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ano 20 - n.

80 | abril/junho – 2020
Belo Horizonte | p. 1-306 | ISSN 1516-3210 | DOI: 10.21056/aec.v20i80
A&C – R. de Dir. Administrativo & Constitucional
www.revistaaec.com

A&C Revista de Direito


ADMINISTRATIVO
& CONSTITUCIONAL

A&C – ADMINISTRATIVE &


CONSTITUTIONAL LAW REVIEW
A&C – REVISTA DE DIREITO ADMINISTRATIVO & CONSTITUCIONAL

IPDA
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A246 A&C : Revista de Direito Administrativo & Aline Sobreira
Constitucional. – ano 3, n. 11, (jan./mar. Capa: Igor Jamur
2003)- . – Belo Horizonte: Fórum, 2003- Projeto gráfico: Walter Santos
Trimestral
ISSN: 1516-3210

Ano 1, n. 1, 1999 até ano 2, n. 10, 2002 publicada


pela Editora Juruá em Curitiba

1. Direito administrativo. 2. Direito constitucional.


I. Fórum.

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DOI: 10.21056/aec.v20i80.1197

Estabilidade no serviço público:


privilégio ou garantia ao próprio
serviço público? Entre o direito à boa
Administração Pública e a vedação ao
retrocesso social

Stability in the public service: privilege


or guarantee to the public service
itself? Between the right to good public
administration and the prohibition
against social regression

Cynara Monteiro Mariano*


Universidade Federal do Ceará (Brasil)
E-mail: cynaramariano@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6157-8779

Francisco Arlem de Queiroz Sousa**


Universidade Federal do Ceará (Brasil)
E-mail: franciscoa.sousa@agu.gov.br

Recebido/Received: 09.09.2019 / September 9th, 2019


Aprovado/Approved: 06.09.2020 / September 6th, 2020

Como citar este artigo/How to cite this article: MARIANO, Cynara Monteiro; SOUSA, Francisco Arlem de
Queiroz. Estabilidade no serviço público: privilégio ou garantia ao próprio serviço público? Entre o direito
à boa Administração Pública e a vedação ao retrocesso social. A&C – Revista de Direito Administrativo
& Constitucional, Belo Horizonte, ano 20, n. 80, p. 125-152, abr./jun. 2020. DOI: 10.21056/aec.
v20i80.1197.
*
Pós-Doutora pela Universidade de Coimbra. Doutora em Direito Constitucional pela Universidade de
Fortaleza. Professora Adjunta da Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: cynaramariano@gmail.com.
**
Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail:
franciscoa.sousa@agu.gov.br.

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Cynara Monteiro Mariano, Francisco Arlem de Queiroz Sousa

Resumo: O direito fundamental à boa Administração Pública vem ganhando reconhecimento expressivo
em boa parte da doutrina nacional, como exigência da cidadania e da concretização da principiologia do
regime jurídico administrativo. Neste trabalho, que se utiliza de metodologia exploratória e qualitativa,
problematiza-se que o direito fundamental à boa administração também exige, por seu turno, que
sejam concedidas prerrogativas especiais aos servidores públicos para que atuem com independência
e liberdade, dentre as quais se destaca a estabilidade, que volta ao destaque na cena política e
jurídica do país por meio do PLS nº 116/2017-Complementar, que se propõe a regulamentar a
exoneração por insuficiência de desempenho. Necessária à continuidade e à eficiência dos serviços
públicos, fundamentais à boa administração, a estabilidade dos servidores vem sendo mitigada desde
a reforma administrativa operada pela Emenda Constitucional nº 19/98, mas o princípio da vedação
ao retrocesso social deve impedir que essa importante conquista, vital ao serviço público, seja ainda
mais enfraquecida, inclusive mediante a realização de avaliações periódicas de desempenho utilizadas
abusivamente.
Palavras-chave: Estabilidade. Garantia ao serviço público. Direito fundamental à boa administração.
Serviço público adequado. Princípio da vedação ao retrocesso social.

Abstract: The fundamental right to good public administration has gained significant recognition in
much of the national doctrine, as a requirement of citizenship and the implementation of the principles
of administrative legal regime. In this work, which uses an exploratory and qualitative methodology, it is
argued that the fundamental right to good administration also requires special prerogatives to be granted
to civil servants to act independently and freely, among which stands out. stability, which returns to
prominence in the political and legal scene of the country through the PLS 116/2017-Complementary,
which proposes to regulate the dismissal for insufficient performance. Necessary for the continuity and
efficiency of public services, which are fundamental to good administration, the stability of civil servants
has been mitigated since the Administrative Reform operated by Constitutional Amendment 19/98, but
the principle of prohibition of social regression should prevent this important achievement, vital to the
public service, is further weakened, including by conducting periodic performance assessments that
are misused.

Keywords: Stability. Guarantee to the public service. Fundamental right to good administration.
Adequate public service. Principle of prohibition of social regression.

Sumário: 1 Introdução – 2 A estabilidade do servidor público: um outro olhar – 3 A estabilidade como


exigência do direito fundamental à boa Administração – 4 Os perigos da relativização da estabilidade e
o princípio da vedação ao retrocesso social – 5 Conclusão – Referências

1 Introdução
Em novembro do ano de 2018, governadores recém-eleitos em 19 (dezenove)
Estados reuniram-se e elaboraram a Carta do Fórum de Governadores,1 encaminhando
ao também recém-eleito Presidente da República Jair Bolsonaro 13 (treze) temas
prioritários, sendo um deles a flexibilização da estabilidade dos servidores públicos.
Alguns dias antes, um grupo com mais de 100 (cem) economistas elaborou um
documento intitulado “Carta Brasil”, propondo ao novo Chefe do Poder Executivo

1
ABREU, L.; COUTO, G. “Flexibilização da estabilidade não é consenso”, diz governador. Correio do Estado,
19 nov. 2018. Disponível em: https://www.correiodoestado.com.br/politica/flexibilizacao-da-estabilidade-
nao-e-consenso-diz-governador/341270/. Acesso em: 20 maio 2020.

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federal políticas econômicas, monetárias, fiscais, sociais e de gestão de pessoal,


constando dentre elas a sugestão pelo fim parcial da estabilidade.2
Em fevereiro do ano de 2019, o atual Presidente da Câmara dos Deputados,
Rodrigo Maia, afirmou em entrevista que no futuro breve pretende acabar com a
estabilidade do servidor público,3 dentro de uma ampla reforma administrativa a
ser feita por emenda constitucional e que só fará novo concurso para a Câmara
Federal quando forem aprovadas as novas regras.
Desde 1998, em verdade, são apresentadas propostas legislativas ao
Congresso Nacional com a finalidade de disciplinar a perda do cargo público por
insuficiência de desempenho,4 estando em mais evidência e com tramitação
bastante avançada o Projeto de Lei (complementar) do Senado nº 116, de 2017, de
autoria da Senadora Maria do Carmo Alves, o qual visa regulamentar o art. 41, §1º,
inciso III, da Constituição Federal de 1988.5 Tais propostas vão ao encontro, como
se sabe, do ideário neoliberal que se instalou no Brasil a partir de fins da década
de 1980, e ganhou novo vigor desde a crise experimentada pelo início do segundo
mandato da ex-presidenta Dilma Rousseff, que culminou no seu afastamento.
O programa neoliberal vem paulatinamente alterando o projeto originário
constituinte de 1988, mitigando o regime jurídico-administrativo em sucessivas
reformas constitucionais, em prol de uma eficiência de mercado que nunca se
concretizou. Embora não tenha tido êxito na experiência histórica e concreta, o
programa neoliberal vem tendo sucesso enquanto ideologia de classe, pautando
na opinião pública o discurso propagandista de ser a estabilidade do servidor
público uma das razões para as supostas ineficiência, morosidade e má qualidade
do serviço público.
A mensagem passada, que toma a centralidade inclusive da política econômica
de governos mais identificados com o neoliberalismo, é de que as crises econômica

2
DE CHIARA, M. Economistas se unem em projeto para o governo. Estadão, 12 nov. 2018. Disponí-
vel em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,economistas-se-unem-em-projeto-para-o-governo,
70002604012. Acesso em: 20 maio 2020. No documento, a análise aponta que a gestão de pessoal no
governo federal, estadual e municipal é muito falha, principalmente porque existe estabilidade garantida
de forma independente da função, da produtividade e da importância do serviço prestado.
3
Em entrevista concedida a canal de televisão por assinatura (CENTRAL GloboNews entrevista com o
presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Produção de Globonews. [S.l.]: Globonews, 6 fev. 2019. Disponível
em: https://globosatplay.globo.com/globonews/v/7361358. Acesso em: 22 maio 2019).
4
Podendo-se citar o PLP nº 248/1998, que disciplina a perda de cargo público por insuficiência de
desempenho do servidor público estável, e dá outras providências; o PLP nº 539/2018 que regulamenta o
inciso III do §1º do art. 41 da Constituição Federal, para disciplinar o procedimento de avaliação periódica
de desempenho de servidores públicos estáveis das administrações diretas, autárquicas e fundacionais
da União, Estados, Distrito Federal e Municípios; e o PLP nº 550/2018 que altera o art. 41, §1º, III, da
Constituição Federal, para dispor sobre a perda da estabilidade do Servidor Público Estável por falta de
desempenho e produtividade.
5
Na exposição de motivos do PLC nº 116/2017 a Senadora Maria do Carmo informa que não se trata de
punir servidores públicos dedicados que honram cotidianamente os vencimentos, mas que é inegável
existir uma antipatia quase generalizada contra agentes públicos irresponsáveis.

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e fiscal encontram justificativa nos “privilégios” dos servidores públicos e no “peso”


fiscal que eles (e os seus direitos advindos do regime jurídico de direito público)
ocupam no orçamento, de modo a serem necessárias reformas administrativas
e de austeridade para garantir a volta dos investimentos e do crescimento. Esse
raciocínio insere-se no mecanismo do permanente estado de exceção econômico,6
que, a pretexto de atingir o equilíbrio fiscal (leia-se: fazer superávit primário), defende
medidas de austeridade como inerentes a metas de responsabilidade fiscal, para
retirar o Estado do protagonismo da prestação direta dos serviços públicos (até
mesmo nas áreas em que a Constituição assim o determina), de modo a alargar
o espaço de atuação do mercado e maximizar seus lucros.
Nesse contexto, é que surgem, por exemplo, as comparativas do regime
jurídico do serviço público no Brasil ao dos Estados Unidos da América, onde
seus servidores podem ser demitidos como qualquer outro trabalhador do setor
privado,7 e até mesmo a países onde há forte tradição do modelo de administração
burocrática weberiano, como a França, na qual a estabilidade é julgada inerente
à função pública e, mesmo assim, se pode exonerar um agente do estado com
base na incompetência profissional. Em que pese a adesão de parte da opinião
pública a essas críticas e comparativas, fortemente fomentadas pela mídia nativa
brasileira, a garantia da estabilidade do servidor público tem razões republicanas
que devem ser mantidas sobretudo no Brasil, como se verá.
Ademais, sendo a boa Administração Pública um direito fundamental, existe
um núcleo duro intangível e, por conseguinte, imune a supressões ou restrições
legislativas que o afetem em sua essência, ainda que oriundas do poder constituinte
derivado. Demonstrar-se-á, nessa toada, que a estabilidade no serviço público é um
componente primordial desse núcleo duro e não pode ser abusiva ou arbitrariamente
desconfigurada, tampouco extinta para atender aos interesses dos “capturadores
do patrimônio público”,8 sob pena de se admitir um inconcebível retrocesso social.

6
Bercovici alerta que o estado de exceção econômico permanente tem sido o responsável pela diminuição
da importância do estado e da constituição: “A constituição, que deveria ser o controle político do poder
econômico, vê os poderes que deveria controlar se tornarem ocultos e inalcançáveis” (BERCOVICI, G.
Soberania e Constituição: para uma crítica do constitucionalismo. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2013.
p. 335).
7
Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/relacoes-de-trabalho/noticias/servico-publico-
americano-tem-uma-unica-carreira-e. Acesso em: 25 jun. 2019. Contudo, foi também nos Estados Unidos
onde se disseminou o spoil system (ao vitorioso pertence o espólio), isto é, a prática de dar cargos na
burocracia estatal aos apoiadores do governo eleito. Weber relata que na presidência de Andrew Jackson
havia cerca de 300.000 a 400.000 nomeações de funcionários que “não tinham nada a apresentar para
sua qualificação, senão o fato de que eles tinham realizado um bom serviço ao seu partido” (WEBER, M.
Ciência e política: duas vocações. Tradução e notas de Marco Antonio Casanova. São Paulo: Martin Claret,
2015. p. 108).
8
Bresser-Pereira, ao desenvolver o conceito de direitos republicanos como aqueles que “todo cidadão tem
de que o patrimônio público seja utilizado para fins públicos”, afirmou também existirem 8 (oito) grupos de
capturadores do patrimônio público que o fazem de forma “legal”: 1) capitalistas rentistas e financistas;
2) ricos que se beneficiam de um sistema tributário dotado de baixíssima progressividade; 3) servidores

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Para alcançar esse desiderato abordar-se-á inicialmente em que consiste a


estabilidade no serviço público e as razões que a tornam essencial para que não haja
um acomodamento sem resistência ao patrimonialismo estruturante das instituições
brasileiras. Na sequência, serão traçados os contornos do direito fundamental à
boa Administração Pública, revendo-se a literatura nacional e estrangeira, com
destaque para o seu reconhecimento na Carta de Direitos Fundamentais da União
Europeia. Por fim, procurar-se-á demonstrar que como o princípio da vedação ao
retrocesso social interdita que conquistas sociais sejam suprimidas ou extintas, a
estabilidade no serviço público deve ser protegida por significar, em última análise,
uma garantia para o cidadão e para o próprio Estado, na medida em que o protege
de ser capturado para funcionar segundo interesses alheios ao interesse público.

2 A estabilidade do servidor público: um outro olhar


A primeira Constituição do Brasil previa que “Os Officiaes do Exercito, e Armada
não podem ser privados das suas Patentes, senão por Sentença proferida em
Juizo competente”.9 Em 1917, Castro10 já apontava que “em toda parte ha grande
tendencia para garantir certa estabilidade aos funccionários publicos”, mas o termo
apareceu pela primeira vez somente na Constituição de 1934,11 mantendo-se
deste então. A Constituição Federal de 198812 originariamente previu somente dois
meios para a perda de estabilidade do servidor público. Então, o gerencialismo
do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso viu em sua reforma administrativa,
que teve como instrumento básico o Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRAE),
a estabilidade e os concursos públicos como alguns dos empecilhos para que a

e membros do governo que recebem remunerações muito maiores do que o valor do seu trabalho; 4)
igrejas e outras entidades sem fins lucrativos que recebem isenções fiscais descabidas; 5) empresários
que recebem subsídios dos mais variados tipos; 6) empresas que vendem serviços e bens, ou obtêm
concessões públicas e participam de parcerias público-privadas, por preços superiores ao que vale o
serviço ou o bem; 7) políticos que adotam políticas populistas fiscais ou então cambiais para lograrem
se reeleger; e, 8) os capturadores de um patrimônio público ambiental. BRESSER-PEREIRA, L. C. Direitos
republicanos e a captura “legal” do Estado brasileiro. Revista do Serviço Público, Brasília, v. 69, n. 1, 18ª
edição especial, jan./mar. 2018. p. 17.
9
BRASIL. Constituição (1824). Título 5º – Capítulo VIII – Da Força Militar, art. 149. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm. Acesso em: 23 jun. 2019.
10
CASTRO, A. Estabilidade de funccionarios públicos. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1917. p. 127.
11
Averbava o art. 169 que “os funcionários públicos, depois de dois anos, quando nomeados em virtude de
concurso de provas, e, em geral, depois de dez anos de efetivo exercício, só poderão ser destituídos em
virtude de sentença judiciária ou mediante processo administrativo, regulado por lei, e, no qual lhes será
assegurada plena defesa” (BRASIL. Constituição (1934). Título VII – Dos Funcionários Públicos, art. 169.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 18 maio
2019).
12
“Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de
provimento efetivo em virtude de concurso público” (BRASIL. Constituição (1988). Título I – Dos Princípios
Fundamentais, art. 4º, inc. IX. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicao.htm. Acesso em: 18 maio 2019).

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Cynara Monteiro Mariano, Francisco Arlem de Queiroz Sousa

Administração Pública passasse de um modelo burocrático para outro, o gerencial,


pois a primeira impediria a “adequação dos quadros de funcionários às reais
necessidades do serviço, dificultando a cobrança de trabalho”, e o segundo seria
“uma espécie de tabu que dificulta as transferências de funcionários entre cargos
de natureza semelhante”.13
No PDRAE constava que:

A legislação que regula as relações de trabalho no setor público é


inadequada, notadamente pelo seu caráter protecionista e inibidor
do espírito empreendedor. São exemplos imediatos deste quadro a
aplicação indiscriminada do instituto da estabilidade para o conjunto
dos servidores públicos civis submetidos a regime de cargo público e
de critérios rígidos de seleção e contratação de pessoal que impedem
o recrutamento direto no mercado, em detrimento do estímulo
à competência. Enumeram-se alguns equívocos da Constituição
de 1988 no campo da administração de recursos humanos. Por
meio da institucionalização do Regime Jurídico Único, deu início ao
processo de uniformização do tratamento de todos os servidores da
administração direta e indireta. Limitou-se o ingresso ao concurso
público, sendo que poderiam ser também utilizadas outras formas
de seleção que, tornariam mais flexível o recrutamento de pessoal
sem permitir a volta do clientelismo patrimonialista (por exemplo, o
processo seletivo público para funcionários celetistas, que não façam
parte das carreiras exclusivas de Estado).14

O neoliberalismo de FHC cuidou assim de inserir, via Emenda Constitucional nº


19, de 5 de junho de 1998, mais 2 (duas) outras hipóteses de perda da estabilidade:
a avaliação periódica de desempenho; e a exoneração para fins de readequação dos
limites de gastos com pessoal. A partir de então, o servidor público que adquirisse
estabilidade poderia perdê-la em virtude das seguintes 4 (quatro) possibilidades:
1) em virtude de sentença penal condenatória transitada em julgado; 2) mediante
processo administrativo em que sejam assegurados ampla defesa e contraditório;

13
Segundo o mentor do Plano Diretor da Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser-Pereira, não só a estabilidade
e o concurso público, mas também o formalismo do sistema de licitações e o detalhismo do orçamento,
são uma reação à cultura patrimonialista que se afirmou no modelo de administração burocrática até então
vigente, consequência de uma desconfiança nos políticos e nos administradores públicos, resultando em
entraves a uma Administração Pública moderna, gerencial, eficiente e voltada para o atendimento do
cidadão. BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília: Presidência da República,
Câmara da Reforma do Estado, Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1995. p. 26-38.
Disponível em: http://www.bresserpereira.org.br/documents/mare/planodiretor/planodiretor.pdf. Acesso
em: 3 set. 2019.
14
BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília: Presidência da República, Câmara da
Reforma do Estado, Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1995. p. 27. Disponível
em: http://www.bresserpereira.org.br/documents/mare/planodiretor/planodiretor.pdf. Acesso em: 3 set.
2019.

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Estabilidade no serviço público: privilégio ou garantia ao próprio serviço público? Entre o direito...

3) mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma da lei


complementar, assegurada ampla defesa; e, 4) redução de despesas com pessoal
aos limites previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal.15 Logo, desde a reforma
gerencial da década de 1990 existem instrumentos capazes de excluir dos quadros
administrativos o servidor que pratica ilícitos penais, civis e infrações disciplinares,
bem como de exonerar servidores quando o órgão ou pessoa jurídica der causa
ao extravasamento dos limites de gastos com pessoal fixado em lei. A exceção
reside ainda nos dias de hoje na impossibilidade de demissão por insuficiência de
desempenho, tendo em vista a ausência da lei complementar, cuja necessidade
está prevista na Constituição e ainda não foi editada.
O certo é que, exatamente no momento que a integração legislativa avança no
Congresso Nacional, regulamentando essa última possibilidade, o país atravessa
um novo governo neoliberal, profundamente contraditório em várias matizes, mas
inegavelmente comprometido com a austeridade fiscal e a redução paulatina dos
direitos sociais, cuja materialização depende do serviço público e de seus agentes,
de modo que se faz necessário introduzir nessa cena um debate sincero, genético
e axiológico sobre a estabilidade no serviço público. A perda da estabilidade, a
pretexto de obter a eficiência e a qualidade do trabalho dos servidores públicos, pode
dar lugar, em um governo contraditório, a perseguições políticas e a contratações
abusivas de trabalhadores precarizados, sem concurso, que sequer são computados
nos limites legais de despesa de pessoal, conforme já decidido pelo Tribunal de
Contas da União.16
Apesar de ser tratada como garantia do servidor, o fundamento da estabilidade
possui raízes muito mais profundas, remetendo à separação entre Estado e Governo,
e visa assegurar que o serviço público seja executado em conformidade com os
princípios reitores da Administração Pública. Segundo Di Pietro,17

A estabilidade no serviço público é própria da forma burocrática de


Administração Pública e constitui garantia necessária quando se
quer proteger o interesse geral, no sentido de que as atividades
administrativas do Estado sejam desempenhadas com observância

15
Conferir art. 41, §1º, e art. 169, §4º, da CF/88. As hipóteses de perda da estabilidade listadas nos itens
“c” e “d” foram acrescidas pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1988.
16
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 2.444/2016. Plenário. Processo 023.410/2016-7, tipo
do processo: Solicitação do Congresso Nacional (SCN). Interessado: Comissão de Assuntos Sociais do
Senado Federal (CAS). Relator: Bruno Dantas. Unidade técnica: Secretaria de Controle Externo da Saúde
(SecexSaúde) e Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag). Ata: 36/2016. Data da sessão:
21.09.2016.
17
DI PIETRO, M. S. Z. Estabilidade do Servidor Público. In: CANOTILHO, J. J. G.; MENDES, G. F.; SARLET, I.
W.; STRECK, L. L. (coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva; Almedina, 2013. p.
5.012.

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Cynara Monteiro Mariano, Francisco Arlem de Queiroz Sousa

impessoal do disposto no ordenamento jurídico, independentemente


da vontade pessoal do servidor e de seus superiores hierárquicos.

Desse modo, observa-se que a estabilidade visa garantir a prestação do serviço


público fiel à lei (vontade geral) e não à vontade do gestor de plantão. Tampouco é
um privilégio outorgado ao servidor. Souza Filho18 salienta que “o servidor estável
passa a ter ampla capacidade de colidir com interesses espúrios daqueles que
detêm aptidão hierárquica de impor condutas e ditar ordens administrativas quando
eivadas de ilegalidade manifesta”. De fato, sem a estabilidade, os servidores
públicos não teriam a independência necessária para executar e cumprir a lei.
Freitas19 leciona que “pessoas cuja sobrevivência depende da maré oscilante e
fortuita da sorte ou da ascendência calculista de terceiros, transformam-se, não
raro, em seres vulneráveis no mercado opressivo dos interesses econômicos e
políticos”. Logo, a estabilidade é garantia da lei, do Estado de Direito.
Atribuir a causa da ineficiência ou da má qualidade dos serviços públicos à
existência da estabilidade serve muito mais aos interesses políticos e econômicos
de quem deseja obter proveito do Estado para finalidades particulares. Esse discurso
falacioso encobre também os verdadeiros obstáculos ao adequado funcionamento
dos serviços públicos: a falta de financiamento adequado e a cultura institucional
patrimonialista que ainda se faz presente na Administração Pública. Exemplo
singular disso pode ser demonstrado pelo excessivo número de cargos e funções
comissionadas, que sinalizam para a permanência de uma situação pré-Constituição
de 1988, quando inexistia a regra do concurso como única forma de seleção de
pessoal no serviço público. Levantamento realizado pelo Tribunal de Contas da
União20 avaliou que o Brasil tinha, em 2015, 346,5 mil servidores com algum
tipo de comissionamento em um total de 1,12 milhão de funcionários federais,
ou seja, 30,9% do todo. Desses, 60,7 mil cargos eram ocupados por funcionários
que não prestaram concurso público, melhor dizendo, eram indicações políticas
discricionárias, sem qualquer critério objetivo.21

18
SOUZA FILHO, M. J. N. de. Análise histórico-evolutiva do instituto da estabilidade e seus efeitos práticos na
Administração Pública brasileira. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 14, n.
54, jul./set. 2016. p. 133. Disponível em: http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd=244938.
Acesso em: 23 jun. 2019.
19
FREITAS, J. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa Administração Pública. São
Paulo: Malheiros, 2007. p. 121.
20
Acórdão TCU 1.332/2016. Plenário. Relator: Min. Vital do Rêgo. Ata 18/2016. Diário Oficial da União, 21
jun. 2016, edição 117, seção 1, p. 49.
21
Segundo a equipe de Auditoria do TCU, a investidura em funções de confiança e cargos comissionados de
pessoas que não têm as competências necessárias representa sérios riscos aos princípios da eficiência
e da transparência (Acórdão TCU 1.332/2016. Plenário. Relator: Min. Vital do Rêgo. Ata 18/2016. Diário
Oficial da União, 21 jun. 2016, edição 117, seção 1, p. 49).

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Estabilidade no serviço público: privilégio ou garantia ao próprio serviço público? Entre o direito...

Em face disso, Colonnelli, Teso e Prem22 avaliam que o clientelismo (patronage)


tem por consequência a escolha de trabalhadores menos qualificados, “pois o
critério de seleção” é o montante de apoio eleitoral fornecido (quantidade de
votos) para a vitória nas urnas, bem como há uma afetação negativa na qualidade
dos serviços públicos prestados,23 pois os prestadores não foram selecionados
com base na meritocracia.24 Nessa senda, não há dúvidas de que o instituto da
estabilidade constitui uma garantia não propriamente do servidor público, mas
do próprio Estado de Direito, protegendo-o do patrimonialismo,25 das políticas de
ocasião, dos interesses escusos dos políticos transitórios, de alteração pontual
das finalidades públicas etc. Enfim, é uma garantia contra a apropriação do Estado
pelo poder político e pelo poder econômico.

3 A estabilidade como exigência do direito fundamental à


boa Administração
As “jornadas de junho” ou “primavera dos vinte centavos”, como ficaram
conhecidas as manifestações populares ocorridas em junho de 2013, e que tiveram
como mola propulsora o aumento de 20 (vinte) centavos na tarifa de ônibus em São
Paulo, tornaram-se o maior protesto popular desde o impeachment do ex-presidente
Fernando Collor de Mello.26 Desse inconformismo inicial com o aumento do preço
das passagens, a mobilização foi adquirindo uma pauta diversa e difusa, e as
demandas encampadas pelos variados grupos sociais se multiplicaram país afora,
mas tinham um ponto comum de insatisfação com a qualidade ruim dos serviços
públicos. Passados 7 (sete) anos desse acontecimento, a indignação continua,

22
COLONNELLI, E; TESO, E; PREM, M. Patronage in the Allocation of Public Sector Jobs (Job Market Paper).
2018. Disponível em: https://scholar.harvard.edu/files/edoardoteso/files/edoardoteso_jmp.pdf. Acesso
em: 3 jun. 2019.
23
Além disso, os autores apontam que o clientelismo causa um “inchaço” nas administrações municipais,
haja vista que “an increase in the extent of patronage is associated with significant higher growth in
municipal public sector personnel, consistent with politicians increasing the size of the bureaucracy in
presence of incentives to engage in patronage practices” (COLONNELLI, E; TESO, E; PREM, M. Patronage
in the Allocation of Public Sector Jobs (Job Market Paper). 2018. Disponível em: https://scholar.harvard.
edu/files/edoardoteso/files/edoardoteso_jmp.pdf. Acesso em: 3 jun. 2019).
24
Jessé Souza ensina que a legitimação do mundo moderno como mundo “justo” está fundamentada na
“meritocracia”, mas não existe o “talento inato” ou o mérito “individual” independentemente do “bilhete
premiado” de ter nascido na família certa, ou melhor, na classe social certa. SOUZA, J. Ralé Brasileira:
quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. p. 15.
25
Em um ensaio que se tornou clássico (Raízes do Brasil), Sérgio Buarque de Holanda, um dos “inventores
do Brasil”, apresenta o retrato fiel do brasileiro da época, o qual ele denomina de “homem cordial”. A não
distinção entre o público e o privado é a marca do patrimonialismo, o qual, infelizmente, instalou-se no
Brasil juntamente com a família real portuguesa em 1808. Confira-se também: FAORO, R. Os donos do
poder: formação do patronato brasileiro. 3. ed. rev. Rio de Janeiro: Globo, 2001.
26
COELHO, A. F. C.; BORBA, B. E. A qualidade das instituições importa? Os protestos no Brasil no governo
Rousseff. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 16, n. 65, p. 219-
247, jul./set. 2016. DOI: 10.21056/aec.v16i65.266.

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Cynara Monteiro Mariano, Francisco Arlem de Queiroz Sousa

apesar do alto preço pago pelos brasileiros em comparação com a falta de retorno
em termos de serviços públicos de qualidade. Estudo divulgado pelo Instituto
Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) informa que a carga tributária suportada
pelos cidadãos-contribuintes no Brasil equivale à de países desenvolvidos, mas a
“percepção de retorno”, ou seja, a sensação de bem-estar da população em áreas
vitais da sociedade, como saúde, educação e segurança, é baixíssima.27 Isso talvez
explique o que Wanderley Guilherme dos Santos caracteriza como o seu “paradoxo
de Rousseau” ou o paradoxo da democracia, sintetizado no desejo subvertido do
brasileiro médio de usufruir de serviços públicos das melhores qualidades, mas
sem ser obrigado a pagar os tributos correspondentes.28
Nessa perspectiva de crítica visando a melhoria na prestação dos serviços
públicos, ganha destaque um direito fundamental que tem natureza instrumental
a esse propósito, o qual a doutrina especializada denomina direito fundamental
à boa Administração Pública. Preliminarmente, antes de apresentar a boa
administração como um direito fundamental, é necessário que entendamos a
razão da fundamentalidade de um direito, pois, como diz Ferrajoli,29 “na tradição
do constitucionalismo democrático, as necessidades e os interesses vitais das
pessoas estipuladas como merecedoras de tutela têm sido expressados quase
sempre sob a forma de direitos fundamentais”.
Robert Alexy30 reconhece que os direitos fundamentais são tão relevantes que
somente podem ser restringidos por normas de hierarquia constitucional ou normas
infraconstitucionais, cuja criação tenha sido autorizada por normas constitucionais,
ou seja, não podem ser deixados à livre disposição do legislador ordinário. Silva31
aponta que no qualificativo fundamental se acha a indicação de que se trata de
situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive, e
às vezes, nem sobrevive. Para Dimoulis e Martins,32 “direitos fundamentais são
direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos
constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do
Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da
liberdade individual”, constituindo, em sua dimensão objetiva, uma pauta de valores

27
Disponível em: https://ibpt.com.br/noticia/2662/Estrutura-tributaria-e-a-qualidade-dos-gastos-publicos.
Acesso em: 31 maio 2019.
28
SANTOS, W. G. dos. O paradoxo de Rousseau: uma interpretação democrática da vontade geral. Rio de
Janeiro: Rocco, 2007.
29
FERRAJOLI, L. Por uma carta dos bens fundamentais. Revista Sequência – Estudos Jurídicos e Políticos,
Florianópolis, n. 60, p. 29-73, jul. 2010. p. 29. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/
sequencia/article/view/21777055.2010v31n60p29/15066. Acesso em: 23 maio 2019.
30
ALEXY, R. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2011. p. 286.
31
SILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 180.
32
DIMOULIS, D.; MARTINS, L. Teoria geral dos direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009. p. 49.

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Estabilidade no serviço público: privilégio ou garantia ao próprio serviço público? Entre o direito...

a ser perseguida não somente pelo Estado, mas também pelos particulares nas
relações privadas.
O giro antropocêntrico após a Segunda Guerra mundial foi decisivo para
a ascensão dos direitos fundamentais, para o surgimento de um novo direito
administrativo e para a imbricação entre ambos. Segundo Muñoz,33 “las modernas
construcciones del Derecho Administrativo y la Administración pública proporciona
el argumento medular para comprender en su cabal sentido este nuevo derecho
fundamental a la buena administración”. Nesse contexto, o reconhecimento de
um direito fundamental à boa Administração apresenta desafios, a começar pela
indeterminabilidade da expressão. Contudo, Carvalho34 ressalta que não é a fluidez
do termo que impedirá sua aplicabilidade jurídica, pois outros conceitos, como o
de “boa-fé”, apresentam igual fluidez e mesmo assim têm contornos normativos
bem definidos. Some-se a isso o fato de que esse não é um direito fundamental
que surge como realidade tópica, aninhado a dispositivo normativo específico e
isolado, mas antes um direito fundamental implícito, de natureza principiológica,
que decorre do regime e de outros princípios adotados pela cláusula de abertura
da Constituição Federal de 1988.35
Na Europa não há mais dúvidas acerca da sua fundamentalidade depois da Carta
de Direitos Fundamentais da União Europeia,36 também chamada de Carta de Nice,
reconhecendo-se o direito fundamental à boa Administração como princípio geral:

Art. 41 – Direito a uma boa administração:


1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam
tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma
imparcial, equitativa e num prazo razoável.
2. Este direito compreende, nomeadamente:
a) O direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser
tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente;

33
RODRÍGUEZ-ARANA MUÑOZ, J. Sobre el derecho fundamental a la buena administración y la posición
jurídica del ciudadano. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 12,
n. 47, jan./mar. 2012. p. 14.
34
CARVALHO, V. A. O direito à boa Administração Pública: uma análise no contexto dos direitos de cidadania
no Brasil. 2013. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) – Faculdade de Direito, Universidade
Federal Fluminense, Niterói, 2013. p. 63.
35
Art. 5º da CF/88: “[...] §2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte” (BRASIL. Constituição (1988). Título I – Dos Princípios Fundamentais, art.
4º, inc. IX. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso
em: 18 maio 2019).
36
UNIÃO EUROPEIA. Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Jornal Oficial das Comunidades
Europeias, C 364/1, 18 dez. 2000. Disponível em: http://www.europarl.europa.eu/charter/pdf/text_
pt.pdf. Acesso em: 22 maio 2019.

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Cynara Monteiro Mariano, Francisco Arlem de Queiroz Sousa

b) O direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe


refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e
do segredo profissional e comercial;
c) A obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas
decisões.
3. Todas as pessoas têm direito à reparação, por parte da União, dos
danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no
exercício das respectivas funções, de acordo com os princípios gerais
comuns às legislações dos Estados-Membros.
4. Todas as pessoas têm a possibilidade de se dirigir às instituições
da União numa das línguas dos Tratados, devendo obter uma
resposta na mesma língua.

Bousta37 analisa essas disposições e chama a atenção para o fato de que


a expressão “boa administração” reuniu intuitivamente vários princípios e direitos
que são anteriores ao seu surgimento na Carta dos Direitos Fundamentais da
União Europeia, multiplicando-se sua noção, desde então, sem que se a tenha
definido.38 Freitas39 define-o como o direito fundamental à Administração Pública
“eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência,
sustentabilidade, motivação proporcional, imparcialidade e respeito à moralidade,
à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e
comissivas”. Observa-se, portanto, que o direito fundamental à boa Administração
Pública nasce como princípio sistêmico a ser observado pelos gestores,40 alertando-
os às diretrizes axiológicas do ordenamento jurídico e compõe-se de direitos e
deveres que escorrem para dentro do regime jurídico-administrativo, tendo por foco
o interesse público.41

37
BOUSTA, R. Pour une approche conceptuelle de la notion de bonne administration. Revista Digital de
Derecho Administrativo, 21, p. 23-45, nov. 2018. DOI: https://doi.org/10.18601/21452946.n21.04.
Acesso em: 22 maio 2019.
38
Em suas palavras: “Comme nous le montrions ailleurs, la «bonne administration» est souvent réduite à un
agrégat ouvert de droits et de principes, qui existaient bien avant l’apparition de ce vocable. En témoigne
l’article 41 de la Charte des droits fondamentaux de l’Union européenne selon lequel le droit à une
bonne administration comprend «notamment» les principes d’impartialité, d’équité, de délai raisonnable,
de contradictoire, de transparence, de motivation, de réparation, et de communication dans une des
langues des Traités. La «bonne administration» est alors au cœur des principes généraux du droit et, plus
largement, de l’émergence d’un droit administratif européen”. BOUSTA, R. Pour une approche conceptuelle
de la notion de bonne administration. Revista Digital de Derecho Administrativo, 21, p. 23-45, nov. 2018.
DOI: https://doi.org/10.18601/21452946.n21.04. Acesso em: 22 maio 2019.
39
FREITAS, J. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa Administração Pública. São
Paulo: Malheiros, 2007. p. 198.
40
HACHEM, D. W.; VALENCIA TELLO, D. C. Reflexiones sobre el derecho fundamental a la buena administración
pública en el Derecho Administrativo brasilero. Revista Digital de Derecho Administrativo, n. 21, p. 47-75,
2019. DOI: 10.18601/21452946.n21.05; TELLO, D. C. V.; HACHEM, D. W. La buena administración
pública en el siglo XXI: análisis del caso colombiano. Revista Veredas do Direito, v. 15, n. 33, p. 101-130,
2018. DOI: 10.18623/rvd.v15i33.1326. DOI: 10.18623/rvd.v15i33.1326.
41
Embora haja grande dificuldade em se definir interesse público, esse se materializa quando as ações

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Estabilidade no serviço público: privilégio ou garantia ao próprio serviço público? Entre o direito...

Por isso, a boa Administração guarda íntima ligação com o princípio da


dignidade da pessoa humana.42 Tanto é que Sarlet43 afirma ter a Constituição de
1988 consagrado no art. 1º, III, e no art. 37, muito antes do que a Carta de Direitos
Fundamentais da União Europeia, um direito fundamental à boa Administração, pois
esse só existiria onde efetivamente se promova a dignidade da pessoa humana e
dos direitos fundamentais que lhe são inerentes.
Já nas palavras de Cleize Kohls e Mônia Leal,44

Um Estado Democrático de Direito, que tem como fundamento


a dignidade da pessoa humana e que possui uma Constituição
encharcada de direitos fundamentais, necessita de uma
administração pública boa. Destarte, o reconhecimento do direito
fundamental à boa administração pública está diretamente ligado à
concretização de direitos fundamentais. Seria possível dizer que uma
boa administração pública é aquela que, através de políticas públicas
e serviços públicos, consegue efetivar os direitos fundamentais
consagrados constitucionalmente.

Para nós, boa Administração é exigência da cidadania e concretização da


eficiência, transparência, moralidade, legalidade, impessoalidade, participação
popular e controle, sendo resultado de um longo processo de amadurecimento
democrático que pressupõe aprendizado, de modo que, conforme ressalta Vanice do
Valle, “é um ideal que se busca permanentemente e não uma estação de chegada,
que se vá alcançar depois de uma trajetória previamente desenhada. É um esforço
recíproco, envolvendo uma cidadania que não está afeita a uma conduta ativa, e
uma administração que ainda resiste à transparência”.45

administrativas são praticadas em benefício da coletividade, atendendo aos anseios da população,


visando dar concretude aos direitos fundamentais. Acerca da supremacia do interesse público sobre o
interesse privado ver, por todos: HACHEM, D. W. Princípio Constitucional da Supremacia do Interesse
Público. Belo Horizonte: Fórum, 2011; GABARDO, E. O princípio da supremacia do interesse público
sobre o interesse privado como fundamento do Direito Administrativo Social. Revista de Investigações
Constitucionais, Curitiba, v. 4, n. 2, p. 95-130, maio/ago. 2017. DOI: 10.5380/rinc.v4i2.53437.
42
RODRÍGUEZ-ARANA MUÑOZ, J. El Derecho Administrativo ante la crisis (el Derecho Administrativo
Social). Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, Santa Fe, v. 2, n. 2, p. 7-30, jul./dic.
2015. DOI: 10.14409/rr.v2i2.5161; RODRÍGUEZ-ARANA MUÑOZ, J. El derecho fundamental a la buena
Administración. Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, Santa Fe, v. 1, n. 2, p. 73-93,
jul./dic. 2014. DOI: 10.14409/rr.v1i2.4619.
43
SARLET, I. W. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
44
KOHLS, C. C.; LEAL, M. C. H. Boa Administração Pública e fundamentos constitucionais das Políticas
Públicas na perspectiva do Supremo Tribunal Federal. RECHTD – Revista de Estudos Constitucionais,
Hermenêutica e Teoria do Direito, v. 7, n. 2, p. 188-196, 2015. p. 190.
45
VALLE, V. L. do. Direito fundamental à boa administração, políticas públicas eficientes e a prevenção do
desgoverno. Revista Interesse Público, Belo Horizonte, ano 10, n. 48, 2008. p. 105.

A&C – R. de Dir. Adm. Const. | Belo Horizonte, ano 20, n. 80, p. 125-152, abr./jun. 2020 137
Cynara Monteiro Mariano, Francisco Arlem de Queiroz Sousa

“Nesse plexo de direitos, regras e princípios, encartados em uma síntese”,


que constitui o direito fundamental à boa administração,46 ganha relevo o serviço
público, o qual é o meio utilizado pelo Estado para realizar suas finalidades e
instrumento de concretização dos direitos fundamentais. Para a prestação de
um serviço público de qualidade é condição imprescindível a valorização de seus
servidores e o oferecimento de garantias que permitam o desempenho de suas
atribuições de forma segura, imparcial e independente, com a instituição de
prerrogativas funcionais que os imunizem dos desejos arbitrários e abusivos dos
gestores de plantão. Por isso é que um direito fundamental à boa Administração
pressupõe a existência de prerrogativas funcionais aos servidores públicos, tais
como a estabilidade, a vitaliciedade e a irredutibilidade de vencimentos/subsídios,
“permitindo que os servidores desempenhem suas atribuições sem pressões e com
profissionalismo, independência, dentro de uma regra de competência previamente
definida”.47 Ressalte-se que até no âmbito da iniciativa privada a estabilidade é tida
princípio geral da boa Administração. Nesse sentido, Fayol48 anota que

Um agente precisa de tempo para iniciar-se em uma nova função


e chegar a desempenhá-la bem – admitindo que seja dotado das
aptidões necessárias. Se ele for deslocado assim que sua iniciação
acabar ou antes que ela termine, não terá tido tempo de prestar
serviço apreciável. E, se a mesma coisa se repetir indefinidamente,
a função jamais será bem desempenhada. As desastrosas
consequências de tal instabilidade são sobretudo temíveis nas
grandes empresas, onde a iniciação dos chefes é geralmente longa.
É necessário muito tempo, com efeito, para tomar conhecimento
dos homens e das coisas de uma grande empresa, para estar em
condições de formular um programa de ação, para adquirir confiança
em si mesmo, e inspirar confiança aos outros. Constata-se, amiúde,
que um chefe de mediana capacidade, mas estável, é infinitamente
preferível a chefes de alta capacidade, porém instáveis. Em geral, o
pessoal dirigente das empresas prósperas é estável; o das empresas
infelizes é instável. A instabilidade é, ao mesmo tempo, causa e efeito
de más situações. A aprendizagem de um grande chefe é geralmente
muito onerosa. Entretanto, as mudanças de pessoal são inevitáveis:
a idade, as moléstias, as aposentadorias e a morte perturbam a

46
FREITAS, J. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa Administração Pública. São
Paulo: Malheiros, 2007. p. 198.
47
ISMAIL FILHO, S. Boa administração: um direito fundamental a ser efetivado em prol de uma gestão
pública eficiente. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 277, n. 3, p. 105-137, nov. 2018.
p. 111. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/77679. Acesso em:
1 jun. 2019. DOI: http://dx.doi.org/10.12660/rda.v277.2018.77679.
48
FAYOL, H. Administração industrial e geral: previsão, organização, comando, coordenação, controle.
Tradução de Irene de Bojano e Mário de Souza. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1989. p. 60-61.

138 A&C – R. de Dir. Adm. Const. | Belo Horizonte, ano 20, n. 80, p. 125-152, abr./jun. 2020
Estabilidade no serviço público: privilégio ou garantia ao próprio serviço público? Entre o direito...

constituição do corpo social; alguns agentes se tornam incapazes de


desempenhar suas funções, enquanto outros se tornam aptos a arcar
com maiores responsabilidades. Como todos os outros princípios, o
da estabilidade é também uma questão de medida.

Com muito maior importância se visualiza a estabilidade para a boa Administração


no serviço público, onde “a continuidade pós-governamental e o planejamento passam
a experimentar papéis maiúsculos na afirmação dos direitos fundamentais [...]. Vai
daí a importância de conferir o devido valor à independência e autonomia autêntica
das Carreiras de Estado”.49

4 Os perigos da relativização da estabilidade e o princípio


da vedação ao retrocesso social
Mesmo com os alertas de Adorno e Horkheimer,50 no sentido de a razão e a
técnica também poderem ser instrumentalizadas para o mal, ou de Herbert Marcuse,51
que igualmente ressalta que o processo tecnológico pode servir às guerras e ao
fascismo, a busca pelo progresso é o paradigma que domina a humanidade, em
especial com o advento do mundo moderno e da sociedade de consumo. Essa
ideia-chave que encontra acolhida na seara econômica e nas expectativas materiais
dos indivíduos, com muito mais razão e utilidade também deveria imperar no campo
dos direitos fundamentais, em especial aqueles de cunho social,52 não se admitindo
retrocessos em conquistas históricas atinentes à dignidade da pessoa humana.53
Então eis uma contradição fundamental no que Bauman chama de sociedade de
consumidores, que é a vida voltada para o consumo,54 que admite o progresso no
sentido de abundância de novos produtos, mas convive e tolera com o retrocesso
de seus direitos fundamentais sem nem mesmo se aperceber que a privação deles
(direitos fundamentais) pode impedir em futuro bem próximo o seu consumo.
A vedação ao retrocesso social partiu do pensamento jurídico alemão da década
de 1970, quando o Tribunal Constitucional concebeu a proibição de retrocesso a

49
FREITAS, J. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa Administração Pública. São
Paulo: Malheiros, 2007. p. 131.
50
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2006. 2006.
51
MARCUSE, H. Tecnologia, guerra e fascismo. São Paulo: UNESP, 2001.
52
BREYNER, F. M. Proibição do retrocesso em direitos sociais: uma proposta de redefinição de sua estrutura
normativa. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 19, n. 75, p. 83-
104, jan./mar. 2019. DOI: 10.21056/aec.v20i75.974.
53
RODRÍGUEZ-ARANA MUÑOZ, J. La cláusula del Estado Social de Derecho y los derechos fundamentales
sociales. Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, Santa Fe, v. 2, n. 1, p. 155-183, ene./
jun. 2015. DOI: 10.14409/rr.v2i1.4635.
54
BAUMAN, Z. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Tradução de Carlos
Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

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Cynara Monteiro Mariano, Francisco Arlem de Queiroz Sousa

partir de uma ampliação do conceito funcionalista de propriedade, considerando


que os direitos patrimoniais na esfera da segurança social, desde que vitais à
existência, incorporam-se ao patrimônio jurídico do titular e devem gozar de uma
proteção jurídica equivalente à da propriedade privada. Segundo narra Derbli:55

O Bundersverfassungsgericht estendeu aos direitos patrimoniais em


face do Estado a vinculação entre o direito de propriedade privada
e a liberdade individual, na medida em que a liberdade na esfera
patrimonial é sucedânea da autonomia de cada um para conduzir
sua existência. Para que a proibição de retrocesso social alcance
um determinado direito subjetivo público prestacional, não se exige
equivalência entre a prestação estatal e tal contraprestação do
indivíduo, mas ela tem que ser (ou haver sido) ao menos relevante.

Em Portugal, Canotilho56 também sublinhou a irretroatividade das conquistas


sociais:

Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito
dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez
alcançados ou conquistados, passam a constituir, simultaneamente,
uma garantia institucional e um direito subjectivo. Desta forma, e
independentemente do problema «fáctico» da irreversibilidade das
conquistas sociais (existem crises, situações econômicas difíceis,
recessões econômicas), o princípio em análise justifica, pelo menos,
a subtracção à livre e oportunística disposição do legislador, da
diminuição de direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio
de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do
princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos
no âmbito econômico, social e cultural (cfr. infra, Parte IV, Padrão
II). O reconhecimento desta protecção de «direitos prestacionais de
propriedade», subjectivamente adquiridos, constitui um limite jurídico
do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução
de uma política congruente com os direitos concretos e expectativas
subjectivamente alicerçadas.

55
DERBLI, F. O princípio da proibição de retrocesso social na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Renovar,
2007. p. 143.
56
CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Livraria Almedina, 1993. p. 468-469.
Ainda de Portugal, mais contundente ainda, é a crítica de Avelãs Nunes, que opõe a prevalência dos
direitos humanos ao neoliberalismo em uma perspectiva econômica e global, como resposta ao ataque
aos direitos sobretudo na periferia do capitalismo. NUNES, A. J. A. Neoliberalismo & Direitos Humanos.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

140 A&C – R. de Dir. Adm. Const. | Belo Horizonte, ano 20, n. 80, p. 125-152, abr./jun. 2020
Estabilidade no serviço público: privilégio ou garantia ao próprio serviço público? Entre o direito...

Entre nós, pode-se afirmar que José Afonso da Silva57 plantou as sementes
do princípio em comento com sua classificação acerca da eficácia e aplicabilidade
das normas constitucionais, caracterizando as normas programáticas como
aquelas que vinculam o Estado ao cumprimento de certos fins e a consecução de
certas tarefas, demandando, por via de consequência, a obrigação de progressiva
concretização dos direitos sociais. Nessa perspectiva, o princípio da proibição
do retrocesso social também não surge como realidade tópica em nossa ordem
constitucional, mas decorre de sua leitura sistêmica e significa uma garantia de
proteção dos direitos fundamentais contra a atuação do legislador (constitucional ou
ordinário), da Administração Pública ou do próprio Poder Judiciário, que impliquem
supressão ou restrição das garantias ou dos níveis de concretização já alcançados
nos direitos existentes.
Sarlet e Fensterseifer58 defendem que o princípio da proibição do retrocesso
está implícito59 e decorre de outros princípios e argumentos de matriz jurídico-
constitucional, tendo como fundamentos o princípio do Estado (Democrático e Social)
de Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana,60 o princípio da máxima
eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais, bem como
o princípio da segurança jurídica e seus desdobramentos, dentre outros. Barroso61
sublinha que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir
determinado direito, esse se incorpora ao patrimônio jurídico e não pode mais ser
arbitrariamente suprimido, fazendo-se voltar a um estado de omissão legislativa e
ineficácia constitucional.
No âmbito internacional é possível citar normativos que preveem implicitamente
o princípio da proibição de retrocesso dos direitos fundamentais, podendo-se

57
SILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 182.
58
SARLET, I. W.; FENSTERSEIFER, T. Notas sobre a Proibição de Retrocesso em Matéria (socio)ambiental.
In: Princípio da Proibição de Retrocesso Ambiental. Brasília: Senado Federal, 2012. p. 198.
59
Pablo Castro Miozzo discorda e é enfático ao afirmar que “existe um dispositivo específico da Constituição
de 1988 que trata do tema e que, inclusive, permite o desvelamento de um novo sentido da proibição do
retrocesso”, bastando olhar para a redação do inciso II do art. 3º da Constituição Federal que assim reza:
“Constituem objetivos Fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] garantir o desenvolvimento
nacional” (MIOZZO, P. C. O princípio da proibição do retrocesso social e sua previsão constitucional: uma
mudança de paradigma no tocante ao dever estatal de concretização dos direitos fundamentais no Brasil.
Revista da Faculdade de Direito, Porto Alegre, 2005. p. 7-8). Rodrigo Goldschmidt alerta que “há quem
defenda que no nosso sistema jurídico, o princípio da proibição do retrocesso social está claramente
contemplado no ‘caput’ do artigo 7º da Constituição, o qual prescreve: ‘São direitos dos trabalhadores
urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria da sua condição social: [...]’” (GOLDSCHMIDT, R.
O princípio da proibição do retrocesso social e sua função protetora dos direitos fundamentais. Revista
Anais do I Seminário Nacional de Dimensões Materiais e Eficaciais dos Direitos Fundamentais, Chapecó,
v. 1, n. 1, 2011. p. 284).
60
MEZZAROBA, O.; SILVEIRA, V. O. da. The principle of the dignity of human person: a reading of the
effectiveness of citizenship and human rights through the challenges put forward by globalization. Revista
de Investigações Constitucionais, Curitiba, v. 5, n. 1, p. 273-293, jan./abr. 2018. DOI: 10.5380/rinc.
v5i1.54099.
61
BARROSO, L. R. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da
Constituição brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 152.

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destacar o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais


de 196662 e a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969.63 Na seara
jurisprudencial, para além da Alemanha, Mendes e Branco64 evidenciam que já em
1984 o Tribunal Constitucional Português, no Acórdão nº 39/84, assentava que uma
vez editada lei concretizando um direito fundamental não pode mais o legislador
revogá-la, podendo-se até alterá-lo ou reformá-lo, mas jamais extingui-lo. Ganhou
relevo em Portugal também a chamada “jurisprudência da crise”, em que o Tribunal
Constitucional português reconhece as dificuldades econômicas e a necessidade
de políticas de austeridade fiscal, mas obtempera que há limites para os sacrifícios
individuais, ainda que em benefício de interesses públicos maiores.65
Na América do Sul, mais precisamente na Colômbia, Arango66 aponta ter
decidido a Corte Constitucional que “alcanzado un determinado nivel de protección,
en principio todo retroceso está prohibido. Tal consecuencia se bajó la forma de
una presunción de inconstitucionalidad. Toda medida posiblemente regresiva de
los derechos sociales se presume contraria la Constitución [...]”. Aqui, no Brasil, o
Supremo Tribunal Federal utilizou (ainda que implicitamente em algumas decisões)
o princípio da vedação ao retrocesso social nos seguintes julgados: ADI 1.946/DF,
ADI 2.065/DF, ADI 3.104/DF, ADI 3.105/DF, ADI 3.128/DF, ARE 639.337/SP; ADC
29/DF, MS 24.875/DF, STA 175/CE, AI 598.212/PR e RE 581.352/AM.
Desse modo, têm-se que ao adjetivar de fundamental um direito, no nosso
caso a boa Administração, resulta defendê-lo das “opiniões de momento ou maiorias
parlamentares”, pois prevalece hoje no direito constitucional a máxima de que os
direitos fundamentais não podem ser destruídos, anulados ou combalidos, por se
cuidarem de avanços da humanidade, e não de dádivas estatais que podem ser

62
Artigo 2º. 1. Cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço
próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico
e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por
todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em
particular, a adoção de medidas legislativas.
63
Artigo 26. Desenvolvimento progressivo: Os Estados Partes comprometem-se a adotar providências, tanto
no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim
de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas,
sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos,
reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por
outros meios apropriados.
64
MENDES, G. F.; BRANCO, P. G. G. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2017. (Série IDP; versão eletrônica).
65
Acórdão nº 353/2012 do Tribunal Constitucional de Portugal. A esse propósito, Paulo Otero adverte “que
a força dos fatos, ante o estrangulamento financeiro do Estado contemporâneo, torna, muitas vezes,
teorias constitucionais em prol dos direitos humanos, como a proibição do retrocesso social, em peça
retórica de pura arqueologia jurídica” (OTERO, P. Direitos econômicos e sociais na Constituição de 1976:
35 anos de evolução constitucional. In: Tribunal Constitucional: 35º aniversário da Constituição de 1976.
Coimbra: 2012. v. I. p. 53).
66
ARANGO, R. La prohibición de retroceso en Colombia. In: COURTIS, C. (org.). Ni un paso atrás. Buenos
Aires: Ed. Del Puerto, 2006. p. 157.

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Estabilidade no serviço público: privilégio ou garantia ao próprio serviço público? Entre o direito...

retiradas,67 inserindo-o em um conjunto específico de normas que merecem um


tratamento prioritário no sistema jurídico como a aplicabilidade imediata, a proteção
contra emendas abolitivas e, em especial, a proibição de retrocesso.68
Muito embora o reconhecimento do direito fundamental à boa Administração
apresente como principal obstáculo a definição precisa de seus contornos, como todo
e qualquer direito fundamental, há nele um núcleo essencial que deve remanescer
intocado, sob pena de seu total desvirtuamento e inutilidade,69 em que pese defini-lo
não ser tarefa fácil ou de difícil determinabilidade de sua densidade normativa. Para
Martinez,70 a boa Administração poder ser um princípio geral do direito, integrado
por diversos subprincípios, pode ser um dever jurídico constitucional ou um direito
subjetivo típico.
Seja como for, essa imprecisão conceitual não é absoluta, podendo-se afirmar,
com razoável margem de certeza, que a estabilidade, assim como as demais
prerrogativas funcionais, insofismavelmente compõe esse núcleo duro (essencial)
que deve permanecer imune aos ataques legiferantes para que não haja retorno
a um estatismo abusivo ou a uma patrimonialização estatal.71 Essa afirmação é
avalizada por Freitas,72 ao confirmar que “a estabilidade qualificada ou, quando for
o caso, a vitaliciedade e a verdadeira autonomia das Carreiras de Estado devem ser
entendidas como requisitos basilares para impedir que se torne postiço o Estado
Democrático [...]”.
De fato, a estabilidade foi concebida, há mais de um século,73 como obstáculo
a um estado patrimonial, que infelizmente ainda teima em se impor na cultura

67
ANTUNES ROCHA, C. L. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Revista do
Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, [s.l.], n. 2, p. 49-67, dez. 2001. p. 59. Disponível em: http://
revista.ibdh.org.br/index.php/ibdh/article/view/29. Acesso em: 8 jul. 2019.
68
HACHEM, D. W. Direito fundamental ao serviço público adequado e capacidade econômica do cidadão:
repensando a universalidade do acesso à luz da igualdade material. A&C – Revista de Direito Administrativo
& Constitucional, Belo Horizonte, ano 14, n. 55, p. 123-158, jan./mar. 2014. p. 130.
69
Aqui há uma distinção que deve ser feita. Para os adeptos da teoria absoluta, o núcleo essencial é
invariável. Para os defensores da teoria relativa, o núcleo essencial é variável e vai depender da ponderação
caso a caso. Nesse caso surge a doutrina chamada de “limites dos limites” (Schranken­-Schranken), ou
seja, a necessidade de proteção do núcleo essencial de um direito fundamental contra as investidas do
legislador para que não haja seu total esvaziamento. MENDES, G. F.; BRANCO, P. G. G. Curso de direito
constitucional. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017. (Série IDP; versão eletrônica). p. 194.
70
MARTINEZ, A. C. La gobernanza hoy: introducción. In: MARTINEZ, A. C. (coord.). La gobernanza hoy: 10
textos de referencia. Madrid: INAP, 2005. p. 12-22.
71
Pode-se elencar, ainda, como integrantes do núcleo essencial do direito fundamental à boa administração
contidos em nossa Carta Magna: a razoável duração dos processos (inc. LXXVIII do art. 5º); reparação dos
danos causados a terceiros (§6º do art. 37); os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade,
publicidade, moralidade e eficiência (caput do art. 37); participação popular (§3º, art. 37); a obrigação de
prestar contas (parágrafo único do art. 70) e a responsabilidade fiscal (art. 167 a 169).
72
FREITAS, J. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa Administração Pública. São
Paulo: Malheiros, 2007. p. 124.
73
A Lei nº 2.924, de 5 de janeiro de 1915, estabelecia que: “Art. 125. O funccionario ou empregado publico
federal, salvo os funccionarios em commissão, que contar dez ou mais annos de serviço publico federal
sem ter soffrido penas no cumprimento de seus deveres, só poderá ser destituido do mesmo cargo em
virtude de sentença judicial, ou mediante processo administrativo”.

A&C – R. de Dir. Adm. Const. | Belo Horizonte, ano 20, n. 80, p. 125-152, abr./jun. 2020 143
Cynara Monteiro Mariano, Francisco Arlem de Queiroz Sousa

institucional, devendo ser defendida de quaisquer tentativas de flexibilização, sob


uma mentalidade que contrapõe falsamente o princípio da eficiência à regra da
estabilidade.74 Desse modo, pode-se afirmar que os novos e recentes ataques à
garantia da estabilidade no serviço público são inconstitucionais pois afetam o núcleo
essencial do direito fundamental à boa Administração, acarretando inconcebível
retrocesso em conquistas sociais incorporadas ao patrimônio jurídico da sociedade
e do serviço público brasileiro.
À título exemplificativo, pode-se clarificar o retrocesso que a supressão da
estabilidade acarretaria na prestação dos serviços públicos, elencando suas
inevitáveis consequências, como a multiplicação de pareceres jurídicos sob
encomenda “ao sabor do patrão”, as pressões políticas para cancelamento de
inscrições em dívida ativa e multas aplicadas aos “amigos do rei”, a restrição à
liberdade de cátedra e à autonomia universitária, com a perseguição e controle da
atuação de professores, a exoneração de servidores por mal desempenho para
encobrir a “caça às bruxas” por motivo de convicções políticas, o aumento dos casos
de corrupção, prevaricação e assédio moral no setor público de uma forma geral.
Frise-se que, para Sarlet,75 “o direito dos servidores públicos à estabilidade
no cargo (art. 41), que ademais constitui verdadeira garantia de cidadania”, já seria
um direito fundamental, estando por si só protegido de aviltamentos legislativos
independentemente de estar inserido na boa Administração. Apesar de esse
entendimento possuir resultado semelhante, ousamos discordar por compreendermos
que a estabilidade integra o núcleo essencial de um direito fundamental, à boa
Administração, estando por isso protegida de supressões com base no princípio
da vedação ao retrocesso. Por outro lado, caso a estabilidade fosse um direito
fundamental, necessário seria reconhecer a inconstitucionalidade dos arts. 6º
e 21 da Emenda Constitucional nº 19/1998, pois o poder constituinte derivado
não poderia tê-la mitigado, segundo a inteligência do inc. IV do §4º do art. 60 da
Constituição. Por outro lado, assim como o panprincipiologismo, denunciado por Lenio
Luiz Streck,76 no qual tudo vira princípio, é necessário evitar também a inflação de
fundamentalidade, em que todo direito ou garantia se torna fundamental, resultando
em uma banalização onde nada mais o será, nem mesmo aquilo deveria ser.

74
Para os fins desse trabalho, adota-se a distinção forte entre regras e princípios elaborada por Robert Alexy,
segundo a qual princípio são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível,
dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes ou seja, os princípios são mandados de otimização
e regras “são normas que contêm determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível”.
Para ele, toda norma é ou uma regra ou um princípio (ALEXY, R. Teoria dos Direitos fundamentais. Tradução
de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011. p. 90-91).
75
SARLET, I. W. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 90.
76
STRECK, L. L. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014. p. 524.

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Estabilidade no serviço público: privilégio ou garantia ao próprio serviço público? Entre o direito...

Também pensamos que a estabilidade é algo que vai além da análise do


direito adquirido, como faz Celso Antonio Bandeira de Mello, pois a proteção se
voltaria apenas para os servidores estáveis na data da entrada em vigor da EC nº
19/1998 e não para o instituto em si. Para o administrativista, o §4º do art. 169
da CF/88 é flagrantemente inconstitucional por ferir o direito adquirido (cláusula
pétrea, portanto) dos servidores que já eram estáveis à época.77 Em suas palavras:

A determinação da perda dos cargos por parte dos servidores


estáveis, com indenização correspondente a um mês de remuneração
por ano de serviço, parece-nos flagrantemente inconstitucional,
por superar os limites do poder de emenda (cf. ns. 142 e ss.). Tal
perda só poderia ocorrer com a extinção do cargo e colocação de
seus ocupantes em disponibilidade remunerada, como previsto na
Constituição (art. 41, §3º). Salta aos olhos que uma simples emenda
não poderia elidir o direito adquirido dos servidores estáveis a
somente serem desligados do cargo em razão de faltas funcionais
para as quais fosse prevista a pena de demissão, tudo apurado em
regular processo administrativo ou judicial, consoante estabelecido
no art. 41, antes de ser conspurcado pelo “Emendão” (cf. n. 60).78

Frise-se, ainda, que contrariamente ao que veiculam as propagandas defensoras


da “flexibilização” da estabilidade e da implantação de um Estado mínimo
subserviente à lógica do mercado e do lucro, a estabilidade não é inimiga da eficiência.
Primeiro porque não há provas dessa antítese, apenas retórica discursiva. Muito
pelo contrário, ambas (estabilidade e eficiência) integram o núcleo essencial do
direito fundamental à boa Administração, inexistindo conflito por comporem a mesma
essência. Exatamente, repita-se, por ser o direito fundamental à boa Administração,
um “plexo de direitos, regras e princípios encartados em uma síntese”,79 o que
avaliza o raciocínio que ora desenvolvemos neste ensaio.

5 Conclusão
Vivemos em um mundo de transformações rápidas em que as relações estão
cada vez mais fluidas, não se tendo certeza do hoje, tampouco sobre o amanhã,

77
MELLO, C. A. B. de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 71,
de 29.1.2012. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. p. 262.
78
MELLO, C. A. B. de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 71,
de 29.1.2012. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. p. 273-274.
79
FREITAS, J. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa Administração Pública. São
Paulo: Malheiros, 2007. p. 198.

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e no qual pairam a insegurança, a dúvida e o medo quanto ao futuro.80 Em meio


a esse panorama, é natural que os indivíduos busquem cada vez mais segurança
nas relações jurídicas para que possam com tranquilidade realizar seus projetos
de vida, em especial, garantias de que não serão despedidos de seus empregos
arbitrária ou imotivadamente, ainda mais no Brasil, onde 13 (treze) milhões de
pessoas estão desempregadas81 e quase 5 (cinco) milhões não procuram mais
trabalho, vivendo em desalento.
Nesse cenário é que se arraigou no imaginário popular ser a estabilidade
funcional um privilégio desarrazoado usufruído por uma casta de aristocratas
estatais que não se preocupam com produtividade, eficiência ou resultado, tampouco
estão ameaçados pela robotização do trabalho.82 O cidadão brasileiro médio, não
servidor, e hoje cada vez mais ressentido, assimila, assim, com facilidade a ideia do
servidor público como responsável pela alta carga tributária do País e pela péssima
qualidade do serviço público, desconsiderando que a estabilidade do servidor é uma
proteção ao Estado e a ele próprio, pois um Estado patrimonializado e capturado
pelo mercado, sem as mediações que o serviço público pode realizar, não operará
a favor do cidadão, mas sim de seus “donos”.
Em Porque as nações fracassam: as origens do poder, da prosperidade e
da pobreza, Acemoglu e Robinson83 defendem que o sucesso de certas nações
frente a outras decorreu da forma como o poder foi exercido e como as instituições
políticas foram sendo moldadas na dinâmica histórica das sociedades. Violência,
corrupção, desigualdade social e pobreza sempre existiram em toda parte e em

80
O medo se liquefez, tal qual a modernidade, nos lembra Bauman: “O que mais amedronta é a ubiquidade
dos medos; eles podem vazar de qualquer canto ou fresta de nossos lares e de nosso planeta. Das
ruas escuras ou das telas luminosas dos televisores. De nossos quartos e de nossas cozinhas. De
nossos locais de trabalho e do metrô que tomamos para ir e voltar. De pessoas que encontramos e de
pessoas que não conseguimos perceber. De algo que ingerimos e de algo com o qual nossos corpos
entraram em contato. Do que chamamos ‘natureza’ (pronta, como dificilmente antes em nossa memória,
a devastar nossos lares e empregos ameaçando destruir nossos corpos com a proliferação de terremotos,
inundações, furacões, deslizamentos, secas e ondas de calor) ou de outras pessoas (prontas, como
dificilmente antes em nossa memória, a devastar nossos lares e empregos e ameaçando destruir nossos
corpos com a súbita abundância de atrocidades terroristas, crimes violentos, agressões sexuais, comida
envenenada, água ou ar poluídos” (BAUMAN, Z. Medo líquido. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p. 11).
81
Segundo dados do IBGE (AGÊNCIA IBGE NOTÍCIAS. PNAD Contínua: taxa de desocupação é de 12,3% e
taxa de subutilização é 25,0% no trimestre encerrado em maio de 2019. 2019. Disponível em: https://
agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/24908-
pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-12-3-e-taxa-de-subutilizacao-e-25-0-no-trimestre-encerrado-em-
maio-de-2019. Acesso em: 6 jul. 2019).
82
Estudo realizado pela consultoria McKinsey & Company, com dados de 46 países, estima que, até 2030,
de 400 milhões a 800 milhões de trabalhadores no mundo poderão perder o emprego e passar a ver suas
atividades exercidas por robôs e máquinas (RINALDI, C. Automação pode tirar trabalho de até 800 milhões
de trabalhadores até 2030, diz McKinsey. Estadão, 29 nov. 2017. Disponível em: https://economia.
estadao.com.br/noticias/geral,automacao-pode-tirar-trabalho-de-ate-800-milhoes-de-trabalhadores-ate-
2030-diz-mckinsey,70002101960. Acesso em: 9 de jul. 2019).
83
ACEMOGLU, D.; ROBINSON, J. A. Porque as nações fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da
pobreza. Tradução de Cristiana Serra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

146 A&C – R. de Dir. Adm. Const. | Belo Horizonte, ano 20, n. 80, p. 125-152, abr./jun. 2020
Estabilidade no serviço público: privilégio ou garantia ao próprio serviço público? Entre o direito...

todas as épocas, mas esses padrões foram alterados em algumas sociedades


em face de opções políticas que conseguiram fazer com que os direitos políticos
fossem distribuídos de maneira muito mais ampla e que o governo tivesse que
responder pelos seus atos perante os cidadãos.
Historicamente, a estabilidade no serviço público surgiu para esses fins – limitar
o poder e defender o Estado de sua captura pelos poderes político e econômico.
A estabilidade é a garantia de que o servidor protegerá a res publica e velará
pelo Estado de Direito, não direcionando sua atuação para atender a interesses
dos dirigentes de plantão. Sua extinção ou flexibilização significam, portanto, um
retrocesso na direção ao Estado patrimonial. Além do que a instabilidade do servidor
público não se coaduna com a supremacia do interesse público sobre o privado,
pedra angular do regime jurídico-administrativo, e impõe retrocesso também na
concretização do direito fundamental à boa Administração, que existe reconhecido
e positivado nas nações europeias.
Referido direito fundamental é o novo paradigma da Administração Pública,
a qual deve estar cada vez mais atenta às necessidades dos cidadãos e aberta
à participação da sociedade na elaboração das políticas públicas, 84 com
transparência,85 responsabilidade, ética e um profissionalismo que lhe permita
ser capaz de enfrentar os desafios que a pós-modernidade apresenta. A aparente
dificuldade em se definir com precisão os contornos e o âmbito de proteção desse
novo direito fundamental, haja vista termos nele um plexo de direitos, regras e
princípios encartados numa síntese, segundo a lapidar definição de Freitas,86
não é obstáculo instransponível para que se identifique, como em qualquer direito
fundamental, um núcleo duro, essencial, que precisa ser protegido e preservado,
sob pena de se nulificar o próprio direito. As prerrogativas conferidas aos servidores
públicos fazem parte desse núcleo duro, destacando-se a estabilidade por ser ela
mais necessária e benéfica à boa Administração do que ao servidor, sendo que
sua “flexibilização” pode ser o caminho para abrir mais ainda as portas para os
interesses de pessoas determinadas, operando-se, assim, a indesejada flexibilização
da própria legalidade.

84
SCHIER, A. da C. R.; MELO, J. A. de M. H. O direito à participação popular como expressão do Estado Social
e Democrático de Direito. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano
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Portanto, não é extinguindo ou flexibilizando a estabilidade que o Estado se


tornará mais eficiente e alcançará níveis de excelência na prestação de serviços
públicos, pois, conforme vimos, os princípios da Administração Pública, dentre os
quais a eficiência,87 também fazem parte do núcleo essencial do direito fundamental
à boa Administração, não sendo incompatíveis. Os serviços públicos carecem é
de financiamento adequado e do respeito ao seu regime jurídico (atacado tão
precocemente depois anos depois da Constituição federal de 1988), pois sua
ineficiência é muito mais verificável em causas outras, como a contratação de
trabalhadores precarizados por meio de organizações sociais em desvio das
finalidades e do escopo da atuação do Terceiro Setor. Desse modo, concluímos que,
para não haver retrocesso na efetivação do direito fundamental à boa Administração,
é necessário que sejam incorporados mecanismos de promoção do princípio da
eficiência, preservando seus demais elementos, dentre os quais, destaca-se,
por sua importância republicana e de importante antípoda ao patrimonialismo, a
estabilidade funcional.

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