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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

EDSON ALENCAR SILVA

A música dos rebeldes: o punk paulistano e a resistência à indústria


fonográfica

São Paulo
2020
EDSON ALENCAR SILVA

A música dos rebeldes: o punk paulistano e a resistência à indústria


fonográfica

Tese apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de Doutor em Ciências Sociais sob a orientação
da Prof.ª Dra. Maria Celeste Mira.

São Paulo
2020
EDSON ALENCAR SILVA

A música dos rebeldes: o punk paulistano e a resistência à indústria


fonográfica

Tese apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de Doutor em Ciências Sociais sob a orientação
da Prof.ª Dra. Maria Celeste Mira.

São Paulo

2020
Banca Examinadora

________________________________________________

________________________________________________

________________________________________________

________________________________________________

________________________________________________
Agradeço a bolsa concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq) - processo: 142296/2018-0.

“O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento


de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.”
AGRADECIMENTOS

À toda a minha família, mãe, irmãs e irmão, cunhados, primos e tios e tias. Pela
inspiração e incentivo. Cada um de vocês sabem o quanto os amo.

À Pedrina, minha companheira amada de todas as horas, pela paciência e apoio


irrestritos que durante esses anos não soltou de minha mão mesmo nos momentos
mais difíceis.

Aos meus filhos queridos, Heitor e Heloísa e Frida pelos momentos de aprendizado,
carinho e descontração, sem vocês teria sido muito mais complicado.

Aos colegas de trabalho do grupo Cruzeiro do Sul e da Rede Estadual de Ensino de


São Paulo. Aos amigos Alexandre, João Paulo, Márcio, André, Danilo e Roberto.

A todos os entrevistados que doaram um pouco de seu tempo e paciência para


receber as minhas questões.

À banca examinadora, que se fez presente na qualificação e na defesa desta tese.


As suas contribuições foram inestimáveis.

À minha orientadora e amiga Maria Celeste, que me ajudou enormemente,


contribuindo com a sua mente e o seu tempo para que pudesse chegar até aqui.

E a todxs xs garotxs de jaqueta preta; axs garotxs do subúrbio, vocês não podem
desistir de viver.
Dedico este trabalho à Pedrina, Heloísa, Heitor e
Frida por serem fontes generosas de amor e
inspiração; e à memória de minha filha Stella, do
meu pai José e de Maria da Glória, querida sogra,
que seguiu para luz eterna no decorrer desta
pesquisa.
RESUMO

SILVA, Edson Alencar. A música dos rebeldes: o punk paulistano e a resistência


à indústria fonográfica. São Paulo, 2020. 260p. Tese (Doutorado em Ciências
Sociais) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.

Esta tese foca a música gravada por punks na cidade de São Paulo de 1981 até
2019. Com base nisso, argumentamos que estas produções vinculam-se a cultura
mundializada, estabelecidas, portanto à uma forma musical específica, ao
movimento punk mundial e à sua ética de grupo Do It Yourself (DIY). Incidindo
internamente ao habitus de classe e aos pertencimentos a grupos juvenis
espalhados pela periferia da cidade de São Paulo. Essa dinâmica gerou uma série
de práticas, entre elas aquelas vinculadas à música gravada no qual vem se
apresentando sem interrupções desde 1981. Fizemos um levantamento de
produções no qual constatamos 880 produtos fonográficos elaborados punks, sendo
a maior parte delas feitas, difundidas e distribuídas pelos próprios punks paulistanos.
Neste sentido, a partir do esforço de pesquisa, sugerimos que, para além de um
sentido econômico, estas práticas estariam focadas nas redes de sociabilidade,
amizade e identidade, partilhadas punks paulistanos. O qual também favoreceu que
estes pudessem inserir suas concepções e visões de mundo, via a música gravada,
em um contexto de produção musical dominado pelas elites econômicas e culturais
do Brasil.
Palavras-chave: Punks. Música gravada. DIY. Industria Fonográfica. Periferia. São
Paulo.
ABSTRACT

This thesis focuses on music recorded by punks in the city of São Paulo from 1981 to
2019. Based on that, we argue that these productions are linked to globalized
culture, established, therefore, to a specific musical form, to the world punk
movement and its ethics group Do It Yourself (DIY). Focusing internally on class
habitus and belonging to youth groups spread across the perifhery of the city of São
Paulo. This dynamic generated a series of practices, including those linked to
recorded music, which has been performing without interruption since 1981. We
surveyed productions in which we found 880 elaborated punk phonographic
products, most of which were made, disseminated and distributed by São Paulo
punks themselves. In this sense, from the research effort, we suggest that, in
addition to an economic sense, these practices would be focused on networks of
sociability, friendship and identity, shared by São Paulo punks. Which also favored
that they could insert their conceptions and worldviews, via recorded music, in a
context of musical production dominated by economic and cultural elites from Brazil.
Keywords: Punks. Recorded music. DIY. Phonographic Industry. Perifhery. São
Paulo.
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Discos lançados por punks na cidade de São Paulo entre 1981-2019 134
Gráfico 2 – Distribuição de rimos nas produções ................................................... 139
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Ocorrência de coletâneas produzidas por punks na cidade de São Paulo -


1982 -2019 .............................................................................................................. 174
Tabela 2 - Produtos fonográficos lançados sem selos - 1981 - 2019 ..................... 205
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – A Revista Pop Apresenta O Punk Rock ................................................... 76


Figura 2 – Capa “Cabeça Dinossauro” ...................................................................... 93
Figura 3 – Capa e contracapa de “Pânico em SP” .................................................... 95
Figura 4 – Capa e contracapa de “Adeus Carne” ...................................................... 97
Figura 5 – Capa e contracapa do disco “Miséria e Fome” ....................................... 142
Figura 6 – Capa e contracapa do disco “Miséria e Fome” relançado ... .................. 144
Figura 7– Capa e contracapa do disco “Crucificados pelo sistema”........................ 145
Figura 8 - Capa e contracapa do disco “Botas fuzis capacetes” ............................ 150
Figura 9 – Capa e contracapa do disco “Tente Mudar o Amanhã” .......................... 151
Figura 10 – Capa do disco “Acorde! Acorde! Acorde!” ............................................ 151
Figura 11 – Capa e contracapa do disco “Feijoada Acidente?” ............................... 153
Figura 12 – Capa e contra capa do disco “Infância Armada” .................................. 161
Figura 13 – Capa e contracapa do disco “...eis que a justiça não tarda a consolidar-
se” ........................................................................................................................... 161
Figura 14 – Alerta ao consumidor ........................................................................... 162
Figura 15 – Capa e contracapa do EP Grão ........................................................... 167
Figura 16 – Capa e contracapa da coletânea “Mulheres em Perigo” ...................... 170
Figura 17 – Capa do disco “GRLS SP” ................................................................... 173
Figura 18 – Capa e contracapa do disco “Grito Suburbano” ................................... 177
Figura 19 – Capa e contracapa do disco SUB ........................................................ 178
Figura 20 – Capa e contracapa do disco “O Começo do Fim do Mundo” ............... 179
Figura 21 – Capa e contracapa do disco “Cenas Anarco Punks Vol.1”................... 181
Figura 22 – Capa e contracapa do disco “SP Punks Vol.1” .................................... 182
Figura 23 – Capa e contracapa do disco “Chaoz Day Vol.1” .................................. 184
Figura 24 – Capa e contracapa do álbum “Vivemos presos!” ................................. 202
Figura 25 – Capa e contracapa do EP "Brasil 2019 - A era do Burrismo" ............... 204
Figura 26 – Capa e contracapa do EP Vinil 7”: “Violência & Sobrevivência”........... 207
Figura 27 – Capa e contracapa do álbum em LP: “Cólera – European Tour '87”.... 207
Figura 28 – Capa e contracapa da demo “EXECRADORES – demo 96” ............... 208
Figura 29 – Capa e contracapa do CD “Correria”.................................................... 208
Figura 30 – Capa e contracapa do CD “Um passo para a revolução” ..................... 209
Figura 31 – Capa e contracapa do álbum “Desgraça”............................................. 209
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 7

CAPÍTULO 1 - INDÚSTRIA CULTURAL, MÚSICA GRAVADA, O PUNK E SUA


EXPERIÊNCIA RADICAL ......................................................................................... 16

1.1 Indústria Cultural e a teoria de Pierre Bourdieu, algumas aproximações ............ 16

1.2 Indústria fonográfica no Brasil, dos anos 1970 aos dias atuais: domínio, queda e
reorganização............................................................................................................ 29

1.3 As produções independentes .............................................................................. 39

1.4 As produções “marginais” e o punk ..................................................................... 50

CAPÍTULO 2 - O PUNK PAULISTANO E MUNDIALIZAÇÃO DA CULTURA:


ROCK, CINEMA E MPB ........................................................................................... 58

2.1 O punk pensado em sua emergência: classe trabalhadora, efeito de choque,


subcultura e bricolage. .............................................................................................. 59

2.2 Punk em SP - A literatura sobre punks no Brasil em São Paulo ......................... 64

2.3 O punk e a mundialização da cultura: elementos para a composição de sua


música gravada. ........................................................................................................ 66

2.3.1 Punk enquanto movimento cultural global expresso nos espaços urbanos ..... 67

2.3.2 Rock’n’roll como base identitária ...................................................................... 70

2.3.3 O punk e o cinema ........................................................................................... 78

2.4 Punk e as sonoridades brasilianas ...................................................................... 82

2.4.1 Influências cruzadas: o punk e o rock brasileiro ............................................... 86

2.4.2 A conflituosa relação com os astros da MPB ................................................... 99

2.4.3 Underground, Manguebeat e coletivos culturais: rastreando a trilha do punk


paulistano ................................................................................................................ 105

CAPÍTULO 3 - POLÍTICA, HABITUS DE CLASSE, DIY E MÚSICA GRAVADA .. 111


3.1 Política: anarquia global: anarcopunks e a sedimentação da cena punk
paulistana ................................................................................................................ 111

3.2 Punk e habitus de classe................................................................................... 120

3.3 Do It Yourself (DIY) como ética de grupo e a sua relação com a música gravada
................................................................................................................................ 125

CAPÍTULO 4 – CRIANDO COLETIVAMENTE: A MÚSICA GRAVADA PELO PUNK


PAULISTANO: DISCOS, SONORIDADES E AFINIDADES .................................. 132

4.1. Quantidade de discos lançados no período de 1981-2019 .............................. 132

4.2. Punk rock e Hardcore ....................................................................................... 137

4.2.1 No princípio era o punk rock........................................................................... 142

4.2.2 O predomínio do hardcore nos anos 1990 e o agravamento de antigas cisões


................................................................................................................................ 152

4.2.3 As disputas em torno do punk rock e do hardcore ......................................... 156

4.2.4 Mulheres, negros e LGBTQI+ e os usos do hardcore punk e o punk rock ..... 168

4.3 Ação entre amigos: as coletâneas como representação de ações coletivas .... 174

4.4 No front da resistência: Os selos e distribuidoras (distros) DIY......................... 187

4.5 Passando o chapéu e mostrando o moicano: projetos com financiamento coletivo


................................................................................................................................ 199

4.6 As produções realizadas por bandas sem apoio financeiro, ou simbólico, selos e
distros ...................................................................................................................... 205

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 214

REFERÊNCIAS....................................................................................................... 219

APÊNDICE .............................................................................................................. 233


7

INTRODUÇÃO

Entre a graduação e o mestrado, venho estudando a indústria fonográfica


brasileira. Durante estas pesquisas, me deparei com uma série de indagações
relativas à música produzida fora do circuito das grandes gravadoras. Por exemplo:
o que leva determinados grupos dominados a continuarem a gravar
ininterruptamente músicas sem que isso lhes traga sucesso financeiro? Como
pensar tal dinâmica, já que estes grupos parecem se contrapor às práticas
dominantes do mercado fonográfico? Naturalmente, estas questões extrapolavam o
objeto dos meus estudos anteriores, lançando-se a outras vertentes musicais.
Pensando nessa lacuna, surgiu a ideia de propor o presente trabalho.
Originado, dessa maneira, pela enorme curiosidade em entender como funciona e
se apresenta o fenômeno da música produzida nas margens e pelos que nela
habitam. Especificamente, o que mais chama a atenção é o fato de que há uma
gama de produções que parecem não se enquadrar até mesmo dentro da lógica dos
chamados indie (gravadoras e selos independentes). Trata-se de uma parcela que
poderíamos chamar de “marginal”, mas que estão dentro da lógica de bricolagem.
Ela é fortemente marcada por uma postura autônoma que abrange tanto os
aspectos estéticos quanto a distribuição e difusão dos seus produtos. Desde o
gospel (ou música cristã contemporânea), passando pelo metal extremo e pelo
tecnobrega, chegando até o straightedge, verifica-se através de suas práticas que,
apesar das diferenças, há pontos de encontro (especificamente na maneira como
lidam com a música gravada). Dentro deste universo, destaco as produções
fonográficas elaboradas por punks, justamente por entender que nelas existem
maneiras marcantes que delineiam modos de se relacionar com a música gravada
opostas à lógica de mercado.
Parte de minha adolescência e vida adulta estiveram marcadas pela
participação ativa dentro da cena punk paulista. Durante este período participei de
bandas e organizei eventos juntos com outras pessoas. Nesse sentido, é preciso
deixar claro, que estou ligado diretamente ao tema não apenas como alguém que
teve parte de sua vida voltada à cena punk paulistana, mas também como
pesquisador. Isso denota potencialidades e obstáculos. Trocando em miúdos,
conhecer a cena, os seus códigos e experimentá-la do ponto de vista de um “nativo”
8

possibilitou um trânsito mais fluído, seja pelo conhecimento do universo simbólico,


seja pela maior facilidade de acesso às pessoas ligadas à cena.
Contudo, a questão que se põe é como ser pesquisador de algo que esteve
tão familiar sem se deixar levar pela lógica do campo. Mesmo considerando que a
discussão sobre a separação rígida entre sujeito e objeto de estudo já está
ultrapassada, acredito que é importante ressaltar que, como pesquisador, é
necessário redobrar aquilo que Bourdieu denomina como “vigilância epistemológica”
(BOURDIEU et al., 1990, p. 14). Em outros termos, é sempre preciso rever a postura
durante o processo de pesquisa. Ter isso em mente me ajudou a manter um cuidado
constante em relação aos conceitos e técnicas utilizadas, buscando repensar as
etapas e os detalhes, sempre tendo em vista a aprimoração da análise construída.
Embora esta seja a postura mais adequada a qualquer pesquisador, ela se pôs à
minha experiência não apenas como uma premissa, mas também como uma
orientação que permeou as etapas da investigação que aqui apresento.
Feito este aparte, trataremos agora do objetivo deste trabalho. A ideia geral é
contribuir para um maior entendimento sobre como ocorre a música gravada por
grupos cujos fundamentos não se enquadram na dinâmica das grandes gravadoras
e seus mercados. Em outras palavras, procurou-se investigar o que escapou/
escapa à dinâmica da indústria fonográfica, tendo como foco as produções
desenvolvidas por punks na cidade de São Paulo. Como hipótese, sugere-se que,
para além de um sentido econômico, estas práticas estariam focadas nas redes de
sociabilidade, amizade e identidade, partilhadas punks paulistanos. O que se
comprovou, como veremos adiante, factível.
Estas produções se mostram exemplares por uma série de razões. Em
relação à problemática da música gravada, empiricamente, elas parecem não se
adequar aos modelos vigentes no mercado. Por outro lado, poucas pesquisas foram
realizadas sobre o tema. Por ser uma novidade o estudo sobre música gravada, os
pesquisadores que ao se debruçar sobre tal objeto, privilegiaram análises
sociológicas feitas sobre a grande indústria que se concentraram, basicamente, nos
polos ou eixos produtivos: as majors e os chamados indie (DE MARCHI, 2006a,
2006b; DIAS, 1997, 2005, 2008; VICENTE, 1996, 2002, 2014). Daí, sobressaíram
recortes feitos sobre o plano macroeconômico, o que os leva, em sua maioria, a
colocar no mesmo escaninho tanto as pequenas empresas chamadas de
9

independentes, quanto as majors. Assim, fica-se excluída as produções que chamo


de “do-it-yourself”.
Como bem ressalta Dias (2010), essas concepções parecem não abranger a
complexidade que envolve o plano da música gravada na atualidade, que sugere ser
mais complexo do que apenas uma vinculação aos ditames do mercado de bens
culturais. Isso porque são ações que praticamente passam despercebidas tanto pelo
grande público, quanto pela indústria da música, fixando-se em práticas autônomas,
muitas vezes financiadas e consumidas pelos próprios produtores. E é justamente
nisso que se instala a dificuldade, pois os papéis são múltiplos e fluídos. Os
produtores são ao mesmo tempo os consumidores, os empresários, os distribuidores
e os divulgadores de seus trabalhos.
Com isso, verifica-se que existem nichos de produção fonográfica que não
estão enquadradas dentro do mercado fonográfico das grandes gravadoras, nem
circunscritas ao espaço das gravadoras independentes; e tampouco foram objeto de
estudos acadêmicos até hoje (DIAS, 2010). Contudo, ao que indica, são mercados
que contam com redes de produção, distribuição, venda e consumo de música
gravada oferecida fora dos domínios das majors e das indies. Diante disso, qual
seria a especificidade desses mercados, já que sugerem não ter no lucro capitalista
o mediador principal das trocas efetuadas entre os indivíduos circunscritos a estes
meios?
A escolha do punk como referência empírica responde ao fato de que neste
meio existem vários elementos que podem apontar caminhos para se pensar sobre
esta lacuna no debate. Dentre estes, destacam-se dois. O primeiro elemento se dá
pela postura frente a música gravada. Assim como coloca Paula Guerra (2013), o
punk radicaliza a experiência dita independente, tendo como base a atitude do Do It
Yourself (DIY), isto é, do “Faça Você Mesmo”. Desse modo, o DIY seria o mote
identitário para que os punks elaborem canções, gravem-nas, divulguem-nas e
vendam-nas por eles mesmos, sem esperar por qualquer ajuda – seja de selos ou
de gravadoras, mantendo, assim, o controle sobre a sua própria produção (FRITH,
1982; HESMONDHALGH, 1999; MARCHI, 2006). Historicamente, o meio punk é de
modo particular rico em experiências de produção fonográfica, dentro e fora do
Brasil. Como veremos a diante há produções emblemáticas que atestam
sobejamente essa premissa.
10

Em segundo lugar, apesar de ser um grupo social com práticas culturais1


profícuas, foi pouco estudado no Brasil, sobretudo a sua produção musical. Fato que
parece curioso, dado a importância das contribuições desse grupo social enquanto
elemento de destaque daquilo que Renato Ortiz (1994) chama de cultura
internacional popular, verificada também no contexto brasileiro. Uma cultura que
surge, segundo o autor, na esteira de um processo de globalização (sistema
econômico e tecnológico) cada vez mais intenso. Sendo que este processo é
articulado com um mercado de bens materiais e culturais mundializados (processo
de circulação de bens culturais que ultrapassam as fronteiras entre o global ao
local). De todo modo, os trabalhos que se concentraram em estudar o punk no
Brasil, em termos gerais, estiveram preocupados em compreendê-lo como parte da
cultura juvenil urbana (ABRAMO, 1996; CAIAFA, 1985; GALLO, 2008).
Com efeito, o intuito da pesquisa foi compor um quadro em que o punk entra
como referência empírica de análise em suas peculiaridades gerais. Procurando,
assim, contribuir para o debate sobre a relação que estes grupos (isto é, aqueles
que ocupam uma posição dominada no campo das produções fonográficas) mantêm
com a indústria fonográfica na atualidade.
Tendo isso em vista, recorremos a algumas ideias propostas por Pierre
Bourdieu como maneira de captar a economia dos bens culturais – sobretudo a
música gravada – produzidos, distribuídos e consumidos por punks na cidade de
São Paulo. Com isso, temos como intuito abarcar “as condições em que são
produzidos os consumidores desses bens e seus gostos; e, ao mesmo tempo, para
descrever, por um lado, as diferentes obras de arte e, por outro, as condições
sociais da constituição do modo de apropriação [...]” (BOURDIEU, 2017, p. 9). Nesse
sentido, lançamos mão do corpus teórico desenvolvido pelo autor que contempla as
noções de capital, habitus e campo2 para abordar o presente objeto de estudo.
Buscamos, assim, articular os agentes, as suas orientações e interações, assim

1 Emprego o conceito de “práticas culturais” entendendo-as como “[...] o conjunto das atividades de
consumo ou de participação ligadas à vida intelectual e artística, que abrangem disposições estéticas
e participam da definição de estilos de vida: leitura, frequentação dos equipamentos culturais (teatros,
museus, salas de cinema, salas de concertos, etc.), utilizações das mídias audiovisuais, mas também
práticas culturais amadoras” (COULAGEON, 2014, p. 16).
2 Utilizaremos esta noção geral desenhada por Pierre Bourdieu, no entanto, focaremos em lidar sobre

a questão das fronteiras, trocas simbólicas e práticas culturais através do termo cena. Isto nos
permite uma maior liberdade conceitual, além de nos parecer mais adequado para tratar o presente
objeto de pesquisa.
11

como o plano de suas obras simbólicas e materiais nas suas variadas dimensões
(produção, distribuição e aquisição).
Procuramos utilizar essas noções de modo associado, dado que para o
próprio autor elas formam um tripé em que uma se liga à outra. A partir dessa visão,
pudemos compreender as ações voltadas em torno da produção e circulação da
música gravada por punks na cidade de São Paulo como um campo de interações
atrativas e repulsivas. Aqui, os agentes envolvidos dão vazão a um conjunto de
práticas sociais nas quais ao mesmo tempo em que os conforma em um mesmo
campo, também os coloca em oposição uns aos outros, em uma luta pelos capitais e
por distinção nesse espaço.
Ao se pesquisar sobre o tema da indústria cultural, torna-se quase impossível
não mencionar as contribuições da Escola de Frankfurt, especialmente de Theodor
Adorno e Max Horkheimer, apresentadas sobretudo no livro Dialética do
Esclarecimento (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). Há uma série de críticas feitas às
reflexões destes autores, principalmente sobre as limitações de suas visões, que
tendem a deixar de lado como os agentes sociais atuam frente à padronização. Mas,
apesar disso, é importante reter que muito do que diagnosticaram no campo das
produções culturais ainda se mantém. Principalmente ao denunciarem que a cultura
no ocidente estaria profundamente marcada por uma racionalidade instrumental,
expressa através da massificação de produtos feitos de maneira padronizada.
Independentemente do que se possa vir a conjecturar sobre o que pensaria Adorno
sobre a música punk, essa noção nos ajudou a pensar sobre como ela se apresenta,
desde a sua origem, para o conjunto da sociedade em termos estéticos. Se há algo
que se pode dizer com propriedade é que o punk rock mudou a cara da música pop,
direta e indiretamente. Dito de outra maneira, o punk rock, senão de maneira
duradoura, conseguiu alargar as compreensões sobre a produção musical, no seio
da sociedade ocidental - sobretudo no contexto da cultura pop.
Diante dos pressupostos teóricos apresentados, buscando atingir os objetivos
descritos, foi feita uma pesquisa qualitativa de caráter bibliográfico e empírico. O
material bibliográfico nos proporcionou, além de informações sobre o tema
estudado, a ampliação e aprofundamento sobre o plano teórico pertinente ao nosso
estudo. Em relação à pesquisa empírica, a ideia foi captar os diferentes significados
sobre a prática de gravação, produção e divulgação de música gravada de maneira
alternativa à lógica das gravadoras comerciais.
12

A bibliografia levantada para esta pesquisa ultrapassou o território das


ciências sociais. Foram consultados trabalhos de várias áreas do conhecimento,
como, por exemplo, a comunicação social, que nos trouxe estudos voltados ao tema
do cenário da indústria cultural e também da indústria fonográfica. A ênfase foi dada
aos trabalhos que apresentaram similaridade com o presente objeto de estudo, qual
seja, as produções de música gravada fora do circuito das empresas do ramo
fonográfico. Uma série de pesquisas e documentos históricos sobre o punk foram
consultados em bibliotecas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP); do Centro Cultural São Paulo (CCSP); da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas (FFLCH); e da Escola de Comunicação e Artes (ECA) – estas
últimas duas localizadas no campus de São Paulo da Universidade de São Paulo
(USP). Além disso, também consultamos acervos pessoais de membros da cena
punk paulistana. Por fim, somando-se a estas referências e acervos, utilizamos os
repositórios de produções acadêmicas disponíveis na rede, em plataformas como a
Scielo Brasil.
Tendo como referencial empírico as produções de músicas gravadas por
punks na cidade de São Paulo, a pesquisa foi realizada nesta cidade. No entanto,
apesar do recorte se dar em um eixo geográfico, os marcadores ultrapassam essas
fronteiras. Ou seja, privilegiou-se o horizonte simbólico partilhado pelos agentes
envolvidos nesse espaço, que não necessariamente estão localizados dentro da
cidade de São Paulo. Tomo aqui como referência a noção de espaço, desenvolvida
por Pierre Bourdieu (1996, p. 18-19), como um:

[...] conjunto de posições distintas e coexistentes, exteriores umas às


outras, definidas umas em relação às outras por sua exterioridade mútua e
por relações de proximidade, de vizinhança ou de distanciamento e,
também, por relações de ordem, como acima, abaixo e entre [...].

Além disso, como eixo temporal, foi estabelecido o período que se inicia em
1981 até 2019. Tal eixo visou abarcar as linhas de continuidade e de modificações
inseridas dentro do campo de produções de músicas gravadas pelo grupo aqui
tratado. Por um lado, podemos concordar que é de fato um lastro temporal
considerável (estamos falando de quase quarenta anos). Mas, por outro lado, como
se trata de uma produção de bens simbólicos de um grupo relativamente pequeno,
este eixo de tempo pôde ser trabalhado com relativa tranquilidade.
13

Nesses termos, foram entrevistados alguns dos agentes que colaboraram e


colaboram ativamente na elaboração, produção, gravação e difusão da música
gravada dentro desta cena desde o início, intentando associá-las às recentes
produções. Ao todo, foram contatados 30 agentes, sendo feitas 31 entrevistas, e
muitas conversas informais, das quais coletamos depoimentos voltados à
compreensão da cena. O objetivo foi anotar os discursos destes agentes sobre suas
práticas, através de questões semidiretas. Verificamos, posteriormente, o que se
repetia e o que se mostrava de singular, cruzando, ainda, com o levantamento de
dados numéricos. Este levantamento não se voltou a traçar um perfil
socioeconômico exaustivo dos entrevistados, mas a partir dos marcadores gênero,
idade e escolaridade feitos em todas elas nos aproximamos do que outros
pesquisadores já haviam demonstrado em suas pesquisas. Ou seja, o perfil social
aponta que os punks na capital paulista ainda hoje são formada por pessoas, na
maioria dos casos, do sexo masculino, oriundos das classes populares e moradores
de bairros periféricos, ocupando ainda hoje profissões operacionais que exigem
pouca escolaridade (ABRAMO, 1996; BIVAR, 2007; CAIAFA, 1985). A novidade é
que a cena parece ter envelhecido e se escolarizado mais também, há poucos
adolescentes na faixa dos 15 à 22 anos como notado por Antônio Bivar (2007) nos
anos 1980, envolvidos ativamente com o punk. Olhando a faixa etária dos
entrevistados isso fica claro: uma média entre 35 a 40 anos. Além disso, foi feito um
levantamento de álbuns do movimento produzidos até a atualidade, como já
mencionado anteriormente. Parte importante da pesquisa, o trabalho de campo, ou
seja, a observação participante, consistiu também na visitação aos locais de shows
para entender a relação entre artistas e público. Buscamos também verificar
algumas formas pelas quais é distribuída a música gravada por este grupo, como
também as redes de identidade e sociabilidade que ali se estabelecem. No que se
refere especificamente aos produtos fonográficos, como dito acima, foram realizadas
visitas a acervos pessoais e públicos, associado às pesquisas na internet que se
deram em duas frentes: 1) redes sociais (Facebook, YouTube, Band Camp,
principalmente); 2) sites que disponibilizam a historiografia das bandas e
discografias (buscas no website Discogs e Blogs de fãs e de bandas). Vale ressaltar
que no YouTube encontramos uma série trabalhos e canais, do qual destaco o canal
“Som Punk” de Kledeson. Segundo me informou em entrevista, ainda tem muito
material a ser disponibilizado (SILVA, 2019). Neste canal estão disponibilizados uma
14

grande quantidade de material sonoro produzidos por punks em todos os Estados


brasileiros. Por este canal realizamos muitas consultas a fim de conseguir descobrir
datas de lançamento, escutar a sonoridade do disco para classifica-lo, como tirar
alguma dúvidas sobre algum lançamento. Estes dados foram sistematizados em
uma tabela, onde catalogamos 880 produções de música gravada no eixo temporal
de 1981 até 2019, no espaço geográfico da cidade de São Paulo3. Através destas
informações foi possível delinear algumas linhas de força, tais como as práticas, as
aderências e as repulsas partilhadas entre os agentes dentro do campo.
Para efeito de organização dos capítulos, foi realizado primeiramente o
levantamento dos trabalhos que julgamos centrais para a discussão sobre indústria
fonográfica, e todo o debate que a faz um objeto de estudo da sociologia no Brasil.
Posteriormente, buscamos expor trabalhos igualmente relevantes que visaram
esboçar um entendimento sobre o punk, explorando sobretudo os elementos
identitários do grupo, que constituem uma estética e um gosto próprios. A ideia foi
montar um quadro geral, visando compor as relações de partilha de sentidos e de
organização das ações em torno da produção de música gravada por punks na
cidade de São Paulo.
No segundo capítulo, apostamos em recompor os elementos fundantes do
punk nesta cidade, ou seja, trazer à tona o que lhe é específico (elementos locais) e
o que toma como referência para as suas ações (global). Utilizamos o conceito de
mundialização como ferramenta para efetuar esse trabalho de levantamento de
significados partilhados. Isso nos ajudou a recompor esses elementos pelas
publicações de coletâneas que foram importantes como potencializadores para
novas gravações, dado que geraram parâmetros para novos empreendimentos.
Além disso, trouxemos alguns depoimentos de membros da cena paulistana de
modo a apresentar como esses produtos foram postos em circulação. Em suma,
neste capítulo tratamos da emergência e sedimentação dos capitais, do campo
(cena) através do plano histórico do desenvolvimento do punk em São Paulo. Ou
seja, procuramos compreender como se formou e como se desenvolveu o gosto
punk e a formação de um público.

3É possível que haja muitos mais produções fonográficas, porém, a dificuldade se instala justamente
em encontrar esses materiais (em muitos casos, nem os próprios membros das bandas possuem
esses registros). Inclusive, algumas vezes encontramos registros que determinadas bandas julgavam
perdidas.
15

Para o terceiro capítulo, reservamos um espaço para pensar sobre a


sedimentação da cena punk paulistana, assim como os desdobramentos e fricções
que surgiram com esse processo. Falaremos no capítulo mais detidamente sobre
sobre o Do It Yourself. A discussão, assim, focou como essa ética de grupo foi
sendo utilizada e internalizada entre os punks paulistanos. Ali demonstramos as
contribuições realizadas pelos anarcopunks, aos quais através de suas ações
tensionaram as linhas de força, resultando daí ações mais radicais e focadas no
DIY. Foi alvo de nossa atenção também a relação entre punks e as sonoridades
brasilianas. A ideia é demonstrar que ao mesmo tempo em que o punk forneceu
elementos para a renovação da chamada MPB, sendo absorvido apenas pela sua
música, mas não pelas suas práticas culturais e ética DIY.
No quarto e último capítulo, buscamos ampliar a discussão sobre a música
gravada por punks, dando maiores detalhes sobre as obras, o que inclui todo o
plano estético e conceptivo das obras: capas, letras. Alguns padrões foram
verificados e analisados a partir dos números levantados durante a pesquisa e
elementos que surgiram a partir da pesquisa que incidem diretamente na sonoridade
e na música gravada.
16

CAPÍTULO 1 - INDÚSTRIA CULTURAL, MÚSICA GRAVADA, O PUNK E SUA


EXPERIÊNCIA RADICAL

Também quero comer chocolate


chocolate não é só pra burguês!
(Excomungados, Chocolate)

Quando falamos sobre indústria fonográfica, facilmente nos vem à mente


nomes de empresas como Warner, Sony ou de artistas consagrados, como grandes
expoentes de vendas do quilate de Michael Jackson (em termos internacionais) e/ou
Roberto Carlos (no caso nacional). Em grande medida, esses agentes sociais
povoam o imaginário devido ao impulso com que a indústria cultural os colocou em
circulação: a sua imagem e a sua música. A música elaborada ou apenas
interpretada pelos artistas nos remete às suas imagens e vice-versa. A música como
registro sonoro traz em si uma série de significações que ultrapassam as questões
meramente mercadológicas, ela preenche outros espaços ocupados pelas
significações. Nesse emaranhado de elementos, caberia perguntar o que viria
especificamente a ser música gravada, como ela se desenvolve e se transforma em
um padrão. A primeira coisa que poderíamos dizer a respeito é que a música
gravada guarda em si algumas peculiaridades que remetem tanto para aspectos
técnicos, quanto econômicos e simbólicos.

1.1 Indústria Cultural e a teoria de Pierre Bourdieu, algumas aproximações

Não é novidade a influência do pensamento de Max Weber tanto nos


trabalhos de Adorno e Horkheimer, quanto nos de Pierre Bourdieu. Sob alguns de
seus construtos (tais como racionalidade, dominação, legitimidade, ethos), estes
autores elaboraram importantes concepções que nos ajudam a tratar de temas tão
importantes quanto os destinos das suas produções e práticas culturais4.
No livro Os Fundamentos Racionais e Sociológicos da Música, publicado
postumamente, Weber (1995) mostra que a música, assim como se apresenta na

4Mas não temos a intenção de aprofundar os conceitos ou as influências de Weber nestes autores,
apenas serão sublinhados alguns pontos que julgamos fundamentais para a presente discussão.
17

sociedade moderna capitalista, é oriunda do racionalismo ocidental enquanto força


que perpassa todas as esferas da vida. Com isso, o autor nos ajuda a perceber que
se trata de verificar que a música se desenvolve como produto da racionalidade
técnica e também da autonomia experimentada pela arte livre das influências
religiosas. Incidindo, ainda nesse contexto, no capitalismo enquanto lógica
econômica composta pelo cálculo monetário, na administração das etapas de
produção, difusão e venda de mercadorias. Portanto, nesses termos, trata-se de
conceber a música gravada como fruto da racionalidade da cultura, suportada pela
técnica, pela arte autônoma e pelo capitalismo. O que, por conseguinte, possibilita-
nos vislumbrá-la como um produto do nosso tempo que se distende em um
encadeamento de longa duração (WEBER, 1995).
Quando reflete sobre o mercado de bens simbólicos, Pierre Bourdieu (1996,
p. 161) nos ajuda a pensar sobre esse ponto, mostrando-nos que produtos como a
música se apresentam como “realidades de dupla face, mercadorias e significações,
cujo valor propriamente simbólico e o valor mercantil permanecem relativamente
independentes”. Isto é, o aspecto mercantil e a ordem das significações mantêm
uma certa distinção entre si: são valorações de ordens distintas, mas que são
homólogas. No entanto, apesar de assumirmos desde já a utilização do arcabouço
teórico elaborado por Bourdieu (e antes mesmo de entrar diretamente no plano
histórico de desenvolvimento da indústria fonográfica), é também importante
abordarmos as contribuições de Adorno e Horkheimer. Sobretudo no que tange ao
conceito de indústria cultural, verificando como podemos refletir sobre a música
gravada. Consideramos que, dada as especificidades das visões sobre o assunto,
tanto as ideias dos frankfurtianos, quanto a teoria bourdieusiana nos possibilitam
abordar e tratar o assunto “música gravada” de maneira adequada.
O conceito de indústria cultural, desenvolvido por Theodor W. Adorno e Max
Horkheimer (1985) no célebre livro Dialética do Esclarecimento, apresenta uma série
de considerações a respeito do que se concebe como um desdobramento do
capitalismo avançado. A abordagem adotada pelos frankfurtianos visa, em última
instância, compreender o capitalismo enquanto sistema calcado no uso da
racionalidade técnica e instrumental. Nesta racionalidade, há o intuito de elaborar,
para além de uma série de mercadorias culturais, um sistema em que as
subjetividades são afetadas por um modo particular de organização mental que
invade até mesmo o tempo livre, possibilitando e reforçando a dominação pelo
18

capital. Dito de outro modo, esta seria uma cultura industrializada que surge com o
avanço do capitalismo no ocidente, configurando-se como uma potência que passa
a agir no modo como os indivíduos constroem e partilham as suas subjetividades na
sociedade. É no bojo desse fenômeno que a música gravada se insere. Vejamos
como os autores nos ajudam a pensá-la enquanto mercadoria. Assim, tratemos de
refletir sobre o conceito de indústria cultural e o que ele pode nos proporcionar para
então seguirmos em nossa reflexão.
Nas primeiras quatro décadas do século XX, mantendo os olhos abertos e
focalizados nas mediações que a indústria de bens culturais passava a desenvolver
no ocidente, Theodor Adorno e Max Horkheimer propuseram algumas ideias que
nos ajudam a compreender o desenvolvimento da música gravada. Não temos a
intenção de seguir exaustivamente as ideias dos filósofos frankfurtianos, mas
apenas de retirar alguns elementos da concepção de indústria cultural, a fim de
pensarmos de maneira mais adequada o fenômeno da música gravada e como ela
se desenvolveu.
Em primeiro lugar, no sentido de pensar as individualidades, a indústria
cultural seria, para os autores, a mediação que garante a produção do
comportamento de consumidor. Por meio de seus produtos, os processos de
socialização seriam modificados a tal ponto que se transformariam no centro
gravitacional da formação das individualidades. Nesse caso, mantendo esta
centralidade, e, em última instância, garantindo o comportamento de consumidor, a
indústria cultural não atende às necessidades deste consumidor. Isso porque ela
não lhe dá garantias de que o seu consumo se dê de maneira livre. Para Adorno e
Horkheimer, é patente que a ideia de que as esferas sociais apontadas por Weber
como sendo cada vez mais autônomas não se confirmaria. Na visão dos autores
estaria ocorrendo o contrário: ao invés de se desenvolver diversidade nas esferas
sociais, estaria predominando o princípio de identidade. Esse princípio, de maneira
geral, agiria como a lógica pela qual seriam produzidos os produtos culturais:
mesmo diversos em sua aparência, estas mercadorias teriam em si elementos que
as ligariam entre si. Isso causaria o efeito não de choque ou afastamento, mas de
adesão direta pelo reconhecimento. Isto é, pelo fato de já pressupor a diversificação,
a indústria cultural construiria os seus públicos já os cooptando de antemão. Nesse
sentido, a discussão de o que é arte ou não é vista apenas como um caso de
constituição de públicos diversos. Dito de outra maneira, a indústria cultural precisa
19

criar um público de consumidores. Isto porque ela é, antes de mais nada, um


negócio altamente lucrativo que tem como base a disputa de mercado. Dentro desse
raciocínio, a indústria cultural levaria tão somente a comportamentos passivos, pois
elimina qualquer ação de rebeldia. O consumo é entendido pelos frankfurtianos
como uma ação que não exige esforço, e é nesse sentido que eles apontam que o
que a indústria cultural faz de melhor é administrar o desencanto com o mundo
(ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 115-116).
Acompanhando esse olhar, pela identificação com os produtos e não com os
outros consumidores, aqueles indivíduos que buscam os produtos da indústria
cultural procuram o conforto de se “sentirem em casa”. Mas sem fazer parte de um
coletivo de indivíduos autônomos, livres para desenvolver as suas subjetividades.
Os produtos têm sua forma vinculada ao esquematismo, aos clichês, aos
estereótipos: “Apesar de todo o progresso da técnica de representação, das regras e
das especialidades, apesar de toda a atividade trepidante, o pão com que a indústria
cultural alimenta os homens continua a ser a pedra da estereotipia” (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p. 123). Daí a necessidade de que as mercadorias culturais
tenham que passar pelo filtro da indústria, em que tudo tem de se reduzir à mesma
coisa, como maneira de se afastar o risco. O estilo passa a ser reduzido à falta de
estilo, ao contrário do que os filósofos concebem como arte, que tem no estilo
justamente a mediação que produz tensão entre a vida cotidiana e a forma espiritual
da expressão. Em outras palavras, para os autores, na indústria cultural o estilo
nega o próprio estilo, pois o foco não está na forma, mas em como aparentar
semelhança em tudo. A noção de cultura industrializada é entendida como a
negação da obra de arte. Todas as diferentes formas de arte têm que passar pelo
mesmo filtro, transformando-se em cultura massificada. Portanto, se processa uma
inversão, a forma toma o lugar do conteúdo, fazendo com que seja apresentada
como a verdadeira e única maneira de se elaborar cultura. Tudo o que foge a esse
princípio passa a ser visto como desviante e fora do lugar.
Os autores vão ainda mais longe e denunciam que a indústria cultural tem
como objetivo principal não o de produzir arte, mas somente entretenimento, visto
por eles pelo aspecto do escapismo às agruras da vida laboral. Ou seja, como
diversão voltada a escapar à mecanização do trabalho que leva ao reconhecimento
apenas daquilo que remete ao processo de trabalho. Isso, de acordo com o ponto de
vista dos autores, levaria à desmobilização política e à falta de percepção da
20

situação de classe. Portanto, os produtos da indústria cultural se caracterizam por:


1) serem produzidos em série, dentro de uma determinada fórmula para o consumo
em massa; 2) estarem voltados ao entretenimento/diversão; 3) levarem à
desmobilização e à falsa noção de liberdade de escolha, dado que não deixam
espaço para que a reflexão possa surgir; e, com isso, 4) alienarem cada vez mais
os consumidores. Enfim, estes produtos expressam a fusão entre um processo de
socialização mediado massivamente pelo crivo da cultura de massa e o avanço do
capitalismo.
A oligopolização inerente a esse avanço do sistema capitalista gera
padronização, e este processo leva a uma atitude de desmobilização, ou se
preferirem, de passividade. Esse ponto é interessante, pois alguns autores dirão, ao
contrário de Adorno e Horkheimer, que há criação no ato da recepção, pois para
cada um o produto terá uma leitura distinta. Contudo, o que interessa reter aqui é
que, para Adorno e Horkheimer, o que importa não é o que o consumidor faz com o
que consome, mas o fato de que pessoas distintas consumiram o mesmo produto. E
eles insistem nesse aspecto, levando-nos a perceber que não é suficiente verificar
que os consumidores atuam conscientemente frente aos produtos padronizados. É
necessário, antes, enfrentar o fato de que os consumidores só o fazem após a sua
“escolha” ter sido realizada por outrem, o que denota um processo de dominação
anterior ao ato de escolha racional. Em suas palavras:

Os interessados inclinam-se a dar uma explicação tecnológica da indústria


cultural. O fato de que milhões de pessoas participam dessa indústria
imporia métodos de reprodução que, por sua vez, tornam inevitável a
disseminação de bens padronizados para a satisfação de necessidades
iguais. O contraste técnico entre poucos centros de produção e uma
recepção dispersa condicionaria a organização e o planejamento pela
direção. Os padrões teriam resultado originariamente das necessidades dos
consumidores: eis por que são aceitos sem resistência. De fato, o que o
explica é o círculo da manipulação e da necessidade retroativa, no qual a
unidade do sistema se torna cada vez mais coesa. O que não se diz é que o
terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder
que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A
racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. Ela é o
caráter compulsivo da sociedade alienada de si mesma (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p. 100).

O fato de se poder escolher não revela o que estaria por trás do que
realmente ocorre: a manutenção da ordem hierárquica sustentada pelas posses de
bens materiais. Quem dá as cartas continua sendo o mesmo grupo social que se
21

mantém no comando em outros ramos da indústria. Se é lançada mão da


racionalidade, só se o faz pela possibilidade de dominar e impor uma maneira de ver
o mundo, de senti-lo e de desfrutá-lo. Poderíamos até dizer que esse processo foi
cada vez mais radicalizado. Em outra passagem, os autores deixam isso mais claro.

Por enquanto, a técnica da indústria cultural levou apenas à padronização e


à produção em série, sacrificando o que fazia a diferença entre a lógica da
obra e a do sistema social. Isso, porém, não deve ser atribuído a uma lei
evolutiva da técnica enquanto tal, mas à sua função na economia atual. A
necessidade que talvez pudesse escapar ao controle central já é recalcada
pelo controle da consciência individual. A passagem do telefone ao rádio
separou claramente os papéis. Liberal, o telefone permitia que os
participantes ainda desempenhassem o papel do sujeito. Democrático, o
rádio transforma-os a todos igualmente em ouvintes, para entregá-los
autoritariamente aos programas, iguais uns aos outros, das diferentes
estações. Não se desenvolveu qualquer dispositivo de réplica e as
emissões privadas são submetidas ao controle. Elas limitam-se ao domínio
apócrifo dos “amadores”, que ainda por cima são organizados de cima para
baixo (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 100).

Como se pode ler, para estes filósofos alemães, os avanços tecnológicos, no


que tange à comunicação, foram aprimorados para gerar cada vez mais lucro e
minar o espaço para livre manifestação dos consumidores. Para que se pudesse
agir de maneira equilibrada, seria necessário que os indivíduos pudessem não
somente ter voz, mas desenvolvessem efetivamente as suas subjetividades. Aqui,
caberia perguntar se hoje esse processo teria se alterado. Isso porque as
tecnologias da informação e comunicação avançaram a tal ponto que é possível nos
manifestarmos ao vivo em programas; escolhermos quais filmes queremos ver, no
horário e no local que mais nos for aprazível; podemos, ainda, conversar
instantaneamente por mensagem de texto, áudio ou vídeo, garantindo a
interatividade sem pausas. Enfim, as possibilidades de receber informações, assim
como de emiti-las, são gigantescas.
Seguindo a trilha deixada pelos autores, poderíamos dizer que mesmo
considerando que há de fato um maior protagonismo dos indivíduos, podemos notar
que a tecnologia da comunicação avançou, mas a promessa de emancipação dos
sujeitos não se concretizou. Pelo contrário, podemos notar que hoje (como veremos
mais adiante) há uma maior e mais acentuada oligopolização. Empresas como The
Walt Disney Company, Time Warner, 21 Century Fox, CBS, Viacom são exemplos
de sucesso de conglomerados de mídia que contêm em si várias fusões e
aquisições ocorridas ao longo de algumas décadas. Se considerarmos o espectro
22

midiático – como as empresas de tecnologia como Facebook, Google e Amazon,


que fornecem uma gama de produtos e serviços voltados para o consumo, lazer e
cultura nas redes sociais – teremos a confirmação daquilo que Adorno e Horkheimer
apontaram na década de 1940.
O fluxo de informações e de entretenimento cresceu vertiginosamente, é
verdade, mas com ele também a dependência da tecnologia. Ao se tornarem cada
vez mais “democráticos”, os meios favorecem o espaço para que o fluxo de
comunicações possa surgir. Contudo, “o logro” está no fato de que, ao mesmo
tempo em que os usuários das redes geram conteúdos diversos, eles dão às
empresas, como o Facebook, dados pessoais. Ou seja, eles se ficam expostos a
todo tipo de propaganda direcionada seletivamente para o seu perfil de consumo.
Esses dados são, em si, produtos valiosos, comercializados em larga escala, mas
sempre negado por estas empresas5. Nesse sentido, a promessa de interligar
pessoas dá lugar a um plano distópico de controle e manipulação do público, que
acessaria “gratuitamente” essas plataformas digitais sem se dar conta de que está
sob observação contínua.
Assim, mesmo que haja uma crítica à atuação dessas empresas, sendo algo
de conhecimento público, isso não faz com que os indivíduos se afastem delas. Em
parte porque tal crítica circula dentro de um espaço reservado a ela, encapsulada na
própria rede social. Com isso, as suas várias versões geram camadas de informação
sobre o fato inicial, o que acaba abafando a denúncia ou dissimulando-a, retirando o
seu potencial. Nesse sentido, podemos dizer que o que Adorno e Horkheimer
apontaram na longínqua década de 1940, em linhas gerais, permanece. Poderíamos

5 O caso de maior repercussão de uso sistemático dessa prática ocorreu em relação à última eleição
presidencial dos Estados Unidos. A empresa inglesa Cambridge Analytica, especializada em análise
de dados voltados para campanhas eleitorais, foi contratada por Steve Bannon, então chefe de
campanha do candidato republicano Donald Trump. A empresa utilizou o Facebook para coletar
dados de milhões de usuários, com intuito de moldar a opinião pública. A atuação da empresa foi
determinante para a estratégia vitoriosa de Trump, dado o seu caráter agressivo de impulsionar
notícias falsas, moldadas especificamente para os perfis coletados. O programador Christopher Wylie
foi quem revelou o esquema e as intenções de Bannon, quando este o contratou para atuar frente
aos dados coletados no Facebook. Wylie afirmou em entrevista ao jornal britânico The Guardian que
"Ele [Bannon] queria armas culturais e nós podíamos construí-las para ele". O fato ficou marcado
como um escândalo e gerou forte comoção, ao ponto da Cambridge Analytica ser responsabilizada e
de Mark Zuckerberg (fundador e vice-diretor executivo do Facebook) ter de prestar esclarecimentos
ao Senado estadunidense. O caso foi amplamente coberto pela imprensa mundial, transformando-se
também em documentário lançado em 2019 pela empresa de streaming Netflix, chamado
“Privacidade hackeada”. Sobre isso, cf. o artigo “O uso ilegal de dados do Facebook pela Cambridge
Analytica. E o que há de novo”, de Murilo Roncolato. Disponível em:
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/03/19/O-uso-ilegal-de-dados-do-Facebook-pela-
Cambridge-Analytica.-E-o-que-h%C3%A1-de-novo.
23

dizer com certa convicção que o que a indústria cultural realiza, como dito
anteriormente, é a administração das dissonâncias; ou melhor, das crises que ela
mesma gera. A própria crítica à indústria cultural é absorvida pela indústria, que
canaliza e transforma a crítica em produto (SAFATLE, 2009).
O que se torna patente é o fato de que o sistema produtivo não é alterado.
Isso quer dizer que, sendo a representação do capitalismo, a indústria cultural se
instala não nos produtos em si, mas no modo como são produzidos. Trata-se, como
já mencionado, de um sistema que penetra as subjetividades via socialização, o que
é potencializado pelos meios de comunicação. Isso quer dizer que na base material
da sociedade moderna o capitalismo avança com a dominação sobretudo pela
cultura. Assim, ao se mostrar dessa maneira, as resistências a ela só poderiam vir
das subjetividades. Mas, como estas também são capturadas e formatadas,
confirma-se uma vez mais o predomínio do capitalismo como mediador das relações
sociais. Assim não seria exagero dizer que:

A indústria cultural não é ideológica unicamente porque afirma


positivamente o real. Além de seu impacto enquanto sistema, seu caráter
dominador reside também em sua participação no processo de reprodução
do capital, autovalorização do valor, ao solapar aquilo que lhe oferece
resistência: a subjetividade. Se considerarmos que a espontaneidade é um
elemento fundamental para a práxis política, ao fazer dos indivíduos um
meio de reprodução do capital, quebrando a resistência subjetiva e gerando
adaptação, a indústria cultural torna-se uma das peças-chave da
compreensão do capitalismo atual e, na época de Adorno, do processo de
integração do proletariado (TORRE, 2019, p. 528).

Torre (2019) nos remete a refletir sobre o mal-entendido que é feito a partir de
uma interpretação que aposta somente na crítica de Adorno como crítica à
mercantilização da cultura. Na verdade, o importante é perceber que este filósofo
alemão mantinha a sua preocupação em refletir sobre as contradições existentes
nas relações sociais. Nestas, a noção de mercadoria cultural é um interessante
exemplo de desdobramento que apresenta a contradição básica (valor de uso e
valor de troca), pois nele se encontram a naturalização e reificação das relações
sociais. Compreender o conceito dessa forma nos aproxima de Karl Marx, o que nos
ajudaria a entender que as contradições existentes entre sujeito e objeto, que se
apresentam invertidas, não são superadas pela forma mercadoria. Nas palavras da
autora:
24

Nesse sentido, o conceito de forma em Marx se refere à maneira


intrinsecamente antagônica por meio das quais as relações sociais no
capitalismo se desenvolvem sem se resolver, já que isso implicaria a própria
superação dessa sociedade. Ou seja, as formas que se seguem são
tentativas sem sucesso de se resolver aquela primeira contradição. Sendo
assim, embora haja de fato um processo de dominação transportado pela
indústria cultural, não se trata apenas de argumentar que os indivíduos se
tornam meramente seus objetos, mas, ao contrário, que a inversão entre
sujeito e objeto está presente na indústria cultural como um desdobramento
do fetichismo do capital que faz com que a estrutura de sua subjetividade
seja determinada pelo processo de reificação: crítica dialética da cultura,
portanto, e não crítica cultural…(TORRE, 2019, p. 534).

Nesse sentido, o que nos interessa reter da crítica dialética da cultura de


Theodor Adorno e Max Horkheimer, para pensar a música gravada, é que estamos
lidando com um produto que se desenvolveu enquanto tal sob a marca do sistema
que o concebeu. Por conseguinte, interessa-nos compreender que este produto
carrega contradições que, consideradas dialeticamente, ainda não foram superadas.
Dito de outro modo, a crítica feita pelos frankfurtianos nos possibilita perceber como
a cultura contemporânea se apresenta e por que ela não se desenvolve enquanto
poder emancipatório. Vale ressaltar que o momento percebido pelos filósofos
alemães é o da passagem do capitalismo liberal para um “capitalismo administrado”.
Este, controlado politicamente de fora, age de maneira burocrática, ou, nos termos
utilizados pelos autores, de modo instrumental. Isso desvela uma administração que
se pauta pela racionalidade como fim e, por estes termos, restringe os meios para
que venha à lume a construção da emancipação social – tal como era vislumbrado
no projeto iluminista que pautou as fases anteriores do capitalismo: “No capitalismo
administrado, a razão se vê reduzida a uma capacidade de adaptação a fins
previamente dados de calcular os melhores meios para alcançar fins que lhe são
estranhos” (NOBRE, 2004, p. 50-51).
Essa caracterização nos ajuda a perceber pontos importantes sobre o debate
relativo à produção de música gravada ao longo do tempo. A perspectiva de uma
indústria cultural é vislumbrada a partir do caráter de mercadoria vinculada a
economia monetária, estabelecida através do lucro capitalista. Nesse sentido, falar
sobre música gravada é apontar para o seu caráter de mercadoria, tal como definiu
Theodor Adorno e Max Horkheimer. Ou seja, como um bem que é suscetível à
lógica da mais valia, que, congregando uma racionalidade técnica necessária em
sua produção, volta-se para o lucro capitalista. Daí a necessidade de organização de
todo um aparato de controle das etapas da produção, difusão, distribuição e venda
25

da música. No entanto, inúmeros autores já demonstraram a importância de


considerar a esfera do consumo. Dentre as diversas abordagens, optamos pela
concepção de Pierre Bourdieu.
De saída, temos alguns pontos de congruência com as ideias dos filósofos
frankfurtianos, como salienta bem a pesquisadora Maria da Graça Jacintho Setton
(2001, p. 27):

São eles: a dinâmica ideológica e manipuladora da técnica e da mensagem


veiculada pela mídia; a indústria cultural como um sistema integrado e
coerente de produção de bens espirituais; a perda da autonomia dos
produtores e consumidores culturais; e a transformação dos bens culturais
em mercadorias, portanto, seu caráter homogeneizado e totalizador.

Como a autora nos mostra, há aproximações entre as ideias dos autores


quando estes se voltam a refletir sobre a dinâmica que rege os bens culturais como
mercadorias. Tomemos como exemplo o nosso objeto de estudo, a música gravada.
Esta se insere dentro da lógica que configura o mercado de bens simbólicos, tendo,
assim, um duplo caráter: são mercadorias e significações (BOURDIEU, 2015, p.
102). Isso porque carregam em si conteúdos econômicos e identitários. Os
conteúdos econômicos, próprios das mercadorias, carregam em si um sentido que é
de se apresentarem como itens a circular, com a finalidade de obtenção de lucro
advindo da sua venda. Portanto, a sua circulação está dada pelo valor agregado à
sua produção e pelo valor que garante a mais-valia. Por outro lado, eles contêm em
si significações que se vinculam ao processo identitário, partilhado por uma gama de
agentes sociais envolvidos na elaboração, na produção, venda e consumo desses
bens.
Em particular, é importante para compor essa trama atores que foram
pensados pela Escola de Frankfurt como totalmente passivos e manipulados: os
consumidores. Os consumidores são parte integrante e ativa nesse processo, mas
não porque, como justificam os produtores (e, muitas vezes, os próprios artistas),
“eles fazem o que público gosta”. De acordo com Setton (2001), para Bourdieu, há
toda uma complexidade que não abriga a concepção de homogeneização como fato
inevitável, sendo pensada por ele com maior cautela. Isso porque, na concepção
sistêmica desenvolvida pelo sociólogo francês, o que predomina é o
estabelecimento de uma ordem calcada em uma hierarquia social. Nesta, as
relações materiais e simbólicas são determinadas pelo acesso ou pela restrição ao
26

poder e ao privilégio. Assim, os recursos são desigualmente distribuídos, tornando-


se objetos de disputa e concorrência. O acúmulo ou a falta desses recursos,
chamados pelo autor de capitais (que podem ser econômicos, culturais, sociais ou
simbólicos), determinam a posição ocupada por um determinado agente no espaço
social.
Diante disso, para estudar as relações estabelecidas neste espaço, é preciso
observar como os agentes acessam tais recursos. Em função disso, seria possível
compreender a realidade como “segundo a lógica da diferença” (SETTON, 2001, p.
32). Assim, é preciso notar que “o espaço social funciona como um espaço dotado
de sentido e formado por estilos de vida variados e seus respectivos grupos de
status” (SETTON, 2001, p. 32). Nele, estabelece-se uma distribuição desigual dos
capitais que denotam as tomadas de posição e ação diversas, assim como o
estabelecimento de interesses coletivos distintivos. Esses distanciamentos e
aproximações são compreendidos por Bourdieu através do conceito de habitus, o
qual, enquanto princípio, orienta e unifica as práticas.

Ou seja, Bourdieu considera que as atividades e representações do agente


social são explicadas por meio de um conjunto de disposições, éticas e
estéticas, que expressam, na forma de sistemas de preferências culturais,
as divisões derivadas da estrutura de distribuição das diferentes formas de
capital. [...] Desta forma, não é possível conceber, dentro do edifício teórico
de Bourdieu, a ideia de um consumo uniforme e generalizado para todos os
grupos sociais. As diferenças de origem social, mais especificamente as
diferenças de capital cultural acumuladas nas trajetórias dos grupos e dos
indivíduos impedem a homogeneização das consciências (SETTON, 2001,
p. 31-32).

O que a autora nos mostra é que há uma complexidade que envolve os


agentes sociais e suas práticas. Os dois construtos teóricos propostos por Bourdieu
para compreender melhor a questão, habitus e capital cultural, possibilitam
compreender que o consumo de bens culturais não se dá apenas como imposição
da indústria cultural. Na verdade, este consumo se dá também dentro de um
horizonte de escolhas mediadas pelas disposições geradas pelas instituições. Estas
são absorvidas pelos indivíduos de maneira duradoura, de tal forma que influenciam
nas suas escolhas e ações. Poderíamos dizer, com isso, que habitus é um princípio
gerador de condutas que nos ajuda a refletir sobre as práticas culturais, mas não é
em si somente o que explica a ação. Há outros fatores que escapam ao habitus e
apontam para outros caminhos, já que não se trata de um destino social, mas de
27

disposições que podem se moldar em conformidade com as situações vivenciadas


pelos indivíduos em suas vidas. Para o que estamos refletindo aqui, estas noções
apresentadas nos ajudam a perceber como determinados gêneros musicais são
mais acessados do que outros, como os indivíduos agem frente aos bens culturais e
como produzem os seus próprios bens culturais. Isto é, elas nos ajudam a perceber
a dinâmica do gosto partilhado por determinados indivíduos e grupos.
Para Bourdieu, as disputas por distinção dentro do espaço social se
concentram em campos de poder. Dentro destes há “troféus” (leia-se capitais) que
garantem o destaque dos que alcançam tais prêmios. Nesse sentido, há diversos
capitais possíveis, a depender da quantidade de campos de força existentes na
sociedade. O acúmulo de capitais dentro de um determinado campo configura
também a posição ocupada pelos agentes. Entretanto, há de se pontuar que é
necessário olhar para quais capitais estão sendo disputados dentro do campo
analisado. Isso porque a depender da realidade social, como no caso da música
gravada, os capitais em disputa variam entre: 1) econômicos, em relação às
instituições como gravadoras; 2) e culturais, entre os produtores autônomos, artistas
e os consumidores. Haveria, assim, camadas de interações que não podem ser
homogeneizadas, pois apresentam ordenamentos distintos, mesmo que partilhem
uma homologia.
Um uso interessante das noções propostas por Bourdieu foi acionado por
Sarah Thornton (1996), que as utilizou como ferramentas de análise de cenas
musicais quando estudou a cena clubber britânica dos anos 1980. A autora nos
apresenta um quadro em que as competências sociais são também adquiridas
através do consumo de música gravada, transformando-se em disposição e marcas
de distinção. O que leva a separar aqueles que fazem parte da cultura clubber e os
que não participam desse jogo social. Nas palavras da autora:

Culturas de clubes são culturas de gosto. Os frequentadores de clubes


geralmente se reúnem com base no gosto compartilhado pela música, no
consumo de mídias comuns e, mais importante, na preferência por pessoas
com gostos semelhantes. Participar da cultura do clube cria, por sua vez,
outras afinidades, socializando os participantes em um conhecimento (e
freqüentemente uma crença) dos gostos e aversões, significados e valores
da cultura. Clubes e raves, portanto, abrigam comunidades ad hoc com
limites fluidos que podem se unir e se dissolver em um único verão ou
perdurar por alguns anos. Fundamentalmente, as culturas de clubes adotam
suas próprias hierarquias do que é autêntico e legítimo na cultura popular -
28

uma compreensão incorporada que pode fazer com que alguém se sinta
"descolado" (THORNTON, 1996, p. 3-4).6

Portanto, como aponta a autora, o gosto é um elemento de distinção que, por


sua vez, revela o processo de hierarquia que estrutura as posições no espaço social
analisado por ela. Mas não somente isso. O consumo de música eletrônica se dá
também como meio socializador, o que favorece a influência direta na formação das
subjetividades dos sujeitos envolvidos na cena. Vemos no relato da autora a
demonstração de que os indivíduos podem habitar espaços sociais e consumir
determinados produtos. No entanto, podemos perceber que estes espaços e os
bens simbólicos também habitam os indivíduos. Em outras palavras, trata-se da
incorporação do capital cultural. Assim, se a indústria cultural influencia a formação
de subjetividades, tal como defende Adorno e Horkheimer, o espaço para que os
indivíduos desenvolvam autonomamente as suas próprias subjetividades é
diminuído, mas não suprimido. Há, nesse sentido, um intercâmbio entre indivíduos e
sociedade que pode não ser enxergado, mas é sentido e reproduzido. Isto é, essa
relação se dá não pela uniformização das condutas, como nos apresentam os
frankfurtianos, mas pela partilha de uma linguagem que une e separa ao mesmo
tempo os indivíduos dentro de um determinado campo.
Desta maneira, pensar a questão da indústria cultural também como “uma
língua comum” nos possibilita compreender como ela é acessada a partir de quem a
emite e utiliza. As empresas do ramo fonográfico, os pequenos e médios selos, os
artistas, os consumidores e aqueles que povoam as margens, são falantes deste
idioma, mas o acessam de modos diferentes. Com isso, se os papéis
desempenhados pelos vários atores sociais espalhados dentro dessa rede de
significações são mediados pelo capitalismo (enquanto força organizadora das
mercadorias, que age como linguagem), de maneira igual, podemos dizer que os
atores envolvidos com a indústria cultural mantêm relações desiguais com esta.

6 Traduzido livremente do original “Club cultures: music, media and subcultural capital.” Hanover:
Wesleyan University Press, 1996 (p. 3-4): “Club cultures are taste cultures. Club crowds generally
congregate on the basis of their shared taste in music, their consumption of common media and, most
importantly, their preference for people with similar tastes to themselves. Taking part in club cultures
builds, in turn, further affinities, socializing participants into a knowledge of (and frequently a belief in)
the likes and dislikes, meanings and values of the culture. Clubs and raves, therefore, house ad hoc
communities with fluid boundaries which may come together and dissolve in a single summer or
endure for a few years. Crucially, club cultures embrace their own hierarchies of what is authentic and
legitimate in popular culture – embodied understanding of which can make one ‘hip’.
29

Como visto, o que buscamos realizar foi tratar a noção de indústria cultural
não de modo a esgotá-la, mas buscando retirar o que pensamos ser importante para
nos orientar. Assim, tratando a questão em Adorno e Horkheimer, a indústria cultural
nos remete à dominação ideológica e à manipulação para controlar o que o público
consumidor irá adquirir. Ela constrange o que o público deverá escolher, mas
sempre mascarando essa escolha com o discurso de que quem faz a opção é
sempre este público. Contudo, acreditamos que não é possível apontar que há uma
homogeneização do consumo, dependendo do habitus dos indivíduos o seu
consumo será orientado de maneiras diversas. Isso nos leva a outras noções, como
capital cultural e campo, elaboradas por Pierre Bourdieu que, em conjunto, nos
ajudam a perceber a questão da música gravada como um fenômeno não somente
da ordem econômica monetária, mas também de uma ordem econômica simbólica.
Como aponta o autor:

(...) o consumo de bens pressupõe - sem dúvida, sempre em graus


diferentes segundo os bens e os consumidores - um trabalho de
apropriação; ou, mais exatamente, que o consumidor contribui para produzir
o produto que ele consome mediante a um trabalho de identificação e
decifração que, no caso da obra de arte, pode constituir a totalidade do
consumo e das satisfações que ele proporciona, exigindo, além do tempo,
algumas disposições adquiridas com o tempo. (Bourdieu, 2017: 95)

Não obstante, com vistas a enxergar o cenário de reprodução das relações


sociais da indústria da música gravada, é preciso focar em compreender esse
processo. Ou seja, deve-se procurar traçar historicamente também como foram se
constituindo as resistências a esse modelo e até que ponto elas tensionam o tecido
social com suas ações. Dessa maneira, a seguir, apresentaremos as linhas de força
suficientes para enquadrar o nosso objeto de estudo. Partiremos desde a verificação
da situação vivida pela então chamada indústria fonográfica (centrada na produção
de discos), até a sua queda e surgimento de novas tecnologias e práticas sociais
(centradas na produção de música gravada). Dentro desse cenário, buscaremos
localizar as produções desenvolvidas por punks e a sua peculiaridade.

1.2 Indústria fonográfica no Brasil, dos anos 1970 aos dias atuais: domínio,
queda e reorganização
30

É bastante interessante os rumos que a indústria fonográfica tomaram desde


a década de 1970. As mudanças que vêm ocorrendo são fruto de uma série de
fatores históricos, sociais e econômicos que levaram à perda de supremacia da
indústria fonográfica ao longo dessas quatro décadas. O processo histórico que
cruza esse período denota o esgarçamento do modelo de bem-estar social proposto
para os países centrais. Em termos econômicos, temos desde o impacto da crise do
petróleo e as mudanças inseridas no mundo trabalho, até a perda da centralidade do
disco e o compartilhamento de música gravada por streaming.
É o que defende Márcia Tosta Dias (2010), que aponta para um cenário de
constantes mudanças verificadas na indústria fonográfica mundial. Para a autora,
essas mudanças são resultadas do complexo reordenamento das cadeias
produtivas e dos processos acumulativos de capitais financeiros. No centro de sua
preocupação, verifica-se a questão de compreender esse movimento que inclui
vários agentes sociais, gravadoras, selos, produtores, artistas e meios de
distribuição e difusão. Trata-se de uma intrincada trama social que tem sua análise
dificultada, já que o problema tornou-se mais complexo por três motivos: 1) a perda
de hegemonia das gravadoras (propriedade dos meios de produção/difusão da
música gravada/deslocamento da posição de proposição); 2) pouca bibliografia
sobre o assunto e/ou dedicada a enfoques específicos, sendo que os dados
disponíveis são os oficiais, fornecidos pelas gravadoras; 3) a maneira heterônoma
na qual a música gravada se apresenta atualmente, com uma série de iniciativas
que não se enquadram na lógica estrita que circunscreve as grandes gravadoras.
Nas palavras de Tosta:

Em todas as frentes, trata-se de garantir posições historicamente


conquistadas, como no caso do big business, ou de fazer reverter em meios
de sobrevivência ou em melhoria da condição social àqueles que ora
realizam facilmente o registro e a difusão de suas obras, incrementando sua
vida artística e profissional (TOSTA, 2010, p. 166).

Em linhas gerais, esses elementos e seus desdobramentos tornaram o


quadro complexo e movediço. Complexo devido ao seu caráter abrangente, que
atravessou fortemente as várias dimensões sociais em todo o planeta, além de
atingiu a indústria da música gravada. Isso fez com que esta indústria se
reconfigurasse e redirecionasse o seu foco algumas vezes. O resultado dessas
modificações foi um cenário em que os papéis dos agentes sociais envolvidos com a
31

indústria da música gravada passaram a ser fluidos e múltiplos. Por outro lado,
percebemos que as empresas envolvidas com o negócio da música gravada não
são mais exclusivamente gravadoras. Para além destas, o que se vê é que
empresas de tecnologia da comunicação – como Google Play, Spotify, iTunes,
Deezer, entre outros – já são, há algum tempo, as responsáveis por liberar o acesso
à música via streaming. Isso significa dizer que o usuário acessa o conteúdo que
deseja sem que precise necessariamente ser assinante.
O quadro apontado resumidamente acima nos dá um caminho a percorrer, o
qual buscaremos melhor delinear. Apesar de mergulhado em uma complexa crise
que já dura anos a fio, o negócio da música gravada vem demonstrando uma grande
capacidade de reinvenção. Dentro desse cenário, buscaremos localizar as
produções fonográficas dos punks paulistanos.
Segundo o ranking da International Federation of the Phonographic Industry
(IFPI)7, somente em 2018 o mercado mundial de música gravada faturou US$ 19,1
bilhões. Dentro deste ranking, o Brasil ocupa a décima posição, tendo alcançado a
marca de faturamento de U$ 298,8 mi, o que representou um crescimento de 15,4%
em relação ao ano anterior. O que serviu também para impulsionar as vendas de
música gravada na América Latina, que atingiram um crescimento de 16,8%.
Internamente, o mercado brasileiro apresentou, ainda, queda de 10,1% nas vendas
físicas. Porém, houve uma expansão de 34% nas de streaming, que já
correspondem a 46,8% do mercado de música gravada no país. Não é segredo que
há uma queda flagrante nas vendas de formatos físicos e, em contrapartida, um
aumento da vendagem de formatos digitais.
Esses dados nos revelam tanto que não há nenhuma dúvida de que uma
indústria cultural se desenvolveu bem por aqui, como também possibilita algumas
indagações iniciais: como o país se constituiu em uma potência consumidora deste
tipo de mercadoria? Como esta indústria se estabeleceu no Brasil? Responder estas
questões nos conduzirá a pensar nos possíveis desdobramentos da indústria da
música gravada no país e os seus limites, fornecendo-nos o mote para localizarmos
e tratarmos o presente objeto de pesquisa.
A indústria cultural brasileira tem seu início e sua consolidação a partir de
meados dos anos 1960, época em que foi deflagrado o golpe civil-militar. Nesse

7Disponível em: https://www.ifpi.org/news/IFPI-GLOBAL-MUSIC-REPORT-2019. Acesso em: 17 mai.


2019.
32

contexto, os militares, sob a ideologia da segurança nacional, procuraram “garantir a


integridade da nação na base do discurso repressivo que elimina as práticas
dissidentes, organizando-as em torno de objetivos pressupostos como comuns e
desejáveis por todos” (ORTIZ, 1994, p. 115). Com isso, reconhecendo o papel
estratégico da cultura como meio de ação, o governo civil-militar tem nessa esfera a
possibilidade de se resguardar de ataques e de organizar um plano cultural para
manter a hegemonia do regime. A partir de 1965, várias ações são postas em
prática de acordo com esses ditames, tais como a criação de um sistema de
infraestrutura para desenvolver os meios de comunicação, com vistas à “integração
nacional”. A ideia seria realizar a criação de órgãos de incentivo e fomento ao
desenvolvimento da cultura (DIAS, 1997, 2008; ORTIZ, 1994; RIDENTI, 2000;
VICENTE, 1997, 2014).
Essas ações estratégicas possibilitaram a consolidação de uma indústria
cultural que trouxe, gradativamente, investimentos de empresas transnacionais. O
que atraiu essas empresas foram os benefícios oferecidos, tais como isenção de
impostos e condições econômicas de crescimento do mercado. Com estes atrativos,
várias empresas do ramo passaram a se instalar no Brasil por toda década de 1970:
a Warner, Elektra e Atlantic (WEA), em 1976; a Polygram e a Capitol, em 1978; e a
Ariola, em 1979. Dentro do país haviam empresas, como é o caso da Chantecler,
que, procurando se adequar à conjuntura, não conseguiram se manter no topo. O
mercado em pouco tempo seria dominado pelas empresas estrangeiras (DIAS,
2008, p. 78; MARCHI, 2006a, 2006b).
A ação destas empresas dinamiza o mercado com uma visão pragmática
sobre a gestão do negócio da música. Dois elementos importantes são
estabelecidos como norma de mercado. Há o estabelecimento de um cast de
artistas consagrados pelo público e pelo mercado sob a alcunha de MPB, que são
apoiados pelo advento do surgimento do LP (formato mais propício à elaboração de
álbuns de um só artista). Como estratégia de fortalecimento, surgem parcerias com
outras mídias, como a televisiva, o que também constituirá um elemento a mais para
o sucesso comercial. Todos esses pontos se configuraram para o sucesso da
indústria fonográfica brasileira. Adicionalmente, há um processo produtivo centrado
no departamento artístico, com grande liberdade de trabalho do produtor musical
que estabelece como os artistas devem ser lançados comercialmente (DIAS, 2000,
p. 79).
33

Já em meados dos anos 1980 e início da década de 1990, a indústria passa


por mudanças, anunciando uma grande crise. A primeira delas se revela pela
ampliação da segmentação do mercado fonográfico. Isso permite as gravadoras
terem seus riscos diminuídos, dado que podem investir em vários segmentos. Essa
estratégia visa cortar custos e apostar apenas no que vende mais, sem a
necessidade de investimentos a longo prazo. Em outras palavras, as empresas se
livram da responsabilidade de investir na carreira dos artistas, com vistas a lucrar a
médio e longo prazo (VICENTE, 1996, 2002, 2006, 2014).
Para completar o quadro de mudanças observadas nesse eixo temporal, entra
a questão do avanço da reorganização da ordem produtiva ocorrida no ocidente.
Inicia-se a era da acumulação flexível, fruto do colapso do sistema fordista
(HARVEY, 2007). Esta nova fase do capitalismo mundial se qualifica por um
reordenamento da cadeia produtiva, baseada no horizonte de flexibilização da
produção e precarização do trabalho (ANTUNES, 2005). Nesse espaço, a atuação
das empresas ultrapassa os limites transnacionais, organizando os seus negócios a
partir de processos flexíveis de gestão, produção e venda de seus produtos. Com
isso, há uma ampla especialização das etapas de trabalho, altas taxas de emprego
da tecnologia, seja no chão de fábrica ou na comunicação com vista à ampliação
dos lucros e aumento do desemprego, chamado por muitos autores de precarização
do trabalho. Daí advém uma série de modificações, tais como: fragmentação das
etapas de trabalho; especialização de tarefas e terceirização; além do avanço das
tecnologias digitais e de comunicação, com vistas à maximização dos lucros e
retenção dos custos. Com estas medidas, as grandes empresas passam a retomar o
crescimento apenas no final da década.
Afetada diretamente por este quadro socioeconômico a nível global, a
indústria fonográfica brasileira também será acossada pela conjuntura econômica e
política do país, que resultará no decréscimo de vendas de discos. Contudo,
oscilando ao sabor do momento vivido, o setor vê o surgimento de outro formato,
menor, mais barato e com maior espaço de armazenagem de informações, o CD. De
maneira lenta, mas constante, este formato vai ganhando espaço em conjunto com
os aparelhos reprodutores da tecnologia. Assim, ele passa a ser responsável pelo
aumento nas vendas de fonogramas. No final dos anos 1990, o CD já havia ganhado
o gosto popular e se espalhado como um formato consagrado.
34

O resultado desse quadro de mudanças reflete diretamente em uma nova


configuração empresarial, que restringiu o quadro de funcionários a funções
essenciais. Houve, por exemplo, a exclusão do departamento artístico e dos
produtores. Esse processo manteve as empresas “enxutas” e prontas para flutuar
com o mínimo de “peso possível” na maré revolta de novos tempos. As empresas
melhores preparadas seguiram e as menos adequadas às tormentas foram
engolidas e assimiladas pelos grandes conglomerados, como é o caso da PolyGram,
comprada pela Seagram/Universal (DIAS, 2008; VICENTE, 2002, 2014).
A tecnologia a partir daí terá um papel ambíguo. Ao mesmo tempo em que ela
forneceu cada vez mais produtos que visavam diminuir custos e elevar os lucros, ela
também pôs em risco as vendas de discos e seus aparelhos reprodutores. Por um
lado, o advento do CD é algo interessante em um primeiro momento, pois possibilita
a dinamização deste setor. Mas, por outro, ele gera condições para que produtos
não oficiais sejam vendidos a preços bem mais baixos do que o oferecido nas lojas
de discos. Esse fator é acompanhado pela troca de arquivos pela internet,
principalmente o formato MP38. Essas ameaças são combatidas pelas gravadoras
pelo prisma dos direitos autorais9 (DIAS, 2013, p. 40; GALETTA, 2016, p. 101;
NICOLAU NETTO, 2011, p. 162; WITT, 2015, p. 83-87). Reagindo desta maneira, a
indústria fonográfica tentou punir alguns sites, fechando-os. Mas, por outro lado, ela
se apropriou do conhecimento gerado por eles, traduzindo a lógica de
compartilhamento em um negócio lucrativo. Daí em diante houve um forte
crescimento nas vendas de música digital. O conhecimento gerado pela absorção da
lógica de compartilhamento possibilitou que produtos de streaming pudessem ser
popularizados (DIAS, 2010).
Em relação ao desempenho do mercado, verifica-se que ele passou por altos
e baixos desde o final dos anos 1990. Houve um período de crescimento com o
advento das reedições em CD de discos de vinil. Isso serviu, a nível global e local,

8 MP3 é a sigla abreviada para MPEG 1 Layer-3 (Moving Picture Expert Group –MPEG). Trata-se de
um compressor de áudio que mantém um padrão de baixa perda para o ouvido humano. Ele se
popularizou nos anos 2000, sendo hoje um formato comum nas trocas de arquivo pela internet ou nos
serviços de streaming comercializados por várias empresas.
9 O caso mais conhecido foi o do website Napster, retirado do ar em 2000, depois da banda de

trashmetal estadunidense Metallica entrar com uma ação alegando um prejuízo que chegava a U$ 10
milhões de dólares. A banda ganhou a causa e o site foi retirado do ar. Contudo, essa ação fez com
que surgissem novos sites com novas tecnologias que dificultavam até mesmo o rastreamento dos
compartilhamentos, pois já não contavam com um servidor central para servir de mediador entre os
computadores que compartilhavam arquivos. Para maiores detalhes sobre o assunto, cf. Sanches
(2007).
35

para a ampliação das vendas, elevando o Brasil como o 6º maior mercado de


música gravada do planeta. No entanto, o país deixou de ocupar esta posição.
Segundo o último relatório do International Federation of the Phonographic Industry
(IFPI), divulgado em 2018, hoje o Brasil é o 10º maior mercado de música gravada
do mundo. Os grandes vilões que teriam contribuído para a queda de vendas
apontada pela indústria fonográfica foram: a pirataria física (CD/DVD); o
compartilhamento P2P (peer-to-peer); os altos preços praticados; a forte pressão
exercida por uma oferta não trabalhada; a falta de capacidade de atuar diante das
transformações tecnológicas; e a crescente competição de outras mídias e formas
de entretenimento. Todos esses fatores contribuíram para as baixas taxas de
vendas e para o fim da hegemonia do disco.
Como resultado da popularização do CD, surgiu um mercado paralelo que
abocanhava 34% do mercado mundial já em 2004. Na China, a pirataria chegou na
casa dos 85% das vendas. Até então, havia uma forte tendência ao aumento do
número de músicas baixadas na internet, tanto via P2P quanto via programas
especializados em downloads. Só em 2005, o número de CDs baixados por este tipo
de programas chegou a ser superior às vendas daquele ano, atingindo a marca de
115 milhões de unidades aproximadamente.
Esse quadro se agrava com o passar dos anos, exigindo das empresas do
ramo criatividade para manter os seus negócios. Assim, com o avanço da
popularidade da internet e dos aparelhos reprodutores, tanto a venda quanto o
consumo de música são alterados. Muitas empresas passaram a oferecer produtos
gratuitos. Aparentemente, essa ação se mostraria como contraditória, contudo, é
altamente engenhosa. Isso porque esconde em si parcerias entre empresas
diversas, como é o caso da Google, que vende informações de consumo às outras
empresas. Tal parceria funciona da seguinte maneira: toda vez que uma pessoa
acessa um determinado site, buscando conteúdo musical gratuito, ela é levada
também a demonstrar as suas preferências e gostos. E isso é algo que pode ser
comercializável. A captura dessas informações se estabelece tanto pela escolha,
quanto pelo cadastro que o usuário fornece ao dar seus dados pessoais. Nesse
sentido, a música aparece aqui como um chamariz para futuras vendas. A sua
“gratuidade” se deve ao fato de existirem anunciantes ou empresas que irão comprar
as informações apresentadas. Assim, nada tem de gratuito ou de desinteressado
(NICOLAU NETTO, 2008, p. 141-154). Não obstante, é importante sinalizar que o
36

atual cenário da venda de música pela internet segue como tendência, seja por meio
de downloads, seja por streaming (nesse caso, não se disponibiliza o arquivo, mas
apenas a transmissão momentânea de dados). Nos últimos anos, este tipo de venda
ganhou relevo em detrimento dos formatos físicos (CD, DVD e BluRay). Estes já
vêm há alguns anos contabilizando quedas.
A encruzilhada é evidente e até certo ponto inevitável, dada as condições que
foram se arrolando juntamente a uma série de outros fatores suficientes para que
essa conjuntura se firmasse. De acordo com Dias (2010, p. 167), a música manteve
grande proximidade com os meios de comunicação, firmando-se como área
privilegiada da indústria cultural. Tal dinâmica foi observada ao longo do seu
desenvolvimento no século XX e também nas primeiras duas décadas dos anos
2000. Um outro fato de relevância é que a música se adaptou bem à internet,
garantindo grande visibilidade e convencionando-se a falar em música gravada, não
mais em “discos”. Como explica a autora, “A mudança no conceito, no entanto, para
além da dimensão técnica, revela uma transformação das práticas culturais, com o
fim da centralidade antes exercida pelo disco no conjunto da produção musical"
(DIAS, 2010, p. 166). Assim, o que temos hoje seria uma situação em que o produto
único (disco) é substituído por um modelo em que a música passa a ser concebida
para múltiplos canais, na esperança de que a grande indústria fonográfica consiga
recuperar algo do que foi perdido durante os anos de declínio. Ainda segundo a
autora,

Numa retrospectiva dos caminhos seguidos até aqui, temos que, em seus
variados formatos, qualidades técnicas, tamanhos e conceitos, o disco
seguiu como suporte privilegiado dos registros musicais por pelo menos 80
anos do século XX, até a chegada do CD, ele também um disco, mas que
trouxe consigo a capacidade de alterar radicalmente a situação estabelecida
(DIAS, 2010, p.167).

Se, por um lado, é evidente a perda da centralidade do disco, por outro, isso
revela outras camadas desse processo. A primeira delas se mostra através da
própria configuração atual do capitalismo. Tal configuração se dá justamente em
uma concentração ainda mais acirrada do que o verificado nos anos em que o disco
ainda era o centro gravitacional dessa indústria. Essa concentração se lança não
mais em dominar o binômio hardware/software, mas em agregar empresas de
comunicação e mídia (DIAS, 2010).
37

Como nos lembra Nicolau Netto (2011), a questão está também em perceber
como o negócio da música gravada se transforma e passa de mãos, ou seja, se
como se rearranja em termos de relações de poder. Ao longo de sua história, a
indústria da música gravada não se desenvolveu nas mãos de gravadoras, mas nas
de empresas de tecnologia que buscavam vender os aparelhos tocadores
(hardware), apoiando-se na venda de discos (software). Somente com o tempo é
que o disco passa a ter centralidade e a se mostrar como filão altamente lucrativo,
denotando que a música enquanto encerrada em um software se transforma em
uma mercadoria vendável. Com o decorrer do seu desenvolvimento, passando a ser
ofertada em formato digital, a indústria fonográfica perdeu sua força, dado que
estava no controle da produção tanto de hardware, quanto de software (NICOLAU
NETTO, 2011).
Thiago Galleta (2016, p. 101) assevera observação similar. Para o autor, com
a expansão da internet e oferta de música nas plataformas digitais de streaming, o
“disco físico” perde espaço enquanto mercadoria. A indústria do disco não consegue
êxito em suas tentativas de manter a hegemonia e vê o seu empenho em
criminalizar as novas práticas como algo inócuo. Com a desestruturação da indústria
fonográfica, causada principalmente pelos avanços tecnológicos, as gravadoras
perdem o seu caráter e se configuram em agências de gerenciamento e marketing
de produtos fonográficos.
Do ponto de vista estratégico atual, é preciso, ainda, ter em conta que em
uma nova fase as majors já não apostarão em criar uma atuação em que o disco de
sucesso seja apresentado em duas versões, a global e a local. Tal empreendimento
necessitaria de uma ação complexa, envolvendo outros media e o pagamento do
famoso “jabá” para o uso dos espaços. Com o desenvolvimento das novas
tecnologias, esse plano de negócio foi minado pelo alto custo operacional, já que se
demanda um grande investimento de capital, o que também acaba deixando o
produto final mais caro (DIAS, 2010, p. 168).
Esse processo de reconfiguração empresarial abriu espaço para que um outro
processo viesse ser posto em prática, qual seja, o processo de desvinculação do
cast de artistas das gravadoras. A cena paulistana estudada por Galetta (2016) se
apresenta como um quadro no qual que se confirma o que é verificado por Dias
(2010). Houve a diminuição do investimento destinado a manter as estratégias de
marketing que visavam gerenciar carreiras dos artistas contratados. Assim, estes
38

artistas passaram a gerenciar suas carreiras, produzindo, gravando suas canções e


até criando as suas estratégias de venda e difusão de seus produtos. Com a perda
da centralidade da grande indústria do disco, os artistas precisaram lançar mão de
criatividade para gerenciar suas carreiras de ponta a ponta do processo. Isso em um
momento em que é possível um acesso mais facilitado aos meios de gravação,
difusão e venda de seus produtos, ancorados em grande medida nas apresentações
ao vivo. Daí resultou-se também o fato de que as novas tecnologias possibilitaram o
surgimento e posterior visibilidade de circuitos de produção e vendas de música
gravada de modo sustentável Vários artistas e bandas passaram a utilizar as redes
sociais para divulgar os seus trabalhos e tornar possível a fuga do famoso
pagamento por espaço de divulgação em rádios, TVs e outros veículos, denominado
“jabá” (GALLETA, 2016)..
Entretanto, é preciso ter em mente que essa autonomia é relativa, pois ainda
orbitam as grandes gravadoras, sendo necessário o acesso aos seus serviços em
algum momento. Como tratam-se de grupos empresariais, com vários tentáculos,
eles participam de vários empreendimentos realizados por artistas. Ou seja, mesmo
desvinculados de contrato com as majors, as obras de alguns artistas permanecem
como propriedade das gravadoras, que são acessadas pelas mesmas sempre que
julguem lucrativo de alguma maneira.
Podemos verificar que no atual campo da música gravada está ocorrendo um
rearranjo de poder, que aparentemente também é atravessado por um processo no
qual os artistas não têm mais vínculos formais com as empresas, sejam estas
oriundas da indústria fonográfica ou de tecnologia. As empresas mantêm os seus
lucros com riscos diminuídos, já que não arcam, ou quase não investem, em
produzir, gravar, difundir e vender música gravada. O custo passa a ser todo do
artista, que, ao mesmo tempo que tem maior controle sobre a sua produção, faz a
gerência administrativa de sua carreira (GALLETA, 2016). Não obstante, é
interessante notar que a situação também precariza o trabalho dos envolvidos
(ANTUNES, 2018), já que há um mascaramento que sugere que o músico é um
empreendedor de si mesmo, como se fosse realmente um agente independente.
Em suma, a questão que gerou o mote deste balanço sobre a indústria
fonográfica no país poderia ser respondida, em linhas gerais, que este ramo obtém
sucesso inicialmente a partir das ações político-ideológicas do governo militar. E,
com o passar dos anos, ganha autonomia e espaço na sociedade brasileira, ditando
39

regras e maneiras de como as empresas deveriam agir no negócio da música


gravada. Ainda que tenha passado por crises, observadas principalmente nos anos
1990, o atual cenário é de recuperação. Isso demonstra que o setor está sabendo
reagir e se mantém muito bem com um negócio ainda viável, mas não mais com
vista a ter nas gravadoras as únicas controladoras do que seria produzido ou
deixado de lado.

1.3 As produções independentes

Acompanhando o movimento descrito acima, a discussão sobre gravadoras


independentes passa inevitavelmente pela relação com as majors (DIAS, 2010).
Contudo, essa relação é diametralmente diferente dependendo do lugar que se fala.
Busquemos, primeiramente, localizar no tempo o momento de emergência da
produção independente. Posteriormente, verificaremos as definições existentes e
problematizar o termo, inserindo-o na discussão.
Historicamente, o termo independente surge no contexto fonográfico
estadunidense da primeira metade do século XX, como maneira de designar as
pequenas gravadoras e selos que trabalhavam com aquilo que era desprezado
pelas majors. Os independentes reivindicavam melhores condições de negociação,
dado que as grandes empresas saíam sempre em vantagem. O apelo da distinção
estava baseado em um maior equilíbrio nas relações comerciais. Todavia, o termo
ganha espaço junto aos movimentos contraculturais dos anos 1960-70, que
inseriram a música popular como um instrumento de luta política. Assim, em
contraposição aos grandes empreendimentos, pregavam uma postura de produções
independentes em relação às grandes gravadoras. É interessante notar que, nesse
contexto cultural, um discurso de resistência se coaduna: passam-se a se referir
como similares tanto as pequenas gravadoras, quanto as práticas particulares
(FRITH, 1982; HESMONDHALGH, 1995; MARCHI, 2006).
A partir do final dos anos de 1970, a presença do punk introduzirá um novo
elemento na concepção da ideia de independência musical. Baseando-se em um
dos seus pilares identitários – qual seja, o “faça você mesmo” (Do It Yourself) –, os
punks defendiam que era possível que os músicos pusessem em circulação a sua
própria música, ao buscarem ter acesso aos meios de produção fonográfica. Nesses
termos, eles radicalizam a ideia de independência ao proporem uma separação
40

entre arte e negócio. Trata-se de algo que passaria tanto por uma discussão sobre
os aspectos relativos à música como um produto massivo, quanto por um
pensamento mais romântico de produção mais voltada à criatividade, e não sob a
égide do trabalho. Os punks reivindicaram o direito de serem indivíduos, e não
meros colaboradores da indústria fonográfica. Assim, para os punks ingleses e
americanos, o termo independente não se define como um negócio (GUERRA,
2014, 2015; O’HARA, 2005).
Um exemplo interessante que nos ajuda a ilustrar esse contexto é o caso da
banda anarcopunk “Crass”. Esta banda foi fundada em 1978, em Epping, nordeste
de Londres, Inglaterra. A sua proposta radical envolvia não apenas letras com fortes
mensagens políticas, mas toda uma vivência que se baseava nos preceitos políticos
e filosóficos do anarquismo (HESMONDHALGH, 1997, 1999). Eles tiveram grande
projeção na época a partir de suas ações.

Para um grupo que nomeou o primeiro álbum de The Feeding Of The Five
Thousand porque 5000 cópias era o número mínimo de prensagem e que
acreditava ser capaz de vender apenas 100 cópias, se encontrar três
semanas depois prestes a chegar ao disco de ouro, parecia que apenas o
Céu seria o limite. Mais um conto padrão rock n roll. Porém, o Crass não
seguiu o destino de seus pares, porque “a CBS produziu o Clash, mas não
foi por revolução, “foi apenas por dinheiro”. E como os membros do coletivo
por detrás do Crass não acreditavam em Céu no sentido católico, e suas
pretensões nunca estiveram centradas no sucesso fonográfico, restou
converter o sucesso comercial inicial em ativismo sério, organizado
(WAMBA, 2017, p. 22).

O primeiro disco lançado pelo grupo foi editado em 1978 pelo selo
independente “Small Wonder Records”. Contudo, houve um problema ao ser
prensado, pois o conteúdo da faixa "Reality Asylum" foi considerado profano demais
pelos trabalhadores da fábrica que prensava os discos. A letra, vista como ofensiva,
atacava o cristianismo e a figura de Jesus Cristo. Com isso, o disco acabou por ser
lançado sem a faixa, deixando vagos os minutos que seriam ocupados por ela. A
banda intitulou ironicamente tal lacuna como "The Sound Of Free Speech". O
episódio os levou a querer fazer as coisas por eles mesmos. Assim nasceu a “Crass
Records”, em 1979, que, posteriormente, lançaria o álbum completo. Para as
gravações, houve parcerias com o engenheiro de computação, John Lauder,
proprietário da “Southern Records”. Para distribuição dos discos, a parceria se deu
com “Rough Trade”. Vale notar que nem a “Southern Records”, nem a “Rough
Trade” mantinham afinidades políticas estritas com o anarquismo do Crass. Mas
41

havia certa simpatia, o que para o momento bastava. Com uma postura de
afastamento ao mainstream e voltados à ação direta10, os registros sonoros do
Crass mantiveram um padrão: produção de baixo custo e arte feita em preto e
branco utilizando colagens. A intenção era apresentar as suas ideias e fazer
propaganda pelo ato das noções anarquistas. Com as parcerias, obtiveram grande
sucesso na Inglaterra, vendendo mais de 250.000 cópias do segundo disco “Stations
of The Crass”. Isso os levou a manter a distribuição somente com a “Southern
Records”. Esta, por sua vez, fechara um acordo para distribuição dos discos do
Dead Kennedys, lançado pelo selo Alternative Tentacles Records, do vocalista da
banda, Jello Biafra.
Para a “Crass Records” as questões que envolviam a ideia de
empreendedorismo não se encaixavam (HESMONDHALGH, 1999). Nas palavras de
Penny Rimbaud, 77, escritor, poeta, filósofo, pintor, músico, ativista e ex-baterista da
banda, “[...] não estávamos interessados em lançar discos, mas em fazer manifestos
e, os discos foram uma forma de fazer o que queríamos” (RIMBAUD, 2017, p. 127).
Assim, eles buscaram ter controle sobre as etapas de produção, difusão, distribuição
e venda de seus produtos. Com essa proposta de atuação, a “Crass Records”
lançou outras bandas. Vale notar que isto era feito com ausência de contrato, ou
qualquer tipo de formalidade, em relação às negociações. Isto posto, há não apenas
um discurso que se organiza, mas uma prática que aponta para fazer o que se
pretende, burlando o aparato burocrático estabelecido nesse tipo de transação.
Essas ações imediatamente influenciaram outras pessoas em diversas partes
do mundo, tanto localmente, como do outro lado do Atlântico. Especificamente nos
Estados Unidos já havia certa movimentação em torno da criação de meios
alternativos de atuação frente a música gravada. Como apontado acima, a “Southern
Records” firmou parceria de distribuição dos materiais lançados pelo selo
estadunidense “Alternative Tentacles Records”. Este selo foi criado por Jello Biafra e

10 De acordo com George Woodcock (2002, p. 34), a ação direta é um dos pilares éticos do
anarquismo. É sobre ele que se dão as táticas de luta social e econômica conta o Estado capitalista.
Nas palavras do autor: “Os anarquistas, portanto, baseiam suas táticas na teoria da "ação direta" e
afirmam que os meios que utilizam são essencialmente sociais e econômicos. Tais meios incluem
uma grande variedade de táticas, que vão desde a greve geral e a resistência ao serviço militar até a
formação de comunidades cooperativas e uniões de crédito - com a finalidade de dissolver a ordem
vigente e não apenas preparar a revolução social, como assegurar-se que, uma vez iniciada, ela não
tomará rumos autocráticos”. De acordo com essa concepção, a diferença dessa maneira de se
contrapor à ordem vigente com os movimentos de esquerda está no fato de que a participação é
voluntária e não há distribuição de responsabilidades, regras de conduta ou obediência ao partido.
42

East Bay Ray (respectivamente, cantor e guitarrista da banda estadunidense “Dead


Kennedys”) para lançar o single “California Über Alles”. Com o sucesso, resolveram
lançar outras bandas. Em 1980, o selo passou a ser comandado apenas por Jello
Biafra, que ainda se mantém à frente do selo até hoje. Ele foi responsável não
apenas por lançar os discos do “Dead Kennedys”, mas também por dar suporte
como selo e/ou distribuidora de materiais de outras bandas, tais como a “D.O.A”, a
“LARD” e as brasileiras “Ratos de Porão” e “Cólera”, no final dos anos 1990.
Entretanto, o selo “Dischord” é um exemplo emblemático de atuação de
sucesso que se mantém ativo por 40 anos, lançando bandas tendo como base os
preceitos inicialmente desenvolvidos pelo Crass. O selo iniciou as suas atividades
em 1980, na cidade Washington D.C, berço de uma cena punk pulsante, através dos
amigos Ian MacKaye e Jeff Nelson. Estes, após o final da banda “Teen Idles”,
resolveram lançar os seus próprios trabalhos, gravados anteriormente em K7. Eles
lançaram o EP “Minor Disturbance”, da antiga banda, e não pararam mais desde
então. Para essa empreitada, precisaram aprender todas as etapas necessárias
para lançar discos e vendê-los. Entrar em contato e negociar com bandas,
fornecedores, lojas, outros selos e até mesmo confeccionar artesanalmente em
papelão as próprias capas dos discos a serem lançados, serviu para lhes dar a
oportunidade de compreender o funcionamento de um selo. Além disso, esse
processo também possibilitou que eles, através dessa inserção, angariassem
legitimidade entre os seus pares, a cena punk estadunidense e outros selos. De
maneira “despretensiosa”, tal qual o “Crass Records” vinha fazendo, o “Dischord
Records” criou a sua própria maneira de lidar com o negócio da música gravada. Ele
agiu dentro do horizonte simbólico partilhado pela cena local e europeia, prezando
sempre pela ética DIY e pelo espírito de trabalho coletivo e compartilhado.

[há um] ambiente de informalidade que orbita nas negociações entre selo e
artista. Não há contratos ou advogados envolvidos, nem nunca houve.
Acordos são feitos via e-mail e verbalmente. E a relação com os grupos se
restringe ao lançamento de discos única e exclusivamente. Não interferindo
nas gravações, agendamento de shows, etc. No caso de uma banda do selo
sair em turnê, parte do trabalho como provedor de discos é realizar o envio
dos fonogramas a estas localidades, assegurando que as pessoas
dispostas a assistir a uma apresentação do grupo em questão, tenha fácil
acesso a sua música, sendo em estabelecimentos comerciais
especializados ou no próprio show. Quando há lucro sobre as vendas, é
dividido 50–50; quando há prejuízo o selo assume 100%. Reforçando a
confiança que as bandas depositam no Dischord e seu pessoal, assim como
a missão que lhes cabe: lançar discos apenas. Quando existe a
necessidade de rompimento ou de se desfazer um acordo, isso é feito com
43

a mesma naturalidade com que foi realizado, sem constrangimentos ou


inimizades (GOELZER, 2015, p. 10).

De maneira paradoxal, a “Dischord Records”11 foi um selo que prosperou


como negócio no cenário indie. Ele lançou e lança ainda hoje várias bandas com um
modelo de negócio, segundo seu fundador, baseado em uma visão ética de partilha
de responsabilidades e lucros. Uma de suas orientações é manter a informalidade
no trato com as questões de gravação de uma determinada banda. Não há contrato
de exclusividade entre o selo e as bandas, apenas o compromisso firmado para
gravação, distribuição e venda dos discos. É interessante notar que um selo que
guarda estreita relação com o “Crass Records”, o “Southern Records”, atuou como
ponte de distribuição de produtos de outros selos oriundos dos Estados Unidos, e
esta atividade se iniciou justamente com o “Dischord Records”.
Esse tipo de parceria é bastante comum e pode ser detectada por todo o
mundo. Selos brasileiros participam ainda hoje ativamente em parceria com selos de
outros países. Essa atividade será melhor detalhada adiante. O que nos interessa
reter é que a influência do “Crass” se faz sentir até hoje no sentido de abrir caminhos
através da ética DIY. Estar em estado de independência, para estes selos, significa
ter total controle sobre o que se produz, adequando as demandas, sem a
necessidade de padronizar as vendas, ou utilizando os métodos tradicionais (seja na
distribuição, seja na venda dos produtos).
Poderíamos acompanhar aqui o raciocínio desenvolvido por autores, como
Hesmondhalgh (1999), que defendem que o punk radicaliza a experiência do que
vem a ser chamado gravadoras e selos independentes no eixo geográfico dos
Estados Unidos e Inglaterra (e, por conseguinte, em outros países da Europa).
Entretanto, caberia desde já nos questionar se estas ações seriam melhor pensadas
não como independentes, mas como ações autônomas. Isso porque procuram fugir
da lógica das disputas meramente econômicas, tal como veremos abaixo com as
indies, que trabalharam com outras vertentes do chamado rock alternativo.
Em contraponto a essa noção, seguirá na Inglaterra a onda pós-punk que, ao
contrário dos seus antecessores, queria participar do mercado. Os pós-punk
11 O site americano “Dying Scene” que divulga notícias sobre bandas punk dos Estados Unidos e da
Europa, em uma matéria datada de 17 de junho de 2013, “10 punks who are richer than you think”,
listou Ian MacKaye, proprietário da Dischord Records, ocupando a sexta posição no ranking
elaborado. Ele conta com uma fortuna de U$ 25 milhões. Disponível em:
https://dyingscene.com/news/10-punks-who-are-richer-than-you-think/. Acesso em: 15 fev. 2019.
44

entendiam que o controle da produção e a distribuição possibilitaram eficientemente


a democratização da indústria (HESMONDHALGH, 1999, p. 37). A atuação política
aqui é deslocada para o enfrentamento dentro do próprio sistema com base na ideia
de democracia e não em negação ao sistema. A proposta era buscar maior espaço
para expressões artísticas, questionando o monopólio dos meios de comunicação
pelas grandes gravadoras. O eixo desta proposta se estabelece entre
empreendedores e seus negócios, e não entre músicos e sua arte. Trata-se,
portanto, de uma visão com forte influência do liberalismo (DE MARCHI, 2006b;
HESMONDHALGH, 1999).
O selo “Small Wonder”, responsável pelo primeiro disco do Crass, e também
o “Rough Trade Records” servem como exemplos importantes de atuação, pois
apresentam as características acima elencadas. Ambos os selos começaram como
lojas de discos, mas depois passaram a lançar artistas ligados ao punk e,
posteriormente, ao pós-punk. Muitos destes artistas ganharam projeção local e
internacional. Dentre estes, destacam-se The Cure, Bauhaus, Cockney Rejects,
lançados pelo selo “Small Wonder”, e Depeche Mode, Sonic Youth e The Smiths,
lançados pelo “Rough Trade Records”. Esta última banda citada, tomando-a como
exemplo, é hoje cultuada como símbolo de uma época. Em suas ações, The Smiths
voltava-se mais para o trabalhismo inglês da New Left do que propriamente à
radicalidade reputada aos grupos anarcopunks, como “Crass”. Apesar de ter um
discurso carregado de críticas sociais, com aderência de alguns membros do grupo
ao vegetarianismo, a postura da banda era de se projetar enquanto músicos bem-
sucedidos. Esta vertente ganhou força inegável ao longo dos anos através de
associações entre produtores de música no eixo europeu e estadunidense. Isso
garantiu a ela uma expressiva participação no mercado mundial de música gravada.
Aos poucos, a vertente foi abandonando o rótulo de pós-punk e adotou na Inglaterra
o termo indie. Já nos Estados Unidos estas ações ficaram conhecidas como “rock
alternativo” (DE MARCHI, 2006b; HESMONDHALGH, 1999).
No Brasil, a produção independente se inicia e se estabelece sob outras
plataformas. De acordo com Dias (2008, p. 135-138), as iniciativas brasileiras
independentes são bastante complicadas de levantar, pois não foram ações
concentradas que se mostraram visíveis o suficiente para serem consideradas como
tal. O fato é que há, desde o início do século XX, algumas experiências pessoais de
artistas, vieram a lume, mas tiveram vida curta. Já na segunda metade do século, de
45

acordo com a autora, algumas ações ganharam certo destaque devido à sua
projeção. Obtiveram algum sucesso discos como o de Zé Ramalho, em 1972,
“Peaberu”; o projeto do “Disco de Bolso”, lançado pelo jornal “Pasquim”, em 1972; e
em 1977 o disco intitulado “Feito em Casa”, elaborado pelo pianista Antônio Adolfo.
Por outro lado, a autora aponta que a pesquisa Disco em São Paulo mostrou
que existiam em São Paulo uma série de empresas de pequeno e médio porte que
poderiam ser consideradas independentes. No geral, estas empresas apresentavam
uma organização com um número pequeno de pessoas. Elas se dividiam em várias
funções, que iam desde a parte mais técnica até a administrativa, envolvendo
também o artista, a depender do seu tamanho. Sobre a origem dessas empresas,
Dias (2008) sugere que elas podem ter surgido a partir de lojas de discos. Ou seja,
como o desdobramento de uma ação que já contemplava a participação com as
grandes gravadoras. O que de fato facilitaria o contato para prensagem e
embalagem dos discos. Contudo, essas ações, como nos revela a autora, não foram
contemporâneas à movimentação dos independentes, dificultando ainda mais a
compreensão do que venha a ser independente no Brasil.

As dificuldades na avaliação do que era autêntica e efetivamente


independente parecem residir na confusão que se estabelecia entre, de um
lado, o artista que tem uma atitude independente, procurando esse tipo de
meio para veicular um produto de proposta estética diferenciada e, muitas
vezes, inovadora, sem lugar nos planos da grande empresa e do grande
mercado. De outro lado, artistas e empresários apostam na segmentação
do mercado e buscam oportunidades para produtos ainda não interessantes
para as majors. Nesse caso, a produção indie funcionava como um
marketing para o produto, cujo fim era sensibilizar a major. Uma terceira
hipótese poderia conter as duas opções anteriores: uma atitude
independente e crítica levaria, eventualmente, à conquista de um lugar no
mundo da grande mídia (DIAS, 2008, p. 138).

O cenário em que as ações independentes surgem nos anos 1980, revelam


um quadro complexo, que envolve vários agentes sociais e os embaralha em uma
série de ações difusas. Isso, de certo modo, remete ao fato de que havia aqui uma
indústria fonográfica que trabalhava a pleno vapor, atuando em vários segmentos.
Por outro lado, havia a movimentação de uma série de artistas que, apesar de
manterem trabalhos interessantes, não eram absorvidos pelas grandes gravadoras e
não encontravam espaços na mídia. Efetivamente, essa movimentação se dava na
cena musical paulistana. Esses fatores podem ser considerados suficientes para que
esse contingente de cantores, bandas e grupos buscassem maneiras de levar ao
46

grande público o seu trabalho. E daí resultaram ações diversificadas. Alguns


produziram, gravaram, distribuíram e venderam os seus produtos. Outros, tiveram o
apoio de um selo, o “Lira Paulistana”, que foi a melhor experiência, tendo lançado 23
discos. O selo surgiu do desdobramento das atividades musicais ocorridas no Teatro
Lira Paulistana, voltado para dar espaço a artistas independentes da cena.
Posteriormente, o selo foi adquirido pela gravadora Continental. Isso demonstra que
a visibilidade gerada por esta movimentação favoreceu a contratação de alguns
artistas pelas grandes gravadoras. Com o tempo, o movimento acaba, sendo
esvaziado pelas dificuldades que artistas e selos enfrentaram ao procurar caminhos
viáveis para a distribuição dos seus produtos e pela ação de absorção de parte
dessa produção pelas majors.
Em se tratando da lógica dessa época (anos 1980), De Marchi (2006a; 2006b)
aponta que, a começar pela ideia de movimento conjunto de selos e pequenas
gravadoras, nota-se que aqui não houve uma movimentação, mas atitudes de
desagravo em resposta às condições do mercado, com ramificações para a questão
política vivida pelo país. O argumento que aproximava os independentes dos anos
1980 era a oposição às grandes gravadoras, empresas transnacionais identificadas
como apoiadores dos militares e representantes do imperialismo estadunidense. A
questão se voltava para o enfrentamento político e ideológico. Os produtos
provenientes da cena independente eram associados ao nacional e, por outro lado,
aqueles que tinham sua origem nas grandes gravadoras eram concebidos como
estrangeiros. Fica claro que ser independente significaria se colocar em favor da
defesa da soberania da música brasileira12. Antes de ser um negócio, era uma
atitude de resistência política de contestação ao regime militar. Não obstante, toda
efervescência, as ações não se mostraram fortes o bastante para se organizar em
um movimento, dado que os artistas envolvidos acreditavam que este seria apenas
um momento especial, e não condição para a realização de ações duradouras.
O momento seguinte, dos anos 1990, é especialmente marcado pelo
desenrolar do processo que David Harvey (1993) chama de flexibilização dos
sistemas produtivos e avanço da acumulação flexível, e, internamente, pelo contexto
econômico desolador. Nesta conjuntura, a ideia de se propor ações independentes

12Vale notar que essa discussão sobre a soberania da música brasileira, remete pelo menos aos
anos 1960. No auge do debate houve até uma passeata em 1967, em São Paulo, contra a introdução
da guitarra elétrica. Essa manifestação pública contou com artistas como Elis Regina, Jair Rodrigues,
Zé Keti, Geraldo Vandré, Gilberto Gil, dentre outros.
47

se torna forte novamente. Isso se dará principalmente pela abertura do mercado


para que empresas trabalhem como terceirizadas junto às grandes gravadoras.
Somando-se a isso, há os avanços tecnológicos nas áreas de produção e gravação,
baixando drasticamente os custos sobre a música gravada (VICENTE, 1997). Com a
oportunidade aberta à terceirização das etapas de prospecção, gravação e
produção, diversas pequenas empresas passam a surgir no cenário nacional. Temos
vários exemplos de selos e gravadoras menores, como o selo Banguela e a
gravadora Paradoxx.
Esses fatores unem-se ao discurso de que as majors haviam abandonado os
artistas e a música nacional, substituindo-os por produtos padronizados e
estrangeiros. Essas argumentações são apropriadas não mais pelo músico
independente, mas ressignificadas por pequenas empresas. Esse dado é importante
na medida em que podemos entender que a questão ideológica passa a ser
deslocada para o espaço das disputas comerciais. Assim, estas empresas se
colocam dentro da lógica competitiva de mercado sob a égide de pôr em circulação
um produto autêntico e com origem garantida. Essas características demonstram
que o perfil aliado à produção independente deve ser a de um músico que
administra empresarialmente a sua música enquanto negócio pessoal.
Nesses moldes, torna-se viável a fundação de uma instituição como a
Associação Brasileira de Música Independente (ABMI), que busca defender os seus
associados junto ao Estado e às empresas concorrentes. Esta instituição foi fundada
em 2002, sob o slogan que ainda carregam em seu site: “A ABMI é a voz dos
produtores independentes brasileiros no mercado fonográfico”. Ela age através de
assessoria jurídica e política, buscando uma melhor regulamentação que proteja os
pequenos e médios empreendimentos. Podemos concluir, a partir desse processo,
que a atual cena independente se profissionalizou, angariando para si a alcunha de
congregar um profissional empreendedor (termo em alta na sociedade atual) (DE
MARCHI, 2006b).
Mas não é só isso. Como nos revela Galleta (2016), há outros pontos a serem
considerados. Com o advento das plataformas digitais e as possibilidades de
veiculação de uma mensagem gerada pelas redes sociais, emergiram uma série de
práticas em relação à música gravada. Na cena paulista, estudada pelo autor, isso
fica patente nas diversas manifestações de artistas que seguem estratégias
atreladas a essas tecnologias. Seja para gravar, difundir, ou até mesmo vender a
48

sua música, há uma maior proximidade entre artistas e o público, assim como há
uma diversidade de oferta musical. As apresentações ao vivo se multiplicam e
geram uma cena independente que se pinta com cores mais vibrantes do que
anteriormente. Se já se vislumbrava um cenário de profissionalização para os
chamados indies, o que se tem hoje é uma maior colaboração e interação entre
artistas e destes com o seu público. O que serve também para demonstrar que há
uma quebra com a lógica das grandes gravadoras. Como veremos adiante, há uma
série de apontamentos que revelam que os artistas punks da capital souberam
aproveitar bem esse momento para dar seguimento em suas empreitadas, que
seguem desde o início dos anos de 1980.
Após esse apanhado geral sobre os significados das possíveis ações dos
independentes, é importante apresentar uma conceituação geral desses
empreendimentos, para então pensar os seus limites. Para Dias (2008, p. 136), “[d]e
maneira geral, são consideradas independentes todas as iniciativas de produção,
gravação, e difusão que acontecem fora do circuito das grandes [gravadoras]”.
Mesmo considerando que algumas experiências são diferenciadas, a autora afirma
que independentes são, basicamente, os empreendimentos que orbitam em torno
das grandes gravadoras, agindo na maioria dos casos como captadoras de bandas
e músicos promissores. Haveria, ainda, uma complementaridade que se apresenta
da seguinte maneira:

[...] a indie, ao absorver parte do excedente da produção musical não


capitalizada pelas majors, além de permitir a diminuição da tensão no
panorama cultural, derivada da busca de oportunidades, acaba por testar
produtos, mesmo que num espaço restrito, permitindo à major realizar
escolhas mais seguras no momento em que decide investir em novos
nomes. Nos dias de hoje, assistimos a um aperfeiçoamento dessa relação,
quando a major busca, na indie, produtos acabados, prontos para a difusão
[e distribuição] (DIAS, 2008, p. 129).

Isto quer dizer que estas empresas, dentro da divisão social do trabalho
contemporâneo, desempenharam um papel totalmente dependente do ponto de
vista das suas práticas. Até certo ponto, elas tiveram suas pretensões comerciais,
mas depois passando o bastão para as empresas de maior porte. Estas contariam
com todo um aparato tecnológico e econômico para produção, distribuição e difusão
dos fonogramas muito mais estruturados. Portanto, verifica-se que há uma relação
de complementaridade entre as majors e as pequenas empresas. Este processo
49

congregava polos distintos dentro do mesmo setor da indústria cultural. Assim, entre
os chamados indie existiria um sem número de iniciativas que vão desde as
propostas individuais e gravações caseiras, até pequenas e médias gravadoras e
selos.
Buscando apresentar a sua visão do que poderia ser considerado como
independente, Eduardo Vicente (2006, p. 3) aposta em uma concepção um pouco
mais abrangente. Para ele,

[...] o termo indies refere-se às empresas de atuação predominantemente


local, vinculadas normalmente a segmentos musicais específicos, que
costumam atuar na formação de novos artistas e na prospecção de novos
nichos de mercado. Porém, considerando a pulverização dos meios de
produção musical que as tecnologias digitais passaram a proporcionar já a
partir do final dos anos 80, entendo que hoje o termo se refere
indistintamente tanto a pequenas gravadoras quanto a artistas que
desenvolvem autonomamente a produção de seus discos.

O que Vicente indica vai ao encontro do que Galetta nos apresenta. Como
citado anteriormente, para este último, os empreendimentos independentes hoje
ocorrem descolados da ação das grandes empresas. As facilidades de produção,
gravação e distribuição das músicas produzidas pelos diversos artistas inseridos na
cena de música paulistana possibilitam pensar que a questão se alargou. O espaço
aberto pelas novas tecnologias digitais gerou possibilidades de se atuar de diversas
maneiras em termos de música gravada. Se antes poderíamos falar em indies
orbitando as majors, hoje temos que deslocar o sentido para pensar estas ações
vinculadas às plataformas digitais e às empresas de tecnologia, como Apple,
Google, Spotify, dentre outras.
Estas conceituações são importantes na medida em que distinguem as linhas
gerais que separam os empreendimentos pequenos e médios dos grandes. No
entanto, elas ainda parecem ser insuficientes para dar conta do conceito, justamente
porque deixam fios soltos. São consideradas como independentes as gravações que
se estabelecem apenas na zona proximal das grandes gravadoras, trabalhando em
conjunto com elas ou buscando disputar espaço de mercado. Contudo, as
produções que parecem fora dos termos acima descritas não são consideradas
como participantes da cena independente. O que nos leva a considerar que o fator
mercado é preponderante para o tipo de reflexão que fazem os autores. Mas, se
pensarmos em mercados paralelos ao hegemônico mercado capitalista, será que
50

seria possível haver produções duradouras que pusessem em circulação produtos


sem ter que lidar com a lógica do lucro? Como classificar e qualificar as produções
feitas no fundo de garagens, ou em pequenos quartos improvisados, como estúdios,
por exemplo? O que argumento é que a nomenclatura independente é insuficiente
para lidar com a complexidade das práticas fonográficas.

1.4 As produções “marginais” e o punk

Pudemos ver anteriormente que o debate sobre a relação entre as majors e


as indies se estabelece ao longo de décadas a partir de relações de força que têm
como pressuposto a produção capitalista de mercadorias culturais. Nos Estados
Unidos e Inglaterra notamos que, inicialmente, a disputa se estabelece em termos
de uma busca por relações mais equitativas. Tal disputa passa a ser repensada sob
a ótica das ações anticapitalistas a partir das práticas contraculturais durante a
década de 1960-70, radicalizada pela ação dos punks ingleses, no final dos anos
1970. Já no Brasil, vem sendo sedimentada uma visão difusa em relação ao que
viria a ser independente desde meados dos anos 1970, passando pelos anos 1980.
Daí resultou uma série de ações, ora propostas diretamente pelo artista, ora em
parceria com selos. Diante disso, houve um avanço nos anos 1990 das gravadoras
independentes como agentes da defesa do produto nacional e de resistência às
empresas corporativas do ramo midiático. Então chegamos ao plano da
profissionalização das ações independentes como negócio profissional, que se
expande vertiginosamente com o advento da internet. Com isso, a intenção foi
apresentar historicamente as principais conceituações sobre a questão das relações
que se estabelecem em torno da produção da música gravada. Entretanto, como
exposto há pouco, tais conceituações não conseguem dar conta de toda a
complexidade que envolve a música gravada no momento atual, de declínio e
praticamente desaparecimento da indústria do disco (DIAS, 2010).
Como mencionado anteriormente, há produções que não se enquadram no
modelo orquestrado pela grande indústria. Seja porque não possuem meios
financeiros e contatos para produzir, divulgar e distribuir seus produtos, seja pela
organização das apresentações e também pela relação que se estabelece entre o fã
e os artistas. Algumas das mais expressivas destas elaborações no Brasil são as
verificadas nos meios evangélico, tecnobrega, heavy metal extremo e punk – que
51

apresentarei mais adiante. Nesses espaços é comum a produção de fonogramas


sem nenhum vínculo com o mercado dominante da música gravada, muitas vezes
apresentando maneiras criativas de lidar com produção e distribuição dos produtos
sonoros. Os indivíduos que partilham uma determinada cena musical parecem ir
além de meros expectadores, envolvendo-se em ações de produção, venda e
divulgação dos produtos. Ao passo que essas produções guardam certo ar
artesanal, é possível aferir que há toda uma busca para apresentar ao público um
material de qualidade. Nesse sentido, são elaborados produtos, na maioria das
vezes, com os melhores instrumentos, com um empenho próprio de quem está
envolvido diretamente com a sua arte.
Cada cena, a seu modo, cria maneiras de pôr em circulação os seus
produtos. Eduardo Vicente (1997) aponta que um estúdio caseiro no final dos anos
1990 era relativamente barato, dada as possibilidades de adquirir os aparelhos e
insumos necessários para se montar um aparato mínimo para gravação. No início
dos anos 2000, com a avanço das tecnologias da informação, já seria possível
gravar um disco inteiro em um quarto nos fundos de uma casa. Isso se tornava
possível por meio do uso de softwares baixados gratuitamente ou pirateados na
internet por qualquer um. Em termos de qualidade, ela não se diferencia muito das
gravações em estúdios profissionais. Nos dias de hoje é possível gravar um álbum
inteiro em um quarto, mantendo ainda assim uma boa qualidade de som. Isso ocorre
graças à evolução dos softwares, como o “Cubase” ou “Studio Pro”, desenvolvidos e
fornecidos pela empresa Steinberg, que já está em sua 8ª versão. Este programa
grava, mixa e possibilita a utilização de uma série de ferramentas que vão desde a
sugestão de acordes em uma determinada composição, até mesmo a utilização de
instrumentos virtuais nas gravações, podendo ouvi-los instantaneamente. Vale
ressaltar que o preço médio de um pacote contendo o sistema avançado como o
“Cubase” varia entre R$ 2000,00 e R$ 3500,00. Contudo, são programas que são
bastante pirateados, reduzindo o custo a zero. É possível também conseguir uma
cópia, já com a chave de decodificação, a preços módicos em locais especializados,
como na Rua Santa Efigênia, no centro da cidade de São Paulo.
A atualmente chamada “música cristã contemporânea”, que contempla
também a música católica, mas mais conhecida pelo termo gospel, é um nicho
altamente lucrativo do mercado fonográfico brasileiro. Ela se desenvolveu a olhos
vistos desde o início dos anos de 1990, acompanhando o crescimento da população
52

de evangélicos pentecostais e neopentecostais no País (CUNHA 2007; SILVA 2012;


SOUZA 2002; VICENTE 2008; VICENTINI 2007). Seus números impressionam e
servem para demonstrar a consolidação de um modo de produzir, difundir e vender
discos. Segundo a ABPD, apenas em números oficiais, temos artistas com carreiras
consolidadas, como é o caso da banda “Ministério de Louvor Diante do Trono” que
ao longo de mais de vinte anos vendeu cerca de 10 milhões de cópias. Somente o
álbum intitulado “Preciso de Ti”, lançado por selo próprio, também chamado de
“Diante do Trono”, alcançou a venda de 2 milhões de cópias vendidas. Entre os
artistas solo, as cantoras são as maiores vendedoras. Nomes como Shirley
Carvalhaes (42 anos de carreira), Cassiane (38 anos de carreira), Aline Barros (24
anos de carreira), apenas para ficar em alguns nomes, venderam mais de 7 milhões
de cópias cada. Elas foram contratadas por gravadoras como Warner Music Brasil,
Sony Music, mas a grande maioria dos seus trabalhos foi publicada por gravadoras
do meio evangélico.
Desde o seu início, esse mercado está fundamentado em torno das igrejas,
articulando apresentações ao vivo e vendas de discos (CUNHA, 2007; SILVA, 2012;
SOUZA, 2002). Apesar de ocorrer a venda de cópias de discos por veículos
convencionais, como lojas físicas e virtuais, em muitos casos as apresentações
ocorrem em igrejas. Tais apresentações são negociadas tendo como base a venda
de um determinado número de discos. Ou seja, quanto mais o artista tiver projeção
do seu nome no meio, mais chances terá de ser “convidado” a se apresentar nesses
espaços de culto. Nesse caso, a igreja adquire uma quantidade de produtos do
artista e este se dispõe a se apresentar para a comunidade. Há, portanto, um
intercâmbio entre o serviço prestado pelo artista à igreja, a venda de sua música e o
empréstimo de sua imagem à igreja. Na maioria das vezes trata-se de uma
estratégia para atrair mais fiéis para as suas fileiras. Outro elemento interessante
que ajuda a consolidar as vendas nesse circuito é a relação entre o colportor e a
biblioteca da igreja. O colportor é um vendedor especializado em vender produtos
evangélicos para evangélicos. Entre os itens que mais lidam estão livros, bíblias e
discos. Geralmente, os acordos são firmados em consignação. O vendedor deixa os
produtos na biblioteca da igreja e passa para receber o valor correspondente às
vendas (SILVA, 2012, p. 95). Trata-se de uma estratégia de venda amplamente
conhecida por venda consignada. O vendedor só recebe pelo que efetivamente
vende.
53

Entretanto, é interessante notar que, como em qualquer seguimento,


encontramos as práticas periféricas – ou, se preferirem, dominadas. Ou seja,
aquelas que são vistas como “desinteressadas” dentro do meio evangélico. Os fiéis
que têm mais aptidão (ou dom do louvor, como dizem) são designados a lidar com a
execução das músicas. Em sua maioria são estes que irão gravar um CD junto à
banda ou ao conjunto de louvor da igreja. Mas há também aqueles que, ao
comporem as suas canções, gravam em pequenos estúdios que oferecem trilhas
pré-moldadas, o que possibilita gravar na hora quantas cópias de CDs o cliente
necessitar. Mesmo estas produções seguem a mesma lógica de vendas casadas
descritas anteriormente. Muitas ações passam longe do esquema profissional ditado
pelo mercado de música gravada, mas mesmo assim põem em circulação uma série
de produtos voltados para o público evangélico, partindo de propostas individuais ou
coletivas, propiciadas por grupos de louvores ou das próprias igrejas. A maior marca
dessas práticas configura-se justamente no aspecto de agir de maneira autônoma
ou com ajuda da comunidade13.
Um outro exemplo interessante e digno de nota foi analisado por Expedito
Leandro Silva (2014) no livro Tecnobrega: do bordel às aparelhagens. No circuito do
tecnobrega, Silva nos apresenta o universo multicolorido das festas criadas a partir
das ações de djs do Pará que une tradição, indústria cultural e adesão às
tecnologias digitais.

O computador - instrumento principal para realizar as festas de


aparelhagens - é utilizado pelo DJ para executar as músicas e também para
fazer mixagens. Porém, durante toda a festa, outro computador fica ligado o
tempo todo, gravando tudo que acontece naquele evento. Ao término da
festa, a produção da aparelhagem já disponibiliza cópias em CD (pequena
quantidade) que contém tudo o que “rolou” durante a festa (SILVA, 2014).

Esta é uma estratégia de venda que gera um vínculo direto entre o artista e
público, dado que comprar o produto diretamente com quem o produziu e tendo
você mesmo participado da gravação na plateia é um diferencial dificilmente
alcançável pela indústria da música. Isso se torna possível no circuito como o do
tecnobrega, devido à criatividade que os produtores lançam mão. Silva (2014) nos
revela outra alternativa que os produtores desenvolveram para escoar a sua

13 Para maiores detalhes, cf. Silva (2012).


54

produção, tendo como suporte a rede de vendedores ambulantes da grande Belém.


Sobre isso, o autor afirma:

O mercado informal em Belém, portanto, surge e se desenvolve em meio às


transformações tecnológicas ocorridas na musicalidade bregueira,
sobretudo com a invenção do estilo tecnobrega, que, estando à margem do
mercado formal, propiciou um novo mercado de trabalho e um novo modelo
de negócios. Em sua plenitude, não é possível afirmar que o tecnobrega é
um tipo de negócio informal, ou seja, é uma junção da informalidade e
legalidade legitimada por toda sociedade paraense, isto é, sendo usuária,
apreciadora desse segmento musical ou não, em geral há um respeito por
parte das classes sociais (SILVA, 2014).

Sob o signo da “novidade”, a música nesse circuito é feita freneticamente e


distribuída da mesma forma sem custos e toda semana aos camelôs, estabelecidos
nas proximidades do mercado “Ver-o-peso”. Estes vendem as cópias dos CDs a
preços baixíssimos, chegando a custar menos de 5% de um CD distribuído pelas
grandes gravadoras. Mas o que os artistas ganham com isso? A resposta é simples:
ao colocarem a sua música em circulação, fazem-se conhecidos, o que possibilitará
um maior número de pessoas em suas apresentações. É daí que retiram a sua
renda (SILVA, 2014).
Mais próximo ao punk, o chamado heavy metal extremo foi analisado por
Compoy (2010) e trata-se do underground do heavy metal. A palavra extremo
sugere uma separação entre os artistas e o público ligados ao mainstream. Ao
mesmo tempo, ela remete também para a sonoridade explorada pelas bandas
pertencente a este cenário. Ocorre algo interessante nesta cena denominada
underground do heavy metal extremo no Brasil. Aqui, predominam ações que
envolvem os adeptos do black metal, com a elaboração de produtos em que o fã se
torna também o divulgador da cena. Isso ocorre através da produção, difusão e
distribuição de músicas e também fanzines. Muitas vezes, os próprios fãs são os
músicos, ou também os produtores e distribuidores da produção. Eles lançam
também outros grupos através de selos, criados para agir em parceria com outros
fãs e membros de outras bandas. Assim, a economia deste espaço dá a entender
que ela está baseada em um circuito de trocas em que a questão do lucro é
secundária.
De maneira similar, e ainda mais aproximado ao punk, sendo uma de suas
vertentes, o straight edge se configurou como um movimento dissidente do punk.
Em suas bases éticas, ele mantém críticas ao capitalismo, ao uso de drogas lícitas e
55

ilícitas, ao sexo promíscuo e mantém-se ligados às causas animanitárias, além de


serem adeptos do veganismo (BITTENCOURT, 2017; SOUZA, 2006). Na cidade de
São Paulo o seu surgimento é controverso e está ligado às dissidências ocorridas
dentro do movimento de Jovens libertários (JULI), frequentada em grande parte por
anarcopunks14. A partir da sua ampliação, o straight edge sedimentou-se em uma
rede de práticas Do It Yourself, principalmente em torno da música, agregando para
as suas fileiras um contingente majoritariamente de classe média (FERNANDES,
2015; HAENFLER, 2004). Esse contingente, por questões eletivas, foi se afastando
dos punks até contar com a sua própria cena. Assim, o straight edge manteve uma
série de bandas, locais para apresentações e espaços para circulação de
mercadorias, como fanzines, camisetas e produção e gravação discos.
Especificamente em relação à questão da música gravada, procurou-se manter as
atividades sob controle. Daí, poderíamos destacar a presença de selos como a
“Liberation Records” e a “Cur Voices Records”, ambos fundados nos anos 1990. Por
estarem mais voltados para si mesmos, a cena foi se tornando cada vez mais
sectária, o que dificultou maiores trocas entre os grupos.
Tendo em vista que são universos sociais distintos, e que as pretensões dos
autores não era tratar diretamente do tema da música gravada, eles guardam
semelhanças relativas, mas nunca absolutas. O que se verifica de mais interessante,
primeiramente, é uma atitude autônoma de produção de tipos de música que não se
enquadram nos moldes da indústria fonográfica, seja dentro dos formatos padrões
até os chamados alternativos. Esta atitude estaria ancorada também no uso patente
das novas tecnologias de gravação e produção musical. Outra semelhança notada
mostra que as produções são bancadas pelos próprios participantes das cenas,
sendo que em muitos casos o lucro é pífio ou, quando muito, é reinvestido para
fomento de novos projetos. É interessante dizer que essas pessoas não têm na
música o seu meio de sobrevivência, mas é através dela que se expressam. São
profissionais de vários segmentos, desde de setores operacionais (pedreiros,
guardadores de carro, motoristas, motoboys), até trabalhadores liberais
(professores, advogados, gerentes de estabelecimentos comerciais).

14Mais adiante trataremos com maiores detalhes sobre esse ramo do punk. Por ora, basta
compreender que esta vertente trouxe consigo maior radicalidade à cena, inserindo pautas políticas
que antes eram tratadas muita lateralmente entre os punks da capital paulista.
56

Diante disso, caberia perguntar: se “o mercado” não é o fator preponderante


nesses espaços, qual seria a lógica que atravessa esse tipo de prática cultural?
Como dito anteriormente, a nossa hipótese é que para além de um sentido
econômico, estas ações estariam mais focadas na rede de sociabilidade/identidade.
Ou seja, na partilha de significados, fazendo com que a música gravada carregue,
em termos gerais, a representação de suas visões de mundo. E, quando nos
remetemos à partilha, apontamos para a complexidade que envolvem essas trocas.
Se podemos pensar que o mercado não é o suficiente para responder as
indagações feitas, ele serve ao menos para pensar as homologias que se
estabelecem entre ele e estes espaços simbólicos. Nos textos que compõem o livro
A economia dos bens simbólicos (2015), Pierre Bourdieu nos ajuda a pensar as
trocas simbólicas tendo o mercado como uma espécie modelo. A lógica
concorrencial, a acumulação de capitais, as estratégias para obtenção destas, todas
essas ferramentas se transformam em ferramentas para compreender o presente
objeto.
Compreender esses espaços como espaços de lutas por capitais e distinção
nos leva a pensar quais são os objetos de disputa, mas também os consensos e as
alianças. Nas produções ocorridas no meio evangélico o que fornece a tônica é um
sentido de divulgar a “palavra” através da música gravada (SILVA, 2012). Esta
tônica está presente desde a dinâmica das apresentações de artistas de renome no
circuito de igrejas, chegando até a gravação de músicas em estúdios que “facilitam”
o processo. O que se dá através de estratégias como trilhas pré-moldadas, para
aqueles fiéis que arcam com as despesas do próprio bolso. Já no tecnobrega
paraense, toda a gama de artistas que não possuem contratos com gravadoras ou
têm um sucesso em termos nacionais, como a banda “Calipso”, parecem seguir uma
estratégia comum de uso da música gravada como meio de divulgação das
apresentações ao vivo. A concorrência se estabelece ao levar ao público a música
mais nova do momento em um espaço de tempo muito curto, o que favorece a
relação entre público e artistas. Por outro lado, o circuito de gravação do “Metal
extremo” fora do mainstream (bandas de projeção local e internacional) nos
apresenta ações que são bastante aproximadas do punk, com uma diversidade de
ações individuais, selos e distribuidoras.
Assim, de maneiras distintas, a lógica do DIY atravessa as realidades que
foram brevemente descritas acima a título de exemplo. Se não de maneira explícita,
57

mas de todo modo verificável nas práticas desses agentes, o “fazer você mesmo”
revela uma postura que procura atuar de maneira ativa frente às dificuldades que se
apresentam a cada grupo. Entretanto, as similitudes com o punk param por aí.
Nesse sentido, cabe dizer que mesmo que nesses grupos o DIY não apareça como
elemento agregador, como veremos com o punk, é importante destacar que
encontramos certa homologia entre as práticas desenvolvidas nesses espaços.
Um trabalho relativamente recente é exemplar na tratativa da questão da
música gravada se mostra diferente punk. Trata-se do livro “Punk Record Labels and
the Struggle for Autonomy” (2008), escrito por Alan O’Connor. O que é interessante
deste trabalho é o fato de que para a análise o pesquisador utilizou os construtos
teóricos desenvolvidos por Bourdieu. Assim, noções tais quais classe social e
habitus operacionalizados deram conta de revelar que nos EUA e Canadá esses
empreendimento estava mais vinculados à pessoas de classe média. O autor
demonstra através de vários exemplos empíricos e entrevistas com proprietários de
pequenos selos que estes estão calcados em redes de amizade e sociabilidade e
não agem como negócios nos moldes capitalistas. Assim, equivaleria dizer que
esses pequenos selos punk mantém como diferença ações anticapitalistas, e
voltadas para a manutenção da própria cena, mas não vinculados à indústria do
disco tal qual os selos como o mundialmente famoso Dischord, citado acima. Longe
de ser regra, estes empreendimentos de renome mundial seriam a exceção. O que
se mostra no trabalho de O’Connor é que na cena americana e canadense o que
impera são empreendimentos microscópicos que poderíamos chamar de selos DIY.
Mas como essa lógica poderia ser pensada no contexto brasileiro, em especial o
contexto da cena punk paulistana? Com vistas a isso, seria importante refazer o
caminho verificando os elementos constitutivos desta cena.
58

CAPÍTULO 2 - O PUNK PAULISTANO E MUNDIALIZAÇÃO DA CULTURA:


ROCK, CINEMA E MPB

“Temos que exercer nossa individualidade


Percebendo, porém, que somos uma parte/ Lutar por
si mesmo, e pelo bem comum/ Ser um indivíduo, mas
não ser mais um.”
(Execradores – Vida)

Como vimos no capítulo anterior, há uma variedade de práticas em torno do


que atualmente chamamos de “música gravada”. Podemos dizer, em linhas gerais,
que há a presença dominante de empresas que têm como foco a venda dos
suportes em que as músicas produzidas por artistas são veiculadas. Mas há também
outras atividades que não estão circunscritas fundamentalmente pela lógica da
economia capitalista. São nestas atividades que nos interessa reter a atenção.
Pudemos distinguir as experiências que orbitam a zona mais proximal das
grandes empresas do setor fonográfico. Os selos e as gravadoras chamadas indie,
uma espécie de postos avançados das majors, são distintas de outras práticas que
de fato não são empreendimentos comerciais na acepção mais pura do termo, pois
respondem a outras lógicas econômicas. Tendo isso em vista, vimos que, no eixo do
que chamamos de “produções marginais”, existem experimentações variadas, cada
uma respondendo ao horizonte simbólico do grupo em que tem origem. Destas,
destacamos o caso punk como um exemplo peculiar, já que este congrega de
maneira duradoura e, até aqui exitosa, uma espécie de resistência às ações da
grande indústria. É preciso dizer que se apresentam desta maneira no âmbito do
que é possível realizar. São experiências que se estabelecem a partir do contexto
vivido por indivíduos organizados em torno de um mesmo grupo de afinidades.
Sem nenhum apego a rebuscamentos ou disfarces em relação às mensagens
transmitidas, seja por sua indumentária, ou por sua música brutal, tudo no punk soa
como urgente e direto. Em geral, apresenta-se esteticamente através de conteúdos
simbólicos carregados de elementos que exprimem uma visão aguda sobre a
sociedade. Revolta, contestação e agressividade são apenas alguns dos
sentimentos que demonstram isso. A sua arte ultrapassa o mero modismo e se
insere em práticas culturais que visam desafiar a ordem estabelecida, demonstrando
uma capacidade criativa interessante. Parte disso é favorecido pelo fato de que há
um núcleo ético e estético que se adaptam bem às realidades locais: o Do It Yourself
59

(DIY). O que apresentaremos a seguir são argumentos sobre como esse processo
pode ser compreendido. Para tanto, lançaremos mão da contribuição de estudiosos
que se debruçaram sobre o punk fora e dentro do Brasil. Não intentamos com isso
apresentar todas as visões, mas captar aquelas que nos ajudam a lidar com a
produção de música gravada por punks na cidade de São Paulo.
Nesse sentido, no presente capítulo pretendemos, principalmente, apresentar
o panorama histórico dos elementos simbólicos que dão base para que uma música
específica possa surgir. Buscaremos, ainda, apresentar como a estética e ética punk
se fundem em elementos e práticas simbólicas específicas e localizadas que são
partilhadas, sobretudo (mas não exclusivamente), entre uma parcela de jovens
moradores da periferia da cidade de São Paulo. A partir disso, a intenção é
apresentar como as atuações frente à música gravada se cristalizaram ao longo dos
anos entre os punks de São Paulo. Em última instância, procuramos responder a
questão sobre por que estas realizações sobrevivem e quais foram suas estratégias.
Para tanto, faz-se necessário investigar como os elementos estéticos do punk
circularam e se mundializaram.

2.1 O punk pensado em sua emergência: classe trabalhadora, efeito de


choque, subcultura e bricolage.

A seguir, buscaremos sublinhar alguns pontos que marcam o punk. Não de


modo a enquadrá-lo em uma caracterização estanque (dado que trata-se de uma
cultura que apresenta muitas facetas e não está livre de contradições internas e
externas), mas ao menos trazendo à baila os seus elementos fundamentais. Para
tanto, dos trabalhos mais interessantes que tomaram o punk nesse sentido,
destacamos três. Os dois primeiros foram escritos no contexto inglês, no auge das
movimentações iniciais desse grupo. Em Laing (1978, 1987), temos uma ênfase na
verificação do fenômeno através da música. Já em Hebdige (1979, 2012),
encontramos uma visão mais abrangente que o trata como uma subcultura, tendo o
foco direcionado para o estilo como força motriz. E em Guerra (2015) temos uma
tentativa de caracterização que engloba três traços deste grupo e que nos ajuda a
mirar um olhar melhor direcionado.
60

Um dos primeiros trabalhos de peso sobre o punk enquanto grupo foi feito por
Dave Laing (1978). No artigo “Interpreting Punk Rock”, o autor discorre sobre a sua
percepção sobre o punk enquanto forma musical, no qual faz um balanço sobre as
bases que deram sustentação ao movimento na Inglaterra. São elas: os movimentos
contraculturais dos anos 1960, e a mensagem do “Glam Rock”, em um segundo
momento. Assim, apresenta alguns apontamentos históricos sobre o cenário musical
inglês do final dos anos 1970, que ficou marcado pela existência de bandas
descoladas de suas realidades sociais, voltadas para si mesmas e distantes de seu
público. O punk surge aí, no eixo das contradições ocorridas com a música popular
inglesa, como resposta a uma situação de domínio irrestrito das gravadoras. Nesse
sentido, a novidade punk é apresentada como uma música da moda. No entanto,
segundo o autor, é mais do que isso. Sendo um gênero musical, ele reintroduz com
maior assertividade questões políticas em suas letras, em comparação às bandas
folk surgidas nos anos de 1960. O conteúdo é mais direto e envolve o cotidiano de
vida das classes populares. Temas como desemprego, críticas à rainha, embates
com a polícia são alguns dos elementos explorados por bandas como The Clash e
Sex Pistols, dentre outras. Mas há também um apelo aos temas de corte sexual, o
que faz transparecer uma visão de mundo popular e sexista.
Na realidade, tudo isso se mostra próximo do dia a dia das classes populares.
Não obstante, tratar desses assuntos nas letras rendeu às bandas visibilidade e
censura de lojas de discos e emissoras de rádio. Esse modus operandi das bandas,
baseado na hostilidade, acabou por ser uma marca da estética da música punk.
Esta, como aponta Laing (1978), estabelece-se no tripé: 1) rejeição ao status quo,
que se estabelece na captura dos artistas pelo capital; 2) rejeição da excelência
artística, isto é, uma recusa a apresentar-se musicalmente de maneira técnica, sem
erros; 3) acionamento constante do DIY, como maneira de se contrapor a atuação
das grandes empresas do ramo fonográfico.
Outro aspecto interessante denotado por Laing (1978) é a ideia de que o punk
surge na esteira dos desdobramentos que se expressa esteticamente através do
choque. Apoiado teoricamente em Walter Benjamin, o autor trabalha as ideias de
efeito de lazer e efeitos de choque para compreender o punk. Para ele, os dois
efeitos estão presentes neste. Os efeitos de lazer se apresentam já de antemão em
produtos culturais produzidos em larga escala, mas também se espraiam em relação
aos itens elaborados dentro do escopo do efeito de choque. Neste caso o efeito de
61

choque é esvaziado de seu sentido e realocado como lazer. Em contraposição, este


efeito se realiza através de uma estética que está em constante movimento, ou
aquela que mobiliza ideias políticas. No caso de produtos como indumentárias e
roupas, há um constante abastecimento de “invenções” que apontam para a
manutenção do efeito de choque. Na música, isso se expressa através do vocal e
das letras, ficando cristalizada uma forma de ver o mundo e apresentá-lo tal como é,
mesmo que as cores sejam carregadas aqui e ali. Assim, o efeito de choque ganha
força para se manter. Dito de outra maneira, mesmo havendo uma hegemonia do
efeito de lazer sobre o de choque, o efeito de choque interrompe o processo de
efeitos de lazer. Isso leva o material produzido neste contexto a não ser digerido
pelo público, que passa a não poder ignorá-lo.
As roupas, os símbolos utilizados, a sua música buscam se mostrar como
chocantes, estando assim em constante conflito de significação com a sociedade.
Esse choque deliberado e intencional é a tônica das ações simbólicas projetadas
como maneira de se apresentar ao mundo e de intervir nele. A visão de Laing (1978)
nos mostra uma compreensão do punk como um gênero musical específico, com
suas contradições e suas particularidades, destacando-se daí um plano simbólico
que se mostra através da hostilidade ao estado de coisas vividos na música popular
e na vida cotidiana das classes populares. Essa rudeza denunciada em versos e
músicas se expressa visualmente através do choque e é neste que o autor nos
revela um ponto interessante sobre a estética punk.
No livro Subcultura: O significado do estilo, Dick Hebdige (2018) traz uma
visão direcionada às subculturas, tratando o punk como um exemplo importante.
Neste trabalho, o autor concentrou as suas atenções em visualizar este grupo como
uma subcultura15 de origem proletária, tendo sua presença marcada por uma
estética minimalista, desenvolvida por meio de práticas de bricolagem e
marcadamente juvenil. Dentro dessa visão, tratando das suas raízes musicais, nas
palavras do autor:

15 As subculturas se constituem em práticas culturais veiculadas por parcelas minoritárias da


sociedade. Entre elas há toda uma complexidade de ações que só podem ser verificados em sua
inteireza se compreendermos a relação que mantém com a cultura hegemônica. Para Hebdige (2018
[1979], p. 192): “As subculturas representam o ‘ruído’ (em contraposição ao som): interferência na
sequência ordenada que leva os acontecimentos e os fenómenos reais à sua representação nos
meios de comunicação.”
62

[...] o punk reivindicava origens duvidosas. Influências que derivam de David


Bowie ao glitter rock foram se entrelaçadas com elementos do punk
americano (The Ramones, The Heartbreakers, Iggy Pop, Richard Hell), de
uma parte do pub-rock londrino (The 101’ers, The Gorillas, etc.) inspirada
pela subcultura mod dos anos 1960, a emergência da cultura teddy boy dos
anos 1940 e das bandas r&b do sul de Londres (HEBDIGE, 2018, p. 106).

Essa postura denota uma característica de ser um movimento baseado na


bricolagem frente à música, acompanhada também pelo vestuário. O modo de
compor um “visual” com colagens, os recortes e reordenamento dos significados são
uma marca evidenciada pelo autor. Em termos políticos, o punk pode ser lido em
parte como uma tradução branca da etnicidade negra do reggae, dado que faziam
uma leitura política da Inglaterra muito próxima da visão rastafari partilhadas pelos
reggaes men. Estes viam no ocidente a representação da corrupção, relacionando-o
à Babilônia antiga, ou seja, para este grupo, o ocidente seria uma civilização em
decadência. Este entendimento levou os punks a se mostrarem mais arraigados a
temáticas vinculadas à sua classe social, ou, pelo menos, entrever suas posições de
classe. Como expõe o autor:

O punk representa portanto uma adenda rabiscada perante o “texto do glam


rock - uma adenda pensada para destruir o estilo extravagante
ornamentado do glam rock. A retórica de rua do punk, a sua obsessão com
a classe e a distinção eram expressamente designadas para subverter o
intelectualismo da geração anterior de músicos rock. Esta reação direcionou
por sua vez o new wave para o reggae e outros estilos homólogos que o
glam rock originalmente excluíra. O reggae atraiu os punks que desejavam
dar uma forma tangível à sua alienação. Detinha a convicção necessária, a
mordacidade política, tão conspicuamente ausente de grande parte da
música contemporânea branca (HEBDIGE, 2018, p. 156-157).

Desse modo, poderíamos dizer que a estética descrita pelo autor está
atravessada por uma intencionalidade e reposicionamento de códigos e símbolos de
modo a ressaltar uma urgência em mostrar o seu descontentamento. Apesar de nos
levar a compreender esse horizonte de práticas, o autor dá pouca ênfase à música
enquanto texto. Sua aposta é focalizar o contexto das subculturas, tendo como
orientação o embate entre cultura hegemônica e cultura subalterna (TAGG;
CLARIDA, 2003, p. 83 apud GUERRA; QUINTELA, 2018, p. 28).
De um outro ângulo, Reynolds Simon (2005), assinala que a palavra punk é
polissêmica e traz consigo várias significações. A primeira delas está mais voltada a
contradição, mantendo alguma unidade no que tange à sua postura frente aos
63

valores da classe dominante, mas sem fazer dela um trampolim para propor-se
enquanto movimento de transformação da sociedade. Há uma emotividade inerente
ao punk que se visualiza com facilidade com que expõe seus sentimentos pelos
veículos de comunicação que utiliza. Por outro lado, este movimento empresta a
várias outras manifestações as suas cores, sendo um grande doador de sentido e
posturas. Soma-se a isso ao fato de que ele é direcionado a ser pensado como uma
espécie de reforma de si mesmo, dado que teve a sua guinada quando ocorreram as
crises. Assim, teríamos, para autor, uma palavra que se assume problemática em
termos de significações, mas que lança para o futuro as suas preocupações.
De modo a compreender o punk de modo mais abrangente, Augusto Santos
Silva e Paula Guerra (2015), no livro “As palavras do punk: uma viagem fora dos
trilhos pelo Portugal contemporâneo”, propõem uma visão tripartida (que não é
senão uma caracterização). Os autores, por esse ângulo, fornecem-nos bases com
as quais podemos abordar o fenômeno. Nesses termos, eles propõem que o punk é
uma forma musical; um movimento cultural; e uma cena. Enquanto forma musical,
ele trouxe à lume uma nova maneira de lidar com a lógica de cooptação,
característica da indústria cultural. Essa maneira, além ser uma inovação, é também
a continuidade com o que ocorreu anos antes com os movimentos contraculturais.
Dentro dessa dinâmica, propõe-se uma ruptura com a noção de especialização
musical: qualquer um poderia ser músico, criar a sua própria música, bastava se
mostrar disposto a isso. Aqui encontramos o cerne do DIY, isto é, um chamamento à
prática através de uma concepção que se volta às raízes e à simplicidade de se
expressar pela música.
Entretanto, é também um movimento cultural. O punk surge dentro da esteira
do processo que veio a se desenvolver no pós-guerra, no qual os jovens tornaram-
se sujeitos de sua própria história. Ou melhor, tornaram-se os protagonistas da
emergência de uma cultura popular de caráter internacional, conhecida como cultura
pop (MIRA, 2009). Vale ressaltar, no entanto, que os punks se distinguem dos outros
grupos por serem radicais em suas propostas e visões de mundo, mantendo-se no
underground e tendo no DIY a sua pedra de toque no que tange às práticas culturais
e às ações político-performativas. Em último lugar, ver o punk como uma cena
permite vislumbrar a complexidade das partilhas simbólicas organizadas em torno de
interesses e significados comuns. Dessa maneira, é possível compreender as
práticas, hábitos de consumo e lazer que servem como interação, agregam-se,
64

transformam-se, transgridem e elaboram novas concepções desse espaço de


partilhas.

2.2 Punk em SP - A literatura sobre punks no Brasil em São Paulo

Na literatura produzida sobre o punk no Brasil encontramos visões que se


complementam e demonstram essa premissa. O primeiro trabalho que trata sobre
esse grupo é o do jornalista, escritor, dramaturgo e jornalista Antônio Bivar. O autor
foi um dos primeiros entusiastas do movimento no Brasil. Ele idealizou e organizou
junto com punks o primeiro festival do gênero na América do Sul. Além disso, ajudou
a dar foco a eles com as suas matérias e com o livro O que é Punk, publicado em
1982. Nele, o autor procura contar a história do punk e a sua introdução no Brasil,
fazendo um roteiro apoiado naquilo que foi noticiado pela grande mídia e nas suas
próprias experiências com os punks paulistanos. Na sua visão, o punk se
caracterizava como um “movimento de rebelião juvenil”. Para o autor, a rebeldia
seria o ingrediente principal desse caldo cultural, já que se apresentava em todas as
práticas, seja no vestuário, passando pelas ideias, as letras de música e a
sonoridade característica. Esse componente estético e ético serviria para que se
consolidasse uma cultura punk. Entretanto, falta nesse trabalho um maior cuidado
com a própria questão da ideia de rebelião que, ao que parece, oscila entre a
fascinação e o entusiasmo pela novidade cultural – o que soa quase como uma
visão idílica do punk. De todo modo, o trabalho é um marco no tratamento dos
primórdios dessa (sub)cultura no Brasil.
Já Janice Caiafa (1985), em seu livro intitulado Movimento punk na cidade: a
invasão dos bandos SUB, apresenta outra visão. A pesquisa realizada na cidade do
Rio de Janeiro, no início dos anos 1980, trata da estética do punk como sendo
baseada no confronto e na crítica à sociedade, apresentando-se como contraponto a
esta através do visual. A autora apresenta o grupo com uma face mais homogênea,
tratando as suas partilhas como algo que foi sendo tecido a partir da música. O rock
n’ roll, como apontado acima, teria em parte dado o suporte para que o “Movimento
Punk” pudesse surgir. A partir daí, junto à lógica da “quase delinquência”
mencionada por ela, houve a emergência de um grupo unido pela repulsa ao
estabelecido.
65

Na esteira de reflexão do punk a partir de uma concepção estanque de


atuação dos jovens na modernidade, Maria Helena Wendel Abramo (1994) traça um
quadro amplo e multifacetado não apenas do punk, mas de outras subculturas
emergentes no contexto dos anos 1980 no Brasil, em especial na cidade de São
Paulo. A autora defende que a estética punk denota uma maneira de mostrar ao
grande público a relação conflituosa e beligerante que a própria sociedade mantém
em relação aos jovens pobres, moradores das bordas das cidades. Assim, os punks
assumem os estereótipos e jogam de volta com violência explícita as falhas de uma
sociedade marcadamente preconceituosa e autoritária, seja por meio do vestuário,
seja por meio de sua música. Há, aqui, uma percepção interessante da situação de
classe percebida por este grupo. Mesmo considerando que essa percepção não seja
plenamente racionalizada em termos de uma organização mais abrangente, os
punks são levados a assumir explicitamente a carga de preconceito e rejeição. Eles
fazem disso uma arma de defesa e também de denúncia de sua própria condição.
Tal percepção seria também uma demonstração de rompimento com a conduta de
outros grupos jovens surgidos no mesmo período.
Rompendo com a percepção de Caiafa (1985) e assumindo maior
aproximação com as observações de Abramo (1994), Ivone Gallo (2008, p. 766-767)
diz que

Com relação à estética punk, ela extrai os seus parâmetros do lixo, da


escuridão, dos becos e das vielas o que absolutamente para a maioria das
pessoas não alcança a representação do belo, nem do bom, nem do bem,
entretanto, esta valorização dependerá sempre do enfoque de cada um.
Dificilmente saímos do universo punk incólumes com o culto da tristeza, o
niilismo ritualizado [...].

Se há uma relação direta com o que é sujo, desordenado, violento e triste, o


fato é que o punk denota isso como uma crítica à sociedade capitalista,
demonstrando o que eles acreditam que ela realmente é. O grupo manifesta isso
através do uso dos seus corpos, de suas vestimentas e das suas práticas culturais.
Assim, temos que a estética punk inverte os sinais do que viria a ser belo para o
conjunto da sociedade – a ordem, a limpeza, a simetria, etc. – e o faz como
manifesto individual e coletivo. Essa estratégia, como defende Caiafa (1985), revela-
se como uma maneira de não se tangenciar pela indústria cultural. Nesse sentido, o
visual agressivo e provocativo é utilizado como uma forma de sobrevivência do
66

grupo frente às investidas da cultura de massa. O que não deixa de ser curioso,
dado que parte dessa cultura já faz parte da cultura de massa, pois é veiculada por
ela, mas luta para não ser totalmente absorvida.
Enfim, no geral, estes trabalhos buscam verificar o punk sob o olhar de uma
cultura juvenil urbana, dotada de sentidos político-estético-performáticos. Vemos aí
que trata-se de um fenômeno multifacetado e que dificilmente poderia ser visto
apenas por um ponto de vista. De todo modo, podemos dizer que há uma ênfase em
tratar, aqui no Brasil, esta subcultura como algo restrito apenas à juventude.
Contudo, como já demonstrou Andy Bennet (2006), essa ideia não se aplica, dado
que as ligações com o punk perduram durante a vida adulta, e inclusive moldam as
suas condutas posteriores a juventude (GUERRA, 2013).

2.3 O punk e a mundialização da cultura: elementos para a composição de sua


música gravada.

Desde o seu surgimento, o punk rock se transformou rapidamente em um


fenômeno internacional (ABRAMO, 1996; CAIAFA, 1985; COGAN, 2010;
ESSENGER, 1999; MCNEIL;MCCAIN, 2014; OLIVEIRA, 2011), tendo sido gestado
entre os Estados Unidos e a Inglaterra. Ele expressava musicalmente um
comportamento desviante, transgressor, influenciando artistas e gêneros musicais, e
mobilizando pessoas em torno de ideias libertárias (HOME, 1999, p. 125). A atitude
e a agressividade manifestas nas músicas rápidas e diretas, nas letras
contestatórias e nas performances violentas, trouxeram tal visibilidade que o punk
rock oscilou na mídia desde o seu surgimento entre o fascínio e a repulsa
(HEBDIGE, 2018). Por outro lado, essa manifestação focalizou também na ética do
Do It Yourself (DIY), marcado pela clareza e simplicidade, gerando aderências em
vários locais do globo – como já apresentado. O que serviu, grosso modo, para unir
em torno de sua proposta uma juventude ávida por externar os seus pontos de vista,
as suas identidades e a sua própria existência. O aporte sonoro utilizado foi o rock’n
roll, gênero musical já consolidado e que ocupava uma posição privilegiada na
cultura pop internacional. Isto é, um ritmo amplamente acolhido entre os jovens
ocidentais, principalmente por carregar frescor e visceralidade como marcas. Trata-
se, como nos lembra Paula Guerra (2010), de um dos ritmos que constitui o que hoje
é chamado de música popular (pop music). É uma forma musical que se entrelaça
67

bem com sonoridades locais, colocando-se, assim, como um componente essencial


na indústria da música gravada. Ela se constitui, ainda, como um terreno onde se
estabelecem identidades, representações sociais e uma memória coletiva. Mas
como compreender o desenvolvimento destes pontos condensados em uma
manifestação cultural mundializada específica?

2.3.1 Punk enquanto movimento cultural global expresso nos espaços urbanos

O punk, nesses termos, se mostra como um exemplo interessante, dado que


é culturalmente global, ao mesmo tempo em que se adequa bem ao plano local.
Aliás, como vertente do rock’n roll, carrega em si a marca da indústria cultural, sendo
ele “meio estrangeiro em qualquer lugar” (ABRAMO, 1994, p. 96), mas com uma
roupagem que carrega elementos que podem ser moldados a qualquer realidade.
No Brasil dos anos 1980, quando o chamado rock nacional se estruturou, muitas
bandas que se tornaram sucesso de vendas se inspiraram no punk. Elas utilizaram a
sua sonoridade e assumiram parte dos discursos próprios desse meio, tais como a
crítica social crua, direta e sem rodeios. Algumas delas começaram como bandas
punk, mas, após obterem sucesso de vendagens e de público, abandonaram tal
alcunha. Os casos mais emblemáticos são os das bandas de Brasília, como Legião
Urbana e Capital Inicial (MARCHETTI, 2001). Como expõe Rochedo (2011, p. 26):

Em parte, a grande influência vem do movimento punk anglo-americano e


suas derivações surgidas em meados dos anos 1970, denominadas pós-
punk ou new wave. O movimento exerceu grande influência sobre os jovens
da geração de 1980, pois propõe a composição de uma música por acordes
simples, sem a necessidade de grandes aparatos e virtuosismo,
característicos do rock progressivo. O punk trouxe as questões do cotidiano
social em suas letras carregadas de críticas à opressão do capitalismo.

Diante disso, para responder esta questão, seria importante inicialmente


tratarmos o punk enquanto movimento cultural. Mas, antes, é preciso trazer à baila
algumas ideias norteadoras sobre globalização da economia e mundialização da
cultura. Mesmo não nos aprofundando no assunto, é preciso sublinhar em linhas
gerais que o contexto social e econômico que envolve a emergência do punk é o
ambiente em que se desenrola a principal crise do pós-guerra. Isto é, uma
instabilidade gerada após o aumento do preço do barril de petróleo, ocorrida a partir
de 1973, tendo os seus efeitos mais profundos desenrolados ao longo das décadas
68

seguintes. Processo este que se inicia como uma mudança na acumulação de


capital que passa a ser mais flexível. Além da mudança da experimentação na
compressão do tempo-espaço, avançando com a expansão do neoliberalismo, com
o processo de globalização do sistema capitalista (fluxos financeiros e tecnologia) e
o processo de mundialização da cultura. Disso, resultaram mudanças no contexto
fabril, reordenação das jornadas de trabalho e salário e financeirização do capital e
endividamento dos países em desenvolvimento (HARVEY, 1992, 2011).
Dentro desse contexto complexo que envolve tanto a circulação de
mercadorias e capitais, quanto elementos simbólicos, gostaria de destacar algumas
reflexões elaboradas por Ortiz (1994), quais sejam, as noções de modernidade-
mundo, mundialização da cultura e cultura internacional-popular. Estas concepções
nos ajudarão a perceber como o punk se espalha mundialmente enquanto
subcultura, tendo como suporte mais especificamente a sua produção musical. Nos
anos 1990, Renato Ortiz – assim como outros intelectuais brasileiros, como Milton
Santos e Otávio Ianni – a partir de uma série de estudos, debateu o fenômeno
denominado globalização. Em suas observações destacava-se a percepção de um
processo de mudanças intensas, carregado de contradições e que atingia escala
global. Essa nova situação já vinha se desenhando há décadas, mas atinge o seu
auge no final dos anos 1970, o que exigiu das ciências sociais novos parâmetros
sobre os quais se pudesse balizar o debate. A começar pela ideia de modernidade-
mundo, Ortiz nos ensina que a modernidade já não poderia mais ser concebida
como anteriormente, isto é, através das partes que constitui um todo, e muito menos
na fixação de um olhar paras as realidades locais tendo como aporte os Estados
nacionais. A situação de globalização demonstrava que a modernidade estava em
mutação. Tratar-se-ia agora de uma unicidade mediada pelo plano econômico e
técnico, mas que culturalmente se expressava sob o signo da diversidade. Dito de
outra maneira, para o autor, o processo de globalização do capitalismo, enquanto
força econômica hegemônica, foi acompanhado de um outro processo, o de
mundialização da cultura.
Se é possível dizer que há uma inegável desterritorialização da cultura, por
outro lado é preciso mirar o fato de que esta só se estabelece através “da presença
de objetos mundializados” (ORTIZ, 1994, p. 107). Isso se expressa culturalmente na
circulação de uma série de bens simbólicos. Mesmo que estes bens apontem para
uma determinada localidade de surgimento, eles se tornam translocais, pois
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apresentam conteúdos que são captados e reconhecidos em toda parte do mundo


ocidental. Contudo, eles passam a ter elementos da localidade em que se
encontram, ou seja, são produtos mundializados. Caberia aí um sem número de
produtos, desde marcas de empresas como a Coca-Cola, Nike, Adidas, Channel,
passando por personagens como Mickey Mouse e Asterix, a ideia de Shopping
Centers, o sushi, a feijoada, o jazz, a Bossa Nova e o rock’n roll. Toda uma gama de
produtos conhecidos e reconhecidos, mas que localmente mantêm uma perspectiva
de proximidade com os consumidores. Isso nos leva a transitar entre o local e o
global de maneira fluida, furando o tecido de concepções mais rígidas que possam
pairar sobre eles. Ou seja, esses produtos seriam captados prontamente justamente
porque se desterritorializaram (ORTIZ, 1994, p. 106) e passam a compor um cenário
mais complexo das relações entre o global e o local (HALL, 1992; MIRA, 1994). Nas
palavras do autor:

[...] a modernidade-mundo somente se realiza quando se “localiza”. Para se


materializar enquanto cultura mundializada, ela deve exprimir-se na
cotidianidade dos hotéis, ferrovias, aeroportos, supermercados, shopping-
center, nos filmes e painéis de publicidade. Isso significa que o espaço no
qual circulam as pessoas é atravessado por forças diversas. Local,
nacional, mundial, não são unidades autônomas, elas se entrelaçam,
determinando o quadro social das espacialidades. O lugar é o cruzamento
dessas diferentes linhas de força no seio de uma situação determinada
(ORTIZ, 2009, p. 249).

A questão apontada por Ortiz nos remete a verificar que há toda uma
complexidade de trocas simbólicas que se dão no seio de uma sociedade
globalizada. As fronteiras tornam-se porosas, fazendo com que haja uma fluidez
maior do que em outras épocas. As realidades urbanas, apesar das suas diferenças
locais, apresentam elementos familiares a qualquer viajante, que, acostumado
sensorialmente com símbolos culturais mundializados, reconhece-se nestes, sem
choques ou dificuldades. Entre estes componentes, a colagem e descolagem de
códigos e o seu reposicionamento é uma constante.
O punk, enquanto movimento cultural, pode ser pensado dentro dessa
dinâmica apontada por Ortiz. Inicialmente, podemos dizer que este guarda certa
influência das vanguardas artísticas do século XX, das vivências geradas nas
classes sociais dos extratos mais baixos e do aprendizado da vida nas ruas das
grandes cidades do globo. Os antecedentes históricos que culminaram no punk
apontam para a ampliação da visibilidade e surgimento do jovem enquanto sujeito
70

político no ocidente, iniciado no pós Segunda Guerra Mundial e seus


desdobramentos – como o “Flower Power”, o “Maio de 1968” e, daí, a “Internacional
Situacionista” (FRITH, 1982; GUERRA, 2014; HESMONDHALGH, 1999; HOME,
1995). Mas é importante mencionar que, apesar de conter elementos oriundos de
vanguardas artísticas e da intelectualidade, o punk foi forjado nas ruas das grandes
metrópoles do globo. É nas ruas que ele se mostra e se manifesta, captando os ares
do movimento e da agitação dos grandes centros, e mantendo uma relação
complexa em relação à proposta da vida citadina. Se, por um lado, é visto como uma
espécie de figura habitué, por outro, essa presença nunca é inteiramente pacífica.
Isso porque sempre paira no ar certa tensão, seja pelo choque das indumentárias,
seja pelas práticas culturais no dia-a-dia. Tais características demonstram uma das
características mais acentuadas do punk, isto é, a de ser uma cultura de bricolagem,
dado que se constitui de vários elementos. Estes, muitas vezes, são contrastantes
entre si, mas servem, de todo modo, para compor um quadro mais amplo.
Em relação aos elementos intelectuais e vanguardistas contidos no
movimento, Stewart Home (1995, p. 125) defende que estes estavam presentes,
mas conscientemente percebidos apenas para uma pequena parcela dos punks.
Não obstante isso, o fato é que toda uma série de concepções experimentadas
anteriormente no seio de movimentos artísticos de vanguarda se fizeram presentes
no movimento punk: superação da divisão entre público e artista; possibilidade de
criar e se manifestar artisticamente, sem a necessidade de formação ou treino
específico; uma ética e estética baseada no DIY; e uma atitude política. Esses
pontos, unidos com aquilo que se apresentava nas ruas, possibilitaram a
emergência de uma série de ações que foram se conformando para que as várias
cenas pudessem ganhar foco.

2.3.2 Rock’n’roll como base identitária

Não obstante, dentro dessa visão, podemos dizer que este é o caso do rock’
n’roll. Enquanto gênero musical ele atravessa o cotidiano da vida contemporânea no
mundo ocidental, ocupando estes mesmos espaços. Paula Guerra (2014a), dirá que
o rock’n’roll circula de tal maneira que possibilitava identificações e a criação de uma
espécie de memória coletiva translocal. Ao que parece, é por esta seara que o punk
rock se infiltra e vai se colocando como “novidade” dentro do próprio rock’n’roll. Ele o
71

revigora por um lado e, por outro, reafirma os valores e visões de mundo


sedimentados neste ritmo. Ainda assim, a rigor, não é possível dizer que há uma
ruptura da música punk com o rock enquanto ritmo, mas sim uma continuidade.
Janice Caiafa (1985) nos apresenta uma visão interessante a respeito dessa
questão:

Algumas vezes me foi dito que o Movimento Punk não seria algo
"brasileiro". Contudo, há pessoas que se dizem punks no Rio, em São Paulo
e Juiz de Fora, fala-se desses punks nas mais diversas mídias a nível
nacional (rádios, vídeos, TV, revistas, jornais). O fato é que isso que existe
no Reino Unido, nos Estados Unidos, na Finlândia, na Holanda, na
Alemanha, na França, no México, na Itália, na União Soviética e onde mais
talvez não se saiba - isso eclodiu aqui também, acoplado a outros
fenômenos, infletindo-se de outros modos, operando de um jeito próprio que
é possível descrever. As sociedades ocidentais vivem uma velocidade cada
vez mais acelerada de desterritorialização em que a delimitação das
fronteiras não é tão simples. O rock mesmo tendo sido uma dessas canções
planetárias que varam a Terra aparecendo aqui e ali, deslocando os ritmos
autóctones e produzindo fenômenos que ultrapassam as histórias locais.
Essas afirmações gerais nos sãos úteis na medida em que permitem
perceber que o que há, de imediato, são variações em séries diferenciadas,
cada qual com exercícios específicos e repercussões diferentes. Entre
essas variações, algumas favorecem a ilusão de um segmento global e
homogeneizante (por exemplo, a "nação" a 'língua-mãe") por permitirem que
se levante a questão da "genuinidade". Em outras se evidencia desde o
início a multiplicidade das práticas em qualquer sociedade, em qualquer
língua, ao bel-prazer do desejo, "tantas línguas quantos desejos houver".
Entre estas o rock, pelo seu constante estrangeirismo, por nunca
"pertencer" ao lugar onde está e constituir assim um local privilegiado onde,
em detrimento de critérios como "autenticidade", se afirma imediatamente a
variação. Assim o Movimento Punk, por se apoiar também nesse alienismo,
estaria pronunciando a sugestão, tão difícil de aceitar, de que existem vários
desejos (CAIAFA, 1985, p. 21).

Apesar de usar alguns termos que parecem ter sentidos diversos, como
“autóctones” e “alienismo”, a pesquisadora percebeu elementos que vão ao encontro
das concepções anteriormente apresentadas. O rock’n’roll, enquanto ritmo musical
mundializado, proporcionou um veículo importante para que pudessem se adaptar
através dele uma série de identidades de grupo, como é o caso do punk. Nesse
sentido, é interessante verificar como essa sonoridade serviu como suporte para que
a cena punk de São Paulo pudesse surgir.
Em meados dos anos 1970, na capital paulista, já havia uma cena protopunk
que consumia discos de bandas que hoje são consideradas precursoras do punk,
tais como “MC5” (EUA) e “The Stooges” (EUA). Mas há também outras, tais como
“Howkwind” (UK) e “Pink Fairies” (UK), como nos contou o músico, agitador cultural
e poeta, Ariel Invasor, 58, em entrevista concedida em outubro de 2018. Para ele,
72

essas bandas eram consideradas como o “lado B” do rock, por soarem mais
“nervosas” e se tornarem prediletas entre o grupo de “rockers” que ele frequentava.
O fato descrito é interessante, pois nos mostra que o rock’n’roll como ritmo que se
espalhou pelo mundo encontrava aqui jovens dispostos a consumir até mesmo o
que era considerado fora do circuito das grandes bandas. Portanto, tinham uma
menor circulação e exposição midiática em comparação a bandas como “Led
Zeppelin”, “Pink Floyd” e “Kiss”, por exemplo. Paiva e Nascimento (2016, p. 61)
relatam que:

Desde a adolescência, os caras da Zona Norte de São Paulo eram


fissurados em rock. Iam atrás de uma expressão mais maldita e radical, que
respeitasse as origens. Os caras eram fissurados em Alice Cooper. O
rocakabilly, que chamavam de “brilhantina”, agradava aqueles que
organizavam festas na casa de alguém, quando a família viajava, ou na
Sociedade Amigos de Bairros. [...] Os discos eram raros. Quem os tinha
gravava em fita K7, de gravador, e distribuía a amigos. Ou deixava os
amigos visitarem para escutar e debater. [...] Quem os tinha [os discos] se
vangloriava e os deixava lá por um tempo. A turma gravava. Depois o dono
pegava. O disco raro e importado do Television se popularizou. Como Dead
Boys, Ramones, The Saints, Radio Birdman, 999, Manace, The Dickies,
Speedtwins, Penetration, The Clash, Stiff Little Fingers.

A visão dos autores nos dá uma ideia de como o gosto pelo rock’n’roll e a
busca por algo mais radical deu acesso a esse rol de bandas.
Algumas bandas citadas são amplamente conhecidas como representantes de uma
época em que a chamada contracultura foi se tornando paulatinamente mais
radicalizada. Apenas para citar algumas, do lado estadunidense, tanto “MC5”,
quanto “The Stooges”, produziram obras contestatórias, agressivas para a época. O
“MC5” manteve uma postura política ativa e fortemente ligada às causas sociais. Já
“The Stooges” apostaram em uma performance agressiva e provocativa,
principalmente do vocalista Iggy Pop, que incitava o público com as suas
manifestações no palco que iam desde insultar a audiência até a automutilação. O
“Television”, além de ser um grupo com uma proposta musical menos crua, contava
com as letras e a expressividade do baixista Richard Hell, que já demonstrava uma
“atitude punk” em suas vestimentas e cabelos. O “The Ramones” cravaram a
tendência rítmica: rapidez e simplicidade, que se tornou posteriormente uma marca
do punk rock (MCNEIL; MACAIN, 2014). Do lado inglês, a “Howkwind” é comumente
apontada como uma das bandas fundadoras do gênero space rock. A sonoridade e
as letras são inspiradas em temas como viagens espaciais e ficção científica. Já o
73

“Pink Fairies” manteve uma série de ações de agit prop16, com performances
gratuitas e ações com base nos princípios políticos da anarquia. As letras falavam
da vida urbana e certa urgência em agir. De fato, estas e outras bandas ajudaram a
criar um certo clima de inconformismo. O que, certamente, veio a contribuir para
uma maior aceitação e identificação com as bandas de punk rock que surgiram
posteriormente.
Os ritmos executados pelos grupos musicais citados nos atestam que estes
jovens estavam interessados em sonoridades mais simples e diretas, como o garage
rock, o glam, o rockabilly, e, por fim, o punk rock17. No final dos anos 1970,
precisamente no ano de 1977, o punk ganhou as manchetes mundiais por se
mostrar um movimento juvenil radical, tornando-se amplamente conhecido. Parte da
reputação que veio a compor todo um imaginário popular sobre esse fenômeno foi
composto pelo quadro de grupos musicais que davam o tom para toda essa
movimentação. O impacto da presença do punk rock no mundo da música mundial
foi tal que já em 1977, no Brasil, foi lançado o LP “A revista POP Apresenta o Punk
Rock”, através de uma parceria entre a Revista POP e a gravadora Phonogram
(Polygram), através do selo Phillips. O LP apresenta várias bandas consideradas
punk ou associadas ao movimento. Em termos fonográficos podemos dizer que foi o
disco que lançou oficialmente as bases sonoras do punk no Brasil, em especial na
cidade de São Paulo. A sua importância se deu justamente por balizar o que poderia
ser considerado ligado ao movimento. Embora elaborado e lançado por uma revista,
o alcance dessa publicação gerou aderência e auxiliou a configurar um terreno
comum para as aderências à cena punk paulistana. A capa tem um fundo branco
com as frases “A revista POP apresenta”. Embaixo dessa inscrição, há as palavras
punk rock em caixa alta, repetidas três vezes em uma nuance de coloração que vai
do tom mais escuro até o mais claro. Elas são atravessadas por uma faixa irregular

16 No livro Agitprop: cultura política, Estevam, Costa e Villas Boas (2015) trazem uma série de
experiências analisadas que nos dão uma noção mais abrangente do que é o conceito de “agitação”
e “propaganda” defendidos na linha do pensamento marxista-leninista. A ideia principal, no entanto, é
que o agitprop se constitui em práticas e métodos de ação de propaganda política, mantendo um viés
marxista, tendo como aporte a cultura e suas vias. É nesse sentido que as ações da banda se
organizaram.
17 Todos os ritmos listados (garage, glam e rockabilly) mantêm em comum a simplicidade que

executam a música. Assim, as diferenças são marcadas de maneira mais pontual, tal como o uso de
pedais de distorção, como o fuzz, que satura o som, e é mais voltado ao garage rock. Enquanto no
glam rock a parte visual tem um maior destaque, lançando mão de maquiagens, sapatos com salto
alto e outros adereços voltados à moda feminina (HICKS, 1999). Já o rockabilly aposta nas origens
do rock’n’roll, sua sonoridade é mais dançante, com guitarras e pouca distorção. O figurino é retrô, na
linha do que era moda entre os jovens estadunidenses dos anos 1950.
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na cor vermelha, como se fosse feita por pinceladas de tinta. A contracapa


apresenta apenas as palavras punk rock, igual à parte frontal, aparecendo apenas
uma vez, e, embaixo, há a lista das músicas disponíveis, que podem ser
visualizadas abaixo. No lado direito da contracapa apresenta-se um texto que trata
do impacto do fenômeno no campo da música, cuja autoria é do jornalista Okky de
Souza. Leiamos a seguir:

Há poucos anos quando os grupos "classicosos" invadiram o cenário pop,


muita gente pressentiu que o rock estava morrendo. Afinal, as sofisticações
harmoniosas e arranjos daqueles grupos pouco tinham a ver com a
característica básica de que o rock sempre alimentou: a energia instintiva e
visceral, que hipnotiza a juventude através do saudável exercício da dança.
Mas, como passar do tempo, os grupos "classicosos" provaram transmitir
pouco mais que um imenso tédio. Hoje seus discos vendem cada vez
menos e suas temporadas de shows se viram reduzidas. Os tempos
mudaram.
Reagindo violentamente à sofisticação de um gênero que sempre foi
simples, a garotada inglesa e americana acabou arrombando a festa.
Pegaram guitarras e amplificadores, aprenderam uns poucos acordes
musicais, reuniram-se no fundo de suas garagens e lançaram um novo grito
de contestação. "Temos que salvar o rock!" Nascia o punk. Estava
declarada a guerra ao rock classicoso e progressivo. A ordem era voltar às
raízes de rebeldia e energia primitiva que, nos anos 60, ajudaram a
deflagrar a revolução cultural daquela década. "Afinal comentou há poucas
semanas Johnny Rotten, líder dos Sex Pistols, - de que adiantou Elvis
balançar os quadris se um bando de idiotas decide levar o rock a sério...".
Neste LP, a Phonogram e a revista POP fizeram uma seleção do que há de
mais representativo no mundo do punk rock. E o disco chega no momento
certo. Afinal, nos Estados Unidos e Europa o punk rock já tomou proporções
de verdadeira revolução na música popular. Os jornais especializados,
como o Melody Maker, Sounds, New Musical Express e outros, falam cada
vez menos nos grupos de rock tradicional. O punk rock ou New Wave (Nova
Onda) é o assunto do dia. É claro que os músicos mais ligados ao rock
tradicional não aceitaram de cara a revolução dos grupos punk. Afinal, o
movimento surgiu em pleno reinado do rock "classicoso", e nunca deu muita
bola para os conceitos tradicionais de estética musical. Mas os rockeiros
punk não chegam a se abalar com as opiniões dos outros. O importante,
para eles, é estar em cima de um palco, devolvendo ao rock a energia que
ele ameaçava perder. E, para isso, eles possuem referências acima de
qualquer suspeita: são influenciados pelo The Who, Doors e todos os
grupos que nunca pretenderam sofisticar um simples exercício dos sentidos.
Assim, o rock que você vai ouvir neste LP não tem compromissos com os
padrões tradicionais da música. Feito e executado por garotada de 18 a 20
anos, ele não possui nenhum dos vícios seriosos que 20 anos de rock
acabaram criando. Ele representa uma nova tendência que, na verdade,
nos recorda de um fato que quase íamos esquecendo: o rock foi feito para
dançar (A REVISTA..., 1977).

Como podemos ver, o crítico de música escreve o texto da contracapa


apresentando entusiasticamente o punk rock. O núcleo do seu argumento é que o
rock se sofisticou em termos musicais, tornando-se mais elitista, ou, em suas
75

palavras, “classicoso”, isto é, perdeu a sua essência de simplicidade e diversão. Isso


teria feito com que ele se tornasse tedioso, paulatinamente perdendo público e,
consequentemente, vendas. É nesse cenário que o punk rock surgiu: como uma
reação a esse estado de coisas e com a missão de salvar o rock. A partir de uma
espécie de “mito fundador”, o jornalista Okky de Souza tece uma narrativa na qual
mostra uma ideia de adesão e ação praticamente única e uniforme. Esta, por sua
vez, teria se tornado palpável através de ações de alguns jovens inconformados com
os rumos que o rock havia tomado. Agora a ordem seria voltar às raízes e tornar o
gênero divertido novamente, menos sério, mais palatável. Essa revolução já teria
tomado os Estados Unidos da América e também toda a Europa, sendo tratada
desta maneira por importantes veículos da mídia destes dois continentes. Isso,
segundo ao autor, atestava a perda de protagonismo dos grupos “classicosos”.
Okky de Souza trata o punk rock e new wave como sinônimos, e atesta
incômodo dos rockeiros “classicosos” perante a novidade e o desprezo dos punks
em relação a estes e a sua estética. De fato, na época, havia uma certa ideia de que
o punk rock e o new wave era um único movimento. Contudo, a separação foi se
tornando cada vez mais evidente em termos estéticos e de posturas em relação à
música, principalmente a partir dos anos de 1980. Na época em que Souza escreve
o texto, era muito difícil enxergar as diferenças, pois se tratava de uma fase
embrionária. Muitas bandas que se alinharam posteriormente ao movimento new
wave começaram como bandas punk. Entre elas há vários exemplos, como o “The
Cure”, o “The Police”, entre outras. Ainda assim, as ligações e referências ao punk,
podem ser percebidas nestas através da sonoridade e no estilo (LARSON, 2014, p.
269).
Como influência direta do punk, Souza cita duas bandas, quais sejam, o “The
Who” e o “The Doors”. Embora tenham ligações longínquas com o punk (MCNEIL;
MCCAIN, 2014), estas bandas mantêm características musicais bastante
sofisticadas, principalmente “The Doors”, que mesclava em suas músicas várias
influências rítmicas, tais quais o jazz, a bossa nova, o blues, flamenco, dentre
outras. No geral, apesar de carregar nas cores ao tratar do punk, o escrito de Okky
de Souza apresentou em linhas gerais a visão da época sobre o movimento: algo
novo, carregado de frescor e juventude, sendo, sobretudo, uma música simples e
que falava diretamente ao seu público. É possível que a própria leitura dessas
palavras tenha ajudado a mitificar o punk como um movimento coeso. E, de todo
76

modo, contribuiu para auxiliar como uma espécie de ponte entre aquilo que estava
ocorrendo fora e o que acontecia no contexto brasileiro, em especial na cidade de
São Paulo.

Lado A - 1 - God Save The Queen (Sex Pistols)/ 2 - Loudmouth (The


Ramones)/ 3 - In The City (The Jam)/ 4 - I Might Be Lying (Eddie And The
Hot Rods)/ 5 – Young Savage (Ultravox)/ 6 – Cherry Bomb (The Runaways)
Lado B - Now I Wanna Sniff Some Glue (The Ramones)/ 2 –Pretty Vacant
(Sex Pistols)/ 3 – Everyone's A Winner (London)/ 4 – Slow Down (The
Jam)/ 5 - Writing On The Wall (Eddie And The Hot Rods)/ 6 - Boozy Creed
(Stinky Toys)

Figura 1 – A Revista Pop Apresenta O Punk Rock

Fonte: https://www.discogs.com/Various-A-Revista-Pop-Apresenta-O-Punk-Rock/release/3349367
77

Há vários relatos de pioneiros do movimento que foram “tocados” por esta


coletânea18. João Gordo, vocalista da banda “Ratos de Porão”, relata no livro Viva la
vida tosca o contato que teve com esta coletânea.

Minha vida mudou de verdade quando ouvi o LP A Revista Pop Apresenta o


Punk Rock, com Sex Pistols, Ramones, The Jam, London, Stinky Toys e
outros. Foi a primeira vez que ouvi Ramones. Fiquei alucinado com aquilo.
Não tinha solo, a guitarra parecia uma serra elétrica, era muito moderno o
bagulho (BARCINSKI; GORDO, 2018, p. 45).

Como membro importante da cena até os dias de hoje, Gordo descreve que o
contato com o conteúdo do LP lhe abriu possibilidades de estar ligado diretamente a
algo que ocorria no mundo todo. Era algo “moderno” o som dos Ramones, uma
novidade. No entanto, facilmente reconhecível. Essa consciência de pertença é um
ponto importante, dado que é por esse caminho que são tecidos os laços mais
profundos em relação às trocas simbólicas partilhadas localmente e
“trasnslocalmente”. Por outro lado, remete ao rock’n’roll como gênero musical que dá
base à música pop internacional.
Tratando-se da música, fica claro que a influência do rock’n’roll é evidente.
Começando pela música, as variações sonoras do punk atualmente são muitas. Há
algumas mais próximas de suas origens no final dos anos 1970, passando pela
mescla com outros ritmos, tais como o heavy metal, o ska, o raggae, o rap, dentre
outros. Todavia, diante desta profusão de elementos sonoros, manteve-se uma linha
de desenvolvimento que remete diretamente aos seus primórdios.
Não obstante a isso, podemos igualmente afirmar que em termos de
influência musical são vários os artistas que iniciaram as suas carreiras no punk, ou
simpatizam com a sonoridade. A lista seria enorme, mas, para ficar em alguns
nomes de relevo internacional, temos bandas como “The Smiths”, “Metallica”,
“Mortorhead”, “Ozzy Osbourne”, “Suicidal Tendencies”, “Megadeath”, “The Strokes”,
“Nirvana” (apesar de alguns considerarem esta banda como pertencente ao punk),
“Pearl Jam”, etc. O espectro sonoro é diverso e demonstra a versatilidade e
possibilidades criativas que remetem à música punk. Nos exemplos dados, algumas
bandas regravaram as músicas de seus ídolos punks. Eddy Vader, vocalista do
Pearl Jam, chegou a acompanhar a última turnê dos Ramones e registrou isso em

18Mais adiante retomaremos novamente essa coletânea para pensar a influência do punk na música
popular brasileira.
78

vídeo. Já o Metallica, no disco de covers denominado “Garage Inc”, regravou


canções das bandas “Anti-nowhere League” (UK), “Discharge” (UK) e “Misfits”
(EUA), deixando claro que a banda fora influenciada diretamente por este
movimento.
De fato, se grande parte das bandas de rock dos anos 1980 e 1990 teve
influência do punk, no Brasil não seria diferente. Muitas das bandas que iniciaram as
suas atividades nesse período declaram ter sido influenciadas pelo punk. Algumas
delas começaram como bandas punk e após obterem sucesso de vendas e de
público abandonaram a alcunha. Os casos mais emblemáticos são o das bandas de
Brasília, como Legião Urbana e Capital inicial. Essas bandas mantiveram essa base
em suas carreiras, mesmo que não se mostrassem mais ligadas ao movimento em si
(MARCHETTI, 2001). Outras como “Raimundos”, que ganhou projeção nos anos
1990, lançados pelo selo Banguela (WEA), fizeram questão em várias ocasiões em
mostrar que as suas “raízes” vinham do punk. O próprio nome foi escolhido por
influência dos “Ramones”, e como misturavam punk rock com forró, batizaram a
banda com um nome que juntasse as duas coisas, já que é bastante conhecido na
região nordeste do Brasil19.
Tendo o rock como base identitária, o punk assim se disseminou e encontrou
o seu lugar por se apresentar muito preparado para se “comunicar” com outras
vertentes. Nesse sentido, é interessante notar que apesar de parecer indigesto
(musicalmente falando), esta forma musical tem uma fluidez interessante que é
digna de ser ressaltada. Isso porque se apresenta sempre como algo primal que
preza pela autenticidade e sem compromisso com as afetações que é exigida de
outras vertentes do rock, como hard rock e heavy metal. São essas contradições
que mostram a importância do punk dentro do cenário da música popular
internacional.

2.3.3 O punk e o cinema

Para além da música, a penetração do punk na cultura de massas também


pode ser notada em outras mídias. Ele foi amplamente retratado em matérias de

19 Sobre isso, cf. a reportagem de Katia Abreu, “Qual a origem do nome das bandas de rock?”.
Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/qual-a-origem-do-nome-das-bandas-de-
rock/.
79

jornais na época do seu surgimento20, mas também marcou presença no cinema,


além da inegável influência no mundo da música pop. Esses acontecimentos
contribuíram para que o punk se tornasse cada vez mais conhecido e cultuado21. No
cinema, ele tem mantido certa representatividade, demonstrando capacidade de
gerar interesses até os dias de hoje.
Podemos afirmar de certa forma que por esse veículo de comunicação e
entretenimento foram circulados uma série de modelos simbólicos. Quando olhamos
que há várias menções a películas que causaram impacto na cena protopunk da
capital isso fica mais claro. Dentre elas, podemos destacar o cultuado “Laranja
Mecânica” (Clockwork Orange), de 1972. Trata-se de uma longa-metragem dirigida
por Stanley Kubrick como adaptação do livro homônimo de autoria de Anthony
Burgess. O filme narra a trajetória de Alex, um jovem sociopata líder de uma gangue
que pratica atos de violência pelos subúrbios de uma Londres distópica. Ele é preso
após cometer um assassinato, condenado a cumprir pena e na cadeia
(reformatório?) passa por uma lobotomia que consiste em torná-lo um corpo dócil22.
Tanto o visual, quanto as atitudes da gangue geram grande impacto no público,
principalmente nos jovens. Na Inglaterra, a sua estética influenciou a criação de
bandas skinheads e punks. A mais famosa dessas bandas é o “The Adicts”, banda
punk, que adota ainda hoje o estilo dos “droogs”. No Brasil, há relatos de que esta
película tenha sido também um dos estopins para o punk. Entretanto, o filme mais
citado entre os punks da primeira onda é “Os selvagens da noite” (The Warriors), de
1979, dirigido por Walter Hill. O filme foi um grande sucesso e caiu como uma luva
na já sedimentada subcultura das gangues, como conta Marcelo Rubens Paiva em
relação à experiência de Clemente, 56, músico, produtor musical, dj, ator, escritor,
radialista, apresentador, vocalista e guitarrista da banda “Inocentes”:

20 Como dito acima, vale relembrar que o músico João Gordo, vocalista da banda paulistana “Ratos
de Porão”, pioneira na cena punk da capital, em várias ocasiões, inclusive em seu livro autobiográfico
Viva la vida tosca (2016), relata que teve o primeiro contato com o punk por meio de uma reportagem,
no caso da extinta revista “Pop”. Além disso, foi por efeito das publicações e movimentações feitas
em parceria com punks da capital paulista que o jornalista e escritor Antônio Bivar repercutiu o
movimento punk de São Paulo, o que garantiu projeção mundial.
21 Para maiores detalhes, cf. Paulo (2001).
22 Esse termo foi concebido por Michel Foucault para designar um estado em que um indivíduo se

apresenta adestrado para ser economicamente dominado e politicamente anulado. “É dócil um corpo
que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”
(FOUCAULT, 2004b, p. 126).
80

O filme The Warriors, sobre uma briga entre gangues de Nova York,
Gramercy, Rogues e Warriors, batalha que se espalha por toda cidade, foi
um sucesso entre a molecada brasileira. Clemente assistiu umas quinze
vezes. Cada vez que saía do cinema, comprava um canivete diferente. Saía
pela cidade com os amigos de canivete e corrente no bolso. Se a polícia
passasse, jogava tudo do outro lado do muro da casa ao lado. Se não
desse tempo, era prisão, uma noite na cadeia: porte de arma branca
(PAIVA; NASCIMENTO, 2016, p. 49).

Como demonstra esse trecho da obra de Paiva e Nascimento, há um nexo


simbólico dado pela visão estereotipada que associa os jovens à delinquência
juvenil, expressa no cinema estadunidense. Essa visão encontra abrigo na maneira
como foi verificada a dinâmica das práticas de sociabilidade de grupos de jovens na
cidade de São Paulo, o que contribuiu na aplicação, posteriormente, ao punk. Em
parte, por ser algo já vivenciado por estes indivíduos, e, por outra, por ter respaldo
práticas de outras realidades sociais expostas pelas películas. Ariel, 58, músico,
agitador cultural e poeta, recorda que só da Vila Carolina, localizada no Bairro da
Freguesia do Ó, no final dos anos 1970 para início dos anos 1980, o contingente
chegava de 50 a 60 punks, o suficiente para encher um ônibus. Pertencer a um
grupo e estar ligado a um território possibilita aos indivíduos um “chão” identitário
para pisar, garantindo sentido às ações e contradições inerentes à vida moderna e
urbana.
Havia punks espalhados por toda a cidade no início dos anos 1980. Pelo
menos uma parcela considerável já estava dentro da dinâmica das gangues de
bairro antes do punk, e parece provável que tenham sido influenciados pelo cinema.
O festival “O começo do fim do mundo”, corrobora essa informação. Entre os dias 27
e 28/11/1982, no SESC Pompéia23, espaço destinado à cultura e ao lazer,
organizado e gerido pelo Serviço Social do Comércio, reuniu uma multidão de punks
dos quatro cantos da cidade. A ideia do festival surgiu justamente para selar a paz
entre os punks de São Paulo e do ABC, que já disputavam espaço e protagonismo
entre si. Foram convidadas bandas representantes de ambos os lados, no palco
havia 20 bandas. Esse evento serviu para dar destaque à cena punk existente na
capital, colocando definitivamente o Brasil como um polo do punk no mundo. A cena
brasileira passa, a partir daí, a ser considerada como um polo importante do

23 Inaugurado em 1946 através do Decreto-Lei n° 9.853, esta entidade é bancada pelos empresários
das áreas de comércio, bens e serviços, tendo atuação em todo território brasileiro. O seu foco de
ação é propor assistência e bem-estar para os trabalhadores deste setor e seus familiares. Para
maiores informações acesse o seguinte endereço eletrônico. Disponível em:
https://www.sescsp.org.br/pt/sobre-o-sesc/quem-somos/apresentacao/. Acesso em: 21 out. 2019.
81

movimento. Inicia-se a troca de informações e uma rede de colaboração e câmbio


cultural entre os punks de São Paulo e de outros países, como Inglaterra, Estados
Unidos, França, Finlândia, Espanha, entre outros locais. Em um mundo pré-internet,
são as cartas que veiculam estas trocas. Desse intercâmbio, surgem parcerias e
intensa troca de informações, gerando contato com outras cenas que, por
conseguinte, transformaram-se em inspiração para que surgissem novas bandas
(BIVAR, 2006; PAIVA; NASCIMENTO, 2016).
Mencionamos, ainda, que há uma série de filmes que mantêm o punk como
inspiração geral. É o caso de “Repo Man - A Onda Punk” (1984) (Repo man) do
diretor inglês Alax Cox. Este filme é um misto de comédia e ficção científica, a trama
se dá quando o protagonista (Emílio Estevez), um recuperador de bens (repo man),
defronta-se com uma conspiração envolvendo agentes do governo e OVNIS. Há um
grande sarcasmo na obra que usa muito da visão do movimento punk tanto na
construção da narrativa, quanto na maneira desordenada em que foi montada a
película. Por último, dentro dos filmes que evidenciaram o movimento nos seus
primórdios, poderíamos citar “Sid & Nancy - O amor que mata” (1986) (Sid and
Nancy). Este filme conta a história de Sid Vicius, ex-baixista dos Sex Pistols, morto
em 1979, e de sua conturbada relação amorosa com a namorada Nancy Spongeon,
morta em 1978 sob circunstâncias que ainda levantam muitas dúvidas. Apesar de
ser focado na trajetória dos amantes mortos tragicamente, há um retrato
interessante dos primeiros anos do punk na Inglaterra. A lista é engrossada pelas
representações do punk em filmes pelos próprios punks, como é o caso dos filmes
produzidos pelos membros dos grupos de diretores “No Wave Cinema” e “Cinema of
Transgression”. No Brasil, o curta metragem “Punk de São Paulo 1983” é a primeira
do gênero a ter os punks como protagonistas. Centrado no cotidiano de vida desses
jovens, há várias falas de membros originais da cena punk da zona norte da cidade
de São Paulo, como Clemente (Inocentes), Ariel (Inocentes), João Gordo (Ratos de
Porão), Tina (Iskizitas), dentre outros. Tal curta nos ajuda a compreender como seria
ser punk e viver como jovem nas bordas de uma metrópole. Esse documentário é
emblemático e dá o tom para outros, como o “Botinada: A Origem do Punk no
Brasil”, dirigido pelo músico, radialista e vj Gastão Moreira. Este documentário narra,
através das memórias de vários membros e ex-membros da cena punk paulistana, o
período inicial que vai de 1976 até 1984. Traz vários depoimentos e histórias que
antes ficavam confinadas à própria cena. A lista é grande e segue até os dias de
82

hoje (ARAÚJO, 2016). Temos uma série de documentário importantes que retratam
as experiências das bandas ou cenas específicas, entre estes há alguns bastante
representativos: “The Decline of Western Civilization (1981)”; “Another State of Mind
(1984)”; “Punks - (1984)”; “Rota ABC - (1991)”; “Hated: GG Allin and the Murder
Junkies (1994)””End of the Century: The Story of the Ramones (2003)”; “Afro-Punk -
(2003)”; “American Hardcore: The History of American Punk Rock 1980–1986
(2006)”; “Guindable: A Verdadeira História do Ratos de Porão (2008)”; “Punk in
Africa (2012)”; “A Band Called Death (2012)”; “Los Punks: We Are All We Have
(2016)”; “Viver Para Lutar - Punk, Anarquismo e Feminismo: as minas dos anos 90
(2019)”, apenas ficarmos em alguns exemplos.
Há que se destacar que também no cinema o punk se fez presente,
mantendo-se apenas como sendo um movimento que gera curiosidade e aderência,
mas também por ser plástico ao ponto de ser alvo de interesses diversos. O cinema
já foi tratado por diversos autores de formas variadas, seja por abordagens sobre
recepção, instituições, seja pelas análises internas. Não pretendemos aqui fazer
uma discussão sobre as obras em si, mas destacar que, como linguagem
mundializada, também pelo cinema o punk foi veiculado, tanto em sua estética,
quanto em sua atitude. O fato é que vemos aí também um dos eixos de continuidade
que ajudam manter certo nexo identitário entre as várias cenas ao redor do mundo.
Dito de outra maneira, gostaríamos de destacar aqui que a linguagem
cinematográfica agiu e ainda age tal como o rock’n’roll, isto é, ajudou a sedimentar
também um imaginário imagético para além da música.

2.4 Punk e as sonoridades brasilianas

Vimos que o punk deixou sua marca no cenário internacional, trazendo à baila
elementos importantes e radicalizando as experiências de sociabilidade através da
música. Sendo estes elementos aquilo que deu margem a adesões e adaptações do
punk na cidade de São Paulo. Mas, internamente, qual seria o impacto gerado por
ele na música brasileira? Fazendo alguma comparação rápida, a princípio,
poderíamos dizer que houve pouco impacto. Isso se mirarmos o fato de que não há
grandes inserções, campeões de venda ou ícones do punk figurando como um
nome da MPB. Quando muito, vemos ligações com o rock brasileiro, que, diga-se de
83

passagem, apenas apresenta algumas referências a alguns trabalhos fonográficos


elaborados por punks, sempre de modo subalterno. Dito de outra maneira, a
influência é minimizada e, na maioria dos casos, apagada.
Quando passamos a aprofundar um pouco mais o olhar é possível constatar
que existem mais elementos neste processo que indicam marcas mais
aprofundadas. As referências diretas à cena punk de São Paulo nos ajudam a
compreender ao longo das décadas que o punk nunca passou despercebido. Como
em outros locais, a mídia foi do deslumbre à sua total recusa, e, em muitos casos,
não deu espaço para o direito de resposta. As matérias se espalharam por diversas
mídias: revistas, jornais, programas de TV, etc. Isso atestou a força dessa subcultura
em discos de bandas que foram impactadas por essa forma musical e também pelo
movimento cultural, sem que tenham participado efetivamente da cena. Tais dados
nos ajudam a ver a primeira dimensão desse processo de aproximação com o punk.
Um segundo ponto aponta para outra dimensão do afastamento entre a proposta
estética e ética do punk em relação às outras orientações, que envolve também uma
relação de classe. Assim, para compreender esse processo, é necessário passar por
estas dimensões (música e classes sociais), o que nos ajuda a verificar como, a
partir da cidade de São Paulo, se constituíram as dinâmicas de produção de discos
fora do eixo das gravadoras.
Em “O nascimento do morto": punkzines, Cólera e música popular brasileira,
Gustavo dos Santos Prado (2019) analisa a história do punk através dos fanzines e
a sua relação com a produção musical no cenário brasileiro. Neste trabalho, o autor
dedica o terceiro capítulo, intitulado “Música Popular Brasileira: Rock e Punks”, a
discussão sobre como o punk contribuiu para a continuidade da música popular
brasileira. Ele inicia a sua discussão tratando do surgimento do termo, refazendo a
trajetória e apontado para as disputas em torno do mesmo. Nesse sentido, levanta
elementos sobre o debate que se estabeleceu sobre o que poderia ser considerado
música popular brasileira ou não. Prado (2019) trata do legado do projeto
nacionalista iniciado com Mário de Andrade, no qual o escritor defendia que a
identidade da música popular deveria ser independente da música europeia. Em
seguida, trata do desdobramento sob os pontos de vista socialista universalista
(Manifesto Música Viva), que concebia a música brasileira como um estilo novo de
música e, nesse sentido, universalista. Também fala sobre o desdobramento do
ponto de vista marxista do jornalista José Ramos Tinhorão. Segundo Prado (2019),
84

este defendia que as raízes da música popular brasileira apontavam para o século
XVIII, mas, ao mesmo tempo, Tinhorão acusava o colonialismo da MPB a partir dos
anos 1960, o que incluía a Bossa Nova, A Tropicália, e o Rock Brasileiro.
O autor relembra igualmente a análise um tanto elitista de Luiz Tatit, que
sustenta que parte da música popular brasileira é pouco requintada, especialmente
os ritmos mais populares, ao passo que relativiza a contribuição de bandas do
chamado Brock (Titãs, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso). Ele também faz
menção às ideias de Jairo Severiano sobre a continuidade da música brasileira, que
serve de contraponto às noções de José Ramos Tinhorão. Por último, Padro (2019)
traz para a discussão a concepção de Marcos Napolitano, que critica a parcialidade
nos estudos de música popular brasileira, no sentido de que deixam de lado
cruzamentos e produções populares em defesa de uma visão pouco abrangente de
música popular brasileira. Dentro dessa trajetória, o livro busca localizar os
encontros e desencontros registrados nos “punkzines”24, defendendo a tese de que
os punks deram uma parcela de contribuição para a continuidade da Música Popular
Brasileira e para o momento político vivido na década de 1980. Nas palavras do
autor:

[...] salienta-se que a musicalidade punk foi um importante agente político


dentro da Música Popular Brasileira, uma vez que serviu como elemento de
protesto durante a "abertura política", um dos fatos históricos mais
importantes para a estruturação política e social da "Nova República". E,
diferentemente daquilo que propõe Marcos Napolitano, a análise dos
fanzines possibilita inferir que o rock contribuiu para a abertura política tal
como a Música Popular Brasileira, atraindo para o debate político jovens
que não se identificavam com a MPB. Em síntese, concorda-se com o
pesquisador quando afirma que a trilha sonora da abertura política foi a
MPB, mas desde que nela esteja inserida a proposta do punk rock. (...) Em
outras palavras, o punk democratizou o campo musical brasileiro, em um
período em que a democracia havia se tornado imperativo; implodiu a
poética perfeita com seu discurso direto (repleto de palavrões), que deu
fôlego aos jovens que desejavam se manifestar de acordo com a sua
cultura periférica; e quebrou paradigmas dos instrumentos musicais, haja
vista que três acordes são mais do que suficientes para compor uma
canção. Em síntese, o universo em torno da máxima punk "do it yourself"
encorajou o jovem do subúrbio a contribuir para a abertura política e a
redemocratização. No tocante à estética, o punk procurou demarcar seu
espaço na Música Popular Brasileira de modo firme, compacto e agressivo.
As palavras grosseiras e as rimas sem nexo teriam como principal objetivo o
choque, e foi através dele que os grupos retratados nos fanzines
conseguiram discutir sobre o cotidiano vivido nas periferias de maneira livre,
muito embora se acredite que essa forma de expressão peculiar foi
também um dos principais motivos para que setores da sociedade, da mídia

24 Trata-se de fanzines elaborados e distribuídos por punks.


85

e da academia se incomodassem com a presença dos punks nas ruas, nos


shows e programas de TV (PRADO, 2019, p. 241-243).

A argumentação de Prado (2019) se direciona para uma linha que sustenta


que a contribuição do punk para a MPB nos anos 1980 foi expressiva. Para ele, o
punk forneceu bases políticas e estéticas para um momento no qual a busca por
democracia ganhava força no país. Além disso, por meio desses elementos,
possibilitou a manifestação de jovens da periferia no processo de luta política
desencadeada naquele momento.
Diante disso, tomando a trilha revelada pelo autor, cabe, para fins de nossa
análise, alguns apontamentos. O primeiro deles diz respeito à necessidade de
compreender que a chamada MPB se populariza como gênero musical específico,
surgida no bojo do enfrentamento ao golpe civil-militar de 1964. Nela é representado
um momento no qual a arte se vestiu de um verniz combativo. Isto é, defendeu-se
uma identidade brasileira pautada na ideia de revolução social, atuando como uma
vanguarda política pronta para educar e liderar as massas através da música
(RIDENTI, 2010). Por outro lado, como movimento cultural, a MPB está ligada ao
processo de consolidação da indústria cultural no país (DIAS, 2008). É nesse
movimento que o rock produzido no Brasil nos anos de 1980 se enquadra. Há,
portanto, uma linha de continuidade da linha anterior, que é retomada pelos jovens
músicos de rock. Esses garotos e garotas, em sua maioria são oriundos das classes
médias. Nesse sentido, indica-se que o punk dá potência para o que já vinha se
constituindo como um desdobramento das ações de contraposição e protesto
direcionada ao governo civil-militar, promovidas pelos músicos ligados à MPB.
No entanto, entre os jovens das periferias a questão passa a ser outra.
Apesar de se inserirem dentro do jogo determinado pela conjuntura vivida no
período, o punk nos parece ter um caráter mais amplo que é o identitário. Isto é, ele
lhes dá a oportunidade de criação das suas próprias maneiras de lidar com a
situação em que vivem, sem ter que recorrer a interpretações oriundas de outras
classes sociais. Dito de outra maneira, na sua versão, a referência punk, pelo seu
caráter internacional-popular, é acionada como uma via de mão dupla entre o que
ocorre global e localmente. Contudo, é pelo punk que se distinguem e proporcionam
uma contribuição ao tecido da própria música popular brasileira, mas se afastando
gradativamente daquilo que Arthur Dapieve (1995) chama de BRock. Por exemplo,
na capital paulista, e mesmo no Brasil, eram escassas as experiências ocorridas
86

antes do punk em termos de música rock “pesada” (ou seja, música extrema, com
linhas de guitarra distorcidas ou saturadas, assim como arranjos de bateria velozes
e cheios de energia). Isso quer dizer que a maioria das bandas de thrash metal ou
metal da época beberam na fonte gerada pelos punks de São Paulo. Na realidade,
havia bandas que se influenciaram mutuamente, como é o caso de “Sepultura” (Belo
Horizonte) e “Ratos de Porão”. Além disso, em São Paulo, a “Korzus”, formada em
1983, surge dentro da esteira de novas bandas de sonoridade extrema que formam
uma cena em São Paulo. A própria “Ratos de Porão” se abriga nesta cena após as
perseguições e desilusões sofridas no meio punk (BARCISNSKI; GORDO, 2016).
Em outro momento, precisamente dos anos de 1990 em diante, encontramos
o denominado BRock, já absorvido pelo espectro da MPB. Ele tinha a sua imagem
associada, em grande medida, às questões simbólicas oriundas das demandas da
MPB. Ao mesmo tempo que o punk, produzido sobretudo pelos jovens das periferias
(destaco o caso de São Paulo), coloca-se como parte constituinte do campo da
produção de música brasileira, ele também está dentro de uma rede internacional-
popular do que podemos chamar de movimento punk. Por outro lado, nesse período,
existe igualmente uma dinâmica de ritmos regionais que se organizam em torno da
noção de diversidade. Estes ritmos estão inseridos dentro de um processo histórico,
social, identitário e político mais amplo e dinâmico, comportando em si uma série de
ritmos indígenas, afro-brasileiros e europeus. Aqui, o punk é resgatado como uma
parte que é acionada como uma estratégia para legitimar a diversificação das
identidades musicais regionais de uma certa brasilidade. Como aponta Ortiz (2010),
brasilidades estas que estão em disputa, o que nos leva até a colocar em xeque
uma nomenclatura como BRock, pois é datada.

2.4.1 Influências cruzadas: o punk e o rock brasileiro

Quando apontamos para a produção fonográfica de música voltada para


jovens no país, em especial do gênero rock, grande parte do que foi produzido nos
anos de 1980 sofreu alguma influência do punk. Essa influência foi gerada,
evidentemente, pelos discos oriundos das bandas estrangeiras, mas também pelas
músicas e atitudes do punk paulistano. Assim, temos duas dimensões de
percepções, a externa e a interna, atuando dentro de um mesmo horizonte de
possibilidades dadas pela mundialização da cultura. Nessa chave, vale ressaltar os
87

discos importados que circulavam entre jovens rockers, como já citado. Em termos
de organização das percepções que recaíram sobre o fenômeno punk, é importante
destacar a ação da mídia impressa, em conjunto com a indústria fonográfica,
concretizada na coletânea “A revista Pop apresenta o Punk Rock”. Esta, já em 1977,
tornou conhecida uma série de bandas punks ou ligadas ao movimento. Isso fez
com que se popularizasse, entre uma parcela dos jovens daquela época, todo um
arsenal sonoro que foi acionado por alguns indivíduos para criar as suas próprias
versões desse ramo do rock por aqui.
Não que não existissem bandas de rock circulando em São Paulo. Pelo
contrário, havia uma série de grupos e artistas que se movimentavam desde a
segunda metade dos anos 1960. Destacavam-se artistas ligados a “Jovem Guarda”,
as bandas “Os Mutantes”, “Made in Brazil”, e, já no início dos anos 1970, “Joelho de
Porco” (tida como uma banda protopunk), “Casa das Máquinas” e “Tutti Frutti”.
Contudo, é a partir dos anos de 1980 que surgem muitos grupos musicais. Com
isso, constitui-se uma cena do rock mais ampla, na qual serão abrigadas várias
vertentes desse gênero nas décadas seguintes. A coletânea “A revista Pop
apresenta o Punk Rock” aparece justamente em um período crucial tanto para a
cultura, quanto para a política brasileira. Como já dito, nesse contexto se inicia a
saída “lenta, gradual e segura” da ditadura civil-militar, instalada a partir de 1964 no
país. Portanto, esta coletânea traz algo inovador para o campo da cultura pop
brasileira, com ligações simbólicas importantes para o momento e, de alguma
maneira, contribui para a participação política através das artes, em especial para a
música. Isso lhe garantiu, ainda hoje, uma aclamação tanto por participantes da
cena punk paulistana, quanto por artistas que, na época, foram inspirados por ela
como um lançamento essencial, praticamente como um marco. No artigo “‘A Revista
Pop Apresenta o Punk Rock’ derreteu os nossos cérebros” (publicado no portal de
notícias “Yahoo Notícias”, em comemoração aos 40 anos de lançamento do disco), o
crítico musical Regis Tadeu aponta, a partir de sua perspectiva pessoal, a recepção
desta coletânea e como ela influenciou jovens da época. Vejamos o que ele ressalta:

Agora mesmo, neste exato instante, tenho dificuldade em expressar em um


texto o que se passou pela minha cabeça e de todo mundo que gostava de
música naquele ano quando a única revista que falava ao jovem naquela
época, a Pop, resolveu sabe-se lá porquê lançar uma coletânea, A Revista
Pop Apresenta o Punk Rock. Ainda hoje é indescritível a sensação de ter
ouvido pela primeira vez um troço chamado “punk rock” em pleno 1977.
88

Não tenho a menor dúvida de que a coletânea foi muito mais que a porta de
entrada para que milhares de roqueiros no Brasil adentrassem ao universo
daquele estilo. Foi o bilhete – só de ida – para que viajássemos para um
mundo em que a gravidade e a velocidade parecessem funcionar ao
contrário do que nosso cérebro percebia aqui na Terra. Tudo ali era uma
novidade tão grande que não dava pra assimilar a coisa toda logo de cara.
Era preciso ouvir várias vezes para entender o que estava fincado naqueles
sulcos do LP. Nem era preciso pedir: a gente não conseguia parar de ouvir
o disco. Eu mesmo fiquei 20 dias só ouvindo aquilo. Era viciante de uma
maneira como nenhum de nós havia sentido…
Para começar, todas as noções de como uma canção deveria soar foram
derretidas de maneira acachapante. E o repertório? Tente imaginar o
impacto que tivemos ao ouvir em pleno 1977 algumas canções de bandas
das quais a gente aqui no Brasil nunca tinha ouvido falar: Ramones, Sex
Pistols, Ultravox, The Jam, Runaways, Eddie and the Hot Rods…
Quem ouviu o disco tratou logo de montar sua banda. Gente como Edgard
Scandurra, que montou um trio chamado Subúrbio e chamou um jovem
baterista iniciante apelidado de “Orelha” – que décadas depois mais tarde
passou a ser conhecido como “Regis Tadeu” – só para tocar tudo o que
fosse possível encontrar de Sex Pistols, Ramones, The Clash e mais umas
canções próprias que mais tarde foram reaproveitadas quando a banda
mudou de nome para Ira! e passou a ter um vocalista chamado Nasi. Gente
de São Paulo como Clemente, que formou imediatamente os Inocentes, da
mesma forma que outros garotos não demorariam a montar grupos como
Ultraje a Rigor, RPM, Titãs; um pessoal de Brasília que logo se reuniu para
formar bandas como Aborto Elétrico, Plebe Rude, Capital Inicial, Paralamas
do Sucesso e Legião Urbana (TADEU, 2017).

As bandas citadas por Regis Tadeu fazem parte de um panteão de grupos de


rock que ficaram conhecidos como BRock (ou rock brasileiro). Apesar de se
mostrarem em uma polifonia, elas têm em comum o punk rock como uma de suas
principais referências e fontes de inspiração ao iniciarem seus projetos musicais. O
punk à época dava os seus primeiros passos como forma musical e se espalhava
pelo mundo como grande novidade que envolvia também comportamento, ao
mesmo tempo em que se configurava como uma moda (COSTA, 1992). Esse “ar” de
novidade misturada à rebeldia (elemento caro ao rock’n’roll), soprava aos ouvidos
desses jovens como oportunidades de movimentações culturais feitas por eles
mesmos, ao mesmo tempo que os direcionava para algo que estava tomando o
mundo. Das bandas citadas pelo autor, há apenas uma referência à cena punk de
São Paulo: Clemente, 56, músico, produtor musical, dj, ator, escritor, radialista,
apresentador, vocalista e guitarrista da banda “Inocentes”. Esta, por ventura, foi um
dos grupos contratados por uma grande gravadora. Há uma ênfase maior aos
grupos de Brasília e uma menção a um grupo do Rio de Janeiro. Notadamente o
89

produtor cita bandas que foram contratadas por grandes gravadoras25 e tiveram
destaque de vendas de discos nos anos de 1980.
Ele mesmo, como agente da indústria fonográfica, faz questão de destacar a
sua participação em uma das bandas, buscando dar maior credibilidade ao que
escreve e unindo-se a essa trupe de jovens talentosos arrebatados pela sonoridade
dos três acordes. Com isso, o texto jornalístico deixa claro o seu foco na música
gravada e seu impacto para o nascimento de um nicho de mercado na indústria
fonográfica, voltado exclusivamente para os jovens. Destarte, gostaríamos de insistir
que é preciso pensar um pouco mais sobre o que artigo deixa de mencionar, pois
isso é importante para a nossa reflexão. Alguns dados podem ser levantados a partir
do que apresenta o escrito de Tadeu. O primeiro deles é o fato de que, com exceção
dos “Inocentes”, todas as outras bandas são compostas por jovens de classe média.
Sobre a representatividade de negros, encontramos apenas dois: Clemente, 56,
músico, produtor musical, dj, ator, escritor, radialista, apresentador, vocalista e
guitarrista da banda “Inocentes” e Renato Rocha da “Legião Urbana”. A
representação feminina é nula entre as bandas citadas. Outro dado que se revela é
o “apagamento” de bandas punks envolvidas no surgimento da cena paulistana que
foram igualmente influenciadas pela coletânea e até já conheciam parte das bandas
que apareceram nela, como Ramones. À época do lançamento do LP, foram
formadas, ainda no final de 1970, o “Verminose” (1977), “Restos de Nada” (1978),
“AI-5” (1978), “Cólera” (1979), “Olho Seco” (1979), “Ulster” (1979), “Condutores de
Cadáver” (1979). Nenhuma foi contratada por grandes gravadoras, a maioria dessas
bandas foi lançada através de recursos próprios apenas anos depois de sua
formação, ou através de pequenos selos, de propriedade de membros das próprias
bandas. Se voltarmos para as canções, há mais indícios que nos remetem para as
preocupações de cada grupo. Por um lado, temos o uso de uma estética mais
romântica e poética, apontando para ligações com a literatura e toda uma bagagem
simbólica voltada à cultura dominante, além de uma sonoridade mais amena e com
andamentos mais compassados. Podemos notar isso ao passar por algumas
músicas de trabalho dos primeiros discos das bandas citadas por Tadeu:

25Suburbio (1979) (não deixou registro) / Ira! (1981) - Warner (1985) / Inocentes (1981) - Warner
(1986) / Ultraje à Rigor (1980) - Warner (1983) / RPM (1983) - CBS (Sony Music)(1984) / Titãs (1982)
– Warner / Aborto Elétrico (1978) (não deixou registro) / Plebe Rude (1981) EMI (1985) / Capital Inicial
(1983) Polygram (1986) / Paralamas do Sucesso (1982) EMI (1983) / Legião Urbana (1982) EMI
(1984).
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IRA! (Núcleo Base - Disco Mudança de Comportamento): Meu amor eu sinto


muito, muito, muito, mas vou indo/ Pois é tarde, muito tarde e eu preciso ir
embora/ Sinto muito meu amor, mas acho que já vou andando/ Amanhã
acordo cedo e preciso ir embora/ Eu queria ter você, mas acho que já vou
andando/ Outro dia pode ser, mas não vai dar pra ser agora/ La lala
lalalalaEu tentei fugir não queria me alistar/ Eu quero lutar mas não com
essa farda/ Eu tentei fugir não queria me alistar/ Eu quero lutar mas não
com essa farda.

Ultrage à rigor (Inútil - Disco Nós Vamos Invadir sua Praia): A gente não
sabemos escolher presidente/ A gente não sabemos tomar conta da gente/
A gente não sabemos nem escovar os dente/ Tem gringo pensando que
nóis é indigente/ Inútil!/ A gente somos inútil/ Inútil!/ A gente somos inútil.

RPM (Rádio Pirata - Disco - Rádio Pirata ao Vivo): Abordar navios


mercantes/ Invadir, pilhar, tomar o que é nosso/ Pirataria nas ondas do
rádio/ Havia alguma coisa errada com o rei [...] Toquem o meu coração/
Façam a revolução/ Que está no ar/ Nas ondas do rádio/ No submundo
repousa o repúdio/ E deve despertar [...].

Titãs (Sonífera Ilha - Disco - Titãs): Não posso mais viver/ Assim ao seu
ladinho/ Por isso colo o meu ouvido/ No radinho de pilha/ Pra te sintonizar/
Sozinha numa ilha/ Sonífera Ilha/ Descansa meus olhos/ Sossega minha
boca/ Me enche de luz [...].

Aborto Elétrico / Capital Inicial (Música Urbana - Disco - Capital Inicial):


Contra todos e contra ninguém/ O vento quase sempre nunca tanto diz/
Estou só esperando o que vai acontecer/ Eu tenho pedras nos sapatos/
Onde os carros estão estacionados/ Andando por ruas quase escuras os
carros passam [...].

Paralamas do Sucesso (Vital e sua moto - Disco - Cinema Mudo): Vital


andava a pé e achava que assim estava mal/ De um ônibus pro outro aquilo
para ele era o fim/ Conselho de seu pai: Motocicleta é perigoso, Vital/ É
duro de negar, filho, mas isto dói bem mais em mim [...].

Legião Urbana (Será - Disco - Legião Urbana): Tire suas mãos de mim/ Eu
não pertenço a você/ Não é me dominando assim/ Que você vai me
entender/ Eu posso estar sozinho/ Mas eu sei muito bem aonde estou/ Você
pode até duvidar/ Acho que isso não é amor.

Já, por outro lado, temos letras que remetem, de maneira incisiva, à realidade
de violência e descaso a qual a periferia estava envolta. Essas canções trazem
reflexões mais agudas, que denunciam a situação de vida nas periferias, com ênfase
na vida dos jovens naquele momento:

Cólera (E.S.S.M - Disco – Primeiros Sintomas): Assassinada no mar/


Abrigada sem lar/ Odiava no olhar/ Só sabia matar/ Conhecida pela foto/
Publicada no bar / Especialista em fingir/ Matar ou destruir/ Vinha querendo
agir/ Tentando com alguém trair [...].

Restos de Nada (Direito à preguiça – Disco – Restos de Nada): Onde está o


meu direito/ Que sucumbiu com o tempo? / Onde está, onde está? /
91

Arrancaram das páginas/ Falsificaram minha história/ Inventaram minha


vida/ E o meu direito? / O meu direito a preguiça? [...].

Condutores de Cadáveres (Bem-vindos ao Novo Mundo): Bem-vindos ao


Novo Mundo [...] / Sejam todos nossos hospedes [...] Não tentem nos
ultrapassar/ Notem que vocês são hospedes/ Mesmo naturalizados/ Temos
de melhor vos tratar/ Não tente nos ultrapassar/ Nossa liberdade ainda quer
forjar [...].

Verminose (Xu-pa-ki (Mata Ratos (Portugal)) - Disco - Xu-pa-ki): Vinhas do


campo e eras rosados/ Até que me fizeste uma grande mamada/ Perdi os
sentidos com tanto prazer/ Xu-pa-ki até eu morrer!

Ulster (Heresia - O começo do fim do mundo): Era um homem, era um


homem incapaz/ Era um fraco, era um fraco que não mais/ Respeitou a
comunidade e os irmãos/ Sem alma e nem religião /Come lixo, por instinto,
sexo podre, mente insana/ Come lixo, por instinto, sexo podre, mente
insana.

Olho Seco (Desespero - Grito Suburbano): Não há solução/ Pro seu


problema? / Pro meu problema? / Pro nosso problema? / Pare de ser idiota/
Mas é claro/ Mas é claro que há!

Nessa lógica, é importante dar relevo ao fato de que as experimentações, a


partir do contato com um mesmo material sonoro, criam pontes, mas não apagam as
situações de classe vividas pelos indivíduos. Assim, se a coletânea não servia como
um remédio definitivo para resolver a situação em que viviam, ela ao menos poderia
ser um paliativo que lhes dava a chance de mobilização, a partir do que seu campo
de atuação simbólica lhes permitia. Passado o impacto inicial da primeira onda do
punk, os caminhos tomados pela maioria desses grupos musicais, apesar das
referências iniciais, foi o de abandonar gradualmente a sonoridade e se aproximar
mais da new wave e compor gradativamente a chamada MPB (Música Popular
Brasileira)26.

26 Apenas para ficar em dois exemplos, podemos apontar, nesta mesma época, a banda “Paralamas
do Sucesso” e o cantor “Cazuza”. Os primeiros têm influência de bandas inglesas punk como The
Clash, mas também The Police (grupo este que iniciou como uma banda punk e depois se enveredou
cada vez mais por ritmos jamaicanos). A banda lançou em 1986 o álbum “Selvagem?” (1986), que
vendeu cerca de 540 mil cópias. A obra está repleta de referências à MPB, trazendo, ainda, uma
parceria entre a banda e o cantor Gilberto Gil, nome consagrado da MPB. Tal parceria resultou em
um sucesso no LP: “A novidade”, embalada ao ritmo de reggae. Também regravaram a canção
“Você” de Tim Maia, cantor de soul music, com vasta obra musical e ligada à MPB. Outra canção que
fez sucesso neste trabalho foi “Melô do Marinheiro”, que, musicalmente, é um reggae e na letra traz
referência a canção popular “Marinheiro Só”, gravada integralmente em 1969 por outro nome
expressivo da MPB, Caetano Veloso. A produção de “Selvagem?” foi assinada por Liminha, tal como
o disco “Cabeça de Dinossauro”, dos Titãs. O segundo nome, Cazuza, ex-integrante da banda de
rock “Barão Vermelho, lança o álbum “Ideologia” em 1988. A capa desta obra é composta por
bricolagem que lembra a estética punk, e contém até uma representação do “A na bola”, símbolo do
anarquismo e largamente utilizada pelos punks no mundo todo. O LP é composto por canções que
remetem tanto para o blues, rock e power pop. No entanto, contém forte tom crítica social que
transparece de maneira explícita na canção “Brasil”. Ele mantém coerência estética com a MPB
92

Habitar numa mesma cidade que engendra dentro dela tanto afastamentos,
quanto encontros, possibilitava que jovens de origens diferentes nesta época (anos
1980) tivessem acesso a materiais fonográficos e informações mais rapidamente,
em comparação a outras regiões. Há quem diga que o movimento punk no Brasil
começou em Brasília, pois, na mesma época que ocorria em São Paulo as primeiras
manifestações, o “pessoal de Brasília” já tinha discos de bandas punk inglesas que
compravam durante viagens ao exterior (MARQUETTI, 2001; MAGI, 2013).
Entretanto, esta é uma controvérsia que evidencia ainda mais a relação de classe
entre o acesso à música e a experimentação de ser atuante em um movimento
cultural. Os punks de São Paulo – muito mais pobres – diziam que em Brasília não
havia punks de verdade, pois eram playboys, filhos de pessoas importantes na
administração pública federal, que não entendiam o que era o movimento. Em
concordância com essa afirmação, Magi (2013, p. 84) aponta que “Em Brasília, as
bandas foram formadas por adolescentes de classe média alta, filhos de diplomatas,
de professores universitários e de altos funcionários do governo federal”.
Nesse sentido, à época, São Paulo já contava com articulações tecidas desde
o final dos anos 1970, seja na culminância de uma movimentação de pessoas (a
cena paulistana contava com um contingente de bandas e de jovens ligados ao
movimento numericamente superior à cena brasiliense), seja na realização de
trabalhos fonográficos de todos os tipos. Soma-se a isso o fato de que desde o início
as ações promovidas por punks de São Paulo foram responsáveis pela projeção
mundial do punk brasileiro (BIVAR, 2007). De qualquer forma, a fama das bandas
paulistanas se espalhou e lhes garantiu um ar de maior legitimidade perante às
outras cenas, influenciando bandas como “Plebe Rude”, de Brasília, e “Replicantes”,
do Rio Grande do Sul – apenas para citar dois exemplos de grupos contratados por
gravadoras. Mas as bandas formadas em Brasília foram as que tiveram projeção
localmente, contando com altas cifras de vendas de discos. Elas estavam em
evidência tanto nos grandes veículos de comunicação, quanto na mídia
especializada.
Em São Paulo, várias bandas, como informado por Régis Tadeu, tiveram a
sua sonoridade afetada pelo punk rock. Entre estas, a que melhor traduziu aquilo

enquanto gênero musical, dadas às referências e temáticas escolhida nas letras. Neste trabalho, o
cantor formou parceria com o cantor “Gilberto Gil”, contribuindo para a consolidação da relação de
continuidade entre o BRock e os artistas da MPB.
93

que estava ocorrendo internamente foi a banda “Titãs”, através do disco “Cabeça
Dinossauro” (1986).
Figura 2 – Capa “Cabeça Dinossauro”

Fonte: https://www.discogs.com/pt_BR/Tit%C3%A3s-Cabe%C3%A7a- Dinossauro/release/12993962.

Apesar de conter várias referências sonoras desde o funk até a música


eletrônica, é o punk o elemento que dá corpo a esta obra. Nela, podemos captar
referências desta subcultura, tanto em relação à sonoridade, quanto à atitude.
Contendo treze faixas, notamos elementos que comprovam isso. Acordes primários,
mesmo que trabalhados, com uma produção cuidadosa nas canções, como naquela
que dá título ao álbum, “Cabeça de Dinossauro”. Aqui, há a união de bateria com
batidas que emulam um som tribal (referência a algo primitivo?), com poucos
acordes, mantendo um riff repetitivo. A letra é minimalista, com três frases curtas
repetidas por uma voz que soa como se estivesse xingando alguém: Cabeça
dinossauro/ Pança de mamute/ Espírito de porco. Ela aparece mais como uma
referência à raiva e à explosão de sentimentos do que visando um efeito de
expressão de alguma mensagem. Em outras canções a indicação da mensagem
próxima ao punk é mais clara, como se ouve nas faixas “Polícia”, “Estado Violência”,
“Porrada”, “Homem Primata” e “Dívidas” que tratam de questões políticas e sociais.
Trata-se de um disco emblemático tanto para a banda, quanto para o seu
público. O álbum os lança como astros do rock brasileiro, sendo campeões de
vendas. A nosso ver, o sucesso parece passar pela capacidade da banda em unir
com assertividade vários elementos que denotam a época em que é gravado.
Temos, por um lado, a denúncia da situação política do país (brutalidade policial,
conservadorismo, violência), e, por outro, uma música que tem apelo entre os jovens
94

(sonoridade vibrante, ironia, rebeldia). A recepção do disco é expressa pelo grande


público através da venda de 250 mil cópias no primeiro ano, com shows lotados e
grande exposição na mídia brasileira (ALZER; MARNO, 2002). Isso denota uma boa
recepção do disco.
Um episódio interessante que une os “Titãs” e os membros cena punk
paulistana é o fato de terem convivido com a banda “Inocentes” no mesmo período
da gravação dos discos de ambas as bandas, editada pela mesma gravadora, WEA
(Warner). Branco Mello, um dos vocalistas dos “Titãs”, foi o responsável por serem
contratados pela gravadora e acabou produzindo em parceria de Pena Schimidt o
compacto disco “Pânico em SP”:

Gravaram Pânico em SP com Peninha e Branco Mello, que até hoje


considera o disco um dos maiores clássicos do rock brasileiro. Ele sabia da
importância do movimento punk para o cenário do rock nacional. Gostava
muito da música. Gostava principalmente da atitude: eles faziam o que
queriam fazer. Gostava da crueza. Aquele som e a maneira como eles se
expressavam. Branco vai direto ao assunto:
- Fiz esse disco com eles porque gostava do som, achava as letras boas, a
banda muito legal. Gostava muito do som, da formação na época, por isso
me interessei.
Conta que foi bacana conviver com os caras no dia a dia, produzir o disco
aqui em São Paulo, ir pro estúdio com eles, dividir a rotina [...] (PAIVA;
NASCIMENTO, 2016, p. 166).

Esse encontro entre as bandas parece ter gerado alguma influência nos
trabalhos de ambas. Alguns punks da primeira onda, que conviveram de perto com
os “Inocentes” na época, dizem que os “Titãs” fizeram um disco com o som dos
“Inocentes” e vice-versa. Objetivamente falando, é possível notar essa influência de
ambos os lados. Como já dito acima, o punk rock é marcante em “Cabeça de
Dinossauro” e no “Pânico em SP”. Apesar de não se mostrarem diretamente na
sonoridade, as canções têm a marca de uma produção que buscou “arredondar” o
som, deixando-o mais próximo da visão de uma gravadora “vendável”, mas sem
retirar a energia empregada pela banda. O resultado prático disso foi que o primeiro
disco, como apontado anteriormente, se torna um “divisor de águas” e outro apenas
uma produção de baixo impacto, tanto pelo mercado, quanto pela mídia.
A capa do compacto “Pânico em SP” é uma fotografia dos membros da
banda, com o nome da banda estilizado em vermelho, como se estivesse sido
escrito com um pincel. Não aparece o símbolo da banda, que é uma cruz quebrada
atravessada pelo nome da banda. São “meninos de jaqueta preta”, como na letra da
95

música “Leva pra 40” da banda “Setembro Negro” (1982). A referência remete não
apenas à gangue “Carolina Punk”, mas revela um elemento distintivo, amplamente
utilizado por punks no mundo todo, que é o uso do aparato. A fotografia mostra-os
andando por uma construção abandonada, à guisa de escombros, o que representa
mais um elemento que remete à cultura punk: o apreço por imagens que retratam
decadência, ruína, como forma de denunciar a própria situação caótica da
sociedade. A contracapa apresenta as letras das canções, com trechos recortados e
colados em uma fotografia de fundo que representa o que seria o topo de uma
viatura policial em patrulha à noite, podendo ser deduzido pelo giroflex ligado e pelas
luzes dos postes. De ponta a ponta, pode-se notar que é um trabalho que carrega as
marcas do punk. A seguir temos os títulos das canções que compõem esse disco: 1-
Rotina / 2- Ele Disse Não / 3- Não Acordem A Cidade / 4- Salvem El Salvador / 5-
Expresso Oriente / 6- Pânico Em SP.

Figura 3 – Capa e contracapa de “Pânico em SP”

Fonte: https://www.discogs.com/pt_BR/Inocentes-P%C3%A2nico-Em-SP/master/919545.

No livro acima citado, Nascimento e Paiva (2017) ressaltam que, em relação


ao disco dos “Inocentes”, algumas escolhas não foram tão assertivas. Por exemplo,
a seleção da música de trabalho, que se transformaria também em videoclipe.
Apesar de já terem uma canção que tocava no circuito alternativo e em pequenas
rádios (Rotina) – já gozando, portanto, de alguma repercussão midiática –, eles
escolheram outra que não tinha grande apelo ao público (Não acordem a cidade).
Uma canção interessante tanto na parte musical, quanto em sua letra, mas que, ao
que parece, agradava muito mais a banda do que o público. A letra de “Rotina”
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falava sobre as condições da classe trabalhadora, narrando o seu cotidiano de


tarefas repetitivas: “Acorda cedo para ir trabalhar/ O relógio de ponto a lhe observar/
No lar esposa e filhos a lhe esperar/ Sua cabeça dói, um dia vai estourar, com essa/
Rotina [...] Até quando ele vai aguentar?” (PÂNICO EM SP, 1986). Já a segunda
apontava para a vida noturna, fazendo referência às ruas. A questão política era
menos explícita, mas mesmo assim latente, dando ênfase à noção de desesperança
e marginalização de pessoas que vivem na e da noite : “De noite quando a cidade
dorme/ Anjos negros de asas sujas escuras saem de suas tocas/ E tomam conta das
ruas/ São os reis da diversão, do ódio e da solidão/ Não têm esperança/ Nem de
viver nem de vingança/ Não acordem a cidade [...]”.
Segundo o vocalista, essa escolha foi determinante para as baixas vendas de
cópias do disco. Na realidade, o projeto todo do disco foi aceito com reticências e
com pouco crédito para que se tornasse um sucesso mercadológico. Portanto, saiu
como um EP, com vistas a um investimento mais modesto. A produção ficou a cargo
do produtor Pena Schmidt e Branco Mello, sem a participação de Liminha, o mais
badalado. As vendas não atingiram as expectativas de 100 mil cópias, venderam
apenas 30 mil. Mas é interessante notar o que vai além da questão das cifras. Com
esse trabalho, romperam a barreira, saindo do “gueto” punk ao apresentar um disco
com uma concepção intelectual bem aproximada e, em alguns momentos, indo até
além do que se mostra no LP dos “Titãs”. Neste, as referências à poesia concreta
em faixas como “O quê” se misturavam com a textura sonora minimalista e ruidosa,
mas mantinham um diálogo com a música pop do momento em que viviam.
Em “Adeus Carne”, dos “Inocentes”, há referências diretas à literatura, em
especial à poesia. A faixa “Eu” tratava-se de um poema escrito pelo russo Vladimir
Maiakovski (1893-1930), sendo musicado em punk rock. A canção “Pesadelo”
(1972) também é um poema musicado, de autoria dos poetas Maurício Tapajós e
Paulo César Pinheiro. Este poema já havia sido musicado pelo grupo de MPB, MPB-
4 em 1972. Sonoramente, o disco se apresenta mais aproximado com o pós-punk,
com arranjos mais elaborados. Apesar das letras de cunho mais político, “Adeus
Carne” está distante do primeiro EP da banda, “Miséria e Fome”, que é uma obra
crua, pesada em todos os sentidos, tratando-se de um disco marcadamente de
hardcore. “Adeus Carne” flerta sonoramente com aquilo que estava ocorrendo
musicalmente no seu momento de surgimento, enquanto “Cabeça de Dinossauro” se
apega mais ao punk rock como recurso que sustenta o seu eixo gravitacional.
97

Figura 4 – Capa e contracapa de “Adeus Carne”

Fonte: https://www.discogs.com/Inocentes-Adeus-Carne/release/3333266.

As questões políticas também se mostravam mais explícitas na maioria das


faixas, por exemplo: críticas ao governo (Pátria Amada); ao alistamento militar
obrigatório (Morrer aos 18); abordagem das crises existenciais e de identidade (Não
sei quem sou); denúncia das desigualdades e violência globais (Tambores); crítica
às instituições (Não é permitido). A vida urbana é retratada nas canções "Em
pedaços", "Cidade Chumbo", "Na sarjeta" e "Adeus carne". Esta última é uma faixa
instrumental com um clima sonoro obscuro que, da metade para frente, dá lugar a
um animado samba. Na concepção de Clemente, 56, músico, produtor musical, dj,
ator, escritor, radialista, apresentador, vocalista e guitarrista da banda “Inocentes”, o
disco, conceitualmente, estaria voltado à crítica à sociedade brasileira. Segundo ele,
esta sociedade, diante de suas mazelas e problemas sociais profundos, nunca
avançava e tudo sempre acabava em samba. Pode-se notar que o artista usou de
seu repertório intelectual na composição das letras e das músicas, compondo e
auxiliando a escolha em relação às referências para concepção de um álbum
manifesto.
Leitor desde criança e ávido consumidor de música, Clemente teve uma
formação distinta da maioria dos punks da primeira onda. Nos primeiros anos de
estudos frequentou escolas particulares e, com sua família, morou no centro da
cidade em parte de sua infância. Mas mudou-se devido à queda de renda da família,
que tinha no pai o principal provedor. Foi um bom aluno, terminou o ensino médio
98

em uma escola pública que se tornou famosa pelos punks que ali estudaram
(EETAL - Escola Estadual Tarcísio Álvares Lobo - Zona Norte de São Paulo).
Clemente acessou empregos mais qualificados à época, como o de bancário
(PAIVA; CLEMENTE, 2017). Não é de se espantar que tenha logrado êxito enquanto
músico e trilhado um caminho próximo de outros garotos de classe média,
moradores de bairro “do outro lado da ponte”. Mesmo sendo negro e estando dentro
de uma lógica desfavorável às minorias, conseguiu pela música seguir um caminho
diferente do que a maioria de seus amigos da Vila Carolina.
Não obstante, diferentemente do disco dos “Titãs” que tem a questão da
violência policial como quase que incidental (visto que a crítica à polícia se baseou a
partir de um episódio de prisão por porte de heroína de dois integrantes da banda),
os “Inocentes” trabalham temas que faziam partes de suas vidas enquanto pessoas
que cresceram nas bordas da cidade, submetidas a uma série de abusos, privações
e violência policial. Esteticamente falando, é preciso denotar que as percepções
desses jovens, apesar de terem sido impulsionadas pelo mesmo veículo, são
diferentes. Elas encontram no punk um canal para dar vazão às suas angústias,
experimentadas em um contexto social e político movediço, mas ainda assim
marcadamente autoritário.
Entre os jovens de classe média, em um sentido geral, salvo exceções, o
punk foi experimentado enquanto moda (COSTA, 1992) e sob o aspecto da forma
musical (GUERRA, 2015). Entre os mais pobres, ele foi absorvido não apenas sob
esses dois aspectos, mas sobretudo como uma via de participação cultural dentro do
que estava ocorrendo no Brasil (contexto de abertura política). Essa participação os
levava também a se conectarem com o que acontecia na cultura mundializada, ao
mesmo tempo que dialogava com práticas já conhecidas. Legitimava-se, com isso, a
sua situação de classe, dando-lhes um lugar social para que pudessem desenvolver
uma série de práticas culturais e políticas diversas daquelas impostas pelas classes
dominantes. Nesse sentido, o punk vivenciado por estes jovens das periferias os
colocava no “centro do mundo”, sem que eles precisassem se desprender
totalmente dos seus modos de vida. É claro que não estamos aqui defendendo que
essa divisão seja plasmada, pois há contaminações de lado a lado. Haja vista que,
como veremos abaixo com o depoimento de Antônio Bivar, havia uma circulação e
trocas estabelecidas entre os jovens de periferia e os de outras classes sociais,
frequentadores de bares e casas noturnas da cidade de São Paulo nos anos 1980.
99

Um dos principais locais era o teatro “Lira Paulista”, um espaço ícone dedicado a
abrigar apresentações das bandas que estavam surgindo (OLIVEIRA, 2002). No
entanto, é preciso compreender de modo geral o que propiciou o fato de que, por
aqui, o punk prosperou entre os mais pobres, enquanto foi abandonado, como
movimento cultural, pelos mais abastados.

2.4.2 A conflituosa relação com os astros da MPB

Por outro lado, e em decorrência disso, grande parte do punk paulistano se


manteve praticamente alheio a uma aproximação direta, ou, pelo menos, buscando
marcar uma posição de afastamento. Como denota Antônio Bivar, 81, jornalista,
escritor e dramaturgo em entrevista concedida a nós:

Na verdade, os punks paulistas - Carolina e ABC - eram radicais e pouco se


misturavam, a não ser em lugares como Lira Paulistana, Madame Satã,
Rose Bonbon, Napalm e outros. Sentiam-se como donos da marca Punk,
embora o espírito punk vindo da explosão na Inglaterra tivesse, como
mudança, atitude, anger, raiva, atingiu, posso dizer, todas as classes. Titãs,
Ultraje a Rigor, Camisa de Vênus (Bahia), até, logo que do punk se teve
notícia, 1977, Cazuza, Lobão, etc., até os "hippies" Novos Baianos. [...] E os
punks da Casa Verde/ Vila Carolina, que se consideravam os verdadeiros
punks, os menos privilegiados e da periferia, odiaram quando Gilberto Gil
bebeu da fonte e fez sucesso comercial com "Punk da Periferia". ("Sou punk
da periferia/sou da Freguesia do Ó...”) [...] Legião Urbana, Paralamas,
Capital Inicial, Plebe Rude... Hoje, Clemente, da Casa Verde/Carolina, tá no
Plebe Rude; e Mingau, do Ratos de Porão original, tá no Ultraje a Rigor
(BIVAR, 2020).

Do ponto de vista de alguém que testemunhou esses embates nascendo,


Bivar descreve uma outra dimensão dessa relação com a música popular brasileira
que nos dá pistas sobre o assunto. Trata-se do afastamento dos punks em relação
ao que é produto da chamada MPB (Música Popular Brasileira). Há uma lacuna que
praticamente é naturalizada na fala de muitos punks, que perpassa dos mais antigos
aos mais jovens na cena que centra-se na justificação do afastamento devido à
incompatibilidade de sensibilidades. Mas acreditamos que é mais do que isso. Como
destaca o escritor e jornalista, havia uma postura praticamente sectária partilhada
pelos punks da periferia de São Paulo em relação a quem seria considerado punk
legítimo, ou poderia se utilizar da música punk. Essa postura mais aguerrida em
relação a toda simbologia ligada à história do movimento cultural, ligada às raízes
100

das classes sociais menos abastadas, favorecia uma certa aura de autenticidade
aos jovens das bordas da cidade.
Contudo, isso também contribuiu para um afastamento paulatino de jovens de
outras classes sociais. De todo modo, o que podemos retirar dessa relação é que o
punk, enquanto forma musical, e até parte da sua atitude raivosa, foi absorvido por
uma parcela dos novos candidatos a figurar no panteão da chamada MPB. Ao passo
que estes artistas (membros de bandas de rock brasileiro) não se enquadram nem
na cena, nem no panorama da cultura punk.
Gostaríamos de insistir um pouco mais sobre a questão do distanciamento
tomado por estes jovens em relação às práticas e às ideias elaboradas por artistas
vinculados à MPB. Primeiramente é preciso dizer que ele é, em certa medida,
calculado. Para a maioria dos punks, estar vinculado à música popular brasileira
seria algo como a morte do movimento. Certamente isso era mais forte na década
de 1980, mas com o tempo essa noção foi se diluindo como uma concepção que foi
se deslocando do embate mais ou menos aberto e passando para um desprezo
mútuo pelo que ambos os grupos viessem a produzir. Por um lado, podemos notar
que durante cerca de dez anos aproximadamente o movimento punk deixou de ser
tratado em termos culturais ou musicais nos grandes veículos da mídia. Nos anos
1990, quando mundialmente houve um revival do punk, passou-se a resgatar velhos
nomes da cena, o que possibilitou dar vazão ao que estava acontecendo no
underground paulistano. No entanto, sobre as aderências musicais, aqui e ali
apareceram referências de alguns encontros possíveis dentro do escopo da música
popular brasileira. A aproximação se dava mais em relação ao cenário de rock
brasileiro que, por seu turno, estava em baixa popularidade. Com isso, foi se
transformando em um caldeirão de afastamentos em que caberia muita coisa. Mas,
de modo geral, em relação aos punks, podemos identificar uma recusa aos símbolos
nacionais, à estética oriunda da Tropicália e ao mercado fonográfico. Já para os
artistas ligados à MPB há um aproveitamento mais ou menos explícito da música
punk, mas uma recusa da vivência do movimento, de seus valores, e, portanto, de
suas práticas culturais.
Para uma grande parte dos primeiros punks, como denota Bivar acima, os
artistas da MPB representavam uma miscelânea de elementos que eles
desprezavam. Podemos notar que é muito próxima a associação de que a MPB
representa na música as elites culturais, econômicas e políticas, e por isso merecem
101

todo o desprezo possível. A visão média desses jovens ao mesmo tempo rompia
com ideia de convívio relativamente pacífico dos músicos e bandas com o Estado e
o mercado de música gravada.
Essa postura foi sedimentada ao longo dos anos e se constituiu em uma
prática de relativa esquiva à “cultura brasileira”. Dos anos 1980 ao ano de 2020, o
país viveu momentos de altos e baixos, demonstrando que grande parte das letras
das canções, ações e opiniões continuam coerentes com esta situação.
Gostaríamos de discutir, a partir disso, alguns pontos que julgamos importantes para
compreender a relação estética e ética que ao mesmo tempo formam o gosto punk,
e marcam um distanciamento com aquilo que está estabelecido como estética
brasileira. Para tanto, partimos do que é caro a esse trabalho: os discos, tendo como
eixo teórico a noção de habitus e estratégias em Pierre Bourdieu.

Sendo produto da incorporação da necessidade objetiva, o habitus,


necessidade tornada virtude, produz estratégias que, embora não sejam
produto de uma aspiração, consciente de fins explicitamente colocados a
partir de um conhecimento adequado das condições objetivas, nem de uma
determinação mecânica de causas, mostram-se objetivamente ajustadas à
situação (BOURDIEU, 2004, p. 23).

A postura de atacar os símbolos da MPB pode ser vista como uma estratégia
dos grupos punks, no sentido empregado por Pierre Bourdieu. Isto é, sendo ou não
um cálculo consciente, é realizada de modo a fazer prevalecer a sua versão da
realidade vivida.
Nos discos produzidos por punks na cidade de São Paulo, de seus primórdios
até os dias atuais, há pouquíssimo espaço para aderências, mantendo o desprezo à
maioria das pautas e música feita pelos artistas ligados à MPB. Há praticamente
uma ideia de repulsa aos signos que marcam certa brasilidade condensada nas
canções listadas à sigla. Há referências diretas e indiretas, que vão das capas dos
discos, passando pelos títulos destes até as letras de canções e muitas sátiras
gráficas, marcando distanciamentos e posicionamentos contrário aos signos
nacionais. O que esses elementos nos contam vai além do que expressam
explicitamente. Arriscamos a dizer que se inserem na lógica do que é pensado como
legítimo em termos culturais no país. Pelo gosto punk contido nestas obras,
pudemos notar desprezo pelo establishment, repulsa à ideia de música popular
brasileira (e a toda música popular, a MPB), aos seus grandes ícones, crítica aos
102

pilares sonoros de uma dada brasilidade e à indústria fonográfica. Isso denota uma
postura de enfrentamento simbólico à cultura feita pelas classes médias e a toda
política de apaziguamento dos conflitos de classe. Ou seja, um enfrentamento ao
silenciamento da voz dos oprimidos (feito de forma direta ou não) promovido pela
complacência com o status quo. Selecionamos algumas referências que marcam
essa postura assumida pelos punks. A primeira delas são publicações em jornais,
seguidas pela reação à música “Punk da periferia”, de Gilberto Gil.
Mas antes seria interessante apresentar um marco dessa relação, escrito por
Clemente, 56, músico, produtor musical, dj, ator, escritor, radialista, apresentador,
vocalista e guitarrista da banda “Inocentes” em 1982, para a revista Gallery Around e
disponibilizada na íntegra no livro Meninos em Fúria: o som que mudou a música
para sempre.

Nós, os punks, estamos movimentando a periferia – que foi traída e


esquecida pelo estrelismo dos astros da MPB. Movimentando a periferia,
mas não como Sandra de Sá, que agora faz sucesso com uma canção
racista e com uma outra que apenas convida o pessoal para dançar: ou, na
verdade, o convida para a alienação. Nos nossos shows de punk rock,
todos dançam; dançam a dança da guerra, um hino de ódio e de revolta da
classe menos privilegiada. Já o Guilherme Arantes diz que é feliz, mesmo
havendo uma crise lá fora, porque não foi ele que a fez; nós também não
fizemos esta crise, mas somos suas principais vítimas, suas vítimas
constantes – e ele não. Nossos astros da MPB estão cada vez mais velhos
e cansados, e os novos astros que surgem apenas repetem tudo que já foi
feito, tornando a música popular uma música massificante e chata. Mesmo
assim, eles ainda conseguem fazer o povo chorar. Não sei como, cantando
a miséria do jeito que eles a veem, do alto, mas que não sentem na carne
como nós. Nós, os punks, somos uma nova face da Música Popular
Brasileira, com nossa música não damos a ninguém uma ideia de falsa
liberdade. Procuramos algo que a MPB já não tem mais e que ficou perdido
nos antigos festivais da Record e que nunca mais poderá ser revivido por
nenhuma produção da Rede Globo de televisão. Nós estamos aqui para
revolucionar a Música Popular Brasileira, para dizer a verdade sem
disfarces (e não tornar bela a imunda realidade); para pintar de negro a asa-
branca, atrasar o trem das onze, pisar sobre as flores de Geraldo Vandré e
fazer da Amélia uma mulher qualquer (PAIVA; NASCIMENTO, 2016, p. 99).

Como descrito pelos autores no livro, o texto ganhou repercussão entre os


meios acadêmicos e artísticos, e projetou ainda mais o movimento a partir de 1982.
Este texto se somou a uma publicação anterior, que foi escrita também por
Clemente e publicada no jornal “O Estado de São Paulo”. O texto rebatia as críticas
publicadas pelo jornal e se destacava pela boa escrita, rica em detalhes e com uma
coerência textual interessante. Em termos de influência, é interessante notar que fez
reverberar a máxima punk do faça você mesmo e também dar combate à MPB.
103

Apontou-se limitações e criticou-se artistas que faziam sucesso à época, fazendo,


ainda, referência a uma série de canções consagradas e identificadas com a MPB.
O escritor coloca os punks como uma espécie de vanguarda cultural revolucionária,
empenhada em reformar a música popular brasileira. Foi algo inusitado à época,
demonstrando um tanto de audácia e esperteza. Outro elemento que chama a
atenção, dadas as devidas proporções e o momento vivido, remete ao plano da
reprodução da visão das elites dominantes do país.
Ao mencionar a canção “racista” de Sandra de Sá, “Olhos coloridos” parece
trabalhar na lógica do que hoje é pensando como “racismo reverso”, ou seja, a ação
de atribuir o ato de racismo a quem o denuncia, equiparando a condição dos negros
à dos brancos, sem considerar ao contexto sócio-histórico de vida das populações
negras no país. De certo que é possível também relativizar essa postura quando nos
voltamos às estratégias acionadas pelos punks naquele momento, cuja ideia seria
causar o maior choque possível na sociedade. Na época (1982), a canção ganhou
as rádios do país na voz da cantora e se tornou um grande sucesso de público. A
sua autoria é do compositor e cantor “Macau”, que a compôs após ser vítima de
racismo e brutalidade policial em 1974, no Rio de Janeiro. A letra ressalta o orgulho
em ser negro, com a defesa de que todo brasileiro tem “sangue crioulo”. Tornou-se,
com isso, um símbolo da luta contra o racismo.
Esse espírito de combate e do faça você mesmo certamente contribuiu para o
surgimento de uma cena underground na cidade de São Paulo. Criar sua banda,
divulgá-la a partir de shows organizados cooperativamente pelas as bandas, manter
uma postura contestadora e transgressora, compor canções com críticas sociais:
mesmo não sendo exclusividade do movimento, é a partir destes elementos que os
punks se mostram com mais força.
Não querer tomar parte da cultura brasileira é também uma maneira de atacar
os aspectos que de uma maneira ou de outra apagam a voz de uma parcela da
população, limitando o espaço para a livre manifestação estética. Isso ocorre tanto
quando os artistas ligados a MPB buscam interpretar as condições vividas pela
parcela menos favorecida da sociedade, como quando não se possibilita ao outro o
espaço possível para manifestação livre de suas concepções sobre a realidade
vivida por estes. Ao mesmo tempo, ao entrarem em desacordo com esse ideário, os
punks de São Paulo procuram também se desvincular da ideia de atraso, tão
atrelada à concepção de país à época, mas que ainda reverbera. Nesse sentido,
104

sobretudo, o que se tem entre os punks é uma maneira de criar a sua própria versão
dos fatos através da música, sem ter que recorrer aos cânones do cenário musical
hegemônico.
Há que se mencionar alguns pontos de intersecção que ilustram o que foi dito.
Durante os anos 1980 isso se deu em parte devido às circunstâncias estruturais
determinados pela conjuntura abertura política. O cantor Chico Buarque à época
haveria dito a frase que se tornou emblemática no documentário “Botinada: a origem
do punk no Brasil” (2006): “Se o punk é o lixo, a miséria e a violência, então não
precisamos importá-lo da Europa, pois já somos a vanguarda do punk em todo o
mundo”. As palavras de Buarque se coadunam com a letra de outro artista da MPB,
Gilberto Gil, que além de geograficamente se referir ao bairro da Freguesia do Ó,
como o primeiro abrigo do punk no Brasil, diz o seguinte: “Das feridas/ Que a
pobreza cria/ Sou o pus/ Sou o que de resto/ Restaria aos urubus/ Pus por isso
mesmo/ Este blusão carniça/ Fiz no rosto/ Este make-up pó caliça/ Quis trazer
assim/ Nossa desgraça à luz”. Mesmo não sendo aceito pelos punks, como
ressaltou Bivar (2006), citado anteriormente, a letra trata de pontos sensíveis em
relação à vida desses jovens moradores da periferia da capital paulista. Além disso,
serve como ilustração do impacto que a cena já havia gerado no cenário da música
popular brasileira. Assim, dois dos mais representativos membros da chamada MPB
se manifestaram em relação ao que ocorria. O primeiro por meio de uma nota, e o
outro por meio da música gravada, ressaltando aquilo que visualizava como mais
urgente no punk: os aspectos do cotidiano de uma vida de pobreza e a revolta dada,
via estilo para as demandas de classe.
Para Bivar (2006), os punks da cena de São Paulo “sentiam-se como donos
da marca Punk”, isto é, havia um sentimento de que qualquer um que não fosse
considerado punk não teria legitimidade para tratar sobre o movimento, mesmo se
isto fosse feito a título de elogio. O fanzine “Lixo Cultural” (1983) – o mesmo no qual
encontra-se a entrevista com João Gordo que marcou, segundo o próprio, a fama de
traidores – traz na sua capa um desenho de um punk de óculos escuros, com o
dedo do meio em riste, e com dois balões de diálogo. O primeiro diálogo posicionado
no canto esquerdo, no meio da página, com o nome do cantor (Gilberto Gil) em
caixa alta, como se fosse um grito, já o segundo na parte inferior direita da página,
também em caixa alta e com uma das frases da canção de Gil: “AQUI PRÁ VOCÊ!!”.
Internamente, encontramos um depoimento de “Tonhão” membro da banda
105

“Neuróticos”: “Um cara que passa a maior parte da sua vida na praia, debaixo do sol,
de frente para o mar e de costas para a desgraça do país, não tem direito algum de
vir falar sobre os punks da periferia de São Paulo. Por isso Gil, vá se foder na
Bahia”.
Esse movimento de atração e repulsa condensa uma série de
posicionamentos que reforçam o que apontamos anteriormente. Trata-se de uma
estratégia que visava marcar posição dentro do campo de produção cultural da
época, ao mesmo tempo em que esses jovens se apegavam à possibilidade de
falarem por si mesmos. Por outro lado, há ainda uma questão que quase nos escapa
sobre a mensagem de Tonhão que é a dimensão do preconceito contra nordestinos,
tão comum na cidade de São Paulo. Sem falar a menção pejorativa que remete à
suposta vida de Gil próxima ao mar. Para muitos punks da primeira onda, São Paulo
era como uma espécie de Londres tropical. Uma grande metrópole, fria, ainda
contando com garoa constante que, na visão deles, demonstrava semelhança com a
capital do Reino Unido. A imagem de uma cidade desenvolvida, industrializada,
contrastava com o atraso de outras partes do país. Entretanto, é preciso também
dizer que o ataque proferido por Tonhão aparece mais como uma maneira de
demonstrar a relevância dos punks paulistanos, marcando posicionamento
internamente, do que propriamente se indispor com Gil, dado o alcance de
circulação do fanzine.

2.4.3 Underground, Manguebeat e coletivos culturais: rastreando a trilha do punk


paulistano

Dos anos 1990 em diante, uma cena underground se substancializou na


cidade de São Paulo. Dentro desta cena, o punk se destacou como um movimento
que aglutinou uma série de práticas culturais. Práticas estas que se distanciaram
mais e mais do horizonte de grande parte da classe média, da mídia especializada e
do circuito de shows comerciais. O que os levou a manter shows em espaços
pequenos, muitas vezes organizados em locais de difícil acesso, promovendo o
desenvolvimento de sociabilidades fora do centro da cidade nos próprios bairros. A
ética DIY se torna um fator preponderante – como dito acima, muito mais por
necessidade do que como apenas um desdobramento estético ou estilo de vida. Foi
uma época na qual se acirrou a participação de muitos punks em manifestações de
106

rua, abrindo-se a movimentações internacionais, tais como as lutas contra o


neoliberalismo; a libertação de presos políticos (como o caso do jornalista Mumia
Abu-Jamal, ativista negro estadunidense, ex-membro do partido dos Panteras
Negras); e o apoio ao ELZN (Exército Zapatista de Libertação Nacional) na região
de Chiapas no México. O fato é que em termos fonográficos a influência da cena
paulistana já havia atingido uma parcela de bandas que nesta época gozavam do
status de serem grandes nomes do BRock e com diversas ligações com a MPB. Isso
ocorreu tanto com participações, quanto com temas regravados por nomes
consagrados, como a cantora Simone, que regravou a música “Será?”, do “Legião
Urbana”; e Gal Costa com a canção “Brasil”, de autoria de Cazuza, letra esta que
poderia muito bem ter sido escrita por uma banda punk , tal a crueza e ironia.
Em São Paulo, as influências geradas pelo punk se mostraram cruciais para
compor o disco “Cabeça de Dinossauro”, e foram reativadas pela banda “Titãs”,
gerando o disco “Titonomaquia” em 1993. O disco foi produzido pelo badalado
produtor estadunidense Jack Endino, que assinou a produção de uma série de
bandas no selo “Subpop”. Os grupos lançados por este selo despontaram como
membros da cena de bandas de Seattle, como Mudhoney e Nirvana, que
popularizaram o “grunge”. Este, por sua vez, enquanto subgênero musical, tinha no
punk rock, no hardcore punk e no rock alternativo suas bases sonoras. Em
“Titonomaquia”, a banda apostou em se apresentar como mais “pesada” do que em
“Cabeça de Dinossauro”. O disco contém faixas com temas diversos e um apelo ao
peso das guitarras e bateria marcadamente marcial, ao bom estilo punk e hardcore
punk. Mesmo não tendo sido um disco com vendagens expressivas, conseguiram
emplacar a venda de mais de 125 mil cópias. Menos do que “Cabeça de
Dinossauro”, mas, considerando que é um álbum realizado de modo a remeter a
algo mais pesado e sombrio, as vendas foram muito boas.
Dentre essas iniciativas, fonograficamente falando, há que se mencionar o
trabalho do selo “Banguela Records”, um braço da gravadora Warner. O seu
surgimento se deu a partir de uma iniciativa da banda “Titãs”, e por meio deste selo
foram “reveladas” várias bandas que deram o tom ao BRock no cenário brasileiro.
Algumas delas, como “Raimundos”, no seu primeiro álbum, mantiveram uma textura
musical hardcore punk, e aproximações com o forró e repente. Já as letras são
recheadas de conotações sexuais e machistas, não há conteúdo contestatório ou de
cunho libertário, algo comum encontrado nas letras e no imaginário punk. O
107

“Kleiderman”, formado pelo trio paulistano Branco Mello, Sérgio Britto e Roberta
Parisi apostou em uma continuação do disco da banda “Titãs” e “Little Quail and The
Mads Birds” – esta última chegou a gravar a música “Samba do Arnesto”, do
compositor Adoniran Barbosa. Todas essas bandas tinham em comum uma
sonoridade marcadamente punk. Apesar de ter tido vida curta, o selo conseguiu
marcar a presença dessas bandas como expoentes do rock brasileiro durante a
década.
É interessante notar, ainda, que a influência do punk paulistano se espalhou
por vários lados. Podemos notar como um exemplo importante o movimento
“Mangue Beat”. Este reuniu uma série de bandas (no geral, da cidade de Recife) que
procuraram por eles mesmos criarem uma cena que pudesse ser global e local ao
mesmo tempo, que fosse autossustentável. Como aponta Glaucia Peres da Silva
(2008, p. 30),

[...] os jovens pernambucanos buscavam a possibilidade de uma inserção


no mercado e uma transformação nesse mesmo mercado que, embora
modificado em sua aparência, por vias tortuosas, continuaria a reafirmar o
que eles enfaticamente negavam.

Aí vemos a influência do punk. Fred Zero Quatro, vocalista da banda “Mundo


Livre S/A”, ele mesmo foi punk, tendo participado de uma banda chamada “Câmbio
Negro” (punk rock e hardcore). Esse contato havia se dado tanto pelo que a mídia
apresentava no início dos anos 1980, como com as trocas realizadas através de
discos. No caso de 04, o seu contato com a cena de São Paulo se deu através da
coletânea “Grito Suburbano” (SILVA, 2008). Houve influência direta na formação de
outro grupo, chamado hoje de “Devotos”, e antes denominado como “Devotos do
Ódio”. Esse grupo mantinha uma afinidade mais aproximada com os punks
paulistanos, tendo como uma das suas principais influências a banda “Inocentes”. As
práticas deste grupo apontam para um apreço no que se refere ao DIY. Moradores
de um bairro da periferia de Recife (Alto José do Pinho) promoviam os seus próprios
eventos em espaços comunitários, enfrentando muitas vezes o preconceito por
serem diferentes. Sem recursos para comprar os seus instrumentos, eles mesmos
aprenderam a montá-los com peças sobressalentes que conseguiam27.

27 Em entrevista à jornalista Sofia Lucchesi, em 2018, Neiton revelou o seguinte: “Eu não tinha
dinheiro pra comprar uma guitarra legal, então era mais barato construir. Acho que toco mal pra
cacete, mas, talvez, se eu tivesse dinheiro, poderia ser que minha forma de tocar não me
108

O primeiro disco da banda “Mundo Livre S/A”, “Samba Esquema Noise”, foi
editado em 1994 pelo selo “Banguela”, braço da gravadora WEA (Warner). Os
“Devotos” gravaram pelo selo “Plug”, pertencente à BMG o disco “Tá valendo”, em
1997. E por último “Cheque Girls”, da “Texticulos de Mary e Banda das Cachorras”,
foi lançado pela “Deckdisc”, em 2002. Esta última surge como a primeira banda
assumidamente gay do Brasil. Todas estas bandas foram contratadas por selos
atuantes no mercado brasileiro nos anos 1990. E até mesmo a banda de maior
sucesso no seio do movimento “Manguebeat” traz consigo vestígios do punk, seja
em sua sonoridade, seja nas letras do vocalista Chico Science. Estes exemplos
atestam ainda mais a penetração não apenas de uma sonoridade punk, mas
também a atitude de buscar criar com aquilo que se tem em mãos.
Dentro do mesmo panorama, durante essa época despontaram uma série de
bandas que, além de renovar o cenário, trouxeram uma série de outras maneiras de
lidar com o rock’n’roll, colocando em várias de suas músicas sons oriundos não
apenas da MPB, mas também do repertório regional. Bandas como “Raimundos”,
misturando hard core punk com forró e repente; e também “Pato Fu”, um trio mineiro
que não negava as suas raízes, tendo gravado até mesmo uma canção da banda
punk paulistana “Excomungados” (Vida de Operário), com arranjos com viola e
sotaque caipira. Ainda em Minas Gerais, temos outras bandas como “Tia Nastácia”,
que mantém como influência em suas músicas o punk rock; e “Jota Quest”, com
regravações em seu álbum de estreia de músicas dos cantores “Hyldon” e “Tim
Maia”, nomes ligados à MPB, mas que se destacaram pela sonoridade soul music.
No Rio de Janeiro, “Los Hermanos”, misturando hard core melódico, ska e samba.
Todas essas bandas foram grandes vendedoras de discos, mesmo em uma época
de declínio das gravadoras (DIAS, 2008), podendo também ser encaixadas dentro
do escopo do termo diversidade. Suas escolhas sonoras se deram a partir da
disponibilidade de signos que foram sendo criados ao longo dos anos e que
compõem o arcabouço simbólico de brasilidade (ORTIZ, 2013).
Nas décadas seguintes, esse processo se acirra e é possível notar o espectro
do punk rondando o cenário não apenas do rock feito por brasileiros, mas sobretudo
em um cenário de práticas culturais diversas. Com o declínio das gravadoras,
ampliaram-se as redes de apoio mútuo entre músicos e espaços para que

identificasse, eu poderia ser mais um que quisesse tocar igual à forma como um americano toca. Aí é
que está a questão”.
109

pudessem circular sem a grande indústria dentro da música popular brasileira. Tanto
na concepção, quanto na execução de suas propostas, esses coletivos se
organizam como redes DIY. Ou seja, como atuação horizontal, na qual a busca por
espaços e locais de apresentações visava criar um circuito em que bandas diversas
pudessem mostrar as suas criações. Para além disso, esses circuitos “alternativos”
estiveram centrados em dar suporte à gravação e lançamento de bandas. Como
pudemos mostrar anteriormente, o DIY se mostra no punk como uma ética de grupo,
mas não se restringe, obviamente, a ele. Contudo, é interessante dar relevo ao fato
de que a própria ideia de coletivo cultural, tal como a compreendemos, é algo que
nos leva às experiências desenvolvidas por hippies e punks, com suas propostas de
organização horizontal e economicamente solidária. Mesmo que não se refiram
diretamente a elas, o fato é que esses precedentes ocorreram entre os punks desde
os seus primórdios: a música como catalizadora, o viés político e contestatório, a
resistência à lógica da indústria cultural. Além disso, a sonoridade que embalou uma
boa parte das bandas do chamado “rock alternativo” que compuseram o quadro
desses coletivos também remete ao punk.
Ao contrário de outros ritmos “subalternizados” – como por exemplo o rap, e
posteriormente o funk carioca, que se mostraram paulatinamente como
componentes constitutivos de um cenário de uma nova geração de artistas ligados à
MPB – o que percebemos é que os punks inicialmente participaram ativamente da
criação de uma cena underground em São Paulo. Eles emprestaram alguns de seus
elementos simbólicos (sobretudo o gênero musical e a atitude frente a este) sem, ao
mesmo tempo, serem inseridos totalmente dentro da movimentação que se tendeu
chamar de BRock, ou rock brasileiro. Isto se deu em parte por questões da própria
constituição da cena punk, quanto por elementos estruturantes que remetem à
dinâmica deste movimento cultural. Contudo, a questão de classe não pode ser
negligenciada, dado que ela também compõe um quadro de atrações e repulsas.
Deste modo, se não é possível definir totalmente essa relação, podemos ao mesmo
compreender que os punks que compõem a cena da cidade de São Paulo
conseguiram com relativo sucesso trilhar a sua própria versão de música brasileira.
E isso hoje se dá de tal maneira que, deixadas de lado algumas de suas estratégias,
eles conseguiram abraçar em suas produções uma relação não de subordinação,
mas de relativo diálogo tanto com a dita MPB, quanto no eixo das sonoridades
regionais.
110

Podemos apontar para isso a partir de dois exemplos. Primeiro temos o


exemplo da banda “Subviventes” que, formada em 1988, na região do ABC, grande
São Paulo, lançou em 2018 uma versão em punk rock da canção “Comentários
sobre John”28, de autoria do cantor Belchior (1946-2017), nome este associado à
MPB. Não foi possível verificar se tratava-se de uma homenagem póstuma ao cantor
e compositor, de uma predileção pela composição, ou simplesmente da junção das
duas coisas. Seja como for, anos antes, em 1995, a produtora que o cantor era sócio
fechou parceria para distribuição do CD lançado sob o título de “Lutar” de maneira
DIY, o que possibilitou atingir um público maior, sendo que contou com uma capa
diferente, e com duas canções a mais (TODO, 2012). O segundo exemplo é do
grupo anarcopunk “Resistência”, formado na zona oeste da cidade de São Paulo em
1998. A banda tem letras anarquistas com várias menções às lutas de minorias, em
especial de negros e de índios. E, em relação a estes dois grupos, mantém em sua
sonoridade o uso de berimbau, batuques diversos, apresentado também
alinhamento com elementos culturais indígenas. No CD “Resistência” podemos notar
essa profusão de sonoridades, mas ainda assim a preponderância é do punk rock e
hardcore.
Os exemplos acima destacados servem para verificar a complexidade de
trocas simbólicas estabelecidas entre os agentes espalhados pela cena punk da
cidade de São Paulo. Como já dito, vemos através dos exemplos que a ideia de que
os punks conseguiram construir um caminho peculiar é bastante plausível. Caminho
este construído a partir do DIY. Em termos de práticas culturais, nos leva a crer que
foram distintos daqueles tomados pela MPB (BRock), e acirrados com o
“Manguebeat, nos anos 1990 e posteriormente com as redes de festivais
independentes é, nos quais o discurso da diversidade “ordena a produção da
diferença” (Netto, 2017).

28 Canal "Subviventes" (YouTube). Disponível em: https://youtu.be/1ewpWaIWVVM . Acesso em:


25/09/2020.
111

CAPÍTULO 3 - POLÍTICA, HABITUS DE CLASSE, DIY E MÚSICA GRAVADA

[...] Nós somos da cidade de São Paulo aonde o punk


é pra valer/ aonde você vai morrer, onde a noite é das
gangs/ Nas esquinas das quebradas, nos bailes da
cidade, nos clubes da pesada/ SP onde o Punk é pra
valer/ Em SP tudo pode acontecer / Em SP aonde
você vai morrer, vai morrer, vai morrer. [...]
(Invasores de Cérebros, 1996)

Neste capítulo nos dedicaremos a discutir elementos que foram importantes


para construção estética e ética da cena punk paulistana. Elementos estes que
vistos dispersos podem dar uma visão fragmentada dos desdobramentos que
ocorreram dos anos 1990 em diante. Nesse sentido, o esforço aqui é verificar como
a cena foi se diversificando e com isso, paradoxalmente, se tornando mais coesa.
Em termos sonoros isso também foi se tornando patente. Discutiremos também
como as práticas e escolhas dadas dentro do horizonte de possíveis no qual esses
indivíduos foram se adequando à dinâmica simbólica do punk.

3.1 Política: anarquia global: anarcopunks e a sedimentação da cena punk


paulistana

Dentro da órbita de compartilhamento simbólico que atravessam o plano local


e global como um elemento constituinte da vivência punk, podemos destacar a
atuação política. Como lembra Paula Guerra (2013, p. 123), outros autores além de
Dylan Clark (2003) advogam que o punk enquanto subcultura morreu (COGAN,
2010; SABIN, 1999). O argumento defendido é próximo ao do autor: houve
cooptação pela indústria cultural, alargamento do discurso e do efeito de choque,
culminando em uma neutralização de sua eficácia em termos de abalo ao
establishment. No entanto, gostaríamos de nos deter na renovação e reinvenção das
práticas, apontando para o anarcopunk como um dos elementos motrizes desse
processo. Acompanhando o argumento de Grimmes (2015), o qual defende, através
da análise do documentário sobre a banda “Crass”, que a história do punk precisa
112

reconhecer a importância desta e de toda a cena anarcopunk por seus efeitos de


renovação do movimento que o possibilitou ir além das fronteiras musicais. Não que
a inserção deste tenha sido o único fator de continuidade do punk, mas é preciso
dizer que a sua presença trouxe um novo vigor à práticas que já existiam, mas
estavam dispersas, pois levaram às raízes os elemento identitários do punk: o seu
discurso anticapitalista e antissistema, uma prática centrada no Do It Yourself e uma
aposta em demandas coletivas.
Na Inglaterra os anarcopunks remetem ao movimento hippie, aos movimentos
contraculturais. Nas artes, eles estão associados, em especial, aos situacionistas e
às suas práticas desde o Maio de 1968. Mas aqui o seu desenvolvimento se dará
pela necessidade de organização política e retomada do punk, devido à insatisfação
com os rumos tomados pela primeira onda do movimento. Traçou-se esse caminho
pelo ressurgimento dos centros anarquistas, em especial o Centro de Cultura Social
(CCS), na cidade de São Paulo. Posteriormente, veremos que há um encontro com
as vivências de um lado e de outro, o que fortalece a identificação em termos
globais. Comecemos a verificar o contexto sócio-econômico brasileiro no qual os
anarcopunks surgiram.
Em termos políticos e sociais, os anos de 1990 no Brasil foram marcados pelo
processo de redemocratização, com uma forte crise econômica interna, influenciada
pela avanços do neoliberalismo no mundo. Ao mesmo tempo em que se promovia
um alinhamento do país aos preceitos neoliberais, a crise política se arrastava a
olhos vistos. O ápice dessa dinâmica se deu através do processo de impeachment
do então presidente Fernando Collor, eleito em meio a uma campanha
majoritariamente apoiada pelos setores mais ricos da sociedade. Incluiu-se aí o
maior veículo de comunicação do país: a Rede Globo de televisão. Esse processo
gerou instabilidade e desemprego generalizado. Em termos econômicos, a aposta
se deu em estabilizar a moeda, sacrificando as outras demandas sociais. Como
apontado anteriormente, a produção de bens culturais foi seriamente atingida pelos
efeitos econômicos externos e internos, mantendo-se em uma situação crítica. A
indústria fonográfica necessitou se adaptar, realinhando a sua lógica de produção,
difusão, venda e distribuição de seus produtos. Apostou-se na métrica de corte de
gastos e investimentos modestos, com vistas a maximização dos lucros. Assim, o
formato CD ganhou cada vez mais espaço, ao passo que os casts de artistas foram
enxugados paulatinamente, obrigando os artistas a se reinventarem desde então.
113

Assim, não houve mais o suporte das gravadoras para elaboração de seus produtos.
Vale dizer que esse processo trouxe com ele a possibilidade dos artistas gerirem as
suas próprias carreiras e ter controle sobre a sua produção – seria a vez dos
independentes. Além disso, houve uma série de práticas moldadas através dos
avanços tecnológicos para produção e gravação dos fonogramas (DIAS, 2008;
VICENTE, 2006).
É nesse contexto que surge uma ramificação importante na cena paulistana
que influenciará bastante as atitudes e as ideias partilhadas, os anarcopunks.
Diferentemente da primeira onda, os anarcopunks vão apostar em práticas mais
radicais e intensas de viverem o punk. No livro de memórias de um dos
cofundadores do “Movimento Anarco Punk” (MAP), Valo Velho, 47, professor de
inglês, músico e agitador cultural, narra um pouco como era andar nas Grandes
Galerias nos anos de 1990, período posterior ao que o movimento havia sido
exposto como ameaça à sociedade.

Lembro-me que era proibido em uma época andar de Moicano nas galerias,
e isso era sustentado pelos seguranças das lojas. Como éramos ainda uma
maioria esmagadora, andávamos por onde queríamos.
Os donos das lojas da galeria eram muito cínicos; achavam melhor os
punks não andarem de visual porque evitava problemas com as gangs, e a
gente sempre era reprimido pelos dois lados até 90, desta época em diante
o número de punks que andavam de visual, por estímulo dos Anarcopunks,
cresceu muito e as galerias tinham que tolerar nossas calças rasgadas e
moicanos em pé onde achássemos agradável a nosso parecer, já que não
tínhamos necessidade de comprar seu lixo fonográfico de quinta qualidade
(GANGZ, 2019, p. 60).

Como visto, os anarcopunks se esforçam em torno de uma radicalização da


vivência punk. O visual agressivo, o aprofundamento na luta social libertária,
pautada pelos princípios do anarquismo e uma música mais extrema em termos
sonoros, além da ampliação de uma rede de ações baseadas no DIY, dão novo
fôlego à cena e jogam o punk paulistano para uma nova fase. Como dito acima, a
sua influência talvez tenha corrigido o curso do que vinha ocorrendo desde o início
em São Paulo. Novamente, emergiu-se internamente uma força de renovação e
ligação com o que estava ocorrendo em outras cenas ao redor do mundo, em
especial na Europa. Os anarcopunks surgiram a partir de uma dissidência dentro do
punk. Mais ligados aos preceitos anarquistas, esta ramificação se tornou visível a
partir das ações organizadas, pensadas como maneira de expressão política. O
“Crass”, como dito no primeiro capítulo, teve uma grande importância nos rumos que
114

o “movimento punk” tomou nos anos 1980 em diante. A nível de influência mundial,
foi a partir de suas atividades que o anarquismo no punk se tornou uma doutrina
política cada vez mais aceita. Assim como uma postura radical em relação à
produção, distribuição e venda de seus produtos, apostando sempre em uma lógica
anticapitalista (GLASPER, 2006; O’HARA, 2005). Dessas experiências surgiram
várias bandas e coletivos que ainda hoje atuam, propondo shows, protestos de rua,
debates, documentários, fanzines e todo tipo de ação que se paute na luta social
libertária.
No Brasil, essas ideias ganharam forma embrionária entre jovens habitantes
da periferia sul da cidade de São Paulo. Daí surgiram bandas e coletivos
organizados em torno das temáticas acima descritas. Foram pioneiros em tratar
pautas antirracistas, anti-homofóbicas e antimachistas. Os próprios punks se
chocaram com suas atitudes, não deixando a sua presença ser esquecida ou
desprezada, angariando, assim, muita simpatia e muitos inimigos, dentro e fora da
cena (GANGZ, 2019).
Contrários ao “ganguismo” e à lógica territorialista de uma parcela
considerável dos indivíduos e grupos da cena, mantiveram uma atitude crítica em
relação à violência nesses termos. Ao mesmo tempo, não se mostraram moralistas
ao uso desta como recurso de autodefesa ou instrumento de ações diretas, como a
tática black bloc. Eduardo Ribeiro (2018), em matéria jornalística sobre o
anarcopunk em São Paulo, intitulada “Uma história oral do anarcopunk em São
Paulo” e dividida em quatro partes, escreveu que a movimentação se deu por várias
vias: escrita, sonora e de militância anarquista.
Os contatos com os rudimentos da anarquia estão dispersos no início do
movimento mundial. Isso é inegável. Basta olharmos para as referências a essa
vertente política nas primeiras letras de bandas como o “Sex Pistols”, nas inscrições
em textos de fanzines ou no vestuário da época. São muitos os indícios que
comprovam esse alinhamento. Entretanto, o que no início era algo pontual e
utilizado para chocar, passou a ser pensado com maior seriedade. Na Inglaterra pós
“Sex Pistols”, bandas como “The Clash” se alinharam de vez ao socialismo, e, ao
mesmo tempo, tornou-se um grupo de mainstream, lotando estádios por onde
passava. Outras bandas aderiram de vez ao pós-punk e se afastaram do
movimento. Isso fez com que o alcance midiático do punk caísse drasticamente.
Este foi um período de gestação e sedimentação de alguns valores, com o
115

surgimento de novas práticas. Como dito por Clark (2003), o punk saiu das ruas para
o mainstream e depois voltou para as ruas e se renovou. Dito de outra maneira,
nesse deslocamento, encontrou novas maneiras de se expressar. Essa ideia é
interessante no sentido de que aponta para um caminho complexo e dialeticamente
marcado dessa subcultura.
Em termos musicais, no período que compreende o final dos anos 1970 e ao
longo dos anos de 1980, surgiram bandas importantes para a consolidação do
anarcopunk. Esses grupos sustentavam um estilo sonoro radical, recheado de letras
politizadas. Na esteira do “Crass”, vieram outras bandas que inclusive foram
lançadas pelo selo Crass Records, como “Flux of Pink Indians”, “Poison Girls”,
“Subhumans”, só para ficar em alguns exemplos. Essas bandas mantiveram uma
postura avessa à indústria da música, editando os seus próprios materiais e
mantendo o controle sob sua produção. Como desenvolvimento de suas ações
nesta seara, surgiram subgêneros musicais: o crust punk29 e o d-beat30.
No Brasil, após a “dispersão” ocorrida por conta da exposição do punk como
algo nocivo e socialmente reprovável – momento denominado como “período
caverna” pelo historiador Antônio Carlos de Oliveira (2006, 2015) – alguns punks
passaram a se interessar mais sobre o tema e seus desdobramentos. O retorno do
Centro de Cultura Social (CCS), em 1985, importante núcleo anarquista situado no
centro de São Paulo, contribuiu bastante para essa gestação. Este centro era ligado
diretamente aos anarco-sindicalistas do início do século XX, que tiveram um papel
fundamental nas greves e organização sindical desse período, destacando-se a
grande greve geral de 1917. O CCS foi fundado em 1933, majoritariamente por
trabalhadores imigrantes (italianos, espanhóis e portugueses), como
desenvolvimento do que já havia se multiplicado na Europa. Os centros culturais
sociais foram importantes centros de cultura. Eles organizavam bibliotecas, eventos
teatrais e musicais, teatro, ações políticas, publicações e serviam como espaços de

29 Este estilo é marcado pela rapidez como são executados os instrumentos e pelos vocais guturais.
Outra característica marcante é o uso de elementos de outros subgêneros musicais, como o metal
extremo, algumas referências à sonoridade do pós-punk (principalmente à atmosfera sombria) e, por
estar próximo, também do grindcore e do d-beat.
30 O d-beat refere-se às bandas que popularizaram a batida característica da bateria que tem a letra

“D” no início do seu nome (Discharge, Disarm, Doom, Disfear). Além da bateria marcada dessa
maneira, as guitarras estão mais aproximadas do heavy e thrash metal. No Brasil, a banda Ratos de
Porão, mesmo não assumindo plenamente o “d-beat”, aderiu logo em seu início a esta maneira de
executar a música punk.
116

sociabilidade entre os militantes31. Como conta Ivan Ribeiro em entrevista a Eduardo


Ribeiro:

Em 86, por meio dos lambe-lambes que o Coletivo Libertário fazia no Centro
de São Paulo, tivemos conhecimento de que o CCS (Centro de Cultura
Social) daria um curso sobre anarquismo na Vila Buarque (Escola de
Sociologia e Política da USP32). Fomos, e lá conhecemos o recém-
inaugurado CCS e toda a turma de anarquistas das antigas. Os que fizeram
a ponte do anarquismo do começo do século até aqueles dias. Jaime
Cubero, Martinez, Morelli e Zeca Orsi Morel (esses dois, integrantes mais
recentes). Eu e meu amigo Cícero tivemos contato com toda a cena
anarquista naquele momento. E começamos a frequentar o CCS, na rua
Rubino de Oliveira, número 85. Eram palestras, debates e seminários sobre
anarquismo, ecologia, antimilitarismo, anticlericalismo.
O lugar já era frequentado por outros punks. Não éramos muito entendidos
pelos velhinhos do CCS, que desconfiavam de nossa estética, nosso visual
e nossa radicalidade. Tivemos aprendizados e problemas. Criamos o
coletivo NAAR (Núcleo Anarquista Ação Radical), e um zine:
Desobedecendo. Começamos a partir da COB (Confederação Operária
Brasileira), uma organização anarco-sindicalista, inicialmente dentro do
CCS, e depois, após um racha, passamos a atuar fora do CCS. Na COB,
começamos a ter problemas com a falta de compreensão da parte dos
anarco-sindicalistas sobre nossa cultura. Dentro da COB, fomos a vários
estados montar as Juventudes Libertárias e muitas vezes encontrávamos
punks nos rolês e já conversávamos sobre punk e anarquismo, porém nada
sistemático, que envolvesse o anarcopunks (RIBEIRO, 2018).

Ao relembrar da sua participação no renascimento do movimento anarquista


em São Paulo, Ivan Ribeiro trata da relação e conflitos entre gerações de ativistas.
De um lado, a experiência de décadas, de outro, o frescor da juventude expressa
por uma estética agressiva. O contato, apesar do estranhamento, gerou frutos. Ele
serve para demonstrar que, internamente, antes mesmo de saberem do que se
tratava a ideia de anarcopunk, alguns punks demonstravam interesse mais profundo
pela doutrina anarquista, expressas em suas práticas e no modo como enxergavam
o mundo. Outro dado interessante é que esse encontro fortuito unia dois
movimentos globais, surgidos no seio das classes populares. Dois movimentos
igualmente radicais, com propostas de ir às raízes dos questionamentos e por isso
mesmo se retroalimentando.

31 Para maiores detalhes sobre o CCS, acessar o website da instituição. Disponível em


http://ccssp.com.br/ccs/. Acesso em: 21 out. 2019.
32Trata-se da atual Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, conhecida por ESP. É

uma importante instituição de ensino superior com grande tradição no ensino de Ciências Sociais no
país. Foi fundada em 1933, mantendo atividade junto à Universidade de São Paulo, com o status de
instituição autônoma. Por ela, passaram nomes como Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, Donald
Pierson, entre outros. Para maiores detalhes, acesse o site da instituição. Disponível em:
https://www.fespsp.org.br/.
117

Não é de se estranhar que se tenha havido atração dos mais jovens ao


movimento anarquista do início da década de 1980. A reabertura política e o
enfraquecimento do governo ditatorial civil-militar, assim como o processo de
mundialização da cultura que lançou o punk ao mundo, possibilitaram esse encontro.
De maneira análoga ao que ocorrera anos antes – no qual a primeira leva de jovens
já praticava, em linhas gerais, uma cultura protopunk, passando a identificar essas
práticas com o advento da explosão do movimento pelo mundo todo –, agora, a
questão se dava pelos desdobramentos de uma doutrina política que emergia
novamente em termos globais (e, ao que parece, foi potencializada pelo advento do
punk). Não queremos tratar destes desdobramentos, mas o que nos interessa notar
aqui é que, no Brasil, o anarcopunk surge a partir desses fatores, e não apenas face
ao que estava ocorrendo na Europa. O local e global se encontram através das
trocas simbólicas partilhadas possibilitadas por uma conjuntura de maior acesso à
informação. Entretanto, não se configura em uma espécie de espelhamento, ou
imitação daquilo que se observava em outros espaços sociais, mas dentro de um
movimento mundial. Isto é, ocorrem dentro de um processo que não é homogêneo,
mas que tem um alcance mais abrangente, gerando conexões e identificações sem
apagar as marcas de onde se fala.
Um dado interessante que separa os anarcopunks dos punks da primeira
onda é que eles já contavam com uma cena para se projetar. Ou seja, no Brasil, em
termos simbólicas, já haviam bases em que pudessem partir. Nessa perspectiva, as
propostas musicais vieram após as outras ações, todas de cunho político, dado que
não seriam uma preocupação de primeira hora formar bandas. De acordo com
Ribeiro (2018):

Junto com os coletivos, vieram as primeiras publicações assumidamente


representantes da postura anarcopunk, a exemplo do informativo O
Iconoclasta, e também se constituíram as bandas Pós-Guerra, Ira dos
Corvos, Castitate Sociale, Vala Negra, Execradores, Metropolixo e muitas
outras. Em termos de militância, os anarcopunks estiveram entre os
primeiros a colocar em pauta uma porção de questões no meio hardcore,
como direitos dos animais — vegetarianismo/veganismo, inclusive —,
feminismo, ecologia, permacultura, e até ajudaram na estreia do Dia do
Orgulho Gay — hoje Parada do Orgulho LGBT — de São Paulo, em 97
(RIBEIRO, 2018).

Esse ativismo se manteve desde o início manifesto em suas práticas. Não


havia entre eles a preocupação mais abrangente em evitar o estilo punk. Usar
118

“visual” carregado e agressivo entre estes sempre foi algo que não se restringia
apenas aos dias de eventos, ou aos protestos de rua. Isso marca outra diferença
sobre como essas pessoas experimentaram o punk. A sua vivência transparecia
uma radicalidade política que se mostrava de várias maneiras. Estes indivíduos
foram os primeiros a criar espaços coletivos de convivência e moradia, já no início
dos anos 1990, sob influência de como eram praticados na Europa. Tratam-se dos
squats, ou okupas, que remetiam a práticas ocorridas desde o pós-guerra, e que se
intensificou nos anos 1960 com o avanço dos movimentos contraculturais. Manteve-
se a proposta de “ocupar e resistir” imóveis vazios sem o consentimento dos seus
proprietários para manter um convívio de moradia autogestionária. As bases desses
movimentos apontam para as práticas anarquistas de luta por moradia e justiça
social (PRUIJT, 2012). Com relação a isso, em depoimento dado à Eduardo Ribeiro,
Jeremias (2018) aponta o seguinte:

Verdade seja dita, no final dos anos 80, início dos 90, nenhuma das bandas
precursoras da cena punk no Brasil que ainda estavam na ativa se diziam
punks. Todas tinham um discurso mais ou menos parecido com "a gente
começou no meio punk, mas hoje evoluímos e não queremos mais ser
vinculados a nenhum rótulo". É só pegar as entrevistas de nomes como
Ratos de Porão, Inocentes, Garotos Podres e outras, dessa época, e
constatar isso. Nenhuma delas se assumia punk. O punk era algo que havia
feito parte da história dessas bandas, mas que havia ficado num passado
distante. Havia muitas diferenças entre a primeira cena punk brasileira e a
cena anarcopunk. O anarcopunk assumia explicitamente uma postura
política, o anarquismo, e aos poucos foi aprendendo mais sobre o assunto,
se aprofundando até se tornar, de fato, um grupo – embora ainda
contracultural – de atuação política. Lógico que esse caminho foi percorrido
lentamente, entre muitos erros e alguns acertos. Mas esse é o principal
diferencial para mim entre os grupos punks e os grupos anarcopunks:
enquanto os punks se reuniam para organizar os sons, fazer os zines e
outras coisas mais relacionadas especificamente à cena underground, os
coletivos anarcopunks, além de fazerem tudo isso, também organizavam
manifestações e protestos políticos, palestras anarquistas, fundavam
bibliotecas, criavam distribuidoras de livros, alguns viviam em comunas
(espaços de convivência coletiva) autogestionárias, planejavam boicotes,
atuavam com outros grupos políticos (não necessariamente anarquistas,
desde que tivessem uma postura apartidária), procuravam atuar em
parceria com diferentes coletivos anarcopunks e anarquistas de forma
federativa e tinham, de fato, um aspecto de célula política, ao ponto de até
aceitarem como militantes, dentro de seus próprios coletivos, pessoas que
não eram punks, mas que desenvolviam uma militância anarquista. Lógico,
deixando bem frisado aqui, nada disso era perfeito. Existiam vários
equívocos, principalmente no início, mas o objetivo principal (para mim, o
que fez toda a diferença) era a iniciativa de ter uma atuação política
(JEREMIAS, 2018).
119

O depoimento de Jeremias traz consigo algo que pudemos verificar em


conversas com outras pessoas que participaram do MAP: é quase um consenso
dizer que o anarcopunk, mesmo quando não é atacado, ou reconhecido, fez pressão
para que a cena punk de São Paulo se agitasse mais uma vez. Um exemplo disso é
que muitas bandas, após o advento do anarcopunk, passaram a tratar de temas
como o anarquismo de maneira mais combativa e até colaborar com os mesmos em
uma série de ações. Isso gerou várias possibilidades interessantes, mesmo não
sendo uma regra. Atraiu, ainda, um contingente considerável de outros punks para
as suas fileiras, impelindo-os à vivência política libertária anarquista. O depoente
aponta que os anarcopunks faziam tudo que os outros punks faziam, mas indo mais
a fundo em suas propostas políticas. Isso nos ajuda a pensar que havia uma
intencionalidade mais claramente expressa em comparação ao período anterior.
A inserção social proposta por estes indivíduos se dá na esteira da distinção,
nos termos propostos por Pierre Bourdieu, o que revela que a cena paulistana se
consolidara. Ao apostarem em práticas mais radicais, os anarcopunks dão
continuidade ao processo anterior, reivindicando o seu espaço. Ao mesmo tempo,
lutam simbolicamente (e até mesmo fisicamente em alguns momentos) ao criarem
sentidos dentro da cena. Vemos aí contornos e fronteiras mais claras a partir dos
elementos que são disputados: ação política e vivência libertária para além da
música. De todo modo, o que gostaríamos de reter aqui é que verifica-se um
movimento que emerge como uma ramificação do punk, saindo do plano local a
partir da necessidade de manifestar a insatisfação com os rumos tomados pelos
pioneiros.
O distanciamento fica marcado também nas gravações ocorridas nos anos de
1990. Como veremos a seguir, algumas das coletâneas mais importantes da cena
paulistana foram feitas de modo a não unir punks e anarcopunks. Se nos
concentrarmos nas duas coletâneas de maior relevo em termos de abrangência,
“Cenas anarcopunks vol 1” (1995) e “SP Punk” (1996), veremos que cada uma
apresenta bandas que se agrupam por uma afinidade eletiva que, apesar de
remeterem uma à outra, separam-se nas propostas. Não houve na época
intercâmbio aparentemente possível entre os dois grupos. Entretanto, a abrangência
desses dois discos foi grande a ponto de servirem como uma marca de retomada do
punk e o que se seguiu a partir destes.
120

3.2 Punk e habitus de classe

A prerrogativa de uma rede global de comunicação que atravessa cenas de


vários países, gerada pela música e por outros veículos de mídia como o cinema,
desde os primórdios do movimento punk, apontam para uma vocação
internacionalista, nos termos desenvolvidos por Ortiz (1988). E isso se dá até
mesmo quando olhamos para as suas origens apontando para os Estados Unidos e
Inglaterra. Com trocas intensas estabelecidas entre estes dois países, logo o
fenômeno se espalhou, extrapolando suas fronteiras. A língua certamente contribuiu
bastante para isso. Contudo, a música é um fator preponderante que gera ainda hoje
disputas pelo protagonismo de ter sido o berço do movimento. Por um lado, há
aqueles que defendem que os Estados Unidos foi onde o punk nasceu. Isso porque
ele está associado à emergência de uma cena underground, pontilhada por posturas
transgressoras e sentimentos que giravam em torno de ideias niilistas partilhada por
bandas já citadas, além de outras como, “Velvet Underground”, “New York Dolls”,
“Television”, “Ramones”, entre outras (MCNEIL; MCCAIN, 2014). Mas, por outro
lado, há aqueles que apontam para o contexto socioeconômico vivido na Inglaterra:
crise econômica, alta taxa de desemprego entre jovens e nenhuma expectativa de
mudança à vista. Assim, este teria sido o terreno fértil para o surgimento da cena,
ressignificada, a partir da ótica da luta de classes, como um elemento de resistência
política (HEBDIGE, 2018).
Se voltarmos o olhar para o Brasil, teríamos um cenário ainda mais caótico.
Como já dito, o punk no Brasil é experimentado dentro de um contexto de ditadura
civil-militar, além de um contexto econômico de crise interna e externa. Para os
jovens de todas as classes sociais havia, portanto, uma certa urgência em se
manifestar, em colocar para fora o que estavam sentindo. Mas, entre uma parcela de
jovens das bordas da cidade de São Paulo, o punk foi o veículo que canalizou a
revolta. Não tanto como algo inventado simplesmente, mas sobretudo como algo
que foi se impondo aos poucos.
Diante disso, gostaríamos de observar que, por aqui, o que parece ter sido
imposto foi algo mais voltado não apenas à resistência, mas à sobrevivência. É
preciso, desse modo, verificar que o punk se mostra no Brasil – principalmente os
punks da periferia de São Paulo – mais como uma estratégia que transforma
necessidade em virtude. Isto resultaria, como nos ajuda a refletir Pierre Bourdieu
121

(2007), da posição ocupada no espaço social por estes jovens, em sua maioria
oriundos das classes populares. Assim, isso denotaria um modo de circunscrever a
realidade vivida como uma expressão do gosto de classe. Estaríamos, então, na
esteira do que o autor chama de gosto de necessidade, isto é, um gosto que é
construído a partir da posição ocupada no espaço social do qual eles são também
produto.

[...] o gosto é o operador prático da transmutação das coisas em sinais


distintos e distintivos, das distribuições contínuas em oposições
descontínuas; ele faz com que as diferenças inscritas na ordem física dos
corpos tenham acesso à ordem simbólica das distinções significantes.
Transforma práticas objetivamente classificadas em que uma condição
significa-se a si mesma - por seu intermédio - em práticas classificadoras,
ou seja, em expressão simbólica da posição de classe, pelo fato de
percebê-las em suas relações mútuas e em função de esquemas sociais de
classificação (BOURDIEU, 2007, p. 166).

Dessa maneira, o que é visto como um sinal invertido se ajusta como uma
estratégia dentro de um horizonte mais amplo das práticas sociais executadas por
estes jovens no espaço social. À sua maneira, a percepção desses indivíduos de
sua condição de classe se move, é canalizada e externalizada pela aderência ao
punk. Mesmo que esta verificação não seja totalmente compreendida por estes
indivíduos, como apontado acima, a questão se faz presente em seu cotidiano e se
dá em suas práticas.
Na visão de Antônio Bivar (2007), o punk poderia ter surgido em qualquer
lugar do mundo, até mesmo no Brasil, dada as circunstâncias que viviam os jovens
ocidentais da época. Apesar de parecer uma afirmação que pode nos levar a crer
que o movimento punk seria um fator eminente, o fato é que, historicamente,
podemos notar que os elementos que caracterizam o punk partem sobretudo do eixo
anglo-saxão, mas também há contribuições de vários pontos do globo. Em outras
palavras, teríamos que pensar em uma cena “global geral”, se assim podemos
conceber este movimento cultural, já que ele contém muitas contribuições tanto dos
estadunidenses, quanto dos ingleses. Tais contribuições circulam e se adequam
bem às dinâmicas locais, nas quais cada cena devolve as suas próprias
contribuições e as lança para outros países em uma dinâmica colaborativa de troca
de informações e sobretudo música gravada. Desta maneira, em cada lugar esta
(sub)cultura tem um sentido lato, foi ressignificada a partir da própria realidade local.
Isso reforça a ideia de atuar como um elemento que transita na órbita internacional,
122

mas sem perder as características e contornos locais. É nesse sentido que


poderíamos pensar o punk como um exemplo formidável e inconfundível do que
Renato Ortiz (1988) chama de internacional popular, elemento nascido dentro do
processo de mundialização da cultura, no âmbito da modernidade-mundo. Isto é,
trata-se de algo visto e reconhecido facilmente em todo o globo pela maioria das
pessoas que tiveram acesso à cultura pop das últimas quatro décadas.
Essa exposição em termos mundiais resultou em um fenômeno interessante
que se divide em duas partes. A primeira se inicia por volta de 1975, surgindo das
ruas e alcançando a fama e a indústria fonográfica. Ela se vinculou diretamente à
indústria cultural, fechando o seu ciclo quando se torna persona non grata entre as
gravadoras no início dos anos 1980. A segunda parte se inicia com a volta às ruas e,
entre idas e vindas, firmou-se como movimento cultural e ainda hoje luta para não
sucumbir inteiramente à indústria cultural. Isso é o que defende Dylan Clark (2003,
p. 223‑236). Para ele, o punk precisou morrer para viver. Por um lado, o “boom”
gerado pelo seu surgimento e a simpatia de parte da mídia pela viabilidade
econômica do punk rock foram aos poucos substituídos por uma rejeição destes
veículos às atitudes hostis e indigestas emitidas por bandas como “Sex Pistols”.
Mas, por outro lado, houve uma normalização dessas atitudes. Para além dessa
banda, as atitudes de alguns punks ultrapassaram os limites do aceitável, quando,
no intuito de utilizar tudo o que fosse possível para chocar o público, se valeram de
símbolos nazistas e alguns até se alinharam às ideias fascistas. De acordo com
Clarke (2003), o golpe final foi dado pela indústria da música, que, ao cooptar as
bandas que eram linha de frente, enfraqueceu a força da novidade trazida pelo
movimento. Dito de outro modo, o efeito de choque (LAING, 2008) havia passado e,
em termos midiáticos, o punk foi impiedosamente massacrado e engolido pela
indústria cultural, sendo acionado como exemplo de desajuste ou domesticado em
termos comerciais.
Esse processo ambíguo sufocou o frescor inicial do punk, mas foi essencial
para a sua reabilitação enquanto movimento cultural, dado que, como defende Clark
(2003), o fez viver novamente, mas sob outras bases. Se em um primeiro momento
era pensado como o exemplo máximo de subcultura, em outro, se tornou resistente
até mesmo a essa nomenclatura, dado que não se tornou mais tão dependente da
música, apesar desta ainda ter uma grande relevância em termos identitários.
123

No Brasil, a questão da exposição gerou também uma ampliação das


violências de gangues. No já mencionado documentário “Botinada: a origem do punk
no Brasil” (2006) há vários depoimentos que contam como ocorreu o declínio do
punk no início dos anos de 1980 no Brasil. Segundo os relatos, o mesmo festival “O
começo do fim do mundo” - nome sugestivo que dá o tom da perspectiva de vida
desses jovens naquele momento - que projetou a cena punk brasileira para o
mundo, também foi apontado como o evento que marcou um processo de
perseguição e dispersão dessa primeira experiência. A Rede Globo de Televisão,
noticiou de maneira sensacionalista a confusão ocorrida no final do evento. Esse fio
conduziu outros veículos a produzirem matérias de repúdio aos punks, gerando
comoção na sociedade civil e maior endurecimento da polícia.
Desta maneira, até para se resguardar fisicamente, esses jovens começaram
gradualmente a evitar os encontros. As apresentações foram minguando e as
bandas migrando para outras cenas. Foi o caso dos “Ratos de Porão” que passaram
a frequentar a cena heavy metal, tornado a sua sonoridade mais afeita ao trash
metal e se identificando agora como um grupo crossover, não mais punk. “Os
Inocentes” migraram para a cena de rock paulistano, e até foram contratados por
uma grande gravadora. Lá tiveram relativo sucesso, mas não emplacaram. Outras
bandas enveredaram para o pós-punk e new wave ou simplesmente deixaram de se
apresentar. Fábio, vocalista da banda “Olho Seco”, foi pressionado por outros
lojistas situados na “Galeria do Rock”, no centro de São Paulo, a fechar o seu
comércio. Assim, a cena pouco a pouco foi deixando de existir com as mesmas
características.
Uma parte dos punks do ABC, por conta dessa situação de perseguição e de
diferenças ideológicas com outros grupos punks (da zona leste e da city, como eram
chamados aqueles que moravam em São Paulo e não tinham que pegar trem para
chegar ao centro), aderiu ou se aproximou dos skinsheads e do Movimento Oi.
Assim, passaram a se intitular como “carecas do subúrbio”, e, posteriormente, uma
ramificação passou a se apresentar como “carecas do ABC”. A ideia era de
desvinculação da imagem dada ao punk, de sujeira e desordem, alinhando-se a um
visual mais “limpo”, e, ideologicamente, à “defesa da pátria” (COSTA, 1993). Desse
modo, mesmo que negassem a proximidade com os grupos neonazistas europeus,
eles se aproximaram de uma visão fascista, racista e homofóbica de mundo.
124

A banda “Virus 27” é um exemplo interessante dessa passagem. A banda foi


formada no ABC paulista em 1982, sob influência dos Dead Kennedys, banda
estadunidense famosa por sua criatividade musical e pelas letras antifascistas e
recheada de ataques ao status quo estadunidense. Ao contrário dos Dead
Kennedys, a banda se alinhou com a estética e música skinhead, sendo um dos
grupos pioneiros do Oi no Brasil. Ganharam projeção a partir da participação na
coletânea “Ataque Sonoro” e estiveram por anos ligados ao movimento skinhead do
Brasil. Contudo, o efeito prático dessa controvérsia ocorrida na primeira fase do
punk em São Paulo foi que a cena precisou se reinventar, lançando mão de outros
sentidos.
Com o passar dos anos de onda passageira, os elementos da cultura punk se
tornaram cada vez mais específicos e claros. Podemos destacar que se tornou de
fato uma forma musical, um movimento cultural e uma cena musical (SILVA;
GUERRA, 2015). Como uma forma musical, apresenta elementos estéticos próprios,
é uma música que para ser executada não necessita de nenhuma perícia, mantendo
uma sonoridade simples e direta. Além disso, sustentou uma postura de resistência
frente à indústria de música gravada, dando continuidade de maneira radicalizada às
experiências da contracultura sessentista. Como movimento cultural, está ligado ao
processo em que os jovens ocidentais – em especial os estadunidenses e europeus
que o vivenciaram no pós Segunda Guerra Mundial – tornam-se sujeitos da história,
a partir dos desdobramentos e ações do movimento estudantil e protagonistas
efetivos do que veio a ser conhecido como cultura pop (MIRA, 2009). No entanto,
distingue-se pelo Do It Yourself, que atua como uma moral de grupo e ética pessoal.
E é uma cena pois os punks partilham entre si uma série de práticas e hábitos de
consumo e lazer. Trata-se, enfim, de uma estrutura simbólica que possibilita tanto a
aderência, quanto a transgressão.
Dos anos 1990 em diante, o punk recuperou-se sem com isso manter a
projeção anterior. Colocando à parte a fama de briguentos e violentos, a ideia de
uma cultura punk foi ganhando terreno nas bordas da cidade de São Paulo. Esse
movimento que tinha o centro como referência nos seus primórdios, retornou para as
suas bases geográficas e floresceu em bairros como Pirituba, Jd. Donária,
Brasilândia, Freguesia do Ó, Jaraguá, Perus, Jd. Brasil, Jaçanã, Valo Velho, Parque
do Lago, Capão Redondo, Cidade Tiradentes, entre outros. Suas atividades foram
fixadas nos espaços que pudessem ser utilizados: bares, quadras de escola, ruas,
125

praças, salões de associações de bairro. À medida que bandas surgiam no terreno


desbravado pelas pioneiras, elas se tornaram cada vez mais radicalizadas
politicamente e em suas apresentações, em particular devido ao intercâmbio com
outras cenas no exterior e dentro do país. Coletâneas e mix tapes foram
organizadas, e materiais foram lançados e relançados de maneira contínua e sem
nenhuma formalidade.
O centro da cidade, em especial as “grandes galerias”, chamadas pelos seus
frequentadores de “galeria do rock”, tornou-se uma espécie de limbo territorial em
termos de ocupação. Ou, como concebeu Magnani, pode ser pensado como um
circuito de jovens33 (MAGNANI, 2010, p. 18). Nesse espaço, encontravam-se uma
série de grupos subculturais, como os rockers, metaleiros, góticos, carecas e os
punks. Entre este últimos, a loja do Fábio Zvonar, 68, músico, produtor e
comerciante e vocalista da banda “Olho Seco”, era bastante frequentada, sendo um
local onde muitos procuravam novidades ou marcavam encontros. Bandas foram
formadas, eventos tramados, brigas se desenrolaram, mas sem que o espaço tenha
sido demarcado como ambiente de um só grupo. A pluralidade de grupos
(sub)culturais tornou-se aos poucos a “essência” deste espaço, onde conviviam em
certo clima de tensão: aceitava-se dividi-lo, mas sem reivindicá-lo plenamente.

3.3 Do It Yourself (DIY) como ética de grupo e a sua relação com a música
gravada

Como vimos acima, é necessário ter em mente que não há como distinguir os
princípios incorporados que guiam as condutas dos indivíduos em determinado
grupo (ethos) das questões de escolha e do gosto, incorporados ao longo das
histórias individuais e coletivas dos indivíduos (habitus). É imprescindível, portanto,
compreender as relações que se estabeleceram durante os anos entre as várias
esferas envolvidas nesse processo.

33Na concepção do autor “trata-se de uma categoria que descreve o exercício de uma prática ou a
oferta de determinado serviço por meio de estabelecimentos, equipamentos e espaços que não
mantêm entre si uma relação de contiguidade espacial; ele é reconhecido em seu conjunto pelos
usuários habituais. A noção de circuito também designa um uso do espaço e dos equipamentos
urbanos – possibilitando, por conseguinte, o exercício da sociabilidade por meio de encontros,
comunicação, manejo de códigos –, porém de forma mais independente com relação ao espaço, sem
se ater à contiguidade, como ocorre na mancha ou no pedaço. Mas ele tem, igualmente, existência
objetiva e observável: pode ser identificado, descrito e localizado”. Para maiores informações, cf.
Magnani (2010).
126

No livro Questões de Sociologia, Pierre Bourdieu (2003) apresenta uma


definição interessante a respeito de como compreender e utilizar o termo habitus e
ethos. O autor nos mostra que, em sua concepção, ethos designa as condutas de
ordem ética, mobilizadas em esforços voltados à orientação das práticas. Contudo,
para o autor, o habitus contempla também o ethos, ou melhor, “os princípios práticos
de classificação que são constitutivos do habitus são indissociavelmente lógicos e
axiológicos, teóricos e práticos. [...] Orientando-se para a prática, a lógica prática
mobiliza inevitavelmente valores” (BOURDIEU, 2003, p. 139). Isto posto, podemos
verificar as ações mobilizadas em relação a um conjunto de princípios partilhados
entre essa juventude. Diante disso, seria importante localizarmos, na literatura
especializada, os elementos simbólicos que apontam para uma caracterização do
punk, recorrendo a estes como meio para compreender como o habitus de classe
age para se mostrar como também um habitus específico no caso dos punks.
Desta maneira, depois de termos feito um balanço geral sobre alguns pontos
que julgamos importantes para a constituição de uma cena na cidade de São Paulo,
falaremos agora diretamente sobre o Do It Yourself. Para isso retomaremos alguns
pontos apenas como maneira de nos fazer claros. Diferentemente dos outros
grupos, somente no punk a música gravada pode ser pensada tendo o DIY como
ethos (SILVA; GUERRA, 2015), mas também como habitus, já que se mostra nas
condutas múltiplas de consumidores em produtores culturais. Essa premissa se
sustenta no fato de que a produção musical é parte central da identidade desse
grupo. Para melhor equacionar o problema, gostaria de retomar uma ideia
apresentada anteriormente. Foi mencionado que o punk radicalizou a ideia de
independência, mantendo o foco na produção artística e na liberdade de atuação
mais do que no negócio. Em seu discurso, nas suas vivências mais radicais, o punk
demonstra uma postura totalmente contrária às concessões à indústria fonográfica
(O’CONNOR, 2008). Isto porque ao mesmo tempo em que vem se mostrando como
um modo específico de ser e estar no mundo (HALL, 1992), também apresenta uma
série de maneiras de elaborar, produzir e difundir cultura com um foco diretamente
direcionado para ações anticapitalistas34. Ainda que as grandes empresas do ramo

34Utilizamos este termo no sentido dado após os acontecimentos pós Maio de 68. Isto é, as práticas
e movimentos que ganharam relevo de luta contra o sistema econômico global, expresso em lutas
identitárias e ações diretas promovidas por grupos libertários. Como sugere Moysés Pinto Neto
(2018), em contraposição à proposta de Boltanski e Chiapello em que este período fez surgir o
127

fonográfico tenham feito muito dinheiro com o punk, ironicamente, desde os seus
primórdios que apontam para os anos de 1970, as pessoas deste movimento
procuraram meios de se expressar sem ter que recorrer às grandes empresas do
ramo fonográfico (BIVAR, 2007; O’HARA, 2005). Essa vontade de fazer diferente e
romper com o que estava estabelecido dá o pontapé inicial para que outros jovens
no mundo possam se expressar utilizando a música como o seu estandarte principal.
Em um movimento de ida e vinda, o punk sai das ruas e depois vai para as
gravadoras. E, sendo expulsos delas, ele volta para as ruas, onde se reinventa
(CLARK, 2003) e passa a produzir de maneira mais ativa do que antes.
Como dito anteriormente, os punks radicalizam a ideia de produção
independente, pois, em sua maioria, não estão abertos a negociações. No entanto,
há de se ponderar, já que existem muitos exemplos de bandas punk que assinaram
contrato com pequenas e grandes gravadoras. O que assevera Dylan Clark (2003),
quando argumenta que esta é uma das contradições existentes no punk: oscilar
entre o underground e o mainstream. A começar pelos grandes ícones da primeira
onda punk, temos o “Sex Pistols” e o “The Clash”. Os “Sex Pistols”, formados em
1975, assinaram no ano seguinte um contrato com a EMI, A&M Records e, depois,
com a Virgin Records, por onde sai o polêmico disco “Never Mind the Bollocks:
Here’s the Sex Pistols”, em 1977. O single deste LP é a canção “God Save the
Queen”, que ironizava o jubileu da rainha Elizabeth e atacava o governo britânico,
emplacando quatro músicas nas paradas de sucesso britânica entre 1976 e 1977. O
“The Clash”, por sua vez, deu início às suas atividades em 1976, e foram
contratados pela gravadora CBS no mesmo ano. O álbum de estreia, “The Clash”,
lançado em 1977 apenas no Reino Unido, foi bem recebido tanto pelo público,
quanto pela crítica. Isso os alçou ao estrelato. Consta-se que “The Clash” foi a
primeira banda punk a tocar em estádios.
Mais recentemente, no contexto estadunidense, temos bandas representantes
do punk californiano, como “Green Day”, formada em Berkeley (CA) em 1986. A
banda ficou mundialmente famosa em 1994 através do seu terceiro álbum
denominado “Dookie”, lançado pelo selo “Reprise Records”, da gravadora Warner. O

“espírito de um novo capitalismo”. Se este surge de fato, o que vem com ele é uma reação, ou seja, o
novo anticapitalismo, dotado de práticas que vão além dos sentidos estéticos exclusivamente.
128

disco foi um sucesso de vendas, recebendo disco de ouro e platina35. Outro exemplo
é a também californiana “Offspring”. Após ser contratada pela gravadora
independente “Epitaph”, ela se tornou o álbum de maior número de cópias vendidas
por um independente, ganhando disco de ouro e platina36. Um dado interessante é
que a banda, apesar de ter obtido grande sucesso, só assinou com uma grande
gravadora (no caso, a Sony Music) em 1997. O que revela, com ressalvas, certa
atitude de resistência, mesmo para aqueles que obtiveram sucesso de vendas.
Mas há também vários exemplos de bandas que, ao se tornarem mais
conhecidas, passaram a ser acossadas pelas gravadoras e não assinaram com
nenhuma delas. No cenário global, há um caso emblemático que serviu e ainda
serve como modelo de atitude frente à indústria da música gravada. Trata-se da
banda “Crass”, já citada anteriormente, conhecida pela postura radical tanto em suas
apresentações, quanto ao defender as suas convicções políticas. Ela recebeu nos
anos de 1981-82 propostas excelentes para assinar contrato com a EMI, mas não o
fez em nome de manter o controle sobre a sua produção artística (O’HARA, 2005, p.
155). Inclusive mantinham fortes críticas às bandas que seguiam este caminho. Na
letra “Punk is dead”, do disco “The Feeding of the 5000”, fazem uma severa crítica
ao movimento punk e ao “The Clash”.

Sim, isso mesmo, o punk está morto / é apenas mais um produto barato
para a cabeça dos consumidores./ Bubblegum rock em transistores de
plástico / Sedição de estudantes apoiada por grandes promotores./ A CBS
promove o Clash / / apenas por dinheiro (...) (CRASS, 1978)37.

A letra desta canção expressa a percepção de uma parcela de punks em


relação à adesão de bandas do meio com grandes gravadoras. O que denota
também uma série de disputas em torno do que é visto como o melhor caminho a
seguir, em termos de prática. Esse é um dos pontos que leva a autores como
Hesmondhalgh (1996) a defender que as experiências de setores do punk em

35 O “Green Day” vendeu mais de 10 milhões de cópias somente entre 1994 e 1995, de acordo com a
The Recording Industry Association of America (RIAA). Disponível em: https://www.riaa.com/gold-
platinum/?tab_active=default-award&ar=GREEN+DAY&ti=DOOKIE. Acesso em: 16 jun. 2019.
36 O álbum “Smash” vendeu cerca de 6 milhões de discos entre 1994 e 2000.
37 Traduzido livremente da canção Punk is Dead contida no disco "The

Feeding Of The Five Thousand" (1978) : Yes that's right, punk is dead/ It's
just another cheap product for the consumers head./ Bubblegum rock on
plastic transistors,/ Schoolboy sedition backed by big time promoters./ CBS
promote the Clash,/ But it ain't for revolution, it's just for cash. (...)
129

relação à música estão pautadas pela radicalidade. Isto é, a relação com a música e
com o mercado da música se torna conflitante justamente por ir de encontro com os
valores do DIY. Ter controle sobre o que se produz torna-se algo preponderante no
meio. Assim, podemos dizer que não bastaria apenas soar musicalmente punk,
como revelam os exemplos citados das bandas de sucesso dentro deste eixo. Mas
seria preciso atuar frente à sua produção, de modo que seja possível ser
reconhecido entre os seus pares como algo legítimo e, portanto, aceito. As
contradições dadas entre underground e mainstream representam, ainda, o
processo de cooptação do punk, mas também a sua resistência e reinvenção
(CLARK, 2003).
No Brasil, essa querela ganha outras tonalidades. O embate entre
underground e mainstream pouco se desenvolveu por aqui, dado que as poucas
bandas que conseguiram contratos com gravadoras e não saíram do underground –
no caso, dentre as pioneiras, trata-se de Ratos de Porão38 e Inocentes39. Embora
haja vários grupos que mantenham uma sonoridade punk, estas não são
reconhecidas na cena e nem se pretendem punks. Em outras palavras, aceitam a
estética musical, mas não se afinam com a ética de grupo e se aproximam mais da
visão de rockstar, tão facilmente identificável. A título de exemplo, poderíamos citar
algumas, como “Holly Tree”, “CPM 22”, “For Fun”, dentre outras que surgiram em
São Paulo nos anos 1990 e tiveram alguma projeção nacional. Entretanto, é notório
o caso da banda “Cólera”, que foi assediada por gravadoras nacionais e se recusou
a se submeter a elas, buscando manter sempre o controle de sua música – o que
ocorre ainda hoje. A banda foi formada em 1979, e lançou 9 álbuns de estúdio, 6 “ao
vivo”, 2 EPs, participou de 2 coletâneas e 17 compilações. O terceiro álbum de
estúdio da banda, “Pela paz em todo mundo”, lançado em 1986, de maneira
autônoma – conforme indicado por Pierre, 55, administrador e músico, baterista da
banda em entrevista concedida em agosto de 2019 – vendeu cerca de 25 mil cópias,
um sucesso até para os padrões de hoje, e ainda mais por se tratar de uma banda
punk.
Voltando à questão dos lançamentos fonográficos Do It Yourself, mesmo já
praticando-o, mas sem ser plenamente compreendido ao menos em visão mais

38Ataque Frontal (BRA), Baratos Afins (BRA), Cogumelo Records (BRA), Paradoxx (BRA), Punk Rock
Discos (BRA), Peculio discos, Beat Generation (ESP), Roadrunner (EUA), Alternative Tentacles
Records (EUA), F.O.A.D (ITA), Records, Bruak! (EUA).
39 WEA, Paradoxx, Devil Discos, Eldorado, Camerti, Abril Music, Substancial Music, RDS Fonográfica.
130

aprofundada como uma “vivência”, pode ser também estendida ao que se passava
por aqui. Acompanhando o que ocorria no mundo em torno do punk, discos e mais
discos são lançados de maneira análoga. Houve, por exemplo, a coletânea “Grito
Suburbano”, em 1982, seguido por outra intitulada SUB (1983), passando pelos
discos das bandas Olho Seco (“Bota, fuzis e capacetes” - 1983), Ratos de Porão
(“Crucificados pelo Sistema” – 1984) e Cólera (1992 – em K7). Isso só para ficar em
alguns álbuns considerados clássicos na cena punk da metrópole paulistana que
são bancados pelos próprios artistas. O que indica que a prática tinha sido absorvida
também por aqui.
Assim, o que se verifica como prática corrente entre os punks é a busca por
criar produtos de maneira autônoma e autogerida. Ao contrário do que ocorreria com
os empreendimentos vinculados ao pós-punk, na Inglaterra; ao rock alternativo, nos
EUA; e, no Brasil, ao movimento dos independentes iniciados nos anos de 1980.
Dito de outra maneira, para os punks, o DIY é equivalente a uma ética de grupo
(GUERRA; SILVA, 2014). É o canal por onde a sua criatividade e criticidade frente à
sociedade de consumo se demonstra. Nesse sentido, a características das suas
ações em torno da música gravada parecem nos levar a crer que não são exemplos
de empreendedorismo, no sentido empregado nos dias de hoje, isto é, de ações
voltadas à realização de um negócio economicamente viável. Mas ações que
expressam uma crítica justamente a esse espírito empreendedor, ao mesmo tempo
em que demonstra força suficiente para se manter viável ao longo do tempo.
Como ressalta O’Hara (2005, p. 152), o punk desenvolveu uma lógica
particular de lidar com os seus negócios, criando redes de apoio mútuo e canais de
expressão e sociabilidade. Dito de outra maneira, o autor trata de como os punks
tendem a agir em relação às suas práticas comerciais que visam se contrapor às
práticas das grandes gravadoras. As bandas que não se enquadram dentro desses
princípios são prontamente descartadas como participantes desse grupo, ou, no
melhor dos casos, perdem parte de sua legitimidade.
De uma maneira bastante peculiar a todos os grupos punk do globo, é
predominante a chamada atitude Do It Yourself. Tendo isso em vista, esta prática
parece resistir invariavelmente ao suporte em um discurso que perpassa os anos e
se instala como um ethos no seio desse grupo social (GUERRA, 2013). Somado a
131

isso, há o fato de que o punk vem se mostrando como uma subcultura40 resistente
ao próprio discurso subcultural. Isso porque, em grande medida, ele ultrapassou nos
dias atuais as demandas dos pioneiros deste movimento, lançando mão de uma
aposta maior na busca por uma vivência autêntica (CLARK, 2003). Ou seja, nesse
meio, a questão política é preponderante. O que nos leva crer que, ao se
contraporem ao sistema capitalista, todos os seus produtos estão impregnados de
referência à luta e resistência anticapitalista, demonstrando que é quase impossível
separar a arte das posturas combativas.
Até aqui buscamos localizar, entre algumas maneiras de atuar frente à
produção, distribuição e venda de música gravada, as produções que consideramos
marginais. Para tanto, fizemos uma discussão sobre a noção de indústria cultural.
Além disso, resgatamos alguns elementos da sociologia de Pierre Bourdieu para
pensar outras formas de produção. Estas, dentro das suas especificidades,
mostram-nos que há uma gama de maneiras distintas para lidar com a música
gravada fora do circuito das empresas do ramo fonográfico. Dentro dessas
produções foi destacado o caso do punk. Com isso, argumentou-se que este se
configura como um exemplo de referência empírica justamente por ser uma cena já
sedimentada, com práticas similares de produção, gravação e distribuição de
fonogramas a outros grupos ao redor do mundo. No próximo capítulo, buscaremos
aprofundar a reflexão sobre as práticas desenvolvidas por punks, partindo dos seus
princípios éticos, estéticos e políticos. Apontaremos também a história e o
desenvolvimento das gravações de música punk na cidade de São Paulo através de
suas produções.

40 Por subcultura entendemos as culturas que apresentam distanciamentos em relação aos modos de
vida dominante, mas sem empreender uma ruptura radical com eles.
132

CAPÍTULO 4 – CRIANDO COLETIVAMENTE: A MÚSICA GRAVADA PELO PUNK


PAULISTANO: DISCOS, SONORIDADES E AFINIDADES

(...) Eis a voz soando a dizer pra auto-gestão


Somos capazes, robôs ou o quê?/ Qual sua
condição? Andar, cantar, viver e pensar/
Depende de você (...)
(Cólera, Consciência)

Neste capítulo analisaremos algumas obras, tendo como foco apresentar


como os indivíduos e as suas práticas se desenham nos registros sonoros. Se
anteriormente exploramos os aspectos mais gerais da cena, tais quais o horizonte
simbólico que perpassa as esferas globais e locais e são postos em ação. Agora
teremos a oportunidade de tratar diretamente dessas obras. Para isso trataremos de
questões relativas às sonoridades e suas vinculações, assim como as coletâneas e
depois trataremos dos selos e de outras ações responsáveis por colocar em
evidência as práticas e ações realizadas em torno na música gravada. O que nos
ajuda e verificar a ideia de unidade, as afinidades, escolhas estéticas e éticas.

4.1. Quantidade de discos lançados no período de 1981-2019

Elaboramos uma planilha como ferramenta de sistematização para nos ajudar


na compreensão das produções que vem ocorrendo na cena punk paulistana desde
o início dos anos 1980. Nela constam dados interessantes. O primeiro confirma
inicialmente a nossa suspeita de que há um processo contínuo que atravessou
décadas a fio. Conseguimos contabilizar 880 produções, levantadas por meio de
buscas em websites como “Discogs” e “Youtube” e visitas à acervos pessoais, blogs
e páginas do Facebook, estas últimas também utilizadas para confirmar dados
obtidos. No entanto, há ainda muito a ser explorado, pois há materiais sonoros que
permanecem sem lançamento ou foram lançados de forma restrita, contando com
poucas cópias. Em muitos casos nem mesmos os próprios artistas possuem cópias
de seus trabalhos. Nesse sentido, vale ressaltar desde já que consideramos uma
série de produtos que dentro dos termos comerciais não passariam a ocupar
prateleiras de pontos de venda. Dito de outra maneira, consideramos materiais
133

lançados “oficialmente” pelas bandas, assim como demos, gravações de shows ao


vivo, entre outros. De certo que o levantamento não foi exaustivo, mas a quantidade
gerada nos deu uma boa noção do que vem ocorrendo durante quatro décadas. Em
média foram lançados cerca de 23 produtos por ano, ou seja, uma marca que
alcança cerca de dois lançamentos por mês desde 1981. O crescimento de
produções iniciou-se expressivamente a partir de 1997 tendo algumas variações,
mas mantendo uma média.
Nesse espaço de um pouco mais de uma década contou com uma ampliação
da cena em termos numéricos e também de exposição na grande mídia, com o
revival do gênero ocorrido a partir dos EUA. É nesse período que a internet se
consolida, gerando novas possibilidades de elaboração de fonogramas, assim como
novos espaços para expor ideias e fazer contato de modo mais rápido e eficiente. Se
no período pré-internet as ações eram orquestradas por carta, ou em alguns casos
por telefone, com o advento das novas tecnologias de comunicação isso se expande
e se qualifica gradualmente através do avanço dessas ferramentas. Já há uma série
de bandas que utilizam plataformas de streaming para expor os seus trabalhos e
atingir mais pessoas com as suas músicas. Temos aqui, portanto, um primeiro dado
que nos permite constatar a que cena punk está em ação ininterrupta desde o final
dos anos 1970. Como vimos anteriormente ela se formou por uma série de fatores: o
movimento que se originou primeiramente nos EUA e na Inglaterra, logo se
globalizou e consolidou o estilo punk de fazer música como sua marca maior. Desse
movimento, se desdobrou um sem número de cenas locais, cada uma com suas
características próprias, sedimentando o movimento ao redor do mundo.
Acompanhando essa movimentação a cena de São Paulo gerou uma série de
contribuições para o mundo. Muitas bandas foram influenciadas dentro e fora do
país, mas também sofreram influências em suas práticas.
134

Gráfico 1 – Discos lançados por punks na cidade de São Paulo entre 1981-2019

Fonte: Elaborado pelo autor.

Entre os anos de 2003 até 2013, os números oscilaram, atingindo um pico em


2014. Em termos socioeconômicos, o período também coincide com os governos do
PT (Partido dos Trabalhadores), no qual houve estabilização da moeda – promovida
anteriormente pelo governo FHC –, diminuição da inflação, ampliação das políticas
sociais e aumento do crédito para compra de bens de consumo. Esses fatores ainda
podem ser somados a outros no contexto internacional, que demonstram um maior
protagonismo da economia brasileira tanto na região do Mercosul, quanto nas ações
em conjunto com as economias emergentes expressas com a criação do BRICS.
Internamente ao punk, em termos globais, houve um revival. Isso, em grande
medida, como produto direto das ações ocorridas na indústria fonográfica
estadunidense. Bandas que estavam relegadas a pequenos selos na Califórnia,
como o “Lookout! Records” e “Epitaph”, tornaram-se fenômenos de vendas como as
já citadas “Green Day” e “Offspring”, “Bad Religion”, “Pennywise” e “Rancid”,
contribuindo para colocar novamente o punk em evidência. No entanto, é preciso
ponderar que o punk exposto na mídia após esse revival se restringe ao punk como
forma musical. Ou seja, no geral, traz-se para o contexto da música pop novamente
a presença da sonoridade ruidosa do punk com suas melodias e linhas de guitarra
mais “suavizadas”, contando com solos nessa mesma direção, algo muito próximo
ao classic rock. Não teríamos como mensurar numericamente a influência desse
135

evento. O fato é que com maior visibilidade e aceitação para os elementos sonoros
desta manifestação, agora o punk se apresentava de maneira mais “acessível” aos
consumidores de música pop. As bandas supracitadas são exemplares também por
este motivo, isto é, conseguiram encontrar saídas sonoras comerciais sem abrir mão
das características musicais do punk (simplicidade melódica e poucos acordes).
Surgiu-se daí a vertente pop punk.
É interessante notar que essa “saída” já havia sido testada pela banda
“Nirvana” anos antes com o disco “Nevermind”, de 1991. Com elementos musicais
que remetiam diretamente ao punk, essa banda se tornou mundialmente conhecida
por canções que equilibravam uma estrutura melódica pop com guitarra e vocal
marcadamente mais agressivos. Essa fórmula tornou-se um grande sucesso de
vendas, somando cifras impressionantes. Só nos Estados Unidos as vendas
chegaram a 28 milhões de discos41. Somadas às vendas em outros países, a
estimativa é que tenham vendido cerca de 78 milhões de discos. Quando a banda foi
desintegrada após a trágica morte do vocalista e líder do grupo, Kurt Cobain, o
mercado fonográfico, ao que parece, passou a vasculhar bandas com potencial
similar. Isso fica mais evidente quando percebemos como bandas californianas de
punk rock e hardcore melódico ganharam evidência no cenário da música popular
daquele país e no mundo logo em seguida.
Tal exposição no exterior coincide com uma “retomada” do punk em São
Paulo, ou pelo menos uma maior exposição. Como mostram os números levantados,
há o início de uma curva ascendente na produção de discos, o que nos leva a
verificar que também surgiram muitas bandas novas no período. Esse movimento foi
antecedido por uma retração, ocasionada pelos veículos de mídia hegemônicos no
país, devido à exploração negativa do punk no início dos anos 1980. A partir dessa
situação, houve uma divisão no movimento que culminou na divisão interna e no
afastamento de pessoas ligadas à cena, no caso, os carecas do subúrbio e
congêneres, e os straight edges. Desprendeu-se daí também os anarcopunks que,
como dito anteriormente, reforçaram a aposta em práticas e posturas políticas
através dos princípios anarquistas de propaganda pelo ato.

41 Dados consultados no website da Associação da Indústria Fonográfica da América (Recording


Industry Association of America - RIAA). Disponível em: https://www.riaa.com/gold-
platinum/?tab_active=awards_by_artist#search_section. Acesso em: 15 out. 2019.
136

Bandas como “Pós-guerra”, “Execradores”, “Vala Negra”, entre outras são


representantes desse grupo que emergem nesse momento. Essa vertente se
organizou na periferia sul de São Paulo e foi se fortalecendo e se espalhando pela
cidade (GANGZ, 2019). Nestas mesmas bordas outros grupos surgiram e, na zona
norte, como é o caso dos “Invasores de Cérebros”, novas bandas passaram a
organizar produções sonoras coletivamente, através do selo “Desculpe Aturá-los!
Records”. Nessa mesma região surgiram também as bandas “Parafernália”,
“Esquizofrenia”, “Alerta Geral”, “Cirrose Cerebral”, “Charume”, “FHC”, “Ácratas”,
“Estado Alterado”, entre outras. Na zona leste, destacaram-se “Colisão Social”,
“Taquicardia”, “Deserdados”, entre outras. Na região central da cidade, “Los Dingos”
e “Forgotten Boys”. Nas camadas médias, é possível verificar que à época uma
gama de bandas de hardcore melódico foram surgindo, tais como “Hateen”,
“CPM22” e “Dance of Days”, também desprendidas do punk enquanto vivência e
mais próximas dos straight edges, que, por sua vez, traziam a contribuição de
grupos como “Point of no return” e “Personal Choice”. Outras já amplamente
conhecidas, mantiveram-se suas características musicais, isto é, bateria veloz,
guitarras agressivas e vocal gutural. É o caso dos “Ratos de Porão”. Esta banda
lançou em 1995 dois discos, o “Feijoada Acidente? - Brasil” e o “Feijoada Acidente?
- Internacional”. Esses discos os ajudaram a retornar às suas origens e revisitar
canções e bandas que já haviam entrado no esquecimento. Falaremos desse disco
com mais detalhes a frente, mas o que importa reter é que trata-se de um marcador
importante dentro da cena, pois com ele foram colocadas em evidência as bandas
fundadoras.
Em termos de tecnologias de gravação, o período foi bastante fértil. Esta
época foi marcada por diversos fatores: 1) a consolidação do CD como mídia de
mercado; 2) o barateamento dos processos de gravação de música; 3) a
disponibilização no mercado de uma série de aparelhos que possibilitaram a
proliferação de pequenos estúdios de gravação; e 4) o advento da internet, o que
diminuiu significativamente os custos para os artistas independentes (VICENTE,
1996). Em linhas gerais, todos estes fatores são importantes para compreender
como a música gravada por punks na cidade de São Paulo foi se desenrolando. Se
por um lado houve condições externas, internamente, houve movimentações que,
em conjunto, podem ser notadas nas gravações realizadas dentro do arco de
temporal denotado.
137

Nesse sentido, para compreender os números levantados é preciso também


cruzar outros dados. O intuito é demonstrar como essas gravações foram surgindo e
como elas foram impactadas pelos fatores aventados acima. Comecemos a verificar
retomando a noção defendida por Paula Guerra (2015) que concebe o punk como
uma forma musical, um movimento cultural e uma cena musical. É central para a
nossa análise afirmar que estes elementos estão entrelaçados e apenas para fins de
compreensão teórica é possível separá-los. Pensando o punk primeiramente como
uma forma musical, os números apontam para uma diversificação sonora dispersa
nas gravações. Contudo, com predominância do punk rock e do hardcore.
Inicialmente podemos pensar o termo música punk como uma espécie de guarda-
chuva que abriga esses ritmos sob a sua proteção. O próprio termo já nos remete ao
plano que dá sustentação ao movimento cultural, que encerra uma série de práticas
e disposições baseadas no DIY a nível local e translocal (GUERRA, 2013). Esses
elementos, por sua vez, como veremos, geram uma série de disputas e questões
que ultrapassam os números. Diante disso, iniciaremos verificando como o punk
rock e hardcore se relacionam, buscando pensar os efeitos de aproximação e
repulsa para a música gravada.

4.2. Punk rock e Hardcore

A música punk enquanto veículo de identidade e expressividade na cena


paulistana se consolidou por meio do punk rock e do hardcore como gêneros mais
acessados pelos agentes da cena. Chamamos de música punk o ritmo derivado do
rock n’ roll, com estrutura musical mais simplificada. A centralidade da guitarra com
efeito de distorção e saturação é predominante, sendo que este instrumento é o líder
rítmico. Em linhas gerais, contém poucos acordes e solos de guitarra curtos ou
inexistentes, como evidenciados em bandas como “Sex Pistols” (Kuhn, 2010). A
bateria é marcante, oscilando entre o marching drums, como anota Hesmondhalgh
(1999), em relação ao “Crass”, e ou com batidas mais complexas, como encontradas
em bandas como o em bandas como “Dead Kennedys”. No hardcore, além de todos
os elementos acima elencados, a agressividade das execuções e a rapidez se torna
uma marca sonora. Este ainda se alinha muito bem a outros ritmos que lhe
emprestam mais ênfase expressiva, como o thrash metal. Em relação ao punk rock
e ao hardcore cada possui o seu polo de significados, sendo o primeiro com um
138

andamento mais lento dos seus tempos musicais e o segundo mais acelerado, com
batidas de bateria mais seriados e agressivos. Há várias variações de um e de
outro, contudo, no geral, mantém essas características mais visíveis. Outro ponto
relevante é que um remete ao outro, o punk rock está ligado raízes do gênero e à
ruína do primeira leva de bandas, o hardcore se liga ao ressurgimento e apoteose,
ou se preferirem, de consolidação do punk enquanto movimento cultural.
Todos esses fatores se coadunam e servem para compreender o pico de
produções ocorridas no período que vai de meados dos anos 1990 até 2013.
Particularmente, na segunda metade dos anos 1990, percebemos que os ritmos
mais explorados foram o punk rock encontrado em 37,3% das produções e o hard
core respondendo por 65,7% destas. Sendo minoritária a ocorrência de outras
vertentes presentes na música feita por punks, tais como o crustcore, d-beat,
grindcore. Estas são sonoridades menos usuais, aparecendo em cerca de 13,4%
das gravações. O que nos mostra que há pouca aderência a estas que são
representações musicais extremas, apesar de que, paradoxalmente, principalmente
bandas estrangeiras dessa vertente, são particularmente apreciadas entre os punks
de São Paulo. Em sua grande maioria, os membros da cena estão mais voltados à
escuta e ao consumo de hardcore e punk rock. Enquanto ritmo, o hardcore se
mostra mais ruidoso do que o punk rock, mas não tanto quanto outras vertentes
informadas acima. Internamente a ele, podemos encontrar o hardcore melódico, o
post hardcore. Contudo, por aqui, há a predominância do hardcore punk e o metal
core, ou hard core novaiorquino (que se funde também com elementos do thrash
metal - crossover trash). De modo geral, há uma predominância dos tempos
acelerados de bateria e de guitarra, alternando o vocal natural ou gutural. Já o punk
rock tem um apelo maior em se comunicar, já que os vocais, na maioria das vezes,
ocorrem de maneira natural, sem o uso da técnica do vocal gutural na maioria dos
casos. Os tempos musicais são mais lentos e compassados. Em ambos os casos,
as letras predominantes tratam de crítica sociais ou pontos de vistas pessoais sobre
assuntos políticos ou polêmicos.
139

Gráfico 2 – Distribuição de rimos nas produções

Fonte: elaborado pelo autor

Os números estudados apontam para uma prevalência do hardcore sobre o


punk rock enquanto ritmos executados entre as bandas de São Paulo. Essa
prevalência, no entanto, se mostra, em linhas gerais, de maneira eletiva e
direcionada mais ou menos às práticas dos diversos grupos espalhados pela cidade.
Há aqueles que mantêm uma ligação de sentido mais aproximada com as propostas
musicais. As bandas clássicas da cena global, assim como as locais, são chamadas
punks 77, em alusão ao ano de explosão do punk. E os outros que aderem ao outro
ritmo são chamados de hardcores. Estes remetem, com já mencionado, em linhas
gerais, à segunda onda, ou renascimento do punk como aponta Dylan Clark (2003).
O que podemos perceber é que de Washington D.C à São Paulo, esteticamente
falando, o desdobramento que se fez notar dentro do punk rock foi o hardcore punk.
Em um curto espaço de tempo, dentro da cena americana e inglesa, surgiram nichos
de bandas que iam além do rock básico executado pelas bandas da primeira onda
do punk. Estas reivindicavam uma expressividade mais pungente e rude.
Claramente com preocupações menos voltadas para o acabamento sonoro de suas
canções, apostando na energia e na explosão de execuções rápidas, diretas e
brutais. Visceralidade sonora com letras incisivas e agudas, demonstravam-se em
performances cheias de energia e sinergia entre as bandas e o público. O fio
condutor desse processo poderia ser resumida em uma tríade: velocidade, potência,
140

agressividade. As batidas da bateria, quase como se fossem marteladas sincopadas


entre a caixa e o bumbo, com viradas rápidas utilizando os tons; linhas de guitarra e
contrabaixo, geralmente em uma execução sincronizada, se apresentando em riffs
básicos que acompanham toda canção. Em muitos casos - sem a existência de
solos de guitarra - um mesmo riff é utilizado para todas as partes da música, ou
seja, introdução, desenvolvimento e refrão. Essa simplicidade é alternada vez por
outra, e as ideias musicais e suas variações são inúmeras. Se no punk rock a
questão está dada mais para uma espécie de negociação com o rock n’ roll, talvez
se apresentando como um processo de reforma e retomada de direcionamento
dessa linguagem, no hardcore o que percebemos é um alargamento dessa
percepção, há um sentido de rompimento com a mensagem dada pelos artistas de
rock do chamado mainstream (Kuhn, 2010). Seria quase como se houvesse uma
percepção desses jovens envolvidos com essas cenas emergentes de que o rock n’
roll seria insuficiente para expressar as suas demandas existenciais; ao menos é
isso que se lê nas entrelinhas.. As bandas da cidade de São Paulo, perceberam
esse momento e em tempo real apresentaram uma série de obras que além de
mostrarem afinidades com o que estava ocorrendo em outras cenas, contribuíram
também para construir os sentidos partilhados nos anos posteriores.
A partir dos anos de 1990, em termos mundiais, o hardcore já havia se
estabelecido. Como apontado acima, a cena californiana passou a fornecer uma
série de bandas que se notabilizaram pelo uso do hardcore melódico e pop punk.
Várias bandas ganharam foco a partir dessa sonoridade. Mas, no geral, o que ficou
patente para a grande indústria da música é que punk rock (em São Paulo, em
particular), já apresentava vários desdobramentos e possibilidades de aderência ao
hardcore. Isso ocorria de várias maneiras. Nas periferias, prevalecia o estilo de
hardcore punk; enquanto entre os straight edges e as bandas de jovens de classe
média, além do hardcore punk, pode-se notar as variações melódicas, crust e
grind42. Essa tendência seguiu nos anos 2000, tendo um leve crescimento de outras
derivações do hardcore punk na cena paulistana. Ao passo que nos anos 2010

42 Fora de São Paulo, na baixada santista, região litorânea a cerca de 80km de distância da capital,
floresceu nos anos 1990 uma cena hardcore revelando uma série de bandas que ampliaram o escopo
de usos do ritmo e sedimentando também o hardcore melódico. Há vários exemplos de bandas como
“Garage Fuzz”, “Sociedade Armada”, “Safari Hamburgers”, “Sonic Sex Panic”. Esta cena é retratada
de maneira interessante por muitos dos seus protagonistas no documentário “Califórnia Brasileira - O
Hardcore Punk em Santos 1991 - 1999”, disponível em serviços de streaming e DVD.
141

surgem uma série de bandas que são atravessadas por temáticas oriundas de
grupos minoritários (negros, mulheres, LBTQI+).
Assim, ao nos voltarmos à escuta das obras, percebemos que há uma maior
heterogeneidade em comparação ao que é apresentado nos catálogos, selos e
próprias menções dadas pelas bandas em encartes dos materiais lançados. Isso
ultrapassa a lógica dicotômica que reduz a percepção das produções das bandas,
mas, por outro, lado serve para demarcar territórios simbólicos partilhados entre os
diversos grupos que se relacionam entre si. O que nos leva pensar primeiramente
nos acordos que foram feitos dentro do horizonte de escolhas estéticas feitas pelos
indivíduos envolvidos com a cena paulistana. Há um desdobramento de sentido que
reconhece o hardcore como levada musical predileta dos grupos que se mostram
menos propensos à estética do rock’n’roll. Isto é, afastam-se de um plano musical
mais agradável aos ouvidos, no sentido que Adorno e Horkheimer concebem. Se,
por um lado, isto torna mais hermética a comunicação externa, por outro, cria
internamente maior adesão pelo compartilhamento de sentidos, práticas e disputas.
Tanto para o músico que executa o hardcore, quanto para aqueles que
compreendem a mensagem sonora, há uma série de habilidades que se desenrolam
em uma competência mais geral em lidar com esse tipo de música. O que queremos
dizer com isso é que, abrigados no “guarda-chuva” chamado “música punk”, em
termos gerais, há gradações entre os usos do punk rock e do hardcore. Via de regra,
podemos apontar que essas escolhas estéticas passam em certa medida pela
necessidade que as bandas têm em dar relevo, ou apresentar com maior clareza
uma dada mensagem através da voz (punk rock). Sendo o hardcore mais veloz e
mais agressivo, a sua mensagem é passada pela execução musical propriamente
dita. Em muitos eventos acompanhados por nós, não raro nos deparamos com
introduções e narrações breves (quase pequenos discursos políticos) antes de cada
canção a ser apresentada por bandas de hardcore. Em muitos casos, a falta de
espaço para o entendimento da letra força os vocalistas das bandas (geralmente são
eles que fazem isso, mas pode ser feito também por outro membro) a introduzirem
ao público as letras das canções de maneira resumida (às vezes tal introdução é
mais extensa e em formato de recitação). Isso pode ser notado tanto pela dinâmica,
na qual a voz se apresenta em meio aos outros aparelhos, quanto pelo fato de se
proceder propositalmente a distorção da voz, utilizando recursos como as técnicas
guturais em um plano agudo ou grave. Tomemos alguns exemplos.
142

4.2.1 No princípio era o punk rock

Para deixar claro o que estamos buscando argumentar, seria interessante


retomar alguns pontos do plano histórico, mas tratando-os de um outro ponto de
vista. No caso aqui o foco será dado a alguns discos que fundamentaram a ideia do
que significa os usos dos ritmos dentro da cena paulistana.
O disco “Miséria e Fome”, que saiu com o título “Apenas conto o que eu vi”,
poderia ser facilmente rotulado como sendo apenas de punk rock, dada a projeção
da banda “Inocentes”, posteriormente sendo reconhecida como uma banda punk.
Lançado em 1983 como um disco compacto, a obra traz apenas quatro canções. Em
uma delas, “Miséria e Fome” (Apenas conto o que eu vi - o que senti), é possível
verificar que trata-se de punk rock. Isso pode ser notado pela desaceleração da
bateria e das linhas de guitarra e contrabaixo, mas há que se notar que não lembra
bandas como “Sex Pistols” ou congêneres, dada a brutalidade como é apresentada
a canção, tanto na letra, quanto musicalmente no disco. As outras canções trazem
como marca sonora um hard core cru e direto.
Em entrevista concedida a nós em 20/02/2020, quando perguntado se gostou
do resultado estético do disco, respondeu da seguinte maneira: “Não era o som que
a gente queria, foi o que conseguimos tirar pela inexperiência. Usamos pedais
toscos, tinham roubado o pedal Giannini do Calegari. Tudo muito ruim. Não era
estética, era falta de recursos e inexperiência”. O resultado foi um material lançado
com recursos próprios, feito utilizando os recursos que tinham à mão. Com pouco
dinheiro, o tempo de estúdio era curto e sem instrumentos adequados. Como atesta,
o resultado foi um disco com uma sonoridade que a seu ver não foi o que
imaginavam, mas que, sem o saberem, tornou-se um dos discos mais emblemáticos
de sua geração. As canções em sua totalidade são: Lado A - 1 - Apenas conto o que
eu vi (o que senti) / Lado B - 2 - Morte nuclear / 3 - Aprendi a odiar / 4 - Calado. O
disco foi lançado como EP.

Figura 5 – Capa e contracapa do disco “Miséria e Fome”


143

Fonte: https://www.discogs.com/Inocentes-Mis%C3%A9ria-E-Fome/master/407570.

De acordo com Clemente, 56, músico, produtor musical, dj, ator, escritor,
radialista, apresentador e baixista, vocal de apoio e um dos compositores da banda
à época, a intenção era lançar um disco com mais canções (onze no total). Contudo,
a censura implantada pelo governo civil-militar desde 1964 impedia a livre
“circulação de ideias subversivas”. O artista contou como se deu o processo em
entrevista concedia à Gastão Moreira, durante o programa “Em Kaza”, postado dia
15/05/2017 no canal “Kazagastão”:

Clemente: É que nessa época para você lançar um vinil, você tinha que
submeter as letras à censura, né. Porque estávamos na época da ditadura
militar. Então, todo disco que se fosse fazer você tinha que mandar para
Brasília e tal. E aí, pô, mandei as letras para Brasília, a gente ia gravar
ainda, né e tal. “Pô, vou adiantar, né, Callegari [guitarrista da banda à
época]”. Mandamos e tal, e veio tudo com um carimbo vermelho:
Censurado! (risos)
Gastão Moreira: O quê que pegou, o que pegou exatamente?:
Clemente: Letras, né, tudo... “Miséria e fome” ...
Gastão Moreira: Mas eles implicavam com coisas que não são tão
explícitas. Eles implicavam com coisas também...
Clemente: Ah, sim. No nosso caso era tudo. E aí, tanto é que a última frase
de “Miséria Fome”: “não estou culpando ninguém, não estou acusando
ninguém...”, eu fiz para passar na censura, né.
Gastão Moreira: Entendi, cara. Então, o que aconteceu? Eram quantas
músicas e sobraram 4 músicas?
Clemente: É, é isso aí. Era para ser um disco inteiro. Chegamos a agravar
tudo, né (...) na esperança de que fosse passar. Mas eu mandei e falei:
“meu, deixa eu já mudar isso daqui”. Quando veio, eles recusaram, né, eu
falei “ih”. Mas a gente foi gravar: “vamos gravar”. Mudar, vou dar um jeito...
“Miséria e Fome” eu tive que mudar o nome.
Gastão Moreira: Virou “Eu apenas conto o que vi” (CLEMENTE, 2017).
144

No relançamento de “Miséria e Fome”, em 1988, pela “Devil Discos” (selo que


manteve atividade de 1986 a 2006 e lançou muitas bandas do underground
brasileiro, sobretudo do cenário paulistano), há mais músicas que evidenciam a
predominância do hardcore.

1 - Miséria e fome (punk rock) / 2 - Morte nuclear (hardcore) / 3 - Aprendi a


odiar (hardcore) / 4 - Calado (hardcore) / 5 - Não à religião (hardcore) / 6 - El
Salvador (hardcore) / 7 - Torturas, medo e repressão (hardcore) / 8 - Não
diga não (hardcore) / 9 - Vida submissa (hardcore) / 10 - Meninos do Brasil
(hardcore) / 11 - Maldita polícia (hardcore).

Figura 6 – Capa e contracapa do disco “Miséria e Fome” relançado (1988)

Fonte: https://www.discogs.com/pt_BR/Inocentes-Mis%C3%A9ria-E-Fome/master/327631.

Na mesma entrevista citada acima, Clemente, 56, músico, produtor musical, dj,
compositor, escritor, radialista, apresentador, informou que, em sua concepção,
tratava-se de um disco com sonoridade hardcore. O curioso é que esse produto foi
lançado cerca de um ano antes do cultuado “Crucificados pelo sistema”, disco de
estreia da banda “Ratos de Porão”, lançado em 1984. Em 2017 este LP foi eleito
como o melhor disco de “punk rock nacional” pela “Revista Rolling Stones”43. Não
obstante a isso, ele ganhou fama mundial por ser um disco de hardcore. Ouvindo o
disco, percebe-se que, das dezesseis faixas que compõem a obra, quatro delas são
punk rocks. São elas: Lado A: 4 - Agressão Repressão / 5 - Que vergonha (esta
canção apresenta uma mescla de punk rock e hardcore); Lado B: 2 - FMI / 5 - Não

43 Para maiores, cf. o artigo da Rolling Stone “Os dez maiores discos do punk rock nacional”.
Disponível em: https://rollingstone.uol.com.br/noticia/os-dez-maiores-discos-do-punk-
nacional/#imagem10. Acesso em: 11 out. 2019.
145

me importo. A seguir apresentamos todo setlist das canções do disco, assim como a
capa e contracapa.

Lado A: 1 – Morrer / 2 – Caos / 3 - Guerra Desumana / 4 - Agressão-


Repressão / 5 - Obrigando A Obedecer / 6 - Asas Da Vingança / 7 - Que
Vergonha! / 8 - Poluição Atômica / Lado B: 1 – Pobreza / 2 - F.M.I. / 3 - Só
Pensa Em Matar / 4 - Sistema De Protesto / 5 - Não Me Importo / 6 –
Periferia / 7 - Crucificados Pelo Sistema / 8 – Corrupção.

Figura 7– Capa e contracapa do disco “Crucificados pelo sistema”

Fonte: https://www.discogs.com/Ratos-De-Por%C3%A3o-Crucificados-Pelo-Sistema/master/226070

A pergunta que fica no ar é: por que discos com sonoridades tão próximas se
distanciam em suas concepções? O próprio Clemente, 56, músico, produtor musical,
dj, ator, escritor, radialista, apresentador, nos dá pistas sobre isso. Ele diz que os
“Inocentes” “incorporou o hardcore” e que os “Ratos de Porão”, ao contrário, em
suas palavras, “são assumidamente só hardcore”. O que equivale dizer que, dentro
do horizonte de possibilidades musicais oferecidas pelo punk, a banda do
entrevistado, de acordo com ele próprio, não se ancorou apenas em uma
nomenclatura, mesmo tendo feito um disco praticamente só de hardcore. Ao passo
que os Ratos de Porão assumiram apenas a associação musical com o hardcore,
mesmo elegendo o punk rock como ritmo de algumas de suas canções. O que
podemos notar aqui é que há um processo de distinção no qual os agentes
configuram para si e para outros lugares sociais. O que deixa patente também que,
ao se expandir, o movimento punk gerou subgêneros musicais, causando rachas e
divisões e vice-versa. Foi nesse sentido que a banda “Ratos de Porão”, durante
146

muitos anos, foi rotulada como “traidores do movimento”. O que obviamente os


incomodou bastante, mas não ao ponto de romperem totalmente com o punk. Com
uma “pegada” mais rústica, a banda foi se aprofundando e se especializando em
unir o punk rock com o heavy metal. Em grande medida, isso se deu pelo apreço de
João Gordo, vocalista da banda, por sonoridades mais agressivas.
Entre idas e vindas o “Ratos de Porão” havia participado da coletânea SUB
(1983), sem João Gordo, e do split com a banda “Cólera”, gravado ao vivo no teatro
Lira Paulistana, em 1985, com participação incidental de João Gordo, que já estava
fora do grupo. Nesta época, o “Ratos de Porão” era composto por um power trio, Jão
(vocal e guitarra), Jabá (baixo) e Betinho (bateria)44, da formação inicial. O vocalista
João Gordo voltou definitivamente após esta gravação na coletânea “Ataque
Sonoro”, que foi organizada por Redson, vocalista e guitarrista da banda “Cólera”.
Contrariamente à vontade deste (já que, segundo relato do próprio João Gordo,
ambos haviam se desentendido anteriormente), o “Ratos de Porão” readmitiu o
vocalista. Mas, segundo descrito no livro Viva la Vida Tosca, a banda sofreu
represália, de modo que foram cortados recursos de mixagem do som, deixando a
sonoridade da banda sem tratamento, diferentemente do que as outras participantes
tiveram. Ao escutar o disco, de fato, percebe-se que as duas faixas que marcam a
participação da “Ratos do Porão” soam com ecos e falta de equalização (ajustes
necessários para evitar a sobreposição de sons, no sentido de deixar o som mais
equilibrado). O que ajuda a corroborar a tese defendida por Gordo.
O disco seguinte apresenta a transição de maneira mais marcante com o
crossover, gênero que estava em evidência na época com as bandas já citadas que
compõem o d-beat, tais como “Discharge” (UK). Sobre essa época Gordo diz o
seguinte em seu livro:

A verdade é que eu tava de saco cheio do movimento punk. A cena punk


em São Paulo era tosca. Só tinha gangue, bandido, trombadinha, a noção
de ideologia era rudimentar, ninguém sabia nada sobre anarquia ou política.
Os mais inteligentes e informados ali eram o Clemente, o Ariel, o Redson e
o Fabião. O resto só queria saber de bagunça, de brigar, de cheirar cola e
ouvir Sex Pistols e Ramones. Era tosco demais.
Já a cena de heavy metal era outra coisa: tinha show, tinha mulher e não
tinha briga. Começamos a tocar em shows de metal. Fizemos shows no
Aeroviários, em São Paulo, e no Circo Voador, no Rio. O Descanse em Paz

44 Posteriormente, já no início dos anos 2000, essa formação voltou a se reunir sob o nome de
“Periferia S/A”. Ela ainda se mantém e lançou dois discos, o “Periferia S/A” de 2005, lançado pelos
selos Dirty Faces, Ataque Sonoro, Red Star Recordings e o “Fé + Fé = Fezes”, em 2014.
147

já tinha todos os clichês de metal. Aí pegou o estigma de “traidor do


movimento”, nego me ameaçando, querendo me bater na rua (BARCINSKI;
GORDO, 2016, p. 130).

Muito próximo do que estava ocorrendo na Europa e nos Estados Unidos,


mas um pouco longe do que se apresentava na cena paulistana, talvez esta tenha
sido a grande distinção entre os “Ratos de Porão” e outras bandas que surgiram em
sua época na cidade. De maneira mais intuitiva do que consciente, a banda optou
por diversificar a sonoridade e se aproximar do heavy metal. Como é apontado por
João Gordo, havia um misto de desilusão com a cena e encantamento com aquilo
que era visto e experimentado junto a outro grupo de jovens: “os caras do metal”.
Nessa mesma época o hardcore era uma novidade e aparecia para alguns
como uma ameaça ao movimento punk. Como dito acima, Clemente, 56, músico,
produtor musical, dj, ator, escritor, radialista, apresentador, aponta que eles
(“Inocentes”) fizeram um disco de hardcore, mas não se compreendiam como
comprometidos com o hardcore enquanto vivência. Isto é, estavam dedicados
apenas a um tipo de som - ao contrário da opção feita por Gordo e os seus
companheiros de banda. Esse “alinhamento sonoro” os uniu a uma crescente
comunidade de outros jovens que se formava ao redor do mundo, que viam na
novidade uma válvula de escape em relação ao que estava ocorrendo com o punk
rock. No caso do “Ratos do Porão”, o hardcore oferecia um distanciamento com uma
cena que parecia estar parada e se tornando perigosamente apegada à lógica de
gangues e uma estética pouco atrativa musicalmente. Mas, ao mesmo tempo,
abriam-lhes um espaço para se manifestar em outro grupo de jovens, aficionados
por sonoridades rápidas, com sons de guitarras altamente distorcidas e baterias em
ritmo frenético. A partir desse contato com músicos fora do punk e tecnicamente
mais apurados, foram pioneiros no Brasil no sub gênero crossover trash, que trata-
se da mistura de hardcore punk com o uma variante do heavy metal chamado thrash
metal. O interessante é que estes dois sub gêneros remetem um ao outro, ou seja,
eles se influenciaram mutuamente. Isso facilitou o trânsito do “Ratos do Porão” entre
as cenas, possibilitando que o nome da banda ganhasse mais campo dentro de um
espectro maior que o da cena punk paulistana. Com isso, aos poucos, ao lado da
banda de trash metal “Sepultura”, construíram uma imagem no Brasil como
representantes dos sons extremos. Ambas as bandas foram bastante próximas,
dividindo palcos e amizades, participando em eventos e gravações uns dos outros.
148

As duas passaram pelo cultuado selo “Cogumelo Records” (especializado em heavy,


thrash and black metal, hardcore e punk), e também pela gravadora “Roadrunner” (à
época, chamava-se “Roadracer”), em 2008, adquirida totalmente pela Warner.
Dentro do cenário mundial, parte das bandas que despontaram no início do
punk se mostrava cada vez mais alinhada à onda pós-punk e new wave, com um
rock direto, mas sem o apelo agressivo do punk. Com isto, quero dizer que estas
bandas abandonaram a postura de confronto, mas sem abrir mão da elaboração de
canções rebuscadas, como notado no chamado rock progressivo e em parte de
bandas de heavy metal. Apostando em uma suavização sonora, os aspectos que
mais saltam aos ouvidos são baterias e efeitos eletrônicos, guitarras abrindo mão
dos efeitos de distorção e incorporando pedais com efeitos de modulação sonora45
(chorus, delay, vibrato, entre outros). Todas essas tecnologias marcam a década de
1980, estavam disponíveis e eram, até certo ponto, acessíveis financeiramente,
dado que dispensavam grandes investimentos, como são os casos dos pedais de
efeito.
É importante mencionar que, em termos de sonoridade, esses aparatos de
modificação da saída de som proporcionavam uma maior expressividade aos
músicos com pouca fluência técnica, ao passo que os que mantinham maior
destreza puderam criar as suas próprias assinaturas musicais (ROCHA, 2008).
Carregando em melodias, que oscilavam entre a alegria, a tristeza e temas
obscuros, em grande medida podemos notar nelas uma certa melancolia e
desencanto com a sociedade em que viviam. Vide grupos como “The Cure”, “The
Smiths”, “Joy Division”, “Gang Four”, “Bauhaus”, “Siouxsie and The Banshees”; e, no
Brasil, “Patife Band”, “Legião Urbana”, “Mercenárias”, “Metrô”, “Fellini”, só para citar
algumas.
Já as bandas que aderiram ao hardcore, ao contrário, elevavam o tom ainda
mais do que os pioneiros, apostando em velocidade e fúria. Distanciados do leque
de opções proporcionado pelo advento das novas tecnologias, essas bandas se
valeram basicamente de pedais de efeito de distorção (overdriver, distortion) ou de
saturação de som (fuzz). O que marcava a característica musical de soar de modo

45 Os pedais de modulação geram efeitos sonoros que soam com dobras, atrasos e leves
desafinações. As diferenças estão na saída do som, no caso do chorus o efeito mais audível é o de
uma leve desafinação. Músicas como “This Charming Man” dos “The Smiths” (chorus), “I will Follow”,
do U2 (delay), "Bring On the Dancing Horses" dos “Echo and Bunnymen” (vibrato), são um bom
exemplo para verificarmos o uso dos referidos pedais.
149

mais agressivo, ajudando a criar um clima de revolta nas canções. Da cena


estadunidense podemos destacar algumas bandas: “Bad Brains”, “Minor Threat” e
“Black Flag"; e do lado inglês temos “Discharge”, “The Exploited”, “G.B.H”. No Brasil,
tínhamos a “Ulster”, o “Olho Seco”, e o próprio “Ratos do Porão”, “Cólera”,
“Grinders”. O hardcore seria nesse sentido uma das expressões daquilo que Clark
(2003), como já citado anteriormente, mostrou como um novo capítulo na vida do
punk. Essa divisão sustentaria uma nova etapa, tendo como base uma maior
brutalidade, seja nas canções, seja nas práticas culturais e políticas. Ele emergiu
das ruas, ainda no auge na primeira onda do punk. Grupos formaram-se em torno de
uma proposta musical que se caracterizava pelos tempos de guitarra, contrabaixo e
bateria acelerados ao extremo e vocais rasgados, que incorporou com o tempo
também os guturais. No Brasil, esse desenvolvimento foi se dando de maneira
quase intuitiva, como conta Fábio Zvonar, 68, músico, produtor e comerciante e
vocalista da banda “Olho Seco”, em entrevista a nós concedida:

[...] no início vamos dizer 80-1980, as bandas de punk, né, não sabiam
tocar, entendeu? Aquela aparelhagem bem precária, e [...] tentando
aprender a tocar, né. Então aquela batida tradicional dos anos 80. E com o
tempo foram aprendendo a tocar melhor, né. Então... E no caso o Olho
Seco, eu tentava fazer um som um pouco mais rápido, hoje eu escuto era
lento demais. Só para você ter uma ideia. E as bandas de punk era mais
lenta ainda. E quando gravamos o Grito Suburbano aí eu mandei... eu tinha
um contato com o pessoal lá de fora, né, principalmente dos Estados
Unidos. Aí eu mandei para Maximum Rocknroll é uma revista, um Fanzine -
eu acho que existe até hoje - para eles fazerem algum tipo de comentário,
né. Aí eu mandei esse disco para o pessoal e uma das pessoas tem várias
pessoas que faziam comentários, né. Uma das pessoas [era o] Jello Biafra,
né. Mas eu sempre mandava para o... eu não sei se ele é dono, mas é uma
das pessoas principais da Maximum Rocknroll: não sei se ele foi o fundador
não me pergunta porque eu não vou saber sobre isso, Tim Yohannan. E ele
curtiu para caramba. Falou: nossa! Aí veio o comentário, né. Saiu na revista,
aí falaram que Inocentes - eu não lembro direito agora - é aquele Punk [que]
parece um punk em inglês. O cólera, um som com a guitarra mais pesada,
um punk, não sei, não lembro. E o Olho Seco, o que eles falaram: “Olho
Seco é uma banda de hardcore. Eu nunca tinha escutado a palavra
hardcore, né? [...] no som, né, no rock. Aí eu até falei, mas nossa, a gente
faz punk, o que é esse hardcore, né. Aí eu fui pesquisar é um som mais cru,
mais distorcidos né. E aí ficou esses... punk rock e aí começou a aparecer
as bandas de hardcore. Então, eu acho que é isso, né (ZVONAR, 2019).

O artista nos mostra que não havia uma pretensão direta em executar
especificamente o hardcore, a ideia era soar mais rápido, como estratégia de
distinção. Na visão de Fábio foi como uma espécie de desdobramento “natural”, o
que se tinha em mente era buscar um som mais pesado, sem saber que esse som já
150

tinha até nome. A confirmação e respaldo para o que estava produzindo lhe deu a
certeza que estava seguindo um caminho diferente. Isso fica claro também na
maneira como ele apresenta o que Tim Yohannan comentou dos outros grupos,
dando destaque ao comentário que este fez de sua banda. O que o levou a procurar
informação sobre a sonoridade que estava experimentando, colocando-o como um
pioneiro da cena punk em termos de execução do hardcore. Abaixo o primeiro disco
da banda “Botas fuzis capacetes” (1983), trata-se de um compacto contendo três
canções de hardcore punk: “1- Nada/ 2- Muito Obrigado/ 3- Botas, Fuzis, Capacete”:
)
Figura 8 - Capa e contracapa do disco “Botas fuzis capacetes” (1983)

Fonte: <https://www.discogs.com/Olho-Seco-Botas-Fuzis-Capacetes/master/264701>

Nessa mesma chave, temos outros exemplos de uso do hardcore que se


apresentaram de uma maneira diferente. O caso mais emblemático é da banda
“Cólera”, que, ao longo de quarenta anos de vida, propôs uma espécie de “meio
termo” entre o uso da palavra, como recurso comunicacional, a uma música rápida e
intensa. Acabaram, com isso, criando um estilo próprio. A estratégia utilizada pelo
compositor principal da banda, Redson, foi criar canções que pudessem ser
cantadas de modo que a mensagem das letras fosse facilmente compreendida.
Aliado a isso, como recurso melódico, abusaram de vocalizações análogas às
utilizadas por bandas como “Ramones” (as famosas “AhAhAh”, “OhOhOh”), para dar
vazão ao discurso pacifista e libertário. Tal estratégia gerou frutos e tornou o
“Cólera” uma das bandas mais reverenciadas da cena. Há praticamente um
consenso em relação a atuação da banda, que ultrapassa as fronteiras musicais. Se
pegarmos o primeiro disco “Tente Mudar o Amanhã” (1985) (lançado pelo selo de
151

propriedade de Redson, “Ataque Frontal”) e o último, “Acorde! Acorde! Acorde!” (já


com Wendel no vocal, em substituição de Redson, morto em 2011), podemos
compreender que isto se transformou em uma marca distintiva da banda. A seguir,
apresentaremos as faixas dos álbuns “Tente Mudar o Amanhã” e “Acorde! Acorde!
Acorde!”, bem como suas capas e contracapas.

Lado A: 1- 1.9.9.2./ 2- Marcha/ 3- Nabro 3/ 4- São Paulo/ 5- C.D.M.P./ 6-


Agir/ 7- Palpebrite/ 8- Duas Ogivas/ 9- Amnésia/ 10- Passeata. Lado B: 1 -
Amanhã/ 2 - Eu Não Sou Você/ 3- Rasgando No Ar/ 4 - Burgo-Alienação/ 5-
Sarjeta/ 6- Distúrbios/ 7- Violar Suas Leis/ 8- Condenados/ 9- Não Existe
Mais/ 10- Em Você

Figura 9 – Capa e contracapa do disco “Tente Mudar o Amanhã”

Fonte: https://www.discogs.com/pt_BR/C%C3%B3lera-Tente-Mudar-O-
Amanh%C3%A3/master/226037.

1- Somos Cromossomos/ 2- Festa No Rio/ 3- Capacete Vermelho/ 4-


Décimo Terceiro/ 5- Creation/ 6- Mil Turbulências/ 7- Supressão/ 8- Ska-
Metal/ 9- Mr. Gamble/ 10- Mezza/ 11- Fá Dó Lá/ 12- O Caos/ 13- Hino/ 14-
Somos Cromossomos (Demo Redson 2009)/ 15- Festa No Rio (Demo
Redson 2009)/ 16- Capacete Vermelho (Demo Redson 2009).

Figura 10 – Capa do disco “Acorde! Acorde! Acorde!”


152

Fonte: Acervo pessoal.

Em momentos diferentes, com aspirações plásticas distintas, mas com


propostas parecidas, os discos apresentam um hardcore que mantém um certo
equilíbrio entre a parte sonora e a parte cantada. As letras são bem trabalhadas,
buscando apresentar um horizonte mais otimista, apesar das denúncias. O ponto de
equilíbrio encontrado pelo “Cólera” parece cindir os dois planos (punk rock e
hardcore), senão como um ponto, ao menos como um meio termo, em que aparece
como uma competência em lidar com as mazelas impostas pela própria cena. Com
essa postura, atingiram ainda mais pessoas para além da cena punk,
transformando-se em um grupo bastante respeitado em todos os locais onde se
apresentam.

4.2.2 O predomínio do hardcore nos anos 1990 e o agravamento de antigas cisões

Ao passo que o hardcore se firmou aos poucos, o punk rock, por motivos
óbvios, manteve seu lugar preservado. Após o declínio da primeira onda, os eventos
se tornaram escassos e o punk adentrou ainda mais na periferia da cidade de São
Paulo. Se antes havia uma exposição midiática favorável, a pecha de delinquência
aderira à cena. Da metade dos anos 1980 até início dos anos 1990 a cena cresceu
nas bordas e reestruturou as suas bases. A música nesse sentido foi primordial. O
hardcore punk se fundiu com outros sons derivados de outros ritmos dentro do rock
mais pesados.
153

Como mencionado anteriormente, o caso da banda Ratos de Porão é


exemplar nesse sentido, ainda mais pela longevidade da banda, comparada apenas
a outras, como “Cólera” e “Garotos Podres”. Entretanto, apesar de nos anos 1990 o
“Ratos do Porão” serem considerado por muitos ainda uma banda punk, ela
construiu um público no Brasil muito mais ligado ao metal extremo. Mas voltou a ser
evidenciada novamente com a cena punk paulistana através dos discos de covers,
chamado “Feijoada Acidente” (Brasil) e “Feijoada Acidente” (Internacional), lançados
em 1995, pela gravadora Roadrunner Records. No primeiro, a banda fez várias
versões de bandas desconhecidas do grande público, mas amplamente conhecidas
da cena punk paulistana, como “Hino Morta”, “AI-5”, “Olho Seco”, “Psykóze”, “Restos
de Nada”, “Fogo Cruzado”, “Anarkólatras”, “Inocentes”, “Garotos Podres” e
“Cascavelletes”. Seguem as faixas do disco “Feijoada acidente?”, bem como sua
capa e contracapa.

1 - Câncer/ 2 - Olho De Gato/ 3 - Lobotomia/ 4 - John Travolta/ 5 - Não


Podemos Falar/ 6 - Desemprego/ 7 - Capitalismo/ 8 - A Bomba/ 9 - Falsa
Liberdade/ 10 - Tô Tenso/ 11 - Buracos Suburbanos/ 12 - Corrupção/ 13 -
Papai Noel/ 14 - Medo De Morrer/ 15 - O Dotadão Deve Morrer/ 16 - Só
Pensa Em Matar/ 17 - Os Ratos/ 18 -Classe Dominante/ 19 - Direito De
Fumar / 20 - Nós Somos A Turma.

Figura 11 – Capa e contracapa do disco “Feijoada Acidente?”

Fonte: https://www.discogs.com/Ratos-De-Por%C3%A3o-Feijoada-Acidente-Brasil/master/76003.

Esse disco teve grande impacto na cena, pois colocou novamente em


circulação bandas e canções que estavam praticamente esquecidas. O segundo
disco homenageou bandas do cenário internacional que também influenciaram o
“Ratos de Porão”, tais como “Dead Kennedys”, “Minor Threat”, “The Saints”,
154

“Escorbuto”, “Kaaos”, “Poison Idea”, “Vibrators”, entre outras. O resumo geral é que
as escolhas feitas pelo “Ratos” não são de forma alguma aleatórias. Elas foram
minuciosamente pensadas e nos ajudam também a perceber o que de fato fazia
parte do horizonte simbólico que a banda partilhava com grande parte da cena
paulistana. O gosto por punk rock e por hardcore se misturam, assim como a
aproximação com bandas estadunidenses e europeias, o que demonstra profundo
conhecimento dos meandros desse estilo musical. O conceito do disco é uma sátira
que faz referência ao disco de covers, a maioria de bandas punk, feita pelo grupo
estadunidense de hard rock “Guns n’ roses”, lançado em 1992, marcando também a
“era de ouro” da banda. As capas dos dois discos trazem a representação dos
respectivos pratos que dão nome às produções.
De maneira bastante interessante, o “Ratos do Porão” apresenta no disco as
várias faces do punk como gênero musical. Mostram, ainda, que este é marcado por
uma diversidade interna, que, por seu turno, revela-se como um movimento
internacional popular (ORTIZ, 1988). Esse trabalho concretizado em um disco duplo,
aproximou o “Ratos de Porão” às suas origens. O que os levou a serem novamente
vinculados ao punk, uma vez que haviam se afastado desta cena e se aproximado
da cena de metal extremo da capital, na qual a sua sonoridade ficou mais próxima
ao thrash metal. Isso está expresso também na contracapa do disco que traz uma
fotografia em que aparecem João Gordo, Jabá, Mingau e Jão. Os dois primeiros de
costas, João Gordo com a face voltada para o lado, nas suas jaquetas lemos os
nomes de bandas que, à época, estavam despontando como representantes da
segunda onda do punk: “Anti-sect” (UK), “Discharge” (UK), “Riistetyt” (FIN), “Anti-
cimex” (SWE), e “GBH” (UK) na camiseta de Jão. Curiosamente, são bandas que
apostam em um hardcore com influência também do metal, estilo adotado pelo
“Ratos do Porão” em toda a sua trajetória. Boa parte delas faz parte da vertente
anarcopunk. A força desse duplo lançamento foi “ajudada” com a maior visibilidade
do punk vivida nos anos 1990 e ajudou de certa maneira a potencializar a cena local
que já estava em uma espiral de crescimento em termos de produções fonográficas,
mesmo que não tenham planejado isso. O fato é que o lançamento coincidiu com
essa curva de crescimento. Quando olhamos para os números levantados sobre a
produção de música gravada por punks no período demonstrados no Gráfico 1,
percebemos que, a partir de 1995 (ano do lançamento duplo), as gravações
aumentaram exponencialmente.
155

Como veremos mais adiante, dois outros discos assumiram grande


importância na cena, quais sejam, "Cenas Anarcopunk - Vol 1" (1995) e “SP Punk
vol. 1” (1996). Estes discos trazem uma sonoridade mais rápida e agressiva que deu
o tom para que bandas fossem formadas. Além disso, forneceram juntas uma série
de maneiras de lidar com a música punk, em especial com o hardcore e subgêneros.
Ao falarmos com alguns membros de bandas que surgiram nos anos 1990, pudemos
perceber em suas falas que estes discos frequentemente são mencionados como
influências não apenas em termos musicais, mas também políticos. Com exceção do
disco dos “Ratos de Porão”, os outros dois discos foram realizados de maneira
colaborativa nos moldes do DIY – o que por si só já pode ser compreendido como
exemplos a serem seguidos.
Aqui, a música é atravessada por questões que ultrapassam a sonoridade.
Dito de outra maneira, o que ela reverbera para além de si mesmas são os valores e
as práticas que encerram estas obras. Neste ponto, as produções de música
gravada levadas à cabo por estes indivíduos se mostram interessantes de várias
maneiras. Elas destacam-se como prática cultural, como expressão de organização
coletiva, como promotora de aquisição de uma série de habilidades e competências.
Estas, por sua vez, envolvem uma série de conhecimentos simbólicos e técnicos
mobilizados com o objetivo de criar um produto cultural que, em tese, não se adequa
ao mercado de bens simbólicos vinculados à grande indústria produtora de cultura
de massa. Nesse sentido, a “escolha” por soar hardcore não é deliberada, mas faz
parte do horizonte do possível dentro da cena.
Desta maneira, podemos dizer que o predomínio do hardcore sobre o punk
rock se dá também por uma urgência em se expressar de modo agressivo política e
musicalmente. Tendo em vista as diversas mudanças ocorridas no mundo e na
sociedade brasileira, pode-se notar que há uma escalada de elevação do uso de um
som mais brutal e direto para comunicar a insatisfação e denunciar o estado de
coisas em que viviam essas pessoas (que, diga-se de passagem, em sua maioria,
são habitantes das regiões periféricas da cidade). Vários rappers e grupos de rap da
cidade acionaram uma estratégia parecida em termos de resposta violenta à
situação de vida nas periferias. Desta leva, podemos destacar discos como o
cultuado “Raio X do Brasil”, dos “Racionais MC’s” (1993, Zimbabwe Records) e
“Enxergue Seus Próprios Erros”, do grupo “Consciência Humana” (1995, M.A.
156

Records). O que há de comum entre esses jovens é o compartilhamento de


vivências próximas da violência e da exploração capitalista.
Neste período, o Brasil, como já mencionado, passava por uma grave crise
econômica e política que acompanhou toda a década de 1990, o que denota a
inércia e a incapacidade, à época, do Estado brasileiro responder às demandas
essenciais de atendimento aos direitos básicos da população. A cidade de São
Paulo, sendo a mais rica do país, era também a que apresentava números
expressivos de violência, contando com um aumento exponencial nas taxas de
homicídio. Enquanto o índice em 1980 era de 2,65 homicídios a cada 100 mil
habitantes, em 1995 já atingia a marca de 15,32, fechando a década com 22,48
(MAIA, 1999, p. 125). Dito de outra maneira, a música brutal que surge desse meio
parece responder ao que ele demanda em termos sociais. A resposta plástica a uma
dura realidade inevitavelmente se dá dentro de um mesmo escopo. Fazer-se
presente, e comunicar a sua revolta, tendo um canal de expressão na música que se
mostra muitas vezes quase indecifrável, parece algo fora da realidade das periferias.
No entanto, estas sonoridades têm muito mais proximidade com o que se produz
nesses locais do que se possa imaginar, mirando apenas uma de suas faces. Há
toda uma cadeia de vivências e convivências que não podem ser deixados de lado.

4.2.3 As disputas em torno do punk rock e do hardcore

Com o tempo, no entanto, o hardcore foi associado a práticas mais radicais,


enquanto o punk rock foi sendo visto e praticado como algo mais ligado a uma
postura reacionária, conservadora, como nos é apresentado no relato abaixo, de
Simon 38, músico, produtor, proprietário de um estúdio de ensaios e gravação.

Tem um pouco de diferença, sim. [...] Se você pegar algumas bandas mais
tradicionais de punk rock por exemplo, tem um pouco de... não vou dizer
uma mente fechada, né. Mas tem um, certo… [...] preconceito com
hardcore, né. E tipo, a galera acaba não querendo se misturar tanto. Isso
nos mais tradicionais mesmo. Mas a galera que é do hardcore em si, esses
não, cara. Esses eles até gostam de punk rock e tal, [mas] acabam não
levando mais o punk rock musicalmente, vamos dizer assim. Acaba indo
para o hardcore mais por causa [...] da porrada [sonora] que é mesmo, né.
Um som um pouco mais pesado, um pouco mais rápido, né. Então acaba
tendo esse lado mais para o hardcore. A galera que eu convivo, assim, a
cena que eu tenho mais feito parte, acho que ela tá bem legal, assim, com
as ideias, saca, tipo tem uma postura melhor, assim, né. Se você for para
galera mais do punk rock, pegar show que você vai de bandas por exemplo
Vírus 27, mano, você pega essas bandas mais assim, [agregam] até uma
157

galera um pouco mais “reaça”, mano. Sinceramente falando para você, [...]
porque, [...] o cara quando fala que é punk 77, meu, já fico não com um pé
atrás, eu fico com os dois, cara. Porque você já vê que o cara tem uma
ideologia um pouco mais direitista, é um pouco mais coxinha, vamos dizer.
Esse tipo de banda eu acabo desvinculando um pouco assim até da minha
vivência, né. Então, até assim, vamos generalizar um pouco. Esses punks
mais das antigas, cara, a ideologia deles já é meio furada, né. [...] Isso eu
falo mais pelo meu ponto de vista mesmo e da galera que eu tenho seguido,
né, mano, que anda junto comigo. Então tem um pouquinho, sim, né de um
de um certo lado tem, sim, mas de outro não, né. Se você pegar a galera
mais do hardcore galera até do grindcore que começou a sua vida no punk,
até esses cara já tem tudo mais ou menos a mesma ideologia, né. Já é mais
antifascista mesmo, né [...] já tem uma postura mais igual, assim, né. Agora
a linha punk old school, vamos dizer assim, esses old school esses caras já
tem uma opinião pouco mais direitista mesmo, infelizmente, né (FECCHIO,
2019).

O relato acima apresenta a visão do depoente sobre o que ocorre em muitos


eventos e foi acompanhado por outros entrevistados, como Danilo Gomes (2019),
33, ajudante geral e músico e Márcio Leite (2019), 37, técnico de instalação,
grafiteiro, poeta, músico. Nos eventos em que há uma maioria de bandas ligadas à
sonoridade punk rock, no qual o público é majoritariamente formado por uma faixa
etária acima dos 35 anos, as atitudes, segundo ele, demonstraria um alinhamento
maior com uma postura ideológica mais voltada à direita, leia-se com a ideologia
nacionalista, homofóbica e fascista, como propõe. Nesse escopo, teríamos dois
marcadores, a saber, punk rock e público com maior idade. Contudo, ao citar o
público da banda “Vírus 27”, ele remete a mais um marcador, à proximidade com a
cultura “Oi”, referindo-se a uma das bandas que presenciaram e protagonizaram um
dos primeiros rachas ocorridos na cena punk paulistana, dando início ao movimento
dos “Carecas do Subúrbio”, primeira gangue skinhead do Brasil.
Este movimento possui uma diversificada rede de subgrupos, não tão
expressivos quanto os punks, seja em termos numéricos, seja de produção cultural.
Em geral, eles são fortemente alinhados à visão de mundo anteriormente informada.
A ramificação “Carecas do ABC” chegou a utilizar o lema da doutrina integralista
“Deus, Pátria e Família”, demonstrando uma disposição ao pensamento
ultraconservador (MATIAS, 2018, p. 64). Em termos musicais, permaneceram fiéis
ao punk rock, com cadenciamento mais lento da bateria e guitarra (geralmente com
o efeito de distorção) e com poucos acordes, marcado por riffs curtos e grosseiros.
Essa sonoridade, para o entrevistado, é o que ele chama de “Punk 77”, em alusão
ao ano de explosão do punk no mundo. É de fato o que tem mais aderência entre as
bandas ligadas ao Oi (também conhecido como street punk), além do ska, gênero
158

muito apreciado pela cultura skinhead inglesa (HEBDIGE, 2018 [1979]). O street
punk remete à cultura de rua oriunda das grandes cidades inglesas. Surge como
uma espécie de reação ao new wave, reivindicando um rock mais direto e menos
lento. Eles tratavam de questões como diversão, nacionalismo, futebol e uma série
de assuntos que remetia à lógica de diversas gangues de rua. Como conta Teixeira
(2007, p. 49-50):
O Oi foi uma invenção semi patrocinada pelo jornal inglês Sounds, que
através de um de seus colaboradores, Garry Bushell, teve a idéia de manter
vivo o “espírito Punk” inicial (76, 77). A estória do Oi começa como um
movimento musical, com algumas bandas que ainda se dominavam “punks”,
tocando em bairros ou casas noturnas em redutos de Skinheads. Garry
Bushell impulsionou a definição Oi, empresariando o grupo Cockney Rejects
(rejeitados da classe baixa). A partir do refrão de uma canção desse grupo
intitulada Oi, Oi, Oi, que no lugar de um, dois, três (comum no punk rock,
para dar iniciação ou ritmo à música) era substituído pelo Oi. Com as
constantes apresentações do grupo pelos subúrbios londrinos e um público
marcado por punks e skinheads, em quase todas suas canções o grito Oi,
Oi, Oi era soado e correspondido pela plateia (como uma espécie de hino
cantado em estádios de futebol europeus). Nesse sentido, a conotação Oi
foi ganhando força e se transformando em um grito de guerra entre
skinheads e “punks rueiros”. Ao contrário do que se pretendia, o movimento
Oi acabou indo para um lado oposto do esperado, criando uma espécie de
“miscelânea”. Difundiu-se por ideias confusas e contraditórias, tendo um
apelo maior voltado para o nacionalismo, para a violência, atos de
vandalismo, brigas, confusões generalizadas e intolerância. O movimento Oi
conseguiu reunir contraditoriamente inúmeras vertentes do underground
inglês: Punks, Street Punks (punks rueiros), Skinheads nacionalistas e
Nazifascistas, Hooligans, (torcedores violentos e fanáticos pelo futebol),
Red Skins (dissidência dos Skinheads, considerados Skins vermelhos:
anarquistas ou comunistas), SHARP (Skinheads Against Racial Prejudice)
Skinheads Contra o Preconceito Racial - outra dissidência dos skinheads -
que procuraram dissociar-se da postura nazista e racista deles, mas se
mostraram preconceituosos em outros aspectos, sobretudo aos
homossexuais e ideias nacionalistas. A influência do National Front foi muito
significativa dentro do Oi, pois estava interessado em atrair jovens para sua
causa nacionalista, conseguindo uma grande adesão de skinheads que se
identificavam com esses atributos. Algumas bandas, principais expoentes
do Oi: Skrewdriver, Four Skins, Infa Riot, Partisans, Last Resort, The
Business, Strike e Cock Sparrer, constituíram uma nova fase de bandas que
se identificavam com sentimentos nacionalistas ou racistas.

Essa associação do gênero musical às práticas de pessoas pertencentes a


outro grupo marca não apenas um distanciamento de ideias, mas também as
disputas dentro da cena punk, seja no contexto inglês, seja no contexto da cidade de
São Paulo até os dias atuais. Nesse sentido, o que se observa é que pode haver
uma perda de legitimidade dentro do punk quanto mais próximo se estiver do
movimento skinhead. Diametralmente oposto a isso, aqueles indivíduos, como o
nosso depoente, que estão mais voltados ao hardcore, colocam-se como um público
mais jovem. Quer dizer, um público formado por pessoas na faixa etária dos 15 aos
159

35 anos em média, mantendo uma postura mais libertária, isto é antifascista, anti-
homofóbica e pautada eticamente pelo DIY. Quando Simon utiliza a expressão old
school - um termo presente em diversas áreas da cultura pop, que designa uma
prática, grupo ou outro elemento que remeta ao passado e que, nos dias atuais,
transformam-se em objetos de distinção e culto -, ele remete às práticas que
considera “furadas”, “direitistas”, “reaças”, “coxinha”, justamente por se apresentar
de modo a discriminar outras manifestações culturais. Dito de outra maneira, no
caso narrado, a expressão é evocada pelo depoente para dar ênfase às atitudes que
se traduzem em práticas próximas ao fascismo, que atualmente estão amplamente
disseminadas pela sociedade brasileira, gerando aderências e repúdios. Contudo,
vale reforçar que não se trata de uma dicotomia pura e simples, mas de gradações
que se organizam por meio de aderências, práticas e mensagens difundidas e
trocadas entre as bandas e os seus públicos. Há muitas pessoas dentro da cena que
se identificam com o punk rock que não se alinham à ideias reacionárias ou alhures,
como é o caso de Fábio Rodarte, 39, professor de história na rede pública de ensino
do Estado de São Paulo e músico, baixista da banda “Sarjeta”, inclusive se
assumindo como anarquista. Com uma bagagem grande de participação em bandas
clássicas assumidamente de punk rock, tais quais Lixomania e Excomungados, fez
parte de uma das formações da banda “Invasores de Cérebros”, que utiliza o
hardcore para se expressar musicalmente, ele diz o seguinte sobre a sua
identificação com o punk rock:

Pra mim, entre tantos, esta identificação acontece de forma natural,


gostamos de rock desde moleques, e temos grande repulsa ao sistema, o
punk rock é isso, a agressividade em simples acordes e riffs, somado a
letras que expressam nossas vivências, sentimentos, anseios (...)
(RODARTE, 2019).

A visão de Rodarte (2019) está em acordo com outros entrevistados, notamos


falas próximas ao que defende, tais quais André Albuquerque (2019), 37, ajudante
geral e músico; Everton de Paula, 41, gerente de facilities e Jefferson Arruda, 41,
analista administrativo e músico. Desse modo, no geral, o punk rock e o hardcore, tal
como se manifestam na cena paulistana, aparecem primeiramente como
marcadores do predomínio sonoro de cada banda e depois se desdobram como
expressões das práticas culturais mais visíveis em cada grupo. No limite, a depender
do que se quer representar ou ao que se quer associar, a escolha entre punk rock e
160

hardcore faz toda a diferença. A partir do que os dados obtidos indicam, é possível
arriscar dizer que constitui-se uma adequação à construção e à legitimação de uma
“postura punk” associada e representada por uma musicalidade mais áspera. Assim,
quanto mais próximo desta, mais próximo de uma imagem ou práticas aceitas como
tais. Como outro depoente nos contou em entrevista concedida, Luiz, 41, baixista e
baterista, professor de geografia e história na rede de ensino do Estado de São
Paulo, “se você quer que as pessoas ouçam as letras das suas músicas, a melhor
opção é o punk rock. Se quer apresentar um som mais agressivo, aí é com um som
mais pesado, estilo hardcore, grind, mesmo” (MAQUIAVEL, 2018). Outro
entrevistado, Alfredo Frido, 36, professor de geografia para o ensino básico, músico
e ativista, diz o seguinte:

Então, há um resgate do punk rock (...), na minha opinião por dar mais
espaço para a fala, as letras são fortes e contundentes. A maior parte das
bandas hoje são formadas por pessoas mais maduras, dificil ver bandas de
adolescentes, e isso se reflete nas letras, sem contar que é uma era de
informação, então o poeta quer que a poesia seja escutada(...) (FRIDO,
2019)

Como Luiz, membro da banda “FHC” (Fim da Humanidade Capitalista),


iniciada em 1998 na zona norte da cidade, uma gama de bandas surgiram com
propostas musicais extremas dos anos 1990 em diante. Indubitavelmente, elas
foram influenciadas pelas produções realizadas por anarcopunks. Nestes anos, mas
também nos anos 2000, em São Paulo, propuseram uma sonoridade mais
agressiva, com letras de conteúdo radicalizado, abordando assuntos tais como
anarquismo, feminismo e violência. Daí surgiram uma série de produções mais
sombrias e com sons mais agressivos dentro do escopo do que é conhecido no
underground como “antimúsica”46. Entre os punks paulistanos os estilos mais
utilizados são os crustcore, o grindcore e o d-beat. Dos discos lançados pelos
anarcopunks em São Paulo durante os anos 1990, é possível notar o uso desses
ritmos de maneira ostensiva. Destacamos aqui dois discos divididos (split) que nos
ajudam a compreender esse dado. O primeiro deles é o LP “Infância Armada”

46O noisecore está dentro de uma categoria sonora chamada de “anti-música”. Ela abarca uma série
de estilos musicais que são marcados pelo experimentalismo da música industrial e outros sons. Indo
do jazz, passando pela música erudita e chegando no rock. A variante noisecore apresenta-se
também como grindcore que em São Paulo toda tem uma cena noisecore. Bandas brasileiras são
representantes mundiais deste estilo, algumas delas oriundas do punk, como é o caso do “Brigado do
Ódio”, uma das pioneiras no mundo.
161

(1998), um split com bandas “Amor, Protesto y Odio” e “Abuso Sonoro” que
apresenta as seguintes faixas:

Lado A - Amor, Protesto Y Ódio 1- Intro/ 2- Criando Estruturas/ 3- A.C.R./ 4 -


Ao Macho Com Carinho/ 5- Divino Nada/ 6- Deixe A Criança Viver/ 7- Não
Meras Divergências/ 8– Igualdade/ 9- Um Grito Ao Fundo/ 10- O Holocausto
Continua...
Labo B - Abuso Sonoro- 1- Objeção De Consciência/ 2- Ciência Abusiva/ 3-
500 Anos/ 4- Braços Cruzados/ 5- América Latina/ 6– Má Influência/ 7- P.M.

Figura 12 – Capa e contra capa do disco “Infância Armada”

Fonte: https://www.discogs.com/Abuso-Sonoro-Amor-Protesto-Y-%C3%93dio-Inf%C3%A2ncia-
Armada/master/507767.

Já o segundo trata-se do LP “...eis que a justiça não tarda a consolidar-se”


das bandas “Amor, Protesto Y Ódio, Septicemia”, lançado em 1999.
Lado A - Amor, Protesto Y Ódio - 1- Made in Indonésia/ 2- Estereotipos/ 3-
Ciclo Vital/ 4- Palavras Vazias/ 5- Estereotipos 2/ 6- Que Amor Proclama A
Humanidade? / 7- Conflitos/ 8- Alimentando_Me De Minha Insonia6
Lado B - Septecemia - 1- Sem restrições/ 2- Desfrute/ 3- Caridade/ 4-
Postura Falsa/ 5- Culpa/ 6- Bastardos, Egoistas E Ladrões/ 7- Dor/ 8-
Utopia/ 9- Subversao/ 10- Produtos/ 11- Iconoclasta

Figura 13 – Capa e contracapa do disco “...eis que a justiça não tarda a consolidar-se”
162

Fonte: https://www.hhv.de/shop/de/artikel/amor-protesto-y-odio-septicemia-split-717295.

Estas obras denotam um alinhamento com práticas anarquistas e libertárias.


Em ambos os casos há mensagens nas capas alertando para que o consumidor não
pague mais do que a quantia considerada justa. No disco “Infância Armada” vão
além. Nele, há um emblema circular com os seguintes dizeres: "NOT FOR PROFIT/
BOICOT RIP-OFFS" e, internamente, em português: "O preço deste disco é R$ 5,00.
Se você o encontrar por mais, ROUBE-O! Não compre este disco em lojas/galeria do
rock”. O caráter anticapitalista é exposto de forma clara, mas também é proposto um
afastamento do que julgam como locais inapropriados para venda de seu disco. Já
na capa do disco “...eis que a justiça não tarda a consolidar-se” (1999) lê-se na parte
inferior em português e inglês: não pague mais do que R$ 5,00/ don’t pay more than
U$ 6,00. Robertus Alves (2019), 41, atendente de telemarketing, músico e ativista,
ex-membro da banda “Septecemia” nos disse o seguinte a respeito da prática de
marcar o preço e o aviso na capa do disco: “O motivo acho que segue sendo não ver
o punk como um negócio. A nossa forma de intercambiar os materiais produzidos é
dentro da própria cena e a um preço justo”. Um outro dado que se coaduna com
essa postura é que as gravações foram lançadas em vinil em uma época em que o
CD, enquanto suporte, dominava o cenário fonográfico.

Figura 94 – Alerta ao consumidor


163

Fonte: https://www.discogs.com/Abuso-Sonoro-Amor-Protesto-Y-%C3%93dio-
Inf%C3%A2ncia-Armada/master/507767

Essas obras foram totalmente custeadas pelos membros das bandas. O que
nos mostra, ainda, o caráter distintivo no que se refere à aposta em frisar
distanciamentos. Diego Duenhas, 39, designer, fotógrafo, analista de suporte,
músico, atuou em várias bandas entre elas “Vala Negra” sobre a questão reflete da
seguinte maneira:

O punk, principalmente o anarcopunk, sempre teve aquele orgulho em se


dizer e propagar a cultura do “do it yourself”, ou faça você mesmo, então
sempre procuravam (e procuram ainda), se autoproduzir e se auto lançar,
muitas vezes fazendo vaquinhas enormes para conseguir bancar a
prensagem de um vinil ou CD e também se encarregar da distribuição.
Sempre houveram problemas em algum ponto do processo, principalmente
naquele momento de muita radicalização do movimento (...), onde alguma
distro, selo ou algum outro agente fosse considerado impróprio para lançar
um material anarcopunk e tal, vezes só cara feia e discussões, outras com
porradaria e até boicote (DUENHAS, 2019).

Diego ressalta alguns aspectos das produções propostas por anarcopunks, mas não
deixa de apontar para as questões que envolviam a escolha de com quem se
envolviam. Entretanto, como já dito anteriormente, os anarcopunks introduziram uma
série de práticas mais radicalizadas de acordo com os princípios anarquistas,
contribuindo assim para um tensionamento das posturas éticas e estéticas na cena
paulistana. Em termos sonoros, apesar das diferenças e originalidade de cada
banda, há uma predominância de vocais guturais, que são divididos entre graves e
agudos (nas bandas “Amor, protesto y Ódio” e “Abuso Sonoro”, há vocais femininos
marcantes). Estes estão sobrepostos à massa musical, na qual, aos ouvidos não
164

acostumados, podem soar como um único som, daí o caráter mais associado a
ruídos (noisecore) ou barulhos. A bateria marca o ritmo de maneira frenética e
agressiva, numa mistura de rapidez e fúria. Nada lembra o caráter mais marcializado
do punk rock.
A escolha por uma música extrema não se dá de modo aleatório. Ela é
produto da luta que se travava dentro da própria cena. Soma-se a isso a menção
contrária às práticas de preços abusivos. Desta maneira, ao mesmo tempo, temos
aqui elementos associados que os conecta às práticas realizadas por uma série de
outras bandas europeias e americanas, tais como “Sin Dios” (ESP), “Oi Polloi” (UK),
“Nausea”(EUA). Estas bandas, estão dentro do escopo internacional anarcopunk e,
da mesma maneira, destacam em seus trabalhos o alerta para que o consumidor
não pague mais do que o preço justo. Em relação à cena local, no caso do disco
“Infância Armada”, destaca-se o afastamento às lojas e aos locais de venda de
materiais, em especial a “Galeria do Rock”, no centro da cidade de São Paulo.
Não obstante, ainda que haja ainda hoje indivíduos empenhados em ações
mais sectárias, há aqueles que verificam os usos sonoros de um ângulo distinto,
como é o caso de Leandro, 37, analista químico, ativista, proprietário de selo e
distribuidora DIY. Em entrevista concedida ele nos diz o seguinte:

Então, atualmente eu vejo da seguinte forma, né. Na minha visão, não


existem segmentações. isso aí foi criado aqui no Brasil, né. A galera se
intitulou ali “ah, eu sou hardcore, há eu sou punk”... E aí meio que deu uma
desviada. Aí cada um criou sua galera. Mas as duas coisas são iguais,
saca? Tanto o punk quanto o hardcore são as mesmas posturas, são as
mesmas visões políticas e culturais. Então, assim, se há uma divisão foi
criado por pessoas em algumas localidades. Mas a própria filosofia e a
própria ideia por trás disso tudo, ela não tem essa forma de dividir e criar
segmentos dentro da própria cultura, né, dentro da própria cena. Tanto é
que quando você fala de bandas de hardcore, você vê pessoas de cabelo
espetado e jaqueta de rebite [...] cabelo colorido... Enfim, o hardcore é a
mesma coisa que o punk na minha visão e acredito eu que em outros
lugares também. No Brasil que é que se criou essa segmentação de galera
aí, né, o pessoal chamar eu seu hardcore eu sou punk. Mas isso é tudo a
mesma coisa, né. [...] A forma como você troca o seu instrumento, se é
rápido ou lento, ou extremamente rápido, enfim, isso aí é música, saca?
Agora, hardcore punk antes de tudo é uma postura que envolve conjuntos
de hábitos preestabelecidos dentro de uma cultura e o punk é uma cultura
[em] que também existem pessoas tocando hardcore. Então assim, nós não
conseguimos avaliar somente o lado musical, né. E também a gente vê a
forma como essas pessoas são influenciadas e colocam nas suas
realidades essa música rápida lenta ou distorcida ou guitarra mais limpa,
enfim... tudo isso aí é proveniente de um meio que produziu essas
produções e essas pessoas tocando mais rápido ou mais lento. O cotidiano
é o mesmo, a miséria é a mesma, a exploração é mesma, a visão de
terceiro mundo é a mesma, saca? Então, assim, eu vejo tudo da mesma
165

forma. O hardcore, assim, musicalmente ele é mais acelerado ele é uma


música mais rápida, mas assim também tem letras políticas iguais a ao
punk, né, de ódio ao sistema, de ódio ao racismo, à exploração ao
trabalhador, há letra de animal liberation (libertação animal), letras contra
homofobia em cima e até mesmo contra o próprio tédio, né. O punk rock e
hardcore tem letras e diversão. Por que não se divertir no caos, né
(CARDOSO, 2019).

Em sua visão, o fato de haver divisões é algo próprio do contexto brasileiro.


Isso o leva a supor que esse tipo de divisão não exista em outros países, ou, pelo
menos, seja mais ameno. Seja como for, nosso entrevistado admite que há essa
divisão, mas aponta que ela foi “inventada”. O seu ponto de vista é o de que os dois
ritmos pertencem a uma mesma matriz cultural que é o punk. De fato, como notado
por Clemente 56, músico, produtor musical, dj, ator, escritor, radialista, apresentador,
Cardoso (2019) associa os dois ritmos como sendo pertencentes a um mesmo plano
cultural. Nessa mesma chave de entendimento, localiza e identifica o ritmo como
hardcore punk, que é comumente uma expressão utilizada para adjetivar a música
feita por punks da segunda onda – essa sonoridade que, por vezes, parece mais
amena e, por outras, mais brutal. A expressão usada pelo entrevistado serve ainda
para destacar o fato de que há uma postura envolvida em relação à execução desta
música. Isso nos ajuda a perceber que não basta apenas apresentar-se
musicalmente como hardcore ou punk, ou hardcore punk. Antes, é preciso ter
legitimidade em suas práticas, ou seja, é preciso que estas sejam aceitas pela
comunidade como adequadas aos preceitos simbólicos que determinam as condutas
dentro da cena. No caso, Leandro aponta não “avaliar somente o lado musical”. Para
ele, é importante ter uma visão que seja mais ampla. Isto é, de modo que esta
abarque o contexto de vida e todo o quadro de inserção desses indivíduos na cena,
e como usam a música para externar as suas indignações e revoltas contra os
diversos preconceitos e desigualdades da sociedade em que vivem. Nesse sentido,
para ele, independentemente da maneira como é executado, tanto um ritmo, quanto
o outro, estes têm um mesmo núcleo dentro do punk que se dá não só pela música,
mas também pelo contexto de vida e pelas questões de classe que envolvem essas
localidades mais afastadas do centro da cidade.
A vivência, as práticas e as mensagens são questões caras à cena. Há um
sem número de produções, como informamos acima, mas para que pudessem e
possam se perpetuar com o tempo é preciso investimento simbólico (BOURDIEU,
2008). Dito de outra maneira, é preciso ter domínio de certas habilidades individuais
166

e coletivas que acabam resvalando no material fonográfico. Esses elementos são


necessários para que se mantenha em evidência dentro da cena e
comprometimento com a mesma. É dentro dessa lógica que Josimas, 47, músico,
ativista anarcopunk, produtor musical, eletricista, coproprietário de selo DIY, em
entrevista concedida a nós em 11/09/2019 reflete quando é perguntado sobre o
assunto:

Sinceridade. Isso para mim é o mais importante mesmo, assim. E


compromisso, né, com aquilo que você tá pregando ali, que você está
colocando [...] Eu tô falando muito, tipo, dentro da minha realidade e, assim,
enquanto anarcopunk. Que tipo, é a junção do punk com o anarquismo na
proposta política e cultural. Então, por mais que eu adore música (música
para mim é tipo uma coisa que é essencial) [...] eu me importo muito com
essa sinceridade mesmo. Eu gosto de diversas bandas. As bandas que eu
vejo que estão realmente com um compromisso com o punk, dentro dessa
via de mão dupla, né, que é onde o punk oferece para as bandas muita
coisa para a existência delas, e as bandas oferecem para o punk a mesma
coisa também, né. A manutenção disso, a propaganda, né... Como eu falei
antes, a música ela é... a música punk feita por bandas punk, ela é [...] uma
das ferramentas de expansão do punk, né. Então, é muito importante que
precise ser sincero. Eu nem me atento muito [sobre] a questão sonora. Se é
tipo [...] é uma banda que toca punk rock, se toca hardcore, se toca noise
[core]. Isso não importa para mim. A definição de uma banda punk não tem
a ver com o estilo musical que ela toca. E sim com compromisso e com seu
envolvimento com dentro do punk (RAMOS, 2019).

Ao apontar para elementos que estão na música, mas que vão além dela,
Ramos (2019) sustenta a ideia de que é preciso manter coerência entre o que se
executa e o que se produz para a cena. Isso, em sua visão, independe da
sonoridade, seja ela mais rápida ou mais lenta, contanto que seja algo feito por
punks com o compromisso de fortalecer e expandir o movimento. O próprio Ramos
(2019) já passou por bandas que utilizaram diversos ritmos dentro das paletas de
cores fornecidas dentro da cena. Hoje é membro de uma banda de punk rock,
chamada “Tuna” e mantém em suas letras uma visão coerente com o seu
depoimento, ao mesmo tempo em que esforçam-se em propor novas experiências
sonoras. As temáticas poéticas das letras parecem ter sido feitas exatamente para
serem cantadas, buscando a comunicação verbal e não apenas performática. Na
descrição de sua página na plataforma de streaming “Bandcamp” lemos o seguinte:
“Punk rock sensual, pró mistura de suor, pró intimidade, pró autoconsciência…”. A
proposta gráfica também se mostra de acordo com essa visão, se nos dois primeiros
trabalhos apostaram no clássico preto e branco como cores dominantes e com
figuras de animais. Na capa do seu último trabalho – o EP “Grão”, um split lançado
167

com a banda punk de Aracajú, “Renegades of punk”, contendo três canções – há


destaque para as cores vivas que ressaltam as figuras humanas pintadas, que nos
dão a impressão de estarem pulando o que parece ser um muro. A participação da
“Tuna” foi com a canção “Despesos deslevezas desvida”. A letra trata de angústias
sentidas no compartilhamento de relações e da busca por um equilíbrio entre o
plano da liberdade individual dentro de um relacionamento livre:

O jogo de estar junto é complicado/ É tanta coisa posta na balança/ Do mal


ficam as mágoas na lembrança/ do bem (se algum houve), as saudades/ Do
peso ou da leveza que há no outro/ Entre o ter pé atrás e a confiança/ Tem
a vontade de não entrar em rolo/ E o querer compartilhar que nunca passa.
É às cegas que ocorre envolvimento/ Jogar-se é muito mais tatear às claras
Aquilo que a gente carrega dentro/ Nem sempre está escrito em nossa cara
[...]
Um laço fácil de desamarrar/ Um pacto que pode ser quebrado/ Olhar pra
outra pessoa com empatia/ Olhar para si mesmo com autoestima/
Responsa por aquilo que cativa/ Desapego tipo um alegre carpe-diem/
Tentar um equilíbrio que não existe/ Isso é (se há) um relacionamento livre.

Figura 15 – Capa e contracapa do EP Grão

Fonte: https://www.discogs.com/pt_BR/The-Renegades-Of-Punk-Tuna-
Gr%C3%A3o/release/9693193.

Assim como a fala do depoente, todos esses elementos são importantes na


medida em que revelam que ficarmos apenas no embate dicotômico entre punk rock
e hardcore é insuficiente para definir as posições ocupadas pelos agentes. Notamos
que em um primeiro momento a tônica de um embate fortemente marcado sobre a
questão dos ritmos se movimentou em termos de balizar condutas, aderências e
denotar habilidades e competências na construção da cena. Mesmo que não tenha
168

de todo sido superado, o que se mostra é que em um momento posterior, a partir do


momento em que a cena se consolida, esses elementos passam a ser
ressignificados e retomados como partes de uma mesma cultura. Aqui, a música
gravada ocupa papel principal, dada a capacidade de revelar dentro da própria cena
demandas que estiveram.

4.2.4 Mulheres, negros e LGBTQI+ e os usos do hardcore punk e o punk rock

Nos últimos anos (ao menos de 2010 para cá) surgiram (e continuam
surgindo) uma gama de bandas que vêm utilizando majoritariamente como meio de
expressão o hardcore punk e punk rock – embora também haja aquelas que se
enveredam por outras sonoridades mais extremas como crossover, crustcore ou
grindcore – para manifestar as suas posturas frente a um quadro de violência, medo,
injustiças, além de expor outras lutas e resistências. Nestas bandas a palavra tem
um maior destaque. Ouve-se melhor as mensagens e os argumentos que carregam.
Elas estão associadas a alguns marcadores que, há pelo menos duas décadas,
tornaram-se cada vez mais fortes. Bandas com temáticas feministas, LGBTQI+ e
raciais que tratam de várias questões caras ao imaginário punk. Há, por exemplo, as
veteranas do “Dominatrix”, as novatas da “Sapataria”, “Charllote Matou um Cara”,
“Ratas Rabiosas”, “Útero Punk” e “Punho de Mahim”, apenas para citar algumas. Tal
fenômeno é exposto por Leandro, 37, analista químico, ativista, proprietário de selo
e distribuidora DIY. Esses grupos mantêm os pés fixos em um som característico e
comum à cena. Utilizam os efeitos de distorção (overdriver, distortion) ou saturação
(fuzz) no som das guitarras. A bateria é cadenciada, veloz, quase marcial em alguns
casos, com linhas de baixo que acompanham as harmonias ditadas pelo som da
guitarra. Somando-se a isso, não o vocal gutural, mas vozes naturais, mesmo
quando gritadas, não soam com intenção de causar qualquer efeito de distorção na
voz.
Tais bandas surgem em um momento particular da vida política e social do
Brasil. Trata-se de um período em que as chamadas políticas afirmativas ganharam
espaços gradativos, ocorrendo no país de maneira mais acentuada desde 1995. Não
tanto pela ação do poder executivo, mas por pressão parlamentar de representantes
das minorias (CARDOSO, 1998; SANTOS, 2007) e mobilização popular
paulatinamente. Com essa ação política, ganharam mais espaços e visibilidade em
169

vários setores da sociedade as temáticas raciais e de gênero. Alinhadas a esse eixo


de avanço em direção a uma realidade socialmente mais igualitária, essas bandas
se mostram também como uma renovação na maneira de fazer música punk dentro
da cena paulistana, seja pelas temáticas abordadas nas letras, seja pelas condições
estruturais de gravação e difusão de suas produções que já são bem melhores e
mais baratas do que foi experimentado por nas décadas passadas.
A título de exemplo, podemos destacar duas produções que, em formato de
coletânea, nos dão uma boa ideia sobre como essa nova leva de bandas vem
utilizando o punk rock e hardcore como veículo de suas mensagens. A primeira
delas é a coletânea “Mulheres em Perigo”, lançada em 2014, por iniciativa da
vocalista da banda “Útero Punk”, Tati Góis. Esta produção contou com o apoio do
Programa Vai, iniciativa da Prefeitura da cidade São Paulo que fomenta ações
culturais propostas por jovens da cidade. Com a verba destinada, a vocalista reuniu
seis bandas que gravaram duas músicas cada e mais um videoclipe por grupo. O
trabalho foi lançado em CD e DVD. Em entrevista concedida a nós, ela conta como
procede em relação às etapas para viabilização de projetos como esse:

Me inscrevo em editais de fomento à cultura. Quando não sou contemplada,


uso estúdio público, com a venda de materiais produzidos anteriormente
assim consigo fazer a parte gráfica e viabilizar o projeto. [...] Busco ouvir
todo tipo de banda; sonoridades diferentes assim eu vou escolhendo as
[bandas] que eu vou me identificando. Busco os contatos (as vezes leva
meses para conseguir falar com alguém da banda). Muitas não aceitam
gravar ou desistem no meio do caminho. Eu não pego uma música já
gravada de cada banda e junto em uma mídia. Eu convido as bandas para
criarem comigo músicas exclusivas para a coletânea com um tema
específico. Faço cronograma de gastos, atividades, elaboro cada passo do
processo das coletâneas com um ano de antecedência. Agendo estúdio me
preocupo muito com alimentação, transporte, tempo de deslocamento de
cada banda. Nunca nenhuma banda precisou arcar com nenhum recurso
para gravar comigo. Após a tiragem das mídias cada banda recebe um cota
de CDS para vender da forma que achar melhor. Não existe a necessidade
de repassar nenhum valor para o projeto. No meu caso eu vendo a preço
popular e na maioria das vezes nem cobro distribuo os CDs (GÓIS, 2019).

A tática utilizada por Tati para levantar recursos, especificamente para a


coletânea “Mulheres em Perigo”, demonstra que o ethos de grupo DIY (GUERRA,
2015; SILVA; GUERRA, 2015), chamado muitas vezes dentro da cena de espírito
DIY, é demonstrado pela fala e pelo produto final. Mesmo que tenha centralizado a
idealização do projeto, o contato com as bandas, a logística e a pré-produção, o que
se nota é que houve ainda assim um trabalho coletivo. Isso demonstra também uma
170

habilidade interessante em gerenciar e dar cabo às múltiplas tarefas pertinentes à


elaboração das gravações de músicas. Algo que não é mencionado diretamente
pela vocalista é o fato de que as bandas não são pagas com dinheiro, mas recebem
uma quota da prensagem dos CDs. Assim, cada banda pode distribuir como bem
entender. No caso de Tati, ela afirma que vendeu alguns materiais a preço de custo,
o que, em moeda corrente no Brasil, equivale a dizer que o produto saiu por cerca
de R$ 5,00 a R$ 8,00. Tati menciona outra prática bastante acionada no meio, que a
de distribuir materiais entre as bandas e os conhecidos. Esta prática muitas vezes é
feita também por meio de escambo, na qual trocam-se materiais. Isso ocorre tanto
entre indivíduos sem fins de comercialização, quanto entre aqueles que vendem
materiais em “banquinhas” nos shows e até entre selos e “distros”47. Falaremos um
pouco mais adiante sobre estes dois elementos.
Sobre a coletânea em si, as bandas participantes oscilam sonoramente entre
o hardcore e o punk rock. Por ser uma coletânea de caráter temático, as canções
foram especialmente criadas para tratar sobre as relações de gênero, em especial o
feminismo.
1 - Insubordinada (Rebeldia Incontida)/ 2 - Decadência Social (Rebeldia
Incontida)/ 3 - Quando você vai à luta (Condenados)/ 4 - Riot Punk
(Condenados)/ 5 - Prazer, eu sou mulher (Vozes Incômodas)/ 6 - Retórica
(Vozes Incômodas)/ 7 - Atitude e Fé Menina (Útero Punk)/ 8 - Sua Culpa
(Útero Punk)/ 9 - Kings é o Caralho (Ratas Rabiosas)/ 10 - Não Dá Mais Pra
Aguentar (Ratas Rabiosas)/ 11 - Curtição (Reação Adversa)/ 12 - Mulheres
Apenas (Reação Adversa)/ 13 - O Diabo Te Espera (Tatiane Góis).

Figura 16 – Capa e contracapa da coletânea “Mulheres em Perigo”

Fonte: Tati Góis.

47O termo distro, tanto em inglês no underground, quanto em português, significa distribuidora de
música gravada. Mais adiante trataremos do tema.
171

Como podemos notar, o trabalho gráfico é bastante chamativo e coloca em


destaque mulheres punks. A figura que se sobressai é uma mulher negra com um
moicano (mohawk) vermelho. Ela aparece com uma expressão grave, o antebraço
direito está erguido com cotovelo dobrado, com o punho direito cerrado, enquanto o
outro aparece em movimento parecido, mas abaixado. A posição trata-se do “pogo”,
dança característica desse meio. As dez mulheres que aparecem na cena,
desenhada na capa pela artista Luanda Soares, ocupam a parte inferior e com
menor destaque. Uma coisa interessante é que há uma tentativa de manter a
igualdade racial, ao menos em números de componentes da imagem. São cinco
mulheres negras (incluindo a figura central) e cinco mulheres brancas. Todas
“pogando” em um único espaço. Apesar de ser um projeto que se pretendeu
coletivo, como dito acima, o mesmo leva o nome da banda de Tati Góis, além de ter
sido totalmente idealizado por ela. Outro detalhe é que sua banda executa no CD
uma música e um clipe a mais que as outras. A música que gravou com a banda
saiu apenas com o nome da vocalista (faixa 13 - O diabo te espera). Certamente foi
cobrada sobre a questão por pessoas da cena, o que ela justifica em entrevista
concedia à Lary Durante colaboradora do site “Nada Pop”, em 10 de julho de 2015:

uma das bandas que iriam participar da coletânea desistiu de participar


deixando em aberto a vaga, como não conseguimos mais nenhuma banda
que desejasse fazer parte do projeto gravamos uma das músicas que
faltavam e o clipe, ainda assim faltou uma música (GÓIS, 2015).

De todo modo, o desenho apresenta, em certa medida, ao menos o desejo de


dar destaque à sua condição de mulher negra e moradora da periferia, como ela se
apresenta. O que é importante em um meio em que as mulheres não tem tanto
destaque, principalmente quando carregam outros marcadores sociais. Como
veículo para as mensagens que carregam as letras, elas utilizaram o punk rock
muito mais do que o hardcore. Há uma denúncia ao preconceito, ao machismo, com
uma reivindicação ao “empoderamento” (empowerment) das mulheres, isto é, a sua
livre escolha, seja sobre o seu corpo, seja sobre os variados assuntos que envolvem
a sua vida. Vejamos o que diz algumas dessas letras.
A banda “Vozes Incômodas”, na canção “Retórica”, narra cenas de um
cotidiano violento para muitas mulheres: “Ela foi estuprada a noite, de quem foi a
culpa?/ Foi dela que não deveria estar tão tarde na rua/ E o que me diz de quem
172

estava em sua casa?/ Estava no ônibus e foi molestada/ A culpa é sempre da vítima/
É o velho ditado conservador [...]”. Na canção “kings é o caralho”, as “Ratas
Rabiosas” denunciam o machismo no punk paulistano: “Diz que é libertário, mas na
verdade é um boy otário [...] Expõe a intimidade pagando de comedor/ Não percebe
o machismo que beira ao terror. Jubiladas Anarquistas, Punks Feministas não
aceitamos a violência, sua crew é incoerência”. De uma maneira diferente, mas com
o mesmo teor, as letras (encomendadas por Tati) que compõem a coletânea tratam
da difícil realidade em que vivem as mulheres no Brasil.
Ao ser perguntada por que escolheu o punk rock para expressar as suas
ideias e indignação, Tati respondeu que este é um ritmo de revolta que “possibilita
jogar para fora toda a sua raiva e inconformismo com o sistema”. Ao que parece,
neste caso, a escolha não é fortuita, pois trata-se de um ritmo menos marcante da
parte instrumental e sem o uso de técnicas de distorcer a voz. Há, portanto, a
primazia da palavra, que ganha destaque em detrimento às outras sonoridades mais
agressivas. Assim, a ideia é que a comunicação se mostre mais fluida entre a banda
e os seus ouvintes. Desta maneira, o que temos, musicalmente falando, é uma
coletânea que mantém uma predominância do punk rock, com pitadas de hardcore
aqui e ali.
Já a coletânea “Grls SP”, lançada pelo selo “Crasso Records”, apresenta dez
bandas com mulheres como vocalistas. Nesta coletânea, diferentemente do que
ocorreu com “Útero Punk - Mulheres em Perigo”, há seis bandas formadas apenas
por mulheres. Ao passo que, na coletânea anteriormente descrita, apenas a banda
“Ratas Rabiosas” era formada apenas por integrantes do sexo feminino. Apesar de
ser uma coletânea enquadrada no estilo sonoro punk rock, há uma diversidade
musical interessantes. Lá, encontramos hardcore, garage rock, grunge e até uma
versão acústica de uma canção típica de hardcore, executada pela banda “Gritando
HC”. Um traço interessante desta coletânea é o fato de ela ser composta por bandas
veteranas e outras que se formaram nos últimos anos. Entre as veteranas, temos
“Gritando HC” e “Cosmogonia”. Estas são bastante conhecidas na cena punk
paulistana, mas estão mais ligadas a uma série de outras bandas que se utilizam do
hardcore para se expressar, mas não são necessariamente punks. De todo modo,
transitam bem no meio. No caso do “Gritando HC”, apenas o vocal é feminino, o
restante são integrantes masculinos.
173

Outro traço interessante é que a maioria das bandas não foi formada na
periferia de São Paulo. O que denota um traço distintivo em relação à coletânea
capitaneada por Tati Góis. Apenas a banda “Ratas Rabiosas” é formada por
mulheres oriundas das bordas da cidade de São Paulo. Sonoramente, o disco é bem
acabado e mantém uma coesão musical que lhe dá estrutura, o que pode se
perceber independentemente da diversidade sonora deste “disco”. Nesse sentido, é
de se supor que foi tratado em um estúdio profissional, contando com aparato para
tratar e corrigir as imperfeições e ajustar as pistas. Isso requer investimento e parte
das horas de estúdio são destinadas somente a esse processo, o que influencia no
processo final do produto.

1 - A Rua É um Campo de Batalha (Charlotte Matou um Cara)/ 2 - Destroy It


(Cyanide Summer)/ 3 - M.S.B. (Movimento das Sem Banheiro) (Sapataria)/
4 - Quando Eu Crescer (Time Bomb Girls)/ 5 - Tormenta (Nâmbula
Mangueta)/ 6 - Ficar Bem (Trash no Star)/ 7 - Cérebros Atrofiados (Ratas
Rabiosas)/ 8 - O Custo do Progresso (Alto Nível de Insanidade)/ 9 - Abusivo
(Cosmogonia)/ 10 - América Latina (Acústico) (Gritando HC)

Figura 17 – Capa do disco “GRLS SP”

Fonte: https://open.spotify.com/album/65X6oQujkZqqLYYzI8ZHQi.

Quando tratamos de punk rock e hardcore e suas variantes, apontamos,


como revelam os números apresentados acima, para a composição do que
poderíamos nomear de realidade musical da cena punk paulistana. São estes ritmos
que marcam as aderências, os distanciamentos e os embates, e, por isso mesmo,
174

com todas as nuances possíveis, guardam certa coerência identitária. No limite,


poderíamos dizer que o hardcore predomina sob o punk rock, mas é este quem dá o
tom em termos simbólicos, pois apareceu primeiro e criou a base para que pudesse
surgir uma versão mais radical. Assim, vale mais uma vez dizer, que não se trata de
uma dicotomia pura e simples, mas de pensar estas gradações como marcadores
das fronteiras internas e externas, das disputas, portanto, sobre o que é legítimo ou
não para os punks de São Paulo.

4.3 Ação entre amigos: as coletâneas como representação de ações coletivas

Quando alguns garotos da periferia norte de São Paulo decidiram que


gostariam de gravar suas próprias canções, não sabiam que as suas iniciativas
atravessariam mais de quatro décadas. De certo que, antes mesmo do movimento
explodir, já existiam bandas como o “Restos de Nada” e “Condutores de Cadáver”,
que surgiram tendo como inspiração bandas como “The Stooges” e “The Ramones”
(BIVAR, 2006). Contudo, as gravações só emergiram no início dos anos 1980 e de
maneira coletiva. Ocorreram de maneira colaborativa, por questões financeiras, mas
sobretudo porque serviam para fortalecer a cena, o que foi seguido até hoje. A ideia
geral é gerar possibilidades de maior alcance, dado que há uma maior variedade de
indivíduos e ideias em um mesmo produto.

Tabela 1- Ocorrência de coletâneas produzidas por punks na cidade de São Paulo - 1982 -2019

Fonte: Elaborado pelo autor


175

Esses registros nos trazem uma série de elementos que nos ajudam a
compreender as intenções, os discursos e as contradições que envolviam esses
indivíduos. Ajudam-nos também a perceber que, como nos aponta Clemente, 56,
músico, produtor musical, dj, ator, escritor, radialista, apresentador, São Paulo,

[...] as abordagens são muito diferentes entre si. Cada uma faz o punk do
seu jeito, sonora e temática. É só ouvir as bandas. [...] por ser um
movimento adolescente, musical e artístico. Não havia uma "bíblia" a seguir,
tipo “O Capital de Marx”, não existe "O punkismo" (risos). São só garotos
revoltados se expressando de maneira parecida, mas não igual. Não é
homogêneo como todo mundo acha, que todos têm exatamente a mesma
opinião sobre tudo, pelo contrário. Essa diversidade que traz o pluralismo
temático e musical, mas todos com um fio condutor que é o punk.

Podemos perceber isto também nas letras de canções, mas não somente
nelas. As obras todas estão eivadas de elementos que remetem ao cotidiano vivido
por estes jovens (ABRAMO, 1994). Uma passada de vista nos títulos das canções já
nos dão pistas que reforçam a ideia. Nas capas e contracapas dos registros sonoros
podemos ver fotografias, inscrições e títulos de canções que exemplificam bem a
estética própria do punk, que remete ao minimalismo e à bricolagem. Em termos
gerais, é possível notar uma linha de continuidade que nos ajuda a perceber que
essa plasticidade reverbera ao longo dos anos. Com isso, não queremos dizer que
são trabalhos que expressam uma homogeneidade de aparência. Longe disso, as
suas nuances deixam transparecer como as ramificações e subdivisões se mostram
mais como uma força do que uma fraqueza em termos identitários.
A título de exemplos, separamos alguns registros que se mantêm como
marcos importantes na história da cena paulistana. Privilegiei as coletâneas, pois
elas se tornaram um meio de divulgação de uma quantidade maior de bandas. Além
disso, foi a partir delas que bandas se tornaram mais conhecidas, gerando para si
certa distinção dentro da cena. Nos LP “Grito Suburbano” (1982), “SUB” (1983) e “O
começo do fim do mundo” (1983), encontramos como tema principal a crítica social e
da percepção ácida sobre as condições de vida partilhado pelos jovens periféricos.
Nas entrevistas realizadas, elas apareceram em praticamente todos os exemplos
solicitados, mesmo que tenham sido em alguns casos alvo de críticas também, essa
aceitação demonstra que há uma historicidade aceita pelo conjunto da cena. Isto é,
nos mostra que são aceitos como trabalhos importantes do ponto de vista do que foi
seguindo posteriormente aos seus lançamentos. “Todos nós ‘amamos’, o ‘Começo
176

do fim do mundo’, ‘Sub’ e ‘Gritos Suburbanos’, pois foram as primeiras que nos
mostraram que ‘podemos fazer por nós mesmos’”, diz Jaaka, 35, músico, produtor,
agitador cultural (GREENFIELD 2019).
O que se seguem no LP “Cenas Anarcopunks Vol. 1” (1995), que coloca no
centro das preocupações a luta social, no CD “SP Punk vol. 1” e “Chaos Day Vol. 1”,
veremos uma mescla desses primeiros momentos. Todos eles expressam uma
orientação textual próxima, mas são manifestações distintas dentro da própria cena
paulistana. Abaixo há uma breve descrição dos discos, assim como os títulos das
canções e as imagens da capa e contracapa dos mesmos para que seja permitido
uma melhor ideia do que estamos tratando.
O LP “Grito Suburbano” teve como destaque o fato de ter sido o primeiro
registro de punk rock no Brasil, além de conter si uma série de princípios que foram
posteriormente amplamente utilizados em outras experiências. Por isso, o disco
mantém até hoje o status de registro sonoro cultuado. Ele foi lançado em 1982 a
partir da iniciativa de Fábio Zvonar, 68, músico, produtor e comerciante e vocalista
da banda “Olho Seco”, que, em entrevista concedida em 14 setembro de 2019,
contou-nos o seguinte:

Eu fui o cara que fez o primeiro disco de punk rock no Brasil. Daí eu reuni
as três bandas que tinha na época, que era (sic) o Olho Seco, Cólera e o
Inocentes. E foi gravado em um estúdio da Continental, Gravodisc, ali numa
travessa da avenida São João. [...] A capa do Grito Suburbano eu tinha
bastante foto da época. Eu falei pô, seria legal fazer até uma homenagem a
galera que vai nos shows e daí eu fiz a arte da capa e da contracapa.

O relato de Zvonar nos mostra aspectos interessantes que unem justamente


estética e ética em um único plano, quais sejam, o voluntarismo. Este é traduzido na
ação de propor ações custeadas por recursos próprios: produzir, gravar, participar
do projeto gráfico, lançar e comercializar o produto posteriormente. Vale destacar
que há uma forte participação coletiva. Mesmo tendo bancado do próprio bolso a
gravação, Fábio poderia ter se concentrado em promover apenas a sua banda.
Contudo, optou por convidar as bandas que estavam surgindo na cena. O que, por
outro lado, favoreceu todas as bandas, deixando o registro mais potente e
representativo. Este disco, como veremos adiante, foi não somente importante para
a cena paulistana, ele teve o mérito dar visibilidade para o que estava acontecendo
aqui no Brasil. A partir disso ganhou projeção e foi relançado em outros países.
177

Como podemos ver abaixo, a primeira versão da capa do disco apresenta


fotografias recortadas aparentemente à mão e coladas umas sobre as outras. Elas
retratam as apresentações das bandas e os locais em que esses primeiros membros
da cena paulistana se encontravam. Nota-se que são indivíduos predominantemente
do sexo masculino e bastante jovens, vestidos predominantemente com roupas
escuras, sobretudo jaquetas pretas, cabelos raspados ou com o corte moicano. E,
na contracapa, temos fotografias das bandas que seguem o mesmo estilo dos
indivíduos fotografados na capa. Os títulos das canções tratam de temas de cunho
social e político. Aponta-se para a situação de vida nas periferias, repressão policial,
censura e para o medo de que uma das potências mundiais da época, Estados
Unidos e União Soviética, entrassem em uma “guerra quente” e deflagrassem a
destruição do planeta através do uso de armas nucleares.

Lado A - 1 – Desespero (Olho Seco) / 2 – Sinto (Olho Seco) / 3 – Garotos


Do Suburbio (Inocentes)/ 4 – Medo De Morrer (Inocentes)/ 5 – João
(Cólera)/ 6 -Gritar (Cólera).
Lado B - 1 – Lutar Matar (Olho Seco) / 2 – Eu Não Sei (Olho Seco) / 3 –
Pânico Em SP (Inocentes)/ 4 – Morte Nuclear (Inocentes)/ 5 – Subúrbio
Geral (Cólera)/ 6 – Hhei (Cólera).

Figura 18 – Capa e contracapa do disco “Grito Suburbano”

Fonte: Acervo pessoal

Nessa mesma esteira, Redson, vocalista da banda Cólera, falecido em 2011,


teve a ideia de lançar o LP “SUB”. Ele convidou outras bandas e organizou a
gravação do disco. Um destaque interessante se dá na parte gráfica pelo
minimalismo utilizado na arte da capa. Utilizou-se a vermelha em toda a superfície
178

da capa, sendo esta atravessada pela palavra “SUB”, escrita em caixa alta,
parecendo ser recortadas a mão e coladas sobre o fundo vermelho. A contracapa
exibe fotografias recortadas com os membros das bandas. São garotos com
jaquetas pretas, calças jeans desbotadas, camisetas pintadas à mão, patches
bordados nas calças, cabelos espetados, ao menos um com o cabelo descolorido.
Nas poses, ora chegam a transmitir certa indiferença ao serem fotografados, ora
aparentam procurar assumir teatralmente posturas mais agressivas, ruidosas. Os
nomes das bandas parecerem ser colagens, já os títulos das canções estão
grafados com fontes utilizadas em máquina de escrever: datilografadas.

Lado A - 1 - Parasita (Ratos De Porão)/ 2 - Vida Ruim (Ratos De Porão)/ 3 -


Poluição Atômica (Ratos De Porão)/ 4- X.O.T.(Cólera)/ 5 – Bloqueio Mental
(Cólera)/ 6 – Quanto Vale A Liberdade (Cólera)/ 7 – Terceira Guerra
Mundial (Psykóze)/ 8 - Buracos Suburbanos (Psykóze)/ 9 - Fim Do Mundo
(Psykóze)/ 10 - Desemprego (Fogo Cruzado)/ 11 – União Entre Punks Do
Brasil (Fogo Cruzado)/ 12 - Delinquentes (Fogo Cruzado).
Lado B - 1 - Não Podemos Falar (Ratos De Porão)/ 2 – Realidades De
Guerra (Ratos De Porão)/ 3 – Porquê? (Ratos De Porão)/ 4 – Histeria
(Cólera)/ 5 – Zero (Cólera)/ 6 – Sub-Ratos (Cólera)/ 7 – Vítimas Da Guerra
(Psykóze)/ 8 – Alienação Do Homem (Psykóze)/ 9 – Desilusão (Psykóze)/
10 – Inimizade (Fogo Cruzado)/ 11 – Punk Inglês (Fogo Cruzado)/ 12 -
Terceira Guerra (Fogo Cruzado).

Figura 19 – Capa e contracapa do disco SUB

Fonte: https://www.discogs.com/pt_BR/Various-SUB/release/1838707.

Feito de maneira colaborativa, mas com apoio financeiro do Sesc-SP (Serviço


Social do Comércio), o LP “O começo do fim do mundo” reuniu uma série de bandas
de São Paulo e do ABC paulista que se apresentaram no dito evento. Uma
curiosidade é que o evento foi proposto, para além da divulgação da cena punk
179

paulistana, com o intuito de selar a paz entre os punks da cidade de São Paulo e do
ABCD. Contudo, ele acabou em uma pancadaria generalizada. A sua capa é
composta por uma fotografia que captou o momento do show, dando uma noção da
quantidade de pessoas que participaram do evento. Sonoramente, a gravação não é
das melhores, mas retrata a energia das bandas e das execuções ao vivo de suas
canções. Na contracapa exibe colagens de vários líderes mundiais da época. Os
responsáveis pelo trabalho gráfico foram “Calegari”, ex-membro do “Condutores de
Cadáver” e dos “Inocentes”, e “Meire”48, que inclusive aparece na capa do disco.

Lado A - 1 – Face Da Morte (Dose Brutal)/ 2 – 19 De Abril (M-19)/ 3 –


Careca (Neuróticos)/ 4 – Salvem El Salvador (Inocentes)/ 5 – Papo Furado
(Psykóze)/ 6 – Ratos De Esgoto (Fogo Cruzado)/ 7 – Liberdade (Juízo
Final)/ 8 - Não Quero (Desertores)/ 9 – C.D.M.P (Cólera).
Lado B - 1 – Herói (Negligentes)/ 2 – Holocausto (Extermínio)/ 3 – Era
Suburbanos (Suburbanos)/ 4 – Direito De Protestar (Passeatas)/ 5 – Punk
(Lixomania)/ 6 – Haverá Futuro? (Olho Seco)/ 7 – Decadência Social
(Decadência Social)/ 8 – Marginal (Estado De Coma)/ 9 – Novo Vietnam
(Ratos De Porão)/ 10 – Desequilíbrio (Hino Mortal).

Figura 10 – Capa e contracapa do disco “O Começo do Fim do Mundo”

Fonte: https://www.discogs.com/Various-O-Come%C3%A7o-Do-Fim-Do-Mundo/release/1838729.

Outro álbum que ganhou grande expressão no meio punk paulistano foi o
“Cenas Anarcopunk - Vol 1”, lançado com recursos próprios das bandas e
organizado por Josimas, 47, músico, ativista anarcopunk, produtor musical,
eletricista, coproprietário de selo DIY, em 1995. A importância do álbum se dá por ter

48Como membra atuante da cena, Meire teve papel de destaque tanto na organização de eventos,
quanto no contato com punks de outros países. Houve pouco destaque para as suas ações, mas
verificando a sua participação na cena pudemos perceber que houve uma espécie de silenciamento
de suas ações, o que não deixa de ser curioso, dado a sua postura ativa em várias frentes.
180

lançado o Movimento Anarco Punk (MAP) brasileiro no Brasil e no mundo. Como


nos disse Josimas, em depoimento concedido em 11/09/2019, “O cenas
[anarcopunk vol. 1] queria marcar um momento, registrar a existência de uma
movimentação anarcopunk”. Com isso ele quis dizer que a proposta era distinta das
outras coletâneas, já que prezava uma outra maneira de expressar o punk. Nesse
sentido, percebemos dois pontos que aqui notamos como novidades. A primeira é
verificar que nesta empreitada buscou-se agregar outras bandas oriundas de outros
Estados. Nesse registro encontramos bandas do nordeste, como “Bosta Rala” (BA),
“Carcará Core” (CE), “Misantropia” (AL) e “Discarga Violenta” (RN). As de São Paulo
são “Metropolixo”, “Pós-Guerra”, “Execradores”, “Antropofobia” e “Vala Negra” e
“Lixo Urbano” (SC).
De acordo com Josimas, a questão era divulgar a cena anarcopunk brasileira,
tendo como suporte as bandas localizadas em várias partes do Brasil. A segunda é
que os títulos das canções apontam preocupação com temas, tais como racismo,
feminismo, educação, aborto, anarquismo, o que os distingue dos lançamentos
anteriores que estão voltados para vida nas cidades, desemprego, violência policial
e pobreza. Entretanto, a arte da capa é bastante sugestiva e mantém uma
proximidade com os discos acima mencionados, dando-nos um sentido de
continuidade e coesão com o imaginário do punk. Há desenhos e colagens e na arte
se destaca o fato dessas fotografias não mostrarem apenas figuras humanas. Nela
contém, sobretudo, cartazes e faixas com frases de efeito usadas em manifestações
de rua, atestando um caráter mais combativo e político. Esse caráter pode ser visto
também na contracapa. Surgem ali fotografias em preto e branco retratando os
membros das bandas, com as fotos mergulhadas umas sobre as outras, entre outras
colagens.

Lado A - 1 – Robot Boy (Misantropía)/ 2 – Alienai-Vos (Misantropia)/ 3 –


Idiota (Bosta Rala)/ 4 – Repressão Mental (Bosta Rala)/ 5 – Grindo Kiko
(Bosta Rala)/ 6 – Sujo Imundo (Bosta Rala)/ 7 – Bosta Rala (Bosta Rala)/ 8
– Bosta Rala Alternando (Bosta Rala)/ 9 – 5 Minutos (Bosta Rala)/ 10 –
Filhos De Terra (Metropolixo)/ 11 – Estado (Metropolixo)/ 12 – Nova
Organização (Metropolixo)/ 13 – Onde Cabe 1 Cabe 2 (Discarga Violenta)/
14 – Pedra Na Lua (Discarga Violenta)/ 15 – A Lógica De Guerra (Discarga
Violenta)/ 16 – Revolucione-Se (Discarga Violenta)/ 17 – Devaneios
(Discarga Violenta)/ 18 – Vodka Bajunin (Discarga Violenta)/ 19 – Além De
Estar (Discarga Violenta)/ 20 – Relações Humanas (Discarga Violenta)/ 21 –
Escolas De Má Educação (Discarga Violenta)/ 22 – A Morte (Discarga
Violenta)/ 23 – Produzir (Pós-Guerra)/ 24 – Anti-Racismo (Pós-Guerra)/ 25 –
Terra Natal (Pós-Guerra)/ 27 – Condenado (Pós-Guerra)
181

Lado B - 1 – Ocupação (Execradores)/ 2 – Por Que Morrer? (Execradores)/


3 – Igualdade (Execradores)/ 4 – Multinacionais (Lixo Urbano)/ 5 –
Revolução Social (Lixo Urbano)/ 6 – Estado (Lixo Urbano)/ 7 – Ignorancia
(Lixo Urbano)/ 8 – A Farsa (Lixo Urbano)/ 9 – Desobedeça (Lixo Urbano)/ 10
– T.F.P.(Lixo Urbano)/ 11 – Discriminação (Lixo Urbano)/ 12 – Desarmar O
Mundo (Lixo Urbano)/ 13 – Vida (Antropofobia)/ 14 – Barraco (Antropofobia)/
15 – Morrer Lutando (Antropofobia)/ 16 – Mutação (Antropofobia)/ 17 –
Comunicação (Antropofobia)/ 18 – Todos Iguais (Antropofobia)/ 19 – Tente
Mudar (Antropofobia)/ 20 – O Advogado (Antropofobia)/ 21 – Evolução
(Antropofobia)/ 22 – Favelas (Antropofobia)/ 23 – O Que Possam Fazer Por
Você (Vala Negra)/ 24 – Mulher (Vala Negra)/ 25 – Intro (Carcará Core)/ 26
– Deus (Carcará Core)/ 27 – Nas Ruas (Carcará Core)/ 28 – Grance
Deserto (Carcará Core)/ 29 – Capitalismo (Carcará Core)/ 29 – Circo Social
(Carcará Core)/ 30 – Aborto (Carcará Core).

Figura 21 – Capa e contracapa do disco “Cenas Anarco Punks Vol.1”

Fonte: https://www.discogs.com/Various-Cenas-Anarco-Punks/master/717557.

A coletânea “SP Punk vol. 1”, editada em 1996, é mais um exemplo que
atesta certa continuidade, em termos estéticos e éticos, em relação aos trabalhos
anteriores. A proposta foi executada pelo coletivo “Ação e Anarquia”, cujos ativistas
responsáveis pela organização da coletânea foram “Zorro” e “Ariel”, ambos também
membros da banda “Invasores de Cérebros”. Eles participaram de outras duas
bandas pioneiras da cena: Zorro fez parte do “Condutores de Cadáver” e Ariel das
bandas “Restos de Nada” e “Inocentes”. A partir do selo criado pela dupla, o
“Desculpe Aturá-los!!!”, a coletânea contou com a participação de várias bandas da
cena paulistana, misturando veteranos (como o “DZK” e o próprio “Invasores de
Cérebros”) com outros estreantes (como “Deserdados” e “Colisão Social”). Um dado
interessante é a participação da banda feminina “Menstruação Anárquica”. Apesar
de haver participações femininas em outras coletâneas, este registro ficou
182

especialmente marcado por conter uma banda exclusivamente feminina, algo raro
até então.
Assim como as outras coletâneas esta foi organizada dentro dos ditames do
Do It Yourself (DIY), mas com a organização e administração centralizada pelo selo.
As bandas não participaram diretamente do gerenciamento e da organização,
contribuíram apenas com as canções e os valores respectivos à divisão dos custos
de gravação, edição e material gráfico. A capa traz o desenho de um punk de
moicano, com um lenço no rosto com o característico “A na bola” (símbolo
anarquista amplamente conhecido), rasgando a bandeira do Estado de São Paulo. A
contracapa não possui desenho, apenas os títulos das canções e nomes das bandas
em um fundo preto e a inscrição “SP Punk”, com letras na cor amarela, estilizadas
em formas pontiagudas na parte superior esquerda. Possui um encarte interno
contendo um texto de apresentação e agradecimento e as letras das bandas. Não
há fotografias das bandas.

1– São Paulo (Invasores De Cérebros)/ 2– Realidade (Invasores De


Cérebros)/ 3– Nos Bares Paulistanos (Rrraict Tuff!!!)/ 4– Mundo Insano
(Rrraict Tuff!!!)/ 5– Desemprego (Retratos Da Humanidade)/ 6– Em Nome
De Jeová (Retratos Da Humanidade)/ 7– Junky Spider (Indigesto)/ 8–
Vítimas Do Ódio (Indigesto)/ 9– Quem Sou? (Kolapso 77)/ 10– Ameba
(Kolapso 77)/ 11– Vítimas Da Podridão (Calibre)/ 12– Exploração Universal
(Calibre)/ 13– Contradição (Desobediência Civil)/ 14– Abuso De Poder
(Desobediência Civil)/ 15– Onde Nós Estamos (DZK)/ 16– Restos de Guerra
(DZK)/ 17– Punk Até Morrer (Deserdados)/ 18– Eu Não Quero Mais
(Deserdados)/ 19– Como Eles São Maus (Aves De Rapina)/ 20– Mandaqui
(Aves De Rapina)/ 21– Punk Até Morrer (Menstruação Anárkika)/ 22–
Policiais Cheios De Culpa (Menstruação Anárkika)/ 23– Filhos da Desordem
(Filhos Da Desordem)/ 24– Brutalidade Policial (Filhos Da Desordem)/ 25–
O Punk Não Morreu (Colisão Social)/ 26– São Paulo (Colisão Social)

Figura 22 – Capa e contracapa do disco “SP Punks Vol.1”


183

Fonte: https://www.discogs.com/pt_BR/Various-SP-Punk-Vol-1/release/13247531.

A coletânea “Chaoz Day” foi organizada em 2006 e publicada em 2007, por


Jaaka 35, músico, produtor, agitador cultural e Márcia Miranda, ambos membros das
bandas “Pós-Guerra” e “Luta Armada”. Ela traz uma seleção de bandas de diversas
matizes sonoras do punk, valendo como um registro de algumas bandas que
estavam despontando à época no cenário paulistano e no seu entorno, mas que não
haviam ganhado maior projeção. Esta coletânea teve ainda mais uma edição, na
qual, da mesma maneira, serve-nos como demonstração da diversidade da cena. Na
capa já podemos vislumbrar a tentativa de demonstrar símbolos que compõe o
imaginário e a plasticidade próprios dessa subcultura. Vemos alfinetes, lâminas de
barbear (estilo gillette), correntes, as costas do que parece uma jaqueta forrada de
rebites, cintos simulando munições de arma de fogo e as características letras à
guisa de “recorte e cola”. Todos esses elementos querem comunicar que se trata de
um disco punk.
A comunicação visual é forte e envolvente. Ela chama atenção pelas cores
vermelha, preta e amarela. Os nomes das bandas são estilizados e combinam com
a intenção comunicativa. De maneira análoga, os títulos das canções tratam de
identidade de grupo, de violência, e de críticas sociais. Esses temas são recorrentes
e geralmente são acionados para nos mostrar adequação das bandas à cena, mas
também para gerar distinções e buscar maior visibilidade. Como é o caso das
bandas que optaram por apresentar canções em inglês. Na parte interna,
encontramos fotografias dos membros das bandas. Em sua maioria estão vestindo
indumentárias características da cena. Além disso, há letras das canções impressas,
o que facilita compreender a mensagem transmitida sonoramente. Em alguns casos
184

são de difícil compreensão, devido à velocidade dos tempos dos instrumentos e do


vocal gutural.

1- Pogo Punk (Luta Armada)/ 2- Dust and Ruins (Luta Armada)/ 3 - Caos
(Herdeiros do ódio)/ 4 - Violência Sonora (Herdeiros do ódio)/ 5 - No war
(Atos De Vingança)/ 6 - Escravidão mental (Atos De Vingança)/ 7 -
Guerrear (Dizcontrole)/ 8 - Grito feminino (Dizcontrole)/ 9 - Caindo de
bêbado (Filhos Da Revolta)/ 10 - A engrenagem (Filhos Da Revolta)/ 11 -
Seja você mesmo (Dívida Externa)/ 12 - Meninos de guerra (Dívida
Externa)/ 13 - Morre Brasil (Pé Sujos)/ 14 - Punk Rock do Subúrbio (Pé
Sujos)/ 15 - Fim do mundo (Má Postura)/ 16 - Bosta (Má Postura)/ 17 - Siga
o punho ao alto (Revolta Armada)/18 - Pais do Carnaval (Revolta Armada)/
19 - Anomalies (Acid Rain)/ 20 - Sonhos morreram (Acid Rain).

Figura 23 – Capa e contracapa do disco “Chaoz Day Vol.1”

Fonte: Acervo pessoal

Como pudemos ver, os títulos são sugestivos e relacionados ao horizonte


simbólico imediato das vidas desses indivíduos. Como apontado anteriormente, as
letras são curtas e diretas, a música se apresenta de maneira análoga, a capa e
contracapa dos discos nos ajudam a constatar esse entendimento. As escolhas
estéticas do tratamento das fotografias coladas e meio rasgadas buscam comunicar
a rudeza do punk sob uma leitura particular da situação de classe vivenciada por
estes jovens – o “visual” feito pelas próprias mãos, a disposição dos corpos em suas
poses visivelmente amadoras. O que se percebe no início do punk na cidade de São
Paulo se sedimenta como um modus operandi que se expressa de diversas
maneiras. O que nos interessa no momento é observar que estes elementos
simbólicos não estão dispersos. Eles são partes intrínsecas das vidas desses jovens
desde antes do punk. Contudo é pelo punk que se exprimem como uma estética que
os liga a um movimento experimentado por outros jovens em outras partes do
185

mundo. Em um levantamento de discos publicados de 1981 até os dias de hoje,


conseguimos levantar ao menos 99 discos que foram feitos dentro dos moldes
apresentados acima. Os exemplos acima são paradigmáticos porque lançaram as
bases do que pode ser realizado posteriormente.
É interessante notar que esta estética está ligada a uma ética de grupo que
se consolidará com o DIY, como aponta Guerra (2013). Isto porque por, aqui, o “faça
você mesmo” entrou como uma prática já estabelecida entre estes jovens. Como
demonstrado em trabalho anterior, no qual analisamos a continuidade da prática de
organizar festas por punks na zona norte da cidade de São Paulo, estes eventos nos
ajudam a perceber que o punk se encaixou e deu nome a uma série de práticas que
já estavam em curso. Isso ajudou também a gerar mais aderência entre os jovens
rockers dessa parte da cidade e, depois, de toda a cidade e região metropolitana da
capital paulista (MIRA; SILVA, 2019). Em outras palavras, muito dessa maneira de
ler o mundo e de se posicionar frente a este, expressa-se pelo caráter de cultura de
bricolagem (GUERRA, 2013; O’CONNOR, 2002). Isto é, trata-se de uma maneira de
lidar com a produção simbólica por suas próprias mãos e recortar apenas as partes
que serão utilizadas, com significados muitas vezes opostos aos originais (GUERRA,
2014; HEBDIGE, 2018). Tais são os elementos que se articulam e remetem ao
movimento punk: camisetas contendo suásticas com uma tarja vermelha transversal
para designar o anti-nazismo; camisetas rasgadas propositalmente e pintadas à
mão; os patchs49 e buttoms50 nas roupas; inscrições em tinta branca em jaquetas de
couro; as meia-arrastão; vestidos com coturnos; o corte de cabelo moicano
(mohawk); as peças militares pintadas; a música rock agressiva e rápida; as letras
diretas e pouco líricas, etc.
Como explicitado anteriormente, podemos arriscar a dizer que o DIY é uma
espécie de núcleo duro das práticas punk, pois expressa o que se dá no eixo
estético-político-performático (GUERRA, 2014). Em outras palavras, a estética punk
reúne em si uma maneira peculiar de plasticidade e posicionamento político, que se
dá tanto em seu discurso – disperso em letras de canções, mas também fanzines e

49 Palavra de origem inglesa que significa retalho ou pedaço de tecido. Grosso modo, trata-se de um
pedaço de tecido com algum emblema ou desenho. No meio punk é amplamente aceito e pode ser
tanto feito à mão, quanto estampado em silk screen, contendo inscrições de frases, nomes de bandas
e outros desenhos representativos da simbologia punk.
50 Refere-se a uma espécie de botão redondo manufaturado em plástico ou metal, com um alfinete

acoplado para ser prendido em roupas. É um item também bastante apreciado entre os punks,
seguindo a mesma orientação pictórica dada aos patchs.
186

outros escritos – e em suas vestimentas, que são as partes mais visíveis. Esses
componentes apontam para uma crítica ao establishment, que integra outra práticas
simbólicas, como protestos de rua e outras intervenções artísticas e performáticas. O
eixo principal de tal posicionamento se concentra no ataque ao Estado e aos seus
componentes, em especial às forças repressivas (polícias e exército), assim como às
questões relativas à luta de classes. Outros pontos de destaque são as questões
que giram em torno do racismo, gênero, pacifismo, veganismo e causas ambientais.
Entretanto, é preciso dizer que esses pontos não são defendidos de maneira
homogênea por toda cena. Apesar de haver uma espécie de orientação à anarquia
como direcionamento político, há várias gradações e aderências políticas partilhadas
entre os punks da capital paulista. Acompanhando as redes sociais, em especial o
Facebook, mas também em conversas com vários indivíduos, pude verificar que há
várias tendências políticas. Há desde os mais reacionários, defendendo pautas
contrárias às questões de gênero e raça, por exemplo, e aqueles que estão no eixo
mais combativo do anarquismo.
De todo modo, vale ressaltar que para os punks, de modo geral, a arte e a
atuação política não se separam. O músico Clemente, em depoimento concedido a
nós, dirá que “o punk é político, mas não é política”. Para este, deve-se fazer uma
separação ao se confundir o movimento com algo que esteja dentro do jogo político
partidário, mas que não se isenta da sua postura política. O que se quer dizer com
isso é que o punk é algo latente e facilmente identificável, pois é externado
abertamente e de maneira explicitamente radical. Desta maneira, “fazer você
mesmo” é algo político e intrínseco à subcultura punk. Diante disso, seria
interessante agora tratarmos do DIY como expressão estética e ética. Essa visão
particular é notada e associada à percepção de que o consumo por meio do DIY é
um elemento identitário, que se transforma em uma competência, ou seja, em um
habitus (BOURDIEU, 2017). Nesse sentido, a identificação acaba ocorrendo pela
partilha, não de produtos adquiridos em lojas, mas pela capacidade de mobilizar
uma série de habilidades em produzir suas próprias roupas, fanzines ou músicas por
si mesmo enquanto sujeito ativo e inserido na subcultura e, assim, ser reconhecido
pelos seus pares enquanto tal. Essa capacidade de ver e ser visto dada pela prática
cultural se enraíza de maneira intensa nas vidas desses indivíduos e pode ser
verificada de maneira muito forte na música gravada e na maneira como ela também
é consumida por estes indivíduos. Há um embaralhamento das fronteiras entre
187

quem é o produtor e o consumidor, que é diferente de como ocorre em relações


mediadas apenas pelo lucro capitalista. Em suma, essas práticas são fortes o
bastante e muitas vezes são determinantes nas escolhas futuras desses agentes
que tomaram contato com o punk e o seu universo simbólico (GUERRA, 2013).

4.4 No front da resistência: Os selos e distribuidoras (distros) DIY

Com isso em mente falaremos agora das gravações lançadas por selos,
distribuidoras ou totalmente DIY. Para dar vazão aos seus projetos e posteriormente
seus produtos, ao contrário do que ocorre em outras cenas, a maioria das bandas
contam apenas com elas mesmas. No Brasil não se estruturou como negócio uma
rede de pequenos selos voltados para a música punk. Isso obviamente ocorreu por
diversos motivos. Mesmo nos dias de hoje os pouco selos ativos e em pleno
funcionamento precisam lançar mão de várias estratégias criativas que envolvem o
lançamento conjunto com outros selos e vendas de outros produtos para manterem-
se vivos. Muitas vezes injetando dinheiro desviado para pagamentos de contas
elementares para manutenção de suas subsistências, os envolvidos em projetos
fonográficos ainda amargam o fato de ter produtos encalhados, com poucas
perspectivas de escoamento rápido. O que pode ser verificar é que há uma
persistência em manter essas atividades custe o que custar, ultrapassando a lógica
meramente do cálculo econômico. Isso porque as bases dos cálculos e interesses
estão voltados para outra lógica simbólica. Alan O’Connor defende que os selos e
pequenas gravadoras envolvidas com a música punk nas cenas, como nos EUA e
Canadá, se configuraram como uma redes de afinidades. Como aponta o autor:

Ao nível de bricolagem, uma gravadora é criada para conhecer outras


pessoas, geralmente em relacionamentos significativos. Essa lógica social
torna a assinatura de contratos quase completamente inapropriada. O
relacionamento é baseado na amizade e não em um contrato legal. A vida
social comum da cena (sair, assistir outras bandas, dividir refeições) entra
na construção de uma gravadora. É a argamassa que a mantém unida
(O’Connor, 2008: 86).

O mesmo poderíamos dizer sobre a cena paulistana que atua dessa maneira
com ou sem selos. É por estas redes que se organizam os lançamentos. Essa lógica
social é o que se impõe como marca maior e como um direcionamento das ações.
Como já demonstrado acima as afinidades musicais encerram a aproximação com o
188

ritmo e outras práticas, e isto inclui as associações para organização de produção de


música gravada. Ter a sua música gravada é uma marca de diferença, como
assevera O’Connor (2008), e isso certamente não é realizado de maneira “solta”
quando se trata de selos e distribuidoras. Há uma troca de prestígio social. Portanto,
se a ideia principal é o registro sonoro, este se dá no caso dos selos a partir de uma
lógica do cálculo simbólico que se assenta na amizade e afinidades musicais. Dito
de outra maneira, tal qual foi observado pelo autor nos contextos estadunidense e
canadense (e poderíamos dizer também na Europa), gravar um disco por um selo
trata-se, antes de mais nada, de uma relação de afinidade musical e afetiva ao
mesmo tempo que também encerra uma marca distintiva. Tratemos primeiramente
dos selos e depois das questões de camaradagem ocorridas em São Paulo
verificadas nas campanhas de financiamento coletivo.
Como já mencionado, os selos e distribuidoras (distros) DIY estão mais
próximos de práticas de uma economia de bens simbólicos do que uma economia
da música gravada como negócio em termos de lucros capitalistas (DUNN, 2008;
O’CONNOR, 2008). Eles encerram atividades e habilidades que se coadunam,
gerando com isso uma série de estratégias que motivam e mantém uma rede de
sociabilidades e amizade. Essa diferença, talvez, seja a mais profunda entre um selo
que orbita as grandes gravadoras, tal qual descreve Dias (2008) e um que esteja
pautado pela ética DIY. Nesses termos, na cidade de São Paulo, é difícil sermos
precisos sobre a quantidade exata também em relação à selos punk atuantes na
cidade de São Paulo. O que contribui para isso é o fato de que alguns não têm uma
atuação regular. Isto é, atuam quando há algum projeto vinculado às próprias
bandas dos proprietários ou se envolvem em projetos conjuntos como
colaboradores. Os selos que procuram atuar lançando materiais e comercializando-
os são aqueles que investem mais em divulgação. No entanto, como parece ser uma
tônica desses empreendimentos, a falta de recursos financeiros é contornada com
criatividade. Daí surgem uma série de modos de divulgação e contato com os
consumidores. Geralmente, com ganhos parcos, que muitas vezes servem somente
para pagar as contas básicas e reinvestir no lançamento de outros produtos. Em
outros casos operam com prejuízo. Essa maneira de proceder, é algo também
próprio de uma cultura mundializada. Isto é, como aponta Dunn (2008) estes selos
fazem parte de uma série de ações que, no limite, estão vinculadas à ideia de
pertencimento à uma comunidade. Os selos DIY, têm uma outra característica:
189

buscam evitar lidar com burocracias, do tipo, contratos formalizados e divisão de


royalties ou algo do tipo que demarque obrigações de parte à parte. O que
procuram realizar são acordos baseado na confiança mútua, mesmo que vez ou
outra o que foi estabelecido possa ser revisto ou adaptado. Por esta natureza, um
único lançamento pode ser apoiado por vários selos ao mesmo tempo. O que nos
leva também a um outro ponto: os direitos autorais, geralmente, são desprezados,
vigorando a lógica do copyleft, no qual qualquer um pode copiar e distribuir as obras.
Claro que essa perspectiva é relativa a depender do tamanho da banda em termos
de visibilidade e vendas, mas ao que a pesquisa veio indicando não há
preocupações em relação à pirataria como realizado com selos convencionais.
Mesmo que não seja possível precisar a quantidade de selos existentes
operando a partir de São Paulo nos dias de hoje, acreditamos que existam
aproximadamente cerca de vinte. Este figuram como fomentadores da música
gravada por punks na cidade. Ao longo de quatro décadas alguns se tornaram
renomados e serviram de fontes de inspiração. Nessa linha destacam-se com
atuações nas décadas de 1980 e 90: Estúdios Vermelhos, New Faces Records,
Ataque Frontal, Devil Discos, Desculpe Aturá-los! Records, Absurd Records, Peculio
Discos. Nos anos 2000: Gravações sem qualidade, Corsários Discos, Bucho Discos,
No God No Masters, Unleashead Noise Records, Heart Bleed Blue, Mendigus
Erektus, Casa Punk Records, Werduo Discos, Permanente Rebeldia, Nada Nada
Discos, entre outros.
As distribuidoras ou “distros” são pequenos empreendimentos especializados
na venda produtos fonográficos (LPs, CDs, K7), mas também comercializam outros
produtos ligados à cultura punk, como camisetas e livros. Podem atuar como selos,
o que ocorre com frequência. Atuam também em organização de eventos, mas
sobretudo participam financeiramente do lançamento de discos. Isso ocorre
geralmente adquirindo uma quantidade de produtos a preços mais baixos, na
maioria das vezes, com os próprios artistas.
Os selos e distribuidoras enfrentam várias adversidades para se manterem de
pé. Mas ao longo do tempo foram adquirindo experiência e organizando as suas
ações no sentido de agilizar o processo de lançamento de um disco. Sobre isso e
tratando das questões burocráticas que envolvem de direitos autorais e alhures,
Josimas Ramos, 47, músico, ativista anarcopunk, produtor musical, eletricista,
190

coproprietário de selo DIY, ex-organizador do selo “Esperanza” à época, nos disse o


seguinte em entrevista concedia em :

Eu sempre acreditei em tentar facilitar bastante as coisas né. Então a


primeira vez que eu tive contato com como se fazer um disco era uma coisa
extremamente burocrática. Você tinha que fazer milhões de registros tudo
mais então. Eu fui também aprendendo como burlar tudo isso, né. (...) Ia em
um estúdio de um conhecido que fazia masterizações das fitas DAT, na
época, né, e a banda enviava pra mim a fitas DAT. Ia no estúdio fazer a
masterização e cortávamos pedacinhos ali acolá que sobrava, pra dar um
tempo, né. Que as bandas punk extrapolam um tempo do disco, né. E
quando você extrapola a qualidade fica bem ruim. Isso aconteceu numa das
coletâneas que a gente organizou ‘Emergência” - com bandas anarcopunks
do nordeste do Brasil. o que a gente já tinha como combinado de cada
banda mandar 4 minutos, mas todas elas passaram um pouquinho e
acabou ficando com 45 minutos e a qualidade do disco ficou bem ruim.
Então a gente tomava esse cuidado tal, mas a partir daí eu fazia essa
compilação uma única fita DAT ia até um escritório ele ficava lá em São
Paulo na época na barra Funda, levava essa fita e assinava uma declaração
de que aquelas músicas eram minhas. Meramente burocrático mesmo, né.
E aguardava o prazo que eles pediram pra entrega do vinil. Então, não é
essa é a única parte burocrática. No primeiro disco que fez eu tive que pedir
autorização, do Cenas Anarcopunks, com autorização de todas as bandas e
foi super delicado e difícil. A gente ficou seis meses organizando isso, até
porque era tudo feito por carta. muita gente não queria identificar a banda
ou o próprio documento pessoal. Então algumas bandas a gente teve que
colocar com outros nomes... foi todo um processo de burlar mesmo, né, a
coisa para fazer funcionar e a partir daí a gente aprendeu que era muito
mais simples. eu assinava um uma responsabilidade sobre o disco e fazia o
pedido como pessoa física mesmo, né. E era isso. A Esperanza durou até o
começo dos anos 2000. Durou mais ou menos uns 10 anos. Não lembro
também todos os discos que a gente lançou (...). Mas foi isso. Foram mais
ou menos uns 10 anos (RAMOS, 2019).

De maneira detalhada, Ramos nos apresenta os macetes e estratégias


utilizadas para dar vazão à produção de um determinado produto fonográfico. Longe
de ser algo localizado e específico de uma experiência individual, o depoimento
acima nos mostra como os pequenos empreendimentos precisam lançar mão de sua
criatividade e certa dose de “jogo de cintura”, agindo por bordas e brechas. Em outra
mão, na base da tentativa e erro, e por meio de certa dose de autodidatismo, o
entrevistado, aponta como foi adquirindo uma série de habilidades e competências
técnicas, burocráticas e conceituais sobre a dinâmica que envolve o lançamento de
um disco. Tudo isso em uma época (meados dos anos 1990) em que o mercado
fonográfico – apesar da grave crise que o assolava - ainda contava com uma
estrutura empresarial bastante complexa (DIAS, 2008). Um outro dado interessante
que vale nota diz respeito à questão dos direitos autorais. Em acordo com Ramos,
esse é um ponto que não preocupa a maioria dos participantes uma coletânea punk.
191

Primeiro devido a natureza do empreendimento estar voltada a ao registro sonoro


que não faz parte de um circuito de música gravada enquanto um mero produto
comercial. Em segundo lugar, participar de uma coletânea traz notoriedade. E por
último destacaríamos o fato de ser próprio de uma cultura de bricolagem como esta
estar pautada em uma ética na qual se valoriza a criação coletiva e feita pelas
próprias mãos (DIY). Nesse sentido, o selo no qual Ramos fora um dos
organizadores agiria como uma espécie de agência gerenciadora de produções de
música gravada voltada para um determinado público, mas sem manter o foco em
produtos meramente comercializáveis.
Com uma visão mais próxima de uma pequena empresa o selo “New Faces”,
foi o primeiro na cidade de São Paulo a se caracterizar dessa maneira. Surgiu em
1984 de um desdobramento da loja de discos “Punk Rock,” de Fábio Zvonar, 68,
músico, produtor e comerciante e vocalista da banda “Olho Seco”. Em parceria com
David Strongos, 55, jornalista, ex-membro da banda Anarkólatras, organizaram o
selo e passaram a atuar com o intuito de lançar bandas punks tanto brasileiras,
quanto estrangeiras. A importância do selo “New Faces” foi central para que
circulasse pela cena brasileira (e não só a de São Paulo) discos que não seriam
lançados por uma grande gravadora. Em entrevista a nós concedida Strongos
(2020) nos contou um pouco sobre o funcionamento do selo, tratando desde as
escolhas das bandas do modo como precisavam burlar as regras alfandegárias
vigentes à época.

Pegava o endereço mandava uma carta - na época tinha outra


maneira, né - a gente mandava a carta, conforme a resposta a gente
falava: “ah, esse dá, aquele não dá”, sabe? Aí (...) alguns selos deu
certo, né. O pessoal do Exploited que foi muito bacana. Aí o cara e
depois enganou a gente não mandou a fita, mas tudo bem. É a gente
lançou assim mesmo, né. Que nem eu coloco lá, ficamos esperando,
esperando não veio a fita, meu pega o LP aí que vamos fazer, [pois]
nós temos uma licença, o cara assinou a licença. Outros não, o
pessoal da Rot Records, do English Dogs, dos Varukers, pô, os caras
foram bacanas. A gente mandou a grana. (...) clandestinamente,
embrulhada em papel carbono, né. Punha o dinheiro, uma folha de
papel carbono de cada lado, uma carta (...) jogava no correio sem
nada. Aí o cara que mandavam uma carta autorizando. Aquilo lá, nem
sei nem se tem valor legal. Mas mandava. Aí ó, [um amigo] me
mandou a fita, mandou o rolo pra gente fazer uma matriz e lançar os
discos.(...). [em relação] às [bandas] brasileiras, O “Grito Suburbano”
já era do Fábio, o RDP já era do Fabião também, foi relançamento. O
Lobotomia procurou a gente no selo já com a fita. Falou “não nós já
produzimos a fita no estúdio e vocês lançam o disco, com um acordo
diferente aí”. Era oportunidade né. A gente tinha intenção de crescer
mais, mas não rolou. O pessoal da Finlândia também super bacana.
192

O pessoal do “Rattus”, do “Terveet Kädet”, que a gente lançou


também. (...) o pessoal cobrava – “manda ái uns U$ 200,00 - e a
gente manda fita pra vocês”. Pô, punha U$ 200,00 na carta e os
caras mandavam a fita... (risos) era assim que funcionava. (...) A
gente tinha a carta que para a gente seria um documento, né. Se
alguém [perguntasse] “ó, vocês têm licença para lançar o disco?” É,
não, tá aqui a carta assinada pelo [proprietário]... Tinha... era tipo
uma licença, um agreement, uma concordância do cara e esse era o
documento que a gente tinha. Não se falava em dinheiro. A gente
pedia pro cara para não colocar valores no agreement, né, porque era
proibido. Não podia mandar dólar pra fora... época dos militatares, né.
(STRONGOS, 2020).

Tal qual um fã faria, eles entravam em contato com a banda pelo endereço
exposto nos discos ou até em fanzines que lhes chegava. Os “contratos” eram
firmados por carta e com uma mera autorização para reprodução do disco. Como
dito acima, esses contatos era precários e lhes dava poucas garantias de que
fossem firmados pela outra parte. O que ocorreu com a banda inglesa “Exploited”,
em que a matriz sonora para reprodução não foi enviada após o pagamento. E com
isso precisaram “piratear” um disco comprado somente para isso. Por outro lado
também demonstra que esses contatos eram realizados sobretudo na base da
confiança e na ajuda mútua com caráter transnacional.
Em termos de dificuldades enfrentadas, como apontou acima o depoimento
de Strongos, estas são superadas em parte pelo apoio mútuos e pela rede de
relação. Essa dinâmica ao que pudemos apurar vem seguindo desde então. Nos
dias de hoje ela se torna mais forte, devido às quedas nas vendas de música
gravada em suportes físicos, o que acarreta em um desinteresse em se consumir
música gravada em suportes físicos. Nesse sentido, já mais recentemente temos um
outro selo paulistano que mantém-se dentro da lógica de apoiar lançamentos e nos
mostra como são realizados lançamentos e como são financiados:

Então, na verdade o sistema [de organização de lançamentos] (...) eu


chamo de “co-release”, né, que é o lançamento em parceria com outras
pessoas. Aqui no Brasil dificilmente um selo só vai conseguir lançar uma
banda com trezentas/ quinhentas cópias. Isso é impossível, né. Sempre tem
ali o trabalho de muitas mãos ali pegando trinta cópias, quarenta... a banda
já pega cem [cópias], entendeu? (...)As bandas convidam os selos. Se os
selos veem que é promissor, se o selo se sentir identificado com a proposta
da banda, ele vai lá e pega uma quantidade de cópias. Eu vejo que esse
sistema é eficaz, porém a ponta dele - o final dele - não é eficaz que é a
compra dos discos, né. Muitas vezes o selo fica com a maior parte do
prejuízo, porque as pessoas não vão consumir esse disco. E por exemplo:
eu tenho banda aqui de 2017 [que] eu tenho até hoje aqui. Cópias que não
saíram, entendeu? Então eu até costumo brincar que o selo vira o maior fã
193

da banda. Que é o que fica com mais cópias do disco, sabe? (CARDOSO,
2019).

Como explicita, Leandro, 37, analista químico, ativista, proprietário de selo e


distribuidora DIY fica inviável para uma banda ou até mesmo um selo lançar um
material sonoro com muitas cópias e dentro da cena de sozinho. Quando ocorre é
algo que possui uma viabilidade de venda fora do comum. As ações mais
corriqueiras requerem um esforço coletivo. E isso se dá dentro das afinidades e
redes de amizade que vão sendo retroalimentadas pela participação desses
projetos. Essa parte, como o entrevistado frisa, é o que considera eficaz. A balança
só tende a se desiquilibrar com a venda dos produtos fonográficos. O que pode
acarretar até em prejuízo financeiro com o encalhe desses produtos. Trata-se de um
equilíbrio delicado. Em que se busca participar de um projeto de lançamento
apoiando bandas, ao mesmo tempo em que precisa estar ciente de que o ônus
dessa adesão que pode até mesmo inviabilizar a continuidade das atividades do
selo.
Mesmo que se associe à novas estratégias para lançar um trabalho
fonográfico punk, quando se pode contar com outros agentes, práticas consagradas
no meio são acionadas corriqueiramente. E nisso destacam-se às várias modos de
apoio que se desenvolvem através dos selos e distribuidoras DIY. Intimamente
ligados entre si, fortalecem a rede de produção e escoamento da música gravada
elaborada por punks (DUNN, 2008; O’CONNOR, 2008). Como já dito os selos são
caracterizados como pequenas empreendimentos, que às vezes contam apenas
com uma pessoa para fazer todo o trabalho que envolve um registro fonográfico.
Esses empreendimentos são essenciais, não apenas porque movimentam e fazem
fluir uma uma gama de produtos fonográficos, mas porque servem para ampliar e
fortalecer a rede de sociabilidade, intermediando os produtos que vêm de outras
cenas internas e externas ao seu país de origem (O’HARA, 2005; O’CONNOR,
2008). Foi se valendo não diretamente de selos, mas de sua rede de amizades que
a banda “Geração Suburbana”, conseguiu escoar parte dos CDs prensados - após
uma campanha virtual para financiar trabalho, do qual falaremos abaixo - (ao todo
foram 150 cópias absorvidas pelos selos) como conta Júlio Pelloso quando
perguntado sobre o papel dos selos na cena paulistana:
194

(...) faltando uma semana para o início da prensagem e a aprovação do


encarte do nosso CD, nós lembramos que tínhamos abandonado as
conversas com possíveis selos e distros. Mesmo assim conseguimos o
apoio de selos de velhos amigos, (três de São Paulo, um da Bahia e outro
do Mato Grosso do Sul). O que foi de grande ajuda na divulgação do nosso
trabalho e também ajudou a fechar as contas que o financiamento coletivo
não conseguiu fechar. Vejo todas essas pessoas que trabalham com selos
e distros como um símbolo de resistência não só do punk mas do
underground, pois remam totalmente contra a maré de um mercado musical
digital que só vem crescendo nos últimos anos. De São Paulo foram os
parceiros da Weirdo Discos, Feio Records e Crise Produções. Fizemos o
mesmo acordo com todos eles. Foram 30 cds a preço de custo pra eles
venderem por até 20 reais e se fortalecerem como selo e de outra mão nos
ajudarem na divulgação do novo álbum.

Como narra Júlio Pelloso, 33, músico, professor de música, não foi possível
fecharem um acordo para custeamento total do projeto, mas conseguiram fechar
acordos com os selos possibilitou que a banda passasse para frente cento e
cinquenta cópias. De acordo com Pelloso, a banda ainda detém um pouco mais da
metade dos CDs prensados. Estes geralmente são levados à eventos e vendidos ou
trocados com outras bandas ou distribuidoras DIY.
Dos selos acima mencionados, o “Werduo Discos” e “Feio Records”, foram
criados nos últimos anos, o primeiro em 2017 e o segundo em 2014. Contam com
poucas produções e não funcionam como pequenas empresas ou algum tipo de
negócio formalmente organizado. O propósito é agir como no caso do disco da
“Geração Suburbana” dando algum suporte para bandas com quem mantém contato
de amizade ou afinidade musical, mas servem também para lançar os seus próprios
materiais e comercializar outros. Não possuem websites ou outro página que possa
viabilizar compras online. Como eles, existem uma série de outros, que se mantém
da mesma maneira e que ajudam a fazer circular.
Pudemos verificar através do levantamento realizado que os discos lançados
por selos foram responsáveis cerca de 65% dos lançamentos, ou seja, foram os
responsáveis por grande parte da música gravada produzida por punks na cena de
São Paulo. Percebe-se que, numericamente falando, mantiveram representatividade
expressiva e incontestável. Em entrevista a nós concedida, Pedro Padron, 33,
músico, técnico em informática, proprietário do selo DIY “Weirduo Discos” e baixista
da banda “Weirduo” atesta o seguinte:

(...) selos, são fundamentais para viabilizar financeiramente os projetos.


Organizados como uma cooperativa em cada lançamento, dividem os
custos de produção com cotas definidas em acordo entre as bandas e os
195

selos envolvidos. A ideia de ter selos de lugares diferentes em um projeto é


importante pra aumentar seu alcance. Apesar de alguns selos serem
mantidos por pessoas que também possuem projetos musicais, muitos
deles são mantidos por pessoas que tem o desejo de contribuir com esses
projetos de outras formas. (PADRON, 2019)

Pedro é proprietário do selo “Werduo Discos”, que utiliza para os lançamentos das
músicas gravadas de sua banda (Weirduo) e para apoiar outras bandas. O depoente
reforça o que foi dito por Leandro, 37, analista químico, ativista, proprietário de selo
e distribuidora DIY, acima. Mas vai um pouco além em relação ao papel
desempenhado pelos selos. Em suas palavras, os selos se organizam tal qual uma
cooperativa, com custos e responsabilidades compartilhadas. Esse modo de
atuação é algo distante do que é praticado no mercado fonográfico. Na realidade, ao
que parece, é sua antítese, no sentido de que apontam para modos de
financiamento e organização distintos do que são praticado pelas empresas do
ramo. A ideia de apoio mútuo perpassa as falas dos agentes, revelando que o nexo
desses empreendimentos está na partilha entre pessoas com afinidades musicais
em comum.
Contudo, é preciso denotar que esta não é a única maneira de se lançar
discos pelos selos. Há uma série de outras formas que se modificam a depender de
cada projeto.

Então, depende da proposta, da estrutura e do tamanho do selo, né, cara.


No caso do meu selo Feio Records ele é mais um selo pra apoiar
lançamento de bandas, né. Tipo, geralmente, como que as bandas fazem
em seus lançamentos? Geralmente, quando o CD tem vários selos, a banda
ela tem um custo total de produção e ela oferece pro selo ou o selo propõe
no caso, né, uma quantidade de grana para uma determinada quantidade
de cópias. Geralmente, a banda chega e fala: “pra pro seu filho apoiar, vai,
você me dá R$ 200,00 e fica com oitenta cópias do CD, por exemplo. Aí o
seu selo sai na contracapa do CD, entendeu? Então sai como se fosse um
lançamento do selo. (...) E a Feio Records trabalha dessa forma, né. As
bandas que precisam de apoio a gente apoia com R$ 100,00, com R$
200,00, quanto que der em troca de cópias do CD e a divulgação do
logotipo do selo na arte do disco, né, como um dos responsáveis pelo
lançamento. E já outros selos trabalham, assim, de forma mais integral, né,
bancando tudo, bancado a gravação, ou bancando toda a prensagem
ficando com metade ou maior parte das cópias e por aí vai. Mas o Feio
Records trabalho dessa forma, [de maneira] mais colaborativa mesmo
(ABREU, 2019).

A questão da quantidade de cópias a serem prensadas é algo sempre visto com


cautela. Isto é, por conta da dificuldade de escoar a produção, devido a inexistência
de um contingente de consumidores voltados à compra de música gravada por
196

punks, o selos paulistanos ao longo dos anos optaram por tiragens modestas. Como
descrito acima por Abreu (2019), mas corroborado também por Strongos (2020)
quando nos disse quando teve acesso aos números de vendas do EP “Pânico em
SP” dos “Inocentes”, quando de seu lançamento:

(...) A gente falou “o Inocentes está vendendo vinte, trinta mil discos,
caramba!” O Cólera, meu, uma vez fez uma prensagem de 3.000, acho que
do “Pela Paz” [álbum]. Cheguei pro Renato Filho, né, que era do [selo]
“Ataque Frontal” e falei: Renato, você tá louco! Você vai fazer três mil
discos? [ele respondeu]: “eu não vou fazer três mil.”. Ele levou um tempo
para vender os três mil, mas ele vendeu mil em uma semana – o [disco]
“Pela Paz” foi um sucesso quando saiu, em termos independentes. Mas
você já pensou, as gravadoras [eles não ficaram contentes com trinta mil
do inocentes. Você acha? Três mil, [o Cólera] vendeu, [para] os caras... era
ridículo, mas pra gente era um absurdo. [a gente] falava: “nossa, meu, você
tá louco em fazer três mil discos, Renato”. Ele fez e vendeu. Eu falei:
porra!(...) (STRONGOS, 2020).

Strongos, faz menção ao disco icônico “Pela paz em todo mundo”, lançado pela
banda “Cólera” em 1986, pelo selo “Ataque Frontal”, no qual “Redson”, vocalista e
guitarrista da banda era um dos sócios. O disco obteve uma boa vendagem à época.
Para os parâmetros de vendas na cena três mil cópias era algo impensável. Por isso
a cautela e descrédito de Strongos. Acostumado com a dureza de fazer escoar a
produção de maneira paulatina e espaçada, daí a sua admiração revela a surpresa
das vendas.
Visitando o website do selo “Absurd Records”, especializado em variações
mais agressivas e rápidas da música punk (hardcore, crustcore, d-beat) e metal, nos
deparamos com o seguinte relato do seu fundador e proprietário na seção “sobre”:

Ainda nos anos 1980, montar um selo era algo que me fascinava de
verdade: poder lançar a música que curtia aliada às ideias que me
influenciavam; o que condizia muito com minha experiência no meio
underground até então. Tentei lançar algumas demo tapes e discos nessa
época, mas não deu nada certo.
Já em 1997, tendo como inspiração o livro “O mito de Sisífo” de Albert
Camus, finalmente minha ideia de ter um selo tornou-se possível. Nascia
então a Absurd Records.
Visando principalmente dar oportunidade a novas bandas (que na época
tinham muita dificuldade para divulgar seu material) a Absurd lançou e
também participou do lançamento de vários discos, distribuídos (entre 300 e
1.500 cópias de cada título) de forma independente e alternativa.
197

Agora o objetivo deste site é registrar as informações de cada um dos títulos


lançados e manter as pessoas informadas sobre futuros projetos.
Marcelo R. Batista

Esse pequeno relato nos dá uma ideia das pretensões de Batista em lançar o
seu selo. Da criação passando pela quantidade estimada de número de cópias por
título vemos números bastante modestos. Mas é preciso notar também que o
mesmo destaca o fato de oportunizar que as bandas possam gravar e lançar o seu
material sonoro. Esse dado é importante, pois denota ainda mais que a ênfase está
nas pessoas e não nos negócios.
Até quando verificamos empreendimentos que contam com exposição
midiática e uma certa fama do seu proprietário, percebemos que a questão se
vincula à lógica aqui delineada. O selo “Nada Nada Discos”, que também funciona
como uma loja de discos, editou entre 2009 até hoje, 61 discos, sendo a maioria
relançamentos de gravações antigas das primeiras bandas que surgiram na cena.
Em entrevista concedida ao jornalista Rafael Gregório (2019), do periódico eletrônico
“Folhapress”, Mateus Mondini, 36, diz que o intuito dos lançamentos feitos pelo selo
não tem como objetivo ganhar dinheiro, mas empatar os custo. Na entrevista, o
jornalista aponta que a fonte de renda de Mondini vem do trabalho como fotógrafo e
com a comercialização de discos em sua loja. Em suas palavras:

"Vasculhar acervos nas casas dos punks é um trabalhão, mas acaba sendo
uma ótima desculpa: sou apaixonado pelo punk brasileiro dos anos 1980.
Sem falar em quando algum músico vê uma foto sua ou ouve um som seu
que não conhecia; a sensação é de dever cumprido (Mondini, 2019)."

O trabalho de Mondini além de estar em acordo com o que estamos


demonstrando, aponta para mais um fator interessante, qual seja, a continuidade da
cena. Chamado de “arqueólogo do punk”, ao pesquisar e editar obras antigas com
um tratamento sonoro e visual cuidadoso, ele demonstra que ao longo de quatro
décadas a música gravada por punk continua viva e vibrante. As tiragens, ao que
pudemos apurar, mesmo não tendo um valor acessível tiveram suas tiragens
esgotadas. É o caso da reedição do primeiro disco compacto da banda “Inocentes”,
relançado pelo selo em 2011, custa R$ 70,00, mas já encontra-se esgotado. O que
aponta mais uma vez para a cautela enquanto a tiragem de uma obra. As edições
seguem essa mesma tendência. As obras foram relançadas em EP, LP ou cassete
198

preferencialmente. O que também denota que os produtos respondem a uma


demanda da voltada para um consumidor especializado ou adepto de coleções. De
todo modo
Isto nos leva a apontar que parte da produção de selos como a Absurd
Records, Nada Nada Discos, No gods No masters e Unleashead Noise Records,
entre outros, se dá em suportes como EP, LP e cassete. Para além de uma questão
somente de nicho de mercado, o que se mostra é uma cena comprometida com os
princípios do DIY. A questão aqui é colocada também pela identificação como os
participantes de uma mesma cena que também se reconhecem pelos materiais
elaborados e postos em circulação. Inclusive isso se dá como uma forma de
resistência à industrialização de suas produções. Frente a isso, o selo “No god No
masters fez circular em por e-mail e também no Facebook uma postagem com o
seguinte título: “Não estamos no Spotify.... A luta ainda é por LIBERDADE!”. No
texto há uma defesa do controle pelo que se produz e uma crítica aguda às
plataformas de streaming pela apropriação que fazem da música gravada por
bandas. Quando falamos com Josimas Ramos, 47, músico, ativista anarcopunk,
produtor musical, eletricista, coproprietário de selo DIY, sobre o texto ele defendeu o
ponto do seu selo dizendo que :

Eu não sou contra das bandas procurarem meios de divulgação, não é isso.
(...) que foi um pouco pro lado que muitas pessoas levaram quando nós da
NGNM escrevemos o texto. Nós questionamos. Tipo: olha, o punk surgiu
tomando de volta o controle da música, o controle de distribuição da música,
eliminando as multinacionais da vida delas e tal. E de repente as bandas
punks voltaram a apoiar essas empresas. Entendo também que isso possa
ocorrer porque é muito difícil lançar discos. Mas não só isso; elas passaram
a fazer propagandas dessas empresas (...) as pessoas não param mais
para ouvir uma música, sentar numa cadeira com os amigos, pegar um
encarte ver a capa e observar. É tudo muito como uma simples trilha sonora
de algo que você está fazendo. O momento em si de ouvir música, de parar
para ouvir a música vai sendo deixado de lado, justamente por esse
refinamento que transforma tudo de fácil digestão. Hoje em dia todo mundo
espeta um fone no celular, paga por um aplicativo, que vai mostrar para
você o que você tem que ouvir e sai ouvindo. Mas na verdade você está
indo para o trabalho, você está correndo num ônibus, você está sei lá...
fazendo mil coisas, menos dando esse tempo para você degustar a música.
E com o vinil é impossível você fazer isso. Porque você precisa colocar ele
na vitrola, mesmo que você estiver fazendo outras coisas vai ter que virar o
lado, você vai ter que pegar naquela capa, que é uma coisa palpável - é
sobre a produção palpável sobre aquilo que você consegue tocar, pq aqui
que vc consegue tocar é muito menos destacável. É por isso que nós
preferimos o disco de vinil. É uma forma de você valorizar aquilo que foi
produzido, que foi feito com tanto esforço, com carinho, com proposta... que
você escreveu ali (...) (RAMOS, 2019)
199

A preferência por trabalhar com discos em vinis, destacada por Ramos, é


defendida lançando mão de princípios básicos defendidos pelos punks desde os
seus primórdios. Portanto, a questão é mais do que somente estética, que também
faz parte, mas não se desprende como um único motivo. Estar junto com amigos,
fazer parte de uma cena, criar algo e ter controle sobre este material são
argumentos que perpassam a fala do depoente. vemos que a argumentação de
Ramos. O fato do uso das plataformas digitais não é um ponto pacífico entre os
punks. Mas mesmo assim, o depoimento é importante também no sentido de
apontar para o caráter anticapitalista das ações dos selos DIY.

4.5 Passando o chapéu e mostrando o moicano: projetos com financiamento


coletivo

Se é possível dizer que a cena punk de São Paulo comporta uma série de
grupos que compõem um mesmo espaço de disputas, é igualmente possível dizer
que há uma série de aproximações afetivas que fortalecem e dão coesão a esta
cena. A música é uma catalisadora nesse sentido. É por ela que, na maioria dos
casos, os indivíduos mantêm o primeiro contanto com a cultura punk. Há vários
exemplos que nos fornecem elementos para explicitar esta lógica que atravessa
diacronicamente toda a cena. Partamos de dois exemplos recentes. As bandas
“Cólera”51 e a “Geração Suburbana”52, em 2018, usaram a plataforma de
financiamento coletivo (crowdfunding) “Cartase” para levantar recursos para a
produção e gravação de seus trabalhos. Esse tipo de financiamento coletivo vem se
popularizando no Brasil, mas ainda é uma novidade no meio punk. Funciona da
seguinte maneira. O grupo entra em contato com o site, faz o cadastro e lança a sua
campanha, divulga nas redes, acompanha o resultado. Para que o projeto possa
ocorrer, é requerido, por parte dos financiados, um trabalho árduo de divulgação da
campanha, no qual Wendel Barros, 33, serigrafista e músico e também vocalista da
banda Cólera, nos informou em entrevista com postagens constantes em várias
redes sociais, como Facebook e Instagram, explicando e motivando os possíveis
apoiadores a financiá-los. Além disso, fica a cargo do grupo a preparação de
“recompensas”, que é a contrapartida pela ajuda. Tais recompensas, são colocadas

51 https://www.catarse.me/colera
52 https://www.catarse.me/cdgeracaosuburbana
200

em categorias variadas de valores, sendo que o apoiador escolhe o valor a partir da


recompensa associada. Além dos respectivos CDs das bandas, elas
disponibilizaram outros materiais, tais como camisetas e bottons, outros materiais
fonográficos e até shows da banda, como foi o caso do “Cólera”, para aqueles que
contribuíssem com mais de R$ 3500,00 (tiveram dois apoiadores nessa modalidade
de recompensa).
O que garantirá o sucesso da empreitada é a rede de conexões que serão
criadas pelas bandas em seus projetos de financiamento com aqueles que, na
maioria das vezes, identificam-se com a causa. No caso do “Cólera”, o
financiamento do disco “Acorde, Acorde, Acorde”53 foi superior à meta estabelecida,
que era de R$ 46.000,00, chegando ao montante de R$ 55.973,00 (121% da meta).
Segundo o orçamento divulgado, o dinheiro foi utilizado para pagar a taxa do site
(13%), prensagem de 1000 cópias de CD (9%), fabricação de recompensas (21%),
despesas com estúdio de gravação, mixagem, edição, masterização e design gráfico
(49%), gravação de um videoclipe (8%). Foram 363 apoiadores que fizeram as suas
“doações” dentro do prazo de um pouco mais de um mês (entre os dias 26/01 e
07/03/2018). As pessoas que apoiaram financeiramente o projeto estão espalhados
pela a maioria dos Estados brasileiros54, mas foi no Estado de São Paulo que a
arrecadação se estruturou, sendo responsável por um pouco mais de 64% dos
apoios concedidos. Ao todo, 241 pessoas do Estado contribuíram com o projeto,
seno 103 só da capital. Esse sucesso do levantando feito no site “Catarse” foi
confirmado por Val Pinheiro, 55, músico e baixista da banda em entrevista
concedida a nós em 17/08/2019:

Então, o nosso disco nós fizemos um Catarse, né. E o Catarse e foi super
bem sucedido, né. Então ele bancou completamente, assim totalmente, a
produção do disco. É mas tem um diferencial que há uns anos atrás mesmo
quando nós lançamos o “Pela Paz”, se fosse [lançado] na época, esse disco
já teria vendido umas quatro mil cópias, como o “Pela Paz” [que] vendeu 20
mil, quase 20 mil [discos]. Mas hoje não, hoje em dia a gente grava, faz uma
puta produção, faz um trampo e vende mil cópias para vender na nossa
mão (PINHEIRO, 2019).

53A imagem e os títulos das canções encontram-se na seção sobre punk rock e hardcore.
54RJ com 31 apoiadores; PR com 24; 13 em DF; 12 em RS; 9 em MG e SC; 8 em GO; BA, CE e PE
com 5 cada; PB e ES com 2 cada; TO, MS, SE, RN, AL, AC com 1 cada.
201

O baixista chama o financiamento de “Catarse” como sinônimo de crowdfunding, o


que denota a visibilidade desse tipo de ação coletiva via esta empresa55 e justifica
de alguma forma a escolha por trabalhar com ela. Em sua fala, dá ênfase ao fato de
que o arrecadamento foi suficiente para os custos com a produção. Mesmo sendo
um sucesso, Val pondera que a prensagem de 1000 cópias é inferior ao que teria
alcançado na metade dos anos 1980, época que a banda alcançou a sua maior
vendagem de discos, feito nos moldes DIY56. O fato é que a campanha foi apoiada
majoritariamente por colaboradores da cidade de São Paulo. O que nos mostra que
há pessoas motivadas a financiar um projeto como a gravação de um álbum de uma
banda punk, mesmo não sendo um grande contingente de pessoas. No caso aqui,
segundo divulga o site do Catarse, contribuíram 363 pessoas. Vale acrescentar que
o êxito da empreitada se deve também pela projeção da banda tanto na cena punk,
quanto no underground brasileiro.
No caso da “Geração Suburbana”, a meta de financiamento e os números de
participantes foram mais modestos. O valor principal (R$ 3.355,00) foi destinado à
prensagem, design gráfico da capa do CD (87%) e para pagar a taxa cobrada pelo
Catarse (13%). A maioria esmagadora, 67 pessoas, foi composta por doações
destinadas por apoiadores da capital e de cidades que compõem a Grande São
Paulo (92,25%). Obtiveram três apoios do Paraná, um do Pará e outro da Bahia,
totalizando 3,43% das contribuições. Júlio Pelloso (33, músico erudito e professor de
música) nos contou como foi o processo:

A Geração Suburbana surgiu na periferia da zona norte de São Paulo e


como a maioria dos jovens de periferia nunca tivemos grana. Tanto que
nossas primeiras demos (2004/2005) foram gravadas ao vivo e por mais
que tenham um valor histórico a qualidade não é das melhores. Quinze
anos depois, já em fase adulta resolvemos dar esse presente para nós
mesmos e gravar essas músicas com qualidade, instrumento por
instrumento, voz separada, etc. Porém a gente continuava duro, mas

55 É interessante apontar que esse grupo foi o pioneiro da prática de viabilizar campanhas virtuais
para a arrecadação de fundos no Brasil, servindo de modelo para outros que variam nas práticas e
nas taxas (6,04% no “Vakinha” a 15% no “Entropia Coletiva”, de acordo com informações dos
respectivos sites) cobradas, mas mantendo coerência com a organização das campanhas virtuais por
arrecadação de fundos.
56 Val se refere ao álbum “Pela Paz em todo Mundo” (1985). Não é possível dizer ao certo se na

época vendeu a quantidade de 20 mil discos. Contudo, David, ex-sócio do pioneiro selo punk
brasileiro “New Faces Records”, nos informou que acompanhou o lançamento do disco de perto,
dada a amizade tanto com Redson, quanto com o seu sócio no selo “Ataque Frontal”. E, segundo nos
informou, a primeira tiragem foi de 3000 cópias. Algo impensável na época para um disco lançado por
punks sem o aporte de uma grande gravadora. Hoje alcançar essa marca seria ainda mais
improvável, um sonho distante. Principalmente com o mercado na atualidade cada vez menos aberto
para vendas de suportes físicos como o CD.
202

mesmo assim fomos pra um estúdio e conseguimos começar a gravação


com um dinheiro que eu tinha que não dava nem 50% do valor que sairia no
final. Mas felizmente o dono do estúdio foi deixando a gente terminar a
gravação mesmo sem conseguirmos quitar o que faltava. Quando
terminamos de gravar, mixar e masterizar tínhamos uma conta pra pagar
das horas de gravação, porém ainda queríamos lançar o material físico.
Mas não tínhamos dinheiro nem para um e nem para o outro. Durante
alguns meses eu sempre deixava alguma grana no estúdio, até o dia que o
próprio dono do estúdio fingiu que não faltava mais nada e não quis mais
receber. Naquela semana que "quitei" o final da gravação pensei se não
valeria a pena estudar a possibilidade de um financiamento coletivo. Uns
meses antes da gente o Cólera tinha conseguido lançar o CD deles pelo
Catarse e acabamos decidindo pela mesma plataforma que era a que
menos descontava na época. Passei uma noite em claro estudando como
viabilizar e usar a ferramenta de financiamento coletivo. No dia seguinte
expliquei para o pessoal da banda como seria, fizemos um plano para
alcançar a meta estipulada e decidimos as premiações. Na semana
seguinte nosso financiamento coletivo estava no ar e começamos um
trabalho duro e com muita disciplina mandando mensagens e postando
sempre em nossas redes sociais. Confesso que muitas vezes nos
sentíamos as pessoas mais chatas do mundo. Mas felizmente fomos
recompensados e nossa campanha alcançou 98% do que pretendíamos e
tivemos 72 colaboradores, sendo esse que me entrevista um deles
(PELLOSO, 2019).

No seu relato, Júlio descreve a trajetória da banda e as dificuldades para


levantar fundos para a gravação de um álbum. De maneira interessante, revela o
caminho percorrido pela a maioria das bandas que têm a mesma origem que eles. A
saída foi gravar uma “Demo” que é a opção mais barata e geralmente acessada –
falaremos mais adiante sobre esse assunto. Com o intuito de apresentar um produto
com um tratamento mais cuidadoso, resolveram em 2018 concretizar o registro com
recursos próprios. Mas, por não conseguirem arcar com todo o valor, acionaram
outra estratégia que já havia sido testada com êxito pela banda “Cólera”, como dito
anteriormente, muito bem sucedida. Dentro dos seus parâmetros obtiveram sucesso,
mas através de uma grande mobilização via redes sociais, divulgando a campanha
para lançamento do álbum “Vivemos Presos”.

1 - Vivemos presos/ 2 - Terceiro Mundo/ 3 - Cores/ 4 - Brincando de ser


soldado/ 5 - Quero uma chance/ 6 - Maldito ser humano/ 7 - Aprender/ 8 -
Apatia/ 9 - Homens de farda/ 10 - Nacionalismo/ 11 - Capitalismo/ 12 - A
bomba/ 13 - Pai eu sou punk/ 14 - Rotina.

Figura 24 – Capa e contracapa do álbum “Vivemos presos!”


203

Fonte: Acervo pessoal.

Esses dois exemplos nos mostram uma parte da realidade na qual se


encontram os artistas e bandas da cena punk de São Paulo que buscam o registro
fonográfico nos dias de hoje. Aqui vemos que dificuldades financeiras podem ser
ultrapassadas por um financiamento coletivo, mas há uma luta que se desdobra a
partir disso. Manter o nome do grupo circulando é um trabalho duro, mas também
delicado. Nesse espaço, as redes de amizade e afinidade agem de maneira a
entrarem com a força para viabilizar um projeto (O’CONNOR, 2008). Contudo, esse
trabalho é delicado, na medida em que é preciso não se tornar invasivo o suficiente
para afastar aquelas pessoas que são potenciais doadores. Isso porque não é uma
mera relação tratada como com as que se dão com os selos que se baseiam em um
acordo menos mediado. Neste modelo, a proximidade com o seu núcleo de
sociabilidade se torna imprescindível para que um projeto de uma banda obtenha
êxito. Em outras palavras, mesmo que pessoas de fora do convívio da banda ou da
cena estejam aptos a contribuir com a arrecadação de fundos para viabilizar uma
gravação, isso ocorrerá majoritariamente junto aos seus afins.
Por esses projetos temos uma pequena noção do tamanho do alcance das
campanhas. Em ambas o número de apoiadores localizados na cidade de São Paulo
é bastante próximo. E isso se dá com bandas que têm uma projeção diferente uma
da outra dentro da cena paulistana, ocupando níveis de uma visibilidade e fluxo de
produção lançadas também distintos. Uma é das fundadoras da cena, fomentadora
de uma série de ações que foram basilares para esta e outra que se organizou vinte
e seis anos depois. Portanto, mantendo-se dentro dos pilares, em grande medida,
construídos pela antecessora, mas demonstrando que teve forças para levantar a
quantia necessária para pôr em circulação a sua produção fonográfica. Portanto,
204

estamos tratando de capitais simbólico distintos, mas que acessam e mobilizam as


mesmas pessoas envolvidas na cena e em outras redes de relações sociais. Por um
outro lado, também é preciso ponderar sobre o fato de que há um limite dado pela
própria cena para esse tipo de estratégia. Talvez esta não dê suporte para um fluxo
constante de novos projetos lançados ao mesmo tempo. As razões para isso devem-
se ao processo intenso de campanha que exige das bandas uma intensa atividade
visando engajar as pessoas em seus projetos. O que, por conseguinte, pode
ocasionar em uma arrecadação abaixo do esperado e frustrar parte dos planos da
banda pleiteadora do fomento coletivo.
Foi o que ocorreu com outra banda, chamada “Pé Sujus”, formada em 2004
na zona leste da capital paulista, que buscou angariar fundo pela mesma plataforma
entre os meses de agosto e setembro de 2019. O seu projeto foi financiado em 54%
do valor, mas não atingiu a meta total. Contribuíram com a campanha 49 pessoas só
de São Paulo e 4 de outros Estados. Ou seja, pelas regras do Catarse, um projeto
na modalidade “Flex”, desde que se comprometa a entregar o que prometeu, pode
receber o dinheiro arrecadado e a quantia não é devolvida aos apoiadores. O que a
banda cumpriu já que contava com o projeto em andamento e o EP "Brasil 2019 - A
era do Burrismo". Lançado em CD e em MP3, este último foi disponibilizado
antecipadamente para alguns apoiadores do projeto.

Figura 2511 – Capa e contracapa do EP "Brasil 2019 - A era do Burrismo"

Fonte: Acervo pessoal


205

Esta banda já havia buscado financiar outro projeto no ano de 2015, pela
plataforma “Kickante”57. A campanha foi lançada no valor de R$ 2.000,00.
Conseguiram levantar 40% (R$ 800,00) do valor, que utilizaram para a produção do
EP "Vamos quebrar tudo e construir de novo", que conta com seis faixas, sendo
distribuído pelo selo “Corsário Discos”.

4.6 As produções realizadas por bandas sem apoio financeiro, ou simbólico,


selos e distros

Como vimos há toda uma complexidade envolvida no processo de lançar um


disco. Nem sempre as bandas dispõe de recursos simbólicos necessários para se
fazer valer das redes de apoio e financiamento que existem na cena. E nesse
sentido, a opção mais rápida é fazer sozinhas todo o projeto. No levantamento que
fizemos encontramos os seguintes números abaixo, que demostram não apenas a
quantidade de produtos, mas os suportes e formatos mais acessados para dar
vazão a esses projetos “individuais”.

Tabela 2 - Produtos fonográficos lançados sem selos - 1981 - 2019

Fonte: elaborado pelo autor.

57.Disponível em: https://www.kickante.com.br/campanhas/vamos-quebrar-tudo-e-construir-de-novo-


novo-ep-da-banda-pe-sujus. Acesso em: 21/11/2020
206

Como aponta a tabela acima, contabilizamos 285 (32,4%) de todas as


gravações) produtos fonográficos lançados sem qualquer apoio financeiro. O que dá
quase oito lançamentos por ano. Estão expostos acima os suportes e os formatos de
música gravada por punks em São Paulo utilizados nesse tipo de empreendimento.
Vale ressaltar que em alguns casos foram disponibilizados em mais de um suporte,
portanto, há disparidade do total de produtos com os suportes utilizados. Esses
números nos mostram que lançar um material fonográfico com apoio de um selo ou
“distro” não é uma tarefa fácil. Isso se agrava quando as bandas são novas ou tem
poucos laços de amizade desenvolvidos na cena. Os próprios selos, como veremos
mais adiante, são organizações que comportam poucos lançamentos, e, por
conseguinte, lançam materiais que possam gerar algum retorno em termos
simbólicos e financeiros.
Darão maior espaço para aquelas bandas que têm maior afinidade ou que,
dentro dessa lógica, tenha capacidade de comunicação dentro da cena. Pode
ocorrer ainda que, por opção, alguma banda deseje divulgar sem o intermédio de
terceiro as suas próprias gravações. Desta maneira, como já dito, ter um material
gravado vai além da ideia de deixar registrado algo para posteridade. A questão se
dá no presente e se coloca, assim, como uma estratégia na luta por distinção
(BOURDIEU, 2017). Quando uma banda faz um registro de sua música, o que
podemos notar é que há um investimento no sentido de se tornar mais conhecida. A
circulação do seu produto visa obter uma inserção mais aprofundada na cena. O que
se conjuga da mesma maneira com a participação em eventos com outras bandas.
Estar dentro de uma rede de afinidades é de suma importância até para que uma
determinada banda se perpetue. O investimento simbólico, que também é um
investimento financeiro, tem, portanto, um direcionamento que foca a notoriedade na
cena. Mas é preciso ponderar que isto não significa que o cálculo seja
milimetricamente pensado para atingir um alvo, como ocorre com artistas vinculados
ao negócio da música gravada.
Separamos abaixo alguns exemplos de lançamentos feitos pelas próprias
bandas que julgamos relevantes dentro da cena.

 EP Vinil 7”: “Violência & Sobrevivência” - “Lixomania” (1982).


207

Lado A: 1- Violência & Sobrevivência/ 2- Massacre Inocente/ 3- O Punk


Rock Não Morreu
Lado B: 1- Zé Ninguém/ 2- Fugitivo/ 3- Os Punks Também Amam

Figura 12 – Capa e contracapa do EP Vinil 7”: “Violência & Sobrevivência”

Fonte: https://www.discogs.com/pt_BR/Lixomania-Viol%C3%AAncia-
Sobreviv%C3%AAncia/release/194275

 Álbum em LP: “Cólera – European Tour '87” (1988):

Lado A: 1- Mêdo/2- São Paulo/3- Vivo Na Cidade/4- Continência/ 5- Gritar/6-


Amnésia/7- Duas Ogivas
Lado B: 1- 1.9.9.2./2- X.O.T./3- Em Você/4- Palpebrite/5- Subúrbio Geral/ 6-
Pela Paz

Figura 13 – Capa e contracapa do álbum em LP: “Cólera – European Tour '87”

Fonte: https://www.discogs.com/C%C3%B3lera-European-Tour-87/master/418693

 Demo em cassete: “EXECRADORES - demo 96”, banda “Execradores”


(1996):
208

Lado A: 1-Rota 66/2- Basta De Racismo/ 3- Zoófilo/ 4- Cenas Anarco-Punx/


5-Poesia/ 6- Força Da Juventude/7- Aperte o Cotao
Lado B: 1- Temas Inéditos/ 2- Violência/3- Punk Atitude/4- Paciência/5-
Colonizadora/6- Contra A Opressão/7- Eu Nao Sei!

Figura 14 – Capa e contracapa da demo “EXECRADORES – demo 96”

Fonte: https://www.discogs.com/pt_BR/Execradores-Demo-96/release/8288518

 Álbum em CDR: “Correria” - banda F.H.C (Fim da Humanidade Capitalista)


(2004):

1- Intro/ 2- Dízimo/ 3- Pequenas Igrejas Grandes Negócios/ 4- Tecnologia/


5- Verdadeiros marginais/ 6- Nada pessoal/ 7- Retratos da sociedade/ 8-
#*%I!!/ 9- Foda-se a igreja/ 10- Sem esperança/ 11- Sem saída/ 12-
Comédia da vida privada/ 13- Contrato/ 14- Correria/ 15- Contínuo metendo
o pau na Igreja Universal/ 16- Ratos (Abiose)/ 17- Nostradamus/ 18-
Granada.

Figura 15 – Capa e contracapa do CD “Correria”


209

Fonte: Acervo pessoal.

 Coletânea em CD (1998): “Um passo para a revolução”, várias bandas:

1– Sistema Não (Esquizofrenia)/ 2– Podre Realidade (Esquizofrenia)/ 3–


Não Me Deixam Viver (Esquizofrenia/ 4– Os Poderosos Vão Cair
(Esquizofrenia)/ 5– Gritos Pela Liberdade (Esquizofrenia)/ 6- Fardas
Imundas (Exiladus)/ 7– Maldito Sistema (Exiladus)/ 8– Anarquistas
(Exiladus)/ 9– Poluição Corrosiva (Exiladus)/ 10 – Vergonha (Exiladus)/ 11–
Punk Não É Só Som (Alerta Geral)/ 12– Bravos (Alerta Geral)/ 13-
Revolução (Alerta Geral)/ 15– Bomba De Òdio (Alerta Geral)/ 16– Segura
Peão(Manicômio)/ 17– Destrua O Poder (Manicômio)/ 18– São Paulo
(Manicômio)/ 19- Revolta (Manicômio).

Figura 16 – Capa e contracapa do CD “Um passo para a revolução”

Fonte:https://www.discogs.com/Various-Um-Passo-Para-Revolu%C3%A7%C3%A3o/release/8016027

 Álbum em streaming: “Desgraça” - “Älä Kumarra” (2018):

Figura 17 – Capa e contracapa do álbum “Desgraça”


210

Fonte: http://www.alakumarra.com.br/discography/desgraca/

Os trabalhos acima expostos representam, em linhas gerais, produções


realizadas pelas próprias bandas, sem apoio financeiro de selos, distros ou
gravadoras. Talvez um ponto fora da curva seja o EP “Violência & Sobrevivência”,
que contou com um aporte em dinheiro de um admirador da banda chamado “Carlos
Marçal Bueno”. Na contracapa, os créditos pela direção e produção são dados a ele.
Estes trabalhos desenvolveram práticas em relação à gravação de fonogramas
utilizando, para tanto, as tecnologias que tinham maior facilidade de acesso e que
dentro da ética DIY lhes permitiam exprimir a sua criatividade. Isso fica marcado de
maneira mais clara quando nos voltamos para os suportes CDRs e K7 que permitem
um maior acesso, dado que são facilmente encontrados nos comércios locais. Um
dado interessante é que mesmo nos dias de hoje ainda há consumo desses
produtos. Mesmo com tiragens bem mais restritas, há uma aposta em práticas fora
do mercado convencional de música. Nos exemplos acima, todo o tratamento e
produção foram feitos pelos membros das bandas. Há uma importância atribuída à
detenção e controle das etapas de gravação, produção e arte das capas, que vão
além da ideia de precariedade, isto é, instala-se na ética de grupo (GUERRA, 2015).
Luiz, 41, baixista e baterista, professor de geografia e história na rede de
ensino do Estado de São Paulo, ex-baixista e ex-vocalista da banda F.H.C (Fim da
Humanidade Capitalista) aponta brevemente como se deu o processo do CDR
“Correria” citado acima:

Foi em 2004 eu acho. [A banda] era [um power] trio ... Eu Gil e André.
Gravamos os instrumentos tudo junto, depois só o vocal por cima... no
211

estúdio do Jão no Imirim, bem simples. Nem existe mais esse estúdio. Era
bom, duas salas, mas para gravação nem tanto...E a gente tb não sabia
tocar... [...]. [As cópias foram feitas em] [...] CDR; gravava no PC e iámos
repassando pra galera. [...]. Não contamos quantos foram distribuídos. Mais
de cem chutando alto. Porque a gente gravava dez, ia passando... depois
gravava mais... Eu cobrava uns dois reais [relativos ao custo] do CDR e do
xerox [do encarte] … e dava cópias para os caras de outras bandas pra
divulgar e chamar a gente pra tocar. A ideia de vender barato, era comprar
mais mídias e fazer mais CDs. A venda nem era para repor [o investimento
com a gravação] mas sim para comprar mais matéria prima (MAQUIAVEL,
2018).

O entrevistado discorre sobre um modus operandi comum entre as bandas


punks: registrar as canções com os recursos financeiros e técnicos que estiverem à
disposição. Nesse mesmo sentido, o depoente ressalta o fato de que o valor
cobrado estaria voltado custear os materiais comprados para compor as cópias da
gravação, como a mídia (CDR) e as cópias fotocopiadas. De maneira artesanal e tal
qual bricoleurs não só elaboraram um produto fonográfico, mas participaram de
todas as etapas desde a escolha de um estúdio para gravação, até colocarem em
circulação o seu trabalho a partir de suas próprias ações. O intuito no final, é
colocado de maneira velada: mostrar as suas elaborações e ideias e se manter
dentro do circuito de bandas.
Próximo a essa ideia, Acácio Augusto, professor universitário, cientista
político e pesquisador, ativista e músico, ex-,membro das bandas “Ácratas” e
“Estado Alterado” na segunda metade dos anos 1990, na zona norte da cidade,
narrou em entrevista a nós concedida o seguinte:

[...] a gente tinha banda, tipo de garagem, tal - isso moleque tipo com
catorze, quinze anos - e a gente gravava com gravadoras, tipo de cassete.
Apertava o “REC” e gravava. E às vezes... não posso dizer que era
comercializar, mas a gente trocava com outras pessoas por
correspondência as gravações de ensaios. Que a gente sempre achava que
estava ok, assim, que estava bom. E depois fomos descobrir que era uma
qualidade péssima. Só que para a gente era um pouco aquilo que
funcionava. Tipo, o fato de ouvir o som ali registrado já era pra gente
bastante coisa, já era uma coisa muito importante [...] (AUGUSTO, 2019).

Na fala dos dois entrevistados notamos uma disposição em destacar que as


intenções em relação à música gravada por eles não estão pautadas no comércio de
suas obras. Com dito, o que pesa aqui é a circulação de suas elaborações com a
finalidade de estar em contato com outras pessoas da cena. Augusto (2019),
sublinha a questão das trocas feitas com outras pessoas e bandas, prática comum
também, como citado acima entre selos. De um ponto de vista simbólico, o
212

investimento se coloca em ir ao encontro de afins e com estes compartilhar seus


produtos.
Ainda em relação à quantidade total de discos lançados sem apoio financeiro,
é preciso mencionar que os números expostos acima são fruto de dados colhidos e
verificados nos quais atestam a existência de gravação. Podem haver muitos outros
produtos que não foram “oficialmente” lançadas, o que dificulta a verificação, já que
tiveram uma circulação ocorrida em escala muito restrita. O que requer um trabalho
com mais vagar e tempo, procedendo quase como um verdadeiro “garimpo”. Nesse
sentido, e para além disso, esses números poderiam aumentar consideravelmente,
já que nem todas as bandas organizadas em São Paulo se preocuparam em guardar
(ou até mesmo em lançar de fato) o material fonográfico, extinguindo-se antes que
se pudesse ter um registro organizado sobre o conteúdo sonoro produzido. Quando
muito, sobram fitas cassete gravadas precariamente em gravadores e em outros
suportes, como CDRs que talvez jamais serão conhecidos.
Um caso emblemático que podemos citar para ilustrar a questão é o que
ocorreu com a banda “Suburbanos”. A banda, formada em Pirituba, zona noroeste
da capital paulista, havia participado do show “O Começo do fim do mundo”, e teve
seu único registro até em então no LP de mesmo nome do evento. A música foi “Êra
suburbanos”. Anos se passaram e já na era das plataformas digitais, em 2012, no
canal do perfil “Discimex88”58 no YouTube encontramos o áudio do que seria uma
fita cassete gravada em 1982 de um ensaio da banda. Nesse material sonoro pode-
se ouvir a execução de cinco canções: “1- Só Pra Vadiar / 2. Era Suburbanos/ 3-
Intruso/ 4- Revolução/ 5- Corre”. Nesta mesma página, na seção de comentários,
aparece uma postagem de Marcel, 54, músico e professor de história na rede
estadual de ensino do Estado de São Paulo, também conhecido por Pinguim,
baterista da banda à época. Na publicação, ele atesta a veracidade da postagem,
acrescentando detalhes sobre a troca de vocalistas da banda durante o período. O
seu comentário é o seguinte:

êra, sou o Marcel (pinguim, batera dos Suburbanos)/ valeu aí a postagem


da demo, matei a saudade da época/ creio que é o Herman o vocal dessa
gravação, depois quem cantava na banda era o Joe (Alexandre)/ isso me
fez pensar em buscar o material que temos, mas ficou em mãos de um
amigo que não vejo há tempos/ de qualquer forma, valeu mesmo (MARÇAL,
2012).

58 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_wmLlj38mnY.


213

Como podemos ler, Marcel agradece, apontando que há ainda a possibilidade


de haver outras gravações. Em contato com o ex-baterista, ele confirmou tal
possibilidade, mas seria difícil de encontrar e, com relação a isso, nos disse o
seguinte:

Acho que foi por algum conhecido, por alguém que participou de um ensaio.
Porque ia muita gente nos ensaios. Ia o pessoal da Carolina, o pessoal da
cidade, o pessoal de Pirituba. E frequentava o ensaio, as portas eram
abertas, apesar de ser na casa do guitarrista. E a gente recebia todo
mundo. Viam várias pessoas... passavam por ali. E ouviam aquilo e
começavam também a divulgar. Isso também foi importante. Os registros da
banda eram praticamente [feitos] nos ensaios, né. Ensaiavam [juntos] Ratos
de Porão e Fogo Cruzado. E aí era aquela febre de bandas punk em São
Paulo. Toda molecada queria ter uma banda punk, né. E a gente começou
lá também em Pirituba, Vila Mangalot, né. Eu comprei uma bateria Pinguim -
uma bateria mirim [infantil] - um comprou um baixo, o outro comprou uma
guitarra, enfim. Aí começou a rolar. Já tinha uma vivência do rock'n roll, do
rock pauleira, na Vila Mangalot e em Pirituba. E aí o punk surgiu em 78, 79.
[Falamos] Vamos montar uma banda punk. Qual o nome dessa banda?
Olhando o trem, olhando em volta, essa banda vai se chamar "Suburbanos".
[...]Os registros eram caseiros [...] Alguém, conhecia da tecnologia da época
para registrar [e o fazia]. Ali no ensaio no quarto, no fundo da casa. Os
registros eram caseiros. Mas eles foram fundamentais para ter essa história
e para se avançar, isso tudo aí. Depois, algumas bandas foram conhecer
estúdios, conhecer outros lugares, outros equipamentos. Mas a gente
[Suburbanos] era caseiro. Era somente um amplificador somente, um
gravador. Muitas vezes era um gravador somente. Algumas vezes um
gravador mínimo, simplesmente um gravador. Grava-se um som e ia
embora. E se gravava em nas fitas cassetes e a gente ouvia muito bem
naquela época. Hoje não. Hoje ouvir uma fita cassete [dizem] nossa que
coisa tosca, mas era um registro [...] (MARÇAL, 2019).

O caso da banda “Suburbanos” não é único, ao contrário, ele aponta para o


fato de que nem sempre é possível registrar um material sonoro. Poderíamos citar
tantos outros, como das “Isquizitas”, banda que ficou relativamente conhecida, mas
que não lançou material fonográfico. Como nos disse Clemente, 56, músico,
produtor musical, dj, ator, escritor, radialista, apresentador, refletindo sobre a
questão: “se a banda não gravou, ela não existe”. É um ponto de vista interessante,
dado que é pelo registro sonoro que se pode ter acesso ao trabalho de um
determinado grupo musical. Entretanto, esta concepção guarda seus limites, pois
mesmo gravações podem se extraviar ou serem guardadas antes serem lançadas,
permanecendo assim somente na memória daqueles que presenciaram as
apresentações. Entretanto, as bandas existiram e de alguma maneira contribuíram
para o desenvolvimento da cena. Isso nos lembra um outro caso paradigmático
214

ocorrido com a banda protopunk estadunidense chamada “Death”. A história foi


contada no documentário intitulado “The band called Death” (2012), que chama a
atenção para o fato de um registro sonoro que por várias razões, internas e
externas, ficou esquecido. Não se sabe qual seria a repercussão se o material
tivesse sido lançado à época. Contudo, olhando no retrovisor da história do
movimento punk mundial, a sonoridade da banda soa muito próximo ao que se
entende por punk rock, o que por si só é muito interessante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pautados pelo DIY e pela vontade em apresentar suas elaborações,


angústias, revoltas e esperança, ao longo de quase quarenta anos os punks
paulistanos se adaptaram aos recursos que tinham em mãos. Nunca foi tão fácil
quanto hoje gravar, divulgar e distribuir um produto fonográfico, é o que se diz
comumente. Mas mesmo esta premissa é questionada entre os punks. A sua
trajetória está aí para atestar que as dificuldades existiram, mas nunca os impediram
de registrarem toda fúria e descontentamento com a realidade ao qual os cercava.
Em outras palavras, poderíamos dizer que esses rebeldes se mostraram resistentes
e a sua música gravada dá testemunho disso.
Bandas como o Cólera, que atravessaram todo período de surgimento,
desenvolvimento e consolidação da cena paulistana, testemunharam e contribuíram
ativamente para que esse processo se tornasse possível. Na figura de outros
agentes, como Redson Pozzi, Fábio Zvonar, Ariel Uliana, Josimas Ramos, Leandro
Cardoso entre muitos outros, apresentaram e desenvolveram muitos projetos
215

coletivos para a organização e lançamento de coletâneas e/ou discos individuais se


tornaram realidade. Contudo, é uma ilusão pensar que apenas alguns poucos
indivíduos ou grupos foram responsáveis por criar uma produção que vem se
desenrolando desde o início dos anos 1980. Seriam necessários muito mais páginas
para que pudéssemos acompanhar toda a complexidade das relações travadas
entre esses indivíduos e suas motivações pessoais. Mas o que se desenvolveu
acima foi uma pesquisa que se preocupou em apontar ao menos o que se
considerou como mais importante em termos de elaboração sonora da cena punk
paulistana.
Com vista verificar como esta produção veio se desenrolando ao longo de
quase quatro décadas foi feito um esforço de pesquisa no qual se deu
primeiramente em levantar construtos teóricos que pudessem nos ajudar a
compreender o fenômeno e seus desdobramentos. No primeiro capítulo procuramos
abordar os fundamentos teóricos que nos possibilitasse dar corpo a nossa pesquisa.
Para tanto, lançamos mão de discutir o conceito de indústria cultural desenvolvido
pela dupla Adorno e Horkheimer ainda nos anos 1930, pensando como alguns
pontos levantados ainda se mostram válidos. Nesse sentido, foi possível apontar
que o conceito ainda se faz interessante, pois explica a lógica da produção cultural
dentro dos parâmetros do capitalismo administrado. Isto porque nos possibilitou
pensar a mercadoria música gravada como um bem que segue, em linhas gerais,
dentro da lógica do lucro capitalista. Entretanto, para além de uma articulação
voltada apenas para as questões do controle e das etapas de produção, difusão e
venda mercadorias musicais, foi a partir de Pierre Bourdieu que pudemos avançar
no debate sobre o consumo e a produção fora da indústria cultural. Ou seja, não
tratou-se de negar a existência de uma indústria produtora de bens culturais, ou a
sua intenção em controlar não apenas a produção e venda dos seus produtos, mas
também as mentes dos seus consumidores. Outrossim, buscamos em Bourdieu
aprofundar a percepção de que há outros pontos que precisam ser explorados. O
principal deles é que mesmo dentro de uma lógica econômica que se pretende
homogeneizadora não se pode afirmar que os consumidores (ou produtores) são
passivos e facilmente manipulados. Este fazem parte do processo, mas criam
estratégias e práticas que em muitos casos são distintos daqueles propostos pela
indústria cultural. Para isso é preciso verificar como os agentes dentro do processo
acessam os recursos e como eles são disponibilizados. Acessar um determinado
216

meio não é uma operação aleatória e que foi escolhida previamente por outras
pessoas simplesmente. Ela se dá no horizontes de possíveis e se estabelece
também dentro de hierarquias sociais. O habitus como princípio gerador de condutas
contribui para isso, acompanhando também a maneira como são consumidos
determinados bens culturais. Daí que podemos perceber também os gostos, as
escolhas estéticas e os cruzamentos realizados a partir disso. E isso incluiu tais
quais as disputas e tomadas de posição a partir das trocas realizadas entre os vários
agentes envolvidos. Essa leitura cruzada nos permitiu perceber que a questão é de
ordem dupla: econômica monetária e econômica simbólica.
Feito isso, traçamos um histórico do desenvolvimento da indústria fonográfica
no país, retendo desse desenvolvimento os aspectos que balizaram a pesquisa. Isto
é, a discussão sobre onde se encaixariam as produções do punk paulistano.
Pudemos assim, apontar, a partir da bibliografia existente que até mesmo quando
voltávamos os olhos para os selos independentes a questão nos escapa. Isto porque
as iniciativas desenvolvidas por punks na área da música gravada, em sua grande
maioria, não enquadra como um negócio nos moldes capitalistas. Trata-se portanto,
de empreendimentos anticapitalistas calcados em uma outra lógica que não a
monetária.
E esta lógica aponta para as redes de sociabilidade e amizade ocorrida nas
mais variadas cenas punk do mundo. Eticamente pautadas pela a ética de grupo
“faça-você-mesmx” DIY. Diante disso, a tarefa se desdobrou no segundo e terceiro
capítulo em compor um quadro no qual fosse possível compreender como o punk se
desenvolveu enquanto uma rede mundial. Nesse sentido, lançamos mão de um
repertório de trabalhos acadêmicos que nos possibilitaram verificar isso interna e
externamente. Assim, não como uma caracterização do punk, mas ao menos com
alguns parâmetros, foi possível corroborar com os estudos de Silva e Guerra (2015)
que defendem que trata-se uma forma musical, de um movimento cultural e de como
uma cena musical. Do pós-guerra, época de consolidação da juventude como
consumidora e também como agente de movimentações sociais e políticas, o punk
surge com uma mensagem de reação ao estabelecido, seja economicamente
falando ou em termos simbólicos. A radicalidade da sua mensagem se espalhou e
frutificou entre jovens do mundo todo.
E de fato, pudemos apontar que essa radicalidade se calca na ética de grupo
DIY. Essa ética permitiu criar um nexo de sentido que é partilhado entre várias
217

cenas ao redor do mundo, sem que com isso implique em uma imposição. No Brasil
esta floresceu nas periferias, tendo a cidade de São Paulo como aporte inicial. Para
compreender como o fenômeno foi se desenvolvendo por aqui buscamos verificar
através das lentes emprestadas pelos conceitos de mundialização da cultura
desenvolvido por Renato Ortiz (1988). Ser punk implicava em fazer parte de algo
que é mundial ao mesmo tempo em que permitia que se pudesse se manifestar
dentro de suas vivências mais arraigadas. No caso de São Paulo, o punk se adaptou
à lógica de uma metrópole caótica e altamente violenta. A lógica das gangues em
um primeiro momento deu o tom ajudou de certa maneira a dar corpo a uma cena
incipiente. A partir dessa aderência à música e à toda estética simbólica que estava
em circulação foi se desenvolvendo a própria cena que também forneceu elementos
para a cena mundial.
A música produzida por punks, neste sentido, também se mostrou importante
internamente. Ela possibilitou que jovens da periferia da cidade de São Paulo,
apresentassem a sua produção cultural. Isso em um primeiro momento gerou
aderências, que foi facilitada pela conjuntura política e social do contexto da ditadura
civil-militar que ainda no início dos anos 1980 perdurava. Mas que em um segundo
momento, foi sendo abandonadas as ligações de lado à lado. Por seu turno, o punk
paulistano permaneceu criando, difundindo e escoando a sua produção de música
gravada por seus próprios meios: fanzines, pequenas lojas e selos, de mão em mão
e através de todas as ferramentas que lhe caía à mão. Isso foi se sedimentando em
uma cena pungente a partir de 1990, que mesmo com suas lutas e contradições
internas, se consolidou e se mostrou resistente.
As redes de sociabilidades e de amizade que se constituíram a partir desse
processo são os pilares que sustentam a cena. Não se trata, portanto, de um
negócio rentável, mas de uma série de práticas sociais que se estabeleceram em
torno da música gravada e que forneceram e fornecem sentido e identidade à uma
série de indivíduos envolvidos com ela. Como aponta O’Connor (2008) manter um
selo DIY não é um negócio, mas uma maneira de estar em contato com pessoas. O
mesmo se aplicam aos empreendimentos pessoais que são feitos apenas pelas
bandas. Estar em contato com as pessoas, as suas ideias e as suas histórias, entre
os punks é o que mais conta. Obviamente, que se houver algum lucro, ou ao menos
empatar com os custos da produção sempre será bem-vindo, mas não se trata disso
como já dito.
218

Nestes termos, passadas mais de quatro décadas, o punk ainda resiste. E a


pergunta que se fez no início deste trabalho poderia ser respondida com a
confirmação da nossa hipótese inicial: a música gravada por punks na cidade de
São Paulo é sustentada por uma rede de sociabilidade que engendra posições e
suporta identidades. Poderíamos acrescentar que como defende a professora Paula
Guerra (2013), há uma reverberação do punk no decorrer da vida daqueles que
participaram ativamente da cena. Essa prerrogativa se instala como um habitus punk
e orienta tomadas de posições e escolhas, sejam elas estéticas, sejam profissionais.
No plano da música gravada, ela é acessa pela participação efetiva em uma banda
ou via consumo de produtos fonográficos. E se o faz é porque ainda tem algo a ser
dito. E muito do que diz passa pela sua música. Do plano estético expresso
sonoramente até as letras tudo soa no punk como um grito de revolta e resistência.
Para além das questões contraditórias que atravessam esse fenômeno, o que
podemos notar é que lhe sobram motivações, expressões e performatividade. As
velhas fórmulas e clichês utilizados para se compor uma canção punk, mesmo que
se apegue a elas, são menores do que a sua mensagem. Isto é, o próprio termo
clichê perde o sentido dentro daquilo que o punk mostra como mais resiliente que é
o fazer você mesmo, pelas suas mãos, pelas suas concepções, dentro de seu
controle. Talvez esta ainda seja a maior e mais contundente lição que o punk nos
possa ensinar. As ações e propostas frente a música gravada feita por eles nos
mostra que é possível ainda rever a maneira como vivemos as nossas vidas, as
terceirizando e apontando para um futuro melhor que nunca chega. A urgência de
viver o presente se faz notar nas letras, nos sons e nos berros que tanto marcam a
música punk.
Não tivemos aqui a intenção de esgotar o assunto. Longe disso, a ideia foi
contribuir para o debate sobre a música gravada e sobre o punk como fenômenos da
contemporaneidade. Portanto, esperamos que estas linhas escritas sobre a música
gravada por punks na cidade de São Paulo, anime outras pesquisas e que esta
possam ampliar a compreensão e se somar a esta contribuição.
219

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Discografia
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Amor, Protesto y Odio” e “Abuso Sonoro. Infância Armada. [São Paulo]: Sem
gravadora, 1998, 1 LP.

Amor, Protesto Y Ódio e Septicemia. ...eis que a justiça não tarda a consolidar-se.
[São Paulo]: Bloody Noise Records. 1999, 1 LP.
Cazuza. Ideologia. [Rio de Janeiro]: Philips, 1988,1LP.

Cenas Anarco-punks Vol. 1. [São Paulo]: Esperanza Records, c1995, 1 LP.

Cólera. European Tour '87. [São Paulo]: Sem gravadora, 1988, 1 LP.

Execradores. Demo 96. [São Paulo]: Sem gravadora, 1996, 1 K7.

F.H.C (Fim da Humanidade Capitalista). Correria. [São Paulo]. Sem gravadora,


2004, 1 CDR.

Geração Suburbana. Vivemos presos. [São Paulo]: Sem gravadora, 2018, 1 CD.

GIL, Gilberto. Punk da periferia. In.: GIL, Gilberto. Extra, 1983. Warner Bros. 1 LP.
Faixa 6.

Grito Suburbano. [São Paulo]: Punk Rock Discos, 1982. c1 LP.

Kaos Day Vol. 1. [São Paulo]: Casa Punk Records. 2006, c1 CD

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Inocentes. Adeus Carne [São Paulo]: WEA, 1987. 1LP.

Lixomania. Violência & Sobrevivência. [São Paulo]: Sem Gravadora, 1982. 1 EP 7”.

Olho Seco. Botas Fuzis Capacetes. [São Paulo]: Sem Gravadora, 1983. 1 EP 7”.

Os Paralamas Do Sucesso. Selvagem? [Rio de Janeiro]: EMI, 1986,1 LP.

Pé Sujus. Era do burrismo. [São Paulo]: Sem gravadora, 2019, 1 CD, MP3.

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Vários artistas. Grito Suburbano. [São Paulo]: Sem gravadora, 1982, c 1 LP.

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Vários artistas. O Começo Do Fim Do Mundo. [São Paulo]: Sem gravadora, 1983, c
1 LP.

Vários artistas. Um Passo Para Revolução. [São Paulo]: Sem gravadora, c 1998, 1
CD.

Entrevistas:

ABREU, Fernando. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar


Silva em 25/09/2019.

ALBUQUERQUE, André. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson


Alencar Silva em 05/09/2019.

ALVES, Robertus. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar


Silva em 18/09/2019.

ARRUDA, Jefferson. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson


Alencar Silva em 14/07/2019.

AUGUSTO, Acácio. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar


Silva em 20/09/2019.
231

BARROS, Wendel. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar


Silva em 17/08/2019.

BIVAR, Antônio. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar


Silva em 09/06/2020.

CARDOSO, Leandro. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson


Alencar Silva em 06/09/2019.

DORVELA, Vela. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar


Silva em 06/11/2019.

DUENHAS, Diego. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar


Silva em 04/04/2020.

GÓIS, Tati. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar Silva em
20/09/2019.

GOMES, Danilo. Depoimento. São Paulo: São Paulo. Entrevista concedida a Edson
Alencar Silva em 05/09/2019.

FRIDO, Alfredo. Depoimento. São Paulo: São Paulo. Entrevista concedida a Edson
Alencar Silva em 03/05/2019.

FECCHIO, Simon Nicolas De Bruijn. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida


a Edson Alencar Silva em 08/07/2019.

GREENFIELD. Jaaka. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson


Alencar Silva em 11/11/2019.

LEITE, Márcio. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar Silva
em 23/12/2019.

MAQUIAVEL, Luiz. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar


Silva em 28/12/2018.

MARÇAL, Marcel. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar


Silva em 17/08/2019.

NASCIMENTO, Clemente Tadeu. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a


Edson Alencar Silva em 18/11/2019.

PADRON, Pedro. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar


Silva em 05/09/2019.

PAULA, Everton de. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar
Silva em 18/07/2019.
232

PELLOSO, Júlio. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar


Silva em 03/06/2019.

PINHEIRO, Val. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar


Silva em 17/08/2019.

POZZI, Pierre. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar Silva
em 17/08/2019.

RAMOS, Josimas. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar


Silva em 11/09/2019.

RODARTE, Fabio. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar


Silva em 16/10/2019.

SILVA, Kledeson. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar


Silva em 06/09/2019.

STRONGOS, David. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar


Silva em 28/06/2020.

ULIANA, Ariel. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar Silva
em 10/11/2018.

ZVONAR, Fábio. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar


Silva em 14/09/2019.

___________. Depoimento. São Paulo. Entrevista concedida a Edson Alencar Silva


em 14/12/2019.
APÊNDICE

Discos lançados por punks na cidade de São Paulo - 1981-2019

Nome do álbum Ano Suporte Formato Artista Gravadora/ Selo Estilo


Demo 1981 1981 K7 Demo A.C.X.O. Estúdios Vermelhos punk rock
Submundo-Demo-Tape 1981 K7 Álbum Submundo Sem selo punk rock
Grito Suburbano 1982 LP Coletânea Cólera / Olho Sece/ InPunk Rock Discos punk rock/ hardcore
O começo do fim do mundo 1982 LP Coletânea Dose Brutal/ Psykóze Punk Rock Discos punk rock/ hardcore
Contra Tudo que é Comercial e Nada de N1982 K7 Coletânea Hino Mortal/ Ulster/ Sem selo punk rock
Violência e Sobrevivência 1982 EP 7" Álbum Lixomania Sem selo punk rock
Suburbanos - Demo 82 1982 K7 Demo Suburbanos Sem selo punk rock
Miséria e Fome 1982 EP 7" Álbum Inocentes Sem selo punk rock
Botas, Fuzis e Capacetes 1983 EP 7" Álbum Olho Seco Punk Rock Discos hardcore
SUB 1983 LP/CD Coletânea Ratos De Porão/ Cóle Estúdios Vermelhos punk rock
Tente Mudar o Amanhã 1983 LP/CD Álbum Cólera Ataque Frontal punk rock/ hardcore
Tropical Viruses 1984 K7 Coletânea Grito Suburbano/Viol Double cassette compiled b punk rock/ hardcore
Brasilien Teil 2 1984 K7 Coletânea Juizo Final/Anarcoola T.S.M.-HC (FRA) punk rock
Olho Seco 1984 EP 7" Álbum Olho Seco Punk Rock Discos hardcore
Crucificados pelo Sistema 1984 LP Álbum Ratos de Porão Punk Rock Discos/ New Facehardcore
Brigada do Ódio 1984 EP 7" Split Brigada do Ódio/ Olh New Face Records grindcore/ hardcore
Cólera e Ratos de Porão - Ao Vivo no Lira 1985 LP/CD Álbum Cólera e RDP Ataque Frontal hardcore
Mais Podres Do Que Nunca 1985 LP/CD Álbum Garotos Podres Rockers Produções/Lup Somhardcore
Made In Brazil 1985 K7 Coletânea Juizo Hox-Ha-Tape Tapes - Holandpunk rock/ hardcore
Pela Paz em Todo Mundo 1985 LP/CD Álbum Cólera Ataque Frontal hardcore
Dê o Fora 1986 EP 7" EP Cólera Hageland Records hardcore
Pânico Em S.P 1986 LP Álbum Inocentes WEA punk rock
Cadê As Armas? 1986 LP Álbum Mercenárias Baratos Afins punk rock
Descanse em Paz 1986 LP Álbum Ratos de Porão Baratos Afins hardcore
São Paulo / Canção Para Marchar 1986 EP 7" Single 365 Continental punk rock
365 1987 LP Álbum 365 Continental punk rock
É Natal? 1987 LP/CD EP Cólera Ataque Frontal hardcore
Rock do ABC 1987 LP Coletânea Hino Mortal/ Corte MLup Som Discos/ Rocker Discpunk rock/ pós-punk
Adeus Carne 1987 LP Álbum Inocentes WEA punk rock/ pós-punk
Agora É Nossa Vez... Vingança ! / Lutar O 1987 LP Split Kaos 64/Tropa Suicid Devil Discos/S.P. Records punk rock/ hardcore
Trashland 1987 LP Álbum Mercenárias EMI punk rock
A Verdadeira História de um Brasileiro 1987 LP Álbum Não Religião Estúdio Eldorado punk rock
Cada Dia Mais Sujo E Agressivo 1987 LP Álbum Ratos de Porão Cogumelo Records hardcore/ crossover
Restos De Nada 1987 LP/CD Álbum Restos de Nada Devil Discos punk rock
Parasitas Obrigatórios 1987 LP/CD Álbum Vírus 27 Devil Discos punk rock
Os Primeiros Dias 1987 EP 12" EP Olho Seco New Face Records hardcore
European Tour ' 87 1987 LP/CD Álbum Cólera Sem selo hardcore
Pior Que Antes 1987 LP/CD Álbum Garotos Podres Continental/Rip Off Records punk rock
Ronda Alternativa 1988 LP Coletânea III Mundo/Voraz/VienDevil Discos punk rock/ hardcore
Contra Ataque 1988 LP Coletânea Indecisus/Pupilas Dila Ataque Frontal punk rock
Independência Ou Morte 1988 LP Coletânea Não Religião/ Loboto Ataque Frontal punk rock/ hardcore
Brasil Oi! 1988 LP Álbum Vírus 27 Devil Discos oi
Ódio Mortal 1988 LP Coletânea WC Kaos, Desespero, Ódio Mortal Produções punk rock/ hardcore
Temos que agir 1988 K7 Demo Ação Direta Sem selo hardcore
Verde, Nao Devaste! 1988 LP/CD Álbum Cólera Devil Discos punk rock/ hardcore
Inocentes 1988 LP Álbum Inocentes WEA punk rock
Estilhaços 1989 LP Álbum Inocentes Camerati punk rock
Brasil 1989 LP Álbum Ratos de Porão Roadracer Records hardcore/ crossover
Cenas De Um Novo País 1989 LP/K7/CD Álbum 365 Continental punk rock
Pela Primeira Vez No Paraiso 1989 EP 7" Álbum Excomungados U.H.Q. Produções punk rock
Anarkophobia 1989 LP Álbum Ratos de Porão Estúdio Eldorado hardcore/ crossover
Pegaram Jesus Pra Cristo 1989 LP Álbum Não Religião Estúdio Eldorado punk rock
Almighty God 1990 EP 7" EP Rot Maggot Records/Fucker Rec grindcore
Prisoner Of My Fear 1990 K7 EP Rot Sem selo grindcore
1.9.9.2 Mundo Mecanico, Mundo Eletron 1990 LP/CD Álbum Cólera Devil Discos hardcore
Dizikilibriu Social 1991 EP 7" EP DZK We Love Money Corporatio punk rock
Fora De Si 1991 K7 Demo F.D.S. Sem selo hardcore
Fogo Cruzado ao vivo 1991 LP Split Fogo Cruzado/ Olho SNovo Som Ortofônico Discospunk rock/ hardcore
O Kaos Continua 1991 LP Álbum Kaos 64 Devil Discos hardcore
Kaos Total 82-92 1992 LP Compilação Kaos 64 Gravações Sem Qualidade/Dhardcore
Ao Vivo 1992 LP/CD Álbum Ratos de Porão Estúdio Eldorado hardcore/ crossover
Drowned In Restrictions 1992 EP 7" EP Rot Rotthenness Records grindcore
Blind Pigs 1992 K7 Demo Blind Pigs Sem selo punk rock
Cerveja Sexo Punk Rock 1992 EP 7" EP DZK We Love Money Corporatio punk rock
De Geração Para Geração Eternamente P 1992 LP/CD Álbum DZK We Love Music Company, Lopunk rock
Split-Tape 1992 K7 Split Execradores, Dios Od Sem selo hardcore
Muito além do barulho! 1992 K7 Coletânea Execradores/Deserto Sem selo hardcore
F.D.S. 1993 LP/CD Álbum F.D.S. Hellion Records/Molten Me punk rock
Transgredir por Transgredir 1993 CD Álbum Fecaloma Niilismo Atacado E Varejo Fupunk rock
Garbage Funny Things 1993 K7 EP Garage Fuzz Sem selo hardcore
Canções Para Ninar 1993 LP/CD Álbum Garotos Podres RaDiCal Records/Voice Musi punk rock
Invasores de Cérebros 1993 K7 Demo Invasores de Cérebro Desculpe Aturá-los! hardcore
Fairytale / Walls Around Us 1993 EP 7" Split Mindfart / Rot Grinding Madness (BE) grindcore
Demo 93 1993 K7 Demo Vírus 27 Sem selo punk rock
Jogo Sujo 1993 EP 7" EP Abuso Sonoro Low Life Records hardcore
Sweet Fury 1993 K7 EP Blind Pigs Sem selo hardcore
Punk - H.C. 1993 K7 Álbum Calibre 12 Sem selo punk rock
Disritmia 1993 LP Álbum Disritmia Devil Discos punk rock
Anti Fascist Action!!! 1993 K7 Álbum Execradores Sin Fronteras Records (USA) hardcore
Censure 1993 EP 7" EP Extremamente Irritan Nerve Racking Records hardcore
Mordomia E.P. 1994 EP 7" EP Garotos Podres One By One Records(FRA) punk rock
ABC Hardcore 82 1994 LP Coletânea Hino Mortal/Ulster/S ABC Records punk rock
Subterrâneos 1994 LP Álbum Inocentes Estúdio Eldorado punk rock
Ninguém Me Escuta 1994 LP Álbum Não Religião Estúdio Eldorado punk rock
Vozes da Raiva Vol.1 1994 CD Coletânea Pé De Cabra/Mata-Ra Fast'n'loud (PT) punk rock
Just Another Crime In Massacreland 1994 LP Álbum Ratos de Porão Roadrunner Records hardcore/ crossover
Brasil / Anarkophobia 1994 CD Álbum Ratos de Porão Eldorado crossover
Cruel Face Of Life 1994 CD/LP Álbum Rot Morbid Records (DE)/Twiste grindcore
Prisões 1994 EP 7" EP Abuso Sonoro Panx Productions (FRA) hardcore
Lost Cause 1994 K7 Demo Blind Pigs Sweet Fury Tapes hardcore
Um Chute na Oreia! 1994 CD Coletânea D.F.C./T.I.T./Dead Fis Fast'n'loud hardcore
Dose Brutal 1994 CD Álbum Dose Brutal ABC Records/Original Maste punk rock
Tordesilhas/ Quanto mais você odiar 1994 LP/Split Álbum Extremamente Irritan Nerve Racking Records hardcore
Terra Esquecida 1994 EP 7" EP F.D.S. Rotthenness Records/D.I.Y. punk rock
Relax In Your Favorite Chair 1994 CD/LP Álbum Garage Fuzz Roadrunner Records/Spicoli hardcore
Rock de Subúrbio - Live! 1995 CD Compilação Garotos Podres Garotos Podres Records punk rock
Bebedeiras E Miudas - Europetour / 95 1995 EP 7" EP Garotos Podres Walzwerk Records punk rock
Rock De Subúrbio (Live!) 1995 CD Compilação Garotos Podres Fast'N'Loud/Voice Music punk rock
Metropolixo & Execradores 1995 LP Split Metropolixo, Execrad Darbouka Records (FRA) hardcore
Cenas Anarco-Punk's Vol. 1: A Brazilian H 1995 K7 Coletânea Misantropia, Bosta R Sin Fronteras Records hardcore
Demo 95 1995 K7 Demo Nitrominds Sem selo hardcore
Paura 1995 CD EP Paura Family Trust Records hardcore
Psycho / Rot 1995 EP 7" Split Psycho / Rot Ax/ction Records (EUA) grindcore
"Feijoada Acidente?" - Brasil 4 versions 1995 CD/LP Álbum Ratos de Porão Roadrunner Records hardcore/ crossover
"Feijoada Acidente?" - International 1995 CD/LP Álbum Ratos de Porão Roadrunner Records hardcore/ crossover
Fooled By Illusions/ Die Nacht 1995 EP 7" EP Rot / Entrails Massac Regurgitated Semen Record grindcore
Screaming For Anarchy 1995 EP 7" EP Street Bulldogs Rotthenness Records hardcore
Submundo 1995 CD Compilação Submundo ABC Records punk rock
Submundo-1981-82 1995 CD Álbum Submundo ABC Records punk rock
Lutar 1995 CD Álbum Subviventes Atomic Records punk rock
Ulster – M-19 E.P. 1995 EP 7" EP Ulster – M-19 E.P. ABC Records punk rock
Entre A Benção E O Caos 1995 LP/CD Álbum Ação Direta DPG/FCR/Ignore This Recordhardcore/ crossover
Sem Abuso de Poder 1995 CDR Demo Ácratas Sem selo hardcore
3 Way Tape 1995 K7/CDR Coletânea Agathocles/Masher/RNoise Is Not For Profit Recor hardcore/ grindcore
Nem Ordem Nem Progresso 1995 K7 Demo Constrito Sem selo hardcore
Não Somos Tão Violentos Quanto Temem1995 LP Coletânea Deadmocracy/ Altern Grito Records hardcore/punk rock/grindcor
Environment degradation 1995 K7 Álbum Dischord Sem selo hardcore
Cooperation...Sure, Competition...Never 1995 K7 Split Dischord/Rotten Sou Sem selo grindcore
Little Grrrls 1996 CD Álbum Dominatrix Sem selo punk rock/ hardcore
Revolucionar O Cotidiano, Cotidianizar A 1996 EP 7" Álbum Execradores Elephant Records, Esperanzahardcore
Demo 96 1996 K7 Álbum Execradores Sem selo hardcore
Urbanoise Vol 1 1996 CD Coletânea Garotos Podres/Billy Rotten Records punk rock
Ruas 1996 CD Álbum Inocentes Paradoxx Music punk rock
S.P. Punk Vol. 1 1996 CD Coletânea Invasores De Cérebro Desculpe Aturá-los!!! Recor punk rock/ hardcore
100%Metanolo 1996 EP 7" EP Lambrusco Kids Dischi Bruschi punk rock
Brazil Punk Attack 1996 LP Coletânea Nifis Ácratas/ Suco G Registros de Rotthenness/ Npunk rock/ hardcore
Fatality? 1996 EP 7" EP Rot Rødel Records grindcore
Our Freedom - A Lie / Wiped From The Su1996 EP 7" Split Rot / Agathocles Elephant Records grindcore
Campo Minado 1996 K7 Split Rot / Stomachal Corr Sem selo grindcore
Split Tape ’96 1996 K7 Split Rot / Voltifobia Sem selo grindcore
Silence 1996 K7 Split Rot/Intestinal Diseas Sem selo grindcore
Caso Sério !!! 1996 LP/CD Álbum Vírus 27 Devil Discos oi
Já Basta!!! 1996 EP 7" EP Abuso Sonoro Bombers (ITA) hardcore
Revolte-se!!! 1996 EP 7" EP Abuso Sonoro Sin Fronteras Records (USA) hardcore
Já Basta!!! 1996 EP 7" EP Abuso Sonoro Bombers Records (ITA), Schuhardcore
Tortura, Nunca Mais!!! 1996 K7 Compilação Abuso Sonoro Sin Fronteras Records (USA) hardcore
Sem estilos para definir nosso ódio 1996 LP Coletânea Abuso Sonoro, Necro Absurd Records, Elephant R hardcore
Compilação Beneficente Para Mumia E Pr 1996 LP Coletânea Abuso Sonoro/ Antik Esperanza!/ Favela Records hardcore
Padrões 1996 EP 7" EP Abuso Sonoro/ Deste Six Weeks (USA) hardcore
Agathocles/Dischord/Grossmember/O.P. 1996 K7 Coletânea Agathocles/Dischor Oral Diarrhoea Recs. (Russia grindcore
São Paulo Chaos 1997 LP/CD Álbum Blind Pigs Grita! Records/Paradoxx Muhardcore
6 First Hits 1997 Ep 7"/ CD EP Dance Of Days Teenager In A Box hardcore
Sadistic Desire/ The End 1997 EP 7" EP Deadmocracy / NecroAbsurd Records, Elephant R hardcore
ABC Hardcore Vol. 2 - 1984-1986 1997 LP Split Desespero/Grito de ABC Records punk rock/ hardcore
March 8th 1997 CD Álbum Dominatrix Sem selo punk rock
Girl Gathering 1997 CD Álbum Dominatrix Teenager In A Box punk rock
SP Punk Vol. 3 1997 CD Coletânea Esquisitossomos, Ácr Desculpe Aturá-los!!! Recor punk rock/ hardcore
SP Punk Vol. 2 1997 CD Coletânea FDS, Hiccups, Pé Inch Desculpe Aturá-los!!! Recor hardcore
Fogo Cruzado 1997 CD Álbum Fogo Cruzado Cross Records punk rock
No Reason To Obey 1997 K7 Split Força Macabra/Dis Sem selo hardcore
… cos revenge is sweet 1997 K7 Demo Forgotten Boys Sem selo punk rock
Retrato do país 1997 K7 Demo Free Land Sem selo punk rock
Four New Songs 1997 K7 EP Garage Fuzz 358 Tapes hardcore
Confortable Dimensions For Suitable Stru 1997 CD EP Garage Fuzz Spicy Records hardcore
Punk Rock Makes the World Go Round 1997 CD Compilação Garotos Podres Teenage Rebels Records punk rock
Caught in the Cyclone 1997 CD Compilação Garotos Podres Cyclone Records punk rock
Arriba! Arriba! 1997 CD Compilação Garotos Podres Drunk Records (PT) punk rock
Cult 22 1997 CD Compilação Garotos Podres RVC Music punk rock
Gritando Hard Core 1997 CD Álbum Gritando H.C. Gritando H.C. Records hardcore
ABC Hardcore Vol. 3 - 1984-1986 1997 LP Álbum Hino Mortal/ Corte MABC Records punk rock
ABC Hardcore Vol. 3 - 1984-1986 1997 LP Split Hino Mortal/Corte MABC Records punk rock
Denying The Wisdom Of Authority 1997 LP Split Intestinal Disease/Ro Grinding Madness/Mutilate grindcore/ hardcore
Diante Da Repressão 1997 CD Coletânea Katastrofe/Injusticia Hard Caos hardcore
Küolema/Araukana 1997 K7 Split Küolema/Araukana Corrosão Records/La Bula P hardcore
Resistencia AnarcoPunk 1997 LP Coletânea Metropolixo/ Lixo Ur Elephant Records/ Esperanz hardcore
Nitrominds 1997 CD Álbum Nitrominds Peculio Discos hardcore
É foda mesmo 1997 CDR Álbum Phoda Fatal Sem selo punk rock
Voices 1997 CD Álbum Point of no return Liberation Records hardcore
Carniceria Tropical 1997 CD Álbum Ratos de Porão Paradoxx Music hardcore/ crossover
Uncertain Future / Denying The Wisdom 1997 EP 7" Split Rot, Intestinal Diseas Absurd Records, Elephant R grindcore
3 Way Tape 1997 K7/ EP 7" Coletânea Rot/Bilateral Fratricid Brutal Bird Prod grindcore
Uncertain Future/Denying the Wisdom of 1997 LP/CD Split Rot/Intestinal Disea Sem selo grindcore
Coletânea 1987/1997 1997 CD Compilação 365 NH Assessoria Fonográfica punk rock
Contra A Violência Policial 1997 K7 Álbum Abuso Sonoro Cryptas Records (MEX) hardcore
Infância Armada 1997 LP Álbum Abuso Sonoro / Amor Sem selo hardcore
Bomb, Death, Bones, End 1997 K7 Álbum Abuso Sonoro, Discla Fitas de Revolta (Macedônia hardcore/ crustcore
São os Homens Entrando em Desespero ( 1997 CDR Demo Ácratas Sem selo hardcore
Pressure / Human Fraud 1997 LP Split Agathocles / Deadmo Absurd Records grindcore
Caos 1998 1997 LP/CD Álbum Agrotóxico Red Star Recordings/Dirty Fahardcore
Amor Protesto Y Odio demo 98 1997 K7 Demo Amor, Protesto Y Ódi Sem selo crustcore
Não iremos obedecer! 1997 K7 Álbum Autogestão Sem selo punk rock
Caos Mental Geral 1997 LP/CD Álbum Cólera Devil Discos hardcore
Demo 98 1997 K7 Demo Constrito Sem selo hardcore
Cosmogonia 1997 CD Demo Cosmogonia Sem selo hardcore
Human Nature 1998 K7/EP 7" Split Cruel Face/Dudman Rhetoric Records hardcore
¡Basta Bastard@s!! / Sonho Plebeu 1998 K7 Split Desobediencia Civil / Sem selo hardcore
Self Delight 1998 CD Álbum Dominatrix Teenager In A Box/Clorine R punk rock
Self Delight 1998 CD Álbum Dominatrix Teenager In Box, Clorine Recpunk rock
Gritos pela liberdade 1998 K7 Álbum Esquizofrenia Sem selo hardcore/ punk rock
Um passo para a revolução 1998 CD Coletânea Esquizofrenia, Exiladu Sem selo hardcore/ punk rock
Odio Vital! 1998 EP 7" EP Execradores Sin Fronteras Records (USA) hardcore
Aviso Final 1998 CD Coletânea F.D.S./Ação Direta/CeRasura Records/ABC Record punk rock/ hardcore
Transgredir por transgredir 1998 CD Álbum Fecaloma Sem selo punk rock
Fim da Humanidade Capitalista 1998 K7 Demo FHC (Fim da Humanid Sem selo hardcore/ grind core
Turn The Page... The Season Is Changing 1998 CD/LP Álbum Garage Fuzz Stand Records/Onefoot Rec hardcore
Escravos do sistema 1998 K7 Demo Gritos Aflitos Sem selo hardcore
Escravos do sistema 1998 K7 Demo Gritos Aflitos Sem selo hardcore
Running Out Of Sense 1998 CD Álbum Holly Tree Silly Sally Records punk rock
Embalado A Vácuo 1998 CD Álbum Inocentes Paradoxx Music punk rock
Milenovecentosenoventaeoito 1998 K7 Álbum M.P. Sem selo crustcore
668 1998 CD Coletânea Nitrominds/Kangaroo Peculio Discos hardcore
Uma Guerra Entre Classes Pela Paz Entre 1998 LP Split No Prejudice/Dischor Shit Records grindcore
Inocência Perdida 1998 CD Álbum Overlife Inc. Sem selo hardcore
Pappa Nikolau 1998 CD Álbum Papa Nikolau Sem selo punk rock
Parental Advisory / Kaosa Brüo 1998 K7 Split Parental Advisory / K Sem selo hardcore
Reflex Of Difference 1998 CD Álbum Paura Conspiracy Chain hardcore
Ousar Lutar, Ousar Vencer! 1998 CD Álbum Phobia Rebel Music punk rock
Point Of No Return 1998 EP 7" EP Point Of No Return Catalyst Records(US)/Firme hardcore
Periferia 1982 1998 CD/LP Álbum Ratos de Porão Gravações Sem Qualidade (1hardcore/ crossover
Sociopathic Behaviour 1998 CD/LP Álbum Rot Ecocentric Records(DE)/Rhe grindcore
Rot / Cerebral Turbulency 1998 K7 Split Rot / Cerebral Turbul Sem selo grindcore
Ousar é preciso 1998 K7 Demo Senso Crítico Sem selo punk rock
Street Bulldogs 1998 CD Álbum Street Bulldogs Thirteen Records hardcore
Tão Forte Quanto O Tempo 1998 CD Álbum Subviventes Ematoma Records punk rock
Tributo Ao Olho Seco 1998 CD/LP Coletânea Agrotóxico/Kolapso 7 Dirty Faces, Red Star Record hardcore
Não Somos Produtos! 1998 EP 7" Split Amor, Protesto Y Ódi Esperanza!, Iconoclasta Prodcrustcore
Demo 99 1998 K7 Demo Constrito Sem selo hardcore
Nem Tudo Está Perdido 1998 CD EP Cosmogonia Sem selo hardcore
Third World Hardcore - 8 Tracks Tape 1998 K7 Compilação Discarga Sem selo hardcore
Protesto Punk 1998 CD Coletânea Discarga/Katastrofe/ Hard Caos hardcore
Protesto Punk 1998 CDR Coletânea Discarga/Katastrofe/ Sem selo hardcore
Dischord & Grito De Odio – Split Tape 1998 K7 Split Dischord & Grito De Pólvora Tapes hardcore
Dischord / Against All Oppression 1998 EP 7" Split Dischord / Under Thr Shit Records/People Like Yo hardcore/crustcore
Dominatrix & Street Bulldogs 1998 CD Split Dominatrix & Street BClorine Records punk rock/ hardcore
Split EP 1998 CD, EP Split Dominatrix, Street Bu Clorine Records punk rock/ hardcore
Macönheiros / Dignidade Subtraída 1998 LP Split Entrails Massacre / SuAbsurd Records grindcore
A Luta! 1998 LP/CD Split Execradores, Sin Dios Sin Fronteras Records/ Espe hardcore
Planeta Terra S.A. 1998 LP/CD Álbum F.D.S. Stun Records/Rødel Records hardcore
Hardcore 1999 CD Demo FHC (Fim da Humanid Sem selo hardcore/ grindcore
HC Scene 3 1999 CD Coletânea KFK/Riverboys/Churr Lab Rec hardcore/ punk rock
Rookie 1999 K7 Demo Lava Sem selo punk rock
Ve Jménu... / Sua Riqueza Significa Nosso 1999 LP Split Lies & Distrust / DischShit Records hardcore
Gunshot 1999 CD EP Nitrominds Ematoma Records hardcore
Attack The Opression 1999 K7 Split Parental Advisory/No Calamidade Global/Days Of grindcore
Temporada De Deicidio / Welcome To Th 1999 LP Split Parental Advisory/Re 2+2=5 Records – 2+2=1/Lun grindcore
Cultura De Rua 1999 EP 7" EP Pós-Guerra Päu Dä Lääskä -Recs. hardcore
Casa Punk Resiste 1999 LP Coletânea Pós-Guerra, Antitese Päu Dä Lääskä -Recs. hardcore
Estais Atentos 1999 EP 7" Coletânea Provocazione / Septic Sem selo crustcore
Este é o verdadeiro espírito do Natal 1999 K7 Álbum Rot / Abuso Sonoro Sem selo hardcore/ grindcore
Split Ep 1999 EP 7" Split Rot, No Prejudice Absurd Records grindcore
Sub Existência/Deserdados 1999 CD Split Sub Existência/Deser Sem selo hardcore/ punk rock
Sub Existência 87/99 1999 CD Compilação Sub-Existência Sem selo hardcore
100% Uniao 1999 CD Coletânea T.P.M./Parental/Advi Sem selo hardcore/ grindcore
Trabalhar Para Morrer 1999 CD Álbum TPM Sopa punk rock
Turnedown & Street Bulldogs 1999 CD Split Turnedown & Street Ematoma Records hardcore
Ignorante / Até Quando A Miséria Irá Tra 1999 LP Split Ulster / Negative Con Rasura Records hardcore
Nem Explorados Nem Exploradores 1999 LP Split Wojczech, Abuso Son Elephant Records, Absurd R hardcore
Contrataque / Prioridades,Um Dia Por Ve 1999 EP 7" EP Abuso Sonoro, No vio 2+2=5 Records, Luna Record hardcore
Esse é o país da cracolândia 1999 CD Álbum Autogestão Subversão Records punk rock
The Punks Are Alright 1999 CD/LP Álbum Blind Pigs The Punks Are Alright punk rock
Ao Vivo E Aos Vivos 1999 K7 Split Carkemis / Foco Noci Sem selo hardcore
Além do barulho 1999 K7 Split Cruel Face & FDS Sem selo hardcore
What A Wonderful World / Sacrificio Aos 1999 LP 10" - MSplit Cruel Face/Subcut Anonymous Records/ Enslav grindcore
Noise For Deaf II 1999 CD Coletânea D.L.K., Condutores DaRotthenness Records punk rock
Smash The Power / Here Is The Retaliatio 1999 LP Split Death Slam/Cruel Fac Rotthenness Records grindcore
Revolução, agora! 1999 CD Álbum Deserdados Sem selo punk rock
Discarga 1999 EP 7" EP Discarga 625 Thrashcore hardcore
Fuck Copyrights 1999 EP 7" EP Dischord Insane Society Records crustcore
Sociofobia (Livepogohits) 1999 CDR Álbum Dischord Filth-Ear Distribution (Bélgic crustcore
Crüststudio Sessions 1999 K7 Compilação Dischord Purgatorius Records crustcore
Imperialistas 1999 CD Álbum DZK Corsário Discos, Insetos Rec punk rock
Coletânea Skema 110 1999 CD Coletânea É noise/Os exlcuídos/ Hangar 110 punk rock/ hardcore
Split EP 1999 EP 7" Split Entrails Massacre / CrTowerviolence Records (DE) grindcore
Beneficio Para La F.A.P. Y Comites Pro Pre1999 CD Split Estigiä / Execradores Difusión Libertaria La Idea hardcore
Liberte 1999 CD Coletânea Fate To Hate/Middle Sem selo hardcore
Criança HC 2000 K7 Demo Foco Nocivo Sem selo hardcore
Foco Nocivo / SubDivision 2000 K7 Split Foco Nocivo / SubDiv Sem selo hardcore
Força Macabra / Ulster 2000 CD Split Força Macabra/Ulste Rasura Records hardcore
Forgotten Boys 2000 CD Álbum Forgotten Boys Ataque Frontal punk rock
Live In Rio 2000 CD Compilação Garotos Podres Sem selo punk rock
Ande De Skate E Destrua 2000 CD Álbum Gritando H.C. Gritando H.C. Records hardcore
Canções de resistência e luta 2000 CD Coletânea Himno del riego/Conf ULBS punk rock/ hardcore
Live In Sao Paulo 2000 2000 CD Compilação Holly Tree Thirteen Records punk rock
Don't Burst Me 2000 CD compilação Holly Tree Silly Sally Records punk rock
O Barulho Dos Inocentes 2000 CD Álbum Inocentes Abril Music punk rock
Time To Know/Nitrominds 2000 CD Compilação Nitrominds Thirteen Records hardcore
Time To Know 2000 CD Álbum Nitrominds Peculio Discos/Vitaminepille hardcore
Apostando Tudo 2000 CD Split Os Excluídos/Flicts Subway Records punk rock
Hunger/ Sign Of Death 2000 EP 7" Split Plague Rages / Syndr Elephant Records, Hatred Regrindcore/ hardcore
Centelha 2000 K7/LP/CD Álbum Point Of No Return Catalyst Records(US)/Direcc hardcore
Hc Scene 4 2000 CD Coletânea Problem Children/RT Lab Rec hardcore
Tedium Vitae 2000 K7 Demo Provocazione Sem selo crustcore
We Shall Overcome 2000 K7 Demo Questions Sem selo hardcore/ crossover
Sistemados Pelo Crucifa 2000 CD Álbum Ratos de Porão Alternative Tentacles Recordhardcore/ crossover
Guerra Civil Canibal 2000 CD EP Ratos de Porão Pecúlio Discos hardcore/ crossover
Só Crássicos... 2000 CD Álbum Ratos de Porão RDS Fonográfica hardcore/ crossover
We Are A Fuckin' Shit! - 80's Jam Sessions 2000 CD Coletânea Ratos de Porão/ Sepu Rotthenness Records hardcore/ crossover
Porrada !!! - Ratos de Porão 2000 CD Coletânea Ratos De Porão/Toler Trip/Devil Discos/Ematoma hardcore/ crossover
Peste Católica 2000 CD/EP/M EP Sick Terror Brigada Do Ódio Records/Ut hardcore
Up The Grrrl 2000 CD Coletânea Skirt Panx Productions punk rock/ hardcore
Ulsterror 2000 CD Compilação Ulster Rasura Records hardcore
Aperte O Gatilho 2000 CD Álbum Ulster Rasura Records hardcore
Vala Negra 2000 CDR Álbum Vala Negra Sem selo hardcore
Muito Mais Que Diversão 2000 K7 Demo Vozes Incômodas Sem selo punk rock
Noise For Deaf III 2000 CD Coletânea Vulgar Khole/Empty Rotthenness Records punk rock/ hardcore
Herencia 2000 CD Álbum Abuso Sonoro Six Weeks(US)/Agipunk (ITA hardcore
Wishful Thinking 2000 CD Álbum Biggs Gig Records hardcore
Süsse Wut 2000 LP Compilação Blind Pigs Höhnie Records/Dirty Faces hardcore
Resistiremos Até O Fim 2000 CD Álbum Calibre 12 Red Star Recordings punk rock
Desobedeça! 2000 CD Álbum Cirrose Cerebral Sem selo hardcore
Clangor / Eyehatelucy 2000 EP 7" Split Clangor / EyehatelucyAbsurd Records crustcore
Condutores de Cadáver 2000 EP 7" Álbum Condutores de Cadáv Sem selo punk rock
Um Fio De Vida No Círculo Da Morte 2000 CD Álbum Constrito Libertação/CrimethInc. hardcore
A História Não Tem Fim 2000 CD Álbum Dance Of Days Teenager In A Box, Ataque S hardcore
Split Bike 2000 CD Split Dance Of Days & DomTeenager In A Box hardcore
Split Bike 2000 CD, EP Split Dance Of Days & DomTeenager In A Box hardcore
Split LP 2000 LP Split Deadmocracy / Hinfa Absurd Records hardcore
Liberdade 2000 K7 Demo Diáspora Sem selo hardcore
Discarga 2000 K7 Álbum Discarga Sacred And Profane hardcore
Multilateral 2000 CD Split D-Sailors/Nitrominds Nitroala Records hardcore
Punk Rock na Veia 2000 CDR Álbum Esgoto Sem selo punk rock
Tecnologia 2000 CD Álbum Esquizofrenia Sem selo punk rock/ hardcore
Pela Última Vez No Inferno 2000 CD Álbum Excomungados Corsário Discos punk rock
Rebelião Adolescente 2000 CD Álbum Fecaloma Niilismo Atacado E Varejo Fupunk rock
Expresso do Suburbio Vol 1 2000 CD Coletânea Amnésia Coletiva/Pé Feio Distro punk rock/ hardcore
Ao Vivo + Bonus 2001 K7 Compilação Foco Nocivo Sem selo hardcore
Forgotten Boys / Killerdolls 2001 CD Split Forgotten Boys / Kille Thirteen Records/No Fun Re punk rock
Algo Sobre Nós 2001 CD EP Full Heart Onelife Recordings hardcore
3500 Days Alive! 2001 CD Álbum Garage Fuzz Highlight Sounds hardcore
Skatepunkmusic 2001 CD Compilação Grinders Ataque Frontal hardcore
Grindattack! An Extreme Compilation 2001 CD Coletânea Groinchurn/Stomach Mutilation Records hardcore
Força e União Para se Libertar 2001 CDR Demo Herdeiros da Revolta Sem selo punk rock
Sendo Fogo 2001 EP 7" Demo Infect Sem selo hardcore
Ódio Social 2001 K7 Álbum Ódio Social Sem selo hardcore
Polticios Parasitas / "Observed ..." 2001 EP 7" Split Plague Rages / LD50 ( Absurds Records grindcore
Ódio Puro Concentrado 2001 K7/CD Álbum Presto? Peculio Discos/Outprint hardcore
No chance.../Cultura de massa 2001 EP 7" Split Progeria/Araukana Sem selo hardcore
Culminando No Vácuo Das Impossibilidad 2001 EP 7" EP Provocazione Absurd Records crustcore
Strength 2001 CD EP Questions Fuerza Records hardcore
Restos De Nada Il 2001 CD Álbum Restos de Nada Sem selo punk rock
Your Lie Is Gone - Your Day Has Come 2001 LP Álbum Rot Bomb Everything Records/A grindcore
Your Lie Is Gone, Your Day Has Come 2001 LP Álbum Rot Absurd Records grindcore
El Toro 2001 CD Coletânea Rotten Flies/Overlife Pecúlio Discos hardcore
Kompilação Knup 2001 EP 7" Split Septicemia/Vala Negr Sem selo hardcore/ crustcore
...And Man Will Be The Hunted 2001 LP Split Sickterror*/Legion 66 Schizophrenic Records hardcore
Question Your Truth 2001 LP/CD Álbum Street Bulldogs Highlight Sounds/Burning Lo hardcore
Sub Existência/PPA 2001 CD Split Sub Existência/PPA Sem selo hardcore
Puritan Behavior 2001 EP 7" Split Tapasya / Urine Speci Absurd Records, Bucho Disc hardcore
Underboyz 2001 CD Álbum Underboyz Ataque Frontal punk rock
Nunca Desistir 2001 CDR Demo Vozes Incômodas Sem selo punk rock
Wojczech / Parental Advisory 2001 EP 7" Split Wojczech / Parental Sensitive Wormrile/Towervi hardcore
Abuso Sonoro / Autoritär 2001 EP 7" EP Abuso Sonoro / AutorYellow Dog Records (ALE) hardcore
Pátria morta 2001 CD Álbum Antimídia Antimídia Music punk rock
A Vontade dos Iguais 2001 CD Álbum Autogestão COA punk rock
Blind Pigs 2001 CD/LP Álbum Blind Pigs Hearts Bleed Blue/Sweet Fu hardcore
Čad / Dischord 2001 EP 7" Split Čad / Dischord Gore Cult Prod/Undislessed hardcore
Pedras contra tanques 2001 CDR Demo Carne Moída Sem selo punk rock
Cólera - 20 Anos Ao Vivo 2001 LP/CD Álbum Cólera Devil Discos punk rock/ hardcore
Coletânea Lixeira Humana Vol.1 2001 K7 Coletânea Colisão Social/ Deser Jegue Records punk rock
Coraçao de Troia 2001 CD Álbum Dance Of Days Teenager In A Box, Pisces Re hardcore
Perpetuas Memorias Desde La Desolació 2001 EP 7" EP Dios Hastío / Septice Vicious Interference Record hardcore
Happy Night Electric Experience 2001 LP/CD Compilação Discarga 625 Thrashcore, Läjä Record hardcore
Tecnologia Para Quem? 2001 CD Álbum Dischord Shit Records hardcore
Uniformes negros 2001 K7/CDR Álbum Diskharte Sem selo punk rock
Escato / Execradores / Vala Negra / Pichi 2001 CD Split Escato / Execradores D.I.Y. Records, Active Distrib hardcore/ punk rock/ crust co
Coletânea Lixeira Humana Vol. 2 2001 CD Coletânea Esquizofrenia Jegue Records punk rock/ hardcore
20 Minutes De Chaos 2001 LP Álbum (mini) Execradores Maloka hardcore
111? 2001 CD Álbum (mini) Execradores Esperanza Records hardcore
Aviso Final 2001 EP 7" EP FDS, Ação Direta, Ces Sem selo punk rock/ hardcore
Disgracera 2001 CDR Álbum FHC (Fim da Humanid Sem selo hardcore/ grindcore
Correria 2001 CDR/MP3 Álbum FHC (Fim da Humanid Sem selo hardcore/ grindcore
Ciclo Vicioso 2002 EP 7" EP Foco Nocivo Sem selo hardcore/ grindcore
Working On The Title 2002 CD Split Garage Fuzz / Solea Highlight Sounds hardcore
Alfred Hitchcock Die Drie ??? Und Der Gr 2002 EP 7" Split Gmork/I Shot Cyrus Na Und?! Records(DE) hardcore
Vivos 2002 CD Álbum Grinders Ataque Frontal hardcore
Pelo ódio em todo o mundo 2002 CDR Álbum Histeria Coletiva Sem selo hardcore
The British Punk Classics Greatest Shits 2002 CD Compilação Holly Tree Silly Sally Records punk rock
Drunk Fools Vs. True Till 2002 CD Coletânea I Shot Cyrus / Merda Läjä Records(Espírito Santo) hardcore
Eu Tiro Cyrus/Diaspora 2002 EP 7" Split I Shot Cyrus/Diaspora Cospe Fogo Gravações hardcore
Estrépito 2002 EP 7" EP Infect Commitment Records hardcore
Infect/Discarga 2002 CD Split Infect/Discarga Seven Eight Life hardcore
Infect/Discarga 2002 CD Split Infect/Discarga Seven Eight Life hardcore
20 Anos Ao Vivo 2002 CD Álbum Inocentes RDS Fonográfica punk rock
Total Punk 2002 CD Split Juventude Maldita / RRebel Music Records punk rock
In Vino Veritas 2002 CD Álbum Lambrusco Kids Ataque Frontal punk rock
Alerta Geral 2002 CD Álbum Lixo Suburbano Sem selo punk rock
1º Festival SP Punk 2002 CD Coletânea Los Dingos/Deserdad Decontrol punk rock
Grindcorenoise 2002 CD Coletânea New York Against TheLatin Core Records (Equadornoisecore
Os Pé De Barro 2002 CD Coletânea New York Against TheRotthenness Records noisecore
Fire And Gasoline 2002 CD Álbum Nitrominds Deep Six Records hardcore
Something To Believe 2002 CD Álbum Nitrominds Dribbling To Infinite Records hardcore
O Inimigo 2002 CD Demo O inimigo Sem selo hardcore
Futuro? 2002 K7 Álbum Ódio Social Sem selo hardcore
Guia Prático De Como Se Expressar De Fo 2002 CD Álbum Overlife Inc. Sem selo hardcore
Guerras e religiões 2002 CD Álbum Papa Nikolau Sem selo punk rock
Urbanoise 3 2002 CD Coletânea Pátria Armada/AcromRotten Records hardcore
Heróis Suburbanos 2002 CDR Demo Phoda Fatal Sem selo punk rock
Aversão 2002 CDR Álbum Plague Rages Sem selo grindcore
Imposed Freedom... Conquered Freedom 2002 CD Álbum Point Of No Return Liberation/Catalyst Records( hardcore
Onisciente Coletivo 2002 CD Álbum Ratos de Porão Beat Generation hardcore/ crossover
Onisciente Coletivo 2002 CD Single Ratos de Porão Century Media hardcore/ crossover
A Long Cold Stare 2002 K7/LP/CD Álbum Rot Rødel Records/ Towerviolen grindcore
Ruido / Caido Ate O Osso 2002 EP 7" Split Ruido / Sick Terror Sin Fronteras Records hardcore/ grind core
43 Segundos 2002 EP 7" EP Sick Terror Na Und?! Records hardcore/ grind core
Aborto Legal 2002 EP 7" EP Sick Terror Terrötten Records hardcore/ grind core
Alienação? 2002 CDR Álbum Sistema Sangria Sem selo hardcore
Faster, Louder And Alive 2002 CD Álbum Street Bulldogs Thirteen Records hardcore
Faces Do Terceiro Mundo 2002 CD Coletânea Street Bulldogs/Dead Sem selo hardcore
Apocalipse 2002 CD Álbum Tropa Suicida Sonopresse hardcore
Estado De Guerra Civil 2002 CD/LP Álbum Agrotóxico Red Star Recordings /Dirty F hardcore
Ao vivo no Crusp 2002 K7 Compilação Cirrose Cerebral Sem selo punk rock
Coletânea Lixeira Humana Vol. 3 2002 K7/CDR Coletânea Colisão Social, Esquiz Jegue Records punk rock/ hardcore
Estupidez Nuclear 2002 CDR Álbum Condenados Sem selo punk rock
Mostweekendroadtripsareprettyspontan 2002 CD Compilação Dance of Days Teenager In A Box hardcore
Sem Remorso 2002 K7/CD/Mi Álbum Discarga Emancypunx Records/625 T hardcore
Que Venha Abaixo 2002 EP 7" EP Discarga Peculio Discos hardcore
Beauville 2002 CD Álbum Dominatrix Clorine Records punk rock
Beauville 2002 CD Álbum Dominatrix Clorine Records punk rock
PUNK ROCK 2002 CDR Demo Exaustores Sem selo hardcore
Cancoes De Batalha 2002 CD Álbum Flicts True Rebel Records punk rock
A Meta 2002 CD Álbum Full Heart Onelife Recordings hardcore
Garotozil De Podrezepam 2002 CD Álbum Garotos Podres Anti-Corpos D.I.Y. (PT) punk rock
Discografia Completa '97 -'01 2002 K7/CD Compilação I Shot Cyrus Recusar Registros(PL) hardcore
Tiranus 2002 LP/CD Álbum I Shot Cyrus Liberation/Läjä Records/625 hardcore
Indelével 2002 CD/LP Álbum Infect Seven Eight Life/625 Thrash hardcore
Infect/Wrecker 2002 CD Split Infect/Wrecker Kill You For A Dollar Records hardcore
Nascemos Pra Protestar 2002 CD Álbum Kaos 64 Devil Discos hardcore
La Motocyclette 2002 CD Álbum Lava Treze Registros hardcore
Concreto, lágrimas e sangue 2002 K7 Álbum Lokaut Revolução, agora! punk rock
Ao Vivo 2003 CD Compilação Nitrominds Treze Registros hardcore
67 Mins. de Injúria 2003 CDR Álbum Ódio Social Sem selo hardcore
Punk Rock Classics - Volume 1 2003 CD Coletânea Periferia S/A/ Lambru Ataque Frontal punk rock/ hardcore
Marcas Da Revolta 2003 LP/CD Split Rasta Knast/Agrotóxi Nasty Vinyl/Red Star Record hardcore
Ao Vivo No CBGB 2003 CD Álbum Ratos de Porão Pecúlio Discos hardcore/ crossover
36 Ensaios Anti-Imperialistas 2003 CD Coletânea Repulsão Explícita/Lif Peculio Discos hardcore
Compilação 2001-2003 2003 CDR Compilação Resistência Punk Sem selo punk rock
Nós voltamos novamente!!! 2003 CDR Álbum Revoltados Sem selo punk rock
Social Chaos / C.H.C 2003 LP Split Social Chaos / C.H.C Absurd Records, Bucho Disc hardcore
Unlucky Days 2003 CD Álbum Street Bulldogs Thirteen Records hardcore
Praguejando Para Sempre / Um Nada Ind 2003 EP 7" Split World Burns To Deat Terrötten Records hardcore
Zumbis Do Espaço X Grinders 2003 CD Split Zumbis Do Espaço X GAtaque Frontal punk rock
Quanta Cerveja 2003 CD Álbum 88 Não Rotten Records punk rock
O que somos é o que não devemos ser 2003 EP 7" Split Abravanel/Indexterit Sem selo hardcore
Revolta / Repudio / Confronto / Resistênc2003 LP/CD Álbum Ação Direta Epistrophy/DPG Records/Bo hardcore
Ação Direta / In The Shit 2003 CD Split Ação Direta / In The SBlind Destruction Records(U hardcore
Ação Direta / Shikari 2003 EP 7" Split Ação Direta / Shikari UPS/De Graanrepubliek (NL) hardcore
Ação Direta/Contrasto 2003 EP 7" Split Ação Direta/Contrast Peculio Discos hardcore
Coletânea Está cada vez mais perto 2003 CDR Coletânea Ácratas/Kome Mierd Sem selo hardcore
Third World Jihad 2003 LP/CD Split Agrotóxico/Flicts Dirty Faces hardcore
Desordem 2003 CDR Demo Anemia Sem selo punk rock
Suor, Cerveja E Sangue 2003 CD Compilação Blind Pigs Sweet Fury Records hardcore
Porcos Cegos 2003 CD EP Blind Pigs Sweet Fury Records hardcore
Ao Vivo No Hangar 110 2003 CD Álbum Calibre 12 53 Hardcore Company punk rock
30 minutos de Revolta 2003 CD Álbum Cirrose Cerebral Sem selo punk rock
Deixe a Terra em Paz! 2003 CD Álbum Cólera Devil Discos punk rock/ hardcore
The Best Of Cólera 2003 CD Álbum Cólera Dirty Faces punk rock/ hardcore
Lixeira Humana Vol. 4 2003 CDR Coletânea Colisão Social, Protes Kaskadura Distro punk rock/ hardcore
As Armas não matam a fome 2003 CDR EP Condenados Condenados Records hardcore
Condenados Ao Vivo em Mauá 2003 CDR Álbum Condenados Condenados Records punk rock
Eu Amo Desgraça... Por Isso Adoro Muito 2003 CD Álbum Cruel Face/Subcut Bucho Discos/Terrötten Rec hardcore/ grind core
A Valsa De Águas Vivas 2003 CD Álbum Dance Of Days Teenager In A Box, Voice Muhardcore
Split 2003 EP 7" EP Dominatrix, The Hagg Vida Loca Records punk rock
80 minutos de Abuso Sonoro 2003 CDR Compilação Abuso Sonoro Crust or die hardcore/ crossover
Dominatrix/The Haggard 2004 EP 7" Split Dominatrix/The Hagg Vida Loca Records punk rock
Correria 2004 CDR Álbum Fim da Humanidade CSem selo hardcore/ grind core
Forgotten Boys / Motosierra 2004 CD Split Forgotten Boys / Mot Thirteen Records punk rock
Punk rock [cdr demo - 2004] 2004 CDR Álbum Geração Suburbana Sem selo punk rock
Anytime, Anywhere 2004 EP 7" EP Holly Tree Headline Records punk rock
Labirinto 2004 CD Álbum Inocentes Ataque Frontal punk rock
Germinal 2004 CD Álbum Juventude Maldita Rebel Music Records punk rock
Cheiro de sangue 2004 CD Álbum Kolapso 77 Ataque Frontal punk rock
Cretinos Não Dançam 2004 CD Álbum Kretinos 74 Ataque Frontal punk rock
Mihoen! / A Nova Escoria 2004 EP 7" Split Mihoen! / Sick Terror UPS hardcore
Start Your Own Revolution 2004 CD Álbum Nitrominds Rocktypen/Thirteen Records hardcore
Invencível 2004 CD Álbum No Violence Cospe Fogo Gravações hardcore
Vira-Latas - Tributo Ao Cólera 2004 CD Coletânea o Direta, Condutores Gravações Sem Qualidade punk rock
.ab initio 2004 CD Álbum Overlife Inc. Nitroala Records hardcore
Atentado Sonoro 2004 CD Álbum Presto? Pecúlio Discos hardcore
Resista 2004 CD Álbum Questions Spidermerch/53HC Records hardcore
Submundo 2004 CDR Álbum Revoltados Sem selo punk rock
Split EP 2004 EP 7" Split Rot, Wojczech Absurd Records, Fuck It All R hardcore
Só Me Resta O Ódio 2004 CD Compilação Sick Terror Teenager In A Box Records/ hardcore
Re-Monsters 2004 EP 7" EP Sick Terror Blindead Productions/Mych hardcore
Vida Mediocre 2004 EP 7" EP Sick Terror Undislessed Records hardcore
Eu Me Vendo Por Bem Menos Do Que Vo 2004 LP/CD Álbum Sick Terror Terrötten Records/Usina De hardcore
Live At Hangar 110 - Sao Paulo - Brazil - N 2004 LP Split Skräck / F.D.S. Rødel Records hardcore
Tornado Reaction 2004 CD Álbum Street Bulldogs Thirteen Records hardcore
Tell me tell me 2004 CDR EP Sweet Suburbia Sem selo punk rock
Do Outro Lado Do Rio 2004 CD Álbum 365 Unimar Music punk rock
Amizade Lealdade e Igualdade 2004 CD Álbum 88 Não Rotten Records punk rock
Abecedário Punk Hardcore Vol. 2 2004 CDR Coletânea Aflição, Bisk8, Colisão Acintoso Records hardcore
Abecedário Punk Hardcore Vol. 1 2004 CDR Coletânea AK-47, Barricadas, Cé Acintoso Records hardcore
Panico/Rock Europeu 2004 EP 7" Split As Mercenárias/Fellin Soul Jazz Records (UK) punk rock
Programada a autodestruição em massa 2004 CDR Álbum Atos de Vingança Sem selo punk rock
Ao Vivo Em Brasilia 2004 DVD Split Calibre 12/ Lobotomi Sem selo punk rock/ hardcore
Vão se foder 2004 CDR Álbum Condenados Condenados Records punk rock
Demo 2005 2004 CDR EP Contra Cultura Sem selo hardcore
Lírios Aos Anjos 2004 CD Álbum Dance Of Days Sem selo hardcore
Olhos para não ver 2004 CDR EP Foco Nocivo Sem selo hardcore
Stand By The D.A.N.C.E. 2004 CD Álbum Forgotten Boys Stand By The D.A.N.C.E. punk rock
The Morning Walk 2004 CD Álbum Garage Fuzz Thirteen Records hardcore
Gritos De Alerta / Sick Terror 2004 EP 7" Split Gritos De Alerta / Sic UPS hardcore
Assassinicus 2004 CD Álbum I Shot Cyrus Liberation/Roots Surge hardcore
I Shot Cyrus / Discarga 2004 LP Álbum I Shot Cyrus / Discarg Peculio Discos hardcore
I Shot Cyrus / Discarga 2004 LP Split I Shot Cyrus / Discarg Pecúlio Discos hardcore
Live in Hellario Rock Bar 2004 CDR Compilação Infernal Nöise Sem selo noisecore
Maluf nunca mais 2004 CDR Álbum Infernal Nöise Sem selo noisecore
Kriegstanz / Hate The Police 2004 EP 7" Split Kriegstanz / I Shot Cy Peculio Discos/UPS(NE) hardcore
Jogos & Trapacas 2004 CD Álbum Lambrusco Kids Ataque Frontal punk rock
Manifestação 2005 CDR Álbum Condenados Condenados Records punk rock
Não, Obrigado! 2005 CD Álbum Lixomania MNF Brazil punk rock
As Mercenárias – Brasilian Post-Punk 198 2005 LP/CD/K7 Compilação Mercenárias Soul Jazz Records punk rock
Morte Asceta/D.E.R. 2005 CD Split Morte Asceta / D.E.R. Pecúlio Discos hardcore
Youkillusweovercome 2005 CD Álbum Paura Caustic Recordings, One Voi hardcore
Proletário Traído II 2005 CDR Demo Pé Sujus Sem selo punk rock
Proletário Traído 2005 CDR Demo Pé Sujus Sem selo punk rock
Periferia S.A. 2005 CD, LP Álbum Periferia S.A. Dirty Faces, Ataque Sonoro, punk rock/ hardcore
Punk Rock - Distorção E Resistência 2005 CD Coletânea Phobia Punk Rockers/DMNT punk rock
Eu quero beber cerveja!! 2005 CDR Álbum Revoltados Sem selo punk rock
Sickterror / HTGKill 2005 CD Álbum Sickterror / HTGKill Usina De Sangue Records hardcore
Massacre Humano 2005 CD Álbum Ação Direta Red Star Recordings hardcore/ crossover
Hardcore 3ª Mundo 2005 CD Álbum Atroz Red Star Recording hardcore
Underground 2005 CD Álbum Calibre 12 53 Hardcore Company punk rock/ hardcore
Fuckkk The System! 2005 MP3, EP, EP Calibre 12 Sem selo punk rock/ hardcore
Primeiros Sintomas 2005 CD Álbum Cólera Devil Discos punk rock/ hardcore
Fui Punk... 2005 CD Álbum DZK Sem selo punk rock
Amanhã Mais Ou Menos Um Dia? 2005 K7 Álbum Espanto Plebe Records, Fat Grinder hardcore
Amanhã Mais Ou Menos Um Dia? 2005 K7 Álbum Espanto Plebe Records, Fat Grinder punk rock/ hardcore
F.O.M.I. vs Derci Gonçalves 2005 CDR Split F.O.M.I. vs Derci Gon Sem selo hardcore
Homem de Lata - Vol 2 2005 CD Álbum Full Heart Onelife Recordings hardcore
Split CD 2005 CD Split Garotos Podres/AlberAnti-Corpos D.I.Y./Zerowork punk rock
Violência sonora 2005 CDR Álbum Herdeiros do Ódio Sem selo hardcore
Tanto faz 2005 CDR Demo Irmã Talitha Sem selo hardcore
Cada um em dois 2005 CD Álbum O Inimigo Sem selo hardcore
Sem Espaço na Terra 2005 CDR Coletânea Pé Sujus e outras ban Nadrebor Distro punk rock
Sem Medo A Morrer Pra Viver 2005 CD Split Phobia/Mortos En Vi UHP Distro (ESP) punk rock
Heróis Ou Rebeldes 2005 CD/LP Álbum Porcos Cegos (Blind P Hearts Bleed Blue/Sweet Fu hardcore
Homem Inimigo Do Homem 2005 CD Álbum Ratos de Porão Alternative Tentacles Recordhardcore/ crossover
Habbemus Pappa / Rest In Peace 2005 EP 7" Split Sick Terror / Repulsio Ear Raper Records/Stress To hardcore
Sick Terror / The Gentle Art Of 2005 EP 7" Split Sick Terror / The Gen Abuse Records/Shogun Recohardcore
Libertação 2005 LP/CD Álbum Agrotóxico Red Star Recordings/Dirty Fahardcore
Gig Records 2005 CD Álbum Biggs The Cinderellas hardcore
Holocausto Brasileiro 2005 MP3 Coletânea Infectos/Geração Ofe Sem selo punk rock/ hardcore
Lixo Atômico 2005 CDR Álbum Lixo Atômico Sem selo hardcore
Inferno Na Terra 2006 CD Split DFC / Presto? Pecúlio Discos hardcore
Ocupar E Resistir 2006 CD Álbum Fecaloma Niilismo Atacado E Varejo Fupunk rock
Nós nos importamos 2006 CDR Coletânea Fertil Miseria/Parasit AAARGH!!! CAEC punk rock/ hardcore
Complete Discography 1998-2003 2006 CD Compilação Infect 625 Thrashcore hardcore/ crossover
Irmã Talitha 2006 CDR EP Irmã Talitha Sem selo hardcore
Chaos Day 2006 CD Coletânea Luta Armada, Herdeir Casa Punk Records punk rock/ hardcore
Verge Of Collapse 2006 CD Álbum Nitrominds Übersee Records/Dynamo R hardcore
D-Beat War 83 2006 CDR/K7 Compilação Nuclëar Fröst Morbid Massakre d-beat
Reverse The Flow 2006 CD Álbum Paura Liberation, Spidermerch hardcore
Coturnada Suburbana 2006 CDR Split Pé Sujus/ 3-Way Feio Distro punk rock
Entre os muros 2006 CD Álbum Plebeus Urbanos Absurd Records, Plebe Reco hardcore
Fight For What You Believe 2006 CD Álbum Questions Liberation hardcore
Rebeldia Incontida/The Drunk 2006 CDR Split Rebeldia Incontida/T Sem selo punk rock
Pobre Natureza 2006 CD/ LP Álbum Skarnio Absurd Records hardcore
Sweet Suburbia - Demo 2007 2006 CDR Demo Sweet Suburbia Sem selo punk rock
1987 - 2007 2006 CD Compilação 365 Voice Music punk rock
Sinfonia da desgraça 2006 CD Coletânea Abravanel/Derci Gon Sem selo hardcore
Diabolus In Lula 2006 CD Álbum Atroz Red Star Recording hardcore
Colisão Social 2006 CD Álbum Colisão Social Sem selo punk rock
Quando A Esperança Desaba 2006 CD Álbum D.E.R Everydayhate/Goressimo Re hardcore
Insônia 2008 2007 CD Álbum Dance Of Days Travolta Discos hardcore
Heriditas 2007 CD/LP Álbum Desalmado Greyhaze Records hardcore
Música Pra Guerra 2007 LP/CD Álbum Discarga Refuse Records/Thrashbastahardcore
Rompendo Fronteiras 2007 CDR Coletânea Espanto, Psicultura, P Sem selo punk rock/ hardcore
Eu sou esquizofrênico 2007 CDR Álbum Esquizofrenia Sem selo punk rock/ hardcore
My head doesn't support more 2007 K7 Demo Fate To Hate Sem selo hardcore
10 anos de FHC 2007 CDR Compilação FHC (Fim da Humanid Sem selo hardcore/ grind core
Louva-a-deus 2007 CD Álbum Forgotten Boys Forgotten Boys Records punk rock
Hardcore Sem Frescura 2007 CDR Álbum Geração Ofensiva HC / Geração Produções punk rock/ hardcore
Hzero / Discarga 2007 EP 7" Split Hzero / Discarga Mindless Mutant Records hardcore
O Cérebro É Uma Bomba-Relógio, O Cére 2007 CD Álbum Invasores De Cérebro Rebel Music Records hardcore
Quem De Medo Corre, De Medo Morre 2007 CD Split Juventude Maldita, Fi Rebel Music Records hardcore
Pode Vir Me Internar 2007 CD Álbum Ketamina Ataque Frontal punk rock
Extinção 2007 CD/LP Álbum Lobotomia Red Star Recordings, Voice hardcore
Santificado seja o nosso câncer... 2007 CDR Coletânea Noituus/MelanocetusSem selo hardcore
Winter Bombs 83 2007 CDR Demo Nuclëar Fröst D-Beat Crow Records hardcore/ d-beat
Na Derrocada 2007 CDR Álbum Ódio Social Sem selo hardcore
Início do Fim 2007 CDR Álbum Início do Fim Sem selo punk rock
Genocídio Urbano 2008 CD Álbum Patria Armada Punxx Cat Records/Endless Bhardcore
O melhor das demos - 2005-2007 2008 CDR Compilação Pé Sujus Feito Distro punk rock
Pobrema di Nelvo 2008 CDR Demo Pobrema di Nelvo Sem selo hardcore
1984 2008 CDR Álbum Praia de Vômito Sem selo hardcore
A France/Brazil Split 2008 CDR Split Roger Moore/Praia D Sem selo hardcore
Paranoia day by day 2008 CD Álbum Sweet Suburbia Sem selo punk rock
Quebre O Silêncio 2008 EP 7" Split Agrotóxico/Rawside Break The Silence hardcore
Autoresistencia/Praia De Vômito - Split 2008 CDR Split Autoresistencia/Praia Sem selo hardcore
Busscops/Defect Defect 2008 CD EP Busscops/Defect Def Sweet Discos hardcore
Destruição Total I 2008 CD Coletânea Condenados e? Condenados Records punk rock
Corona Australis / Um Triângulo Em Palo 2008 CD Split Dance of Days, Coron Hearts Bleed Blue, Zona Pun hardcore
Dinheiro não traz felicidade... 2008 CDR Split Dinheiro não traz feli Sem selo punk rock
Quem Defende Pra Calar 2008 CD EP Dominatrix Sem selo punk rock
666% Jesus 2008 CDR EP FHC (Fim da Humanid Sem selo hardcore/ grindcore
Massacre Capêtalista 2008 CD Álbum FHC (Fim da Humanid Sem selo hardcore/ grindcore
Punk all Punk 2008 MP3/CDR Coletânea FHC/ARROTO(RJ)/CABSem selo hardcore/ grindcore/ d-beat
Massacre Capetalista 2008 CD Álbum Fim da Humanidade CUnião E Resistência Records hardcore/ grindcore
Definitively Alive 2008 CD Álbum Garage Fuzz Ideal Records/Flame Discos hardcore
Jus ao kaos 2008 CDR Demo Holocausto Sonoro Sem selo hardcore
Kob 82/Drullis 2008 CDR Split Kob 82/Drullis Sem selo punk rock/ hardcore
Chaoz Day Vol. 2 2008 CD Coletânea Luta Armada/Estado Casa Punk Records hardcore
Nuclëar Fröst / Secret Sect 2008 CDR EP Nuclëar Fröst / SecretEndless Agony/Morbid Mass hardcore/ grindcore/ d-beat
Contra Cultura 2009 2008 CD Coletânea Os Corsarios, Horda P Contra Cultura 2009 punk rock
O Pior do Eu 2008 CD Álbum Overlife Inc. Sem selo hardcore
Rock di Pobre 2008 DVDR Video/Entrevi Pé Sujus Feio Distro punk rock
Cético, Séptico... Distópico... 2008 CDR Álbum Praia de Vômito Sem selo hardcore
Comportamento Macabro 2008 CD Álbum Presto? Läjä Records/Pisces Records hardcore
Sem ninguem por nós 2008 CDR Álbum Prisão Sem Muros Dançando no Escuro Record hardcore
Rise Up 2008 CD CD Questions Seven Eight Life hardcore
Reiketsu 2008 CDR Demo Reiketsu Sem selo hardcore
Reação Feminina 2008 CD Álbum Sub-Traidas/Lolittas/ Plebe Records punk rock
Underground Até Os Ossos! Fanzine Kask 2009 MP3 Coletânea Atos De Vingança, Au Kaskadura Distro punk rock/ hardcore
Esperando acontecer 2009 CD Álbum Autogestão Sem selo punk rock
Disco Preto 2009 CD Álbum Dance Of Days Sem selo hardcore
Ruinas 2009 CDR Split Despues de Muerto/RSem selo hardcore/ d-beat
Dispepsiaa/Göz yumanlar daha mı az suçl 2009 EP 7" Split Dispepsiaa/Sakatat Sem selo hardcore/ d-beat
Dispepsiaa/Violent Gorge – split 2009 EP 7" Split Dispepsiaa/Violent G Sem selo d-beat
Legado dos democratas 2009 CDR EP Escarro Verbal Sem selo hardcore
Irmã Talitha - Ao Vivo no estúdio 2009 CDR Compilação Irmã Talitha Sem selo hardcore
Jardim exausto 2009 CDR Álbum Macgyver The Animal Sem selo hardcore/ d-beat
Jardim Exausto 2009 CDR Demo Macgyver The Animal Sem selo hardcore/ d-beat
Bazar dos milagres 2009 CD Álbum Menstruação Anárqu Sem selo punk rock
Minoria Positiva - Demo 2009 CDR Demo Minoria Positiva Sem selo hardcore
Kill Emo All 2009 CD Álbum Nitrominds Nitroala Records hardcore
Nuclear Winter Gloom 2009 CD Álbum Nuclëar Fröst Barricade Discos/Akracia Re hardcore/ d-beat
Winter Bombs 83 / D-Beat War 83 2009 K7 Compilação Nuclëar Fröst Witchhammer Production hardcore/ d-beat
European Tour 1999 (Making Punk A Thre2009 CD Compilação Olho Seco Gravações Sem Qualidade/Ohardcore
History Bleeds 2009 CD Álbum Paura Travolta Discos hardcore
...Estamos Unindo Nossas Forças Para De 2009 CD Split Pé Sujus / Amnésia C Corsário Discos, Plebe Recor punk rock/ hardcore
Mondo favela... (ou o povo do abismo...) 2009 CDR Álbum Praia de Vômito Sem selo hardcore
Looking For An Answer - Ratos De Porão 2009 CD Álbum Ratos de Porão Beat Generation, Peculio Dishardcore/ crossover
Noise of War 2009 K7 Coletânea Sobibor/Nuclëar Frös Mpds-Colombia (CO) hardcore/ d-beat
Bootleg Satwa Bordô 2009 MP3 Álbum Atos de Vingança Sem selo punk rock/ hardcore
Unindo Forças - Traços da Sociedade Des 2009 CDR Coletânea Atos de Vingança/Irm No War Distro punk rock/ hardcore
Tiros No Escuro 2009 EP 7" EP Blind Pigs Sweet Fury Records/Zona Puhardcore
Desigualdade Social 2009 CDR Álbum Condenados Condenados Records punk rock
Arquivos Mortos Vivos 2009 CD EP Dance of Days Teenager In A Box hardcore
Oitão 2009 CD Álbum Oitão Voice Music hardcore/ crossover
A Dança Das Estações 2010 CD Álbum Dance Of Days Pisces Records, Zona Punk, Fhardcore
Taste It 2010 CD Álbum Forgotten Boys ST2 Records punk rock
Geração 666 Apresenta - Brasil Bands Att 2010 MP3 Coletânea Galinha Preta/ Mastu Sem selo punk rock/ hardcore
Fase Adulta 2010 CD Álbum Gritando H.C Pisces Records hardcore
Aliança Libertária 2010 CD Coletânea Guerra de classes/RN Sem selo hardcore/ crustcore
Selva de Pedra 2010 CDR Álbum Início do Fim Sem selo punk rock
ÊRA 2010 CDR Coletânea KOB 82/3º Mundo/CoSem selo punk rock/ hardcore
Looking For A Hero 2010 CD Álbum Nitrominds Hearts Bleed Blue/Fusa Recohardcore
7 anos de pedreragem 2010 DVDR Vídeo Pé Sujus Feio Distro punk rock
Isso é Pé Sujus - Ao Vivo 2010 CDR Compilação Pé Sujus Feio Distro punk rock
Hey Punk Vol.3 2010 CDR/MP3 Coletânea Plebeus Urbanos/Cau Sem selo punk rock/ hardcore
Life Is A Fight 2010 CD/EP 7" Álbum Questions Seven Eight Life hardcore
Retaliador / Nuclëar Fröst 2010 CDR Split Retaliador / Nuclëar FSalute Records(CH) grindcore
Rawpunk existence split tape 2010 K7 Split Sob-Conflito/Barräka Sem selo hardcore/ d-beat
O Mudo Mundo Com A Nossa Voz 2010 LP Álbum Tuna No Gods No Masters punk rock
Johni vive - Brazilian Antifascist Compilati 2010 CD Coletânea Última Classe/Excom Corsários Discos/Rebel Musi punk rock
Aberrant/ D.E.R. 2010 LP/CD Split Aberrant/ D.E.R. Criminal Attack Records/Eve hardcore
World Freak Show 2010 CD Álbum Ação Direta Purgatorius Records/Spider hardcore/ crossover
Demos 1993-2005 2010 CD Compilação Blind Pigs Zona Punk/Sound Of Fish hardcore
Sistema trabalho 2010 CDR Álbum Delito Anti-Social Sem selo punk rock/ hardcore
Destruição Total II 2010 CD Coletânea Delito Anti-social, He Sem selo punk rock/ hardcore
Desalmado 2011 CD Álbum Desalmado Registros Greyhaze hardcore
St / No Fundo Do Posso 2011 EP 7" Split Distanásia/Reiketsu Contra-mão Records/Contra hardcore
Estado Alterado HC - Demo 2012 2011 CDR Demo Estado Alterado Sem selo hardcore
Warm & Cold 2011 CD EP Garage Fuzz Sem selo hardcore
This Is Santos Not S.P 2011 CD Coletânea Glorious Bonds / Laru Caustic Recordings hardcore
Ao vivo no Centro Anarquista Ação Direta 2011 MP3 Coletânea KOB 82/3º Mundo/CoSem selo punk rock/ hardcore
Gritos de Horror 2011 CDR Demo Nosso Ódio Irá Atacar Sem selo crustcore/ d-beat
Anti-Christ/Anti-Nazi 2011 LP/CD Álbum Nuclëar Fröst Akracia Records/Terrötten R grindcore
O Cúmplice 2011 EP 7" EP O Cúmplice Gods No Masters, Rock hardcore/ crossover
Imaginario Absoluto 2011 MP3/CDR Álbum O Inimigo Peculio Discos hardcore
Facción Terrorista Ódio Ao Sistema 2011 CD Split Ódio Social / Sistema Sistema/ Ódio Social / hardcore
Facción Terrorista/ Ódio Ao Sistema 2011 CD Coletânea Ódio Social/Sistema S Resistência Records/Bucho hardcore
Integrity Dept. 2011 CD EP Paura Fuckitall Records hardcore
Rage Through Integrity 2011 CD EP Paura (3) & ClearviewHearts Bleed Blue, Travolta hardcore
EP ao vivo Carnificina Fest 5 2011 MP3 EP Pobrema di Nelvo Sem selo d-beat
O Super Homem de Bombeta vai Matar A 2011 CDR/MP3 Álbum Pode Pá Sem selo hardcore
Post Atomïc Dogs 2011 CDR Demo Post Atomïc Dogs Sem selo hardcore/ d-beat
No Money No English 2011 CD Compilação Ratos de Porão F.O.A.D. Records, Bruak! Rechardcore/ crossover
Ao vivo no Nimbus Studios 2011 CD/ Strea EP Subversilvas Sem selo crossover/ hardcore
Bica na cara 2011 MP3 Álbum Surra Sem selo hardcore
Choque de Cultura 2011 CDR Álbum Geração subúrbio Sem selo punk rock
The animal liberation is not fashion, is jus 2011 CDR Álbum Corre Que Jesus Volt Sem selo hardcore/ crossover
Consciente 2011 CDR Álbum Geração Suburbana Sem selo punk rock/ hardcore
O Destino 2012 CD Álbum 365 Radar Records punk rock
XX 2012 LP/CD/M Álbum Agrotóxico Productions/Break The hardcore
Ganância Irracional Extinção Inevitável 2012 EP 7" Álbum Armagedom Absurd Records hardcore/ crossover
Desgraça Sonora #1 2012 CD Coletânea Armagedom/ReiketsuTeenager In A Box hardcore/ crossover
Brazilian Underground Force 2012 CDR Coletânea Artigo Dz9?, Post Ato Records/Subverta! Dïströ hardcore
Que a chama nunca se apague 2012 CDR Álbum Atos de Vingança Sem selo punk rock/ hardcore
Sentinela Dos Mares 2012 EP 7" EP Blind Pigs Records/Contra hardcore
Capitânia 2012 CD/LP/CD Álbum Blind Pigs Fish/Pirates Press Records hardcore
Calibre 12 2012 CD Álbum Calibre 12 Casa Punk Records punk rock
Constrito 2012 EP 12 " EP Constrito Black Embers Records hardcore
Na Estrada 2012 CD, EP EP Dance of Days Hearts Bleed Blue hardcore
50 Tons de Fúria 2012 CD Coletânea Diskarrego/Seek Terr Hard Kiss d-beat
Sob Controle 2012 CD Álbum Inocentes Substancial Music punk rock
O massacre continua 2012 CDR EP Küiproküó Sem selo crustcore/ d-beat
Küiproküó 2012 CDR Demo Küiproküó Sem selo crustcore/ d-beat
Chaoz Day 2013 2012 CD Coletânea Luta Armada, Maldita Casa Punk Records hardcore
O Cúmplice / Gracias Por Nada 2012 EP 7" Split O Cúmplice / Gracias Kafäca Distro/ Black hardcore
Alma Seca 2012 CD Álbum Protesto & Fúria Sem selo hardcore/ crossover
Out Of Society 2012 EP 7" EP Questions Seven Eight Life hardcore
Ratas Rabiosas 2012 CD Demo Ratas Rabiosas Sem selo punk rock
Cinza 2012 CD Álbum Reiketsu Records/Cipreste Negro hardcore
Modern Man Suicide 2012 K7 Álbum Rot Purgatorius Records grindcore
Ódio E Resistência!!! 2012 CD/MP3 Álbum Sick Terror Spidermerch hardcore
Bem-vindo ao nosso velho mundo novo 2012 CD Álbum South America Voices Equivoxx Records hardcore
Do Kaos à Utopia 2012 CD Álbum Sub-Existência Sem selo hardcore
EP 2013 2012 CD/ Strea EP Subversilvas Sem selo crossover/ hardcore
Dupla Face 2012 LP Álbum Tuna No Gods No Masters punk rock
95/96 2012 EP 7" EP Ulster Terrötten Records hardcore
Não se Renda 2013 CD Álbum Útero Punk Sem selo punk rock
Ódio Social 2013 EP 7"/K7 EP Ódio Social Purgatorius Records / hardcore
Singelos Confrontos 2013 CD/LP Álbum Flicts The Silence Records, Mass punk rock
Hardcore marginal 2013 CDR Álbum Agaglock Sem selo hardcore
Meninas Para Frente / Wütend Überzeug 2013 K7/ EP 7" Split Anti Corpos, Respect Sem selo punk rock/ hardcore
Contra Ataque 2013 EP 7" EP Anti-Corpos Emancypunx Records, No Gohardcore
Raw Till Death 2013 CDR Split Atos De Vingança / D Gritos De Revolta Distro punk rock/ hardcore
Raw Till Death 2013 CDR/EP Split Atos De Vingança, DiaGritos De Revolta Distro punk rock/ hardcore
Punk uma liberdade de escolha 2013 CD Coletânea Condenados/Vozes d Condenados Records punk rock
Não Maltrates Teu Coração 2013 EP 7"/ CD EP Dance of Days Hearts Bleed Blue hardcore
O Melhor Tempo De Sua Vida 2013 CD, EP EP Dance of Days Hearts Bleed Blue hardcore
Estado Escravo 2013 CD EP Desalmado Greyhaze Records/Peculi hardcore
Uma Discografia Punk D.I.Y. 2013 CD Compilação Desnutrição Gritos De Revolta Distro/Thardcore
Cadaveric! 2013 CDR Álbum Dispepsiaa Sem selo d-beat
Meus dilemas 2013 CD Álbum Excluídos Sem selo punk rock
Outside Of Society 2013 CD Álbum Forgotten Boys Rastrillo Records(AR) punk rock
Daylight 2013 K7 Álbum Garage Fuzz Outprint hardcore
Contra os Coxinhas Renegados Inimigos d 2013 CD Álbum Garotos Podres/AlberSem selo punk rock
Saúde E Trabalho 2013 CD Álbum Garotos Podres/AlberSem selo punk rock
Faces marcadas 2013 MP3 Álbum Herdeiros do Ódio Sem selo punk rock/ hardcore
Resistencia Antifascista 2013 EP 7" EP Juventude Maldita Rebel Music Records punk rock
Propaganda pelo ato 2013 CD/LP/M Álbum Kob 82 Red Star/Grüße aus der Mül punk rock
Pra não dizer que não falei das guerras 2013 CDR EP Küiproküó Sem selo d-beat
Buracos Suburbanos Vol. 1 2013 LP Coletânea Luta Armada, RepressCasa Punk Records hardcore
Nuclear Frost 2013 EP 7" EP Nuclëar Fröst Sem selo d-beat
Tameless 2013 CD Álbum Paura Sem selo hardcore
Fé + Fé = Fezes 2013 CD Álbum Periferia S.A. Red Star Recordings, Voice punk rock/ hardcore
De Saco Cheio De Tudo Isso... 2013 EP 7" EP Periferia S.A. Rastilho Records hardcore/ d-beat
Útero Punk-Mulheres em Perigo 2013 CD Coletânea Ratas Rabiosas, Rebel Sem selo punk rock
Século Sinistro 2013 CD Álbum Ratos de Porão Bruak! Records, Red Star Re hardcore/ crossover
O Suplicio / Auto-Destruição 2013 EP 7" EP Reiketsu Matéria Negra Discos/Cipreshardcore
Ainda Respira! 2014 CD Coletânea Salário Minimo/Blues Gatos & Alfaces punk rock/ hardcore
O Que Há Para O Futuro? 2014 CDR Álbum Sub-traídas Gritos De Revolta Distro/Ple punk rock
O Que Há Para O Futuro? 2014 CDR Álbum Sub-traídas Gritos De Revolta Distro, Ple punk rock
Subversilvas (debut) 2014 streaming EP Subversilvas Rotthenness Records crossover/ hardcore
Chocolate suiço e gatorade 2014 MP3 Single Surra Sem selo hardcore
Surrinha 2014 MP3 Single Surra Sem selo hardcore
Patada de Gorila - Bootleg Oficial 2014 MP3 Compilação Surra Sem selo hardcore
Vozes Incômodas 2000-2013 2014 K7 Compilação Vozes Incômodas Obsolete Productions punk rock
A 7 palmos 2014 CD Demo We Are Sick Sem selo hardcore
Ideologicamente Perigosos 2014 LP Split Execradores, Metrop No Gods No Masters hardcore
Ao Vivo No Zapata 2014 K7 Álbum Agathocles / Cruel Fa Contra Boots grindcore
Forma Pratica De Luta 2014 EP 7" EP Anti-corpos No Gods No Masters, Emanchardcore
Besta / O Cúmplice 2014 EP 7"/ CD Split Besta / O Cúmplice Ragingplanet, Black Embers hardcore
Karaoke Kaos 2014 EP 7" Compilação Blind Pigs Hearts Bleed Blue hardcore
Linha De Frente 2014 CD/EP 7" EP Blind Pigs Linha De Frente crustcore/ d-beat
There Will Be Blood / The Victory 2014 CD Split Brothers In Blood / Q Years Of Pain hardcore
E O Caos Continua... 2014 CD Coletânea Condenados, Lixo SubSem selo punk rock
Smash, Kill and Erase 2014 K7, AlbumEP Cruel Face/Subcut Harakiri Tapes (CL) hardcore/ grindcore
Acontece Agora 2014 CD, EP EP Dance Of Days Hearts Bleed Blue hardcore
Warmargeddon 2014 CD Álbum Extremamente irritan Sem selo hardcore
Sonhos Corrompidos 2014 CD Álbum Flicts Red Star Recordings/Break T punk rock
Fast Relief 2014 CD Álbum Garage Fuzz Sem selo hardcore
Holocausto / Atos De Vingança 2014 CDR/ EP Split Holocausto / Atos De Mochila Records/ No War R punk rock/ hardcore
Demo 1983 2014 EP 7"/K7 EP Mercenárias Nada Nada Discos/ Dama Dapunk rock
Pobre Povo 2014 CD Álbum Oitão Red Star Recordings hardcore/ crossover
Mar Negro 2014 MP3 EP Os Mandriões Sem selo punk rock
Vamos quebrar tudo e construir de novo! 2014 CD EP Pé Sujus / Amnésia C Sem selo punk rock/ hardcore
Ninguém sai vivo daqui 2014 CD/MP3 Álbum Protesto & Fúria Sem selo hardcore
Pushed Out ... Of Society 2014 LP/CD Álbum Questions Pushed Out ... Of Society/To hardcore
Tiempos de Odio 2014 CD Álbum Rot Spreading The Hardcore Rea grindcore
Somos Todos Culpados 2014 EP 7" EP Surra Seein’ Red Records/Caustic hardcore
Otomanos 2014 EP 7" Split TEST/D.E.R. Nerve Altar/Cospe Fogo Gra hardcore
Whipstriker/Nuclëar Fröst/Infamous Glor 2014 EP 7" EP Whipstriker/Nuclëar Inverted Inhumation Record d-beat
Estilo Compadre 2014 EP 7" Split X-torsion/Cruel Face 3 Kicks Records/Grind Your hardcore
Againe, Garage Fuzz 2014 EP 7" EP Againe, Garage Fuzz Anda Anda Discos/Spicoli Di hardcore
Älä Kumarra 2014 CD/MP3 EP Älä Kumarra Sem selo hardcore/ grindcore
Barbárie Epidêmica 2014 EP 7" EP Armagedom / Nuclëa Extreme Noise Discos/Insan hardcore/ d-beat
Coletanea Punk ... E O Caos Continua Vol 2014 CD Coletânea Bomba no porão/Sub RG Records hardcore
Ways To Grind 2014 CD Coletânea Cachorro Da Duença/ Postitive Noise Records/Cab hardcore/ crustcore
Jovens Mortos... 2014 CD/ LP Álbum Ódio Social Red Star Recordings/ Abekei hardcore
Demo Tape 2002 2015 K7 Demo O Inimigo Outprint hardcore
Cruel Face / Disturbance Project 2015 EP 7" Split Cruel Face / Disturba Mono Canibal/Grind Your M hardcore
Amor-Fati 2015 CD Álbum Dance Of Days Hearts Bleed Blue hardcore
In Grind We Trust 2015 CD Split Desalmado + HomicidBlack Hole Productions hardcore
Fear Of The Future 2015 LP Álbum Fear Of The Future Grind Your Mind Records/M hardcore
Comfortable Moments 2015 LP Compilação Garage Fuzz Anda Anda Discos/Spicoli Di hardcore
Ecce Homo 2015 LP Álbum Katastrofe social Extreme Noise Discos hardcore
Desastre 2015 CD Álbum Lobotomia Vingança Music hardcore
Demo 1984 2015 LP Demo Lobotomia Nada Nada Discos, Spicoli Di hardcore
Correntes Da Tirania | Cadenas De La Tira 2015 CD Split Nosso ódio irá atacar Cemitério Records/Derange hardcore
Helvetin Viemärit / Nuclëar Fröst 2015 CD Álbum Nuclëar Fröst Kruaca Records/Positive Noi d-beat
Catarse 2015 MP3 EP Ravel Sem selo hardcore
Ninho De Harpia 2015 CD Álbum Reiketsu Hunter Records/Matéria Ne hardcore
Tamo na merda 2015 CD Álbum Surra Sem selo hardcore
A porra pegou! Ao vivo em Belém 2015 CD Compilação Surra Sem selo hardcore
Grão 2015 LP Álbum Tuna/ Renagades og No Gods No Masters punk rock
Preto, Vermelho e Subversivo 2015 CD/MP3 Coletânea Última Classe, A FerraSem selo punk rock/ hardcore
Weirduo 2015 CDR Demo Weirduo Sem selo punk rock/ hardcore
Aqui se faz, Aqui se paga 2015 CD/MP3 EP A Hora da Clava! Sem selo hardcore
AI-5 2015 CD Álbum AI-5 Baratos Afins punk rock
Alto nível de insanidade 2015 MP3 Álbum Alto nível de insanida Sem selo hardcore
Não vamos arregá!!! 2015 MP3 Álbum Aparelho Sem selo punk rock
Guerra War Krieg Jihad 2015 CD Álbum Atroz Red Star Recording hardcore
Cara de Puta 2015 MP3 Single Charlotte Matou um Sem selo punk rock/ hardcore
A rua é um campo de batalha 2015 MP3 Single Charlotte Matou um Sem selo punk rock/ hardcore
Charlotte Matou um Cara 2015 MP3 Álbum Charlotte Matou um Sem selo punk rock/ hardcore
O Sentir Que Violenta 2016 MP3 Single Cosmogonia Sem selo hardcore
Rancor 2016 K7 EP D.E.R Nerve Altar/Grindfather Pro hardcore
Celebrating 25 Years 2016 CD Compilação Garage Fuzz Hearts Bleed Blue hardcore
Não tem batalha! Tem massacre! 2016 CD Split Intervenção/Toca FitaPermanente Rebeldia/Feio Rpunk rock/ hardcore
Katastrofe Social/ Negative Side 2016 EP 7" Split Katastrofe Social/ Ne No Gods No Masters/ Insanehardcore
Punk Rock Sem Fronteiras 2016 CD Coletânea Lixo Suburbano/Cons Subversivos Records punk rock/ hardcore
Grind continue... 2016 K7 Split Matka Teresa / Cruel Grindfather Productions (UK hardcore
Mau Sangue - Demo 2016 CDR Demo Mau Sangue Sem selo punk rock
Alive And Undead In Vigo 2016 CDR Split Mondo Podre / Surra Base Record Production (ES) hardcore
Suas Torres Douradas Entraráo Em Colap 2016 CD/ LP Split Ódio Social/ Killbite Break The Silence, Deviance hardcore
Slowly Dying Of Survival 2016 CD Álbum Paura 1054 Records, Dead Serious hardcore
Heróis Suburbanos 2016 CDR Álbum Phoda Fatal Sem selo punk rock
Pátria Profana 2016 CD/MP3 Álbum Protesto & Fúria Sem selo/Tratore hardcore
Ainda Somos Culpados 2016 EP 7" EP Surra Peculio Discos hardcore
You better swallow your pride 2016 CD EP Sweet Suburbia Sem selo punk rock
Tarja Preta 2016 MP3 EP Tarja Preta Sem selo punk rock
Estamos nas ruas 2016 CDR Álbum Werduo Sem selo punk rock/ hardcore
Desgraça 2016 CD/MP3 Álbum Älä Kumarra Sem selo hardcore/ crustcore
Luta Armada 2016 MP3 Álbum Aparelho Sem selo punk rock
Acorde! Acorde! Acorde! 2016 CD Álbum Cólera EAEO Records punk rock/ hardcore
Tecnodependência / Morto 2016 EP 7" EP Cruel Face/Guro Bucho Discos/Manaos Distrohardcore
Vevo Unplugged 2016 CD, EP EP Dance of Days Universal Music Group, Mus hardcore
Save Us From Ourselves 2017 LP/CD Álbum Desalmado Ragingplanet(PT)/Black Hole hardcore
Notícia ruim não chega, ela permanece 2017 CD Álbum Discurso de Pobre/W Sem selo punk rock/ hardcore
split 4-way o caos sobre as ruínas 2017 K7 Split Discurso de Pobre/W Sem selo punk rock/ hardcore
Expresso do Suburbio Vol 2 2017 CD Coletânea Fator Letal/Alto Nível Feio Distro punk rock/ hardcore
Left For Dead / Flicts 2017 EP 7" EP Flicts Break The Silence/Red Star Rpunk rock
Canções de Resistência 2017 CD EP Garotos Podres/AlberSem selo punk rock
Vivemos presos 2017 CD Álbum Geração Suburbana Sem selo punk rock/ hardcore
1982 in 2018 2017 EP 10" EP Kob 82 Grüße aus der Mülltonne(DEpunk rock
Punk Rock Sem Fronteiras II 2017 CD Coletânea Lixo Suburbano/Cons Subversivos Records punk rock
Maldita Ambição 2017 CD Álbum Maldita Ambição Weirdo Discos punk rock/ hardcore
Baú 83-87 2017 LP Compilação Mercenárias Nada Nada Discos punk rock
Levante 2017 LP Álbum Ódio Social Break The Silence, Red Star hardcore
Libertar&Resistir 2017 MP3 EP OS Mandriões Sem selo punk rock
Pó de Osso 2017 MP3 EP Pó de Osso Tratore hardcore
O Prego e o Caixão 2017 CD/MP3/ Álbum Rastilho Sem selo d-beat
Sonidos de Combate 2017 CD Álbum Ratas Rabiosas Sem selo punk rock
Subterrâneo Vol. 1 2017 CD Coletânea Rupsband/Rebaelliun Nuna hardcore/ grindcore
Sapataria 2017 CD/MP3 EP Sapataria Sem selo punk rock
Sobreviver e lutar 2017 MP3 Álbum Sendo Fogo Sem selo punk rock/ hardcore
Situation Nine 2017 MP3 EP Situation Nine Sem selo punk rock
Estamos Nas Ruas 2017 CD Álbum Werduo Weirdo Discos punk rock/ hardcore
Coletânea Anti-carcerária sem fronteiras 2017 CDR Coletânea Atraso de Vida(RJ)/M Sem selo hardcore
Split 2017 MP3 Split Chikara/Rot Sem selo hardcore/ grindcore
Reviva! 2017 MP3 EP Cosmogonia Sem selo hardcore
Zona de confronto 2017 MP3 Demo Gulabi Sem selo punk rock
Dissonância 2018 MP3 EP Lata do Lixo da Histór Sem selo punk rock/ hardcore
Pistolar y pogar 2018 CDR Álbum Lili Carabina Sem selo punk rock
Era Do Burrismo 2018 MP3/ CD Álbum Pé Sujus Sem selo punk rock
Yellow Album 2018 MP3 EP Pó de Osso Tratore hardcore
Escorrendo Pelo Ralo 2018 LP Álbum Surra Läjä Records hardcore
GRLS SP 2018 MP3/ CD/ Coletânea Charlotte Matou um Crasso Records punk rock/ hardcore
Viajar / Doses de realidade 2018 MP3 EP Cyanide Summer Canil Records punk rock/ ska
Bresilian Punk 2018 K7 Coletânea Seco/Cólera/Inocent Sem selo punk rock
Lobotomia 2018 LP/CD Álbum Lobotomia Lobotomia Records/ Speeds hardcore
Quinhentos Anos De Miséria 2018 K7 Demo Pátria Armada Sem selo hardcore
Nada É Como Parece! 2018 LP/CD Álbum Lobotomia Cogumelo Records, Kämäset hardcore/ grindcore
Your Vanish Makes You Ridiculous! 2018 K7 Coletânea Rot/Parental Advisor Sem selo grindcore
Resistirei 2018 LP/CD Álbum Ação Direta Heavy Metal Maniac Record hardcore/ crossover
Vivemos Presos 2018 K7 Demo Phobia Sem selo punk rock
...Baseado Em Fatos Reais... 2018 LP/CD Álbum Ação Direta Devil Discos/[2011]Bombardhardcore/ crossover
Invasores De Cérebros 2018 EP 7"/CD EP Invasores De Cérebro Desculpe Aturá-los!!! Recor hardcore
Com A Corda Toda 2018 CD Álbum Garotos Podres Paradoxx Music/Voice Musi punk rock
Coletânea Verbose Vol. 1 2018 K7 Coletânea Holly Tree/CPM/MP/ Sem selo punk rock
HC Scene 2 2018 CD Coletânea Noção De Nada/Au Lab Rec punk rock
Num canto da cidade 2018 K7 Demo Subconsciência Sem selo hardcore
Dischord / Subcut / Antikorpus / Difekto 2018 K7 Coletânea Dischord / Subcut / A Nnpp Records hardcore
Intervenção 2018 LP/CD Álbum Ação Direta Broccoli/Mala Raza/[2012]T hardcore/ crossover
Vitimas Da Podridão 2018 CD Álbum Calibre 12 Nem Hino Nem Patria Produ punk rock/ hardcore
Your Vanish Makes You Ridiculous! 2018 K7 Álbum Rot/Parental Advisor Sem selo grindcore
Risotto Bombs - Live In Slovenia Europea 2018 CD Compilação Ação Direta Rasura Records/[2011]Bombhardcore/ crossover
Demo 2019 CDR EP Acracia Sem selo hardcore
Aflição - Demo 2019 CDR Demo Aflição Sem selo hardcore
Lutar pela revolução 2019 CDR Álbum C.S.P Sem selo punk rock
Geração Suburbio 2019 CD Álbum Choque de Cultura Sem selo punk rock
Eutanásia coletiva 2019 CDR Álbum Força Ingovernável Sem selo punk rock
Punk Rock do terceiro mundo 2019 CDR Demo Hábito Sujo Sem selo punk rock

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