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MULHERES EM

SITUAÇÃO
DE RUA:
UM RECORTE DE SUA
REALIDADE E DIFICULDADES

Uma tentativa de trazer visibilidade àquelas que


são esquecidas e negligênciadas
Essa cartilha foi feita por:

Antônio Gonçalves Camila Borja de Carlos Nunes Cecília Espinola


Pereira de Moraes Oliveira Schoucair Neto Palma

Gabriella Mayumi Giulia Sacardo Nigro Gustavo Mantovani João Henrique de


Nakamura Muzzi Silva Carli Pereira

Laura Moura de Laura de Melo Ruas Letícia Estevão de Silmara Aparecida


Freitas Matos Bezerra Silva de Faria

Com a orientação das monitoras:

Beatriz de Paula Heloísa Salles

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SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO DO PROJETO.............................3
2. INTRODUÇÃO......................................................4
3. REALIDADE VIVIDA PELA PSR..............................5
HETEROGENEIDADE E DIFERENTES MOTIVAÇÕES....5
VULNERABILIDADE...................................................7
PRECONCEITO..........................................................8
4. AS ESPECIFICIDADES DE SER MULHER...............9
MOTIVAÇÕES FEMININAS.........................................9
QUESTÕES DO CORPO............................................11
VIOLÊNCIA..............................................................13
ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA..........................15
REPRODUÇÃO DE VALORES TRADICIONAIS............17
PRECONCEITOS......................................................20
PERSPECTIVAS DE SAÍDA........................................21
O ABRIGO................................................................23

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APRESENTAÇÃO DO
PROJETO

Essa cartilha foi produzida por 12 discentes


da disciplina Direito e Equidade de Gênero da
Faculdade de Direito da USP.
O objetivo do projeto é conscientizar alunos,
professores, funcionários e qualquer pessoa que
frequente a FDUSP através da exposição das
vivências de mulheres em situação de rua,
frequentemente invisibilizadas e esquecidas,
além de incentivar a mobilização e auxílio a
iniciativas localizadas na cidade de São Paulo
que procuram intervir nesse contexto
diretamente.
Nesta cartilha, destacaremos as questões
que mais afetam as mulheres integrantes
da PSR (população em
situação de rua),
principalmente a partir do
recorte de gênero e das
perspectivas trazidas por

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elas próprias sobre sua condição. Assim,
primeiro introduziremos a situação da PSR
como um todo, com uma discussão de toda a
complexidade, heterogeneidade e
vulnerabilidade que cerca esse grupo, para
então enfocar as vivências únicas que as
mulheres em situação de rua vivem
diariamente.
Já o segundo braço será o perfil no
Instagram @vejaelas, que fará a divulgação de
iniciativas voltadas para a PSR e as formas
pelas quais você, frequentador da FDUSP, pode
participar e ajudar. Este é um chamado à ação,
um convite para que, através da ação coletiva,
seja possível contribuir positivamente na vida
dos indivíduos que aqui estudamos. Escaneie o
QR Code para visitar o instagram e fazer parte
dessa iniciativa!

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AS ESPECIFICIDADES
DE SER MULHER

MOTIVAÇÕES FEMININAS

Para a pessoa em situação de rua, mas


especialmente para as mulheres em situação de rua,
a perda do lar dificilmente é algo monocausal. Na
verdade, como já vimos, por causa da
heterogeneidade dessa população, falar de causas
comuns é um trabalho complexo.
Além das causas macroestruturais, já explicadas,
como o desemprego e a falta de acesso à moradia, os
fatores microestruturais parecem ser os mais
citados pelas mulheres em situação de rua como
principal motivo para sua atual condição. O que mais
parece afetar essa população é uma diversidade de
rupturas dentro da dinâmica familiar: seja abuso de
drogas ou alcoolismo por parte de um membro da
família, muitas vezes o pai; seja violência doméstica
que se manifesta de forma física, moral ou sexual, e

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as consequências que a reação da vítima podem gerar
para ela; sejam perdas afetivas, de membro da família
ou da identidade familiar; seja até mesmo uma falta de
acolhimento familiar, uma ausência de uma rede de
apoio, que pode se originar por várias circunstâncias,
inclusive a dificuldade de uma família de oferecer
suporte a pessoas que passam por sofrimento
psíquico, ou a intolerância com a orientação sexual ou
identidade de gênero.
Sendo assim, muitas mulheres que estão em
situação de rua foram pessoas que se sentiam “sem
casa dentro da própria casa” e, por isso, abandonaram
o lar, em busca de um reencontro com si mesmas, um
afastamento de uma realidade doméstica insuportável
e uma descoberta da liberdade que lhes foi privada.
Como veremos, porém, várias dessas mulheres não
vêem na rua um lugar de permanência, mas sim de
transição.

Em 2019, era de 20% o número de famílias morando na


rua, e 14,8% o de mulheres. Em 2021, esses números
passaram, respectivamente, para 28,6% e 16,6%. Isso
mostra como, com a pandemia de COVID-19, as causas e
motivações que levam as mulheres a ir para as ruas se
agravaram. Os dados, porém, são duramente
contestados pelos especialistas e atores envolvidos
com a pessoa em situação de rua, já que provavelmente
não conseguem abarcar toda a população.

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QUESTÕES DO CORPO
Nas pesquisas em que foi perguntado para mulheres em situação
de rua sobre as especificidades femininas dessas circunstâncias, o
que elas mais citaram foram o que chamaremos de “questões do
corpo”, ou seja, fatores como gravidez, maternidade,
menstruação, higiene e violência, entendidas pelas que foram
entrevistadas como essenciais à condição feminina.

MENSTRUAÇÃO

Você já parou para pensar como pessoas em situação de


extrema vulnerabilidade fazem quando precisam cuidar de
necessidades relacionadas à menstruação?

De fato, dificilmente essa população terá acesso a


absorventes ou outros métodos de contenção de
fluxo, remédios para dor ou tratamentos para
condições como a endometriose. Com frequência,
essas pessoas precisam improvisar, com papel,
papelão, panos e até miolo de pão. Além da
dificuldade, dos problemas de saúde e do
sofrimento que essa privação pode causar, muitas
dessas pessoas acabam precisando deixar sua
rotina de lado nesses momentos: como não
conseguem conter o fluxo, não vão à escola ou ao
trabalho, deixam de circular pela cidade em busca
de serviço etc. Assim, é essencial que existam
programas e políticas públicas de distribuição
desses recursos.

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GRAVIDEZ E MATERNIDADE

Os mesmos problemas relacionados à menstruação vão se


aplicar à gravidez de uma pessoa em situação de rua, visto que o
acesso a recursos e tratamento médico é muito mais difícil. As
condições adversas, como a exposição ao clima, a existência de
doenças não tratadas e o uso de drogas também podem colocar
mulheres grávidas em risco. Além disso, cuidar de uma criança na
rua é outro desafio, que está sempre presente nos relatos das
mulheres das quais falamos aqui. Muitos abrigos têm poucas vagas
para mulheres com filhos, mostrando uma inadequação das
políticas públicas à constituição da pessoa em situação de rua na
realidade.
A busca de trabalho, também, é algo muito mais complexo com
a necessidade de cuidar do(s) filho(s) durante o dia e a noite. Essas
mulheres, frequentemente, sobrepõem o papel de mãe cuidadora
aos outros aspectos de sua identidade. Mas, muitas vezes, a guarda
dos filhos não pode ser mantida, por escolha própria ou imposição
externa: isso, com frequência, é fator propulsor de deterioração da
saúde mental dessas mulheres.

Segundo Marcella Furtado, professora


da Faculdade de Direito da UFMG e
coordenadora da Escola de Formação
em Direitos Humanos dos Polos de
Cidadania da mesma instituição,
mulheres em situação de rua
engravidam 4 vezes em média,
enquanto para as mulheres brasileiras
em geral esse número é de 1,9. Isso
indica que a experiência da gravidez na
rua é algo comum e recorrente entre
essas mulheres.

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HIGIENE
A atenção para esse aspecto não se deve apenas à importância da
prevenção de doenças, mas também pela preservação de sua
humanidade e dignidade. Para pessoa em situação de rua, o “estar
sujo” é frequentemente visto como uma marca física de sua
condição de vulnerabilidade e do preconceito que sofrem
diariamente, e o ato de lavar-se aparece como uma forma de
aliviar-se do peso desse estigma. Muitas vezes, a necessidade de
higiene é apresentada pelas mulheres em situação de rua como um
fator especialmente feminino, ligado à feminilidade, enquanto para
homens esta seria uma questão de segundo plano. Podemos
entender, a partir disso, que a possibilidade de manter a higiene
pessoal e a vaidade é relacionada à construção da identidade
(inclusive de gênero) dessas mulheres, a partir de valores
tradicionais aprendidos ao longo da vida, mas que nem por isso
deve ser menosprezada.

VIOLÊNCIA
A violência é o principal problema citado pelas mulheres em
situação de rua. Os dados mostram que ela é algo sempre presente
na vida dessas pessoas. Para muitas, suas primeiras experiências
com atos violentos ocorrem dentro de casa e são fator de
motivação para sua saída do lar. Outras só conhecem essa
tendência no âmbito da rua, mas o fato é que ela é recorrente.

Um levantamento pelo Ministério da Saúde mostrou que, de 2015 a


2017, 50,8% das agressões cometidas contra a população de rua
tiveram mulheres como as principais vítimas.

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O dado representa uma enorme desproporcionalidade com
a porcentagem de mulheres dentro das pessoas em situação de
rua, indicando que há um desequilíbrio com relação aos
homens.
No entendimento de muitas mulheres em situação de rua,
a condição feminina traz uma fragilidade inerente em relação
ao lado masculino, e que funciona como via de mão dupla. De
um lado, ela é o maior desafio a se enfrentar na rua: o espaço
público é, desde o início da vida, apresentado às mulheres
como um lugar perigoso, de exposição e vulnerabilidade. Ao
estarem, então, sozinhas nesse espaço, elas se sentem
desprotegidas, e frequentemente vão procurar formas de obter
proteção, como discutiremos mais adiante. A violência de todos
os tipos, mas principalmente sexual, e empreendida via de
regra por homens também em situação de rua ou fora dela,
afeta as mulheres em situação de rua de forma
desproporcional. Mas não apenas, visto que ela pode se
manifestar de diversas formas e por várias motivações:
também a violência doméstica, tendo como agressor o
parceiro; a violência realizada pelas disputas de espaço e
recursos, dentro da própria pessoa em situação de rua; a
violência por desavenças proveniente
de moradores e transeuntes que não
toleram a condição de pobreza
desses indivíduos; e a violência
proveniente de ações policiais,
carregadas de preconceito; e até a
violência autoprovocada, com origem
em sofrimento psíquico, são todas
formas de agressão a que essas
pessoas estão expostas.

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De outro lado, a ideia de fragilidade feminina é citada por homens e
mulheres como uma possível vantagem no âmbito da rua. Isso
porque essa condição teria a capacidade de gerar mais empatia
nas pessoas e suscitar atos de auxílio e oferecimento de
oportunidades por parte de indivíduos e instituições públicas e
particulares. A presença de filhos também ajudaria nesse aspecto.
Isso, porém, com todas as questões aqui citadas, não apaga toda a
vulnerabilidade a que essas mulheres estão expostas.

ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA

Dentre as incomensuráveis problemáticas enfrentadas pelas


pessoas em situação de rua, insta tratarmos aqui, sobretudo, das
questões atinentes às estratégias de sobrevivência adotadas pelas
mulheres em situação de rua.
Visto que essas mulheres estão, substancialmente, mais
vulneráveis a episódios dos mais diversos tipos de assédio, estupro,
tentativas de aliciamento, bem como a agressões de diversas
naturezas, além de outras violências que são exponenciadas em
decorrência do gênero, muitas delas acabam adotando condutas
que socialmente são encaradas como “masculinas”, na tentativa de
dirimir os riscos a que são constantemente expostas.
Isso pode ser observado através da adoção de uma postura mais

hostil, defensiva e agressiva por


mulheres que estão vivendo em situação
de rua, principalmente aquelas que já
estão enfrentando essa realidade por
mais tempo. Outra estratégia de proteção
utilizada por muitas mulheres em
situação de rua é a busca por “amigos”.

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