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Fichamento – Pesquisar empiricamente o direito

“Nas mais diferentes abordagens desses estudos, o Direito, assim, seria o


reflexo de relações de poder, de hierarquias e de processos sociais e culturais
vigentes em um determinado contexto. Longe de refletir uma postura neutra e
universal de aplicação de justiça, o Direito responderia a um campo de
relações de força presentes na sociedade.”

“No entanto, ainda que a afirmação anterior represente uma realidade, é


importante destacar que o encontro do Direito com a pesquisa empírica é
antigo e de extrema importância para a consolidação de disciplinas como a
antropologia jurídica.”
Mesmo que hoje seja pouco consolidada.

“Há de se recordar que juristas, especialmente do século XIX, como Johann


Jakob Bachofen1, Henry Morgan2, Henry James Sumner Maine3, John
Ferguson McLennan4 são considerados precursores da antropologia por seus
estudos sobre o direito nas sociedades antigas, fundamentados nas pesquisas
etnográficas e relatos de viajantes daquele tempo.”

“Como juristas e antropólogos evolucionistas, [...] eles contribuíram com seu


interesse em conhecer o ‘outro’ em sua diversidade e alteridade e, mesmo que
de forma especulativa e muitas vezes com base em informações produzidas
por trabalhos etnográficos realizados por terceiros, recolheram e analisaram
dados sobre autoridades, sistemas de poder e formas legais, buscando
identificar normas jurídicas e princípios que regulavam e orientavam a
organização dos povos estudados.”
Ao analisar o outro e conhecimento de suas instituições e forma de
trabalhar o direito, despertava ao desejo de além de dominá-lo, mas
também de conhecer melhor a si mesmo.
No fim, suas contribuições se voltaram mais para a antropologia e as
Ciências Sociais do que no campo jurídico.

“Novas pesquisas empíricas no âmbito do Direito surgiram nos anos


subsequentes, buscando focar nas diversas formas de estudar o sistema de
justiça, incluindo o poder judiciário e demais instâncias de outros poderes que
dele participam. São pesquisas que focam as instituições, as agências
administrativas, os operadores do sistema de justiça, assim como estudos
sobre a lei e suas funções na sociedade (Abel, 1980). [...] com foco, por um
lado, nas normas e nos estudos das instituições ou, por outro lado, nos
processos sociais e jurídicos, como os processos de resolução de disputas,
onde as normas se concretizam (Sierra e Chenault, 2006).”

“Além disso, especialmente a partir dos anos 80 e na América Latina, novos


estudos vão focar na análise do encontro de diferentes sistemas jurídicos em
um mesmo campo social e suas implicações sociais e políticas, constituindo
assim um pluralismo jurídico fruto da permanência de formas jurídicas
tradicionais, especialmente dos povos originários que sofreram o processo de
colonização, ou mesmo da existência de múltiplas regulações vigentes nas
sociedades modernas. (Moore 1986; Sierra e Chenault, 2006;
Stavenhagen,1990; Souza Santos, 2015; Wolkmer, 2001).”
Sendo as pesquisas, apenas por cientistas sociais, surge a necessidade de
fazer pesquisa. E então, vários professores e pesquisadores se dedicam “à
realização de pesquisas empíricas com o objetivo principal de observar a
efetividade da lei, a eficácia das instituições jurídicas e a garantia de respeito
aos direitos de todos os cidadãos.”

“Como antropóloga, o esforço que empreendo aqui é pensar técnicas e


métodos qualitativos, entre eles a etnografia, em um contexto maior,
interdisciplinar, que ultrapasse a própria antropologia para ir ao encontro das
especificidades do estudo empírico em Direito e, ao mesmo tempo, responder
às conjunturas atuais, históricas, sociais e políticas locais e globais, que
impactam diretamente no campo de análise do fenômeno jurídico.”

1. Métodos Qualitativos
“objetivo principal de proporcionar uma análise mais profunda de processos
ou relações sociais. Seu uso não objetiva alcançar dados quantificáveis, ao
contrário, objetiva promover uma maior quantidade de informações que
permita ver o seu objeto de estudo em sua complexidade, em suas
múltiplas características e relações.”

“o método qualitativo é muito adequado para várias finalidades da pesquisa


social, entre elas, dar voz a muitos grupos sociais, em geral, marginalizados;
produzir conhecimento e interpretações sobre fenômenos históricos e culturais
importantes para a compreensão da sociedade; e, finalmente, elaborar novos
conceitos e novos marcos teóricos, contribuindo para o progresso da teoria.”

As três principais formas de trabalhar são: estudos de casos, observação de


campo e as entrevistas em profundidade.

“O estudo de caso seria o exemplo mais interessante para demonstrar essa


conjugação de métodos, a partir da análise de um fenômeno ou grupo
específico. [...] De forma resumida, possibilita ver os fenômenos sociais em
seus contextos e pode ser conjugado com métodos quantitativos, envolvendo
muitas variáveis e fontes de evidência (Yin, 1994).”

“Como explica Lionel-Henri Groulx (2008), a sua contribuição para a pesquisa


social é geralmente definida em oposição à pesquisa quantitativa ou estatística,
considerando que ela rompe com as categorizações estatísticas homogêneas,
ao trazer uma pluralidade de vozes e de situações diferentes.”

“Costuma-se afirmar que os métodos qualitativos trazem como desvantagem


sua flexibilidade e subjetividade, inclusive do próprio pesquisador, além de
serem difíceis de ser generalizados. Os quantitativos representariam a
objetividade e universalidade.”

2. Método qualitativo e o trabalho de campo etnográfico


“O trabalho de campo etnográfico implica uma imersão na sociedade ou grupo
em que se estuda, com a finalidade de registrar com pormenores suas
experiências e interpretações sobre a problemática que se busca analisar.
Especialmente desenvolvida no campo da antropologia social em estudos com
sociedades não ocidentais, a etnografia pressupõe uma convivência diária do
pesquisador com o universo que estuda, em uma forma de interação na qual
ele se coloca como observador participante daquela realidade.

“trabalho do antropólogo seria, portanto, um trabalho de interpretação de


evidências simbólicas e materiais realizado em um processo de fusão de
horizontes entre o antropólogo e o nativo estudado (Cardoso de Oliveira,
2008).” Se colocar no lugar do outro. Ter cuidado ao generalizar, após o
estudo.

“os pesquisadores devem atuar de maneira colaborativa com os sujeitos de sua


pesquisa, desde a planificação do projeto de pesquisa. Essa colaboração não
se dá somente na criação de um espaço dialógico, mas exige a humildade do
antropólogo para entender que seus sujeitos de estudo são também atores
sociais e muitas vezes pesquisadores.”

3. Realizando a pesquisa qualitativa: a criação de uma aldeia e a


multiplicação das técnicas

No intuito de seguir os conselhos de Howard Becker (1997, p. 14) de que é


necessário passar nossas experiências para os outros pesquisadores e de
criarmos os nossos próprios métodos [...] O objetivo não é trazer todos os
detalhes sobre a pesquisa, mas apresentar algumas propostas de delimitação
de campo que podem ser úteis nesse contexto múltiplo e complexo em que
realizamos nossas pesquisas.”

[Pág 25; ela dá exemplo de um experimento que fez]

Experimento: sobre penas e medidas alternativas à prisão, em fóruns criminais


em várias regiões do páis.
“De maneira resumida, a pesquisa tinha como objetivo elaborar um diagnóstico
com a perspectiva de aprimorar a implementação das alternativas penais no
país e foi pensada em uma cooperação com o Departamento Penitenciário
Nacional do Ministério da Justiça (Depen/ MJ).”

Foram divididas duas equipes: quantitativas e qualitativas.

“A pesquisa qualitativa buscou concentrar-se em alguns pontos centrais: i) a


análise dos órgãos judiciais, especificamente varas e juizados criminais; ii) o
estudo dos procedimentos seguidos no tratamento dos casos suscetíveis de
aplicação de penas alternativas; iii) a estrutura existente para a implantação de
penas alternativas; e iv) o levantamento das percepções dos atores envolvidos
no tratamento desses casos. As informações obtidas por meio dessa
abordagem foram fundamentais para identificar os elementos que interferem
sobre a aplicação (ou não) das PMAs.”

“Deve-se destacar desde já que os tempos das políticas públicas nem sempre
correspondem aos tempos
acadêmicos. A produção de dados pode ser realizada ainda que com
dificuldades, mas a sua análise teórica com mais profundidade exige ainda
maior tempo.”

“Realizar uma pesquisa é realizar uma investigação em alguns momentos


similar à investigação policial, como afirma Durand (2012), uma investigação
sobre algum tema, algum problema, pré-definido anteriormente.”

Uma metáfora que ela usa pra explicar melhor:


elaborar uma pesquisa qualitativa é construir sua aldeia, é delimitar o campo
em que se pretende trabalhar. Uma aldeia onde vamos observar todos os
acontecimentos e experiências, onde vamos observar as diversas interrelações
dos atores presentes, em diferentes esferas. Essa aldeia não significa
necessariamente um espaço geográfico e um tempo definidos, mas se delimita
por todas as interrelações que podem ser apreendidas nesse espaço criado.
Ela pode ser, portanto, a-espacial, pois posso a partir da delimitação de um
problema, observar os vários atores envolvidos em múltiplas dimensões e
hierarquias, mas todos relacionados diretamente entre si. Pode ser atemporal,
pois posso fazer uso de material histórico e promover o diálogo entre ele e as
novas diretrizes e atores que observo. E é dentro dessa aldeia que a
investigação de campo será realizada.”

[Pg. 28 ela falou de novo do experimento, mas adaptando depois de passar


essa metáfora]

Fala dos estudos de documentos, ajuda que teve de instituições públicas,


entrevistas feitas, rodas de conversas, observações de audiências, as
percepções mudando enquanto faziam a pesquisa.

[Pg. 31 tem um texto legal]

“No caso dessa pesquisa, promover ainda o encontro com dados macros, tão
gerais da pesquisa qualitativa. Tantas especificidades, tantos dados e
percepções recolhidos que não poderiam encontrar espaço na produção de um
relatório conjunto de pesquisa. O ato de escrever também exige escolha e essa
escolha põe a responsabilidade sobre o pesquisador. Não creio que o objetivo,
por tudo o que já mencionamos, deve ser a produção de um relatório de
pesquisa com objetividades, verdades, mas ao contrário, um relatório que traga
complexidades, pontos de vistas, indicações para que sejam pensadas
políticas adequadas.”

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