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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

INSTITUTO DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

Um estudo sobre as formas de interação e trocas evidenciadas no Piquenique


Cultural, Pelotas – RS.

Trabalho de Conclusão de Curso

Orientador: Prof.ª Dr.ª Claudia Turra Magni

Camilla Fagundes Mafaldo

Pelotas, 2013.
CAMILLA FAGUNDES MAFALDO

UM ESTUDO SOBRE AS FORMAS DE INTERAÇÃO E TROCAS EVIDENCIADAS


NO PIQUENIQUE CULTURAL, PELOTAS – RS.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


junto ao curso de Ciências Sociais, da
Universidade Federal de Pelotas, como
requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel.

Orientador: Prof.ª Dr.ª Claudia Turra Magni.

Pelotas

2013
ii

AGRADECIMENTOS

Ao longo desta trajetória de estudo, agradeço em primeiro lugar á minha


família. Meus pais e minha irmã pela confiança depositada em mim, meu
companheiro Gil pelos momentos que construímos juntos, principalmente pela
força e amor, e meu filho Antonio, por ter me possibilitado vivenciar a
maravilhosa experiência de ser mãe, repleta de alegrias e responsabilidades,
e que me fez amadurecer e crescer – a ele agradeço também, a companhia
durante as observações de campo.

Agradeço aos amigos que encaram a experiência de “babá” para que eu


frequentasse as aulas nesses dois últimos anos.

E finalmente, agradeço aos professores do ISP, e em especial à minha


orientadora Claudia pelo apoio, pela paciência e, sobretudo pela amizade.
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RESUMO

A presente pesquisa, realizada no município de Pelotas – RS, procura


interpretar a relações sociais estabelecidas no Piquenique Cultural,
analisando as manifestações culturais espontâneas evidenciadas no contexto
desse evento multiartistico, itinerante, gratuito, auto-gestionado e que ocupa
patrimônios públicos nas suas edições. Para o desenvolvimento da
investigação, utilizei o método etnográfico, através do emprego das técnicas
da observação participante em várias edições do evento, acompanhado de
anotações em diário de campo, registro de imagens, consulta a fotografias de
acervo e realização de entrevistas abertas e semi-estruturadas com os
organizadores, participantes e envolvidos, algumas delas, através da WEB. A
pesquisa pretende entender as interfaces presentes nas relações de trocas –
materiais e simbólicas – e como estas contribuem para reforçar a comunhão,
solidariedade e reciprocidade, articulando laços sociais baseados na
comunicação. O estudo do Piquenique Cultural possibilita a análise do
contexto urbano enquanto espaço de sociabilidade, ou seja, um espaço de
interlocuções cujos símbolos, valores e vivências podem ser compartilhados
pelos grupos sociais.
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Sumário

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 1

CAPÍTULO I: Metodologia de Pesquisa............................................................................................ 5

1.1. Universo de investigação e problematização do tema de pesquisa ................................ 5

1.2. Método etnográfico e as técnicas de pesquisa.................................................................... 8

CAPÍTULO II: O urbano como espaço de interação e sociabilidade ......................................... 14

2.1. O contexto específico do Piquenique Cultural ................................................................... 14

2.2. Dos espaços urbanos da cidade .......................................................................................... 18

CAPÍTULO III: A percepção do Piquenique e a noção de imagem-dialética ............................ 32

CAPÍTULO IV: Compreendendo o sentido da reciprocidade no Piquenique Cultural............. 44

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................. 56

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................ 57


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Lista de Figuras

Figura 1: Piquenique Cultural, 12ª edição, na Praça da Alfândega. ............................................ 1


Figura 2: Praça do Direito, 14ª edição. (Foto: Camilla Mafaldo) ................................................... 5
Figura 3: Parque da Baronesa, 15ª edição. (Foto: Camilla Mafaldo) ......................................... 14
Figura 4: Culinária artesanal, Coisdivó artes e afetos. (Foto: Camila Hein) ............................. 16
Figura 5: Na 16ª edição, xadrez um exercício para a mente. (Foto: Lúcio Pereira) ................ 16
Figura 6: Grupo Gnosis, 14ª edição, Praça do Direito. (Foto: Camilla Mafaldo) ...................... 17
Figura 7: Musical Cerelepe, 14º edição na Praça do Direito. (Foto: Camilla Mafaldo) ........... 18
Figura 8: Praça do Direito, 14ª edição. (Foto: acervo Teatro do Chapéu Azul) ....................... 21
Figura 9: Harmonia astral, 15ª edição, Parque da Baronesa (Foto: Beatriz Rodrigues) ........ 27
Figura 10: Praça dos Enforcados, 13ª edição. (Foto: Lúcio Pereira) ......................................... 35
Figura 11: Serginho da vassoura, artista independente. (Foto revista e-cult 05/2011) .......... 36
Figura 12: Recicle ideias. (Foto: Lúcio Pereira) ............................................................................ 36
Figura 13: Projeto olhos de lata. (Foto: Lúcio Pereira) ................................................................. 38
Figura 14: A presença das bicicletas. (Foto: acervo Teatro do Chapéu Azul) ......................... 39
Figura 15: Slackline para todos. (Foto: acervo Teatro do Chapéu Azul) ................................... 39
Figura 16: Meu filho Antonio praticando Slackline, 15ª edição, Parque da Baronesa. ........... 40
Figura 17: Varal de poesias. (Foto: Lucio Pereira) ....................................................................... 40
Figura 18: Praça da Rodoviária, 16ª edição. (Foto: Lúcio Pereira) ............................................ 42
Figura 19: Contato com práticas artísticas. (Fotos: acervo Teatro do Chapéu Azul) .............. 48
Figura 20: Projeto pintando o sete, 15ª edição, Parque da Baronesa. (Foto: Camilla Mafaldo)
............................................................................................................................................................... 49
Figura 21: APAAMA, na 15ª edição no Parque da Baronesa. (Foto: Beatriz Rodrigues)....... 50
1

INTRODUÇÃO

Este trabalho de conclusão de curso pretende analisar as formas de relação,


de trocas materiais e simbólicas e de interações pessoais que se estabelecem no
Piquenique Cultural, uma feira livre e independente que acontece periodicamente,
em espaços urbanos alternados do município de Pelotas, RS.

A proposta do evento esta voltada à livre expressão e manifestação artística,


visando revitalizar os espaços públicos urbanos, a fim de propor uma maior
interação da sociedade, baseada na troca de informações e conhecimentos. As
atividades de musica, dança, teatro, fotografia, literatura, artesanato, oficinas, feira
de trocas, praticas esportivas, exposições artísticas locais, expressões lúdicas e
entretenimentos infantis (entre outros), propiciam a interação no contexto coletivo de
valorização da arte e dos espaços verdes urbanos.

O Piquenique Cultural, enquanto programação cultural pelotense, teve inicio


em outubro de 2010, por iniciativa de um grupo artístico denominado Teatro Chapéu
Azul. Com a proposta principal voltada à livre interação e práticas multiartísticas,
envolve parcerias entre artistas locais, ONG´s, movimentos ideológicos distintos,
mídias alternativas, vinculando também as instituições municipais.

Figura 1: Piquenique Cultural, 12ª edição, na Praça da Alfândega.

Desde então, acontece em alternadas tardes de domingo (exceto no inverno)


em diferentes praças e parques da cidade. Por ser um movimento itinerante, os
encontros se realizam sucessivamente em lugares variados, buscando reivindicar o
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uso dos espaços públicos ociosos de modo que a comunidade possa conhecer e
inteirar-se do cenário artístico-cultural da cidade.

Tomando o encontro como possibilidade de análise cultural de um sistema


dinâmico, interativo e complexo, proponho interpretar as formas de relação e
interação simbólica, precisando sua importância e o sentido transmitido nessas
atividades culturais e artísticas, observando, ainda, de que maneira se manifestam e
por meio de que grupos (agentes ou tipos sociais).

A pesquisa incide no entendimento dos diferentes valores, práticas e padrões


culturais, uma vez que,

“não se pode ler a cidade a partir de um eixo classificatório único: é preciso


variar os ângulos de forma a captar os diferentes padrões culturais que
estão na base de formas de sociabilidade que existem, coexistem,
contrapõem-se ou entram em confronto no espaço da cidade” (MAGNANI,
Disp. em: www.n.a.u.org).

É pensando o Piquenique Cultural enquanto um fenômeno multifacetado, rico


em interações e diversidades, que realizei um estudo etnográfico sobre as relações
que se estabelecem e se constroem em torno desta prática. Nesse sentido, procuro
evidenciar o significado da proposta de reciprocidade presente na feira em termos
de conhecimentos, afetividades, sociabilidade - e não somente como a troca material
de objetos - compreendendo as correlações, continuidades e convenções que
regulam essas manifestações culturais, bem como seu sistema de trocas.

A presente pesquisa vincula-se à perspectiva da Antropologia Interpretativa,


conforme Clifford Geertz (2008, p. 12), que entende a cultura a partir de sua
dimensão simbólica. O comportamento humano simboliza e representa o contexto
em que as ações estão inseridas, bem como o papel que elas desempenham na
sociedade. Geertz (2008, p. 3) propõe uma construção teórica acerca do conceito de
cultura, para além da lógica Tyloriana que a entende como “o todo mais complexo”,
adotando, assim, uma postura crítica ao uso desmedido e demasiadamente vago do
conceito de cultura por pesquisadores em antropologia.

Dialogando com o campo da antropologia urbana, pretendo aprofundar o


estudo no que tange os grupos sociais e as práticas urbanas, inscritas e articuladas
no cenário da cidade, seja na paisagem, nos equipamentos, nas instituições. Assim,
3

abordarei os conceitos de cidade, espaço, lugar e não-lugar, trabalhados pelos


teóricos Michel De Certeau e Marc Augé. Também utilizarei as categorias território,
espaço estriado e liso, baseada em Felix Guattari e Gilles Deleuze. Estas
construções teóricas possibilitam perceber a importância do evento se realizar em
espaços públicos, degradados, desativados ou esquecidos, como também
compreender em que circunstâncias se encontram os atores sociais nos contextos
coletivo/individual da cidade contemporânea. Para complementar esta
fundamentação teórica, utilizarei também como embasamento conceitual as noções
de mancha, trajeto e circuito classificadas por José Guilherme Magnani, buscando
interpretar as formas de uso e apropriação do espaço, pensando o urbano enquanto
meio de sociabilidade.

A perspectiva teórica inspirada em Walter Benjamin, elaborada pelos teóricos


Willi Bolle e Sergio Rouanet, explicitam como o conceito de imagem-dialética foi
fundamental no processo de entendimento do “imaginário” social parisiense,
investigado por Benjamin, bem como a perspectiva de propor o “despertar” desse
“sonho da modernidade”.

Sob o ponto de vista antropológico, as múltiplas formas de troca, suas


particularidades conforme ideias, valores e códigos assumem significações
específicas sob os diversos meios. Pensando a proposta de troca a partir de Marcel
Mauss, abordarei o conceito de dádiva, concebido a partir da analise de trocas em
sistemas tradicionais, tais como o kula, descrito por Bronislaw Malinowski, e
atualizados para a compreensão das sociedades contemporâneas a partir da
perspectiva adotada pelo Movimento Anti-Utilitarista nas Ciências Sociais. Estas
estruturas conceituais fundamentaram minha construção teórica a respeito da
questão da reciprocidade no contexto do Piquenique Cultural em questão neste
estudo.

A estrutura deste trabalho apresenta, no primeiro capítulo, o universo de


investigação, a problematização do tema de pesquisa e a metodologia etnográfica
empregada. O segundo capítulo refere-se ao processo de construção social da
cidade moderna, pensando a cidade enquanto lócus das interações sociais. O
terceiro capítulo aborda uma construção teórica inspirada em Walter Benjamin, a
partir da leitura dos autores Rouanet e Bolle que abordam detalhadamente a sua
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obra, particularmente o que aqui nos interessa: o conceito de imagem-dialética na


investigação do imaginário coletivo. O quarto capítulo problematiza a questão das
trocas materiais e simbólicas evidenciadas nas sociedades tradicionais, comparado-
as com o contexto atual do grupo contemporâneo estudado.
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CAPÍTULO I: Metodologia de Pesquisa

1.1. Universo de investigação e problematização do tema de pesquisa

As edições precedentes do Piquenique Cultural já ocuparam diversos


espaços da cidade de Pelotas - Praça Coronel Pedro Osório, Praça da Rodoviária,
Parque da Baronesa, Praça da Alfândega, Praça Thomas Flores (Cohab Tablada),
Praça João Gomes (município de Capão do Leão) -, tendo sempre a finalidade de
compartilhar as movimentações e atividades do evento com as múltiplas
microregiões da cidade, desde o centro-histórico aos bairros mais afastados.
Segundo Any Ivo, os espaços urbanos estabelecem formas e meios de
comunicação, são capazes de registrar mensagens, imagens e manifestações de
grupos e/ou indivíduos, de modo que “o seu uso como ferramenta de comunicação
pode gerar efeitos de coesão identitária e cultural (integração, proximidade e
resistência)” (IVO, 2007, p. 107).

Em entrevista aberta que realizei durante o 14º Piquenique Cultural, na Praça


do Direito, conversei com duas meninas que expunham camisetas e bolsas
personalizadas, confeccionadas por elas. Para elas, o melhor é que a mobilidade do
evento faz com que o Piquenique “vá” até as pessoas, nos diferentes lugares da
cidade, e não somente que as pessoas devam ir até ele.

Figura 2: Praça do Direito, 14ª edição. (Foto: Camilla Mafaldo)


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Desse modo, o Piquenique Cultural vem se tornando uma programação


tradicional na cidade, reunindo uma intensa diversidade étnica, religiosa, cultural,
ideológica, em prol de uma horizontalidade coletiva. Representa a diversidade nas
suas expressões e formas mais variadas, retratando a vida das pessoas que se
inserem neste contexto multicultural.

Um momento eclético, de descontração e interação com os patrimônios da


cidade, uma forma de buscar o contato interpessoal ativo, bem como a oportunidade
de experienciar uma multiplicidade de cores, de sons, imagens, objetos, danças,
plantas, animais. A livre manifestação e interação entre as pessoas dá forma e
conduz essa feira cultural e alternativa que acontece há cerca de dois anos em
Pelotas. Segundo um parceiro que vende camisetas de marca própria – Manga
Culta –, o Piquenique Cultural se assemelha às feiras livres e independentes
comuns na Argentina e no México.

Observar a Feira como prática alternativa e independente remete à noção de


que as interações e trocas comerciais evidenciadas no campo de análise,
caracterizadas pelo contato mais próximo ou estreito entre os atores envolvidos na
ação estabelecem a troca simbólica, atribuindo um novo sentido, para as relações
comerciais no contexto da sociedade moderna.

Na sociedade contemporânea, onde prevalece a lógica capitalista, as


relações de troca se manifestam com base nas relações mercantilistas, com
interações que se fundamentam pela materialização do ato de consumir. Em
contrapartida o evento em questão traz uma proposta aberta de troca envolvendo
reciprocidade mútua, fortalecimento de laços e alianças, contatos, “camaradagens”,
evidenciando relações não convencionais, que não se limitam a questões
econômicas, pois se encontram no domínio das trocas simbólicas. Como exemplo,
tem-se um artesão que fabricou um objeto exclusivo, com finalidade de
comercializar, ensinando como fabricou a peça a um individuo que se interessou
pelo artefato durante o Piquenique. Essa relação constitui uma troca simbólica,
caracterizada pela troca de saberes, significações, afetos, signos e códigos.

As formas de troca objetivadas no estudo diferem das relações capitalistas


habituais que atualmente caracterizam o contexto socioeconômico global, cuja
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produção em serie e o consumo excessivo generalizam as relações comerciais na


sociedade pós-moderna.

A partir disso, o estudo propõe interpretar as relações que se estabelecem e


se evidenciam no Piquenique Cultural, tento com contra-ponto as antigas formas de
troca evidenciadas por Marcel Mauss e outros nas sociedades tribais e tradicionais,
e considerando que, diversamente daquelas, caracterizadas pela hegemonia de um
sistema capitalista, utilitário e estruturado com base numa lógica de Estado e
hierarquia de classes. Nesse sentido o conceito de dádiva é utilizado pelos
parâmetros da economia solidária, conforme verificado pelos autores
contemporâneos vinculados ao M.A.U.S.S. (Moviment Anti-Utilitariste en Scienses
Sociales).

O Piquenique Cultural de um lado, recupera os valores e noções de práticas


econômicas antigas, resignificadas e adaptadas ao contexto atual, tal como as
trocas entre objetos ou a comercialização de artesanatos (que permite a quem o
adquire conhecer seu artesão) formas de relações que não ocorrem mais nos
grandes supermercados ou magazines onde os produtos vendidos originam-se de
diferentes lugares do mundo.

De outro lado, o Piquenique Cultural se utiliza de equipamentos e tecnologias


de ponta (mídias virtuais, estruturas técnicas e aparelhagens sonoras), com função
de divulgar os encontros, expressar opiniões, promover atividades musicais
(externas ao evento) – cuja parte das arrecadações financeiras é destinada à
continuidade da Feira – demonstrando, assim, de que maneira o evento se situa sob
influência da contemporaneidade. Na atualidade, as pessoas costumam se
comunicar através de tecnologias virtuais, tais como e-mail, mídias virtuais como o
faceboock, twitter, blog, etc. Portanto, estas formas de comunicação já estão
bastante familiarizadas no cotidiano das pessoas em geral. Este é um dos aspectos
mais significantes das relações contemporâneas: estas formas de comunicação
transformaram as relações interpessoais, substituindo, de certo modo, as relações
face-a-face por relações virtuais. Sob este ponto de vista, Piquenique Cultural
acrescenta a dimensão virtual ao encontro, não permanecendo somente neste
plano, e sim, mediando os contatos virtuais e os contatos interpessoais e vice-versa.
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1.2. Método etnográfico e as técnicas de pesquisa

Segundo Spradley (apud, FINO, 2003, p. 3) a etnografia é o trabalho de


descrever uma cultura quando se pretende compreender o modo de vida a partir do
ponto de vista do grupo ou povo estudado. Segundo Carlos Fino, o método
etnográfico, empregado neste estudo, “é uma ferramenta útil para a compreensão do
modo como outras pessoas vêem a sua experiência”, sendo, sobretudo, uma
maneira de compartilhar e aprender com o grupo estudado.

A metodologia etnográfica se adéqua principalmente quando se estuda


apenas um grupo restrito e o comportamento das pessoas é considerado em seu
contexto habitual. A coleta de dados é feita a partir da observação, conversação
informal e registro de imagens, sendo que este método é adequado quando “a
análise dos dados envolve interpretação de significados e assume uma forma
descritiva e interpretativa” (FINO, 2003, p. 4), de modo que a quantificação e análise
estatística assumem papéis secundários.

Segundo Roberto Da Matta (2010, p. 168), o trabalho de campo para o


pesquisador é uma maneira de buscar novos dados, constituindo um diálogo a partir
de sua experiência concreta com o grupo tribal ou segmento da sociedade moderna
estudado. Conforme este autor, a pesquisa de campo é a “busca deliberada de
enigmas sociais situados em um universo de significação” (DAMATTA, 2010, p.
180).

A etnografia foi uma técnica fundamental e inovadora na investigação de


Malinowski (1976), quando este propôs uma classificação sobre a instituição Kula,
um sistema expressivo de trocas, fundamentado por práticas rituais, políticas,
jurídicas, econômicas e religiosas. Dentre os princípios metodológicos seguidos por
Malinowski (1976, p. 20), tem-se que, em primeiro lugar, o pesquisador deve
conhecer os valores e critérios da etnografia moderna; em segundo lugar, deve
também assegurar boas condições de trabalho em campo, e, finalmente, deve ele
aplicar métodos de coleta, manipulação e registro de dados.

“O etnógrafo de campo deve analisar com seriedade e moderação todos os


fenômenos que caracterizam cada aspecto da cultura sem privilegiar
aqueles que lhe causam admiração ou estranheza em detrimento dos fatos
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comuns e rotineiros. Deve ao mesmo tempo perscrutar a cultura nativa na


totalidade de seus aspectos” (MALINOWSKI, 1976, p. 24).

A pesquisa de campo é uma técnica essencial no método etnográfico, é um


recurso que garante ao pesquisador coletar dados concretos sobre os fatos
observados e através disso apresentar um estudo da estrutura e da organização
cultural. “A coleta de dados referentes a um grande número de fatos é, pois, uma
das principais fases da pesquisa de campo” (MALINOWSKI, 1976, p. 26).

Tomando estes pressupostos teórico-metodológico de base, passo a


considerar as formas como foram empregadas na presente pesquisa, considerando
que já conhecia previamente o Piquenique Cultural, por ter participado do mesmo
duas vezes como espectadora. Naquela época, como qualquer pessoa, vislumbrei
diferentes possibilidades de ação e manifestação ocorrendo simultaneamente, num
contexto fluido e (aleatoriamente) organizado. Logo, me senti instigada enquanto
pesquisadora social, a tentar explicar aquele fenômeno tão expressivo. Somente
após ter trocado duas vezes a temática da pesquisa monográfica, me detive em
leituras na área da antropologia, e, partindo dessa revisão de literatura, decidi que
iria investigar o Piquenique Cultural como Trabalho de Conclusão de Curso em
Ciências Sociais, buscando compreender qual a importância e o sentido do que está
sendo transmitido naquele ambiente, de que maneira se manifesta e por meio de
que grupos, atores ou tipos sociais.

O trabalho de campo teve inicio na 13º edição do evento, que aconteceu em


29 de abril de 2011, na Praça Cipriano Barcelos, comumente conhecida como Praça
dos Enforcados, lá pude estabelecer o primeiro contato com os organizadores, e
esclarecer meu interesse em desenvolver uma pesquisa social naquele ambiente
repleto de particularidades e formas de interação.

Minha primeira inserção enquanto pesquisadora em campo permitiu-me


perceber o quanto o fenômeno era multifacetado e heterogêneo, sobretudo,
1
representa uma tribo urbana (MAFFESOLI, apud FREHSE, 2006, p. 171),
abrangendo diferentes faixas etárias e pessoas trabalhando para os diversos fins:
práticas circenses, artes visuais, danças, troca de idéias, apresentações de bandas
1
O termo tribo urbana, conforme o sociólogo francês Michel Maffesoli, atribuí-se as novas formas de associação
entre indivíduos na sociedade complexa, trata-se de micro-grupos que compartilham ideologias,
comportamentos, linguagens, símbolos, e sobretudo reúne-se em prol de um interesse comum.
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e músicos locais, artes plásticas, literatura, cinema, artesanato (em madeira, couro,
pano, papel, material reciclado), astrologia, oficinas, doação de animais.

Cardoso de Oliveira (1998, p.19) divide em três etapas o trabalho do


antropólogo: o olhar, o ouvir e o escrever. A primeira etapa configura-se no olhar,
entretanto o pesquisador não pode encarar o objeto de estudo com mera
curiosidade, deixando-se influenciar pela aparência do exótico. A etapa do olhar
compreende uma observação (do objeto) a partir de esquemas teóricos e
conceituais. “O sociólogo, por certo, terá exemplos tanto ou mais ilustrativos para
mostrar como a teoria social pré-estrutura o nosso olhar e sofistica nossa
capacidade de observação” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1998, p. 21).

Contudo, o olhar não é o suficiente para alcançar o significado das relações


sociais, nesse caso o ouvir, é mais um recurso de obtenção de dados. O ouvir, na
pesquisa etnográfica, se caracteriza numa relação de dialogo. O ouvir complementa
o olhar, os quais funcionam como dois pilares que sustentarão a investigação social.
Ambos, o olhar e o ouvir fazem parte da primeira etapa do trabalho antropológico,
enquanto o escrever faz parte da segunda etapa da pesquisa. Conforme Cardoso de
Oliveira (1998, 27), a escrita se efetiva pela realização da interpretação dos dados
(com o aporte do diário de campo), baseada nas categorias e conceitos básicos da
área de conhecimento.

Durham e Cardoso (apud Oliven, 1995, p. 12) destacam o fato da


“antropologia trabalhar com técnicas de pesquisa como entrevistas abertas,
observação participante, que são de natureza qualitativa e, portanto, mais adequada
para reconstruir o universo de participação social”.

No que tange à técnica etnográfica da observação participante, foram


realizadas entrevistas abertas e semi-dirigidas com os organizadores, colaboradores
e participantes no período de cinco edições do evento – realizei também, entrevistas
em profundidade com os organizadores fora do evento e via internet. Além disso,
durante as inserções em campo durante os eventos, efetuei registros em diário de
campo, acompanhados da captação de imagens e vídeos como instrumento
metodológico e epistemológico que possibilitasse levantar aspectos audiovisuais
relevantes sobre o fenômeno. Complementando o arcabouço de dados, utilizarei
materiais de imprensa fornecidos pela organizadora Aline Maciel e fotos publicadas
11

na internet por fotógrafos parceiros, enquanto dados visuais empregados com


sentido de enriquecer as descrições empíricas referentes às práticas evidenciadas
no Piquenique Cultural.

No decorrer da pesquisa de campo, antes de incorporar as sutilizas e


especificidades do método etnográfico, me deparei com algumas dificuldades em
estreitar contato com os grupos envolvidos, percebendo em algumas entrevistas,
respostas meramente práticas, diretas e objetivas, ou seja, que não abriam espaço
para maiores esclarecimentos, que viabilizassem aprofundar os questionamentos.
Encarar esse grau de distanciamento com os participantes, me fez refletir sobre a
conduta de abordagem que estava tendo em campo. Nesse aspecto, percebi que
me aproximar das pessoas, munida com caderninho de anotações, gravador,
câmera digital (equipamentos de pesquisa) causava certo desconforto e
estranhamento nas pessoas ali presentes, pois, concordando com Laplantine (2007,
p. 149) compreendi que a abordagem antropológica se baseia “na observação direta
dos comportamentos sociais a partir de uma relação humana”, ou seja, entre sujeitos
que dialogam e se analisam mutuamente e não numa relação positivista entre
sujeito investigador e seus “objeto” observado.

Embora frustrada, esta experiência inicial foi, sem duvida, muito positiva para
o desenvolvimento da pesquisa, pois a partir disso, fez-se necessário repensar as
técnicas já utilizadas, agregando novas táticas de pesquisa, para assim, estabelecer
uma aproximação mais intensa com o grupo.

Nesse caso, a oportunidade de valorizar mais os dados obtidos na


observação participante e pela realização dialógica com os informantes, além do fato
de realizar uma entrevista em profundidade com a organizadora Aline e via on-line
com os demais parceiros acrescentaram significativamente na construção do
material empíricos da pesquisa. Como também, participar da reunião de re-
estruturação do Piquenique Cultural, no dia 10 de março de 2013, quando foram
apontados aspectos significativos do evento, tal como a possibilidade de estabelecer
uma prática de economia solidária, visto o caráter corporativista do evento.

Percebendo que grande parte da divulgação dos eventos é feita através da


internet (mídias virtuais), vinculada enquanto meio de mobilização e interação, e
ainda, potencializando a fomentação da cultura local, visando agregar novas
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possibilidades artísticas e culturais ao encontro. Notando este aspecto, utilizei-me da


internet para aprofundar e estreitar vínculos com os colaboradores e parceiros do
evento, concluindo que o Piquenique Cultural se reproduz também em uma
dimensão virtual. Verifiquei a partir disso, a perspectiva do retorno por parte dos
organizadores do Piquenique Cultural em relação à pesquisa – evidenciado na
disponibilidade, interlocução e diálogo – como o resultado do exercício etnográfico.

Segundo Geertz (2008), uma descrição etnográfica prioriza os aspectos


interpretativos das culturas que os indivíduos pertencem. O ser social esta amarrado
a teias de significados que ele mesmo teceu, onde o próprio comportamento é
interpretado como uma ação simbólica, portanto, Geertz defende uma teoria
semiótica da cultura.

“Como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis (o que eu chamaria


de símbolos), a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos
casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos (...); ela é um
contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível,
isto é, descritos com densidade” (GEERTZ, 2008, p. 10).

Baseada nessas premissas percebi que, o modelo interpretativo de uma


investigação social depende do aprofundamento de particularidades, criando
condições de entendimento às culturas observadas. As estruturas significantes
permitem distinguir um comportamento espontâneo de um comportamento
construído socialmente, conforme os dados significativos perceptíveis através do
discurso social. “A análise cultural é uma adivinhação dos significados, uma
avaliação das conjecturas, um traçar de conclusões explanatórias” (GEERTZ, 2008,
p. 14).

Geertz (apud Peirano, 1995, p. 12) atentou igualmente para o aspecto


“microscópico e artesanal” da pesquisa antropológica, que se adéqua
particularmente ao universo de estudo em questão. Segundo ele, a análise cultural
requer explicações construídas a partir da observação dos dados elementares nas
expressões sociais complexas e enigmáticas (busca de significados). Na narrativa
etnográfica do Piquenique Cultural, busquei fazer uma descrição minuciosa dos
fatos levando em conta “os pormenores”, considerando também aquilo que é
aparentemente secundário, e que, no entanto se mostrou relevante no transcorrer do
13

estudo, em vez de descrever apenas aspectos superficiais, percebidos inicialmente.


Concordo, portanto, com Eunice Durham, quando afirma que

“nessas circunstâncias, o trabalho altamente descritivo da antropologia, sua


capacidade de detectar perspectivas divergentes e interpretações
alternativas, apresenta um material provocativo e estimulante para repensar
a realidade social” (DURHAM, 1986, p.19).

Durante a 14º edição do Piquenique Cultural, chegar ao momento da


organização me permitiu perceber como se originam as interações dadas no
contexto. Observei, por exemplo, como aos poucos, se aproximavam taxistas e
trabalhadores das proximidades do local, como se estabeleciam as diferentes
bancas: de plantas, de artesanatos, de informações, etc. Os grupos e famílias iam
chegando, trazendo esteiras para sentarem-se no chão, com crianças e animais,
carregando seus livros, seu chimarrão, símbolos com os quais cada um deles se
identifica. Percebi como chegavam motivados a interagir, buscando articular valores,
estilos e ideais, estabelecendo encontros, amizades, conversas, alianças.

As últimas etapas dos procedimentos de pesquisa são a interpretação dos


dados e a construção da escrita, na presente pesquisa estes processos vinculam-se
ao uso da imagem como importante ferramenta na realização etnográfica. As
imagens são uma representação da realidade social e funcionam como uma maneira
de compartilhar a experiência vivenciada com os não-presentes no contexto
abordado, estabelecendo uma comunicação visual.

Abordando as imagens como uma interpretação dos símbolos evidenciados


no Piquenique Cultural, utilizo-as enquanto dinâmica reveladora dos dados
empíricos, procurando refletir a perspectiva dos grupos envolvidos. Assim, a imagem
além de um registro visual é a própria materialização das ações, performances e
complexidades comportamentais evidenciadas no campo de estudo.

Após a coleta de dados, foi feita a analise baseada no referencial teórico,


junto com as anotações pessoais do campo referente às observações realizadas
durante os encontros e os dados obtidos nas entrevistas. Desse modo, a escrita se
concretizou a partir da interpretação dos dados empíricos.
14

CAPÍTULO II: O urbano como espaço de interação e sociabilidade

2.1. O contexto específico do Piquenique Cultural

No primeiro ano do evento, passaram pelo Piquenique Cultural mais de três


mil pessoas e cerca de 50 atrações artísticas diferentes, a proposta de lazer ao ar
livre, gratuito, itinerante e voltado para a comunidade recebeu o apoio de pelo
menos 43 empresas, projetos e instituições (e-cult mídia ativa, ano II, ed. 5,
outubro/2011). Ao completar seus dois anos de atividades o Piquenique Cultural
cresceu tanto em numero de atrações, como em público e parceiros, adquirindo
reconhecimento por parte da comunidade.

Figura 3: Parque da Baronesa, 15ª edição. (Foto: Camilla Mafaldo)

O Piquenique Cultural não tem lugar fixo, assim, depende diretamente das
mídias virtuais e alternativas para divulgar os encontros, a divulgação acontece
também “no boca a boca” nas conversas entre os freqüentadores. Segundo a
organização do evento, o uso da internet na divulgação foi fundamental para agregar
maior público, “o Piquenique Cultural foi um evento que surgiu da internet. (...) o que
fez o Piquenique Cultural ter um peso, teoricamente falando em público – as
pessoas começaram a procurar e se interessar – foi o uso da internet: como meio de
participação, como meio de relação, entre os artistas” (Aline, entrevista). Para
15

estabelecer este contato virtual com os participantes e parceiros, o evento utiliza de


diferentes portais digitais: faceboock, blog, twitter, youtube, e-mail.

Outra característica particular do evento é a perspectiva da horizontalidade,


que propõe a não utilização de palco, buscando propiciar maior proximidade entre as
pessoas, “a questão do palco, por exemplo, o Piquenique não tem palco porque o
palco te distância, te coloca em outro patamar e a gente quer trabalhar pela
horizontalidade” (Aline, entrevista), ou seja, os artistas em contato com o público em
meio aos fluxos culturais.

Segundo uma das organizadoras, a professora de artes cênicas Aline Maciel,


o evento é uma feira de oportunidades, que promove a interlocução de atividades
culturais e artísticas enquanto uma opção de lazer, onde as pessoas podem circular,
trocar contatos e idéias, tomar mate, conversar, interagir. Um momento oportuno
para combinações e encontros variados, um veiculo para divulgação e publicação de
atividades culturais e artísticas.

Uma característica particular do encontro, que motiva muitos frequentadores a


participar é as ações acontecem de forma paralela e simultânea: apresentações
musicais de cantores locais – Ana Lima, Alemão Diego, banda Degruve, Celso
Krause, exposições de moda e acessórios – Pitanga Crafts, Cry Baby, Doida da
Espanha, Manga Culta – feira de trocas de roupas do Mercado das Pulgas, Varal do
Face, como também o Bazar do Piquenique Cultural, comercializando roupas, filtros
dos sonhos, livros, velas, cd’s, copos e canetas personalizados, com fins destinados
à manutenção do evento em 2013.

O grupo teatral Cia Informal, o ator pelotense Lóri Nelson (palhaço Bolacha) e
o músico independente Serginho, conduzem algumas intervenções artísticas;
Morgan Mahira apresenta performances de dança do ventre e dança tribal, a artista
Janete Flores expõe seus trabalhos de artes visuais desde as primeiras edições e
também coordena as oficinas de nanquim; o pessoal do circo sem lona e do circo
independente akrata, demonstram as técnicas circenses, compartilhando-as em
oficinas de malabarismo e equilibrismo para adultos e crianças. Além das oficinas de
customização, reciclagem, dança e coreografia infantil; roda de capoeira, projeto
Pintando sete, coral Linguagens de emoções; exibição de filmes, documentários,
curtas-metragens, distribuição de livros, confraria de xadrez.
16

A gastronomia artesanal é por conta da mineira Junelise Martino do Coisdivó.


Junelise conheceu o Piquenique em abril de 2011, no Parque da Baronesa.
Segundo ela conta de início se “encantou” com as possibilidades e propostas do
evento, na 6ª edição em maio de 2011, agregou seu trabalho ao conjunto:

“Levo receitinhas culinárias de vó, bem gostosas e renovadas, nutritivas e


menos calóricas, minha marca é CoisdiVó artes e afetos. O Coisdivó veio de
Minas Gerais e mistura literatura e culinária. Tento através dos bolinhos
integrais conscientizar as pessoas a optar por uma alimentação mais
saudável, consumindo alimentos orgânicos” (Junelise, entrevista).

Figura 4: Culinária artesanal, Coisdivó artes e afetos. (Foto: Camila Hein)

Figura 5: Na 16ª edição, xadrez um exercício para a mente. (Foto: Lúcio Pereira)
17

Dentre as práticas alternativas, propoe-se mudanças de atitudes e


conscientizações coletivas, como por exemplo, para as questões ambientais e
ecológicas, questionando o uso do espaço habitado e sugerindo novas formas de se
relacionar com a natureza, prezando pela intensa interação com os espaços verdes
e animais domésticos e silvestres (sapos, pássaros, borboletas, coelhos, marrecos,
capivaras).

É o que mostra o grupo Sitio Amoreza que contribui com produtos artesanais
e orgânicos; como também, o grupo GNOSIS – ciência e cultura do homem em
busca do ser – que organiza cursos sobre o despertar da consciência, meditação,
alquimia, desdobramento astral, bem estar integral, mistérios da cultura milenar
oriental e outros temas, viabilizando trocas de saberes em conversas ideológicas ou
filosóficas.

Figura 6: Grupo Gnosis, 14ª edição, Praça do Direito. (Foto: Camilla Mafaldo)

Fica evidente que Piquenique Cultural é um multiplicador, a iniciativa conta


ainda com vários apoiadores, artistas independentes, iniciativas privadas, institutos e
associações: Instituto Leda Bacci, Instituto Mario Alves, RadioCom, ONG Anjos e
Querubins, Faculdade Anhanguera, DCE UFPel, Musical Cerelepe.

Durante a 14ª edição, presenciei um momento emocionante quando os


meninos do musical Cerelepe começaram a tocar e cantar, o público lotou a Praça
18

do direito, muitas pessoas cantando e se balando ao som de samba e MPB. O grupo


é formado por jovens portadores de síndrome de down e viabiliza a interação e
participação dos mesmos com a sociedade através de expressões musicais.

Figura 7: Musical Cerelepe, 14º edição na Praça do Direito. (Foto: Camilla Mafaldo)

2.2. Dos espaços urbanos da cidade

Metodologicamente, Magnani (2002, p. 18) afirma que a realização de uma


etnografia das sociedades urbanas depende da investigação aprofundada acerca
dos atores sociais e práticas exercidas por eles, como também do contexto em que
essas práticas se constituem e se desenvolvem.

“É neste plano que entra a perspectiva de perto e de dentro, capaz de


apreender os padrões de comportamento, não de indivíduos atomizados,
mas dos múltiplos, variados e heterogêneos conjuntos de atores sociais
cuja vida cotidiana transcorre na paisagem da cidade” (MAGNANI, 2002, p.
17).

Magnani (2002, p.12), enfatiza como o processo intensivo de urbanização nas


cidades foi um fator determinante, que resultou na desagregação das relações e
vínculos pessoais. Os sistemas de transporte precários, indispensáveis aos que
percorrem longas distâncias diariamente, o tempo aplicado e calculado como capital
e mercadoria (ex. mais valia), a distribuição desigual dos equipamentos tecnológicos
19

ou os altos índices de poluição e violência, são alguns aspectos que enfatizam como
se tornaram obsoletas as relações pessoais cotidianas. Admirar um jardim,
conversar com um vizinho, conhecer quem produziu o objeto adquirido, são
características de contatos e vínculos perdidos na atualidade. A metrópole é
interpretada pelo individuo através da sucessão de imagens e de mensagens-texto,
letreiros de propagadas ou outdoor’s, “resultado da superposição e conflitos de
signos, simulacros, não lugares, redes e pontos de encontro virtuais” (MAGNANI,
2002, p. 12).

Magnani (2002) observa que a cultura pós-moderna ou supermoderna como


chama Augé (1994) se apresenta na deterioração dos espaços, na privatização da
vida coletiva, segregação, competitividade, confinamento em ambientes e redes
sociais restritos. Contudo, Magnani atenta, que neste processo de “automatização”
calcado na sistematização capitalista, é possível identificar como o indivíduo procura
legitimar e reconhecer em seus valores e raízes determinados estilos de vida e
comportamentos sociais. Nesse sentido, é fundamental perceber

“A existência de grupos, redes, sistemas de trocas, pontos de encontro,


instituições, arranjos, trajetos e muitas outras mediações por meio das quais
esta entidade abstrata do indivíduo participa efetivamente, em seu
cotidiano, da cidade” (MAGNANI, 2002, p. 17).

Conforme José Magnani (2002) cabe aos antropólogos perceber através do


olhar, que ruas podem ainda manifestar práticas singulares e plurais. Uma rua que
resgata a experiência da diversidade proporciona encontros, trocas entre diferentes
ou reconhecimento entre os semelhantes, contudo, revela uma multiplicidade de
comportamentos.

“A rua, rígida na função tradicional – espaço destinado ao fluxo – às vezes se


transforma e vira outras coisas: (...) trajeto devoto em dia de procissão, local
de protesto em dia de passeata, de fruição em dia de festa, etc. Ás vezes é
vitrine, outras é palco, outras ainda lugar de trabalho ou ponto de encontro”
(MAGNANI, Disp. em www.n.a.u.org).

Valorizar o espaço público, propor a interação e confraternização em um


momento de lazer gratuito e espontâneo são os principais fundamentos do
Piquenique Cultural. A organizadora Aline Maciel comenta no programa Galeria:
20

“a ideia é se integrar ao espaço, nesse caso espaço público e ao ar livre. A


ideia é que as pessoas transitem, olhem uma “banquinha” de artesanato, uma
banca de livros, essa possibilidade de trânsito livre, que as pessoas se sintam
mais a vontade, sentar no chão, compartilhar, comer juntos, conhecer outras
pessoas, isso aproxima muito. A intenção é que cada um que esteja ali possa
aproveitar, possa ampliar sua vivência” (Piquenique Cultural, Galeria, TV
Câmara, 2011)

Como foi explicado, o Piquenique Cultural é um evento multiartístico e


itinerante que acontece em praças e parques da cidade: além de promover também
a ocasião para reuniões de amigos e familiares em locais públicos ao ar livre. A
diversidade intrínseca à proposta evidencia um espaço que propicia encontros
coletivos para todas as idades, níveis sociais e pensamentos. O lugar se configura
como um palco para atividades culturais e performances artísticas, compondo uma
“vitrine coletiva“.

Esse material empírico pode ser interpretado à luz da noção de totalidade,


proposta por Magnani (2002, p. 19), como pressuposto para realização da etnografia
e elaboração das categorias conceituais pedaço e mancha, resultado de pesquisas
sobre práticas de lazer, locais de encontro e formas de sociabilidade em São Paulo.

Enquanto a categoria pedaço se adéqua as relações de bairro em que seus


moradores estabelecem códigos de pertencimento com caráter de lealdade
compartilhado pelo grupo, em outras partes do espaço urbano, como regiões mais
centrais da metrópole paulista, onde prevalece o anonimato e a impessoalidade,
também pode haver espaços para reunião de pessoas de várias procedências. Em
muitos desses lugares, geralmente usados como pontos de encontro e lazer, os
frequentadores não se conhecem, “mas sim se reconhecem como portadores dos
mesmos símbolos que remetem a gostos, orientações, valores, hábitos de consumo
e modos de vida semelhantes”, o que, para o autor, caracteriza a “mancha”
(MAGNANI, 2002, p. 22).

Esta categoria representa formas de apropriação do espaço, utilizados como


ponto de referência para prática de determinadas atividades. Caracterizada por novo
contexto, a categoria mancha refere-se a pontos de aglutinação de pessoas,
metaforicamente, numa visão panorâmica (de cima para baixo) reproduz uma
“mancha“ no território urbano.
21

“Ganges, bandos, turmas, galeras, exibem – nas roupas, nas falas, na


postura corporal, nas preferências musicais – (...) venham de onde vierem, o
que buscam é o ponto de aglutinação para a construção e o reconhecimento
de laços. (...) vão até lá para encontrar seus iguais, exercitar-se no uso dos
códigos comuns, apreciar os símbolos escolhidos para marcar as diferenças.
È bom estar lá, ‘rola um papo legal’ fica-se sabendo das coisas... e é assim
que essa rede de sociabilidade vai sendo tecida” (MAGNANI, 2002, p. 22).

A noção de mancha atende ao universo do Piquenique Cultural aqui


estudado, pois compreende um microcosmo, caracterizado por relações
multifacetadas, de diferentes aspectos e funções. No presente estudo, o primeiro
aspecto significante é a apropriação do espaço público, sob forma de uso e
referência espacial. Já o outro fator determinante do recorte de estudo é o simbólico:
códigos compartilhados, laços de reciprocidade e integração. Além de promover e
valorizar a cultura e as artes, o encontro em questão revitaliza os espaços públicos
sob forma de lazer.

Figura 8: Praça do Direito, 14ª edição. (Foto: acervo Teatro do Chapéu Azul)

A categoria mancha representa o lugar para cruzamentos e interações, de


encontros imprevistos com combinações variadas. “Numa determinada mancha
sabe-se que tipo de pessoas e serviços se vai encontrar, mas não quais, e é esta a
22

expectativa que funciona como motivação para seus frequentadores” (MAGNANI,


2002, p. 23).

O Piquenique Cultural é um movimento que possibilita a multiplicação de


relações e interações entre diferentes comportamentos, gestos, costumes e práticas.
Este aspecto do encontro funciona “como pólo efetivo para um sistema de trocas”
(MAGNANI, 2002, p. 24), pois compreende um conjunto de práticas coletivas.

A noção de mancha é oportuna para elaborar um entendimento sobre da


dinâmica do evento, principalmente, no que tange sua diversidade cultural,
multiplicidade de lugares, equipamentos, usos, formas, cores, sons, gente “de todo
tipo”.

“As atividades que oferece e as práticas que propicia são um resultado de


uma multiplicidade de relações entre seus equipamentos, edificações e vias
de acesso, o que garante uma maior continuidade, transformando-a, assim,
em ponto de referencia físico, visível e público, para o numero mais amplo de
usuários” (MAGNANI, 2002, p. 23).

Conforme Magnani (2002, p. 21) a categoria mancha compreende uma


dimensão espacial, física, que constitui um território; e outra dimensão social,
formando uma rede de interações que se estende ao longo do território.

Para complementar esta categoria, Magnani (2002, p 23) aborda as noções


de trajeto e circuito, o termo “trajeto aplica-se a fluxos recorrentes no espaço mais
abrangente da cidade e no interior das manchas urbanas”.

Os trajetos ligam os equipamentos urbanos e os pontos de referência nos


limites entre pedaço e mancha. No interior das manchas, os trajetos percorridos são
de curta extensão, demarcados pelo andar. Contudo, os trajetos projetados pela
circulação das pessoas, seguem caminhos que não são aleatórios, representam
escolhas ou recortes feitos pelos indivíduos no interior da mancha. A metáfora do
caminhante (De Certeau, 1997, 171) enquanto forma de uso e apropriação do
espaço urbano, corresponde aos comportamentos e atitudes evidenciadas nos
espectadores que passeiam por entre o Piquenique Cultural, traçando seus próprios
caminhos dentro de um contexto generalizado.
23

“Assim, a idéia de trajeto permite pensar tanto uma possibilidade de escolhas


no interior das manchas como na abertura dessas manchas e pedaços em
direção a outros pontos no espaço urbano, e por consequência, a outras
lógicas” (MAGNANI, 2002, p. 23).

Enquanto a categoria mancha delimita um território particular, a noção de


circuito representa formas de uso do espaço e de seus equipamentos por um
conjunto de pessoas, “possibilitando, por conseguinte, o exercício da sociabilidade
por meio de, encontros, comunicação, manejo de códigos” (MAGNANI, 2002, p. 24).

Nas palavras do autor,

“estas formas de apropriação não são escolhas individuais, nem são


aleatórias: são resultados de rotinas cotidianas ditadas por injunções
coletivas que regulam o trabalho, a devoção, a diversão, a convivência e que
deixam suas marcas no mapa da cidade. O resultado é um desenho bastante
particular e que se sobrepõe ao desenho oficial da cidade” (MAGNANI, 2002)

O circuito é um principio de classificação, distingue os diferentes circuitos de


uma (mesma) mancha, permitindo perceber como eles mantêm contatos, vínculos e
trocas. Nesse caso, por exemplo, o circuito musical, o circuito artístico, circuito
literário, o circuito universitário, o circuito gay, o circuito esotérico, entre outros
circuitos que se apresentam no contexto da Feira. Conforme Magnani (2002), é
possível perceber os distintos circuitos que o individuo percorre ao delimitar seu
próprio trajeto, seja nos planos profissionais, no lazer, no consumo ou nas formas de
participação social.

Associando a categoria de circuito à concepção proposta por Howard Becker


(1977), sobre os mundos artísticos e os tipos sociais, é possível relacionar a noção
de circuito ao que Becker chama de “mundos”.

A estrutura teórica proposta por Becker, antropólogo da escola interacionista


simbólica, contribui com uma nova leitura acerca do objeto de estudo. Analisando o
universo artístico-musical, Becker (1977) definiu a categoria, mundos artísticos,
segundo tal perspectiva, os grupos sociais são um conjunto organizado de pessoas
que produzem ações ou fatos.

Nessa concepção, os mundos artísticos e os tipos sociais, são construtos


coletivos dos participantes envolvidos no processo produtivo, “o resultado da ação
24

coordenada de todas as pessoas cuja cooperação é necessária para que o trabalho


seja realizado da forma que é” (BECKER, 1977, p. 09).

O Piquenique Cultural é um movimento idealizado em meados de 2010, pelo


grupo de atores que compõe o Teatro do Chapéu Azul. A iniciativa de utilizar os
espaços públicos urbanos, buscando articular a comunidade pelotense e o cenário
artístico da cidade, procurava dar continuidade às atividades desenvolvidas no
espaço cultural Casa do Joquim 2. Da fusão dessas ideias que afloravam com o
fechamento da casa, surgiu o projeto Piquenique Cultural, configurando uma
oportunidade para exposição e divulgação de trabalhos relacionados à arte e a
cultura, um momento para criar redes, agregar pessoas, conhecer formas criativas.

Segundo o colaborador Aisllan Souza, o encontro reúne as pessoas em um


local público, propiciando o dialogo entre as varias expressões da cultura e da arte.
Contudo, este informante lembra que:

“a proposta se aprofunda devido às dificuldades que permeiam a sua


execução. Temos várias preocupações para a realização do evento e
tentamos pensar em tudo o que poderá acontecer e prever tudo o que
necessitamos para o desenvolvimento da ação. (...) Vale lembrar que
é um evento gratuito e organizado por mulheres e homens
conscientes de seu papel e que sabem da necessidade de um espaço
para a interação do resgate da memória e da cultura, com muita
música, dança, teatro e tantas expressões de arte forem possíveis. É
difícil e sempre contamos com os nossos parceiros: amigos, parentes,
moradores dos arredores das praças, ONG’s, OSC’s, OSCIP’s, poder
público, autarquias, etc.” (Aisllan Souza, entrevista web).

Na compreensão de Becker (1977), as convenções regulamentam a rede de


cooperação constituída através atividades partilhadas e relacionadas entre si.
Conforme este autor, o valor social atribuído a um objeto ou ação oriunda da
interação de todas as partes envolvidas produz um sentido comum de valor, sendo
que um valor que é determinado coletivamente está diretamente relacionado às
convenções partilhadas pelo grupo. Conforme o autor, “as pessoas coordenam suas
ações a partir de um conjunto de concepções convencionais incorporadas numa

2
Casa do Joquim foi um espaço cultural de Pelotas, organizado por Pedro, Aline e outros colaboradores
(artistas, músicos e escritores) no ano de 2009, que reunia manifestações de cunho artístico. A companhia
Teatro do Chapéu Azul originou-se nesse espaço, bem como, muitas idéias que deram corpo ao projeto-piloto
Piquenique Cultural surgiram em função do fechamento da Casa.
25

pratica comum e nos produtos comerciais do mundo a que pertencem” (GOMBRICH,


1960; MEYER, 1956; SMITH, 1968; apud BECKER, 1977, p.10).

O autor Michel De Certeau (1994, p. 170) em “A invenção do cotidiano, as


artes do fazer” traz uma abordagem teórica acerca dos espaços urbanos, para isso
utiliza o exemplo da metrópole de Nova Iorque para expressar como as construções
e variações do espaço de uma cidade – suas ruas, praças e edifícios – tornam
alheias as relações cotidianas, criando um distanciamento entre os indivíduos, “a
massa que carrega e tritura em si mesma toda identidade de atores e de
espectadores”. As grandes cidades com sua aparente mobilidade deixam de lado as
lógicas e práticas dos que vivem ali – dos praticantes ordinários da cidade.

Desse modo, De Certeau utiliza a metáfora do caminhante: indivíduos que


circulam pela cidade e ao circular, como num traço, tecem redes nos trajetos
urbanos que percorrem. “Forma elementar dessa existência, eles são caminhantes,
pedestres, (...) cujo corpo obedece aos cheios e vazios de um ‘texto’ urbano que
escrevem sem poder lê-lo” (DE CERTEAU, 1994, p 171).

“As redes dessas escrituras avançado e entrecruzando-se compõem um


historia múltipla, sem autor nem espectador, formadas em fragmentos de
trajetórias e em alterações de espaços: com relação às representações, ela
permanece cotidianamente, indefinidamente, outra” (DE CERTEAU, 1994, p.
171).

De Certeau (1994) critica a concepção racionalista da cidade, a cidade-


conceito é utópica e urbanística, e não coincide com as práticas urbanas. Este
conceito de cidade planejada cria um sujeito universal e anônimo, que se configura
na totalidade da Cidade. As atribuições desta cidade são de um lado de organizar,
acomodar, articular; e de outro normatizar, conter, redistribuir as partes em função
da mesma.

No entanto, essa cidade-conceito produz acúmulos, detritos, deslocamentos,


desvios, despesas, ou seja, se degrada. “Enfim, a organização funcionalista,
privilegiando o progresso, faz esquecer sua condição de possibilidade, o próprio
espaço, que passa a ser o não pensado” (DE CERTEAU, 1994, p. 174).

Conforme De Certeau (1994, p. 179), os indivíduos não se vêem, não


pertencem a essa organização funcional, entretanto, possuem singularidades, agem,
26

movimentam-se, tecem os lugares pelo traço de caminhar, manifestam no plano


simbólico “maneiras de ser” - e “maneiras de fazer” - de um homem no mundo. O
autor utiliza a retórica da caminhada para esclarecer o cerne de sua teoria:

“é um processo de apropriação do sistema topográfico pelo pedestre; é uma


realização espacial do lugar; enfim, implica relações entre posições
diferenciadas, ou seja, ‘contratos’ pragmáticos sob forma de movimentos. O
ato de caminhar parece portanto encontrar uma primeira definição como
espaço de enunciação” (DE CERTEAU, 1994, p. 177).

De Certeau (1994) classifica e diferencia lugar de espaço, o lugar é


cartesiano, geométrico, já o espaço é existencial, vivenciado, apresentando as
singularidades dos indivíduos urbanos, nas expressões e ações. Na concepção de
De Certeau, o espaço é essencialmente praticado, “o espaço é existencial e a
existência é espacial. (...) Deste ponto de vista, existem tantos espaços quanto
experiências espaciais distintas” (DE CERTEAU, 1994, p. 202).

O Piquenique Cultural configura um espaço existencial e coeso que articula


relações, de modo a estabelecer um contato ativo. Nas relações entre adultos e
crianças, evidenciou-se no evento um ambiente onde as crianças têm pleno espaço,
e manifestam uma forma elementar de aprendizado (de pai para filho), onde ocorrem
momentos oportunos para a expressão e transmissão de valores aos mais novos.
Trata-se de uma grande confraternização, que possibilita a descontração,
oportunizando a interação com os patrimônios da cidade, e além disso, potencializa
a conscientização para com a sociedade e o poder público.

Segundo De Certeau (1994, p. 180), as práticas do espaço correspondem à


manipulação da ordem construída, nesse sentido, “Um lugar é a ordem segundo a
qual se distribuem elementos nas relações de coexistência” (DE CERTEAU, 1994, p.
201).

Marc Augé (1994) categoriza o espaço urbano em lugar e não-lugar, o espaço


que não integra relações corresponde ao não-lugar, ao lugar transitório, efêmero,
factual. A agitação dos transeuntes circulando por estradas e cruzamentos simboliza
o universo do não-lugar, ou seja, o lugar de passagem, que não implica relações ou
interações entre os indivíduos que se cruzam, o não-lugar opõem-se ao Piquenique
Cultural.
27

Em contra partida ao não-lugar, o lugar corresponde ao ambiente sonhado,


não é o lugar de passagem, mas de permanência, de encontro. É o lugar idealizado,
que possui sentido e significado como rede de relações que constitui.

O lugar e o não-lugar são antes de tudo, polaridades.

“Se um lugar pode se definir como identitário, relacional ou histórico, um


espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional,
nem como histórico definirá um não-lugar“ (AUGÉ, 1994, 73).

No ponto de vista de Augé (1994), o lugar compõe um “sentido único”, que é


caracterizado pela troca sugestiva de senhas, de convivências. É o lugar
compartilhado e definido como um território entre aqueles cujas razões, argumentos
e ações “compõem uma cosmologia” (AUGÈ, 1994, p. 73). Portanto, a noção de
lugar simboliza e representa o que Augé chama de “lugar antropológico”. Esta
categoria proposta por Augé (1994) refere-se ao lugar idealizado, que possibilita a
interação de diferentes comportamentos, costumes, práticas e gestos.

Durante a 15º edição do Piquenique Cultural observava, de um lado, alguns


amigos trazendo seus violões e pandeiros para tocar juntos, outros buscando
reflexão, uma oportunidade de praticar ioga ou meditar. O ambiente demonstra
aspectos de reciprocidade, afetividade e relaxamento.

Figura 9: Harmonia astral, 15ª edição, Parque da Baronesa (Foto: Beatriz Rodrigues)

Conforme Augé (1994, p. 86), a influência da supermodernidade nos


indivíduos, lhes “impõe consciências individuais, novíssimas experiências e
28

vivências de solidão, diretamente ligadas ao surgimento e à proliferação de não-


lugares”. Estes produtos da supermodernidade (auto-estradas, supermercados,
aeroportos, terminais bancários, etc.) condicionam as situações cotidianas (posturas,
atitudes) a banalidades práticas, passageiras e prosaicas.

“Sozinhos, mas semelhantes aos outros, o usuário do não lugar está com
este em relação contratual, A existência desse contrato lhe é lembrada na
oportunidade: a passagem que ele comprou, o cartão que deverá apresentar
no pedágio, ou mesmo o carrinho que empurra nos corredores do
supermercado são a marca mais ou menos forte desse contrato. O contrato
sempre tem relação com a identidade individual daquele que subscreve”
(AUGÉ, 1994, p. 93).

Segundo Augé, essas relações habituais do individuo de “sair” do anonimato,


apresentar e legitimar sua identidade pessoal, para finalmente poder “retornar” ao
anonimato, como por exemplo, as relações de consumo, representam o signo do
não-lugar.

“O passageiro do não-lugares só reencontra sua identidade, no controle da


alfândega, no pedágio ou na caixa registradora. Esperando, obedece ao
mesmo código que os outros, registra as mesmas mensagens, responde às
mesmas solicitações. O espaço do não-lugar não cria nem identidade singular
nem relação, mas sim solidão e similitude” (AUGÈ, 1994, p. 95).

O microcosmo composto pelo Piquenique Cultural configura trocas de


símbolos e sentimentos, por meio de múltiplas relações, que promovem formas de
resistência e oposição ao caráter hegemônico da supermodernidade. “Os não-
lugares, produtos da contemporaneidade, opõem-se a noção de lugar antropológico,
designado desde Mauss por uma tradição fundada na idéia de totalidade” (RIETH,
1995, p 170).

Em nota referente à 11º edição do Piquenique Cultural, o Diário Popular


(24/02/2012, p. 3) descreve: “a ideia é se livrar das pressões do dia-a-dia e
compartilhar, trocar, socializar”. Esta edição contemplou a Praça Dom Antônio
Zattera, como “um espaço amplo de convivência urbana e um dos mais antigos da
cidade“. Segundo a produtora Aline, em comemoração aos duzentos anos de
Pelotas “vamos explorar as praças mais históricas, trabalhando a memória do
pelotense acerca dos seus espaços públicos de sociabilidade”.
29

Este evento, como foi explicitado, busca estabelecer um espaço de


reconhecimento na comunidade pelotense, constituindo aquilo que Guattari designa
de territórios (p. 110):

“os territórios estariam ligados a uma ordem de subjetivação individual e


coletiva, (enquanto) o espaço (estaria) ligado mais às relações funcionais de
toda espécie. O espaço funciona como referência extrínseca em relação aos
objetos que ele contém. Ao passo que o território funciona em uma relação
intrínseca com a subjetividade que o delimita”.

Segundo Felix Guattari, o espaço é vazio, não tem conteúdo, é desconexo, ao


passo que, quando se configura um território, este reivindica movimentações, ou
seja, ocupações do espaço. O Piquenique Cultural, nessa lógica, promove a
capacidade de constitui, mesmo que provisoriamente, territórios onde antes havia
apenas espaços, mesclando atividades coletivas e individuais, no âmbito da cultura
e da arte.

“Um piquenique de cardápio recheado. Com musica, fotografia, desenho,


livros, quadrinhos, amizades, chimarrão e o cheiro de algodão-doce no ar. (...)
Idosos, adultos, jovens crianças e ate mesmo mascotes aproveitaram a
bonita tarde de domingo que convidava pra atividade ao ar livre. O público
tomou conta da praça.” (DIÁRIO POPULAR, 21/03/2011, p. 7).

Deleuze e Guatarri (1997, p. 180) distinguem espaço liso de espaço estriado.


O espaço liso é vazio, vago, no momento em que este espaço é ocupado,
territorializado, torna-se estriado. O liso passa a ser estriado, bem como, o estriado
também pode torna-se liso: é complexa e mista a passagem de uma forma de
espaço à outra.

Segundo a parceira do evento, Guiliana Bruno:

“o sentido da proposta do Piquenique é bem simples, tornar lugares que são


"ditos" lugares públicos de lazer, verdadeiramente lugares onde se pratica o
lazer. Praças que estão esquecidas, abandonadas para serem vistas,
lembradas e utilizadas para o lazer e união de pessoas em prol dessa troca.
É triste saber que temos muitos lugares abandonados que não tem
manutenção e, portanto as pessoas passam por esses lugares sem fazer uso
deles” (Entrevista on-line).
30

O Piquenique Cultural estria e territorializa os espaços urbanos, muitas vezes,


abandonados ou degradados (pelo próprio desuso). O encontro Piquenique Cultural,
possibilita que as pessoas saiam do isolamento de seus espaços privados, para
interagir em um espaço público com as demais formas de expressão lá presentes.

(...) tinha essa “coisa” de querer reviver as praças, a ocupação do espaço


público com arte, a comunidade nas praças utilizado desses espaços e
percebendo esses espaços como seus. Claro que a comunidade como um
todo são trezentas mil pessoas, mas se conseguir mobilizar uma parte, já
recompensa. Eu faço para os que já estão envolvidos, mas também para as
pessoas que estão passando e outras, motivar estas interações, que venham
como uma surpresa, como uma coisa nova, como um respiro pra mim. (Aline,
entrevista)

Deleuze e Guattari (1997, p. 180) baseiam-se em seis modelos – da


tecelagem, musical, marítimo, matemático, físico e estético – para categorizar e
diferenciar as dimensões entre espaço liso e estriado. No modelo da tecelagem o
feltro refere-se ao espaço liso e o tecido, com seus fios entrecruzados representa o
espaço estriado.

O modelo musical elaborado por Boulez correlacionou os espaços liso dos


espaços estriados. Conforme Deleuze e Guattari (1997, p. 184) “a preocupação de
Boulez é a comunicação entre dois tipos de espaço, suas alternâncias e
superposições”. O modelo marítimo compara o mar ao espaço liso, e a prática da
navegação altera esse espaço liso, ocorrendo um estriamento do espaço:

“a estriagem dos mares se produziu na navegação de longo curso. O espaço


marítimo foi estriado em função de duas conquistas, astronômica e
geográfica: o ponto, que se obtém por um conjunto de cálculos a partir de
observação exata dos astros e do sol; o mapa, que entrecruza meridianos e
paralelos, longitudes e latitudes esquadrinhado, assim, regiões conhecidas e
desconhecidas” (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 186).

O espaço liso supõe potencialmente, a desterritorialização do espaço, logo, o


espaço estriado se estabelece como um território, a estriagem é o entrecruzamento
de variáveis. O modelo matemático emprega a expressão “multiplicidade” para
demonstrar este caráter. Conforme Deleuze e Guattari (1997, p. 190) “cada
multiplicidade se definia por n determinações, mas ora as determinações eram
independentes da situação, ora dela dependiam.”
31

Essas considerações contribuem para a compreensão das transformações


ocorridas nos espaços urbanos, que se tornaram palco do evento que nos atém.

“Há pouco mais de um ano, o Piquenique Cultural abre um leque de


expressões artísticas e promove gratuitamente, arte e cultura a toda
comunidade pelotense. Na tarde de ontem, o parque Dom Antônio Zattera foi
palco da 11º edição do projeto. Artistas, visitantes e curiosos protagonizaram
cenas de interação, expressão, descobrimento e descontração (...).
Artesanato, música, pintura, literatura, ideias, ideais, movimento.” (DIÁRIO
POPULAR, 27/02/2012, p. 8).

O estriamento do espaço, ou seja, a passagem do espaço liso ao estriado,


denota noções complexas, até mesmo, imprecisas:

“(...) consiste em domar, sobrecodificar, metrificar o espaço liso, neutralizá-lo,


mas consiste igualmente em proporcionar-lhe um meio de propagação, de
extensão, de refração, de renovação, de impulso, sem o qual ele talvez
morresse por si só: como uma máscara, sem a qual não poderia haver
respiração nem forma geral de expressão.” (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p.
194).

Este capítulo buscou iluminar a relação do universo investigado e o meio


urbano enquanto contexto dialógico e cultural, estes aspectos levantam a questão
da sociabilidade e territorialidade. A movimentação do Piquenique Cultural, sua rede
de relacionamentos e ações se circunscrevem sob contexto urbano, justapondo
estas duas questões. A abordagem do próximo capítulo refere-se ao contexto
urbano sob a perspectiva onírica, mencionando as construções do imaginário e da
memória coletiva.
32

CAPÍTULO III: A percepção do Piquenique e a noção de imagem-dialética

Magnani, em seu texto Rua, símbolo e suporte da experiência urbana; instiga-


nos a pensar a rua enquanto símbolo e meio de sociabilidade, atentando para as
ruas de Paris do século XIX, descritas nas obras do poeta francês Charles
Baudelaire, cujos personagens, comportamentos e práticas, são retomados nos
textos de Walter Benjamin.

Nesta corrente de pensamento, o flaneur parisiense, acostumado ao glamour


dos cafés, restaurantes, boutiques e bares, transitava pelos boulevares
contemplando as “maravilhas” proporcionadas pelo avanço da modernidade. No
processo de modernização da cidade tradicional, estas mudanças eram visíveis nas
paisagens da cidade, ou seja, na arquitetura dos grandes prédios, na construção de
longas vias rodoviárias assegurando a rapidez nos deslocamentos (ligando um
ponto da cidade a outro), na heterogeneidade funcional dos equipamentos e
tecnologias urbanas, entre outras transformações introduzidas pelo progresso do
urbanismo racionalista.

Estes escritos de Walter Benjamin a respeito da obra do poeta Baudelaire


descrevem como os aspectos da cidade de Paris, no século XIX, representam o
caráter fetichista da mercadoria. Conforme os autores Bolle (2000) e Rouanet
(1993), a “Obra das Passagens” de Benjamin, propõe uma releitura da imagem da
cidade, sob a ótica das questões relacionadas ao advento da modernidade.
Destacando alguns temas fundamentais da obra de Baudelaire, tal como a moda, as
passagens, o flaneur, o urbanismo, enquanto categorias centrais de analise,
Benjamin sistematiza os pensamentos e noções que deram forma ao livro sobre
Baudelaire.

No artigo “o flaneur”, Benjamin organizou conjunturas analíticas abrangentes,


isto “significa que ele quis incorporar todas as informações relevantes sobre a
história social da cidade de Paris no século XIX” (BOLLE, 2000). A questão da
construção de um olhar sobre a metrópole moderna permite recorrer ao universo
onírico do século XIX e despertar para as contradições e catástrofes humanitárias
que decorrem desse sonho no século XX.
33

Partindo do conceito de imagem-dialética, Benjamin (apud Bolle, 2000)


analisa esses sonhos coletivos e, tendo recebido forte influência do movimento
surrealista, propõe a perspectiva do despertar.

“Enquanto os surrealistas escolhem a forma do “sonho” para expressar a


mitologia da época, o historiador materialista procura elaborar uma forma de
“despertar”, como método pra traduzir a linguagem inconsciente para o
conhecimento consciente. O saber é obtido através de uma operação
dialética: do “ainda não consciente” à consciência despertada, e vice-versa. O
protagonista deste projeto são as passagens parisienses, enquanto vestígio
arquitetônico mais importante da mitologia do século XIX” (BOLLE, 2000, p.
62).

Ao elaborar o conceito chave de imagem-dialética, a intenção de Benjamin é


refletir sobre o “sonho da modernidade”, vivenciado Pós-Revolução Industrial e
retratado nas obras artísticas de Baudelaire, sobretudo, atentando para incidência
dos “sonhos coletivos”. “A coletividade sonhadora, que mergulha nas passagens
como no interior de seu próprio corpo” (BENJAMIN, apud. BOLLE, 2000, p. 63)
configura, essencialmente, o sonho do consumo.

“Nos “sonhos coletivos” do século XIX, que se materializam em construções


como as passagens, nas modas e na produção de imagens – expressa-se a
mitologia da modernidade. (...) A metrópole moderna fundadora de uma nova
mitologia, onde as construções assumem “o papel do subconsciente”. Os
primeiros monumentos da Revolução Industrial – construções em ferro, como
as estações ferroviárias e os pavilhões de exposição, ou as passagens como
precursoras das lojas de departamentos – repercutem fortemente no
imaginário coletivo” (BOLLE, 2000, p. 65).

Benjamin (apud Bolle, 2000, p. 68) através do conceito de imagem-dialética,


esclarece a noção de fetichismo da mercadoria, conforme categorias psicanalíticas
entre o “consciente/inconsciente coletivo” sistematizando terminologias que
reproduzem o sentido fetichista-alienante da imagética moderna – a imagem do
desejo e as fantasmagorias do espírito do capital – enquanto construções de utopias
coletivas.

Segundo Bolle (2000, p. 85), a noção de imagem-dialética se configura na


moda, nas passagens, na arquitetura, nas estradas, no panorama, na iluminação, no
jogo, na prostituta, no colecionador, no trapeiro, na boheme, no flaneur. Na
34

concepção de Benjamin (apud Bolle, 2000, p. 82) “a modernidade” se apresenta, do


começo ao fim, como uma sequência de imagens-dialéticas.

O embasamento teórico de Benjamin, cuja interpretação do imaginário


coletivo se dá através da percepção de imagens-dialéticas, possibilitou à pesquisa
em questão, uma interessante forma de análise. A memória coletiva reproduz o ideal
de um passeio rotineiro pela praça que possibilita encontros, trocas, vivências –
entre conhecidos e desconhecidos. Estas noções expressam o imaginário lúdico e
onírico que envolve a figura da praça enquanto meio de sociabilidade.

“(...) lembrando aquela frase da canção do Milton Nascimento: aonde o povo


está! Ocupar as praças públicas com as pessoas, propondo um resgate de
uma tradição que é o piquenique: preparar um lanche, chamar a família e os
amigos, estender uma toalha, conversar, aproveitar o ar livre, o ambiente da
praça e poder participar da alegria que é o Piquenique Cultural” (Junelise
Martino, colaboradora, em entrevista on-line).

Atribuir às imagens-dialéticas um valor real e construtivo me permitiu perceber


como essas imagens “chave” se apresentam no contexto analisado. A figura do
pipoqueiro, do vendedor de algodão doce, por exemplo, representa no imaginário
coletivo a percepção lúdica e poética de um “verdadeiro piquenique” no parque. As
imagens-dialéticas não estão inertes, elas dialogam entre si e com o meio,
confrontando a realidade social.

Em reportagem do Diário Popular (2010) sobre o Piquenique Cultural,


nomeada “Cultura à moda antiga” a matéria ressalta o caráter do evento, fortemente
ligado à memória coletiva da cidade.

“A cidade de Pelotas tem em sua historia um capitulo muito bonito e talvez


um tanto esquecido. No inicio do século 20 era comum famílias e amigos
reunirem-se em piqueniques ao ar livre, especialmente no parque Souza
Soares. Infelizmente esse tipo de atividade não existe mais atualmente. Tal
programação foi ao longo do tempo, se dissipando e chegamos ao século 21
sem notícias que expressem sua realização sistemática pela comunidade
pelotense. Nesse sentido, o Piquenique Cultural vem propor um encontro que
reúna piquiniqueiros a fim de resgatar esse lazer histórico de nossa cidade,
valorizando o convívio familiar de forma saudável e alternativa aos
entretenimentos comumente divulgados” (DIÁRIO POPULAR, 8/11/2010, p.
6)
35

Na opinião do parceiro Aisllan Souza a proposta do Piquenique resume-se na


reunião das pessoas em um local público, potencializando um espaço para o resgate
da memória e da cultura da cidade.

Bolle (2000, p. 88) salienta que juntamente com a imagem-dialética, o


principio de montagem foi fundamental na obra de Benjamin, isso porque a imagem
dialética não é uma imagem dada, mas sim construída.

Figura 10: Praça dos Enforcados, 13ª edição. (Foto: Lúcio Pereira)

O imaginário enquanto um construto coletivo – lúdico ou onírico – está


relacionado aos sentidos e sensibilidades guardados na memória. O sentido que
envolve o Piquenique Cultural é de certa maneira, praticar a memória coletiva, com
intuito de rememorar a sensação proporcionada por um piquenique, onde se
estabelecem laços cordiais e afetivos. O evento propõe o resgate de um lazer
bucólico, não se trata apenas de uma feira comercial, mas de um canal de
expressão aberto a novas ideias e propostas. Esta característica é sem duvida,
muito significante no Piquenique Cultural e o diferencia dos demais eventos culturais
da cidade.

Sob a ótica benjaminiana da imagem-dialética, evidenciei no decorrer do


estudo, que o evento Piquenique Cultural, propõe – como a perspectiva do despertar
– um chamado de conscientização social para os prejuízos da sociedade
36

individualista e consumista, e para as responsabilidades do poder público na relação


da cidade com seus habitantes.

Figura 11: Serginho da vassoura, artista independente. (Foto revista e-cult 05/2011)

As questões sobre consumo, superprodução de lixo e ecologia são


frequentemente levantadas pela organização nos encontros, o próprio emblema do
evento adverte: Traga seu lanchinho e o saquinho de lixo.

“Eu acredito que o envolvimento da comunidade, do poder público e da


iniciativa privada nesse tipo de ação que abranja os espaços que são
públicos, e que é dever desses segmentos cuidar e zelar, é fundamental. O
piquenique cultural tem muito disso, nós temos que pensar na questão
urbana, no que está se transformando as nossas cidades e o que vai restar
para gente, se agente não se mobilizar.” (Piquenique Cultural, Galeria, TV
Câmara, 2011).

Figura 12: Recicle ideias. (Foto: Lúcio Pereira)


37

Oportunizando práticas criativas e alternativas para as questões cotidianas, o


evento propicia um espaço de reflexão e discussão sobre temas contemporâneos,
demandas sob as quais a sociedade em geral, muitas vezes não se intera ou não
percebe. Sobre este assunto, vejamos o texto literário do escritor italiano, Ítalo
Calvino (1990) sobre a cidade de Leônia:

“A cidade de Leônia refaz a si própria todos os dias: a população acorda


todas as manhãs em lençóis frescos, lava-se com sabonetes recém-tirados
da embalagem, veste roupões novíssimos, extrai das mais avançadas
geladeiras latas ainda intactas, escutando as últimas lenga-lengas do ultimo
modelo de rádio. Nas calçadas, envoltos em límpidos sacos plásticos, os
restos da Leônia de ontem aguardam a carroça do lixeiro. Não só os tubos
retorcidos de pasta de dente, lâmpadas queimadas, jornais, recipientes,
matérias de embalagem, mas também aquecedores, enciclopédias, pianos,
aparelhos de jantar de porcelana: mais do que pelas coisas que todos os dias
são fabricadas vendidas compradas, a opulência de Leônia se mede pelas
coisas que todos os dias são jogadas fora para dar lugar às novas. Tanto que
se pergunta se a verdadeira paixão de Leônia é de fato, como dizem, o prazer
das coisas novas e diferentes, e não o ato de expelir, de afastar de si,
expurgar uma impureza recorrente. O certo é que os lixeiros são acolhidos
como anjos e a sua tarefa de remover os restos da existência do dia anterior
é circundada de um respeito silencioso, como num rito que inspira a devoção,
ou talvez apenas porque, uma vez que as coisas são jogadas fora, ninguém
quer mais pensar nelas.” (CALVINO, 1990, p. 105)

Esta metáfora é oportuna para visualizar a questão do lixo na sociedade


contemporânea. Nesse sentido, o Piquenique Cultural instiga-nos a repensar nossas
atitudes, tanto sobre o que consumimos (sobre o que realmente precisamos), quanto
sobre o que jogamos fora, o que aparentemente não tem mais valor.

É pensando o lixo enquanto possibilidade artística, que as práticas


alternativas dos projetos Olhos de lata e ecoartezanato, pensam seus trabalhos. A
ideia criativa do projeto Olhos de lata trata da utilização de latas de alumínio
recicladas isoladas por uma fita, como protótipos de equipamentos fotográficos
artesanais (Figura 13). No ecoartezanato, Tianá produz acessórios e artefatos
multicoloridos de material reciclado. Esta noção de construir um novo olhar sobre
objetos que foram consumidos e descartados sugere um novo sentido para esta
questão, mobilizando a conscientização social.
38

Figura 13: Projeto olhos de lata. (Foto: Lúcio Pereira)

Para Benjamim, as figuras do trapeiro e do colecionador, que recolhem e


acumulam os objetos produzidos pela sociedade industrial, foram categorias
representativas desta questão, tal como o flaneur “enquanto colecionador de
sensações da grande cidade, um sonhador de imagens de desejo e fantasmagorias”
(BOLLE, 2000, p. 71).

Conforme Rouanet (1993) a viagem do flaneur representa a alienação


procedente da mercadoria, ou seja, no universo em que ele está inserido as
passagens, a moda, o jogo, o urbanismo, são os agentes da mercadoria. O seu
imaginário coloca-o entre a vida real e o delírio, oscilando entre a dimensão física e
onírica.

“O itinerário do flaneur foi construído de modo a ilustrar essa dialética. Sua


percepção funciona sempre em dois registros, em dois níveis de realidade – a
objetiva e a onírica. E, dentro desta há sempre um vetor utópico e outro
mítico” (ROUANET, 1993, p. 55).

Segundo Bolle (2000, p. 74) no ensaio A Paris do Segundo Império em


Baudelaire, Benjamin sintetiza sua visão da modernidade, se aprofundando ainda
mais na noção de imagem-dialética. Interpretando a bohème enquanto personagem
coletivo (os poetas e artistas) e o trapeiro como símbolo da modernidade degradada.

Aprofundando a noção de imagem-dialética em meu trabalho de campo,


percebi o caráter emblemático da bicicleta, enquanto meio de transporte consciente
e alternativo, associado ainda a um determinado estilo de vida, a hábitos saudáveis
e conscientes. Esta prática sustentável constitui valores coletivos de respeito e
valorização da natureza por meio da diminuição de carros na cidade, o que
39

consequentemente diminuiria a emissão de gazes poluentes na atmosfera. O uso da


bicicleta como forma de locomoção, possibilita a prática de atividade física, lazer,
esporte, mobilidade, entre outros benefícios que envolvem esta atitude não
convencional. Essa característica é constante no contexto do Piquenique Cultural. A
esta conjuntura associa-se a prática esportiva do SLACKLINE, equilibrar-se sob uma
fita esticada na base de duas árvores, exercitando corpo e mente ao mesmo tempo
(Figura 15).

Figura 14: A presença das bicicletas. (Foto: acervo Teatro do Chapéu Azul)

Figura 15: Slackline para todos. (Foto: acervo Teatro do Chapéu Azul)
40

Figura 16: Meu filho Antonio praticando Slackline, 15ª edição, Parque da Baronesa.

Outra característica emblemática do evento se configura na disposição de


varais e fios entre as árvores da praça com intenção de expor mensagens ou objeto
e relacionando ainda os signos e figurações que compreendem as interações sociais
e o meio em que se circunscrevem. Metaforicamente, o trecho literário de Calvino
(1999) demonstra como se ordenam e se entrelaçam as relações no contexto
urbano.

Figura 17: Varal de poesias. (Foto: Lucio Pereira)


41

“Em Ercília, para estabelecer as ligações que orientam a vida da cidade, os


habitantes estendem fios entre as arestas das casas, brancos ou pretos ou
cinza ou preto e branco, de acordo com as relações de parentesco, troca,
autoridade, representação. Quando os fios são tantos que não se pode mais
atravessar, os habitantes vão embora: as casas são desmontadas; restam
apenas os fios e os sustentáculos dos fios. (...) Reconstroem Ercília em outro
lugar. Tecem com os fios uma figura semelhante, mas gostariam que fosse
mais complicada e ao mesmo tempo mais retangular do que a outra. Depois a
abandonam e transferem-se juntamente com as casas para ainda mais longe.
Deste modo, viajando-se no território de Ercília, depara-se com as ruínas de
cidades abandonadas, sem as muralhas que não duram, sem os ossos dos
mortos que rolam com o vento: teias de aranha de relações intrincadas à
procura de uma forma.” (CALVINO, 1990, p. 72).

Da mesma maneira que a cidade fictícia de Calvino, os varais que se


estendem pelo Piquenique Cultural, onde se penduram os desenhos, fotografias,
poesias, artesanatos ou roupas, também tecem e materializam as relações e redes
sociais que perpassam o meio urbano, e que inesperadamente podem se desfazer.
É notável a alteração do espaço, que se transforma em função do encontro. Esta
disposição dos varais configura um marco estético visual significante, ao ponto que
contribui como uma característica singular do Piquenique Cultural em relação aos
demais eventos culturais pelotenses.

A técnica de montagem, da qual se serviu Walter Benjamim para realização


de sua obra, foi essencial para a construção de imagens-dialéticas. Apoiando-se nas
alegorias levantadas por Baudelaire, Benjamin traduz os fragmentos da historia da
modernidade em imagens-dialéticas. Conforme Bolle (2000, p. 94) a técnica de
montagem benjaminiana “se faz a partir de determinados grupos temáticos e
imagéticos em que se apresenta a vida social da época”. Outra característica da
obra de Benjamin foi o uso da montagem como “desmontagem”, como ruptura,
tomando, inclusive as obras de seu alter-ego, o poeta Baudelaire, num sentido
crítico-construtivo, e assim, propondo uma perspectiva de “despertar” para as ilusões
modernas.

A montagem cinematográfica é uma técnica que possibilita a construção de


um novo olhar, enquanto a montagem em forma de choque confronta diretamente a
visão pacífica da metrópole moderna. “Esse tipo de montagem é uma técnica de
42

despertar de fantasmagorias, (...) a montagem por meio de contraste, antítese e


choque provoca a irrupção imediata do despertar” (BOLLE, 2000, p. 97). O conceito
cinematográfico de montagem menciona o construto de uma ficção, uma
reconstrução de imagens aleatórias em combinação, ou seja, uma “re-significação”.
Na opinião de Bolle (2000, p. 92) “o olhar da câmera conquista novas esferas de
percepção”.

A montagem como superposição estabelece pausadamente uma


conscientização, neste caso, a colagem funciona como uma técnica que aos poucos
desmistifica o fascínio causado pela modernidade no imaginário coletivo. “A técnica
da superposição é usada por Benjamin em ultima instância para decifrar o espaço
imagético político-social. (...) uma superposição de significações como essa tem uma
função-chave na caracterização benjaminiana de processos mentais. A ambiguidade
da palavra mascara a realidade e, ao mesmo tempo, a revela” (BOLLE, 2000,
p.101).

Como na técnica de montagem benjaminiana, o contexto do Piquenique


Cultural é visualmente heterogêneo, assemelhando-se a uma bricolagem, uma
superposição de diferentes possibilidades de ação, informação e visualização, como
nas passagens parisienses vislumbradas por Benjamin, perceptíveis através dos
caminhos de circulação do evento em questão.

Figura 18: Praça da Rodoviária, 16ª edição. (Foto: Lúcio Pereira)


43

Esta perspectiva de abordar o conceito de imagem dialética ao contexto de


estudo, valorizou as interpretações sobre o Piquenique Cultural enquanto uma
celebração que incide diretamente na memória coletiva dos indivíduos urbanos, este
aspecto personifica uma relação onírica e lúdica entre as pessoas e os patrimônios
públicos e históricos, uma vez que instiga a imaginar e exercitar um momento de
territorialização/ressignificação de espaços urbanos degradados, como também de
maior contemplação e interação com a paisagem. Devido ao caráter itinerante do
encontro, oportuniza a interação com as diferentes localidades da cidade, assim, os
espaços públicos apresentam-se como locais de sociabilidade e lazer.

Ainda sob a ótica das imagens-dialéticas e baseada nas teorias críticas de


Benjamin, propus a interpretação do fenômeno investigado visualizando a
perspectiva do despertar, ou seja, desconstruir, desmistificar as ilusões de
satisfação via consumo e individualismo da modernidade, que fomentam os não-
lugares na supermodernidade, aqueles desprovidos de relações antropológicas e
identitárias. Como forma de resistência a esse contexto, o Piquenique Cultural,
enquanto um conjunto propostas alternativas e criativas para práticas cotidianas,
levanta constantemente questionamentos em prol de uma conscientização coletiva.
44

CAPÍTULO IV: Compreendendo o sentido da reciprocidade no Piquenique


Cultural

Para interpretar os significados das manifestações vinculadas a trocas


materiais e simbólicas verificadas no universo do Piquenique Cultural, busquei
fundamentação teórica no conceito de dádiva elaborado por Mauss, a partir da
analise do sistema de comércio intertribal Kula, descrito por Malinowiski e outras
formas de troca evidenciadas em sociedades tradicionais, ressaltando, no entanto, a
atualidade e especificidade deste conceito para a compreensão das sociedades
contemporâneas.

O antropólogo Malinowski (1973) em sua inserção entre os trobriandeses das


ilhas do Pacifico Ocidental, de 1914 a 1918, evidenciou entre eles dois tipos de
troca. O “gimwali” de caráter mais econômico e o “kula” que é uma extensa forma de
comercio intertribal envolvendo um conjunto de ilhas, formando um circuito fechado.
No kula duas espécies de artigos (colares e braceletes) são trocadas
constantemente, porem em direções opostas. Os colares de conchas vermelhas
(soulava) viajam em direção aos ponteiros do relógio, já os braceletes de conchas
brancas (mwali) seguem no sentido oposto. Apesar do kula basear-se na troca
cerimonial desses dois artigos principais, o etnógrafo ressaltou que há uma
quantidade significante de atividades secundárias associadas e relacionadas a esta
estrutura tribal. Além das trocas de braceletes e colares, os nativos articulam formas
de comércio envolvendo uma vasta variedade de bens, elaboram rituais mágicos e
cerimônias formais, bem como a construção coletiva de canoas para expedições ao
mar. Portanto, o Kula é uma instituição ampla e complexa devido à multiplicidade de
propósitos envolvidos.

A estrutura kula tem seus movimentos fixados e regulados por uma serie de
regras e convenções tradicionais que devem ser respeitadas por aqueles que dela
participam. A estrutura fundamental do Kula mobiliza e articula as aldeias locais,
abrangendo um conjunto de “atividades interligadas e desenvolvidas, de modo a
formar um todo orgânico’’ (MALINOWSKI, 1973, p. 86), demonstrando, assim, a
noção de totalidade. A troca existe, fundamentalmente para que se estabeleçam
alianças entre as partes envolvidas no processo. Os parceiros kula trocam presentes
45

entre si, comportam-se como amigos cordiais, prestam favores e serviços um ao


outro, enfim, a instituição kula cumpre a função de rede social, estabelecendo um
laço permanente nas relações de troca mutua e recíproca. Nesse sentido o kula se
caracteriza pela troca de bens no entanto, ultrapassa o aspecto econômico, pois
está arraigado no mito, regrado pelas tradições e cercado de rituais mágicos, o
próprio mecanismo da transação (troca) é baseado no estabelecimento de certo
grau de confiança mútua. Segundo o autor, o kula possui essência simples, é uma
troca valorosa, apreciada pelas tribos, no sentido de algo estimado (não de valor
financeiro como a mercadoria).

Mediante as regras de parcerias, constituídas por essa rede de


relacionamentos, circulam na rota kula não só objetos materiais, mas também
costumes, canções, motivos artísticos e influências culturais. Nesse código social,
um aspecto deve ser considerado, entre os nativos participantes do circulo kula:
possuir algo é poder dar tal objeto a outrem. “Espera-se de qualquer pessoa que
possua alguma coisa, que a reparta e compartilhe, que seja seu guardião e
distribuidor.” (MALINOWSKI, 1973 p. 99). A generosidade é um caráter virtuoso
entre os participantes do kula, é uma norma social que regula o comportamento dos
nativos.

As contribuições etnográficas trazidas por Malinowski, associadas à análise


do sistema de trocas em outras sociedades tradicionais fundamentaram a teorização
concebida por Marcel Mauss a respeito da importância fundamental da reciprocidade
para o desenvolvimento das sociedades humanas. Conforme Mauss, a troca é um
fenômeno complexo e misturado, pertencente à categoria do que ele concebeu
como “fatos sociais totais”, ou seja, aqueles que:

“exprimem ao mesmo tempo e de uma só vez todas as espécies de


instituições: religiosas, jurídicas e morais – e estas, políticas e familiares ao
mesmo tempo; econômicas (...) sem contar os fenômenos estéticos a que
estes fatos vão dar e os fenômenos morfológicos que manifestam estas
instituições” (MAUSS, 2008, p. 53).

A partir de seus estudos, Mauss (2008, p 55) descreve os fenômenos de troca


na sua integridade, comparando as formas arcaicas conforme seus termos e
noções. Nessa qualidade, a troca, apesar de ter aparência livre e gratuita, reage
46

espontaneamente de maneira forçada e obrigatória. Desse modo, a gratuidade da


troca é apenas aparente, ocultando a troca interessada.

“A vida material e moral, a troca, funciona aí sob uma forma desinteressada e


obrigatória ao mesmo tempo. Alem disso essa obrigação exprime-se de
maneira mítica, imaginaria ou, se quiser, simbólica e coletiva. (...) a
comunhão e a aliança que elas estabelecem são relativamente indissolúveis”
(MAUSS, 2008, p 101).

Conforme Mauss (apud. BRUMANA, 1983) os atos de “dar”, “receber” e


“retribuir” representam uma obrigação ou honra por parte de quem participa,
influenciando diretamente na posição social do individuo, no seu status perante o
grupo. O ato de dar não é simplesmente desinteressado, pois não existe a dádiva
sem a expectativa de retribuição. A obrigação de receber é tautológica, não se é
livre para não receber. A obrigação de dar incide no poder que o doador adquire
sobre o receptor; a obrigação de devolver influencia na categoria de representação
coletiva, o próprio princípio de reciprocidade é uma representação coletiva. O não
comprometimento da retribuição de uma dádiva recebida reflete diretamente na
posição social.

Mauss (apud. Lanna, 2000, p. 177) define como dádiva, de modo geral, não
só presentes, mas também visitas, festas, comunhões, saberes, heranças, palavras,
objetos. A partir das diferentes possibilidades de troca, o autor evidencia a
sociabilidade conseqüente da dádiva. Desse modo, detém seus estudos na
diversidade das formas de troca, procurando entender a natureza das transações
humanas.

Para isso, Mauss utiliza o termo “contrato” a fim de explicitar a sociabilidade


provida da dádiva. Utilizando a noção generalizada de contrato, não no sentido de
contratos racionais entre indivíduos (como para os contratualistas), mas sim de
contratos universais, que se apresentam conforme as regras estabelecidas na
organização social primitiva.

“Essas regras manifestam-se simultaneamente na moral, na literatura, no


direito na religião, na economia, na política, na organização de parentesco e
na estética de uma sociedade qualquer.” (LANNA, 2000, p. 178).
47

Na percepção de Mauss (apud Lanna, 2000, p. 179) as trocas determinam e


motivam a constante circulação de riquezas, que incluem serviços, danças, festas,
gentilezas, banquetes, ritos, tradições: ou seja, a circulação de valor estabelece o
contrato social. Os bens de prestigio, como tesouros, brasões, armamentos, peles
de animais, ornamentos, tecidos, esteiras, talismãs, ídolos sagrados, entre outros
(signos de riqueza), circulam como presentes e dádivas de casamentos, batizados,
congregações, confraternizações festivas, heranças deixadas de pai para filhos,
enfim, todas as coisas que são trocadas servem para manifestar respeitos
recíprocos.

“Além disso, o que eles trocam não são exclusivamente bens e riquezas,
móveis e imóveis, coisas úteis economicamente. São, antes de mais nada,
amabilidades, festins, ritos, serviços, danças, festas, feiras cujo mercado não
é senão um dos seus momentos e em que a circulação das riquezas mais
não é do que um dos termos de um contrato muito mais geral, muito mais
permanente” (MAUSS, 2008, p. 56).

Essas considerações de ordem teórica são elucidativas e inspiram as


interpretações possíveis de se tecer a respeito do Piquenique Cultural, na medida
em que para Mauss (apud Lanna, 2000, p. 189) as “nossas sociedades”
caracterizam-se pela multiplicidade das relações de troca, sendo que a sociedade
moderna ainda partilha certos aspectos morais e éticos com as antigas sociedades
tribais, apresentando como elas, a mesma atmosfera em que dádiva, obrigação e
liberdade se misturam, visto que muitas coisas ainda possuem um valor sentimental,
para além de seu valor econômico. Através das descrições de suas diferentes
edições, assim como as proposições dos idealizadores do evento, percebe-se que,
enquanto confraternização social, o Piquenique Cultural estabelece redes de
relacionamentos, alianças, contatos, fomentando os fluxos culturais e artísticos,
promovendo parcerias e trocas, fortalecendo o vinculo e o contato entre aqueles que
o frequentam e participam dele, “(...) enquanto artista, enquanto público, enquanto
pessoa que constrói o evento” (Aline, entrevista). Essa característica se apresenta,
por exemplo, nas oficinas de práticas circenses, onde se evidencia a troca de
conhecimentos e aprendizados.
48

Figura 19: Contato com práticas artísticas. (Fotos: acervo Teatro do Chapéu Azul)

Uma significante forma de troca pelo aprendizado se dá através das crianças,


elas são as que mais se divertem, é um momento onde elas podem brincar e se
sentir livres, usufruindo de pracinhas, dos brinquedos artesanais feitos em madeira,
pano ou material reciclado, dos brinquedos infláveis, das peças teatrais infantis ou
de fantoches. A parceira Giuliana Bruno descreve sua experiência:

“Entrei para ajudar no Pintando 7, um projeto que o retorno é imediato, deixar


as crianças pintarem livres, ao ar livre. Acredito que para essas crianças que
na maioria das vezes não tem esse espaço em casa ou na escola, chegar em
um piquenique e poder pintar é muito bom. Toda atividade "livre" é prazerosa,
e se torna ainda mais por que há uma interação de diversidade, são crianças
do bairro onde estamos mais crianças que vem de outros lugares, e para elas
é muito válido essa troca. (...) eu ganho, os pais ganham e principalmente as
crianças ganham um espaço livre, pincéis, tintas e uma folha coletiva que é
muito importante para que eles saibam dividir, entendam que todo o desenho
vai ser um só é coletivo” (Juliana Bruno, entrevista web).

O colaborador Aisllan Souza, idealizador do projeto ‘pintando o sete’ (Figura


20), descreve que este projeto é um ‘espaço’ dedicado às artes plásticas para as
crianças onde elas têm um contato livre, não-coordenado, com a pintura.

“Eu participo desde a primeira edição, no início como um apoiador e


colaborador, porém, por ser morador da casa do estudante da UFPel e
vizinho da Casa de Cultura (Casa do Joquim), comecei a ficar por dentro e
me coloquei a disposição para organizar/coordenar o projeto ‘Pintando o
Sete’. Estava cursando Pedagogia e gosto das artes plásticas, para mim foi
retorno imediato, como se diz: o útil ao agradável. A cada edição se torna
mais gratificante as ações do ‘Pintando’. Houve de tudo: bebês e pais
pintando; crianças virando o pote de tinta no papel para pintar com as mãos e
49

outras que pintavam o próprio corpo; pais e mães pintando com os filhos, até
mesmo famílias inteiras, com a ‘mão na massa’, reunidas em torno do papel e
das tintas. A satisfação é muito grande e a gente acaba esquecendo tudo o
que está acontecendo na volta e toda a trabalheira que deu para chegar até
ali. É muito bom. (Aisllan Souza, entrevista web)

Outra forma particular de troca viabilizada pelo evento se dá através de uma


rede de adoção de animais, a ONG APAAMA (Associação de Proteção e Amparo do
Animal Melhor Amigo) busca tirar os animais domésticos do ambiente hostil da rua,
possibilitando um lar para cães e gatos (Figura 21). Na 7ª edição do evento, que
aconteceu na Praça Coronel Pedro Osório, estava com minha amiga Sâmia Reis,
quando ela adotou e levou para casa a cadelinha Catarina (que desde então faz
parte de sua vida).

Figura 20: Projeto pintando o sete, 15ª edição, Parque da Baronesa. (Foto: Camilla Mafaldo)

A revista e-cult mídia ativa, fala que o Piquenique Cultural, após completar
seus dois anos, “firma-se cada vez mais como um espaço agregador de saberes e
fazeres criativos, de formação, multiplicação e fortalecimento de redes e iniciativas
culturais.” (E-CULT Mídia Ativa, 25 de novembro de 2012).
50

Figura 21: APAAMA, na 15ª edição no Parque da Baronesa. (Foto: Beatriz Rodrigues)

Segundo a organizadora Aline, em entrevista ao programa Galeria, as


propostas e atividades do evento são diversificadas, “porque a ideia é entender a
cultura como expressão humana, como coisas que a gente traz das nossas
vivências. O que eu tenho pra te dar, o que tu tens pra me dar, o que eu já aprendi,
o que a gente pode crescer junto, pode fazer junto.” (Piquenique Cultural, Galeria,
TV Câmara, 2011).

A própria natureza da troca por dádivas e o que chamamos de prestações


totais, estão implicados num sistema de ideias que compreende ligações espirituais,
“cada uma das obrigações cria um laço de energia espiritual entre os atores da
dádiva. A retribuição da dádiva seria explicada pela existência dessa força”
(SABOURIN, 2008, p.132). A essa “força” e o que se refere à sua expressão
simbólica ligada à ação ou transação, Mauss dá o nome de mana. É a noção de
mana – uma energia espiritual – que fundamenta a obrigação da reciprocidade.

A motivação que leva as pessoas ao Piquenique Cultural é agregar


conhecimentos, valores culturais, sentimentos coletivos, ou seja, interações. Assim
sendo, a troca conduz a uma espécie de energia ou vibração (mágico-espiritual)
entre as pessoas que trocam experiências. Essa rede de atitudes se constitui com
intuito de compartilhar a energia/mana, gerando um sentido comum ao encontro.
51

Muitos participantes da feira costumam utilizar o termo “vibe” (proveniente do termo


em inglês vibration, ou vibração), para expressar esta noção ou sensação.

A troca pode ser chamada de recíproca porque simplesmente satisfaz o


interesse de ambos os parceiros. Entretanto, “a reciprocidade implica na
preocupação de estabelecer o mana, de produzir valores afetivos ou éticos, como a
paz, a confiança, a amizade e a compreensão mútua” (SABOURIN, 2008, p 135).
Lanna (2000 p. 175) cita em seu artigo que o argumento central que conduz a teoria
proposta por Mauss é a noção de “aliança”.

“No fundo, são misturas”. Misturam-se as almas nas coisas, misturam-se as


coisas nas almas. Misturam-se as vidas e eis como as pessoas e as coisas
misturadas saem, cada uma, das suas esferas e se misturam: o que é
precisamente o contrato e troca” (MAUSS, 2008, p. 86)

A troca, sob forma de prestações, faz com que a comunicação entre os


homens seja, ao mesmo tempo, material e simbólica. O poder mágico (mana) da
transação é a razão da circulação dos bens e o seu valor é produzido pela
reciprocidade da coisa dada, pelo movimento dos bens materiais ou simbólicos.
“Nas prestações totais, tudo é simbólico, diz Mauss, e tudo é recíproco”
(SABOURIN, 2008, p. 135).

Segundo Mauss (1999, p.5), as sociedades que possuem caráter agregado


(classe, tribo, grupo, comuna) “são formadas por uma pluralidade de consciências
individuais, agindo e reagindo umas sobre as outras”. Estas ações e reações
originam as interações que organizam as sociedades. No sistema de prestações
totais, são as coletividades que mantêm obrigações de prestações recíprocas
mediante o grupo, “não se trata de indivíduos, trata-se de coletividades que se
obrigam mutuamente, trocam e contratam” (MAUSS, 2008, p. 56).

Mesmo nas sociedades contemporâneas a generosidade mútua opera como


agente de movimentação social:

“Em nossas próprias sociedades, o principio de reciprocidade está presente


em muitos usos populares, nos quais se evidenciam a necessidade de
devolver favores e presentes, recebê-los e dá-los. [...] Cada pessoa, cada
unidade social deveria, em suas ações, não só levar em conta a si mesma
52

como também os demais, o conjunto da sociedade” (BRUMANA, 1983


p.76).

Segundo Lévi-Strauss (apud. Brumana, 1986, p.79) a troca supera o domínio


econômico, pois envolve objetos (artesanatos), pessoas (conhecimento, serviços) e
ações mediadas pela sociedade (feiras, danças, ritos, festas). Esse vínculo é
baseado na relação de reciprocidade e coletividade com a função última de agregar
e unificar as relações sociais.

A teoria da dádiva concebida por Mauss nunca perdeu a sua atualidade e


universalidade, mas ganhou enorme revitalização para compreensão das múltiplas
formas de dádiva nas sociedades contemporâneas como o Movimento Anti-
Utilitarista nas Ciências Sociais, cuja sigla M.A.U.S.S. em francês, homenageia seu
criador. O grupo de intelectuais reunidos em torno deste movimento 3 , rejeita as
teorias economicistas e utilitárias enquanto tentativa de investigar as formas sociais,
e entendem a dádiva como um paradigma fundador e dinamizador das sociedades
humanas.

“As conclusões de Mauss eram surpreendentes. Em primeiro lugar, dava a


impressão de que era falso quase tudo o que a ciência econômica tinha pra
dizer sobre a história econômica. Segundo a hipótese compartilhada por
todos os fanáticos da livre concorrência, tanto na época como atualmente, o
móbil essencial dos seres humanos seria o desejo de maximizar seus
prazeres, seu conforto e suas posses materiais (em poucas palavras, sua
‘utilidade’) e que, por conseqüência, toda interação humana significativa
poderia ser analisada em termos de relações mercantis” (CAILLÉ;
GRAEBER, 2002, p. 22).

Sobretudo, na concepção de Mauss as trocas que se baseiam no sistema do


dom, não se personificam a partir da dimensão impessoal, como no mercado
capitalista, isso porque, “o que importa verdadeiramente é a relação que se
estabelece entre as pessoas; o objeto da troca é a criação de vínculos” (CAILLÉ;
GRAEBER, 2002, p. 23).

O canadense Jacques Godbout assinala que as teorias explicativas do


neoliberalismo apresentam-se limitadas para entender as relações de troca não-
utilitarista. Este autor critica o paradigma da escolha racional, que entende que “seja

3
Dentre os quais, destacam-se Alain Caillé, Jaques Godbout e o brasileiro Paulo Henrique Martins.
53

quais forem os valores, estes devem estar em condições de se transformarem em


mercadorias, (...) serem mercantilizados” (GOUDBOUT, 2002, p. 68). Para ele, este
modelo não se adéqua ao entendimento da ação humana, quando se considera os
efeitos das emoções e sentimentos no resultado da ação. “Em nome da liberdade,
acabamos por submeter os indivíduos a um modelo mecânico e determinista que
não deixa lugar para o inesperado.” (GODBOUT, 20002, p. 70).

Ainda segundo este autor, a relação proposta pela dádiva é uma relação de
duas atitudes muito mais complexa que o paradigma racionalista é capaz de
esclarecer, pois se trata de trocas cujo sentido não se reproduz conforme as regras
ou convenções sociais, e sim em expressar vínculos com outra pessoa.

Nas ocasiões em que grupos, clãs ou famílias se encontram, a comunicação


simbólica se dá sob forma de festas, alianças, penhores, acordos, hospedagens,
presentes, ou outro tipo de prestação total. Há, portanto, conforme afirmava Mauss
(2008, p. 111) “uma virtude que obriga as dádivas a circular, a serem dadas e a
serem retribuídas”.

"No fundo, do mesmo modo em que estas dádivas não são livres, não são
também realmente desinteressadas. São já contraprestações para maior
parte e mesmo feitas tendo em vista não apenas pagar serviços e coisas,
mas também manter uma aliança proveitosa (...) é isso que confere um
aspecto de generosidade a esta circulação dos bens” (MAUSS, 2008, p.
194).

Este aspecto teórico é fundamental para entender o Piquenique Cultural, pois


o caráter das trocas estabelecida nesse contexto se apresenta na forma de
estreitamento de laços, vínculos, alianças e parcerias, para além da mera questão
do interesse econômico.

Esse tipo de relação conduz ao que Genauto Carvalho de França Filho e


Sylvain Dzimira consideram a expressão de novos movimentos sociais, renovações
das formas corporativistas e associativas de organização, ou ainda economia
solidária, que estes autores relacionam com a dádiva. “Existe um vinculo evidente
entre estas duas realidades: a dádiva constitui um dos componentes fundamentais
da economia solidária.” (FRANÇA FILHO; DZIMIRA, 2004, p. 136). Para eles,
“enquanto noção, o termo economia solidária em diferentes contextos societários
54

parece indicar a emergência atual de novas formas de sociabilidade” (FRANÇA


FILHO; DZIMIRA, 2004, p. 138), sendo que, nas ações de solidariedade organizadas
espontaneamente na sociedade, como no caso de iniciativas associativas e
corporativistas, a dádiva representa um elemento estruturante.

“Portanto, experiências associativas e cooperativistas, em geral, marcados


por uma dinâmica comunitária do ponto de vista interno, mas, ao mesmo
tempo, aberta sobre o espaço público, isto é, voltadas para o enfrentamento
de problemáticas públicas locais, são alguns elementos que parecem
constituir uma primeira característica central que vem para marcar o
fenômeno da economia solidária” (FRANÇA FILHO; DZIMIRA, 2004, p. 138)

Conforme França Filho e Dzimira (2004, p. 155) a dádiva é antiutilitarista e


opera para a criação de laços sociais. “Os objetos doados, aceitos e devolvidos não
se ‘trocam’ por serem úteis, nem em razão da sua equivalência monetária, mas por
significarem simbolicamente, a vontade de construir vínculo ou relação.”

Conforme a colaboradora do Piquenique Cultural Giuliana Bruno, a principal


motivação do evento é o estabelecimento de laços sociais:

“as pessoas que querem trocar ideias, querem se juntar a outras pessoas,
nos falta tempo muitas vezes de poder ter o privilégio de fazer um piquenique,
e o evento junta tudo isso, pessoas que querem vender sua arte, grupos que
não tem espaço para realizarem suas atividades e assim por diante, o que
motiva é o prazer de juntar todas essas pessoas” (Giuliana, entrevista web)

Segundo Mauss, nas palavras de Lanna (2008, p. 192) “a felicidade humana


não está em outra parte que não no dar e receber, no respeito mútuo e na
generosidade recíproca”.

“E inútil ir procurar longe o bem e a felicidade, pois ele está ali, na paz
imposta, no trabalho bem ritmado, comum e solitário alternativamente, na
riqueza acumulada e depois redistribuída, no respeito mútuo e na
generosidade recíproca que a educação ensina” (MAUSS, 2008, p. 205).

Finalizando sua fundamentação, Mauss (2008, p. 200) destaca o aspecto


estético dessas manifestações sociais: as danças, os cantos, as representações e
exibições de toda natureza, “os objetos de todas as espécies que se fabricam,
ornam, alisam, recolhem e transmitem com amor, tudo que se recebe com alegria e
55

se expõe com sucesso, os próprios festins nos quais todos participam” retratam a
importância da noção estética e artística destas instituições.

Nessa abordagem, procurei esclarecer, através do conceito de dádiva, os


aspectos significantes das relações de trocas materiais e simbólicas, enfatizando a
noção de reciprocidade e solidariedade. A produção (e continuidade) do Piquenique
Cultural se apoia em relações de laços e vínculos recíprocos, atuando enquanto
mobilizações coletivas que se configuram como redes sociais.
56

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa propôs o entendimento das formas de interação e de trocas


materiais e simbólicas evidenciadas no Piquenique Cultural. O evento enquanto uma
opção de lazer proporciona a aproximação entre as pessoas e suas vivências,
constituindo uma rede de relações, baseada na noção de solidariedade,
caracterizada por trocas recíprocas de bens, serviços, afetividades e conhecimentos.

Entretanto é preciso perceber o fenômeno a partir de sua relação com meio,


sob uma perspectiva macro, interpretando as relações evidenciadas no contexto
enquanto relações complexas que se integram a modernidade e a urbanização. O
Piquenique Cultural multiplica e articula as possibilidades de ação e manifestações
culturais viabilizando interlocuções entre as pessoais e os espaços urbanos.

Evidenciei ao longo do estudo, que uma das singularidades do Piquenique


Cultural é a conscientização coletiva partindo de movimentações sociais e
questionamentos por parte dos grupos envolvidos, abarcando questões sobre
sustentabilidade e qualidade de vida, por meio de práticas alternativas e criativas o
encontro em questão, propõe reflexões e novas atitudes. Esta característica denota
a expressão de valores e códigos sociais, uma vez que, estes ideais compartilhados
se opõem aos parâmetros convencionais e utilitaristas.

Contudo, observando que o Piquenique Cultural constitui um momento de


passagem e divulgação dos trabalhos artísticos, reivindicando o reconhecimento e a
valorização das formas artísticas e demais representações do contexto.
Compreendo que o sentido do Piquenique Cultural se evidencia também, quando
reacende nos indivíduos a motivação de se reunir, seja para conversar, para
compartilhar, estabelecer laços e alianças, ou seja, para expressar e manifestar as
diferentes formas de relações humanas vivenciadas em coletividade.
57

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