Não há um prazo protocolar para implementação da lei. O que nós sabemos é que além da
provisão orçamentária, é preciso prever no orçamento do Estado os recursos necessários para
implementação da lei ordenando o fluxo sobre qual pasta sairia os recursos necessários para a
plena execução das políticas públicas. sempre estão se mobilização da sociedade civil
organizada, o governo não se sente obrigado a ter pressa. cabe a todos nós seguimos em luta
para que a lei se torne realidade o mais rápido possível. O exercício é contínuo e nós que
estamos no Parlamento para fazer valer os anseios dos mais fragilizados não descansamos até
que consigamos vencer os papéis e a burocracia.
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Na sua opinião, por que o Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou o projeto de lei que
garante a distribuição gratuita de absorvente menstrual para estudantes de baixa renda de
escolas públicas e pessoas em situação de rua ou de vulnerabilidade extrema?

O veto do presidente Bolsonaro desconsidera a realidade enfrentada por meninas, mulheres e


outras pessoas que menstruam, em situação de vulnerabilidade social, que muitas vezes não
dispõem desses itens básicos de higiene para passar por esse período menstrual que ocorre todos
os meses. O fato do Bolsonaro ter vetado tantos pontos desse projeto tão importante, só
demonstra mais uma vez que ele e o seu projeto de país não é para os mais pobres e vulneráveis.
Pelo contrário, trata-se de um projeto machista e misógino que não enxerga questões
importantes, como a saúde das pessoas que menstruam. E é por esse e por tantos outros motivos
que nós precisamos vencer esse governo nas ruas e nas urnas.

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