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Índice

1. Introdução ............................................................................................................................... 6

2. Objectivo Geral....................................................................................................................... 7

2.1. Objectivos Específicos ........................................................................................................ 7

3. Metodologia do Trabalho ....................................................................................................... 7

4. Feminização do SIDA em Moçambique ................................................................................ 8

4.1. Conhecimento e Práticas sobre Sexualidade ....................................................................... 9

5. O Impacto da Modernização ................................................................................................ 10

6. Conhecimento e práticas sobre DTS/HIV/SIDA .................................................................. 11

6.1. Vulnerabilidade das Mulheres ao HIV/SIDA em Moçambique ........................................ 12

7. Epistemologia Feminista: aproximação com o feminismo interseccional ........................... 13

7.1. O Acesso aos Direitos Sexuais .......................................................................................... 14

Conclusão ................................................................................................................................. 17

Referência Bibliográfica ........................................................................................................... 18


1. Introdução
Moçambique tem atravessado nos últimos anos variadas transições económicas,
políticas e sociais, onde interagem múltiplos e contraditórios factores que contribuem para
sucessivos reajustamentos sociais, com impactos profundos no sistema de valores,
representações e normas. Esta situação leva à ruptura e/ou mudanças dos elementos
tradicionais – como, por exemplo, a desestruturação dos casamentos através da perda
progressiva da importância das alianças familiares – e, ao reforço de factores, antigos e novos,
de desigualdade. Mulheres e homens incorporam, nas suas práticas, os valores do poder
masculino como certos e justos, porque é assim, e “naturalmente” assim. Os modelos de
educação e a influência religiosa determinam que a jovem não esteja preparada, quando
adulta, para negociar com o parceiro o exercício da sexualidade seja na reprodução como no
prazer. Nesta situação, as mulheres estão, por um lado, sujeitas à contaminação de doenças
sexualmente transmissíveis, sem que para isso tenham a oportunidade ou a possibilidade de se
precaverem e, por outro lado, não têm direito de escolha sobre o seu corpo.

Segundo indica o relatório da ONUSIDA de Novembro de 2004, a cada dia que passa,
o rosto do SIDA vai assumindo uma cara cada vez mais feminina e mais jovem. Os dados
apresentados neste relatório mostram-nos assim que quase metade dos 37,2 milhões de
adultos e jovens no mundo, infectados com HIV/SIDA, são mulheres; que a África
Subsaariana tem aproximadamente 25,4% de infectados, e quase 64% do total de portadores
do mundo. Em Moçambique, tal como em outros países da região Austral de África, o
crescimento dos níveis de infecção por HIV e por outras doenças de transmissão sexual tem
constituído motivo de preocupação por parte dos legisladores e das organizações da
“sociedade civil”. As taxas de prevalência de HIV em Moçambique mostraram uma tendência
de crescimento de 12% em 1998, para 14% em 2002. Na base destes dados estima-se ainda
que em 2002 tenha havido cerca de 1,2 milhões de pessoas infectadas no país. Uma análise
comparativa entre as taxas de prevalência da doença entre os anos 2000 e 2002, na base da
informação recentemente publicada. Portanto, o presente trabalho visa arrolar em torno da
Feminização do HIV/SIDA em Moçambique.

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2. Objectivo Geral
 Arrolar em torno da feminização do HIV/Sida em Moçambique.

2.1. Objectivos Específicos


 Conhecer o conceito da teoria feminista;
 Falar do impacto da modernização da feminização do HIV/Sida;
 Conhecer as práticas sobre a sexualidade.

3. Metodologia do Trabalho
Para a elaboração do presente trabalho, recorreu-se a um método de cunho
bibliográfico, em que o mesmo trabalho foi realizado com base em pesquisa bibliográfica que
compreende (manuais ligados ao tema, artigos e sites da internet) sobre a feminização do
HIV/SIDA em Moçambique.

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4. Feminização do SIDA em Moçambique
Na perspectiva feminista, entendida teoricamente como o conjunto conceptual e de
construções teóricos que permitem observar as premissas da realidade para explicar a
discriminação e a subalternidade das mulheres, é a que se tem adoptado como pano de fundo
na nossa pesquisa. Mais concretamente, subscrevemos a corrente do feminismo construtivo,
quer dizer, o princípio de igualdade reserva-se para os direitos, e o da diferença para marcar
as diferenças entre homens e mulheres no acesso a estes direitos. Também quer dizer que a
própria perspectiva dos direitos humanos, incluída em qualquer corrente do feminismo, é
reconstruída, uma vez que agora o conceito de igualdade se desvincula da visão androcêntrica,
que toma o homem como modelo universal desta igualdade. Incorpora-se a esta perspectiva o
quadro analítico das relações de poder, constitutivas de qualquer relação social, que nos
explicam que a subordinação das mulheres deriva do modelo androcrático e patriarcal
sustentado no poder masculino, e organizado na acção social a partir da esfera privada onde
predomina o poder do patriarca, até ao espaço público, onde, por extensão, o poder é
adjudicado a qualquer homem, pelo facto de o ser. Por outras palavras, será a teoria do poder
que nos permitirá identificar os mecanismos sociais através dos quais tem lugar a
desigualdade entre homens e mulheres, cujo resultado é a subalternidade das mulheres,
superando a dicotomia pública e privado.

Portanto, dois conceitos da teoria feminista, desenvolvidos a partir do marco conceptual


do poder, explicam a subalternidade da mulher:

1. Por um lado, o conceito de género ou sexo – género (relações sociais de género)


entende-se como a construção social da diferença entre homens e mulheres, negando a
tradução causal das diferenças anatómicas em naturezas sociais. O feminino e o
masculino são categorias sociais, e a perspectiva de género convida a investigar sobre
como se constroem e como operam organizacionalmente estas definições11. É ainda
importante considerar “que o género é um princípio organizativo fundamental da vida
social e da consciência humana. Não há esfera ou nível da vida humana e social que
não seja susceptível de uma análise de género.
2. O patriarcado, por outro lado, é o conceito que demonstra que a construção social das
diferenças biológicas está relacionada com a hierarquização e as relações de
dominação entre o homem e a mulher. Hierarquização essa que é a característica
principal da sociedade patriarcal. O modelo androcrático é utilizado indistintamente

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com o de patriarcado, com o intuito de remarcar alternativas de reconstrução para uma
“sociedade solidária”.

4.1. Conhecimento e Práticas sobre Sexualidade


Para os jovens rapazes e raparigas, dentro e fora da escola, no campo e na cidade, a
formação de saberes e o conhecimento sobre sexo, faz-se em definitivo num meio de pertença
fora da família: através de conversas com amigos, na escola, no bairro, na rua, para além de,
como é referido nalguns casos, nos meios de comunicação social como a rádio e a televisão.
A escola aparece mais frequentemente mencionada pelos jovens estudantes sobretudo das
zonas urbanas, através das cadeiras de biologia ou de activistas ligados à saúde sexual e
reprodutiva.

No caso de algumas raparigas da cidade de Maputo e um número maior da província


da Zambézia, a família, através da mãe ou de uma pessoa mais velha (tia ou avó), aparece
como um referencial para os conhecimentos básicos sobre o corpo e menos sobre sexualidade,
algumas vezes com referências à prevenção contra a gravidez, mas sobretudo sobre os
cuidados higiénicos a ter com o corpo, com destaque para os genitais, depois da primeira
menstruação. Mesmo nestes casos em que o primeiro contacto indirecto se faz via família, o
aprofundamento dos conhecimentos ocorre ainda fora da pertença da família.

É assim que, salvo raras excepções, se considera que a pressão dos amigos (as), e a
dos namorados para as raparigas, estão na linha das principais motivações que levam os (as)
jovens a iniciar a sua vida sexual. Pelo contrário, os poucos jovens que sofrem alguma
influência da família neste assunto são estimulados a retardar o início da vida sexual ou, no
caso das raparigas, a manterem a virgindade até ao casamento. No caso das zonas rurais, foi
no entanto observado, na Zambézia, que a família estimula as práticas sexuais prematuras,
sobretudo por via dos casamentos prematuros ou por causa da pobreza.

Na província da Zambézia, raros foram os entrevistados que passaram por ritos de


iniciação, embora na cidade de Quelimane muitas pessoas tivessem conhecimento deles. Em
Inhassunge, o desconhecimento dos jovens sobre ritos de iniciação era ainda maior entre
rapazes e raparigas. Isso pode explicar-se pelo facto de termos trabalhado na baixa-Zambézia,
de onde provavelmente era originário o maior número dos nossos entrevistados. Quer entre
rapazes quer entre raparigas, assinala-se que a discussão sobre a sexualidade é ainda tabu no
seio das famílias. Exceptuam-se alguns casos, por exemplo nas escolas, particularmente nas
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privadas, das cidades de Maputo e Quelimane, onde algumas jovens discutem temas ligados à
sexualidade com os pais ou um dos membros da família (entre tios, primos e irmãos mais
velhos). Na cidade de Maputo é insignificante o número de pessoas que conhece ou ouviu
falar, e menor ainda os que passaram por ritos de iniciação masculinos ou femininos.
Confirma-se no entanto que na província de Zambézia, rapazes e raparigas consideram que, à
parte os valores negativos transmitidos pelos ritos de iniciação, como a legitimação da
violência física e a educação das raparigas para serem servis ao homem e instrumentos de
prazer, eles são extremamente válidos na transmissão de valores como o respeito pelos mais
velhos, no geral, o respeito entre as pessoas e entre os cônjuges. Os ensinamentos
transmitidos aos jovens sobre sexualidade, higiene corporal, particularmente dos órgãos
genitais, e cuidados a ter para evitar uma gravidez e algumas doenças de transmissão sexual,
foram também apontados como aspectos positivos destes ritos. Algumas raparigas na
província de Zambézia, embora em número insignificante, chegaram mesmo a valorizar o
ensinamento que as mulheres recebem sobre o seu comportamento sexual.

Na maior parte do território moçambicano não faz parte das práticas educativas tratar
em família a discussão de assuntos respeitantes à vida sexual. O papel que estava destinado
aos ritos de iniciação perdeu-se nas zonas em que estes caíram em desuso, e ficou muitas
vezes um vazio na educação do jovem durante a puberdade, momento mais importante no seu
processo de “socialização sexual”. Muitos assuntos deixam de ser discutidos, particularmente
no caso dos rapazes, porque se supõe que estes detêm esses conhecimentos e fazem a
aprendizagem por si só.

5. O Impacto da Modernização
O impacto da modernização e sobretudo dos meios de comunicação de massas, mesmo
em locais onde eles chegam com mais dificuldade, e o vazio criado pela falta de comunicação
entre pais e filhos ou entre os jovens e os indivíduos que na sociedade habitualmente
deveriam ter a missão de lhes transmitir conhecimentos, e que, em geral, são pivotais na
socialização dos jovens, acaba por reduzir a concepção da sexualidade aos aspectos físicos e
às suas consequências, como a gravidez, doenças de transmissão sexual, entre as quais a
SIDA, e a sua prevenção.

A aprendizagem sobre o exercício da sexualidade em termos de procura de prazer,


negociação das relações sexuais, número de parceiros e o direito das mulheres de poderem

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desfrutar do prazer sexual, independentemente da sua função reprodutiva, foram temas que
suscitaram as mais diversas opiniões. A maior parte dos rapazes e raparigas dentro e fora da
escola posicionou-se favoravelmente a uma educação sexual para jovens, havendo no entanto
divergências quanto ao facto da educação ser ou não igual para homens e mulheres, quer na
Zambézia quer na cidade de Maputo. As respostas negativas tomaram como base o facto de
homens e mulheres serem socializados de forma diferente, devendo assim a educação ser
moldada para uma identidade masculina ou feminina, segundo os moldes de uma sociedade
patriarcal.

No entanto, quando se trata do direito que as mulheres têm de desfrutar o prazer


sexual, embora na cidade de Maputo houvesse algumas respostas discordantes, foi sobretudo
fora da escola, na cidade e no campo, da Província da Zambézia, onde indivíduos dos dois
sexos não se mostram de acordo que esse direito fosse estendido às mulheres. Na prática da
sexualidade e quanto ao número de parceiros, também se verifica para muitos casos a
afirmação de que a natureza masculina e a sua socialização “permite-lhes” o que não é
permitido às mulheres, ou seja, ter mais do que uma parceira. E é sobretudo fora da escola, e
em especial na Zambézia, onde estas posições aparecem mais claramente, sobretudo quando
se referem às raparigas.

6. Conhecimento e práticas sobre DTS/HIV/SIDA


Aparentemente, a maioria dos entrevistados, quer se trate do grupo alvo quer do grupo
de referência, detém conhecimentos básicos sobre doenças de transmissão sexual e
HIV/SIDA, e as suas formas de prevenção, bem como sobre controlo da natalidade. O nível
de conhecimentos e as opções para uma prevenção contra uma gravidez ou uma DTS/SIDA
diminuem na província da Zambézia, fora da escola, sendo ainda menores no distrito
Inhassunge do que na cidade de Quelimane.

Com isso, quando se trata de conhecimentos sobre o acesso a serviços de


aconselhamento, prevenção e tratamento, o nível de desconhecimento é assustador. É assim,
que um GATV (Gabinete de Atendimento e Testagem Voluntária) ou a Geração Biz, são, na
maior parte dos casos, exceptuando o caso dos jovens fora da escola, em Quelimane, e em
maior escala os jovens fora da escola no distrito de Inhassunge, conhecidos da maioria dos
entrevistados No entanto, apenas um grupo pequeno dos mesmos utilizou os seus serviços ou
participou nas suas actividades. Estranhamente, os cantos/cantinhos de jovens são pouco ou

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quase nada conhecidos, mesmo entre os jovens dentro da escola. Menor é ainda o número dos
entrevistados que recorrem aos seus serviços. O SAAJ (Serviço de Atendimento e
Aconselhamento a Jovens), talvez por se tratar de um serviço com uma existência recente, é
igualmente quase desconhecido pelos nossos entrevistados. A linha gratuita “Alô Vida” –
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praticamente desconhecida no distrito de Inhassunge. No entanto, muito poucos dos que a
conhecem a utilizaram.

6.1. Vulnerabilidade das Mulheres ao HIV/SIDA em Moçambique


Questões socioculturais e biológicas são algumas causas. Mas a dependência
económica da mulher em relação ao homem, que implica medo de exigir o uso de
preservativo, é o principal risco; dizem especialistas. A mulher tem um parceiro sexual. O
parceiro põe na mesa que ela terá um valor maior se tiver relações sexuais com ele sem
preservativo. Uma situação comum entre muitas mulheres moçambicanas que se expõem às
situações de risco e acabam contaminadas pelo vírus HIV/SIDA.

Por trás dessa atitude, está o medo de exigir do parceiro o uso de preservativos por
causa da situação de dependência financeira à que muitas mulheres moçambicanas estão
submetidas, explicam especialistas. A mulher acaba aceitando o sexo sem segurança mesmo
sabendo qual é o risco que corre nesta situação.

Daí que, ser o empoderamento económico destas mulheres crucial para prevenção do
contágio neste país. “Em relação à Moçambique, os factores culturais põem a mulher em
situação de inferioridade – a mulher raramente decide ou discute os aspectos relativos à sua
sexualidade. O sexo tem que ser como e quando o parceiro queira”, explica a coordenadora do
CNCS.

Diante deste cenário, o CNCS já alertou ser preciso adequar às diferentes realidades
socioculturais do país as mensagens das campanhas de combate à transmissão pelo vírus
HIV/SIDA. Moçambique é um mosaico de culturas. Temos uma diversidade muito grande do
norte ao sul do país. Se nós queremos que as nossas mensagens relativas ao HIV/SIDA sejam
percebidas nos vários cantos, é preciso que estas sejam adequadas aos contextos locais",
explicou a coordenadora da referida instituição.

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Em Moçambique, 54% das pessoas portadoras do vírus estão em tratamento e 61% dos
infectados têm conhecimento do seu estado, de acordo com o relatório do programa da ONU
para o combate à doença (ONUSIDA) divulgado em Julho deste ano.

Segundo o documento, o país está entre os sete países da África Oriental e Austral que
concentram 50% das novas infecções que ocorreram entre 2010 e 2016 atingindo 790 mil
neste período.

7. Epistemologia Feminista: aproximação com o feminismo interseccional


O pensamento feminista refere-se ao empreendimento de embates no âmbito das
desigualdades de género; este pensamento é entendido a partir de várias perspectivas, que nas
palavras de Adriana Piscitelli (2008) “está longe de construir um todo unificado”. O
feminismo “da diferença” preconiza que a categoria mulher não é unitária, com isso,
compreende que o debate acerca das relações de género deve ser realizado a partir do
reconhecimento igualitário das diferenças.

A partir da década de 1980 surgem estudos críticos, no âmbito internacional, sobre a


categoria género; tais escritos questionavam os pressupostos da distinção sexo/género,
alegando a “fixidez e unidade” que a distinção outorga às identidades de género, como
também, a universalização desta distinção. De acordo com Adriana Piscitelli (2008), essas
críticas ao conceito de género ocorrem no mesmo período em que o movimento feminista é
alvo de reivindicações proferidas por mulheres negras, lésbicas e do “Terceiro Mundo”
(Piscitelli, 2008).

As organizações feministas em Moçambique têm se posicionado contra a violência


sexual, a violência doméstica, o tráfico de mulheres, as uniões forçadas (casamento
prematuro), a feminização do HIV/aids, em defesa dos direitos sexuais e direitos reprodutivos
(aborto legal e seguro, combate à mortalidade materna, à gravidez precoce e em defesa do
planeamento familiar), em favor da paridade de género nos postos de tomada de decisão, do
acesso à terra e outros recursos para as áreas rurais, à educação formal e contra as práticas
tradicionais que desrespeitam os direitos humanos das mulheres e meninas.

De acordo com os dados do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS
(UNAIDS), em 2014, 36,9 milhões de pessoas viviam com HIV no mundo inteiro. Desse
percentual, 25,8 milhões de pessoas infectadas com o vírus vivem na África Subsaariana,

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região onde as mulheres correspondem a mais da metade das pessoas infectadas. Em 2014, a
estimativa é que só na África Subsaariana mais 1,4 milhões de novas infecções ocorreram,
isso corresponde a 66% das novas infecções mundiais. Apesar desses dados, a região marcou
uma desaceleração da epidemia, sendo reduzidos tanto os novos casos em 41% entre 2010 e
2014, quanto o percentual de morte relacionadas à aids em 34%.

De acordo com dados da Unaids (2014), Moçambique está entre os 10 países com
maior incidência de HIV/aids do mundo. A estimativa é de que 1,5 milhões de moçambicanos
vivam com HIV, deste total, cerca de 800 mil são mulheres e 200 mil são crianças.
Aproximadamente, 120 mil novas infecções ocorrem anualmente, apesar de o país ter
registado uma queda significativa de novos casos. De 2004 a 2014 houve uma redução de
40% de novas infecções em adultos; em crianças a redução foi de 73% de 2011 a 2014.

A epidemia no país não se apresenta de forma homogénea, varia de acordo com as


regiões, tem prevalência diferente nas áreas rurais e urbanas, tem incidência maior em
mulheres e jovens.

Segundo dados do INSIDA (Inquérito Nacional de Prevalência, Riscos


Comportamentais e Informações sobre o VIH e SIDA em Moçambique), em 2009 na faixa de
15-49 anos, a prevalência de mulheres infectadas era de 13,1%, enquanto a prevalência em
homens era de 9,2%. As áreas urbanas concentram maiores índices (15,9%) quando
comparadas com as áreas rurais (9,2%), na região Sul a área rural apresenta índices maiores.
As províncias de Gaza, Maputo e Sofala, localizadas no sul do país, possuem os maiores
índices da epidemia.

7.1. O Acesso aos Direitos Sexuais


O período socialista em Moçambique foi marcado pela negação das práticas
tradicionais e palavras de ordem como “abaixo o tribalismo”, “abaixo os ritos de iniciação
sexual”, “abaixo o feudalismo”, “abaixo os curandeiros”, “abaixo o lobolo” eram comuns. O
desejo da Frelimo em construir a sociedade de “tipo novo” foi influenciado pela formação
ocidental e protestante de muitos dos seus militantes. Isso explica, em partes, a preferência
por instituir a família nuclear patriarcal como modelo. Este processo provocou uma ordem na
qual o poder masculino foi valorizado como progresso, em detrimento a outras configurações
sociais matrilineares (PINHO, 2012).

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Para tal, O acesso aos direitos sexuais e direitos reprodutivos diz muito sobre a
feminização da epidemia do HIV/aids em Moçambique. O não acesso ao preservativo (apenas
2,9% das mulheres afirmam utilizar), partos inseguros (que facilitam a transmissão vertical do
vírus), os casamentos prematuros (retiram as meninas da escola e atenuam suas possibilidades
de construir autonomia), purificação da viúva realizada de forma tradicional (coage a viúva a
transar com o cunhado sem preservativo), prática do lobolo (dificultam a possibilidade do
divórcio por parte das mulheres), prostituição (nem sempre realizada com a utilização de
preservativo), alta taxa de natalidade e baixo espaçamento entre os filhos/as (a taxa de
natalidade em Moçambique é de 4.8 nas áreas urbanas e 5.8 nas áreas rurais) (INE).

Como bem analisado por Villela e Nilo (2011), o crescimento da epidemia entre as
mulheres está baseado na intersecção bastante complexa entre a pobreza, violência e falta de
informação, além de práticas sexuais inseguras. A dependência económica e a violência são
factores que dificultam negociar o uso do preservativo. No caso de Moçambique, também
identificamos que as relações de poder não estão centradas apenas na dicotomia
masculino/feminino. A maioria das famílias são alargadas, vivem-se junto com as sogras,
sogros, cunhados, cunhadas e sobrinhos e sobrinhas, dessa forma, a gerontocracia (poder dos
mais velhos/as) e a senioridade também atuam sobre as mulheres jovens, principalmente.

Porém, apesar de compreendermos que as relações de género são demarcadores


essenciais para problematizar a maior incidência do vírus em jovens mulheres, vale ressaltar
que a epidemia do HIV/aids em Moçambique tem outras facetas, não necessariamente
abordadas nas intervenções e respostas à epidemia.

Passador (2011) observou que as “doenças tradicionais” do distrito de Homoíne, sul


do país, são transmitidas por mulheres “de dono” (fazendo referência a espíritos de homens já
mortos) através de contactos sexuais, além de também estar associadas a doenças oportunistas
como a tuberculose. Segundo o autor, ambas vêem o ato sexual como um evento transmissor
de males que afectam o corpo. Ou seja, para a comunidade, é difícil identificar o HIV/aids
como um problema de sua realidade, visto que essa doença tem outras conotações.

A epidemia que afectava em 2014 1,5 milhões de moçambicanos e moçambicanas


precisa ser analisada a partir da sua relação com a “mobilidade”, “as fronteiras” e os
“vientes”, como afirmou Matsine (2005). Os índices de incidência da epidemia são maiores
em áreas fronteiriças e que concentram empreendimentos económicos. Ainda por isso, os

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caminhoneiros, os mineiros, trabalhadores móveis e migrantes são considerados populações
vulneráveis ao HIV, segundo o PEN.

O tratamento com o anti-retroviral, além de ser essencial para evitar mortes por aids e
melhorar a qualidade de vida das pessoas infectadas, reduz a probabilidade de transmitir o
vírus.

No Plano Estratégico Nacional de Combate ao HIV e SIDA para o quinquénio 2015-


2019 (PEN IV), são reportadas as dificuldade de atingir a meta de aumento de 50% a 90% de
disponibilidade do tratamento anti-retroviral nas unidades de saúde do Sistema Nacional de
Saúde, isto devido à redução dos investimentos internacionais no país em razão da crise
económica. Se pensarmos que apenas 2,9% (IDS, 2011) das mulheres afirmam utilizar o
preservativo masculino como meio de protecção, percebemos que há um grande desafio com
relação ao fim da epidemia do HIV/aids em Moçambique.

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Conclusão
Em razão a tudo isso, é crucial que o Estado Moçambicano, as Organizações da
sociedade civil, os movimentos sociais em geral e os feministas, em particular, construam
diálogos contínuos com a população dos diversos contextos do país, a fim de estabelecer
alternativas interculturais para o respeito aos direitos humanos atrelado ao combate à
epidemia do HIV/aids. É preciso travar diálogos com os chefes tradicionais, os curandeiros, as
mulheres e homens camponeses, os/as jovens estudantes, trabalhadores/as de forma não
paternalista e autoritária, mas sim com o objectivo de construir uma autêntica
“moçambicanização da mensagem” assim como preconiza o PEN IV. Neste sentido, é
fundamental que o movimento feminista continue pautando suas agendas de luta em defesa
dos direitos humanos das mulheres, inclusive, que prossiga fortalecendo a luta em âmbito
global, a exemplo do que vem sendo construído a partir das Conferências Internacionais, mas,
que assim como proposto por Santos (2005), actue também em defesa do reconhecimento
igualitário da diferença. Historializem o debate e construam suas próprias compreensões
acerca das relações de género. Isso porque alguns seropositivos acreditam que ao terem
relações sexuais com mulheres virgens serão curados. Em muitos casos, esses homens actuam
de má fé, diz a médica, porque mesmo sabendo que estão infectados não se preocupam em
usar preservativos. Um risco, sobretudo, para raparigas mais jovens.

Dados de 2015 do programa da ONU para o combate à SIDA (ONUSIDA) referem


ainda que 39 mil pessoas morreram vítimas da doença e estavam registadas. Como órfãs de
país que morreram em consequência da doença constam 590 mil crianças entre os zero e 17
anos.

Entretanto, especialistas permanecem optimistas. Para ganharmos essa luta contra o


HIV/SIDA não bastam acções do Ministério da Saúde. Precisamos de toda a comunidade e de
toda a população com educação. Toda a gente tem de entender como se adquire a doença e
também contribuir para a prevenção.

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Referência Bibliográfica
Ana Cristina de S. & Soares, R. C. (Orgs.). Desafios à vida: desigualdades e HIV/Aids no
Brasil e na África do Sul. Recife, Capes.

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Florianópolis.

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