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SEMINÁRIO INTEGRADO TEOLÓGICO PENTECOSTAL

DOALDO FERREIRA BELÉM

A Teologia do ger no Antigo Testamento:


exegese da situação de Israel no Egito conforme Êxodo 23,9

Rio de Janeiro
2004/2013
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO DA EDIÇÃO KINDLE 2014


HOMENAGEM
RESUMO
LISTA DE SIGLAS
INTRODUÇÃO
1. DEFININDO O TERMO GER
1.1. Diferenciando as três raízes ‫( גור‬gwr)
1.2. Diferenciando ‫( גור‬gwr) de ‫( ׇיַשׁב‬yashabh) e ‫שַׁכן‬‫( ׇ‬shakhan)
1.3. Relação entre o substantivo ‫( ֵגּר‬ger) e a raiz ‫( גור‬gwr)
1.4. Encontrando uma definição adequada ao termo ger
2. A SITUAÇÃO SOCIAL DO ESTRANGEIRO NA ANTIGÜIDADE
2.1. A situação geral no Antigo Oriente, em Roma e na Grécia
2.2. A situação na Grécia do μέτοικος (metoikos)
2.3. Possíveis influências do conceito de metoikos
3. O GER E A ÉPOCA PATRIARCAL
3.1. Abraão como ger
3.2. Isaque e Jacó legam a vida de ger
3.3. A família patriarcal no Egito como ger
3.4. A confissão posterior dos pais como gerim
4. O GER E AS LEGISLAÇÕES DO LIVRO DO ÊXODO
4.1. O ger e o Código da Aliança
4.2. O ger e a legislação pascal
4.3. O ger e o Decálogo
5. O GER E O DEUTERONOMISTA
5.1. O ger e a História Deuteronomista
5.2. O ger e o Código Deuteronômico (Dt 12 – 26): a tríade ger-órfão-viúva
5.3. O ger e os acréscimos em Deuteronômio (1 – 11 e 27 – 34)
5.4. A herança deuteronomista do ger em Jeremias
6. O GER E OS ESCRITOS SACERDOTAIS
6.1. O ger na História Cronista
6.2. O ger no Código da Santidade (Lv 17 – 26)
6.3. O ger na fonte P
6.4. A herança sacerdotal do ger em Ezequiel
7. ESBOÇANDO UMA TEOLOGIA DO GER
7.1. Israel no Egito: ‫( ֶעֶבד‬ebhed) ou ‫( ֵגּר‬ger)?
7.2. A Teologia do ger na literatura profética
7.3. A Teologia do ger na literatura poética
7.4. O impacto da Teologia do ger no Novo Testamento
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANEXOS
ANEXO A – Êxodo 23.9 em várias versões
APRESENTAÇÃO DA EDIÇÃO KINDLE 2014

Após dez anos, apresentamos como livro a dissertação de mestrado

apresentada por mim em 2004 no Seminário Integrado Teológico Pentecostal

(SINTEP/EPOE). Resolvi não alterar a essência do trabalho, mesmo decorrido


tanto tempo. Apenas inseri aqui e acolá algumas notas, devidamente

identificadas como pertencentes ao ano de 2013 (data dessas inserções). Alterei


as fontes hebraicas para que pudessem ser visualizadas adequadamente, embora

não funcionem nas versões antigas do Kindle, e venha com alguns bugs nas

edições para iPad e para Android. Dois três anexos originais, eliminei dois (que

constavam como anexos B e C) que traziam uma extensa concordância da raiz

verbal e do substantivo ‫ֵגּר‬ (ger), por achar que sobrecarregariam em demasia a

obra nessa edição para os leitores digitais.

Que Deus abençoe todos os leitores.


HOMENAGEM

Ao meu pai Deodoro Belém, patriarca da família, que encerrou aos

noventa e três anos sua estadia como peregrino nesta terra.


RESUMO

O presente trabalho objetiva dissertar acerca da Teologia do ger

(estrangeiro residente) no Antigo Testamento, a qual é observada pela análise da

situação de Israel no Egito, segundo Êx 23.9. O interesse por tal teologia baseia-

se na aparente contradição com o princípio bem estabelecido de que os filhos de

Israel foram escravos neste país. Para tal intento, o primeiro capítulo dedica-se a

uma exaustiva exegese da palavra hebraica ‫( ֵגּר‬ger) e da raiz que lhe dá origem

‫גר‬ (gr). O tema do estrangeiro motiva a abordagem no capítulo seguinte da


situação geral deste na Antiguidade. A partir de então, investigamos

sucessivamente o contexto histórico da época patriarcal; as legislações do livro

do Êxodo; a visão social deuteronomista, evidenciada pela tríade ger-órfão-

viúva; as imposições ritualistas dos escritos sacerdotais, determinando o

relacionamento entre o ger e o natural da terra; a teologização de Isaías (na

exposição do ‫( ִנְל ָוה‬nilvah) e do livro de Salmos; e o impacto causado ao Novo


Testamento, em especial no uso petrino do termo grego πάροικος (paroikos).

Palavras-chave: ger; teologia; exegese; Antigo Testamento


LISTA DE SIGLAS

ARA – Almeida Revista e Atualizada

ARC – Almeida Revista e Corrigida

Barsa - Nova Enciclopédia Barsa

BDB – The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English Lexicon

BHS - Biblia Hebraica Stuttgartensia

BJ – Bíblia de Jerusalém
BLH – Bíblia na Linguagem de Hoje

DITAT – Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento

DITNT - Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento

DHP&AP – Dicionário Hebraico-Português & Aramaico Português (Nelson

Kirst et al)
EBTF - Enciclopédia De Bíblia, Teologia e Filosofia

Gill - The New John Gill's Exposition of the Entire Bible


Henry - Matthew Henry’s Commentary on the Whole Bible

IAT – Introdução ao Antigo Testamento (La Sor, Hubbard, e Bush)


Louw–Nida – Louw–Nida Greek-English Lexicon Of The New Testament
LS - The Abridged Liddell-Scott Greek-English Lexicon

TB – Tradução Brasileira
TWAT - Theologisches Wörterbuch zum Alten Testament (Anderson,
Botterweck, Ringgren)
INTRODUÇÃO

O presente trabalho destina-se a abordar sistematicamente o tema do ‫ֵגּר‬


(ger) no Antigo Testamento. O termo hebraico ger é bem traduzido como

“residente temporário” (DITAT, BDB, TWAT), mas que na ARA e ARC o


encontramos como “peregrino” ou “estrangeiro” (DHP&AP). A motivação para

tal empreitada foi encontrada na análise da situação de Israel no Egito

segundo Êxodo 23.9: “Também não oprimirás o forasteiro; pois vós conheceis o

coração do forasteiro, visto que fostes forasteiros na terra do Egito” (ARA). Em

face do bem conhecido princípio teológico estabelecido de que Israel

encontrava-se na condição de escravo no Egito, deparamo-nos com uma

aparente contradição: Israel esteve como peregrino ou escravo no Egito?


Para argumentar que não existe tal contradição – antes, temos à nossa

frente uma teologia do ger – adotamos uma exegese completa desta palavra
hebraica e de todos os seus cognatos. Pretendo assim apresentar uma pesquisa
exegética. A mesma provém do grego ἐξήγησις (exegesis), derivada de εξ,

“fora”, e αγω, “guiar” (EBTF), e é utilizada por escritores clássicos como o


filósofo Platão significando interpretação, explanação (LS). Logo, acredito que

uma teologia sadia, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, necessita


obrigatoriamente desta ciência bíblica. A mesma deve ser o ponto de partida, e
não a Teologia Sistemática, e esta deve ser consequência e não causa da
interpretação (VIRKLER: 1987). Não almejo desmerecê-la, apenas alerto que

detectamos um ponto negativo: o fato de geralmente partir de conceitos pré-

estabelecidos, para então procurar munição em versículos bíblicos, independente


da posição do mencionado livro no cânon e seu contexto, tanto histórico quanto

literário. Igualmente pouco se preocupa com a qualidade da tradução que tem à

frente, desconsiderando muitas vezes totalmente as línguas originais. Não

podemos utilizá-la para tão somente corroborar ideias e doutrinas que temos

formulado; tal posicionamento é um crime. Ao invés de “ditar” à Palavra de


Deus aquilo que pensamos, é mister permitir que ela nos seja transmitida sem

cadeias ou amarras. Devemos combater vigorosamente a eisegese, proponente de

que se lê “no texto aquilo que alguém quer encontrar ali, mas que, na realidade,

não se encontra no mesmo” (EBTF, p. 617). É absolutamente inadequado

escravizar a doce mensagem de Deus à nossa ideologia. Conforme afirma Walter

C. Kaiser Jr (1980, p. vii): “É nosso argumento que a teologia do Antigo


Testamento funciona melhor como serva à teologia exegética ao invés de

desempenhar seu papel tradicional de suprir dados à teologia sistemática”.


Uma tal preocupação não poderia negligenciar nem a Crítica Textual,

“disciplina que tem por finalidade a restituição de um texto à sua forma


linguística original, dele retirando todas as alterações que possa ter sofrido no
decurso de sua transmissão do autor ao leitor” (Dicionário Aurélio Eletrônico

Século XXI), nem a Alta Crítica, “que envolve qualquer coisa fora do próprio
texto, como as questões de autoria, propósito, problemas linguísticos, pano de
fundo histórico, unidade, proveniência, datas, problemas especiais, etc.” (EBTF,

P. 990). Uma vez que muitos no passado se engajaram na Alta Crítica partindo

de pressupostos liberais, até mesmo negando que a Bíblia fosse inspirada,


cristãos conservadores equipararam-na ao liberalismo (VIRKLER: 1987). É

possível ser conservador, no sentido de não abrir mão da inspiração, e ao mesmo

tempo levar em consideração a Alta Crítica. Portanto, organizei respeitando a

divisão do Antigo Testamento em fontes literárias: a Teoria Documental do

Pentateuco, e suas quatro fontes – a javista, eloísta, deuteronomista e sacerdotal;


a teoria da Obra Historiográfica do Deuteronomista, ou ainda da Escola

Deuteronomista, segundo Weinfeld; e a História do Cronista, de orientação

sacerdotal (GOTTWALD: 1988). Compreendo o quanto elas são úteis a uma

apreciação de cunho literário – o que proporcionaria denominar a Alta Crítica de

Crítica Literária (EBTF); apenas não concordo quando seus defensores negam a

veracidade e a integridade das Santas Escrituras.


Assim procedendo, entendo que a exegese não deva ser exclusivamente

gramatical, unicamente baseada nas línguas originais. Mas não restam dúvidas
de que o acesso ao texto nas línguas originais abre as portas de maneira ímpar.

Eis por que, apesar de ter à disposição o texto massorético de diversas formas –
via internet, através de inúmeros softwares – consultei diretamente a abalizada
Biblia Hebraica Stuttgartensia na sua quarta edição, obra imortal de Rudolf

Kittel que sempre serve de base para as mais modernas traduções, e reproduz o
manuscrito Leningradense B19A (o mais antigo a conter na íntegra o texto

massorético – o texto consonantal hebraico fixado pelos massoretas, escribas


responsáveis pela elaboração dos sinais vocálicos), junto com o seu aparato

crítico. Da mesma forma, para as menções da Septuaginta – versão pré-cristã do

Antigo Testamento para a língua grega – consultei a igualmente abalizada obra


de Alfred Ralphs, em volume único de 1979.

Para o português, reconhecidamente a Bíblia de Jerusalém é a melhor,

elaborada por exegetas católicos e protestantes sob orientação da École Biblique

de Jérusalem. Mas, como entusiasta da Reforma Protestante, adotei para as

citações a tradicional seiscentista de João Ferreira de Almeida; entretanto, não


optei pela Versão Corrigida de 1898 – reformulada em 1995 e que reflete um

assaz arcaísmo[1], além de seguir o princípio da equivalência formal – mas sim a

Atualizada em 1956 e que recebeu uma segunda edição em 1993, por conservar

as características principais de equivalência formal de Almeida, além de manter

uma atualização teológica e linguística em relação à Corrigida, tornando-se por

isso viva, acessível, clara e nobre


(http://www.sbb.org.br/joaoferreira/diferencas.asp#ra, acessado em 4/7/2004).

Tal proposta exegética visou o método de abordagem analítica –


praticamente versículo por versículo, e o uso das fontes literárias proporcionou

uma periodização para o procedimento histórico-comparativo. Daí decorre a


organização cronológica: período patriarcal, legislações do Êxodo,
deuteronomista e sacerdotal. E, como técnica, usei a pesquisa bibliográfica. Pude
então constatar que o tema do ger não é muito explorado, possuindo pouca
literatura de referência. Além das entradas óbvias nos diversos dicionários, como

o DITAT, BDB, Benjamin Davidson e DHP&AP, dificilmente contemplamos um

artigo em separado nos diversos artigos teológicos. Na EBTF, é comentado en


passant dentro do verbete “estrangeiros”. Já vertido em português, encontramos

uma boa abordagem em Frank Crüsemann, “A Torá: teologia e história social da

lei do Antigo Testamento”, na sequência das páginas 258 – 262; e em Leon

Epsztein, “A justiça social no antigo Oriente médio e o povo da Bíblia”, nas

páginas 141 – 155. Encontramos uma excelente dissertação voltada


exclusivamente para este assunto elaborada por José E. Ramírez Kidd para a

Faculdade de Teologia da Universidade de Hamburgo em 1999, “Alterity and

Identity in Israel: the ger in the Old Testament”, e lançada pela editora Walter de

Gruyter.

Fora essa dissertação, temos alguns exemplos elaborados anteriormente –

todos disponíveis na língua alemã:

ALBERTZ, R. “Ihr seid Fremdlinge in Ägyten gewessen”- Fremde im


Alten Testament, in; Der Mensch als Hüter seiner Welt.

Alttestamentliche Bibelarbeiten zu den Themen des konziliaren


Prozesses, CTB 16, 1990, 61 – 72
AMUSIN, J.A, Die Gerim in der sozialen Lesgislatur des Alten

Testament, KLIO 63/1 (1981) p. 15 - 23


BERTHOLET, A. Art. Fremde, in: RGG 2. Aufl., II, Tübingen 1928 col.
774 - 776

CRÜSEMANN, F. “Ihr kennt die Seele des Fremden” (Ex 23.9),

Concilium 29 (1993) p. 339 – 347.

MARTIN-ACHARD, R. Art ‫ גור‬gūr als Fremdling weilen, in: THAT I,

München 1971 col. 409 - 412


SCHWIENHORST-SCHÖNBERGER, L. “…denn Fremde seid ihr

gewesen im Land Ägypten”. Zur sozialen und rechtlichen Stellung vom

Fremden und Ausländern im Alten Israel, BuL 63, (1990) p. 108 – 11

SCHMIDT, K.L. Israels Stellung zu den Fremdlingen und Beisassen und

Israels Wissens um seine Fremdlings – und Beisassenschaft, Judaica I

(1945) p. 269 – 296

Diante da precariedade de material na língua portuguesa tão palpitante,

pretendo fornecer este amplo estudo, e, portanto, sua principal relevância reside

em preencher adequadamente esta lacuna. Principalmente pela constatação de


que também é abordado implicitamente no Novo Testamento, é de inestimável
valor para a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo à medida que reside na

mensagem neotestamentária o inegável entendimento da nossa vida aqui na terra


como uma peregrinação. Ainda defendo o mérito deste em contribuir

consubstancialmente para a erudição teológica no meio evangélico, em especial


o pentecostal – ao qual pertenço, e o qual infelizmente reconheço estar ainda
“engatinhando” neste campo tão vasto e profícuo.
Uma vez que se fale do peregrino no Antigo Testamento – embora não seja o

equivalente mais adequado ao termo hebraico ger – automaticamente somos

remetidos ao famoso livro de John Bunyan (1629-1688), pregador batista de


Bredford, Inglaterra, “The Pilgrim’s Progress from this world to that which is to

come”, que se tornou um dos mais extensamente lidos da língua inglesa, e

depois traduzido para vários idiomas – inclusive no português, colocando-o entre

as dez mais significativas e importantes publicações do contexto protestante

brasileiro (SANTOS: Lyndon de Araújo. O Paraíso e o Capitel:


Representações do Protestantismo no Brasil Republicano (1910-1920),

disponível em http://www.pucsp.br/rever/rv1_2003/t_santos.htm, acessado em

4/7/2004). Em muitas ocasiões, consequentemente, fui indagado se o meu

trabalho se baseava nele.

Por este motivo, resolvi colocar em epígrafe um trecho deste monumento da

literatura protestante, especificamente do capítulo conhecido como “Piedade”,


onde esta personificada faz um convite ao Cristão. E é justamente este convite

que desejo fazer a todos aqueles que apetecem mergulhar no mundo do ger,
identificando na mesma tudo aquilo que ocorre na peregrinação particular de

cada um. A “piedade” representa nosso anseio em discernir o que a Santa


Palavra do Senhor diz acerca do ger, e o “cristão” representa a resposta
pretendida por este estudo:
Venha, bom CRISTÃO; desde que o temos amado tanto, a
ponto de te recebermos em nossa casa essa noite, permite-
nos, se talvez possamos nos melhorar através disso,
conversar conosco acerca de todas as coisas que te
aconteceram na tua peregrinação. (tradução própria)
1. DEFININDO O TERMO GER

Para definirmos o ‫ֵגּר‬ (ger), precisamos primeiramente realizar uma

análise lexicográfica desta palavra hebraica. Ao fazer esta análise, estaremos


conceituando adequadamente o termo, evitando significados errôneos.

O termo ‫ֵגּר‬ (ger) deriva-se da raiz hebraica ‫גור‬ (gur). Esta raiz

aparece 98 vezes em 94 versículos, possuindo três significados distintos, os

quais não necessariamente estão relacionados entre si. Concluímos então que, na

verdade, estamos levando em consideração três raízes idênticas. É um fenômeno

típico das línguas semíticas: várias raízes idênticas, porém com significados

totalmente diferentes e independentes, sem qualquer interferência uma da outra.

Poderíamos então identificar: ‫ גור‬I – ser estrangeiro, ser imigrante; ‫ גור‬II –

atacar, brigar, contender; e ‫גור‬ III – ter medo (DITAT). Mas, obviamente,

sempre fica aberta a questão do tipo de relacionamento que envolve raízes com a

mesma sequência consonantal – no caso especifico desta raiz, o significado da

raiz como “contender” pode ter ligações com o acadiano gerû, “ser adversário”,
provavelmente indicando o ambiente hostil no qual o estrangeiro era envolvido

originalmente (TWAT). Flexionadas como verbo, com exceção de duas

passagens[2], as três raízes sempre se encontram no grau simples paal.

Procederemos então a uma distinção pormenorizada destas três raízes,


para então nos atermos à raiz que estará relacionada diretamente ao termo ger.

Faremos a seguir uma distinção da raiz verbal ‫ גור‬de ‫יַׇשׁב‬ (yashabh) e ‫שַׁכן‬
‫ׇ‬
(shakhan). Analisaremos a relação entre o substantivo ger e a raiz verbal; e

concluiremos com uma definição adequada ao termo ger.


1.1. Diferenciando as três raízes ‫( גור‬gwr)

A raiz ‫ גור‬II é identificada em cinco passagens significando “contender”,

“brigar”, e ainda “hostilizar” (DHP&AP), conforme encontramos em Isaías

54.15: “Eis que poderão suscitar contendas, mas não procederá de mim; quem
conspira contra ti cairá diante de ti”. O mesmo significado pode ser atestado nas

seguintes passagens:

Salmo 56.6a [7a]: “Ajuntam-se (para o mal), escondem-se, espionam os meus

passos...”
Sl 59.3a [4a]: “pois que armam ciladas à minha alma; contra mim se reúnem

(para o mal) os fortes...”

Salmo 94.21a[3]: “Eles atacam a vida do justo...” (BJ)

Salmo 140.2 [3]: “cujo coração maquina iniquidades e vive forjando

contendas”

Desta raiz deriva-se o substantivo ‫( גּוּר‬gwr), “filhote”, seja de leão (Gn


49.9; Dt 33.22; Ez 19.2 – 5; Na 2.12 [11]) ou de outro animal como o chacal

(Lm 4.3), e o substantivo ‫( גּוֹר‬gor), com o mesmo significado em Jr 51.38 e Na

2.13[12]. Pode-se conjeturar que esta raiz seja na verdade uma variante da raiz

‫( ׇגׇּרה‬garah), “atacar” (TWAT), conforme aparece nas seguintes passagens: Dt


2.5,9,19,24; 2 Rs 14.10; 2 Cr 25.19; Pr 15.18; 28.4,25; 29.22; Jr 50.24; Dn
11.10,25.

A raiz ‫ גור‬III significa “ter medo” (DHP&AP), “recear”, “temer”, em


dez passagens, como em Deuteronômio 1.17: “Não sereis parciais no juízo,

ouvireis tanto o pequeno como o grande; não temereis a face de ninguém,


porque o juízo é de Deus; porém a causa que vos for demasiadamente difícil

fareis vir a mim, e eu a ouvirei”. Este significado também pode ser atribuído à
esta raiz nas seguintes passagens:

Números 22.3a: “Moabe teve grande medo deste povo, porque era muito...”

Deuteronômio 18.22b: “...esta é palavra que o SENHOR não disse; com

soberba, a falou o tal profeta; não tenhas temor dele”

Deuteronômio 32.27a: “se eu não tivesse receado a provocação do inimigo...”

1 Samuel 18.15: “Então, vendo Saul que Davi lograva bom êxito, tinha medo
dele”

Jó 19.29a: “temei, pois, a espada...”

Jó 41.25[17]: “Levantando-se ele, tremem os valentes...”


Salmo 22.23b [24b]: “...reverenciai-o (temei-o, ARC), vós todos, posteridade de
Israel”

Salmo 33.8: “Tema ao SENHOR toda a terra, temam-no todos os habitantes do


mundo”

Oséias 10.5a[4]: “Os moradores de Samaria serão atemorizados por causa do


bezerro de Bete-Áven...”
Esta raiz torna-se assim sinônimo de ‫( יׇ ֵרא‬yare‘), “temer”, assimilando
igualmente a conotação positiva de “tributar reverência” (BDB). No Salmo 33.8,

as duas raízes são colocadas em paralelismo sintético: “que a terra inteira tema
(yare‘) a Iahweh, temam-no (gur) todos os habitantes da terra” (BJ). Ainda

desta raiz origina-se o substantivo ‫ׇמגוֹר‬ (magor), traduzido como “terror” (Sl

31.13[14]; Jr 6.25; 20.3,4,10; 46.5; Lm 2.22), “medo” (Is 31.9), “horror” (Jr

49.9). Pode-se ainda pensar que o substantivo ‫ׇמגוֹר‬ em Sl 55.15[16], o

correspondente feminino ‫ְמגוׇּרה‬ (megurah) em Ag 2.19 e ‫ַמְמּגוּרוֹת‬


(mamegurot) em Jl 1.17, todos significando “celeiro”, sejam termos cognatos da

primeira raiz analisada (DITAT). Portanto, ao invés de traduzir “habitações”

como faz a ARC em Sl 55.15, poderíamos traduzir “celeiro” como metáfora do

coração, ou seja, da mente (DHP≈ “...a maldade está na casa e no coração

deles”, BLH). Entretanto é mais adequado ligar estes substantivos à raiz ‫ׇא ַגר‬
(’agar), uma vez que possui um significado muito mais afim: “recolher”,

“armazenar” (DHP&AP). Esta raiz ainda pode ser uma variante de ‫( יׇגוֹר‬yagor)
“ter medo”, conforme aparece em Dt 9.19; 28.60; Jó 3.25; 9.28; Sl 119.39

(TWAT).

A raiz ‫גור‬ I é a mais importante, a que nos interessa mais

imediatamente ao presente trabalho, posto ser aquela que deu origem ao termo
‫ֵגּר‬ (ger). O seu significado é confirmado no árabe, no aramaico e no etíope,

significando “residir temporariamente” em todas as demais passagens[5]. É o

mais usado comumente para verter “habitar” no hebraico moderno

(HATZAMRI: 1995). Mas, no hebraico bíblico, mesmo quando traduzido

“habitar”, adquire esta conotação: uma habitação temporária, embora o tempo

seja indefinido:

Gênesis 26.2,3: “Apareceu-lhe o SENHOR e disse: Não desças ao Egito. Fica


na terra que eu te disser; habita (por tempo indeterminado) nela, e serei
contigo e te abençoarei; porque a ti e a tua descendência darei todas estas
terras e confirmarei o juramento que fiz a Abraão, teu pai.”
Outros significados podem ser atribuídos a esta raiz: “demorar” em
algum lugar (Jz 17.7) e “hospedar-se” (Êx 12.48; 1 Rs 17.20). Com relação à

tradução “peregrinar”, que traduz o termo hebraico em 19 versículos da ARA[5]

e 56 vezes na ARC[6], devemos esclarecer que constitui um latinismo,

significando simplesmente “viajar ou andar por terras distantes”. Somente


posteriormente é que o termo também adquiriu um significado religioso, “ir em

romaria por lugares santos ou de devoção” (Dicionário Aurélio Século XXI).


Portanto, mesmo na Vulgata latina, o verbo latino peregrinare não possui

necessariamente sentido religioso. Consequentemente, o verbo hebraico não


contém conotação religiosa, e sim estritamente social. Quando alguém saía a
peregrinar em algum lugar, isto poderia ser motivado por vários fatores, desde a
fome (Gn 12:10; 47:4; Rt 1:1; 2 Rs 8:1; Jr 42:17,22; 44:12) até a guerra

(observe, por exemplo, o trecho de 2 Sm 4.1 – 3, quando por ocasião da morte de

Abner durante a guerra dinástica entre Isbosete, filho de Saul, e Davi os


beerotitas se refugiaram em Gitaim, habitando ali como “exilados políticos”, e a

referência aos “desterrados” em Is 16.4).

Precisamos ainda diferenciar esta raiz de outros verbos com sentidos

assemelhados no hebraico, a saber ‫יַׇשׁב‬ (yashabh) e ‫שַׁכן‬


‫ׇ‬ (shakhan). Será

necessário definir até que ponto estes últimos podem ser considerados sinônimos

ou não da raiz verbal ‫גור‬, mostrando todas as matizes proporcionadas pela


comparação destes entre si. Esta análise será crucial para definir a real conexão

entre o substantivo ger e a raiz verbal ‫גור‬.


1.2. Diferenciando ‫( גור‬gwr) de ‫שׁב‬
ַ ‫( ׇי‬yashabh) e ‫שַׁכן‬
‫( ׇ‬shakhan)

O verbo no grau paal ‫( יַׇשׁב‬yashabh) significa “morar” num sentido

bem mais amplo, além de significar “sentar-se” (como, por exemplo, Gn 21.16;

Êx 11.5; Lv 15.6; Dt 6.7; 1 Rs 21.10). Em especial designa os “habitantes” de


qualquer localidade (Gn 34.30; Êx 15.14; Lv 18.25; Nm 14.14; Dt 13.13; Jz

1.11; Sl 24.1). Mas isso não impede que apareça como paralelo ao verbo gur em

algumas passagens:

Gênesis 20.1: “Partindo Abraão dali para a terra do Neguebe, habitou (verbo
yashabh) entre Cades e Sur e morou (verbo gur) em Gerar”

Gênesis 47.4 “Disseram mais a Faraó: Viemos para habitar (verbo gur) nesta

terra; porque não há pasto para o rebanho de teus servos, pois a fome é severa

na terra de Canaã; agora, pois, te rogamos permitas habitem (verbo yashabh)

os teus servos na terra de Gósen”


Jeremias 44.14[7]: “de maneira que, dos restantes de Judá que vieram à terra

do Egito para morar (verbo gur), não haverá quem escape e sobreviva para
tornar à terra de Judá, à qual desejam voltar para morar (verbo yashabh); mas

não tornarão senão alguns fugitivos”

O outro verbo ‫( יַׇשׁב‬shakhan) significa no paal ”acampar” (BDB), ou


seja, “armar a tenda para habitar em algum lugar”, praticamente fazendo paralelo
com o verbo ‫אַהל‬
‫( ׇ‬ahal):

Josué 18.1: “Reuniu-se toda a congregação dos filhos de Israel em Siló, e ali

armaram a tenda da congregação; e a terra estava sujeita diante deles”


Isaías 13.20. “nunca jamais será habitada, ninguém morará (verbo shakhan)

nela de geração em geração; o arábio não armará ali a sua tenda, nem
tampouco os pastores farão ali deitar os seus rebanhos”

Desta raiz origina-se o termo ‫ִמְשׇׁכּן‬ (mishkan), que é traduzido

“tabernáculo”, a tenda que era morada de Deus entre os homens:

Levítico 26.11,12: “Porei o meu tabernáculo no meio de vós, e a minha alma

não vos aborrecerá. Andarei entre vós e serei o vosso Deus, e vós sereis o meu

povo”

Salmo 84.1: “Quão amáveis são os teus tabernáculos, SENHOR dos Exércitos!”

Por isto, o verbo acaba ganhando uma forte conotação religiosa, para se

referir à habitação da glória do Senhor, à manifestação divina:

Êxodo 29:45: “E habitarei no meio dos filhos de Israel e serei o seu Deus”
Êxodo 40.35: “Moisés não podia entrar na tenda da congregação, porque a
nuvem permanecia sobre ela, e a glória do SENHOR enchia o tabernáculo”
Números 9.17: “Quando a nuvem se erguia de sobre a tenda, os filhos de Israel
se punham em marcha; e, no lugar onde a nuvem parava , aí os filhos de Israel

se acampavam”

Por este motivo, da mesma raiz apareceu no hebraico mishnaico a

palavra ‫שִׁכיׇנה‬
ְ (shekhinah), para definir a glória de Deus, a própria Divindade
(BEREZIN: 1995). Em Nm 35.34, podemos ver como se reserva o verbo

yashabh para os filhos de Israel e o verbo shakhan para Deus: “Não

contaminareis, pois, a terra na qual vós habitais (verbo yashabh), no meio da

qual eu habito (verbo shakhan); pois eu, o SENHOR, habito (verbo shakhan) no

meio dos filhos de Israel”. Ainda assim, o verbo shakhan pode significar

simplesmente “habitar”, sem colocação religiosa (Gn 25.18; Nm 14.30; Dt

33.20; 2 Sm 7.10).
Em quatro trechos, temos os três verbos sendo utilizados de uma vez só:

Juízes 5.16,17: “Por que ficaste (verbo yashabh) entre os currais para ouvires a
flauta? Entre as facções de Rúben houve grande discussão. Gileade ficou (verbo
shakhan) dalém do Jordão, e Dã, por que se deteve (verbo gur) junto a seus

navios? Aser se assentou (verbo yashabh) nas costas do mar e repousou (verbo
shakhan) nas suas baías”

Jeremias 49.16 – 18: “O terror que inspiras e a soberba do teu coração te


enganaram. Tu que habitas (verbo shakhan) nas fendas das rochas, que ocupas
as alturas dos outeiros, ainda que eleves o teu ninho como a águia, de lá te

derribarei, diz o SENHOR. Assim, será Edom objeto de espanto; todo aquele

que passar por ele se espantará e assobiará por causa de todas as suas pragas.
Como na destruição de Sodoma e Gomorra e das suas cidades vizinhas, diz o

SENHOR, assim não habitará (verbo yashabh) ninguém ali, nem morará (verbo

gur) nela homem algum”

Jeremias 49.31 – 33: “Levantai-vos, ó babilônios, subi contra uma nação que

habita (verbo yashabh) em paz e confiada, diz o SENHOR; que não tem portas,

nem ferrolhos; eles habitam (verbo shakhan) a sós. Os seus camelos serão para

presa, e a multidão dos seus gados, para despojo; espalharei a todo vento

aqueles que cortam os cabelos nas têmporas e de todos os lados lhes trarei a

ruína, diz o SENHOR. Hazor se tornará em morada de chacais, em assolação


para sempre; ninguém habitará (verbo yashabh) ali, homem nenhum habitará

(verbo gur) nela”

Jeremias 50.39,40: “Por isso, as feras do deserto com os chacais habitarão


(verbo yashabh) em Babilônia; também os avestruzes habitarão (verbo

yashabh) nela, e nunca mais será povoada (verbo yashabh), nem habitada
(verbo shakhan) de geração em geração, como quando Deus destruiu a

Sodoma, e a Gomorra, e às suas cidades vizinhas, diz o SENHOR; assim,


ninguém habitará (verbo yashabh) ali, nem morará (verbo gur) nela homem
algum”

Definindo adequadamente a raiz verbal gur, chegamos ao termo ‫ֵגּר‬


(ger). Mas devemos antes verificar a relação entre o substantivo e a raiz que lhe
deu origem.
1.3. Relação entre o substantivo ‫( ֵגּר‬ger) e a raiz ‫( גור‬gwr)

Não restam dúvidas de que o substantivo ‫ֵגּר‬ (ger) seja derivado

diretamente da raiz verbal ‫( גור‬DITAT, DHP&AP), tornando-o um substantivo


verbal tal como ‫ֵנר‬ (ner), “lâmpada”, ‫( ֵמת‬met) “cadáver, morto” (RAMÍREZ:
1999). Porém, existe uma diferença intrínseca entre o uso do substantivo e da
raiz verbal. Tanto, que em apenas 22 passagens os dois aparecem juntos.

A raiz verbal é utilizada principalmente em textos não legais, tais como a

História Patriarcal (e.g., Gn 12.10; 19.9), a História de Moisés (Êx 3.22; 6.4),

nos livros históricos pré-exílicos (e.g., Jz 17.7,8,9) e nos livros históricos

elaborados após o exílio (2 Cr 15.9; Ed 1.4). Já o substantivo é utilizado


primordialmente em textos legislativos, como veremos mais à frente (ibid).

A raiz verbal sempre está associada à ideia de movimento (e.g., Gn 20.1;

2 Rs 8.1) – e, em geral, é o verbo ‫( בּוֹא‬bo‘), “vir”, “entrar”, que o acompanha


(e.g., Gn 35.27; Dt 18.6; Sl 105.23), enquanto o substantivo dá uma ideia
pontual. Portanto, podemos imprimir um caráter “emigrante” à raiz verbal, uma

vez que o movimento geralmente é de israelitas saindo do território de Israel em


direção a: Moabe (Rt 1.1), Filístia (Gn 21.33), Fenícia (Jz 5.17), Egito (Gn

12.10), enquanto que o substantivo é utilizado para mencionar estrangeiros


vivendo em Israel , fazendo que o sentido seja exatamente o oposto: de fora de
Israel para Israel (ibid).

Se alguém saiu da terra abençoada pela presença de Deus (Nm 35.34),


espera poder retornar. Portanto, em muitas ocasiões a raiz verbal ‫גור‬ vem

acompanhada de verbos que dão a ideia de retorno, como ‫שׁוּב‬ (shubh),


“retornar” (compare 2 Rs 8.1 com 8.3; Jr 42.15 com 44.28; Rt 1.1 com 1.6,7) e

‫‘( ׇעׇלה‬alah), “subir” (compare Gn 12.10 com 13.1; Gn 47.4 com 50.7 – 9). O
mesmo não acontece com relação ao substantivo. Uma vez que o substantivo é
utilizado, especialmente nos escritos sacerdotais, para os estrangeiros residindo

em Israel, concluímos que é um termo legal, especificando o status de


estrangeiro diante da lei israelita (ibid). Assim, encontramos uma definição

adequada do termo ger.


1.4. Encontrando uma definição adequada ao termo ger

A partir da análise feita da raiz, poderíamos traduzir o termo como

“morador temporário” de um lugar (DURHAM: 1997), sendo que este tempo


poderia tanto ser pequeno quanto longo. Este termo aparece 92 vezes em 83

versículos no texto massorético. Em Êxodo 23.9 o termo é traduzido por

palavras como “estrangeiro” (ARC, Nova Versão Internacional, Bíblia de

Jerusalém, Antônio Pereira de Figueiredo, Matos Soares, Bíblia Vozes, New

Living Translation, Reina Valera, Louis de Segond), “forasteiro” (ARA,


Diodati), “peregrino” (Tradução Brasileira, Vulgata Latina), “migrante”

(Tradução Ecumênica, Edição Pastoral), sojourner (“residente temporário” -

Young’s Literal Translation, American Standard Version), alien (“alheio”,

“alienígena” – New International Version, New Jerusalém Bible), stranger

(“estranho” – King James Version, Revised Standard Version). Percebemos que,

pelo menos para esse versículo, há uma preferência pela tradução “estrangeiro”.

Mas, todo e qualquer estrangeiro? Um tipo específico de estrangeiro?


A tradução “estrangeiro” refere-se a alguém que não pertence à terra na

qual ele está habitando. Portanto, não é um ‫( ֶא ְזׇרח‬ezrach), um natural, um

nativo da terra. Mas deve ser distinguido da palavra ‫( ׇנְכ ִרי‬nokhri), que fala de
um estrangeiro sem qualquer vínculo com a terra na qual está habitando. Tanto,

que sua ênfase está mais no estranho (DITAT; por exemplo, em Gênesis 31.15 a
ARA traduz: “Não nos considera ele como estrangeiras?” enquanto a ARC
traduz: “Não nos considera ele como estranhas?”), em especial aquele que veio
de terras longínquas (Dt 29.22 [21]; 1 Rs 8.41; 2 Cr 6.32). Esta palavra pode se

referir ao estrangeiro que não fixou residência em algum lugar – enquanto o ger

é o estrangeiro que está habitando “dentro de tuas portas” (Observe os dois


termos usados lado a lado nas seguintes passagens: Êx 20.10; Dt 5.14; 14.21;

31.12). Também usa-se o termo ‫( ֵבּן־ ֵנׇכר‬ben nekhar), “filho do estranho” em


16 versículos, mas sempre traduzido por “estrangeiro” (Gn 17:12,27; Êx 12:43;

Lv 22:25; 2 Sm 22:45,46; Sl 18:45,46; Is 60:10; 61:5; 62:8; Ez 44:7,9) ou

“estranho” (Ne 9:2; Sl 144:7,11; Is 61:5).

Ao traduzir como “estranho”, fala de alguém alheio aos costumes locais.

Neste ponto é mais bem expresso por ‫( ׇזר‬zar). Um estranho, que não tinha

nenhum conhecimento das leis judaicas, demonstrava não ter comprometimento

com a religião judaica (BDB). Não poderia comer dos sacrifícios (Êx 29.33),

nem usar o óleo da santa unção (Êx 30.33), muito menos se aproximar da tenda

da congregação (Nm 1.51). Um não-levita era um “estranho” a tribo de Levi

(Nm 17.5). O “fogo estranho” (Lv 10.1; Nm 3.4) é um fogo não sagrado, não
consagrado ao Senhor. O estranho pode ser um estrangeiro inimigo: desta forma,

este termo às vezes realça a hostilidade deste (2 Rs 19.24; Jó 19.15; Pv 5.10; Is


1.7).

Ao traduzir como “forasteiro”, há referência a uma breve passagem do


adventício. Mas, quando nos referimos ao ger como um morador temporário de
um lugar, geralmente este tempo era longo. Moisés afirma que era um ger na
terra de Midiã (Êx 2.22), e ali permaneceu nesta condição durante quarenta anos
(confira At 7.29,30). Se o período de permanência de um estrangeiro em um

lugar era curto, era descrito como um ‫שׁב‬


‫( תּוֹ ׇ‬toshabh). A melhor tradução para
este termo então seria “hóspede” (como faz a BJ em Lv 22.10; 25.6, 23, 35, 40),
ou talvez “inquilino” (ainda a BJ no Salmo 39.15). Podia indicar aquele que está

na posição de empregado, criado (SCHÖKEL: 1997). Entrementes, em duas


passagens faz alusão a moradores de uma forma genérica: Gn 23.4 e 1 Rs 17.1.

Acrescentamos ainda que funciona como substituto de ger (BDB), como

podemos deduzir da contraposição feita entre o toshabh e o ezrach em Êx 12.19.

Diante de tudo que expusemos, concluímos que a melhor definição para

ger é a de “estrangeiro residente” (COLE: 1980). “Como ‘estrangeiros’ (gēr) são

tratadas pessoas que têm residência estável em um lugar, ao qual não pertencem

desde a sua origem e onde não têm parentesco e propriedade” (MARTIN-


ACHARD, apud CRÜSEMANN: 2002, p. 259). O seu relacionamento era

comparável a de um cliente (DHP&AP), vivendo em lugar mediante “acordos”

com os naturais. Ló, habitando em Sodoma como estrangeiro, não tinha


permissão para atuar como juiz (Gn 19.9 BJ). Abraão, na condição de ger entre
os heteus (Gn 23.4), necessita pedir o consentimento deles para sepultar sua

esposa no território que lhes pertencia (Gn 23.8).


Voltando à questão do status legal, é digno de nota que das 92

ocorrências, em apenas 11 o substantivo ‫ֵגּר‬ (ger) encontra-se no plural. Isto


demonstra que este substantivo não se prende especificamente a um individuo,
mas primordialmente ao seu status de estrangeiro residente. Por este motivo, o

substantivo ger nunca aparece no feminino, mas no plural – enquanto ‫( ׇזר‬zar) e

‫( ׇנְכ ִרי‬nokhri) admitem o uso no feminino. Estes últimos também adquirem um


sentido adjetivo, enquanto ger é um substantivo de aspecto legal que se refere

tanto a homens quanto a mulheres. Concluímos que os três termos, ‫( ׇזר‬zar),


‫( ׇנְכ ִרי‬nokhri), e ‫ֵגּר‬ (ger) designam três classes diferenciadas de estrangeiros em
Israel (RAMÍREZ; 1999).

Apesar desta forte conotação social, paulatinamente dentro do

judaísmo o conceito de ger foi conquistando relevo religioso, passando a definir

o ger como o “convertido ao judaísmo” (DPH&HP). Inclusive a legislação em

Êx 20 – 23 parece pressupor esta realidade (CRÜSEMANN: 2002).

Provavelmente já no período interbíblico o ger era encarado desta forma, em

especial a partir do processo de helenização promovido pelas conquistas de

Alexandre o Grande, e imposto à força com Antíoco Epifânio IV (confira 1 Mc

1.41ss). Facilmente podemos comprovar isto na Septuaginta, uma tradução que

remonta provavelmente ao século IV a.C., uma vez que em 67 versículos o

termo ger é traduzido pelo vocábulo grego προσήλυτος (proselytos)[8], que


justamente veio a dar em português “prosélito”, o gentio que se converteu ao

judaísmo. Isto é reforçado pelo fato de que em duas passagens é utilizado

transliterado o aramaico ‫גיורא‬, gyiora, o equivalente do hebraico ger, mas que

ganhou exclusivamente a conotação de convertido[9]. Somente em 15

passagens é que se utiliza um termo grego que não traduz propriamente

forasteiro, e sim vizinho: πάροικος (paroikos)[10], “estrangeiro que reside

temporariamente” (DITNT); em duas passagens (Gn 23.4; Sl 39.12[LXX 38.13])

temos a palavra παρεπίδημος (parepidemos), um termo que pode ser considerado

sinônimo do anterior (Louw–Nida); e em apenas uma passagem (Jó 31.32) usa-

se o termo ξένος (xenos), “estrangeiro”. Mas mesmo no texto massorético

podemos perceber a força da conotação religiosa dada ao termo, afastando-se em

muitos momentos do contexto estritamente social, em especial no Código da

Aliança e nos na fonte sacerdotal (P). “O ger do P é um homem livre, um

estrangeiro que se instalou na terra de Israel e foi assimilado culturalmente e,

consequentemente, religiosamente” (KAUFMANN, apud RAMÍREZ: 1999, p.


7).

Perceberemos que teologicamente não é adequado imprimir um único

sentido ao termo ger, porém é mais adequado diferenciar de acordo com os


blocos literários do Antigo Testamento. T. Meek (apud RAMÍREZ: 1999, p. 2)

sugere que o significado de ger é “imigrante” nas fontes javista e eloísta,

“estrangeiro residente” no Código da Aliança e Deuteronômio, e “prosélito” no


Código da Santidade e na fonte sacerdotal. É o que pretendemos mostrar no

restante do trabalho. Com relação ao contexto dado pelo javista e eloísta,

faremos preliminarmente uma análise do tratamento dado na Antiguidade ao

estrangeiro.
2. A SITUAÇÃO SOCIAL DO ESTRANGEIRO NA
ANTIGÜIDADE

Em uma primeira etapa, o estrangeiro não possui direitos na sociedade


antiga. Sempre havia uma desconfiança em relação ao estranho. O migrante era

tratado com bastante reserva. O estrangeiro era, antes de tudo, um estranho,

alguém cujas intenções sempre eram suspeitas. Portanto, recorria-se até mesmo a

rituais mágicos para repeli-los (DITNT). Desta forma, não tinha direito

resguardado por leis. O Código de Hamurabi, formulado pelo famoso rei


babilônico que viveu por volta do século XVIII a.C., não estabelece leis

específicas para o estrangeiro entre os seus 282 artigos. Devemos levar em conta

que este código, escrito em língua acádica, é uma coleção assistemática do

direito costumeiro sumério e acádio (Barsa). Na lei 154, estabelece a expulsão

do homem que conhecer a própria filha – este, com certeza, tornar-se-ia um

forasteiro em terra estrangeira. Isto se consolidava com o desligamento de sua


família, a perda de seus bens e propriedades e a cassação dos direitos de cidadão

(BOUZON: 1986). A mesma lei é aplicada ao incesto com a principal esposa do


pai, na lei 158[11]. As leis 280 e 281 nos mostram que a presença de

estrangeiros era principalmente de escravos adquiridos possivelmente em


guerras:
280º - Se alguém em país estrangeiro compra um escravo ou uma escrava, se
volta à terra e o proprietário reconhece o seu escravo ou a sua escrava, se o

escravo ou escrava, são naturais do país, ele deverá restituí-los sem

indenização.

281º - Se são nascidos em outro país, o comprador deverá declarar perante


Deus o preço que ele pagou e o proprietário deverá dar ao negociante o
dinheiro pago e receber o escravo ou a escrava.

Na verdade, esta não existência de leis especificas ao estrangeiro no

Código de Hamurabi é decorrente do fato de que este conjunto de leis

... não estabelece diferença entre as pessoas do país e os


estrangeiros. Em Babilônia, cidade cosmopolita e centro de
comércio internacional, o estrangeiro era quase sempre
pessoa rica que ameaçava fazer de outro cidadão vítima sua.
Aquele que trazia dinheiro e recursos para Babilônia era
sempre bem-vindo e participava dos direitos e deveres
locais; esta cidade, que vivia especialmente de comércio,
abria os braços para cada um que desejasse ali tentar a sorte.
Implacável, porém, para com aquele que não progredia.
(EPSZTEIN: 1990, p. 142).

Em decorrência desta constatação, poderemos ver a mudança do


comportamento das culturas antigas em relação ao estrangeiro.
2.1. A situação geral no Antigo Oriente, em Roma e na Grécia

O mesmo tratamento insinuado no Código de Hamurabi pode ser

constatado em Ugarit: ali, “os imigrantes têm os mesmos direitos e os mesmos


deveres dos concidadãos: pagam impostos como esses, prestam o serviço militar,

dedicam-se ao comércio, ao artesanato e ao trabalho intelectual” (ibid., p. 142).

E, justamente em decorrência do medo criou-se uma aura religiosa em torno do

estrangeiro. Por isso, já o Livro dos Mortos do Antigo Egito, datado do século

XIII a.C., tecia um juízo elogiador aos que alimentavam os famintos e vestia os
nus – condição na qual geralmente se encontravam os estrangeiros (EBTF). No

período do Novo Império, havia um tratamento especial a estrangeiros especiais:

os príncipes herdeiros de reinos vassalos dos egípcios eram mantidos como

reféns, a fim de assegurar o recebimento de impostos, sendo instruídos numa

“prisão de luxo”. Sendo treinado na cultura egípcia, esperava-se que ao assumir

o trono de seu país natal demonstrasse lealdade a Faraó (SCHULTZ: 1977). Isto

bate com a informação de que Moisés fora instruído em toda a ciência do Egito
(At 7.22), o que segundo Filo incluiria aprendizado em aritmética, geometria,

música, hieróglifos, literatura assíria e caldaica (Gill).


Na Grécia, o estrangeiro passou a contar tanto com a proteção da religião

quanto da lei. A aura de mistério em torno do estrangeiro pode ser evidenciada


pelas passagens da Odisseia, de Homero, que mostram que o estrangeiro vem da
parte dos deuses, e inclusive pode ser um deus disfarçado. Homero, poeta que
teria nascido por volta de 850 a.C. na Jônia, distrito grego à época, tem sua
existência até mesmo colocada em dúvida por alguns estudiosos, apesar de ser

considerado o expoente da literatura clássica grega. (Barsa).

Tendo assim falado, [a deusa Atena] atou aos pés suas belas e imortais sandálias

de ouro(...) Partiu, baixando desde os cumes do Olimpo, e deteve-se em Ítaca, no

portal de Ulisses, no limiar do pátio, tendo na mão a lança de bronze: assumira o

aspecto de um estranho. (Odisseia I.96 – 105)

Este é um infortunado, que em suas peregrinações errantes aqui chegou;


precisamos cuidar dele. Estrangeiros e mendigos, todos eles vêm da parte de

Zeus, e por mínimo que seja nosso dom, sempre é bem recebido (Odisseia I.207-

8)

Em Roma o estrangeiro não possuía direitos perante a lei até o período


imperial, a não ser que possuísse um patronus (DITNT). Em 246 a.C. foi criado

um cargo especial para resolver as questões que envolviam dois estrangeiros,


peregrini, ou entre um cidadão romano e um peregrinus: o praetor peregrinus,

enquanto o praetor urbanus resolvia questões relativas unicamente aos cidadãos


romanos. Os dois pretores determinavam por sorte quais as funções que
respectivamente iam exercer. Se um exercia o comando do exército, o outro
executava as obrigações de ambos dentro da cidade. Caso o estrangeiro,
designado genericamente como peregrinus, usufruísse domicílio permanente,

passava a contar com o status de incola (MURRAY). Na Vulgata Latina, este

termo traduz ger em apenas um único versículo – a saber, o Salmo 119.19 (na

numeração latina, 118.19). Aparece também traduzindo a raiz verbal ‫ גור‬nas


seguintes passagens: Sl 105.12 [Vulgata 104.12]; 120.5 [Vulgata 119.5]; Jr
49.18; 49.33; 50.40.

O grego clássico conhece inclusive um termo que corresponde bem

linguisticamente ao hebraico ger, mas que nunca o traduz na Septuaginta[12],

μέτοικος (metoikos). Vamos analisá-lo a seguir.


2.2. A situação na Grécia do μέτοικος (metoikos)

O termo μέτοικος (metoikos) designava o “emigrante, o estrangeiro que

vem estabelecer-se em qualquer parte”[13]. Em Atenas, estes “estrangeiros


residentes” formavam uma classe social especial, a dos metecos, que obtinha

certa proteção legal mediante o pagamento de um imposto de doze dracmas

conhecido como μετοικιον (metoikion) (LS).

Em Atenas, o meteco, apesar da proteção judicial, não usufruía os

direitos políticos. Também não poderia ser proprietário fundiário – pois, uma vez
que adquirisse posses, estaria se fixando, o que caracteriza um direito do

eupátrida, o natural ateniense (lembremos da situação de Abraão, que necessita

pedir autorização até mesmo para uma possessão funerária). “Qualquer um que

deseje poderá entrar em residência como um estrangeiro nas condições fixadas,

desde que a residência é permitida a um estrangeiro que está disposto e

habilitado a residir” (Platão, Leis 850a, tradução própria). Ainda era obrigado a

prestar serviço militar[14]. Os metecos geralmente eram comerciantes, artesãos,


ajudando a formar a base da sociedade – mas, apesar dessa importância, ainda

assim, lhes eram negados direitos políticos.


O mais importante meteco em Atenas foi Aristóteles. Tendo nascido em

384 a.C. na cidade de Estagira, Macedônia, estabeleceu-se com apenas dezessete


anos em Atenas. Foi discípulo de outro importante filósofo, Platão.
Curiosamente, apesar da posição de meteco, exclui do seu conceito de cidadania
o meteco, confrontando-o à situação dos escravos e mulheres[15].

Por conseguinte, é evidente que o Estado é uma criação da


natureza e que o homem é, por natureza, um animal político.
E aquele que por natureza, e não por mero acidente, não tem
cidade, nem Estado, ou é muito mau ou muito bom, ou sub-
humano ou super-humano – sub-humano como o guerreiro
insano condenado, nas palavras de Homero, com “alguém
sem família, sem lei, sem lar”; porque uma pessoa assim,
por natureza amante da guerra, é um não-colaborador, como
uma peça isolada num jogo de damas (Política 1253a,
tradução própria)

...de forma que precisamos considerar quem é intitulado


cidadão, e qual é a natureza essencial de um cidadão. Pois
há frequentemente uma diferença de opinião sobre isto: nem
todos concordam que a mesma pessoa é uma cidadã -
frequentemente alguém que seria um cidadão em uma
democracia não é um cidadão debaixo de uma oligarquia.
Nós não precisamos aqui considerar aqueles que adquirem o
título de cidadão de alguma maneira excepcional - por
exemplo esses que são os cidadãos por adoção; e a cidadania
não é constituída através de domicílio em um certo lugar
(pois metecos e escravos compartilham o domicílio de
cidadãos) (Política 1275a, tradução própria)

Verdadeiramente é o caso que um cidadão é uma pessoa que


tem o direito de ocupar cargo no governo, ou os proletários
também devem ser contados como cidadãos? Se estas
pessoas também serão contadas, mesmo não tendo
participação nos cargos, não é possível a todo cidadão
possuir a virtude do cidadão; pois o verdadeiro cidadão é o
homem capaz de governar. Se por outro lado ninguém do
proletariado é um cidadão, em que classe os vários
trabalhadores serão enfileirados? Porque eles não são nem
metecos nem estranhos. (Política 1277b, tradução própria)

pois escravos também não estão em uma das classes


mencionadas, nem é liberto. Porque isto é verdade que nem
todas as pessoas indispensáveis para a existência de um
estado são consideradas cidadãos, desde que até mesmo os
filhos de cidadãos não são cidadãos da mesma maneira que
os adultos: os últimos são cidadãos no sentido pleno, o
anterior só por consideração - eles são os cidadãos, mas
incompletos. De fato antigamente a classe de artesão em
alguns estados consistia em escravos ou metecos, devido aos
quais a grande massa de artesãos é tal qual como agora; e o
mais bem organizado estado não fará de um artesão um
cidadão. (Política 1278a, tradução própria)

Podemos entender que tal posicionamento é insustentável. Aristóteles


estava exercendo uma auto exclusão da vida política de Atenas? Uma possível

causa talvez seja o trauma de não ter sido escolhido como sucessor de seu mestre

Platão na direção da Academia. Talvez os inúmeros exílios sofridos. Existe ainda

a possibilidade de sofrer discriminações em Atenas, na qualidade de meteco.


Aceita esta posição de meteco, e passa a encarar a política como objeto

puramente de estudo, sem engajamento – ao contrário da atitude de seu mestre


Platão (Barsa).

Não obstante, Aristóteles revela-nos muitas concessões feitas aos


metecos, merecendo proteção do ostracismo tal qual o natural, ser ouvido no

Tribunal do Paládio e possuir um cargo que lhe atende especificamente – o


Polemarco, “Senhor da Guerra” (para as referências seguintes, seguimos o texto
da Editoria Nova Cultural, apenas alterando inserindo a palavra meteco onde esta

aparece no texto grego):

Na sexta Pritinia, além dos assuntos já discutidos, coloca-se


em votação a questão de quais ostracismos que deverão ser
mantidos e ouvem-se acusações contra informantes, sejam
atenienses ou metecos (com um limite de três por sessão), e
alegações contra qualquer pessoa que tenha falhado em
cumprir um compromisso assumido em relação à cidade
(Constituição de Atenas 43.6)

Acusações de assassinato ou ferimentos em que um homem


deliberadamente mata ou fere alguém são ouvidas pelo
Areópago, assim como os casos de envenenamento que
resultam em morte e os casos de incêndio criminoso; estes
são os únicos casos decididos por essa entidade. Acusações
de homicídio não intencional, de conspiração para matar e
morte de um escravo, de um meteco ou de um estranho são
ouvidas no Tribunal do Paládio (Constituição de Atenas
57.3)

O Polemarco faz sacrifícios à Ártemis, a caçadora, e a


Eniálio, organiza as cerimônias funerais em honra aos que
morreram na guerra e faz oferendas a Harmódio e a
Aristogíton. Ouve apenas processos particulares que
envolvem metecos, isenção de impostos dos metecos e
proxenoi; é seu dever reuni-los, dividi-los em dez grupos e
designar por sorteio um grupo a cada uma das dez classes,
e os jurados da classe devem levá-los, então, diante dos
Árbitros. O próprio Polemarco introduz os casos em que
homens acusados de desobedecer ao patrão ou de não ter
patrão, assim como casos que envolvam heranças e
eplikeroi dos metecos; em outras palavras, o Polemarco
desempenha para os metecos o mesmo papel que o Arconte
desempenha para os cidadãos. (Constituição de Atenas 58.1
– 3)

Xenofonte, cuja prosa influenciou a literatura latina, nasceu na Ática no

ano 431 a.C., em plena Guerra do Peloponeso, e tomou parte no memorável

episódio da retirada dos dez mil e tornou-se discípulo de Sócrates. Ele já discute

bem favoravelmente aos metecos, mostrando que uma classe tão rentável ao
estado ateniense bem merecia o direito à cidadania (Barsa):

Mas em vez de se limitar às bênçãos que podem ser


chamadas naturais, suponha que, em primeiro lugar, nós
estudamos os interesses dos metecos. Pois neles nós temos
uma das melhores fontes de renda, em minha opinião, já que
eles vivem por conta própria e, longe de receber pagamento
pelos muitos serviços que eles prestam aos Estados, eles
contribuem pagando um imposto especial. Eu penso que nós
deveríamos estudar os interesses deles suficientemente, se
nós os aliviássemos dos tributos que parecem impor uma
certa medida de inaptidão no meteco sem conferir qualquer
benefício no estado, e também da obrigação de servir na
infantaria junto com os cidadãos. Aparte do risco pessoal,
não é nenhuma coisa pequena deixar seus comércios e
negócios. (Xenofonte, Meios e Modos II.1-2, tradução
própria)

Na verdade, os metecos (assim como os escravos) não poderiam ser


agredidos, pois uma vez que se confundiam com os cidadãos livres, ninguém
poderia correr o risco de agredir um autêntico cidadão ateniense:

Agora entre os escravos e metecos em Atenas há a mais


descontrolada libertinagem; você não os pode bater lá, e um
escravo não o suportará. Eu mostrarei por que esta é a
prática nativa deles: se fosse habitual para um escravo (ou
meteco ou liberto) ser golpeado por alguém que é liberto,
você poderia ocasionalmente bater por engano em um
cidadão ateniense, na suposição de que ele era um escravo.
Pois as pessoas não se vestem melhores do que os escravos e
metecos, nem estas são de qualquer forma mais bonitas.
(Antiga Oligarquia, a Constituição dos atenienses 1.10,
tradução própria)

Durante o governo de Clístenes, o direito de cidadania foi concedido a

muitos metecos como retaliação à atuação anterior dos tiranos. Em 404 a.C.,

acusados de ligação com os democratas, são perseguidos pela chamada

Oligarquia dos Trinta.

Mas talvez uma pergunta surja particularmente sobre


aqueles que foram admitidos à cidadania quando irrompeu
uma revolução, como por exemplo na concessão de
cidadania realizada em Atenas por Clístenes depois da
expulsão dos tiranos, quando ele arrolou nas tribos dele
muitos metecos que tinham sido estranhos ou escravos. A
disputa sobre estes não é acerca do fato da cidadania deles,
mas se eles receberam isto injusta ou justamente.
(Aristóteles, Política 1275b, tradução própria)
Na verdade, a importância dos metecos em Atenas pode ser aquilatada

pelo relato feito por Pausânias, nascido nas primeiras décadas do século II da era

cristã na Lídia, Anatólia. Sua realidade já era outra – o mundo integrado pelo
Império Romano. Sua colaboração à moderna Geografia é inestimável, devido às

viagens empreendias a vários ligares – entre eles a Grécia (Barsa). Ele narra o

fato dos metecos contarem com um altar dentro da famosa Academia ateniense –

o que evidencia o impacto da sua presença na vida da polis:

Antes da entrada para a Academia está um altar ao Amor,


com uma inscrição que Charmus foi o primeiro ateniense a
dedicar um altar àquele deus. O altar dentro da cidade,
chamado o altar de Anteros (Amor Vingado), dizem ter sido
dedicado pelos metecos - pois o ateniense Meles, rejeitando
o amor de Timagoras, um meteco, ordenou-o ascender ao
ponto mais alto da pedra e se jogar. Agora Timagoras
estimou em nada a sua vida, e estava pronto para satisfazer a
mocidade em quaisquer dos pedidos dele, assim ele foi e se
jogou. Quando Meles viu que Timagoras estava morto, ele
sofreu tal dores de remorso que ele se lançou da mesma
pedra e assim morreu. Desde esta época os metecos
adoraram Anteros como o espírito vingador de Timagoras
(Descrição da Grécia 1.30.1, tradução própria)

Devemos agora nos fazer a seguinte pergunta: que pontos em comum


possuem os termos metoikos e ger? Será que a correspondência de significados
corresponde exatamente à similaridade social? Iremos abordar esta questão a
seguir.
2.3. Possíveis influências do conceito de metoikos

Na verdade, apesar da similaridade de significados entre o termo grego

metoikos e o termo hebraico ger, podemos argumentar que a influência trazida


pelo termo grego na literatura bíblica é praticamente nula. Com exceção de uma

única passagem na Septuaginta, e mesmo assim significando “exílio” (confira a

nota de rodapé número doze), não há menção ao meteco na famosa tradução do

Antigo Testamento para o grego. Encontramos duas menções a este termo na

obra de Flávio Josefo. Participante da Revolta dos Judeus contra os Romanos,


que durou do ano 66 a 70 da nossa era, e que resultou na destruição de

Jerusalém, obteve o perdão do governo romano (por isso, não é estimado entre

os judeus, que o consideram traidor) e dedicou-se a relatar a história de seu povo

na língua grega.

Mas agora os Cuteanos, que foram removidos à Samaria


(pois este é o nome que eles foram chamados desde este
tempo, porque eles foram tirados do país chamado Cutah o
qual é um país de Pérsia e aonde há um rio de mesmo
nome), cada um deles, de acordo com suas nações, cinco em
número, trouxeram seus próprios deuses para Samaria, e
adorando-os, como era o costume dos seus próprios países,
provocaram o Deus Todo-poderoso à ira e aborreceu-se com
eles, mediante uma praga lançada neles, pela qual foram
destruídos; e como não acharam nenhuma cura para as suas
misérias, aprenderam pelo oráculo que eles deveriam adorar
ao Deus Todo-poderoso, como meio de libertação deles.
Assim eles enviaram embaixadores ao rei da Assíria, e
pediram que lhes enviasse alguns sacerdotes dos Israelitas,
os quais ele tinha levado cativo. E, quando logo após os
enviou, e as pessoas foram por eles ensinadas nas leis, e na
adoração santa a Deus, eles o adoraram de uma maneira
respeitosa; e a praga cessou imediatamente; e realmente eles
continuam fazendo uso dos mesmos costumes até este
tempo, e são chamados na língua hebreia Cutlanos, mas na
língua grega de Samaritanos. E quando eles vêem os judeus
em prosperidade, eles fingem que estão mudados, e aliados a
eles, e os chamam parentes, como se eles fossem originados
de José, significando com isso uma aliança original com
eles; mas quando eles os vêem entrando em uma condição
precária, dizem que não possuem nenhuma relação com
eles, e que os judeus não têm direito em esperar qualquer
bondade ou parentesco deles, mas declaram que eles são
metecos, provenientes de outros países. Mas destes nós
teremos uma oportunidade a seu tempo para discursar daqui
por diante. (Antiguidades Judaicas 9.14.288 – 290, tradução
própria)

Havia quatro [classes] na cidade de Cirene: cidadãos,


lavradores, a terceira dos metecos e a quarta dos judeus.
Agora estes judeus já passaram por todas as cidades; e é
difícil achar um lugar na terra habitável que não tenha
admitido esta tribo de homens, e não são dominados por eles
(Antiguidades Judaicas 14.7.115, tradução própria)

Claramente vemos aqui um simples helenismo. Na verdade podemos

até mesmo duvidar que a tradução meteco seja cabível aqui – a tradução de Gary

Goldberg, por exemplo, traduz simplesmente por “estrangeiro”, o mesmo

acontecendo na tradução de Vicente Pedroso. De qualquer forma, não há


nenhum contexto religioso – tão somente social. A não correspondência entre o

meteco e o ger pode ser esclarecida pelo fato de que nas passagens do texto

hebraico do Sirácida em que aparece o termo ‫( ֵגּר‬ger), a saber 10.22 e 42.9, não

aparece nenhum termo sequer próximo no texto grego[6] (SCHÖKEL: 1997).

Conforme poderemos constatar no restante deste trabalho, o ger assumirá cada

vez mais contornos teológicos. Já o meteco em Atenas, pelo que pudemos

perceber, tem uma posição estritamente social. A discussão acerca do meteco

está por trás da discussão acerca do conceito da cidadania, da πολίτης (polites)

grega (Louw–Nida).

Não obstante esta conclusão, não descartamos uma possível influência do

conceito grego acerca do meteco no uso um tanto pejorativo, em algumas

passagens dos apócrifos da Septuaginta, da palavra ἀλλότριος (allotrios), “o


outro” (geralmente traduzido por estrangeiro; confira GINGRICH: 1984). Esta

literatura foi produzida justamente no período da dominação helenística em


Israel, o que reforça esta possível dependência. Por esta época Antíoco Epifânio
IV procurou abolir o culto a Yahweh em Israel. A abordagem pejorativa dos

estrangeiros reflete o sentimento xenófobo que tomou conta de Israel após a


revolta dos macabeus (abaixo seguimos o texto da BJ, salvo no Salmo 151 e em
Salmos de Salomão onde utilizo tradução própria):

Tobias 4.12a: Guarda—te, meu filho, de toda a impureza. Escolhe uma mulher

da linhagem de teus pais; não tomes por esposa uma mulher estrangeira, que
não pertença à tribo de teu pai, porque nós somos filhos dos profetas.

1 Macabeus 1.38: por sua causa fugiram os habitantes de Jerusalém e ela

transformou-se em habitação de estrangeiros. Jerusalém tornou-se estranha à

sua progênie e seus próprios filhos a abandonaram.

1 Macabeus 2.7: exclamou: “ai de mim! Por que nasci para contemplar a ruína
do meu povo e o pisoteamento da cidade santa, deixando-me estar aqui sentado

enquanto ela é entregue à mercê dos inimigos e o Santuário ao arbítrio dos

estrangeiros?”

Salmo 151.6: saí a encontrar o estrangeiro, e ele me amaldiçoou pelos seus

ídolos.

Sirácida 11.34: introduze em casa um estrangeiro e ele transtornar-te-á e te


separará dos teus.

Sirácida 32.18: o homem sensato não despreza os conselhos, o estrangeiro e o


orgulhoso não conhecem o temor.

Salmos de Salomão 2.2: gentios estrangeiros subiram ao teu altar;


arrogantemente pisaram-no com suas sandálias.
Baruque 4.3: não cedas a outrem a tua glória, nem a um povo estrangeiro os

teus privilégios.
Esta visão negativa do estrangeiro nos apócrifos segue na contramão do

caminho adotado na literatura canônica. Devemos, portanto, abandonar a

conexão com o meteco ateniense e procurar o sentido religioso dado ao ger no


Antigo Testamento a partir da confissão dos patriarcas como gerim. É justamente

o que faremos no capítulo seguinte.


3. O GER E A ÉPOCA PATRIARCAL

Desde Julius Wellhausen, o Pentateuco é concebido como a junção de


várias fontes elaboradas em épocas diferentes. O relato patriarcal é composto

principalmente pelas fontes javista e eloísta. O javista dá preferência ao uso do

nome Yahweh para Deus, e reflete tradições do antigo reino de Judá. Em

contrapartida, o relato eloísta prefere o nome hebraico comum para Deus,

Elohim, e reserva o nome Yahweh apenas para após a revelação mosaica. Aqui,

conforme sugeriu Meek (vide supra), a ênfase do ger é no seu papel social de

imigrante. Isto pode se constatado pelo fato de que o verbo ‫גור‬ aparece 10

vezes, enquanto o substantivo ger aparece em apenas duas passagens. O relato

patriarcal reserva grande espaço para Abraão, o grande pai do judaísmo.

Declarar-se filho de Abraão equivalia a reconhecer a sua etnia, a sua origem, a


sua raça.

Abraão é o personagem mais importante do Gênesis, e um


dos mais importantes de toda a Bíblia. Moisés dedicou
meramente onze capítulos ao que aconteceu antes de
Abraão, enquanto treze capítulos se referem quase
exclusivamente à vida pessoal do patriarca. Deus usou a
Abraão para fundar tanto a família de Israel como a fé dos
hebreus. As três grandes religiões monoteístas, o Judaísmo,
o Cristianismo e o Islamismo, reverenciam-no como o pai de
sua fé. (HOFF: 1983, p. 47-48).
Abraão tinha um relacionamento todo especial com Deus, a ponto de ser
chamado seu “amigo” (2 Cr 20.7; Is 41.8). Ele é denominado profeta em Gn

20.7, como aquele que é “familiar com Deus, querido dele, amigo dele, para

quem ele comunica seus segredos; apto a prever as coisas por vir, assim como
interpretar a mente de Deus” (Gill). A não ser nas lendas judaicas, não temos

maiores informações bíblicas acerca dos primeiros anos de sua vida. Apenas

somos informados que era filho de Terá (Gn 11.26), e natural de Ur dos Caldeus.

Sua história começa realmente com a sua chamada para sair de sua cidade natal e

dirigir-se a uma terra desconhecida.

Hebreus 11.8: Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir para um

lugar que devia receber por herança; e partiu sem saber aonde ia.

Neste processo, Abraão tornou-se um ger. Portanto, a Bíblia começa já a

história de Abraão como ger. Torna-se artigo de fé que esta condição foi

colocada pelo próprio Deus: sua retirada de Ur dos caldeus é o convite para
andar errante em Canaã, andar como ger.
3.1. Abraão como ger

Quando Deus tira Abraão de Ur dos caldeus, este torna-se oficialmente um


ger.

Gênesis 15.7: Disse-lhe mais: Eu sou o SENHOR que te tirei de Ur dos caldeus,

para dar-te por herança esta terra.

Josué 24.3: Eu, porém, tomei Abraão, vosso pai, dalém do rio e o fiz percorrer
toda a terra de Canaã; também lhe multipliquei a descendência e lhe dei Isaque.

Neemias 9.7: Tu és o SENHOR, o Deus que elegeste Abrão, e o tiraste de Ur dos

caldeus, e lhe puseste por nome Abraão.

Na qualidade de ger, passaria a usufruir da hospitalidade alheia. Não teria

direito à posse de terra; sua única posse de terra, seu único quinhão em Canaã

ironicamente foi uma sepultura em Macpela adquirida por um preço

provavelmente exorbitante (KIDNER: 1979). Abraão abandonou o conforto de

seu lar – onde quer que se localizasse[16] – para assumir uma vida de incertezas.

Sabia já de antemão que a terra não seria sua, pois Deus prometeu a terra de
Canaã apenas para sua descendência (Gn 12.7). Na verdade, temos uma

constante tensão entre as duas posições: a promessa sendo cumprida somente aos
seus descendentes (Gn 12.7; 15.18), e outra permitindo que Abraão já usufrua a

bênção, antecipando o gozo de sua descendência (Gn 13.15). O relato sacerdotal


procura justamente veicular a promessa da posse da terra já a Abraão como
resultado da sua obediência ao ritual da circuncisão (Gn 17.7 – 12). Quando
Deus enfatiza o cumprimento da concessão plena da terra apenas à sua
descendência, deixa claro que Abraão necessitaria confiar incondicionalmente

nEle, pois certamente não viveria o suficiente para certificar-se de que a

promessa seria cumprida. Era um salto no escuro, que caracterizava bem a


natureza da sua fé.

Gênesis 15:13-16: Então, disse a Abrão: Saibas, decerto, que peregrina será a
tua semente em terra que não é sua; e servi-los-á e afligi-la-ão quatrocentos
anos. Mas também eu julgarei a gente à qual servirão, e depois sairão com
grande fazenda. E tu irás a teus pais em paz; em boa velhice serás sepultado. E
a quarta geração tornará para cá; porque a medida da injustiça dos amorreus
não está ainda cheia. (ARC)

Podemos então concluir que a promessa da terra, mesmo sabendo que

não seria cumprida na sua geração, torna-se parte integrante da religião patriarcal

(NOTH, apud KAISER Jr: 1980). Podemos indubitavelmente acrescentar que a

vida como ger tornou-se parte indispensável da religião patriarcal. Confessando

que eram peregrinos, demonstram a sua dependência de Deus. O escritor aos


Hebreus ressalta que ao confessaram-se peregrinos, estavam demonstrando a fé

não na pátria terrestre, e sim na celestial (Hb 11.13,14). Enfatiza inclusive que,
se a fé deles estivesse na pátria terrestre, voltariam à sua pátria original (no caso,

Ur) assim que pudessem (Hb 11.15). Mas observamos que isto não aconteceu,
como podemos constatar no episódio da escolha de uma esposa para Isaque (Gn
24.1ss). Tornam-se inseparáveis as promessas do descendente e da terra. A fim

de expressar esta fé, como testemunho vivo, os patriarcas espalharam altares por
toda a terra de Canaã.

Gênesis 12.7: Apareceu o SENHOR a Abrão e lhe disse: Darei à tua

descendência esta terra. Ali edificou Abrão um altar ao SENHOR, que lhe

aparecera.
Gênesis 12.8: Passando dali para o monte ao oriente de Betel, armou a sua

tenda, ficando Betel ao ocidente e Ai ao oriente; ali edificou um altar ao


SENHOR e invocou o nome do SENHOR

Gênesis 13.18: E Abrão, mudando as suas tendas, foi habitar nos carvalhais de

Manre, que estão junto a Hebrom; e levantou ali um altar ao SENHOR.

Gênesis 26.25: Isaque construiu um altar ali e adorou ao Deus Eterno. Ele

armou as suas barracas naquele lugar, e ali os seus empregados cavaram outro

poço (BLH)

Gênesis 33.20: E levantou ali um altar e lhe chamou Deus, o Deus de Israel.
Gênesis 35.7: E (Jacó) edificou ali um altar e ao lugar chamou El-Betel; porque

ali Deus se lhe revelou quando fugia da presença de seu irmão

Seria indispensável observar o quanto este modus vivendi de Abraão vai


influenciar o de seus descendentes diretos, seu filho Isaque e seu neto Jacó.

Podemos então falar acerca de um legado da vida ger, recebido mediante uma fé
inabalável no El Shadday, aquele que se revela mediante este nome aos

patriarcas (Êx 6.4). Este legado vai exigir renúncia.

A residência temporária realmente era a característica de


toda a estrada da vida que Deus tinha mostrado para os
patriarcas. A residência temporária significava renúncia de
assentamento e propriedade de terra, e de acordo com a
teologia do documento sacerdotal significava uma vida que
foi orientada para cumprimento futuro, isto é, para a
promessa de terra que era frequentemente renovada aos
patriarcas. Assim os patriarcas habitaram em Canaã dentro
um uma relação curiosamente ambígua entre promessa e
cumprimento na "terra de suas peregrinações". (VON RAD:
1972)
3.2. Isaque e Jacó legam a vida de ger

O relato da vida de Abraão concentra-se em boa parte no “mapa” de suas

peregrinações: Siquém (Gn 12.6), Neguebe (Gn 12.9), Egito (Gn 12.10), Gerar
(Gn 20.1), Berseba (Gn 22.19), Hebrom (Gn 23.2). Seus descendentes imediatos,

Isaque e Jacó, da mesma forma traçam estes “mapas”: Isaque ficou longo tempo

em Gerar (Gn 26.1 – 6), e Berseba (Gn 26.33), repetindo praticamente o roteiro

de seu pai. Jacó inclui, além de Berseba (Gn 28.10) e Siquém (Gn 33.18),

constantes na rota de Abraão, Harã (Gn 28.10), Maanaim (Gn 33.2), Sucote (Gn
33.17), e Betel (Gn 35.1ss). Embora muitos creditem estas peregrinações a um

estilo de vida nômade pastoril (GOTTWALD: 1988), foi tão somente a sua

obediência que proporcionou este movimento errante, uma vez que não tinha

razões plausíveis para abandonar Ur – havia apenas a razão espiritual

(MENDENHALL, apud GRONINGEN: 1995).

O episódio de Macpela em Gênesis 23 demonstra bem quantas privações

e restrições o ger enfrentava. A bajulação dos filhos de Hete, denominando


Abraão de “príncipe de Deus” (Gn 23.6), apenas atenuava este sentimento. Legar

tal status (se é que, do ponto de vista sócio-econômico, podemos denominar tal
posição de status) demonstraria uma fé ainda maior. Deus convida a Isaque em

Gn 26.1ss ser ger como o seu pai. Mas Deus promete abençoar-lhe. A terra de
Canaã, prometida aos patriarcas, é a “terra das peregrinações”:
Gênesis 17.8: Dar-te-ei e à tua descendência a terra das tuas peregrinações,
toda a terra de Canaã, em possessão perpétua, e serei o seu Deus.

Gênesis 28.4: e te dê a bênção de Abraão, a ti e à tua descendência contigo,

para que possuas a terra de tuas peregrinações, concedida por Deus a Abraão.
Gênesis 36.7: Porque os bens deles eram muitos para habitarem juntos; e a

terra de suas peregrinações não os podia sustentar por causa do seu gado.

Gênesis 37.1: Habitou Jacó na terra das peregrinações de seu pai, na terra de

Canaã.

Chama a atenção o fato de que o substantivo ‫ָמגוֹר‬ (magor),

“peregrinações”, jamais aparece no singular, sempre no plural. Podemos explicar


que este uso plural demonstra os inúmeros lugares em Canaã pelos quais os

patriarcas deixaram o seu rastro (Gill). E cada lugar de peregrinação dos pais

tornou-se um santuário, uma cidade de levitas (Js 21.13,21; Am 8.14; Jz 21.2).

Mas podemos levantar a hipótese de que estamos lidando na verdade com o


chamado “plural de majestade”. Este é utilizado sempre para realçar a grandeza

ou a magnitude de algo. Aqui, provavelmente o realce é o cumprimento da


promessa de Deus em dar a terra de Canaã a Abraão, Isaque e Jacó.

Êxodo 6:2-4: Falou mais Deus a Moisés e disse: Eu sou Yahweh. E eu apareci a
Abraão, e a Isaque, e a Jacó, como El Shadday; mas pelo meu nome, Yahweh,
não lhes fui adequadamente conhecido. E também estabeleci o meu concerto
com eles, para dar-lhes a terra de Canaã, a terra de suas peregrinações, na qual
foram peregrinos. (tradução própria)
O termo ger e o substantivo magor estão ligados somente à vida de
Abraão, Isaque e Jacó. Ao ser arguido por Faraó, Jacó define a sua própria vida

como uma peregrinação (BDB). Sua vida confunde-se com a grande aventura

que foi passar a vida inteira peregrinando. Ainda afirma que não conseguira
alcançar o mesmo tempo de peregrinação de seu antepassado Abraão. Isto

demonstra que era um orgulho poder sustentar a vida de peregrino.

Gênesis 47.9: Jacó lhe respondeu: Os dias dos anos das minhas peregrinações

são cento e trinta anos; poucos e maus foram os dias dos anos da minha vida e
não chegaram aos dias dos anos da vida de meus pais, nos dias das suas

peregrinações.

A partir da história de José, os termos desaparecem. Aliás, é fato

conhecido o quanto o relato de José se diferencia dos demais relatos patriarcais.

Deus não mais se dirige diretamente aos patriarcas, mas tão somente através de

sonhos. Talvez a semelhança com o Conto dos Dois Irmãos, fábula egípcia do
século XIII a.C. (KIDNER: 1979), explique uma influência literária que teria

tornado tão diferente este trecho. De qualquer forma, esta análise do uso de ger
na época patriarcal ficaria incompleta se supuséssemos algum silêncio absoluto

acerca do tema no relato de José. Embora ele jamais seja mencionado como
peregrino – ao contrário, por ser vendido a uma caravana de midianitas (ou
ismaelitas), chega ao Egito na condição de escravo, seus familiares parecem

usufruir deste status.


3.3. A família patriarcal no Egito como ger

Geralmente, a fome era um motivo suficiente para procurar outro país e

habitar. Assim procedeu Elimeleque (Rt 1.1ss), quando houve fome em Belém.

No relato patriarcal, a fé se evidenciava na peregrinação em Canaã mesmo em


situações adversas. Portanto, segundo a tradição judaica, Abraão desobedeceu a

uma determinação divina ao sair de Canaã, devido à fome, em direção ao Egito

(Rashi). Isto é expressamente dito por Deus a Isaque, quando colocou o

propósito de sair de Canaã pelo mesmo motivo (Gn 26.2 – 6). Não era

apropriado à fé patriarcal deixar de habitar Canaã para habitar o Egito (ibid).

Esta situação sofre um revés no relato de José. Novamente uma fome


alastra Canaã (Gn 41.54ss), e a família patriarcal sente a necessidade de descer

ao Egito para não perecer (Gn 45.6 – 11). Jacó fica confuso: se a ordem expressa

anterior era não descer ao Egito, não se ausentar de Canaã, como proceder

agora? Mas, para surpresa de Jacó, a resposta de Deus é positiva.

Gênesis 46.3-4: Então, disse: Eu sou Deus, o Deus de teu pai; não temas descer

para o Egito, porque lá eu farei de ti uma grande nação. Eu descerei contigo


para o Egito e te farei tornar a subir, certamente. A mão de José fechará os teus

olhos

É a única vez que Deus fala diretamente a um homem neste trecho de


Gênesis 37 – 50: nos demais, comunica-se apenas através de sonhos (KIDNER:
1979). Aqui Deus demonstra o porquê da permissão. Anteriormente, segundo

Calvino, os patriarcas não estavam maduros, poderiam sucumbir às delícias do

Egito. Além do mais, coloca-se em ação o cumprimento da profecia dada a


Abraão de que sua descendência seria peregrina em terra alheia (Gn 15.13 – 16).

Mas Jacó não precisaria temer: ali, sua família deixaria a condição de clã para

tornar-se uma grande nação. Também não precisava temer deixar de ser

enterrado em Canaã; obteria esse privilégio concedido a Abraão e Isaque.

Mesmo com a influência da posição de José, a família de Jacó necessita


passar por uma entrevista com Faraó. O relacionamento de José com Faraó

parece ser favorecido pelo fato do faraó que está no poder ser um hicso, povo

semita como os hebreus (HOFF: 1983). Isto pode ser contrariado a partir de uma

análise alternativa de Êx 1.8ss[17]. Seja qual for a nacionalidade do soberano

que está ocupando o trono egípcio, para habitar um país estrangeiro seria

necessário pedir a sua permissão, indispensável para estabelecer-se na condição


de ger.

Gênesis 47.4: Disseram mais a Faraó: Viemos para peregrinar nesta terra;
porque não há pasto para as ovelhas de teus servos, porquanto a fome é grave

na terra de Canaã; agora, pois, rogamos-te que teus servos habitem na terra de
Gósen (ARC).
Estariam então na condição de “clientes” do soberano local (Gn 47.6).
Não seriam escravos, mas estariam estabelecidos numa terra concedida pelo

próprio faraó – aonde quer que se localizasse Gósen[18]. Estavam numa posição

privilegiada, sob o beneplácito real. Aqui jaz a base para a confissão esboçada
em Êx 23.9, e que demonstra o quanto esta situação dos patriarcas alimentou a fé

posterior em Israel: Deus demonstra que a descendência de Abraão iniciará a sua

trajetória em terra estranha na condição de ger, e não como escravos, conforme

analisaremos a seguir.

Ao traçar a trajetória de Israel no Egito de maneira tão positiva, o relato


patriarcal demonstra de modo inequívoco a grandiosidade dos primórdios do

povo de Deus. Portanto, não devem se considerar como cauda, e sim como

aqueles a quem o Senhor colocou por cabeça (Dt 28.13).


3.4. A confissão posterior dos pais como gerim

Conforme já anunciado por Deus em Gênesis 15.13, Deus estabelece que

a descendência de Abraão começará sua trajetória em terra estranha como gerim,

e somente posteriormente serão reduzidos à posição de escravos. Esta redução à


condição de escravidão era uma afronta ao princípio da hospitalidade oriental.

Seria comparável a ferir um direito internacional hoje (EBTF). Isso parece ser

confirmado por uma passagem do livro apócrifo de Sabedoria de Salomão,

falando acerca do período da escravidão no Egito, quando compara o ultraje dos

egípcios aos hebreus peregrinos com o ultrajante trato dos habitantes de Sodoma

e Gomorra aos anjos enviados por Deus:

Sabedoria 19.14,15: Houve quem não recebesse os visitantes desconhecidos,

mas eles escravizaram hóspedes benfazejos. Mas ainda: certamente para

aqueles haverá um castigo, pois receberam os estrangeiros de modo hostil....

Por isso, enquanto Canaã é descrita como a “terra das peregrinações”, o


Egito é descrito como a “casa da servidão” (Êx 13.3; 20.2; Dt 6.12; Js 24.17).

Entre as diversas confissões de fé israelitas, está a afirmação inequívoca


de que Israel vive pela fé a mesma situação de peregrino dos patriarcas.

1 Crônicas 29.15: Diante de ti não passamos de estrangeiros e peregrinos como

os nossos pais; nossos dias na terra passam como a sombra e não há esperança.
(BJ).
Salmo 39.12: Ouve, SENHOR, a minha oração, escuta-me quando grito por

socorro; não te emudeças à vista de minhas lágrimas, porque sou forasteiro à tua

presença, peregrino como todos os meus pais o foram (ARC)


Salmo 119.54: Os teus decretos são motivo dos meus cânticos, na casa da minha

peregrinação.

Quando Davi ora agradecendo pelos donativos concedidos à


construção do templo, declara que diante de Deus os filhos
de Israel são estrangeiros e peregrinos. A atual experiência é
comparada a uma peregrinação. O cronista mostra que Israel
perdeu a condição de posse da terra. Como conforto, reporta
a atual situação comparando-a a dos patriarcas
(GOTTWALD: 1988). Se os patriarcas viveram como
peregrinos, sem direito algum, nem por isso, deixaram de ser
abençoados. Isto fica claro em Gênesis 26.3a: “peregrina
nesta terra, e serei contigo e te abençoarei...” (ARC). A
teologia patriarcal acerca do ger servirá de base para a nova
experiência de Israel no exílio, conforme bem declara o
salmista. Ao perder a independência nacional, procuram não
perder a identidade como povo. A angustiosa perda da terra
– que outrora fora prometida como herança do Senhor (Dt
4.21) – não impede de manter a fé em Deus. Mesmo
retornando do exílio, estão numa condição parecida com a da
escravidão do Egito. Mas a estes o Senhor declara: não é
esta a vossa vocação, como não era essa a vocação de vossos
antepassados lá no Egito. Ainda que não seja a “casa da
servidão”, Canaã no pós-exílio transforma-se na “casa das
peregrinações”. Ainda assim, o Senhor é motivo de cântico!
Conforme veremos nos capítulos seguintes, este sentimento
norteará o Código da Aliança, o Código Sacerdotal e a Lei
Deuteronomista.
4. O GER E AS LEGISLAÇÕES DO LIVRO DO ÊXODO

O Livro do Êxodo, além de narrar a saída do povo de Israel do Egito,

quando Deus o liberta com mão forte – daí o seu nome tal qual é conhecido,

originário do grego – possui uma boa parte legislativa. Os dezoito primeiros

capítulos centram-se naquela narrativa; mas o restante do livro – correspondente

a mais de sua metade – focaliza a legislação.

O Êxodo retêm as contribuições das fontes javista e eloísta para a


legislação israelita. Esta visão javista e eloísta da lei demonstra sua antiguidade,

ao apresentar de modo perceptível uma sociedade de pastores e camponeses, não

demonstrando interesse em assuntos típicos da cidade: pressupõe uma

sedentarização já consumada (BJ).

Conforme abordaremos posteriormente, o Código Deuteronômio tem


muito a dizer acerca do ger. Mas este código é datado bem tardiamente. Por

outro lado as porções legislativas do Êxodo já possuem sua antiguidade


reconhecida pelos estudiosos mais reticentes (WANDERMUREM: 1999). O fato

de mencionarem o ger evidencia o quão cedo Israel se preocupou com o mesmo.


O ger é mencionado desde a legislação acerca da Páscoa (12), passando pelo
Decálogo (20.1 – 17) e predominantemente no código da Aliança (20.22 –

23.33).
No livro de Êxodo ainda temos a conexão entre o período patriarcal e o
mosaico. Em duas ocasiões o texto declara que Moisés dá o nome de um de seus

filhos de ֹ ‫ ֵגּ ְר‬, Gershom (2.22; 18.3). O nome é a junção de ‫ֵגּר‬


‫שׁם‬ (ger) com

‫ָשׁם‬ (sham), “lá”, fazendo com o que nome signifique “lá (fui) peregrino”

(NCB), ou ainda “estranho desolado” (Gill), indicando que foi “peregrino em


terra estranha”, ou seja, Midiã. Mas provavelmente temos aqui uma etimologia

popular, onde este nome na verdade encontra sua explicação no verbo ‫ָגּ ַרשׁ‬
(garash), “expulsar”, declarando então que foi expulso da terra do Egito

(CASSUTO: 1974). De qualquer forma, Moisés então declara que sua

experiência na terra de Midiã é idêntica a dos patriarcas na terra de Canaã. Não

por acaso a grande narração sacerdotal acerca da vocação de Moisés em 6.2 –

7.7 (BJ) lembra que a terra prometida sob juramento aos patriarcas foi a terra de

suas peregrinações (6.4).

Vamos agora verificar como estas três legislações em Êxodo contemplam


o ger. Iniciaremos pelo Código da Aliança posto ser o que mais extensamente

lhe dedica espaço.


4.1. O ger e o Código da Aliança

A perícope de Êxodo 20.22 – 23.33 é conhecida como o Código da

Aliança, ou mais especificamente o Livro da Aliança (‫ֵסֶפר ַהְבּ ִרית‬, sefer ha-

brit), supondo que Êx 24.7 seja uma referência aos termos incluídos nesta
perícope. Alguns estudiosos concedem este título unicamente aos Dez
Mandamentos conforme Êx 20.1- 17 (COLE: 1980).

Desde que a Teoria das Fontes no Pentateuco foi elaborada, negava-se a

autoria mosaica como um todo ao mesmo. O trecho que vai desde o capitulo 19

ao 24 de Êxodo é concebido como um entrelaçamento das fontes javista e

eloísta, de tal forma que seria impossível separá-las aqui (GOTTWALD: 1988).

Porém, muitos especialistas concedem o Código da Aliança como o mais antigo

do povo de Israel, surgindo por volta do século XII a.C. no tempo dos juízes
(WANDERMUREM: 1999).

O Código da Aliança consiste numa junção de vários preceitos

descritos como ‫( ִמְּשָׁפִּטים‬mishpatim) em 21.1, o que pode ser traduzido por


“normas” (Tradução Ecumênica). São normas que visam dirigir o dia-a-dia do

povo de Deus. Temos assim diversas mishpatim: o costume das filhas (conforme

a BJ em 21.9), o direito dos pobres (23.6). Estes se dividem em dois tipos: o


direito apodítico e o direito casuístico (DURHAM: 1987). O direito apodítico

consiste em preceitos e proibições formulados através de imperativos

categóricos, tanto negativos (“não fareis deuses de prata...”, 20.23) quanto

afirmativos (“um altar de terra me farás...”, 20.24). Em algumas ocasiões, não

estabelece punição, como o trecho de 22.28 – 30; mas muitas vezes prevê uma

punição, como a pena de morte (21.12). Já o direito casuístico, muito comum no

Antigo Oriente, procura contemplar as várias possibilidades de um caso jurídico

e descreve os condicionamentos e a respectiva punição, geralmente iniciando

com a cláusula ‫( ִכּי‬ki), “se”, como em 21.18,19[19].

Dentre os diversos preceitos do Código da Aliança, chama a atenção o

que diz respeito ao direito apodítico do ger.

Êxodo 22.21 [22.20]: Não afligirás o forasteiro, nem o oprimirás; pois


forasteiros fostes na terra do Egito.

Êxodo 23.9: Também não oprimirás o forasteiro; pois vós conheceis o coração
do forasteiro, visto que fostes forasteiros na terra do Egito.

Êxodo 23.12: Seis dias farás a tua obra, mas, ao sétimo dia, descansarás; para
que descanse o teu boi e o teu jumento; e para que tome alento o filho da tua
serva e o forasteiro

Esta legislação acerca do ger participa da legislação maior que procura

proteger aqueles que naturalmente não contam com a proteção da sociedade,


como os órfãos e as viúvas. A experiência do sofrimento no Egito serve como

princípio ético para o tratamento dos estrangeiros (CASSUTO; 1967). Nos dois

primeiros versículos utiliza-se o verbo ‫( ָלַחץ‬lachats), oprimir (BDB). É o verbo

predileto para descrever a opressão sofrida por Israel, como em Êxodo 3.9: “Pois

o clamor dos filhos de Israel chegou até mim, e também vejo a opressão com que

os egípcios os estão oprimindo”. O Credo Histórico em Dt 26.7, ao lembrar o

período da escravidão no Egito, também o utiliza, bem como as passagens que

reportam amargas experiências da época dos juízes (Jz 2.18; 4.3; 6.9; 10.12; 1

Sm 10.18). O verbo ainda serve para descrever todas as opressões e sofrimentos


posteriores do povo de Israel (2 Rs 13.4,22; Sl 42.10; 43.2; 44.25; 106. 42). Este

verbo ganha então uma forte conotação teológica, especificando os sofrimentos

dos filhos de Israel.

A primeira passagem utiliza também o verbo ‫ָי ָנה‬ (yanah), “afligir”,

“tratar alguém com hostilidade” (DITAT). O verbo possui um forte apelo social,
como podemos perceber em muitas passagens:

Levítico 25.14: Quando venderes alguma coisa ao teu próximo ou a comprares


da mão do teu próximo, não oprimas teu irmão
Ezequiel 18.7: não oprimindo a ninguém, tornando ao devedor a coisa
penhorada, não roubando, dando o seu pão ao faminto e cobrindo ao nu com

vestes;

Com relação ao ger, há um apelo para que o este não sofra a opressão

social. Podemos comprovar esta tese ao evidenciar que outras passagens

mostram o verbo hebraico utilizado no contexto do ger, como nos profetas

Jeremias e Ezequiel (Jr 22.3; Ez 22.7,29). Estes se tornam os principais profetas

a mencionarem os estrangeiros (CRÜSEMANN: 2002). O Código da Aliança, na


qualidade de “código civil” do povo de Israel, dá uma atenção toda especial ao

estrangeiro. Isto é corroborado com a menção do descanso proporcionado ao

filho da escrava e ao estrangeiro em 23.12.

Uma problemática que surge em torno da menção aos estrangeiros no

Código da Aliança baseia-se no contexto histórico. Se de Josué a Samuel o

vocábulo ger ocorre apenas quatro vezes e a raiz verbal oito vezes, estaria a
prova de que este código não poderia vir a lume antes do advento da monarquia;

os estrangeiros somente se tornariam um problema quando a destruição do Reino


do Norte proporcionou uma grande leva de refugiados. Sob esta perspectiva, o

Código da Aliança não teria sido escrito antes da destruição de Samaria em 722
a.C. (ibid.). Muitos preferem entender aqui tratar-se de uma interpolação
deuteronômica, para evitar este problema de datação (COLE: 1980). De qualquer

forma, a presença dos estrangeiros seria perfeitamente possível tão cedo na


História de Israel devido ao misto de gente que sai do Egito juntamente com os
israelitas, conforme Êxodo 12.38 (EBTF).

Neste versículo, “misto de gente” é a tradução do termo ‫( ֵע ֶרב‬erebh),

“mistura”, vindo de uma raiz comprovada no aramaico significando “misturar”

(BDB)[20]. Teria portanto um sentido pejorativo – basta observar a semelhança

ֹ ‫( ָע‬arobh), significando “enxame”,


com a palavra proveniente da mesma raiz, ‫רב‬

“formigueiro”, no episódio da praga lançada sobre a terra do Egito (Êx

8.17,18,20,25,27; Sl 78.45; 105.31). A palavra ‫( ֵע ֶרב‬erebh) ainda é utilizada


para descrever a mistura de tecidos (Lv 13.48 – 59). O cronista e os profetas

referem-se a este misto de gente negativamente (Ne 13.3; Jr 25.20; 50.37; Ez

30.5). Na passagem paralela de Nm 11.4, aparece o termo ‫( ֲאַסְפֻסף‬asafsuf),

um hapax legomena derivado da raiz ‫אַסף‬


‫( ׇ‬asaf), “ajuntar”, significando “ralé”

(BDB). Uma vez que o mandamento deuteronômico é amar o estrangeiro (Dt

10.19), esta abordagem tão negativa do estrangeiro em Êxodo reforçaria a tese

de uma interpolação deuteronomista do tema do ger.

Concluímos que este misto de gente não fala genericamente de qualquer


estrangeiro. Fala especificamente daqueles que se misturaram aleatoriamente aos
filhos de Israel, motivados quem sabe pelo temor ao que Deus fez aos egípcios,

mas que não se comprometeram verdadeiramente com o Deus de Israel – embora

não esteja descartada a possibilidade da conversão genuína de alguns (Gill).


Teriam inclusive incitado o povo de Israel a murmurar contra Deus no deserto,

conforme Nm 11.4 (Henry).

Isto não deveria afetar a visão que os filhos de Israel deveriam ter acerca

do estrangeiro. Sabiam agora por experiência própria o que é ser estrangeiro

numa terra estrangeira. O que, sob esta condição, pode sofrer. Em 23.9, o texto

declara que agora conhecem a ‫( ֶנֶפשׁ‬nefesh) de um ger. Esta palavra, traduzida

por “coração” na Almeida Corrigida e Atualizada, é mais adequadamente

traduzida por “vida” (BJ). Os israelitas agora sabem como é a vida de um

estrangeiro. É uma vida de sofrimentos, como bem sugere a Nova Tradução na


Linguagem de Hoje. Não podem desejar o mesmo sofrimento, na qualidade de

nação santa, aos que como eles foram anteriormente são estrangeiros residindo

numa terra estranha. Os israelitas eram uma raça escolhida, mas isso não lhes
dava direito exclusivo da proteção de Deus (NCB). Este versículo, portanto,
norteará tudo o que o restante do Antigo Testamento tem a dizer acerca do ger.

Funcionará como que uma bússola para este tema, permeando todos os aspectos
teológicos subjacentes – inclusive influenciando o grande princípio teológico de

que Israel foi escravo no Egito, conforme teremos oportunidade de verificar mais
adiante. A importância desta abordagem do Código da Aliança cristalizar-se-á no
grande evento da Páscoa.
4.2. O ger e a legislação pascal

A Páscoa é um dos eventos mais importantes da história israelita. É o

momento propício no qual Deus os toma como povo seu (Êx 6.6,7). Por este
motivo, os judeus consideram esta data tão ou mais importante do que o dia da

Independência, quando o moderno Estado de Israel foi criado (HOFF: 1983).

Sua origem está ligada a uma festa agrícola, a Festa dos Pães Ázimos (ou

Asmos), uma antiga festa cananeia (COLE: 1980), e unida à Páscoa por ocasião

da reforma de Josias (BJ). As legislações sacerdotais de Lv 23.5 – 8 e Nm 28.16


– 25 colocam-nas como festas contíguas. Já a legislação em Dt 16.1ss supõe

tratar-se da mesma festa, não fazendo distinção entre ambas (THOMPSON;

1982).

A maior parte das disposições acerca da Páscoa encontra-se no livro de

Êxodo, em especial no capítulo 12. Temos aqui um todo complexo de tradições,

tornando o texto deste capítulo um compósito. A uma antiga tradição javista

(12.21 – 23,27b,29,30,29 – 39) temos acréscimos no estilo deuteronomista


(12.24 – 27a) e acréscimos ritualistas de origem sacerdotal (12.1 – 20,28,40 –

51). Como a saída do povo de Israel do Egito ocorreu durante esta que
provavelmente era uma antiga festa nômade, passou a celebrar a libertação do

povo da escravidão (BJ). Encontramos especificações acerca do ger justamente


nos acréscimos sacerdotais.
Ao celebrar o grande ato libertador de Yahweh, a Páscoa torna-se um
‫ִזָכּרוֹן‬ (zikaron), “memorial” (12.14), ato libertador este que foi realizado de

forma miraculosa. O fator miraculoso é indicado mediante o uso de expressões

tais como ‫ְבּ ָיד ֲח ָז ָקה‬ (beyad chazaqah), “por mão forte” (3.19; 6.1; 13.9;

32.11), e ‫( ִבּ ְזרוַֹע ְנטוּ ָיה‬bizroa netuyah) “com braço estendido” (6.6). Outros
versículos darão preferência a união das duas expressões: Dt 4.34; 5.15; 26.8; Sl

136.12; Ez 20.33,34. Deus faz Israel sair de debaixo das cargas do Egito, ‫ִסְבָלה‬
(sibhlah), uma palavra que sempre aparece no plural como que para realçar o

peso destas cargas (1.11; 2.11; 5.4,5; 6.6,7). A escravidão provoca dores,

sofrimento, ‫( ַמְכאוֹב‬makhobh), que são conhecidas por Deus (3.7), e que tanto
são físicas quanto mentais (BDB), lembrando que a escravidão provoca sequelas

psicossomáticas. Portanto, há aflição, ‫( ֳע ִני‬oni) para este povo (3.7,17; 4.31).

Todas essas experiências negativas provocam amargura – conforme o uso do

verbo ‫( ָמ ַרר‬marar), “amargar” em 1.14, lembrado simbolicamente na ingestão

de ‫( ָמרוֹר‬maror), “ervas amargas”, no ritual da Páscoa (12.8; Nm 9.11).

Este vocabulário variegado acerca das agruras sofridas pela escravidão


fornece-nos uma verdadeira “teologia do sofrimento”. Conforme já visto supra, a

família patriarcal chega ao Egito na condição de ger. Ali, reduzidos à


escravidão, deixam de gozar as leis da hospitalidade e passam a sofrer toda a

sorte de discriminações. A noite da Páscoa proporcionará uma mudança radical


neste quadro. Eles abandonarão o posto de estrangeiros maltratados, sem

identidade nacional reconhecida, para transformarem-se no povo de Deus. Tanto


que antes do evento do Êxodo, são constantemente descritos como ‫גּוֹי‬ (goy),

expressão genérica para povo (Gn 12.2; 18.8; 46.3; Êx 19.6); após este evento, o
termo será utilizado preferencialmente às nações estrangeiras, sendo reservado o

termo ‫ַעם‬ (am) para Israel como o “povo do Senhor” (DITAT; confira Nm

11.29; 17.6; Jz 5.11; 1 Sm 2.24; 2 Sm 1.12; 6.21). Alcançam o privilégio de ser

‫( ְס ֻגָלּה‬segulah), a propriedade particular, o tesouro de Yahweh (BDB: 19.5;


confira ainda Dt 7.6; 14.2; 26.18; 1 Cr 29.3; Ec 2.8; Sl 135.4; Ml 3.17).

Há aqui um ritual de passagem, ainda que este não seja o significado

exato da palavra hebraica ‫( ֶפַּסח‬Pesach). A palavra deriva-se de um radical que

significa “manquejar” (DHP&AP), portanto o verbo conforme utilizado em Êx

12.13,23,27 ganha o sentido do Senhor passar de largo, desviar-se das casas nas

quais havia a marca do sangue do cordeiro, “saltar” (Gill). Por isso o profeta

Elias utiliza o mesmo verbo para perguntar aos israelitas indecisos: “até quando

coxeareis entre dois pensamentos?” (1 Rs 18.21). E, ainda desta mesma raiz,

temos a palavra ‫( ִפֵּסַּח‬piseach), “coxo”, como em Lv 21.18; Dt 15.21, etc.

Obviamente, a compreensão da Páscoa como a “passagem da morte para a

vida”[21] é uma leitura cristã influenciada pela tradução efetuada por Jerônimo
de Êx 12.11b: “esta é a páscoa, isto é, a passagem do Senhor”[22].

Agora que a libertação é uma realidade, seria previsível o ressentimento

contra os estrangeiros que os maltrataram justamente por ser estrangeiros. Mas,


ao invés disso, a legislação pascal tem um caráter inclusivo para o ger. Há

permissão para uma ampla participação no ritual da Páscoa. Sendo uma festa

familiar, o ger então é considerado parte integrante da família. É equiparado de

tal maneira ao natural que fica sujeito como este à pena de morte caso alimente-

se de pão fermentado.

Êxodo 12.19: Por sete dias, não se ache nenhum fermento nas vossas casas;

porque qualquer que comer pão levedado será eliminado da congregação de

Israel, tanto o peregrino como o natural da terra

Se for um toshabh, alguém de passagem pela terra de Israel, sem firmar

maiores laços com o javismo, está proibido de participar (12.43: Gill). A Páscoa

ֹ (choq), estatuto (12.24) que coloca diante do Senhor em pé de


torna-se um ‫חק‬
igualdade o natural e o ger, desde que seja circuncidado.

Êxodo 12:48-49: Porém, se algum estrangeiro se hospedar contigo e quiser

celebrar a Páscoa do SENHOR, seja-lhe circuncidado todo macho; e, então, se


chegará, e a observará, e será como o natural da terra; mas nenhum
incircunciso comerá dela. A mesma lei haja para o natural e para o forasteiro
que peregrinar entre vós.

Porém, uma vez que o ritual da circuncisão incluía apenas os


descendentes de Abraão e os escravos da casa (Gn 17.10 – 13), o ger que se

circuncidasse estaria praticamente ingressando no povo da aliança. Neste ponto a

legislação mostra-se bastante ousada. Entretanto, é a máxima expressão do

propósito de Deus com Abraão, quando lhe disse que nele todos os clãs da terra

seriam abençoados (12.3, BJ). O povo de Israel não foi chamado para de maneira
egoísta reter par si as bênçãos divinas. Se a eleição é legitima, o sentimento de

eleição, que fecha os olhos a esta realidade, não (VRIEZEN, apud SMITH,

2001). Isto ficará ainda mais evidente com a inclusão do ger no Decálogo.
4.3. O ger e o Decálogo

Juntamente com a legislação pascal, temos aqui em Êx 20.1 – 17 um dos

pontos focais do Antigo Testamento. O mesmo serve tanto como o ponto de


partida do qual todo o restante da Torah comporta-se como uma expansão,

quanto também é um resumo da mesma (COLE: 1980). Este conjunto é descrito

exatamente como os Dez Mandamentos em traduções como King James e

Almeida Corrigida, que assim compreenderam a expressão ‫ֲעֶשׂ ֶרת ַה ְדָּב ִרים‬
(aseret hadbharim) em Êx 34.28; Dt 4.13; 10.4, que significa simplesmente as

“dez palavras”, tal como aparece na Septuaginta, dando origem ao termo

decálogo.

Na verdade temos quatro versões do Decálogo. Este, que é o mais

conhecido, é compreendido como pertencente a uma fonte eloísta, enquanto as


demais versões podem assim ser identificadas: o “Decálogo Ritual”, javista, em

Êx 34.14 – 26; a versão sacerdotal, em Lv 19; e a versão deuteronomista em Dt 5

(BJ). Uma vez que, segundo alguns historiadores, ritualismo antecede o

desenvolvimento de princípios éticos, o “decálogo ritual’ em Êx 34 seria mais


antigo do que o exposto em Êx 20 (CASSUTO: 1967). Naquele, não
encontramos nada acerca do ger. Mas encontramos nas demais versões do

decálogo. Nos próximos capítulos trabalharemos com a versão deuteronomista e


sacerdotal. No ”decálogo eloísta”, a menção do ger está intrinsecamente ligada

ao mandamento referente ao sábado.


Primeiramente, pede-se para santificar o dia de descanso (20.8), ‫ַשָׁבּת‬
(shabat). O tipo de descanso não pressupõe inatividade absoluta, mas abstinência
das atividades consideradas servis (Gill). Isto é facilmente observável quando

Deus, após os seis dias da criação, também descansa (Gn 2.2,3). Entretanto,
Deus nunca cessa de trabalhar (Is 40.28; Jo 5.17). Em seis dias devemos realizar

toda as nossas tarefas corriqueiras (20.9), ‫( ְמָלאָכה‬melakhah) – temos seis

dias para realizar todo o nosso “business”, “negócios” (BDB). Mas ao sétimo
dia, devemos cessar nossas atividades mais costumeiras – da mesma forma que

Deus também cessou sua obra. Por isso pede-se para “lembrar” o dia de sábado –

descansando no sétimo dia, estamos lembrando o ato criador do Deus Supremo,

e por isso estaremos celebrando o Deus Criador. Por este motivo, é dito que este

dia pertence ao Senhor.

É o primeiro mandamento “positivo”, o primeiro a ser formulado

positivamente (COLE: 1980). Se no período pós-exílico – e principalmente na


época de Jesus – a guarda do sábado era tratado como um pesado fardo imposto

pela elite sacerdotal, aqui a proposta é de um grande culto festivo. Todos estão

convidados a celebrar o Deus Criador. Juntamente com o israelita, devem


participar deste grande culto seus filhos, os servos, e até mesmo os animais. Não
haveria motivo plausível para a não inclusão do ger.

Êxodo 20.10: Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR, teu Deus; não farás

nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem
a tua serva, nem o teu animal, nem o forasteiro das tuas portas para dentro.

O princípio da inclusão ainda é mais forte do que na legislação pascal –

posto que neste há a exigência da circuncisão. Com relação ao sábado, a


necessidade da circuncisão simplesmente é ignorada. Desde que esteja habitando

“dentro das tuas portas”, o ger também deve participar do shabat. Se isto parece

ser uma imposição severa, na verdade é mais uma prova do amor que Deus

deseja mostrar pelos gerim. A guarda do sábado é uma aliança perpétua (Êx

31.16), da mesma forma que a circuncisão é descrita (Gn 17.13): ‫ְבּ ִרית עוָֹלם‬
(brit olam). Sendo um sinal entre Deus e os filhos de Israel, o sábado torna-se

uma exclusividade do povo de Deus tanto quanto a circuncisão o é. Portanto,

mais uma vez o ger está sendo mergulhado dentro do povo da aliança. O

deuteronomista mostrará ainda mais claramente este mergulho ao abordar o


amor que deve ser dado ao ger.
5. O GER E O DEUTERONOMISTA

De todas as fontes propostas para o Pentateuco, a que mais


“salta aos olhos” é a deuteronomista. Embora alguns ainda
insistam numa composição mosaica básica, como Meredith
G. Kline, a maioria dos estudiosos coloca a composição deste
livro numa época bem posterior, no século VII a.C. – entre
estes, podemos citar Gerard Von Rad, G. E. Wright, E. W.
Nicholson e Ronald Clements (THOMPSON: 1982).

O contexto histórico reside imediatamente à queda de Samaria, levada a

efeito pelos assírios em 721 a.C. Segundo Von Rad, os autores de Deuteronômio

seriam os levitas, que se colocam como porta-vozes do povo da terra, que


preservou uma forma pura de javismo, dispondo-se a empreender uma reforma

cultual por se sentirem ofendidos com o sincretismo jerosolimita em voga

(ibid.). Este grupo evasivo, denominado de ‫ַעם־ָהאָ ֶרץ‬ (am ha-aretz), atua

decisivamente na entronização de Josias, após eliminar todos aqueles que

haviam conspirado contra o rei antecessor Amom (2 Rs 21.24). Este povo da


terra também age na entronização do rei que o precede, Jeoacaz (2 Rs 23.30).

Fica claro que eles estão envolvidos em momentos políticos importantes em


Judá, trabalhando sempre em prol da continuidade da linhagem davídica. Mas
torna-se difícil precisar qual a ideologia desse grupo, bem como a sua posição

social (GOTTWALD: 1988). Se este povo da terra puder ser identificado com os
camponeses judaítas, indubitavelmente temos aqui uma verdadeira revolução nas
estruturas políticas do Reino do Sul (SCHWANTES: 1987).
Mas propor uma autoria sacerdotal ao Deuteronômio, com sua insistência

na descentralização do culto no capitulo 12, “seria comparável a alguém

cortando o galho sobre o qual está sentado” (WEINFELD: 1972, p. 55). Adam
Welch propõe uma origem no norte de Israel, embora seja de opinião de que a

composição do livro seja antes do século VII a.C., e Nicholson lança a proposta

do corpo profético do reino do norte, fugindo para Judá após a queda de Samaria

como autor deuteronômico (THOMPSON: 1982).

No sul, este corpo profético encontrou vários simpatizantes –


possivelmente podemos aí incluir o am ha-aretz. O livro teria então ganhado sua

primeira redação na Reforma empreendida por Josias no reino de Judá, em 622

a.C. Isto porque o tradicionismo deuteronômico veio à tona como a “força

conceitual e documentária impulsora” desta reforma (GOTTWALD: 1988).

Devido à menção do monte Gerizim como local de bênção em Dt 27.12ss, onde

se localizava Siquém (Jz 9.7), este corpo profético tem sido identificado como
proveniente mais especificamente desta cidade, que também era um santuário.

Ao invés de falar de um único autor, muitos preferem falar de vários autores,


ligados a este corpo profético, identificados como deuteronomistas, formando a

então escola deuteronomista (WEINFELD: 1972)


N. Lohfink identifica o livro da lei achado no interior do templo (2 Rs
22.8ss) justamente com Deuteronômio. Ele mesmo acredita que não seja o livro

inteiro, e sim o conjunto que abrange desde o capitulo 5 até o capitulo 28


(THOMPSON: 1982). Mas a opinião mais comum hoje é de que esta restrição
deva ser menor ainda – mais especificamente ao conjunto dos capítulos 12 a 26,

denominado “Código Deuteronômico” (REIMER: 1999). Este retoma uma parte

das leis do Código da Aliança, adapta-as às mudanças da vida econômica e


social. Opõe-se ao mesmo com relação ao lugar de culto – pois em Êx 20.24

vemos a legitimação da multiplicidade de santuários. Mas a grande mudança

torna-se a preocupação com os pobres (BJ).

A atuação deuteronomista não se limita ao livro de Deuteronômio. A

escola deuteronomista seria responsável ainda pela elaboração histórica contida


nos livros de Josué, Juízes, Samuel e Reis. Portanto, esta obra recebe de alguns o

nome de História Deuteronomista (IAT). Muitas semelhanças são encontradas

entre estes quatro livros e Deuteronômio, fator que foi determinante para esta

hipótese. A “lei” de Deuteronômio é o critério desta obra historiográfica: um só

Deus, um só lugar de culto, um só povo (SCHWANTES: 1987). O Livro de

Deuteronômio ganha acréscimos (1 – 11 e 27 – 34) a fim de servir como


introdução a esta grande obra historiográfica. A redação final da História

Deuteronomista dar-se-ia no período do exílio, no intuito de ser um documento


útil para judeus conquistados e dispersados (GOTTWALD: 1988). A influência

do deuteronomista também deve ser identificada no profeta Jeremias – de modo


fantástico na linguagem, a ponto de ter um versículo inteiro repetido (compare
Dt 4.29 com Jr 29.13).

Dentro do seu programa de proteção aos pobres e desfavorecidos, o livro


de Deuteronômio é o que mais fala do ger. E é uma abordagem maciça: os vinte
e um versículos de Deuteronômio nos quais aparecem o ger representam mais de

um quarto das menções de todo o Antigo Testamento! Isto faz do tema do ger

um dos pontos teológicos tipicamente deuteronômicos. Mas o impressionante é


que a História Deuteronomista no bloco Js – Rs menciona o ger apenas – e tão

somente – quatro vezes! Não por acaso alguns comentaristas usam este fato para

compreender que antes da queda de Samaria praticamente inexiste a questão do

ger (CRÜSEMANN: 2002).

Seguindo a ordem cronológica, começaremos investigando o ger na


História Deuteronomista. Não nos deteremos tão somente na ocorrência do

termo ger, mas a toda menção dos estrangeiros na História Deuteronomista.

Partiremos então ao Código Deuteronômico, e a inclusão do ger no binômio bem

conhecido da antiguidade órfão-viúva, criando uma tríade totalmente

desconhecida na literatura extra-bíblica. Só então investigaremos a questão do

ger nos acréscimos ao Código Deuteronômico (1 – 4 e 27 – 34), e a abordagem


do profeta que foi tão influenciado por esta escola – Jeremias.
5.1. O ger e a História Deuteronomista

Com relação ao uso do substantivo ger e da forma verbal correlata,

impressiona o fato das poucas menções encontradas na História Deuteronomista.

Ao todo, temos apenas quatro menções do substantivo ‫ ֵגּר‬, ger (sendo três em
Josué e um em 2 Samuel) e 12 ocorrências em 11 versículos da forma verbal ‫גור‬

(um versículo em Josué, 2 Samuel e 1 Reis, 2 versículos em 2 Reis e 6 versículos

em Juízes).

Podemos explicar esta diferença da seguinte forma: o livro de

Deuteronômio apresenta uma reviravolta na concepção do ger. Já o relato


histórico de Josué até Reis apresenta um período no qual o ger não representa

nada mais do que um simples migrante. Podemos inclusive diferenciar do

contexto em Gênesis – onde o ger aparece como a confissão dos patriarcas como

peregrinos na terra de Canaã – e em Êxodo – onde as legislações da Páscoa, do

Decálogo e do Código da Aliança inserem o ger dentro da perspectiva da


confissão patriarcal. Estas legislações de Êxodo mostram o tratamento que deve

ser dado ao migrante, dentro do espírito do contexto pascal, mas ainda não
apresenta uma integração social do ger em Israel, como fará o livro de

Deuteronômio.
As primeiras aparições do ger na História Deuteronomista ocorrem no

livro de Josué:
Josué 8.33,35: “Todo o Israel, com os seus anciãos, e os seus príncipes, e os
seus juízes estavam de um e de outro lado da arca, perante os levitas sacerdotes

que levavam a arca da Aliança do SENHOR, tanto estrangeiros como naturais;

metade deles, em frente do monte Gerizim, e a outra metade, em frente do monte


Ebal; como Moisés, servo do SENHOR, outrora, ordenara que fosse abençoado

o povo de Israel (...) Palavra nenhuma houve, de tudo o que Moisés ordenara,

que Josué não lesse para toda a congregação de Israel, e para as mulheres, e os

meninos, e os estrangeiros que andavam no meio deles”

Esta narrativa interrompe a narrativa da conquista, posto que em Josué

9.6 ainda se encontram em Gilgal, que se tornou uma espécie de quartel-general

para Josué e suas tropas. Quem é o ger aqui mencionado? Possivelmente, sua

origem é a mesma do ger mencionado nas legislações do Êxodo: o “misto de

gente” que é mencionado em Êx 12.38 e o “populacho” de Nm 11.4. A

comparação com o natural parece supor uma teologia sacerdotal acerca do ger,
como veremos no próximo capítulo. Pela quebra evidente do fluxo da narrativa,

pensa-se logo numa interpolação inspirada nos capítulos 11, 27 e 31 de


Deuteronômio, substituindo talvez uma menção ao santuário de Betel – mais

tarde condenado com o cisma político religioso (BJ). Não necessitamos negar a
veracidade histórica desta passagem: se aqui a Páscoa não é mencionada,
podemos dizer que a especificação desta com relação ao estrangeiro está sendo

cumprida.
Ainda temos mais uma menção do ger no livro de Josué, inserido no
direito de usufruir das cidades de refúgio estabelecidas no território de Israel:

Josué 20.9: São estas as cidades que foram designadas para todos os filhos de
Israel e para o estrangeiro que habitava entre eles; para que se refugiasse nelas

todo aquele que, por engano, matasse alguma pessoa, para que não morresse às

mãos do vingador do sangue, até comparecer perante a congregação.

Aqui, temos uma aplicação da lei do direito de refúgio estabelecida em


Êx 21.13ss. Ainda temos as passagens paralelas em Nm 35.9 – 34 e Dt 19.1 –

13. Seguindo a ordem do cânon, seis cidades são designadas em Números sem

especificar-lhes os nomes. Originalmente seriam três cidades, conforme são

mencionadas por nome em Dt 4.41 – 43. Mas em Dt 19.1- 9 determina-se que

após a conquista sejam separadas mais três cidades. Deste modo, temos em

Josué a lista completa das seis cidades, por nome (BJ). Certamente, o texto é
sacerdotal, sendo retocado pelo deuteronomista em sua obra. O ger aqui

mencionado também deve ser entendido como o migrante, que será protegido de
uma aplicação abusiva pessoal e particular da lex talionis.

A última menção do ger encontra-se no Segundo Livro de Samuel,


quando assim se qualifica o amalequita que leva a noticia da morte de Saul a
Davi:
2 Samuel 1.13: Então, perguntou Davi ao moço portador das notícias: Donde és
tu? Ele respondeu: Sou filho de um homem estrangeiro, amalequita

O amalequita mostra que apesar de estrangeiro, está residindo em Israel.


É possível que seu pai tenha se juntado aos serviçais de um cidadão de Israel,

trabalhando para ele no campo (BALDWIN: 1997). Pela primeira vez, um

estrangeiro é mencionado na qualidade de residente, atuando em Israel. E é o

único mencionado como tal na História Deuteronomista. No período dos juízes

os filhos de Israel estão na condição de estrangeiros na Terra Prometida. Com o


advento da monarquia, esta situação muda. Os filhos de Israel já não são mais

estrangeiros. E começam a aparecer os estrangeiros na vida israelita.

Apesar desta única menção do ger na obra de Samuel, é impressionante a

descrição da atuação dos estrangeiros. Estes estão sempre a serviço dos reis,

primeiro de Saul e depois de Davi. Chegam mesmo a ocupar importantes postos

dentro do aparelho monárquico.


O primeiro estrangeiro a ser mencionado é Doegue, edomita, servo de

Saul (1 Sm 21.7[8]), provavelmente capturado durante a investida de Saul contra


Edom, conforme mencionado em 1 Sm 14.47 (ibid.). Mesmo estando a serviço

forçado por ser prisioneiro de guerra, exerce o importante papel de delator da


presença de Davi em Nobe para Saul.
Com Davi, a presença dos estrangeiros é bem marcante. Antes mesmo de

sua entronização, no período no qual andava como bandoleiro, Aimeleque,


heteu, junta-se a ele (1 Sm 26.6). Após o seu reconhecimento como rei diante de
todo o Israel (2 Sm 5.1 – 5), vários estrangeiros servem no exército real: Urias, o

heteu (2 Sm 11.3); Itai, o geteu (2 Sm 15.19), ou seja, um filisteu, enquanto que

Obede-Edom (2 Sm 6.10) provavelmente é um levita proveniente de Gate


Rimon, cidade levita mencionada em Js 21.24 (Gill); um etíope anônimo, que o

serve como mensageiro (2 Sm 18.21 - 32); provavelmente Adriel, meolatita (2

Sm 21.8), cuja origem não pode ser precisada; a lista dos valentes de Davi (2 Sm

23.8 – 39) inclui vários estrangeiros; e Araúna, o jebuseu (2 Sm 24.16), que

vendeu seu campo para Davi e foi aproveitado como espaço para a construção
do templo (2 Cr 3.1).

Ao fazer uma análise, podemos notar a importância dos estrangeiros no

relato histórico deuteronomista. Embora não sejam descritos como gerim, são

autênticos estrangeiros residentes, que ocupam importantes postos no exército

israelita. Apenas cargos de extrema confiança não são entregues nas mãos dos

estrangeiros: os conselheiros de Davi, Aitofel (2 Sm 15.12) e Husai (2 Sm 15.32)


devem ser autênticos filhos de Israel – Giló, terra natal de Aitofel, está situada

em uma das montanhas de Judá (BDB), enquanto Arqui estaria situada nas
fronteiras de Efraim (Gill). Estas aparições dos estrangeiros em momentos-chave

da história de Israel, ainda que não definidos como gerim, não podem passar
desapercebidas à pena deuteronomista. Aqui, ele encontrará um importante
apoio histórico, que corroborará ainda mais o que foi exposto com relação aos

patriarcas e à experiência da escravidão no Egito. O deuteronomista tem aqui a


munição necessária para mudar toda a concepção que se tem do estrangeiro,
proporcionando uma reviravolta teológica.

Podemos encerrar esta análise da História Deuteronomista mencionando

as aparições do verbo ‫גור‬. Em muitas passagens, pode indicar simplesmente o


ato de morar, habitar (Js 20.9; Jz 5.17; 2 Sm 4.3; 1 Rs 17.20; 2 Rs 8.1,2). Mas

nos apêndices do livro de Juízes (17 – 21), este verbo aparece sempre ligado aos
levitas, no seu ato de peregrinação (Jz 17.7 – 9; 19.1 – 16). Talvez isto sirva para

mostrar a situação incomum de um levita fora das cidades que lhe foram

designadas
5.2. O ger e o Código Deuteronômico (Dt 12 – 26): a tríade ger-órfão-viúva

O Código Deuteronômico apresenta uma forte preocupação social. Em

15.1ss é estabelecida a remissão, ‫( ְשִׁמָטּה‬shmitah). É um termo exclusivo do


livro de Deuteronômio. Deriva-se do verbo ‫ָשַׁמט‬ (shamat), que tanto pode
significar “deixar cair, pender, derrubar”, como aparece em 2 Sm 6.6; 2 Rs 9.33;

1 Cr 13.9 e Sl 141.6, quanto “abandonar” a terra, conforme Jr 17.4 (TB), ou seja,

“deixar em pousio, descanso”, conforme Êx 23.11 (DITAT). A estipulação da

remissão apresenta uma genuína revolução nas legislações da antiguidade. O

pobre passa a merecer preocupação. Esta remissão, que anteriormente no Código


da Santidade apenas estipulava o descanso da terra (Lv 25.3ss) tal qual Êx 23.11,

passa a incluir o perdão das dívidas, para evitar o empobrecimento – algo que

nem mesmo o Código de Hamurabi se preocupa (THOMPSON: 1982). As

turbulências do século VIII a.C., ao mesmo tempo em que representa uma “era

de prosperidade”, proporciona o endividamento de muitos. O problema se


agrava, quando nos deparamos com o século seguinte, por volta da reforma

josiânica. Em face de tantos empobrecidos, o Código Deuteronomista estabelece


o princípio da solidariedade, em que se propõe que todos sejam irmãos

(REIMER: 1999).

A preocupação social básica do código Deuteronômico é inibir ao

máximo a existência do pobre, ‫( ֶאְביוֹן‬ebhyon), de acordo com a declaração de


15.4. Esta palavra define aquele que é necessitado, pedinte (BDB). Em suma, o

que não conta com o beneplácito da lei. Não poderá haverá acepção de pessoas

de qualquer espécie (10.17). Portanto, em Deuteronômio não encontramos outras

palavras estabelecidas para o pobre: ‫ָע ָנו‬ (anaw), cujo significado básico é

“manso, humilde”[23]; ‫ַדּל‬ (dal), “magro”, “delgado”, dando ênfase ao pobre

enquanto pertencente a uma classe social bastante desprestigiada[24]; e ‫ָרשׁ‬


(rash), o fraco, aquele que está totalmente desprovido de bens materiais, o

miserável (DITAT). Esta única palavra, ‫ֶאְביוֹן‬ (ebhyon), descreve toda a

expectativa deuteronômica para o pobre.

Pois bem, com a queda de Samaria nas mãos dos assírios em 722 a.C.,

uma massa de refugiados se dirige a Judá (CRÜSEMANN: 2002). Fadados ao


empobrecimento, estes gerim são inseridos dentro da proteção proporcionada

pelo Código Deuteronômico. Aí entra a grande contribuição deste código: sendo


uma revisão e atualização do Código da Lei, amplia o escopo de concessões

dadas ao ger, e o insere dentro do grupo daqueles que são desamparados


socialmente, concedendo-lhe os mesmos direitos políticos e econômicos do
israelita. Por isso, os gerim não são obrigados a guardar as leis rituais estipuladas

para o genuíno filho de Israel – a não ser que ele voluntariamente se subjugue a
isso (WEINFELD: 1972).

Este código deixa bem claro a diferença entre o ger e o ‫ָנְכ ִרי‬ (nokhri),
estranho. Uma boa demonstração é a estipulação acerca da carcaça do animal

morto, ‫ְנֵבָלה‬ (nebhelah), o “que morreu por si” (14.21): ao ger, não poderá

vender, mas sim dar como prova de generosidade. Sendo um estranho, este
somente adquirirá mediante compra. Neste ponto, difere bem do estipulado no

Código da Santidade, conforme veremos no próximo capítulo (ibid.). O estranho,


conforme já abordamos no primeiro capítulo desta obra, é um elemento hostil,

quase sinônimo de inimigo, enquanto o ger é o estrangeiro residente. Desta

forma, é permitido emprestar ao estranho com juros (15.2,3; 23.20[21]), e é

expressamente proibido escolher um rei dentre os estranhos (17.15). Aqui,

parece que fica aberta a possibilidade de um ger, não um nokhri, poder assentar

no trono de Judá. Mas sabemos que na história de Judá sempre foi a dinastia de

Davi que governou (a não ser pelo curto período da usurpação de Atalia, 2 Rs
11.1ss), e o deuteronomista mostra a legitimação divina para isso em 2 Sm 7. A

não inclusão do ger na legislação de 17.15 não significa a possibilidade de um

ger no trono judaíta, pois a exclusividade davídica ao trono está implícita na


própria história deuteronomista.
Em 24.14, obtemos a informação de que alguns gerim haviam se

transformado em jornaleiros assalariados, ‫( ָשִׂכיר‬sakhir), o que demonstra o

quanto estavam presentes na vida econômica e social de Judá. Mas também


somos informados de que muitos empobreceram, da mesma forma que muitos
“irmãos”, ou seja, naturais da terra, eram assalariados e haviam empobrecido. O
ger merece ser preservado da opressão tanto quanto o natural da terra. Aqui,

oprimir é o verbo hebraico ‫( ָעַשׁק‬ashaq), que estabelece o abuso de poder e


autoridade (DITAT).
Em 26.11 o israelita é convidado a comemorar juntamente com o ger e o

levita por todo o bem que o Senhor tem concedido. O contexto no capítulo 26 é
o da festa das Primícias, Pentecostes. Embora alguns comentaristas judeus

argumentem que isto signifique somente a igual obrigação dos gerim em

entregar as primícias (Gill), podemos compreender que o convite é a um ato

cúltico totalmente integrado: o natural, o levita, o ger, todos juntos numa grande

celebração ao Senhor (THOMPSON: 1982).

O Deuteronômio insere definitivamente o ger no grupo dos socialmente

desfavorecidos, os personae miserae, quando de forma única na literatura do


Oriente menciona-o sempre junto com o órfão e a viúva, formando com estes

uma tríade totalmente inovadora (RAMIREZ: 1999).

O órfão, ‫( ָיתוֹם‬yatom), e a viúva, ‫( ַעְלָמ ָנה‬almanah) constituem tema


frequente na literatura antiga, formando um binômio. Morrendo o patriarca da

casa, estavam automaticamente desprovidos e desamparados, à beira da


mendicância.

Porque tu és o pai dos que não possuem pai,


O marido das viúvas, o irmão do divorciado,
E o manto daquele que não tem mãe[25].
Eu anunciei as necessidades do humilde,
Assim como das viúvas e dos órfãos[26].

Meu coração (deseja) te ver,


Meu coração está em júbilo, Amon,
Protetor do pobre!
Tu és o pai do que não tem mãe
o esposo da viúva[27].

Eu encerrei em meu seio os povos do país de Sumer e


Acade, sob minha divindade protetora eles prosperaram, eu
sempre os governei em paz, em minha sabedoria eu os
abriguei. Para que o forte não oprima o fraco, para fazer
justiça ao órfão e à viúva, para proclamar o direito do país
em Babel...[28]

Tu não julgas a causa da viúva,


Tu não julgas o caso do inoportuno,
Tu não desterras os opressores do pobre
Tu não alimentas o órfão diante da tua face
Nem a viúva atrás de ti.[29]

No texto bíblico, seguindo esta tendência, encontramos várias referências

à viúva e ao órfão como um binômio:

Êxodo 22.22: A nenhuma viúva nem órfão afligireis.


Êxodo 22.24b: ... vossas mulheres ficarão viúvas, e vossos filhos, órfãos.
Jó 22.9: As viúvas despediste de mãos vazias, e os braços dos órfãos foram
quebrados.
Jó 24.3: Levam do órfão o jumento, da viúva, tomam-lhe o boi.
Salmo 68.5[6]: Pai dos órfãos e juiz das viúvas é Deus em sua santa morada.
Salmo 109.9: Fiquem órfãos os seus filhos, e viúva, a sua esposa.
Isaías 1.17b: ...defendei o direito do órfão, pleiteai a causa das viúvas.
Isaías 1.23b: Não defendem o direito do órfão, e não chega perante eles a causa

das viúvas.
Isaías 9.17a[16a]: Pelo que o Senhor não se regozija com os jovens dele e não

se compadece dos seus órfãos e das suas viúvas...

Isaías 10.2b: ... a fim de despojarem as viúvas e roubarem os órfãos!

Jeremias 49.11: Deixa os teus órfãos, e eu os guardarei em vida; e as tuas

viúvas confiem em mim.


Lamentações 5.3: somos órfãos, já não temos pai, nossas mães são como
viúvas.

Embora Deuteronômio não seja o único no Antigo Testamento a

enunciar a tríade ger-órfao-viúva[30], chama a atenção o quanto trabalha esta

tríade, em especial o Código Deuteronômico: no livro todo, são mais da metade

das referências ao ger, e das onze referencias à tríade nove delas estão no código

Deuteronômico. Na maior parte destas referências, temos leis que regulamentam

a distribuição de alimentos, par evitar a fome aos personae miserae: estes devem
se alimentar, fartando-se (14.29); no trecho de 24.19 – 21, temos a “lei da

respigadura” (THOMPSON: 1982), em que os feixes esquecidos durante a

colheita não poderiam ser requeridos, mas deixados para os pobres. Não são

apenas os pobres naturais da terra que podem usufruir disso: os gerim possuem o

pleno direito destes rabiscos. Ainda que seja proveniente de um povo cujo

ingresso na congregação do Senhor, ‫ְקַהל יהוה‬ (qhal Yahweh), é proibido,

como os moabitas e amonitas. Um bom exemplo é a história de Rute, a moabita

que usufruiu plenamente desta lei da respigadura (Rt 2.1 – 8). Os gerim ainda

poderiam usufruir do dízimo trienal (26.12). E os israelitas deveriam confessar

expressamente diante do sacerdote que haviam tirado de suas posses para dar ao

ger (26.13)! Ou seja, fazia parte da confissão de fé israelita tal qual interpretado

pelo deuteronomista expressar que tinha colaborado para que não existissem

miseráveis e famintos em Israel, e que os gerim não poderiam deixar de ser

incluídos.

O Código Deuteronômico ainda inclui a tríade na participação conjunta


com o israelita na Festa das Semanas (16.11) e na Festa dos Tabernáculos
(16.14). E o israelita é conclamado a não perverter o direito da tríade (24.17). O

verbo utilizado neste versículo para “perverter” é ‫ָנָטה‬ (natah) na forma hifil,
causativa, cujo sentido no grau simples paal é “estender”, por exemplo uma

tenda (Gn 12.8). Daí no causativo o sentido é de “fazer estender”, ou seja,


“torcer” o juízo, mostrando que não é permitido violentar a justiça (BDB)

garantida à tríade.
5.3. O ger e os acréscimos em Deuteronômio (1 – 11 e 27 – 34)

Muitos estudiosos concordam que o livro de Deuteronômio recebeu

acréscimos, principalmente após o exílio (GOTTWALD: 1988), embora não haja


um acordo sobre quais sejam exatamente estes acréscimos (THOMPSON: 1982).

Com relação ao ger, estes acréscimos, aqui especificados pelos capítulos iniciais

(1 – 11) e finais (27 – 34), não apenas ratificam aquilo que já havia sido

especificado no Código Deuteronômico, como ampliará espetacularmente os

horizontes já delineados.
Em 1.16, temos a reafirmação para não excluir o ger do exercício da

justiça. Desta forma, repete o que já havia sido estipulado no Código

Deuteronômico, em 24.17. Para que isto possa estar bem fixo na mente dos

israelitas, a lista das maldições inclui agora justamente o perverter este direito,

que não é somente do ger, mas da tríade (27.19), exatamente como já havia sido

exposto no Código Deuteronômico. Ao repetir em 5.12 – 15 o exposto no

Decálogo Eloísta (Êx 20.8 – 11), reitera a inclusão do ger no usufruto do


descanso do shabat.

Uma importante inovação é a inclusão do ger no contexto da aliança,

em 29.10 – 12 [9 – 11]. Embora uma abordagem teológica possa possibilitar um

amplo debate acerca da dependência mútua entre eleição e aliança[31], não


restam dúvidas de que Israel é o povo no qual Deus entra em aliança

(THOMPSON: 1982). No trecho de 7.6 – 11, fica claro a ligação entre a eleição,

a escolha de Israel como o povo de Deus, e a aliança, quando Israel se propõe a

obedecer à lei. Deuteronômio é o que mais trabalha estes dois conceitos no

Antigo Testamento: o verbo predileto de Deuteronômio para a escolha de Israel,

‫( ָבַּחר‬bachar), comparece aqui neste livro em 31 versículos, enquanto a palavra

para aliança ‫( ְבּ ִרית‬berit) aparece em 26 versículos – ambas constituem nas

maiores estatísticas por livro do Antigo Testamento.

Esta inclusão do ger no contexto da aliança não entra em choque com

o princípio da eleição de Israel. Isto porque a aliança, em Deuteronômio, diz

respeito não só a eleição de Israel como o povo de Deus, sua propriedade

particular, ‫ְס ֻגָלּה‬, segulah (7.6; 14.2; 26.18), mas também a posse da terra. Uma

expressão bem típica deuteronomista é “a terra que o Senhor lhes dá para

possuir” (1.8,21; 2.12; 3.18,20; 4.1; 9.6,23; 10.11; 11.29,31; 12.1; 15.4; 16.20;

17.14; 19.2,14; 25.19; 26.1). Isto fica bem patente com o uso que Deuteronômio
faz do verbo traduzido por “possuir, apossar”, ‫ָי ַרשׁ‬ (yarash). Das 233

ocorrências deste verbo no Antigo Testamento, 71 encontram-se em

Deuteronômio – o que representa quase um terço[32]. A terra de Canaã é uma

dádiva divina, um tesouro concedido por Deus a Israel (4.21; 19.10; 24.4). mas a

posse da terra está condicionada a um princípio: a obediência à lei (DITAT).

Estabelece-se então um binômio: obediência à lei = posse da terra;

desobediência da lei = perda da posse da terra. A História Deuteronomista torna-

se então a Grande Saga que comprova este binômio. Por isso, esta história

termina de maneira melancólica com o cativeiro. Uma vez que todos devem se

empenhar na manutenção da posse da terra, nada mais justo que aqueles que

estão usufruindo desta mesma terra também participem desta aliança. Por isso, o

ger também deve estar presente na leitura pública da lei, que deve ser efetuada a

cada sete anos, onde todas estas estipulações são expostas (31.10 – 12).

Mas a principal contribuição destes acréscimos está na ordem não apenas

para ser benevolente com o ger, mas ir além disso: o israelita é conclamado a
amar o ger.
Deuteronômio 10.18,19: que faz justiça ao órfão e à viúva e ama o estrangeiro,
dando-lhe pão e vestes. Amai, pois, o estrangeiro, porque fostes estrangeiros na

terra do Egito.

Aqui somos surpreendidos por várias afirmações, como bem observa

Ramírez (1999). A questão do amor é um tema bem típico de Deuteronômio: é

usado o verbo ‫( אַָהב‬ahabh) tanto para falar do amor que Deus tem por Israel
(4.37; 7.8,13; 10.15; 23.6) quanto do amor que os israelitas devem devotar ao

Senhor (6.5; 7.9; 10.12; 11.1,13; 13.3). A Rainha de Sabá declarou que o Senhor

ama Israel para sempre (1 Rs 10.9), e Josué declarou na Assembleia de Siquém

que os israelitas deveriam se empenhar em amar o Senhor (Js 23.11). Mas

10.18,19 quebra esta regra, mostrando que o Senhor ama o ger, e que por este

motivo devemos também amar o ger. O motivo é o mesmo já exposto no Código


da Aliança, em Êx 23.9: o israelita deve se lembrar da sua experiência no Egito.

Ali, Israel também foi um ger, e sabe o que sofreu por ser estrangeiro.

Observamos aqui o quanto Êx 23.9 influencia a teologia posterior no Antigo


Testamento. Deuteronômio salienta tanto isto que até “esquece” de estabelecer a
necessidade de amar o seu próprio compatriota, como faz o Código da Santidade

em Lv 19.18.
Mas Israel tem um motivo adicional bem forte par cultivar este amor,

cuja solicitude é totalmente revolucionária. Continuando a sua análise, Ramírez


parte do princípio que, por ser um acréscimo pós-exílico, reflete de forma
inequívoca a experiência do cativeiro na Babilônia. Ou seja, pela segunda vez na
sua história, os israelitas passavam pela experiência de estar como estrangeiro

numa terra estrangeira. Portanto, a atitude para com os gentios será bem mais

simpática. Acrescenta-se a isso o fato de que muitos judeus não retornaram do


cativeiro, permanecendo na Diáspora, e assim vivendo como minoria em meio

aos povos gentílicos. Não é a toa que os primeiros esforços missionários são

provenientes deste contexto. E isto se reflete bem no ambiente cultual, tal como

o Salmo 146.6 – 9, onde podemos estabelecer uma íntima conexão com a

perícope de Dt 10.14 – 18: os céus e a terra pertencem a Deus, e tudo que está
neles; o Senhor é o que executa a justiça; e o Senhor ama a tríade ger-órfão-

viúva, concedendo-lhes também alimento.

O próximo grande passo será dado pela literatura sacerdotal. Mas antes,

vamos analisar o profeta que mais sofre o impacto do deuteronomista: Jeremias.


5.4. A herança deuteronomista do ger em Jeremias

Conforme analisamos, sendo uma representante do profetismo, a escola

deuteronomista provavelmente exerceu influência nos profetas escritores. E, de


fato, o profeta escritor que mais se identifica com a mensagem deuteronomista é

Jeremias.

Existe uma forte influência da fraseologia deuteronômica em Jeremias.

Em sua obra temos a repetição quase que ipsis litteris de um versículo de

Deuteronômio:

Deuteronômio 4.29: De lá, buscarás ao SENHOR, teu Deus, e o acharás,

quando o buscares de todo o teu coração e de toda a tua alma

Jeremias 29.13: Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o

vosso coração

Na verdade, pode-se pensar numa conexão direta de Jeremias com a


escola deuteronômica, ou alguma “edição deuteronômica” da obra jereminiana

(AUNEAU: 1992). Mas, uma vez que está ligado aos sacerdotes de Anatote,
para onde foi exilado por Salomão o rival de Zadoque, Abiatar (1 Rs 2.26 – 27),

ele opõe-se tenazmente ao clero de Jerusalém (ibid.). Aliado ao fato de ser


benjaminita, como nos informa o primeiro versículo de seu livro, está mais
próximo às tradições proféticas do Reino do Norte. Desta forma, percebemos
como é constante o tema da aliança: os israelitas devem escutar as “palavras
desta aliança” (11.2 - 10), ora para que o Senhor não anule sua aliança com

Israel (14.21), e estritamente na linha deuteronômica, mostra que a perda da

posse da terra está diretamente ligada à quebra desta aliança (22.9); o tema da
Nova Aliança (31.31 – 33); como em Deuteronômio, o tema da terra como

herança concedida pelo Senhor (2.7; 3.19; 12.7 – 15; 16.18; 17.4; 50.11), assim

como a da necessidade de possuir a terra (30.3; 32.23; 49.2).

O tema do ger, bastante abordado no deuteronomista, também está

presente na obra jeriminiana, comprovando a sua dependência.

Jeremias 7.6: se não oprimirdes o estrangeiro, e o órfão, e a viúva, nem

derramardes sangue inocente neste lugar, nem andardes após outros deuses

para vosso próprio mal,

Jeremias 14.8: Ó Esperança de Israel e Redentor seu no tempo da angústia, por


que serias como estrangeiro na terra e como viandante que se desvia para

passar a noite?

Jeremias 22.3: Assim diz o SENHOR: Executai o direito e a justiça e livrai o


oprimido das mãos do opressor; não oprimais ao estrangeiro, nem ao órfão,
nem à viúva; não façais violência, nem derrameis sangue inocente neste lugar.

Jeremias é um homem do campo, que se coloca contra as injustiças

praticadas aos camponeses pela monarquia (ROSSI: 2002). A primeira menção


ao ger em sua obra está inserida no “Discurso à Porta do Templo”. Questiona a
maneira como os israelitas estão se relacionando com Deus, os quais estão

pressupondo que o mesmo poderia se dar mediante uma confiança mágica no

Templo (ibid.). Como podem reivindicar as bênçãos divinas, se estão cometendo


opressão contra a tríade que obtivera tantos benefícios pelo Código

Deuteronômico? Antes de o povo poder reclamar benefícios da aliança, o mesmo

teria de passar por uma reforma total, de tal forma que as injustiças sociais

fossem sanadas imediatamente (HARRISON: 1980).

Na próxima citação, Jeremias declara que o Deus que é a “Esperança de

Israel”, ‫שׂ ָרֵאל‬
ְ ‫( ִמ ְק ֵוה יִ‬Miqweh Yisrael), é como um ger, ou ainda um viajante,
no sentido de não se interessar pelos habitantes da região. Mas Deus insiste em

seus direitos à aliança (ibid.), e esta passagem faz lembrar o quanto Deus se

identifica com o ger, de acordo com o princípio exposto em Dt 10.18,19.


A última citação está contida na corajosa declaração de Jeremias ao Rei

Zedequias. O exercício da justiça não poderia isentar-se de passar pelo palácio.

O palácio deveria se o exemplo da prática da justiça. “A tarefa primordial do rei


é a administração da justiça. (...). Assim sendo, a ação preferencial da realeza
deveria acontecer na defesa dos oprimidos e não para fomentar a injustiça”

(ROSSI: 2002, p. 71). Nesta declaração corajosa ao rei, Jeremias lembra o


quanto seria necessário não desamparar a tríade, e portanto cobra da realeza o

mesmo que já cobrara do clero em relação aos pobres.


Não deve passar desapercebido que Jeremias está ligado a um ambiente
sacerdotal, visto que Anatote era uma das cidades destinadas aos levitas (Js
21.18). E o segundo grande passo dado em relação ao ger será dado pelos

sacerdotes.
6. O GER E OS ESCRITOS SACERDOTAIS

Dentro da proposta da Alta Crítica que coloca o Pentateuco como o

resultado da junção de quatro fontes literárias distintas, a fonte sacerdotal é

cronologicamente a última, elaborada após o cativeiro da Babilônia. Assim, as

obras que narram não somente as origens patriarcais, como também a grande

saga de Moisés – oriundas da junção das tradições javista e eloísta – foram

complementadas pela sacerdotal, formando o Tetrateuco: Gênesis – Êxodo –


Levítico – Números. O novo contexto político propício ao aparecimento desta

nova corrente literária explicará a nova posição em relação ao ger.

Em 550 a.C., o persa Ciro rebela-se contra a hegemonia dos medos e

derrota o rei Astíages. Em seguida, em 539 a.C., sua ambição volta-se aos

neobabilônios, quando conquista seus domínios com a colaboração da classe


sacerdotal insatisfeita com o governo de Nabonido (Barsa). Desta forma, põe

termo ao cativeiro dos judaítas, cativeiro este que era encarado como uma
catástrofe por estes. Agora, todos os remanescentes do antigo reino de Judá

perceberam que pela sua desobediência haviam perdido o direito à terra. Mesmo
que muitos tenham retornado à terra que mana leite e mel, eles não estão mais
nesta terra gozando de soberania. Ainda encontram-se subjugados – agora, aos

persas. Encontram-se agora na condição de colonos na terra – terra esta que foi
dada por Deus a Israel. Para não sofrer uma crise de identidade, Israel precisa se
reunir tenazmente em torno de seu culto e de seus sacerdotes. Lograrão êxito

aproveitando a política favorável dos novos governantes (SCHWANTES: 1987).

Os aquemênidas passaram a reinar quando o príncipe medo Ciro


conquista a Babilônia. Esta dinastia caracterizou-se pela tolerância religiosa,

havendo até mesmo uma propensão ao sincretismo (Barsa). Procuraram

administrar os seus domínios de modo eficiente, através do sistema de correios e

da divisão dos territórios em satrapias, onde havia um governador designado

pelo próprio rei (o tirsata[33], conforme o texto da ARC em Ed 2.63; Ne


7.65,70; 8.9; 10.1). Para tal, querem contar com o apoio das elites locais,

inclusive ajudando a codificar leis tradicionais. Após a revolta de Inaros em 460

a.C. e Megabyzos em 448 a.C. no Egito, preocuparam-se com a pacificação e a

estabilidade em várias partes do império. Dario providenciou uma codificação

das leis egípcias (RAMIREZ: 1999).

O escriba Esdras será o encarregado pelos persas de realizar esta


codificação das leis em Israel (ibid.). A carta do rei Artaxerxes (Ed 7.11ss)

mostra o total apoio que ele recebe dos mesmos. A sua descrição como escriba,

‫סֵפר‬
ֺ (sofer), em Ed 7.6, indica que ele era um secretário no governo persa, e
estes secretários estavam incumbidos de redigir decretos oficiais (BDB). A
intenção, em Jerusalém, é fortalecer a facção leal ao império (In Der Smitten,

apud RAMÍREZ: 1999, p. 70). Sendo escriba hábil – ou ainda, um eficiente


secretário – o rei lhe concedeu todo o necessário (Ed 7.6). Preparou-se muito
para tal tarefa (Ed 7.10a), de tal modo que estivesse apto a ensiná-la
sistematicamente aos seus compatriotas (Ed 7.10b). Obtendo uma oportunidade

ímpar de aplicar a Torah ao povo, Esdras agradece a Deus por ter de tal maneira

inclinado o coração do rei para esta tão importante obra (Ed 7.27).
Por este motivo, Esdras pode realmente ser, tal como colocado pela

tradição judaica, o verdadeiro organizador do cânon do Antigo Testamento. A lei

religiosa, conforme seria organizada por Esdras, foi decretada como o direito

civil da província de Judá (GOTTWALD: 1988). “Do lado dos judeus

reformadores, a Lei assegurava uma comunidade bem definida e purificada e do


lado dos persas, a Lei garantia governo colonial disciplinado e fidedigno ao

mínimo custo para si próprios” (ibid., p. 409). Isto explica um dos baluartes da

“doutrina sacerdotal”: um mundo estável num cosmos estável (ibid.), onde tudo

e todos têm o seu lugar bem definido na sociedade.

É importante frisar que isto não tira os méritos da genuína existência de

um sacerdócio levítico. Não só se aceita o evento do êxodo, como também a


historicidade de Moisés e Arão como autênticos levitas (STORNIOLO: 1995).

Portanto, a “aparição” dos sacerdotes neste período não significa inexistência


nos períodos anteriores: apenas no pós-exílio, os sacerdotes deixaram de pura e

simplesmente administrar o culto, para tomar as rédeas da nova sociedade,


reestruturando toda a vida nacional em torno deste mesmo culto, tornando-se os
novos teólogos e líderes (ibid.).

Os escritos sacerdotais podem ser comprovados no livro de Levítico,


em partes de Êxodo e Números, Gênesis (em especial 1 – 11) e umas poucas

incursões na parte final de Deuteronômio e em Josué, além do livro do profeta

Ezequiel (FONSATTI: 2002). Uma versão sacerdotal da história de Israel, com

um enfoque diferente do deuteronomista, pode ser comprovada em Crônicas,

Esdras e Neemias, pelo que é conhecida como a “História do Cronista”

(GOTTWALD: 1988). A “doutrina sacerdotal” pode ser resumida no seu

vocabulário: a insistência das leis de pureza (‫ָטהוֹר‬, tahor) e impureza (‫ָטֵּמא‬,

ֹ , chol) e do que é sagrado


tame), que delimitam a esfera do que é profano (‫חל‬

ֹ , kodesh), do que é permitido e do que não é permitido. Deve ser feita


(‫קּ ֶדשׁ‬

uma separação rígida entre essas esferas, indicada pelo uso do verbo ‫ָבּ ַדל‬
(badal) no hifil, o grau causativo (DITAT). Tudo deve ser descrito de tal modo a

comprovar o quanto Deus preza pela ordem e harmonia, e o desastre que

representa quebrar uma tal ordem. Já no primeiro relato da criação (Gn 1.1 –

2.4a) isto é comprovado: o cosmos é criado em seis dias, cada dia com a sua

obra específica, o homem criado para dominar e subjugar a terra, ou seja, se


responsabilizar pela manutenção da ordem estabelecida (GOTTWALD: 1988).

Qualquer perturbação é tão terrível, que deve ser punida com a morte imediata –

daí o uso da expressão “certamente morrerá” (‫יוָּמת‬ ‫מוֹת‬, mot yumat)

frequentemente como pena para diversos delitos, começando desde o relato no

jardim do Éden[34], e da equivalente “ser cortado do povo”, “ser eliminado do

povo”, expressada pelo hebraico ‫ִנְכ ַרת ֵמַעם‬ (nikhrat meam), conforme Êx

30.33,38; Lv 17.10; 20.3,6,17,18; 23.29; Ez 14.8; 25.7[35].

O ger é inserido dentro das leis sacerdotais não como uma “concessão”,

mas antes como uma forma de manter a santidade do povo do Senhor. Não há

mais a preocupação social do deuteronomista, mas estritamente ritualística

(RAMÍREZ: 1999). Isto poderá ser comprovado no Código da Santidade (Lv 17

– 26), nos enxertos sacerdotais desde Gênesis até Números (a fonte P, do alemão
Priester, “sacerdote”) e no livro do profeta Ezequiel. Mas antes, vamos

investigar a abordagem feita pela História Cronista do ger.


6.1. O ger na História Cronista

Muito se debate acerca da continuidade da obra de Crônicas nos livros de

Esdras e Neemias, alguns mantendo a opinião de que não se deve atribuir estas
obras ao mesmo autor, e outros defendendo uma “Escola Cronista” que

uniformiza estes escritos. Seja como for, é fortemente marcada pela visão

sacerdotal pós-exílica (HOFF: 1996). Em Crônicas vemos uma obra que procura

revisar a História Deuteronomista, acrescentando-lhe detalhes que realçam Davi

e o reino legitimado como o sucessor de suas tradições, Judá; em Esdras e


Neemias podemos observar o segmento adequado à história que segue ao exílio,

a qual não faz parte da obra deuteronomista (GOTTWALD: 1988). Portanto, nos

livros das Crônicas, existem muitos paralelos com Samuel e Reis, além de

material “suplementar” aos mesmos – pelo que esta obra é conhecida na

Septuaginta e Vulgata como Paralypomenos, “coisas ocultas” (Gill).

É notório que Crônicas procura omitir qualquer fato que possa de alguma

forma denegrir a imagem dos reis de Judá, em especial Davi, considerado o


modelo ideal não só de rei, mas também de organizador do culto. E, sendo sua

ênfase o templo e a linhagem davídica, omite fatos que lhe são considerados
irrelevantes, como o reinado de Saul e a história dos reis do norte (NCB). Desta

forma, não temos aqui paralelo com as únicas menções ao ger na obra
Deuteronomista, a saber, Js 8.33,35; 20.9; 2 Sm 1.13. Em contrapartida, em
trechos paralelos de Reis que não mencionam o ger, vemos o seu aparecimento
na obra cronista.
O extenso material contido em 1 Cr 21 – 29 é exclusividade do cronista,

colocando Davi como o verdadeiro idealizador do Templo, enquanto Salomão

torna-se tão somente o viabilizador de tão grande projeto. Exatamente neste


material encontramos uma menção histórica à presença do ger na época do

reinado de Davi.

1 Crônicas 22.2: Deu ordem Davi para que fossem ajuntados os estrangeiros

que estavam na terra de Israel; e encarregou pedreiros que preparassem pedras


de cantaria para se edificar a Casa de Deus

Davi dá ordem para ajuntar todos os gerim se achavam na terra de Israel.

Gill concorda aqui que estes são prosélitos, portanto totalmente imersos no

judaísmo; já NCB prefere entender aqui o termo ger como “estrangeiros

tolerados” – e, portanto teríamos aqui remanescentes dos antigos ocupantes de


Canaã. Na verdade, uma parte dos gerim eram formados justamente por estes

antigos habitantes de Canaã que não foram incorporados por elos matrimoniais
ou não foram reduzidos à escravidão (EPSZTEIN:1990). Seja como for, o

cronista vê aqui a presença inequívoca dos gerim durante o governo de Davi. A


menção do ger em 2 Sm 1.13 pressupõe esta presença já no governo de Saul,
mas não existe nenhuma descrição do governo de Davi – embora podemos

atestar a presença maciça dos estrangeiros até mesmo no seu exército (confira no
capítulo anterior, tópico 5.1). Não fica claro aqui qual o propósito de tal
convocação dos gerim. Dentro do esquema apresentado na totalidade de 1 Cr 22,

parece que foram alistados para o trabalho no templo. Baseado nesta

convocação, um censo dos gerim é efetuado por Salomão mais tarde, na


concretização das obras do templo:

2 Crônicas 2.17[16]: Salomão levantou o censo de todos os homens estrangeiros

que havia na terra de Israel, segundo o censo que fizera Davi, seu pai; e

acharam-se cento e cinquenta e três mil e seiscentos.

Quando lemos a sequência em 2 Cr 18[17], fica claro que pelo

Salomão aproveitou este censo para recrutar trabalhadores para as obras do

templo entre estes gerim: setenta para levarem as cargas, oitenta mil para

talharem as pedras, e um diminuto grupo de três mil e seiscentos para dirigirem

as obras. Fica aberta a questão se a intenção de Davi já era exatamente esta, ou

Salomão apenas aproveitou o censo anteriormente organizado pelo seu pai. Tudo

depende do modo como interpretamos o verbo raro – aparece apenas onze vezes

no texto massorético – que aqui é traduzido por “ajuntar”, ‫ׇכּ ַנס‬ (kanas).
Provavelmente é um aramaísmo, uma vez que não o encontramos na Torah e nos

Profetas Anteriores – isto parece ser reforçado pela presença apenas em escritos

pós-exílicos, como Crônicas, Neemias e Ester, nas obras poéticas dos Salmos e

Eclesiastes e nos profetas Isaías e Ezequiel, enquanto nos escritos pré-exílicos

encontramos outros termos no hebraico com o mesmo sentido[36] (outro

importante indício da origem aramaica desta raiz é a sua presença nesta língua

com este mesmo significado[37]). Parece indicar um sentido bem material,

como na coleta de dízimos (Ne 12.44), o ato de ajuntar as águas do mar (Sl

33.7), o ato de ajuntar riquezas (Ec 2.8,26) e pedras (Ec 3.5) e o ato de cobrir-se

com o cobertor (Is 28.20). Mas uma utilização litúrgica é denunciada em

passagens que mencionam o ato de congregar o povo de Israel (Et 4.16; Sl

147.2; Ez 22.21; 39.28). Este uso litúrgico é confirmado pelo substantivo

oriundo desta raiz, ‫( ִמְכׇנס‬mikhnas), que comparece em 5 versículos (Êx 28.42;

39.28; Lv 6.3; 16.4; Ez 44.18) para descrever exclusivamente o calção que

deveria ser utilizado pelos sacerdotes (DITAT).

É imprescindível checar a última passagem no cronista a mencionar o ger


– que relaciona-o ao refugiado do recém caído Reino do Norte, e que vem a
Jerusalém na época do Rei Ezequias participar do grande movimento reformista.

2 Crônicas 30.25: Alegraram-se toda a congregação de Judá, os sacerdotes, os


levitas e toda a congregação de todos os que vieram de Israel, como também os

estrangeiros que vieram da terra de Israel e os que habitavam em Judá

O cronista, embora identifique os remanescentes do antigo reino de Judá

como os únicos a manterem-se fiéis às tradições do verdadeiro culto do povo de


Israel – e justamente por este motivo se nega a relatar a história do Reino do

Norte – alimenta as esperanças da reunificação dos remanescentes dos antigos

reinos de Judá e Israel. Encontramos esta ideia no profeta mais identificado com

a linha literária sacerdotal, Ezequiel: “Eis que tomarei o pedaço de madeira de

José, que esteve na mão de Efraim, e das tribos de Israel, suas companheiras, e o

ajuntarei ao pedaço de Judá, e farei deles um só pedaço, e se tornarão apenas um


na minha mão” (Ez 37.19b). Na obra cronista, isto fica bem esclarecido pelo uso

sistemático da expressão “todo o Israel” (IAT) para se referir ao reino


remanescente de Judá, mesmo após a queda de Samaria (e.g., 2 Cr 24.5; 28.23;

29.24; 30.5; 35.3; Ed 2.70; 6.17; 8.35; 10.5; Ne 7.73; 12.47; 13.26). Israel então
torna-se uma designação para o povo fiel, com o qual Deus fizera Aliança
outrora, com o qual renovou esta Aliança na pessoa de Davi (BJ). Em 2 Cr

30.25, os remanescentes de Judá estão participando do culto reformista de


Ezequias dentro deste programa cronista do “todo o Israel” – é importante notar

que são designados como uma congregação, ‫ׇקַהל‬ (qahal) tanto quanto os
judaítas também o são; mas são designados como gerim para lembrar que o

abandono do culto verdadeiro e a mistura racial os desqualificaram como parte


integrante do povo da aliança. O texto ainda deixa claro que estes gerim são

constituídos tanto daqueles oriundos do antigo Reino do Norte, como de outras


nacionalidades. Desta forma, ao mesmo tempo que identifica aqueles com este,

também os distingue, mostrando que a razão desta identificação não é social, e

sim religiosa.

Na obra de Esdras e Neemias, não há uma única menção ao ger. Isto não

quer dizer que estrangeiros não sejam mencionados. Não são identificados como

gerim, mas são colocados como inimigos declarados dos repatriados. São

descritos genericamente como ‫(ַעם־ָהאָ ֶרץ‬am haaretz) em Ed 4.4,

desanimando os colonos a reedificar o templo. Outros são descritos diretamente,

pela sua ação incisiva contra os judaítas: Sambalate o horonita, Tobias o amonita

(Ne 2.10), Gesém o arábio (Ne 2.19) e os asdoditas (Ne 4.7). Israel ficou cercada
de inimigos: Samaria pelo norte, os amonitas pelo leste, os arábios pelo sul e os

asdoditas pelo oeste (KIDNER: 1985). Samabalate era uma pessoa influente,
inclusive estabelecendo conexões com a família do sumo-sacerdote (confira Ne

13.28). Mais tarde, tornou-se governador de Samaria. Parece desejar que Judá
também fosse colocada sob sua jurisdição (NCB). A origem de Tobias é
controversa: tendo um nome judaíta, a referência dele como “amonita” pode
indicar não usa descendência, mas sua esfera escolhida (KIDNER; 1985); outros
pensam nele como um escravo que conseguiu chegar à posição de governador

na condição de vassalo do rei persa (Gill). Seja como for, este então é

nitidamente um quadro anti-samaritano, exposto em Esdras-Neemias (BJ).

O verbo ‫ גור‬aparece uma única vez em Esdras-Neemias: exatamente em

1.4, estipulando que os habitantes do lugar deverão ajudar com ouro, prata,
fazenda e gado os peregrinos repatriados. Aqui, claramente, o autor remete ao

uso do mesmo verbo em Êx 12.35,36 – quando os israelitas obtiveram dos seus

vizinhos egípcios os mesmos materiais. Desta forma, aqui temos um coro ao

“Novo Êxodo” pregado por Isaías (43.14ss; 48.20,21, etc.). O retorno dos

exilados é tacitamente comparado à experiência da libertação da escravidão do

Egito (KIDNER; 1985).

Podemos perceber que as tradições acerca do ger na História Cronista


são menores em conteúdo e diferem consubstancialmente em relação à História

Deuteronomista – não existem passagens paralelas nas duas histórias

mencionando o ger. Observamos que não existe um tratamento especial ao ger,


ao contrário do dispensado pelo deuteronomista. Nem mesmo existe uma
definição do que se trate o ger: tanto pode ser a força de trabalho para o templo

na época de Davi e Salomão, quanto os remanescentes do Reino do Norte na


época de Ezequias. E isto é realçado pela teologização observada em 1 Cr 29.15,

já analisado no capítulo três, e 1 Cr 16.19, que utiliza o verbo ‫ גור‬dentro da


mesma proposta da experiência dos pais como gerim (e que se trata de uma
repetição do Sl 105.12, um salmo histórico).
Isto será bem diferente em relação à fonte sacerdotal, onde temos

menções abundantes ao ger, em especial no Código da Santidade exposto em Lv

17 – 26.
6.2. O ger no Código da Santidade (Lv 17 – 26)

O Código da Santidade (Lv 17 – 26) contém elementos bem antigos, e

deve ter existido separado do Pentateuco. Proveniente de uma situação diferente


do deuteronomista, ele reflete usos do fim da monarquia talvez. Recebeu, porém

sua forma definitiva após o exílio (WANDERMUREM: 1999). O seu nome

deriva-se da principal matéria contida nesta parte: o povo é instado a manter a

santidade, na expressão “sede santos, pois eu o Senhor sou santo” (19.2; 20.7,26;

21.8). Temos aqui a utilização do adjetivo ‫( ׇקדוֹשׁ‬qadosh), proveniente da raiz


‫קדשׁ‬, que significa “separar”, no sentido de “consagrar, dedicar, preparar”. O
adjetivo qualifica aquilo que é intrinsecamente sagrado ou que foi admitido no

âmbito do sagrado por meio de rito divino ou de ato público de culto (DITAT).

A qualificação do sagrado efetua uma distinção entre a esfera da

ֹ (qodesh), e a esfera do profano, ‫חל‬


santidade, ‫קּ ֶדשׁ‬ ֹ (chol), conforme 10.10. Os
judaítas almejam angariar a identidade nacional perdida com o cativeiro

mediante esta teologia, mantendo uma particularidade em relação aos outros


povos – e consequentemente, esta teologia é uma proposta para a manutenção de

sua própria existência. Uma das consequências é a estratificação social


(STORNIOLO: 1995).
Esta estratificação assegura que tudo e todos têm o seu lugar definido

diante de um Deus absolutamente transcendental. Mas, independente de sua


posição na sociedade, todos têm que se submeter à Torah, a lei divinamente
ordenada para estabelecer a ordem no meio do povo, assegurar a santidade e
consequentemente o acesso a Deus. A ordem hierárquica então consiste nos

sacerdotes aaronitas, assistentes levíticos, laicato, gerim, escravos e crianças

(GOTTWALD: 1988).
Desta forma, no Código da Santidade o ger é equiparado ao natural da

terra não como um privilégio social, mas sim como uma imposição ritualística

para garantir a sacralidade da sociedade israelita – e assim garantir acesso a

Deus. É bem diferente do exposto no Livro da Aliança e em Deuteronômio, onde

o princípio subjacente em relação ao ger era o da solidariedade enquanto


necessidade social imperiosa (RAMÍREZ: 1999). Tal equiparação poderia

colocá-lo na posição limítrofe com o prosélito, e bem poderia deixar aberta a

questão se o ger já alcançou tal status aqui (Joosten, apud RAMÍREZ; 1999, p.

51 e 53). Porém o uso de palavras como ‫שׁב‬


‫תּוֹ ׇ‬ (toshabh), ‫( ׇזר‬zar), e ‫ֵנָכר‬
(nekhar) salientam que na verdade não há ainda esta equiparação.

Uma vez que nenhum destes termos serve para descrever um estrangeiro

residente (veja análise detalhada destes termos no primeiro capítulo, tópico 1.4),
podemos perceber a falta de interesse com estas classes de estrangeiros, e como

são destituídos então de direitos. Tanto o ‫שׁב‬


‫תּוֹ ׇ‬ (toshabh) quanto o ‫( ׇזר‬zar)
não poderiam comer das coisas sagradas (22.10); se uma filha de sacerdote

casasse com este último, deixaria de ser considerada membro da família


imediata, e portanto perderia o direito de comer das coisas sagradas (22.12),
salvo se enviuvasse (22.13). O primeiro apresentava a vantagem em relação ao
segundo por poder usufruir do “sábado da terra” para se nutrir (25.6 BJ). Por ser
um hóspede, de passagem por um lugar, estaria numa posição um pouco superior

ao do escravo apenas, podendo se tornar um jornaleiro, assalariado, ‫ָשִׂכיר‬


(sakhir: 25.35 comparando com 25.39,40, onde o israelita empobrecido deveria

ser tratado no mínimo como um ‫שׁב‬


‫תּוֹ ׇ‬, e nunca como um escravo). Portanto,
lhe era permitido negociar na terra de Israel (conforme delineado em 25.45,47).

Mais do que isso, não lhes é permitido. Já o ‫ ֵנָכר‬, mencionado apenas em 22.25,
sequer pode fornecer animais para sacrifício, para que não haja o risco de os

mesmos aparecerem defeituosos (HARRISON: 1983).

Já com relação ao ger, além de impor uma série de regras para o bem da

coletividade em Israel, mantém direitos adquiridos pela legislação

deuteronômica. O exposto em 19.10 e 23.22 repete aquilo que já fora estipulado

em Dt 24.19 – 21 acerca das colheitas: as sobras da colheita devem ser deixadas

para o pobre e para o ger. Em Deuteronômio o principio é estritamente social –


como refletido diretamente no Código da Santidade em 19.10. Porém 23.22

ultrapassa este âmbito puramente social e insere no contexto cultual da Festa das

Semanas, sendo então uma reelaboração da lei antiga exposta em 19.10 (Elliger,
apud RAMÍREZ: 1999, p. 49), que por sua vez reflete um antigo costume de
manter a fertilidade deixando as sobras como ofertas às divindades do campo

(STORNIOLO: 1995). Em 19.33,34 temos a repetição do que já fora exposto em


Dt 10.18,19, incentivando a amar o ger devido à experiência da escravidão no

Egito. Isto garante o fio condutor traçado desde Êx 23.9. Acrescenta o


mandamento de amá-lo como a si próprio, estendendo a mesma generosidade
demonstrada com o natural, ao fazer eco ao mandamento de amar o próximo

como a si mesmo em 19.18 (ibid.). Como demonstração deste amor lembra que

não se deve oprimir o ger, utilizando o verbo ‫( יׇׇנה‬yanah), o mesmo usado em


Êx 22.21[20] (confira análise feita no capítulo, 4 tópico 4.1).

Mas a grande maioria dos preceitos consiste em ampliações de códigos


anteriormente definidos, os quais não incluíam o ger. Com relação ao jubileu,

em 25.23,35,47 o ger apenas aparece como termo de comparação, não

estipulando nenhuma regra ou concessão específica, e portanto sua importância é

tão somente secundária nessas passagens (RAMÍREZ: 1999). Tal importância

secundária faz até mesmo Gallazzi (1999) sugerir que aqui os gerim não sejam

estrangeiros na plena acepção da palavra, mas descendentes dos judaítas pobres

que não foram ao exílio. De qualquer forma, aqui é lembrado que o ger possui
direitos, e que ninguém, seja natural ou estrangeiro, deve ter sua miséria como

fonte de riquezas para outrem (STORNIOLO: 1995). E assim, a libertação da

escravidão do Egito é lembrada como motivação para a prática da solidariedade.


Em 25.23, é enfatizado que não se deve vender a terra em perpetuidade, pois a
mesma é do Senhor, e portanto os próprios israelitas são como gerim diante dele,

morando em Canaã como inquilinos (Gill); em 25.35, a pobreza não deve ser
desculpa para o rompimento dos relacionamentos de irmandade que devem

existir em Israel, mas o que empobrecer deve merecer tanta hospitalidade quanto

o estrangeiro (Henry); e em 25.47 percebemos que tanto quanto o ‫שׁב‬


‫ תּוֹ ׇ‬o ger
poderia também negociar, e desta maneira enriquecer em Israel.
As demais estipulações constituem matéria exclusiva do Código da

Santidade, e incluem o ger nas penalidades imputadas ao israelita, como a pena

de morte. O princípio está exposto em 24.22: “uma e a mesma lei havereis, tanto
para o estrangeiro como para o natural; pois eu sou o SENHOR, vosso Deus”.

Lei aqui não é ‫תּוׇֹרה‬, torah, e sim ‫ִמְשׇׁפּט‬, mishpat, que enfatiza o campo da
administração civil (DITAT). Isto demonstra que o ger está indubitavelmente

debaixo das prescrições rituais, as quais afetam a santidade e pureza da

congregação, mas não está obrigado a aderir à religião judaica, e portanto, não

requer que ele observe os regulamentos e cerimônias que são parte da especial

herança religiosa de Israel (WEINFELD: 1972). Por isso, a menção do natural

sempre se dá em conjunto com o ger. No Código da Santidade, uma única

passagem menciona o natural desvinculado do ger: em 23.42, quando afirma que


os naturais da terra participarão da Sucot, a Festa das Cabanas (ou dos

Tabernáculos). Bertholet (ibid.) sustenta que não há lógica para essa omissão.

Mas temos aqui a lógica da não inclusão do ger nas prescrições especificas para
Israel, como verificamos no versículo seguinte, 23.43: “para que saibam as
vossas gerações que eu fiz habitar os filhos de Israel em tendas, quando os tirei

da terra do Egito. Eu sou o SENHOR, vosso Deus”.


As penas de morte imputadas às faltas cultuais incluem as duas

expressões já vistas no início do capítulo, “ser cortado/eliminado do povo” e


“certamente morrerá”. A primeira é acerca das ofertas em 17.8. Aqui se abre a
oportunidade para que o ger sacrifique ao Senhor, algo que o Código
Deuteronômico parece ignorar (confira 12.1ss). Mas deve trazê-lo à porta da

tenda da congregação (17.9), caso contrário isto será interpretado como um

sacrifício a algum deus pagão e, portanto passível de pena de morte. Os animais


sacrificados pelo ger (22.18 – 20), conforme as regras cultuais, não podem ter

defeito, caso contrário não será aceito pelo Senhor (HARRISON: 1983). De

igual modo, e sujeito à mesma severidade, o ger fica proibido de ingerir sangue

(17.10 – 14). Embora muito se fale sobre uma possível medida profilática aqui

(ibid.), o motivo por trás deste resguardo em relação ao sangue está no seu valor
ritual, que por sua vez denota a sacralidade da vida (STORNIOLO: 1995). Caso

ingira carne não abatida, ou pelo menos de procedência duvidosa (17.15,16), fica

impuro ritualmente e portanto “levará sobre si a sua culpa”, ou seja, deveria

fazer um pronunciamento público de culpa (HARRISON: 1983). Em 18.26, os

israelitas são instados a não imitar os povos pagãos com relação à pratica sexual

imoral, tais como incesto, bestialidade e adultério. A reprodução humana é


sagrada, o qual foi garantida mediante a bênção dada por Deus em Gn 1.27,28. E

os gerim precisam obedecer esta estipulação dentro de Israel, ainda que


compartilhem com o costume pagão.

Prosseguindo, vemos dois casos notáveis, se comparados com legislações


paralelas anteriormente dadas. Em 20.2, o ger fica terminantemente proibido de
sacrificar um ser humano ao deus Moloque, sob pena de se apedrejado pelo

“povo da terra” (confira o início do capitulo 5). Isto visa coibir a propagação de
culto tão ignominioso, no qual os estrangeiros eram colaboradores em potencial
(ibid.). Na passagem paralela de Dt 18.10, de uma maneira muito genérica se

proíbe qualquer sacrifício humano, sem especificar o deus Moloque; não há

especificação se esta legislação é restritiva aos israelitas, nem se estipula pena de


morte. Em 24.16, o ger que blasfemar o nome do Senhor deverá ser apedrejado.

O episódio ganha em dramaticidade pelo fato do blasfemador ser filho de um

egípcio. O contraste é bem delineado em relação a 24.15, onde aquele que

blasfemar o nome de um deus qualquer apenas levará sobre si o seu pecado[38].

Desta forma, se mostra o caráter único do Deus verdadeiro. Por isso, toda a
congregação deve participar da execução do malfeitor. Esta legislação é bem

mais abrangente do que a correspondente em Êx 22.28a[27a]: “Contra Deus não

blasfemarás”[39], onde apenas se insta a não blasfemar o nome do Senhor,

tornando-a não muita clara com relação a quem está endereçada e qual punição

está envolvida (RAMÍREZ: 1999).

Facilmente podemos concluir que, a bem da verdade, a contribuição do


Código da Santidade para o status do ger é bem modesta (ibid.). Apenas lhe

impõe regras das quais antes estava eximido. Nem mesmo podemos afirmar que
esteja obtendo aqui o privilégio de ser um prosélito, conforme parece estar

indicado em 17.8 e 22.18, e conforme sugerido pela Septuaginta (que traduz


todas as passagens de P onde ocorre a palavra ger pelo termo προσήλυτος), por
Gill e Meek – ali, a lei não requer que o ger sacrifique ao Senhor, mas

regulamenta esta eventualidade (ibid.). Mas, ao menos, garante os direitos


anteriormente adquiridos pelo deuteronomista. Esta tendência continuará na
fonte sacerdotal, a fonte P, onde mais algumas regras rituais serão acrescentadas.

Mas nesta fonte podemos perceber reais privilégios concedidos ao ger, e não

simples imposições cuja não observância leva a sanções como no Código da


Santidade.
6.3. O ger na fonte P

Como já observamos supra, a Fonte Sacerdotal, ou fonte P, está

espalhada principalmente no assim chamada Tetrateuco – de Gênesis a Números.


Podemos ainda encontrar pequenos enxertos no livro de Josué. Já analisamos as

aparições do ger no livro de Gênesis, no relato patriarcal (vide capítulo três) e no

livro de Êxodo (vide capítulo quatro, tópico 4.2, onde encontra-se a matéria

sacerdotal do relato pascal). As três únicas passagens de Josué onde aparece o

ger também são consideradas sacerdotais (vide capítulo cinco, tópico 5.1). Todas
estas constituem pequenas contribuições na parte narrativa do Pentateuco. Resta-

nos avaliar o ger nos complementos da fonte P ao Código da Santidade (Lv 1 –

16 e o capitulo 27) que formaram a totalidade do livro de Levítico, e o livro de

Números, complementos estes de matéria legislativa exclusiva.

No livro de Levítico, fora o conteúdo extenso do Código da Santidade,

encontramos a menção do ger em um único versículo: 16.29, relacionado ao Yom

Kippur, o Dia da Expiação. Não existem estipulações na parte referente à Lei


dos Sacrifícios (Lv 1 – 7), na Lei da Consagração dos Sacerdotes (Lv 8 – 10) e

nem nas Leis da Pureza (11 – 15).

Levítico 16.29: Isso vos será por estatuto perpétuo: no sétimo mês, aos dez dias
do mês, afligireis a vossa alma e nenhuma obra fareis, nem o natural nem o
estrangeiro que peregrina entre vós
Este estatuto perpétuo, ‫לם‬
‫( ֻח ַקת עוֹ ׇ‬chuqat olam), estabelece o Yom
Kippur como uma das principais festas de Israel até hoje (HARRISON: 1983).

Aqui temos a referência ao “ger que peregrina entre vós”, ‫ַה ֵגּר ַהׇגּר ְבּתוְֹכֶכם‬

e
(hager hagar b tokhkhem), uma expressão bem típica da fonte sacerdotal, junto

com a similar “o ger que peregrina convosco”, ‫ִאְתֶּכם‬ ‫( ַה ֵגּר ַהׇגּר‬hager hagar

itkhem)[40]. Na expressão “afligireis a vossa alma”, que aqui é sinônima de

“jejuar” (como podemos verificar comparando com Sl 35.13 e Is 58.3ss), não

está explícito se está endereçada aos israelitas somente (ibid.) ou a todos

indistintamente, quer seja natural ou ger (Henry). Mas indubitavelmente o

mandamento negativo, “nenhuma obra fareis” está direcionado a ambos. Isto

porque o Yom Kippur é reputado com um “sábado de descanso”, ‫בּתוֹן‬


‫ַשׁ ׇ‬ ‫ַשַׁבּת‬

(shabat shabaton) em 16.31. Já no Decálogo requeria-se do ger a guardar o

sábado (vide capítulo quatro tópico 4.3). No trecho paralelo do Código da

Santidade, em 23.26 – 32, está direcionada aos filhos de Israel (confira 23.24), e

não menciona o ger. Isto confirmaria a posição de que a ordem para “afligir a
alma” é direcionada unicamente aos israelitas – ele já inicia no versículo 27

mencionando o “afligir a alma”.

Encontraremos um bom número de legislações incluindo o ger no livro

de Números – fora o Código da Santidade, é o segundo mais extenso em

citações: onze versículos. Em duas passagens, temos estipulações duplicadas na

fonte P: em 9.14 repete quase ipsis litteris o estatuto pascal exposto em Êx

12.48,49 (vide comentário no capítulo quatro, tópico 4.2), e 35.15 afirma o


direito do ger às cidades de refúgio, que será repetido em Js 20.9 (vide capítulo

cinco, tópico 5.1). Em outra passagem, 19.10, o ger está inserido no ritual da

purificação pelas cinzas de uma novilha vermelha, a qual era ordenada para todo

aquele que havia tocado um morto. A fim de não comprometer a pureza ritual de

toda a congregação, o ger que houvesse tocado um morto precisava passar por

este ritual tanto quanto o natural.

Porém a matéria legislativa a incluir de forma mais extensiva o ger é o


capítulo 15 de Números. Este capítulo é um dos muitos a quebrar a sequência

das narrativas neste livro. Chega a ser problemática a colocação deste capítulo,
que trata de assuntos diversos, após a narrativa da apostasia em Cades (capítulos

13 e 14), quando o povo foi condenado a vagar durante quarenta anos pelo
deserto. Conforme observa Wenham (1985), parece que estaria mais bem
localizada após Levítico 7, ou ainda Números 29. Mas também observa que esta

inserção serve como um “comentário” da narrativa anterior. E Hoff (1983)


acrescenta que esta legislação, uma vez que fala acerca de normas que poderiam
ser observados somente na terra de Canaã, estaria aqui inserida para animar os

hebreus jovens a crer que em geral a nação se apropriaria da terra prometida.

O ger está aqui mencionado em dois preceitos, primeiro, o que rege os


sacrifícios, em 15.14 – 16. Chama a atenção o fato de que a lei paralela e mais

completa de Lv 1 – 7 simplesmente ignora o ger. Já aqui abre o precedente para

o ger trazer uma oferta queimada de aroma agradável ao Senhor, ֹ ‫ֵריַח־ ִני‬
‫חַח‬
‫( ִאֵשּׁה‬isheh reyach nichoach). Esta inclui especificamente o holocausto e o

sacrifício pacífico (Henry). Portanto, não estaria incluindo o ger no contexto do

sacrifício pelo pecado e de reparação. De fato, esta passagem qualifica como


ofertas queimadas de aroma agradável o holocausto, a oferta de manjares e a

oferta pacífica (15.3). Ela é complementada pela legislação que provê expiação

das faltas cometidas inadvertidamente (15.22 – 31), e que parece excluir toda

remissão em caso de falta deliberada (BJ). A diferença daqui para a legislação

paralela de Lv 4 é que neste último a ênfase está no ritual da oferta pelo pecado,

enquanto lá se concentra nos sacrifícios que devem acompanhar a oferta pelo


pecado (WENHAM: 1985). Uma vez que cuida dos “pecados por ignorância”, o

qual é indicado pelo uso do verbo ‫שׇׁגה‬


‫( ׇ‬shagah) no versículo 22, é providencial
a inclusão do ger: como a princípio não conhece a Lei, sua falta por ignorância

pode comprometer todo o povo (15.26). Uma vez que toda a coletividade está
comprometida pelo erro de qualquer um que more no meio do povo, seja natural

ou ger, esta lei deve ser aplicada a ambos (15.29). Em contrapartida, o versículo
seguinte (15.30) estabelece que tanto um quanto o outro será eliminado, ou seja,
sofrerá a pena de morte, caso cometa deliberadamente um pecado, ou seja, se

“fizer alguma coisa à mão levantada” (ARC), conforme uma tradução literal do

texto hebraico, ou “fizer alguma coisa atrevidamente” (ARA), conforme uma


interpretação dessa frase. A razão para a severidade de tal lei é explicada no

versículo seguinte (15.31): “pois desprezou a palavra do SENHOR e violou o

seu mandamento; será eliminada essa pessoa, e a sua iniquidade será sobre ela”.

Este estudo do ger na fonte P é completado pela análise do profeta

Ezequiel.
6.4. A herança sacerdotal do ger em Ezequiel

De um modo todo peculiar, Ezequiel é ao mesmo tempo sacerdote e

profeta. Transportado para a Babilônia na deportação de 597 a.C., de tal maneira


mistura a linguagem profética e sacerdotal que fica difícil crer que o livro seja

produto da pena de um único autor – como poderia um profeta, com visão moral

e social, ser também sacerdote com escrúpulos rituais e planos para um templo

reconstruído? (GOTTWALD: 1988).

Seu livro o classifica inequivocamente como profeta: “...hão de saber que


esteve no meio deles um profeta” (2.5b); “mas, quando vier isto e aí vem, então,

saberão que houve no meio deles um profeta” (33.33). E, por isso, ecoa em seu

livro algo da linguagem profética - de Deuteronômio, por exemplo: a “terra que

mana leite e mel” (20.6,15); o tema da posse da terra (11.15; 33.24 – 26); o uso

da expressão tipicamente deuteronomista “cortar uma aliança” (17.13; 34.25;

37.26; confira nota de rodapé 35); acusação contra os falsos profetas (13;

compare com Dt 13). Há também temas frequentes nos profetas: o Dia do


Senhor (13.5; 30.3), o uso da expressão “assim diz o Senhor” (125 vezes no

livro).
Mas ele também é apresentado como sacerdote (1.3). Podemos ver

claramente isto no seu horror à impureza (4.9 – 17), à idolatria (8.3 – 18), de tal
modo que sua linguagem reflete bem o meio sacerdotal (ASURMENDI: 1992).
Portanto, tem uma influência muito grande da fonte P, que pode ser averiguada
no uso de expressões tipicamente sacerdotais: “levarão sobre si a sua iniquidade”
(14.10); “ele morrerá por causa de sua iniquidade” (18.18); “estabelecer uma

aliança” (16.60,62: confira anota de rodapé 35); “eliminar do meio do povo”

(14.8; 21.3,4; 25.7; 29.8; 30.15). O princípio da pureza, mediante a expressão


“separar” é lembrada em 22.26: “os seus sacerdotes transgridem a minha lei e

profanam as minhas coisas santas; entre o santo e o profano, não fazem

diferença, nem discernem o imundo do limpo e dos meus sábados escondem os

olhos; e, assim, sou profanado no meio deles”.

Esta mescla de estilos pode ser constatada também na descrição acerca


do ger. Encontramos dois versículos com uma “abordagem deuteronômica” e

três com uma “abordagem sacerdotal”.

As passagens “deuteronômicas” estão inseridas dentro do capítulo 22,

que trata acerca dos crimes de Jerusalém (BJ). Podemos aqui identificar três

oráculos (TAYLOR: 1984): contra a cidade sanguinária (22.1 – 16), o forno da

aflição (22.17 – 22) e os pecados de todas as classes da sociedade (22.23 – 31).


A primeira se encontra no oráculo de abertura, enquanto a segunda se localiza no

terceiro oráculo; ambas abordam o tema deuteronômico social da tríade.

Ezequiel 22.7,29: No meio de ti, desprezam o pai e a mãe, praticam extorsões

contra o estrangeiro e são injustos para com o órfão e a viúva...Contra o povo


da terra praticam extorsão, andam roubando, fazem violência ao aflito e ao

necessitado e ao estrangeiro oprimem sem razão.


As demais passagens são de cunho sacerdotal. A primeira está inserida na
perícope de 14.1 – 11, onde os que se entregam à idolatria são condenados.

Dentro da proposta sacerdotal de equiparar com relação a algumas observâncias

o ger com o natural, este é incitado a não se alienar do Senhor devido à idolatria,
uma vez que isto constituiria um tropeço de iniquidade. Se vier consultar um

profeta, estando o coração de tal modo entregue à idolatria, ouvirão não palavras

de consolo e sim de juízo. A inserção do ger demonstra que o oráculo é muito

mais abrangente do que a menção dos anciãos de Israel em 14.1 pode sugerir

(ibid.).

Ezequiel 14.7: porque qualquer homem da casa de Israel ou dos estrangeiros

que moram em Israel que se alienar de mim, e levantar os seus ídolos dentro do

seu coração, e tiver tal tropeço para a iniquidade, e vier ao profeta, para me

consultar por meio dele, a esse, eu, o SENHOR, responderei por mim mesmo.

O último texto está contextualizado dentro da grande visão de Ezequiel


acerca da nova terra e do novo templo, que compreende os capítulos 40 – 48

(ASURMENDI: 1992). Esta passagem pode ser chamada de a “Torá” de


Ezequiel (BJ) por conter inúmeros paralelos com as legislações de Levítico e

Números acerca dos sacrifícios e da partilha da terra. Dentro da partilha da terra


(47.13 – 48.35), ao ger é permitido participar da herança da tribo com que vivem

(TAYLOR: 1984). Isto é incomparável com o restante da Bíblia.


Ezequiel 47.22,23: Será, porém, que a sorteareis para vossa herança e para a
dos estrangeiros que moram no meio de vós, que gerarem filhos no meio de vós;

e vos serão como naturais entre os filhos de Israel; convosco entrarão em

herança, no meio das tribos de Israel. E será que, na tribo em que morar o
estrangeiro, ali lhe dareis a sua herança, diz o SENHOR Deus.

No relato deuteronomista, a herança (‫לה‬


‫ ַנֲח ׇ‬, nachalah) é a terra de
Canaã concedida com dádiva para os filhos de Israel (BDB). O direito

genuinamente israelita concedido aos gerim aqui é formidável, e faz pensar,

conforme a tradução sugerida pela Septuaginta, que estes são na verdade

prosélitos (Gill, Taylor). Ao mesmo tempo está dentro do padrão sacerdotal de

equiparar o ger ao natural da terra, e dentro do padrão deuteronômico de colocar

a terra como o presente de Deus concedido aos israelitas. Podemos dizer que
nesta passagem Ezequiel uniu com grande maestria não só os dois estilos

literários, mas principalmente as grandes contribuições que cada escola literária

concedeu ao ger.
7. ESBOÇANDO UMA TEOLOGIA DO GER

Devemos fazer uma pequena recapitulação de toda a abordagem até aqui

feita. O termo ger foi estudado a partir da perspectiva de Êx 23.9. Deste

versículo em diante, tendo a afirmação deste versículo como “gancho”,


examinamos a confissão dos patriarcas como gerim, o qual justamente fez com

que nessa passagem se olhasse diferente para o ger. Percebemos a influência

dessa constatação em duas importantes escolas literárias da Bíblia: a

deuteronomista – com sua abordagem extremamente social, e a sacerdotal – com

sua abordagem ritualística, de inclusão do ger nas obrigações rituais de Israel.


Mas é obvio que a literatura vetero-testamentária não se restringe a estas escolas

(GOTTWALD: 1988). Surge então a pergunta: como o restante do Antigo

Testamento encara o ger? E até que ponto no restante do Antigo Testamento

existe uma influência das abordagens deuteronomista e sacerdotal?


Vasculhando o restante do Antigo Testamento, facilmente constataremos

que as perspectivas deuteronomistas e sacerdotal não “escravizarão” a visão dos


demais autores bíblicos acerca do ger. Podemos até encontrar uma dependência

– como pudemos verificar de maneira inequívoca em Jeremias e Ezequiel, e


poderemos verificar ainda em outros autores. Mas nada impede uma abordagem

independente – como comprovaremos de forma espetacular em Isaías. Mais


ainda: poderemos verificar que o tema do ger não é incidental, não se trata de
um elemento “estranho” a ser mencionado como que “por acaso”. O tema faz
parte inequívoca da Teologia do Antigo Testamento. Poderemos comprovar que

genuinamente existe uma teologia do ger, a qual estará de forma intrínseca

ligada às grandes verdades teológicas conhecidas pelos israelitas. A Septuaginta

já demonstra isto ao usar um neologismo para traduzir o termo hebraico ‫הִעְב ִרי‬
‫ׇ‬
(ha-ivri), “o hebreu” em Gn 14.13: περάτης (perates), “migrante”. Exclusivo
dessa passagem na Septuaginta, de tal maneira será espiritualizado por Filo que

concebe sua conversão como o primeiro estágio da sua vida espiritual, e mesma

consiste numa tripla migração (RAMÍREZ: 1999). E o simples fato do tema se

apresentar atrelado ao grande tema da libertação da escravidão do Egito

demonstra que não temos aqui um tema secundário.

Aliás, a apresentação de Israel na condição de ger no Egito, e não de

escravo, faz surgir enfim a pergunta: Israel foi ger ou escravo no Egito? Apesar
da quantidade de versículos que identificam Israel com ger no Egito – ao invés

de escravo – ser bem pequena, poderemos comprovar que aqui começa uma

teologia do ger, um processo de “teologização” deste tema (RAMÍREZ: 1999).


Começamos a abordar esta “teologização” como que mesclado ao relato
patriarcal (no capítulo três) e às legislações de Êxodo (no capítulo quatro), mas

agora precisamos verificar o relacionamento com o princípio exposto de que


Israel foi escravo no Egito. E esta “teologização” influenciará toda a perspectiva

da literatura vetero-testamentária restante: os demais profetas que ainda não


abordamos, Zacarias, Malaquias e em especial Isaías; a literatura poética, em
especial Salmos; e de que forma ultrapassa as barreiras do Antigo Testamento e
atinge até mesmo o Novo Testamento.
7.1. Israel no Egito: ‫( ֶעֶבד‬ebhed) ou ‫( ֵגּר‬ger)?

Um dos princípios teológicos mais “básicos” do Antigo Testamento é o

fato inegável que Israel esteve na posição de escravo no Egito (HOFF: 1983). O

embasamento histórico-teológico encontrar-se-á no livro de Êxodo, onde temos

o uso da raiz ‫עבד‬. Esta raiz significa em sua essência trabalhar, servir (DITAT).

Este sentido tanto pode ser positivo quanto negativo, levando em conta os

relacionamentos entre homem e homem, e sempre positivo quando utilizado no


relacionamento Deus-Israel. O sentido positivo é confirmado com seus cognatos

no aramaico (fazer, de uma forma bem genérica) e no árabe (adorar, obedecer a

Deus), enquanto o seu significado negativo é insinuado no fenício, onde

encontramos o sentido de ser escravo, vassalo (BDB).

Esta raiz, enquanto forma verbal, é utilizada no grau causativo para

indicar que a condição foi imposta aos israelitas pelos egípcios:

Êxodo 1.13: então, os egípcios, com tirania, faziam servir os filhos de Israel
Êxodo 6.5: Ainda ouvi os gemidos dos filhos de Israel, os quais os egípcios

escravizam, e me lembrei da minha aliança.

Por isso, de forma contundente o Egito é teologicamente identificado

como a “casa da servidão”, ‫( ֵבּית ֲעׇב ִדים‬beyt avadim). Está contido naquele
que é reputado pelos judeus como o primeiro mandamento, Êx 20.2: “Eu sou o
SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão” (COLE:
1980). E podemos comprovar essa expressão em mais doze passagens: Êx
13:3,14; Dt 5:6; 6:12; 7:8; 8:14; 13:6,11; Js 24:17; Jz 6:8; Jr 34:13; Mq 6:4. A

origem desta expressão parece estar relacionada a fonte eloísta, mas podemos

perceber que o deuteronomista adotou essa expressão, que praticamente passou a


ser uma fraseologia sua (WEINFELD: 1972). Apresenta-se então tipicamente

ligada às tradições do Reino do Norte (SMITH: 2001). A única passagem que

talvez não possua influência deuteronomista é a de Miquéias – o que pode ser

perfeitamente disputado (MARTIN-ACHARD: 1992), uma vez que a lei acerca

dos primogênitos em Êx 13 é reputada como acréscimo deuteronomista a uma


antiga narrativa (BJ).

Esta insistência deuteronomista neste tema pode ser vista em outras

passagens que não utilizam a expressão “casa da servidão”, como no credo

histórico exposto em Dt 26.5 – 9 (SMITH: 2001):

“Então, testificarás perante o SENHOR, teu Deus, e dirás: Arameu prestes a


perecer foi meu pai, e desceu para o Egito, e ali viveu como estrangeiro com

pouca gente; e ali veio a ser nação grande, forte e numerosa. Mas os egípcios
nos maltrataram, e afligiram, e nos impuseram dura servidão. Clamamos ao

SENHOR, Deus de nossos pais; e o SENHOR ouviu a nossa voz e atentou para a
nossa angústia, para o nosso trabalho e para a nossa opressão; e o SENHOR
nos tirou do Egito com poderosa mão, e com braço estendido, e com grande

espanto, e com sinais, e com milagres; e nos trouxe a este lugar e nos deu esta
terra, terra que mana leite e mel.”

O tema da escravidão no Egito é tão frequente em Deuteronômio que o

mesmo será declaradamente utilizado em prol dos objetivos parenéticos


(THOMPSON: 1982). E isto de tal maneira que a sua versão do Decálogo irá

mudar o motivo para a guarda do sábado: não será mais a celebração da criação

em seis dias e descanso no sétimo, mas sim a escravidão no Egito (5.15). Este

fato histórico será sempre um parâmetro a ser lembrado, como na oração

intercessória de Moisés (9.26), e na lembrança profética de que isto pode se


repetir (28.68). Desta forma, tendo isso em mente como fator motivador, o povo

de Israel é incitado a obedecer aos mandamentos do Senhor (6.20,21; 15.15;

16.12; 24.18,22).

Ainda em Deuteronômio, enquanto a forma verbal de ‫ עבד‬é utilizada


para mostrar a necessidade de “servir” ao Senhor (10.12,20; 11.13; 13.5) e não

aos deuses estranhos (4.19,28; 5.9; 7.4,16; 8.19; 11.16; 12.2), como uma

adaptação da linguagem diplomática do Antigo Oriente (WEINFELD: 1972), o

substantivo ‫ֶעֶבד‬ (ebhed) é usual para descrever a situação de Israel

experimentada no Egito. Dentro dessa perspectiva, existe a exortação a “lembrar


que fostes escravos na terra do Egito” (e.g., 5.15; 15.15; 16.12). Esta tendência

continuará na História Deuteronomista (2 Sm 7.23; 1 Rs 9.9; 2 Cr 7.22), além da


influência em Jeremias (7.25).
A própria literatura sacerdotal irá incorporar essa tradição: na passagem
acerca do Jubileu, em Lv 25.42,55, é lembrado aos israelitas que, uma vez que
foram libertos da escravidão, jamais poderão escravizar um compatriota – o

único Senhor que eles devem ter em suas vidas é Yahweh, do qual devem se

considerar “servos” (HARRISON: 1983). Em Lv 26.13 Deus lembra o grande


ato redentor no Egito dentro do contexto dos bem-conhecidos tratados

internacionais do segundo milênio a.C. como garantia que o Grande Rei, ao

tomar a iniciativa da aliança com o povo, é capaz de realizar o que prometeu

(ibid.).

Apesar de reconhecer esse período de escravidão no Egito, o povo de

Israel não pode ser reputado como um escravo comum. Uma vez que a palavra

hebraica ‫( ֶעֶבד‬ebhed) possui uma aplicação bem variegada, podendo significar

desde serviçal, vassalo, adorador até escravo (BDB), a Septuaginta aproveita as

quatro palavras gregas para escravo para definir a posição ímpar de Israel como

servo de Deus. Em Lv 25.42,55, Israel é definido como οἰκέτης (oiketes) de

Deus, palavra grega que fala do escravo doméstico (GINGRICH: 1984)[41],

enquanto em Lv 26.13 afirma que Israel não poderia ser δοῦλος (doulos) dos

egípcios – palavra esta que mais acuradamente deve ser traduzida por escravo

(DITNT)[42]. Ainda temos as palavras: παις (pais), literalmente criança, e que


fala de um escravo com implicação de gentil estima (Louw–Nida)[43], e

θεραπων (terapon), atendente, empregado, serviçal (DITNT)[44].

A presença maciça do tema “teologizado” de Israel como escravo no

Egito em Deuteronômio parece ser um indício de que esta teologia lhe é peculiar

(WEINFELD: 1972). Em contrapartida, este mesmo tema parece ser por demais

vexatório para a história de Israel. E aí, nos deparamos com a pequena tradição

de Israel não como ‫( ֶעֶבד‬ebhed), mas como ger no Egito. Não obstante, esta
tradição não precisa necessariamente ser considerada como posterior; pelo

contrário, pode ser considerada autenticamente antiga e independente, cuja

origem vem antes da conquista da Palestina (HEATON, apud RAMÍREZ: 1999,

p. 93). No capítulo três, mostramos de que modo Êx 22.20;23.9 pode ser

considerado o propulsor dessa teologia. E, uma vez que a separação das fontes
eloísta e javista no trecho de Êx 19 – 24 torna-se praticamente impossível

(GOTTWALD: 1988), podemos dizer que a origem desta teologia está ligada a

uma destas fontes. Compreendemos então: uma vez que estas fontes estão
diretamente relacionadas às origens de Israel, em especial às tradições dos “pais

e mães de Israel” (ibid.), categoricamente esta teologia não consiste em alguma


reinterpretação “positiva” das tradições “negativas” de Israel com escravo no

Egito, mas antes refere-se de modo inequívoco à residência temporária inicial de


bem-estar sob José (RAMÍREZ: 1999), conforme já havíamos adiantado no

capítulo três.
Esta origem eloísta/javista da tradição de Israel como ger no Egito não
impediu sua presença nas demais fontes: como já havíamos analisado, temos este

princípio em Dt 10.19 adicionado ao mandamento deuteronomista positivo do

amor, e repetido na estipulação sacerdotal de Lv 19.34. Isto será ainda mais


evidente em outra passagem de Deuteronômio (23.7b[8b]): “...nem aborrecerás o

egípcio, pois estrangeiro foste na sua terra”. Enquanto em 10.19 o princípio é

estendido a toda nacionalidade, aqui se menciona especificamente o egípcio. Por

que esta particularidade? Não podemos deixar de observar o quanto este

versículo apresenta uma estipulação positiva acerca do Egito, numa posição


totalmente contrária ao costume tipicamente deuteronomista de se referir a este

país como a “casa da servidão” (vide supra). Sem dúvida a razão por trás deste

mandamento a favor dos egípcios reside no relacionamento amistoso de Israel

com o Egito ao tempo da sua promulgação, embora não haja consenso acerca da

data exata (ibid.). É uma atitude bem mais complacente do que deveria se ter

com os amonitas e moabitas (Dt 23.3 – 6[4 – 7]). A ordem é bem clara: não se
deve reputar os egípcios como abominação, ou seja, ritualmente impuros

(THOMPSON: 1982).
Esta teologia de Israel como ger no Egito irá influenciar o profeta Isaías:

ele apresenta uma posição simpática a este país, apresentando-lhe uma rica
promessa de salvação em 19.18 – 25; desconhece a tradição de Israel como
escravo ali; e confirma em 52.4 (“Porque assim diz o SENHOR Deus: O meu

povo no princípio desceu ao Egito, para nele habitar, e a Assíria sem razão o
oprimiu”) a tradição de Israel na condição de ger no Egito – embora aqui não
utilize o substantivo, e sim o verbo (RIDDERBOS: 1995).
7.2. A Teologia do ger na literatura profética

Além da tradição de Israel com ger no Egito em um único versículo do

Dêutero-Isaías, conforme pudemos observar supra, podemos verificar a presença

geral do ger na literatura profética – além daquela verificada no profeta Jeremias


(vide capítulo 5, tópico 5.4) e no profeta Ezequiel (vide capítulo 6, tópico 6.4).

Fora esses, esta presença se encontra em poucos profetas, é bem verdade: o


Proto-Isaías, um versículo em Zacarias e outro em Malaquias.

Tanto a passagem em Zacarias (7.10) quanto em Malaquias (3.5) seguem

a tendência deuteronomista de mencionar o ger dentro da tríade, apelando para

não se cometer contra este nenhuma espécie de injustiça social. Sendo ambos

profetas pós-exílicos, esta visão bem pode ser influenciada pela experiência que

Israel teve na posição de estrangeiro na Babilônia, e procurar não imputar aos

atuais gerim as mesmas agruras que sofreram (RAMÍREZ: 1999).

No Proto-Isaías, encontramos o uso sistemático da raiz ‫ גור‬como verbo


em cinco ocasiões: 5.17; 11.6; 16.4; 23.7; 33.14. A primeira referência está
inserida no sêxtuplo ai pronunciado contra Israel, mais especificamente no

segundo ai, onde é profetizado um quadro de ruína sobre Jerusalém: onde


outrora viviam os seus habitantes gordos e lascivos, agora será um pasto para

ovelhas e rebanhos de nômades (RIDDERBOS: 1995). A tradução “nômades”,

seguida pela ARA e pela TB, é justamente realizada neste versículo da raiz ‫גור‬
no particípio paal masculino plural absoluto (DHP&AP). A ARC traz
“forasteiros”, enquanto a King James, Reina Valera e a Louis de Ségond trazem
“estranhos”. Embora Gill identifique aqui o autêntico ger enquanto prosélito, e

Ridderbos apoie que aqui temos uma simples menção aos nômades que

procuram pastos para os seus rebanhos, devemos prestar atenção que a


Septuaginta traz o termo grego ἀρνός (arnos), “cordeiro” no lugar onde deveria

estar a raiz ‫גור‬, pelo que a BJ traduz “cevados”. Parece que houve uma confusão

com uma das seguintes palavras, de acordo com a BHS: ‫ְגׇּדיִים‬ (gedayim,
“crianças”, conforme sugestão da Revised Standard Version e New Living

Translation), ‫ְגׇּריִם‬ (gerayim, “ruminantes”) ou ainda um possível reflexo do

acadiano gurū, que também significa cordeiro – o que explicaria a tradução da

Septuaginta. De qualquer modo, não devemos buscar uma autêntica presença da

raiz verbal, muito menos de uma teologia.

Nos demais versículos, não podemos afirmar com certeza se está em

vista uma teologia do ger, uma vez que o verbo é empregado no seu sentido

genérico. Assim, em 11.6 temos a profecia messiânica que um dia o lobo

habitará junto com o cordeiro, indicando a serena paz do paraíso sendo


restaurada; em 16.4, Sião é estabelecida como um lugar de refúgio para os

moabitas; em 23.7 os fenícios são incitados a se estabelecer em Társis (23.6)


para lá peregrinar e assim abandonar a magnífica cidade de Tiro, como resultado
do decreto do próprio Senhor (23.8,9); e 33.14 apresenta os pecadores

atemorizados perguntando quem nesta condição pode habitar com um Deus que
é fogo devorador (RIDDERBOS: 1995).
Em nenhuma dessas passagens isaianas poderemos encontrar algo da
teologia do ger, mas sim na única passagem de todo o livro de Isaías a utilizar o

substantivo e não o verbo: 14.1 (“Com efeito, Iahweh mostrará compaixão para

com Jacó; ele voltará a escolher Israel. Estabelecê-los-á em seu próprio


território. O estrangeiro se unirá a eles, fazendo parte da casa de Jacó”, BJ), a

qual faz parte da sentença pronunciada contra a Babilônia (ibid.). Este versículo

servirá de base para uma busca de algo da teologia do ger em outras passagens

proféticas que não utilizam nem o verbo ‫ גור‬e nem o substantivo ‫ ֵגּר‬.

O trecho não é reputado como genuinamente pertencente ao Proto-Isaías;

o uso do verbo ‫לוה‬ e a possibilidade aberta à conversão das nações fazem


pensar numa interpolação pós-exílica. Consiste então em uma introdução em

prosa ao poema encontrado em 14.4b – 21, unindo então este trecho ao oráculo

contra a Babilônia constante em 13.2 – 22, os quais eram originariamente

independentes (RAMÍREZ: 1999). O que mais chama a atenção neste versículo e

a menção do ger se unindo ao israelita, exatamente mediante o uso da raiz ‫לוה‬.

Na verdade temos três raízes utilizando este mesmo padrão consonantal.

Uma significa “tomar emprestado”, comprovado pelo cognato árabe que tem o
significado de “adiar pagamento de débito”, e conforme o uso atestado em Êx
22.24; Dt 28.12,44; Ne 5.4; Sl 37.21,26; 112.5; Pv 19.17; 22.7; Is 24.2 (BDB). A

outra raiz não aparece como verbo, mas devido ao seu cognato árabe

significando “girar, trançar, curva” é reputada a raiz das palavras ‫( ִל ְו ָיה‬liwyah),

“grinalda” (Pv 1.9; 4.9), ‫ָיה‬ (loyah), termo de significado dúbio que aparece
somente em 1 Rs 7.29,30,36, e da palavra ‫( ִל ְו ָיָתן‬liwyatan), monstro marinho,
“Leviatã” (conforme a ARC em Jó 41.1[40.25]; Sl 74.14; 104.26; Is 27.1 e a BJ
em Jó 3.8). A terceira raiz, significando “unir, unir-se”, é a que aparece em Is

14.1 (ibid).
Esta terceira raiz é utilizada uma única vez no paal (Ec 8.15, onde

encontramos o sentido de “acompanhar”; confira ARC, ARA, BJ e DHP&AP), e


todas as demais aparecem no grau passivo nifal (DITAT). Em Gn 29.14, é a

explicação de Lia para o nome de Levi: “agora, desta vez, se unirá mais a mim

meu marido”; menciona o trabalho em conjunto entre os levitas e Arão no

tabernáculo (Nm 18.2,4); e serve para designar uma aliança militar (Sl 83.8[9] e

Dn 11.34), além do emprego metafórico da união de Israel e Judá com o Senhor

em uma eterna aliança (Jr 50.5). Mas nos profetas será um termo técnico para

conversão; e, de fato, podemos conferir em Et 9.27a para corroborar esta


posição: “determinaram os judeus e tomaram sobre si, sobre a sua descendência

e sobre todos os que se chegassem a eles...”.Desta forma, “descreve aqueles que,

impressionados com a obra de Deus divina de restaurar o seu povo, desejarão


unir-se aos hebreus na adoração e no serviço de Deus” (ibid., p. 774).

Se no Proto-Isaías aquele que se une ao Senhor, ‫( ַה ִנְּל ָוה‬ha-nilwah), é


equiparado ao ger, no Trito-Isaías ele é colocado lado a lado com o “filho do

estranho”, ‫( ֵבּן־ַה ֵנָּכר‬ben ha-nekhar) em 56.3,6. O objetivo é demonstrar que


Deus não deseja congregar apenas os dispersos de Israel, mas antes congregar

estes “outros” (56.8), de tal modo que o templo será conhecido como a Casa de
Oração para todos os povos (56.7). Esta colocação profética pode ser ocasionada
pelos gentios que se haviam unido a Israel durante o período do exílio

(RODDERBOS: 1995). O princípio é expandido de forma ainda mais ousada em

Zc 2.11[15], onde a profecia fala não somente de nações se juntando ao Senhor,


mas obtendo o privilégio de ser o povo do Senhor – e provavelmente a afirmação

acerca dos novos crentes como agregados do Senhor em At 5.14 é considerada

seu cumprimento (Gill).


7.3. A Teologia do ger na literatura poética

Se podemos identificar uma Teologia do ger no Antigo Testamento, isto

ficará ainda mais evidente na literatura poética. Isto porque, enquanto

percebemos uma tendência a uma abordagem legalista do ger nos escritos já


analisados, agora este aspecto legalista desaparece por completo. Isto pode ser

compreendido facilmente pelo fato de que aqui não existe nenhum elemento
legal, e sim estritamente cultual e/ou sapiencial. Mas a distribuição da Teologia

do ger pelos livros poéticos não é uniforme: há duas menções no livro de Jó,

uma única no livro das Lamentações e as restantes – ao todo dez passagens –

estão maciçamente concentradas no livro dos Salmos. Existe ausência absoluta

do tema nos livros de Provérbios, Eclesiastes e Cantares. Em especial nos dois

primeiros este descaso chega a ser perturbador, em se tratando de literatura

sapiencial, uma vez que tal literatura fora de Israel comumente aborda de alguma
forma o tema do estrangeiro. Em contrapartida, justamente as passagens de

cunho legalista nas quais aparece o ger não possuem paralelo com estas mesmas
culturas, onde o estrangeiro não conta com nenhum respaldo de qualquer lei – o

que já confere o caráter ímpar da Teologia do ger em Israel (RAMÍREZ: 1999).


Algumas poucas passagens não trazem propriamente uma teologia acerca

do ger, antes utilizam de forma não específica tanto o substantivo ‫ גּר‬quanto a


raiz verbal ‫גור‬: em Jó este lembra que dentro da sua piedade nunca deixou

alguém desprovido de abrigo (19.15), e nunca deixou um ger pernoitar na rua


(31:32); em Lm 4.15 o verbo é utilizado para mostrar que as nações não
permitirão a permanência dos refugiados israelitas entre eles; o verbo também é

utilizado em Sl 5.4 [5] para transmitir a certeza irrefutável de que o mal não é

hóspede de Deus (BJ). Podemos dizer que, dentre todas estas menções, existe
uma genuína abordagem acerca do ger somente em Jó 31.32.

Conforme afirmação supra, todas as demais encontram-se no livro dos

Salmos. Em duas, poderemos conferir uma repetição do princípio

deuteronomista da tríade:

Salmos 94.6: Matam a viúva e o estrangeiro e aos órfãos assassinam.


Salmos 146.9: O SENHOR guarda o peregrino, ampara o órfão e a viúva,
porém transtorna o caminho dos ímpios.

Mas a contribuição do livro de Salmos não se restringirá obviamente a


meramente repetir o que já foi anteriormente explanado. Ela apresentará o

princípio de que somos gerim diante do Senhor. Este princípio é de clara

inspiração sacerdotal, baseado na afirmação de Lv 25.23b: “pois vós sois para

mim gerim e hóspedes” (tradução própria). Além disso, parte da experiência dos
patriarcas como gerim na terra de Canaã (HOSSFELD-ZENGER, apud

RAMÍREZ: 1999, p. 104). A oração de Davi em 1 Cr 29.15 demonstra bem esta


que pode ser considerada a confissão dos pais como gerim (vide capítulo três,

tópico 3.4).

Salmos 39.12 [13]: Ouve, SENHOR, a minha oração, escuta-me quando grito
por socorro; não te emudeças à vista de minhas lágrimas, porque sou forasteiro
à tua presença, peregrino como todos os meus pais o foram.

Salmos 105.12: Então, eram eles em pequeno número, pouquíssimos e

forasteiros nela;
Salmos 105.23: Então, Israel entrou no Egito, e Jacó peregrinou na terra de

Cam.
Salmos 119.19: Sou peregrino na terra; não escondas de mim os teus
mandamentos.

O primeiro salmo desta pequena lista pode ter como título “o nada do

homem frente a Deus” (BJ), ou ainda mais apropriadamente “nenhuma

residência fixa”, onde o salmista questiona o porque de Deus disciplinar de

modo tão assíduo uma criatura de habitação na terra tão temporária (KIDNER:

1980). É uma queixa individual do salmista, motivada pelo flagelo (v. 10) que

bom pode ser uma doença (IAT). A experiência do salmista como ger em 119.19

ultrapassa os horizontes sociais de Israel – a terra indubitavelmente aqui é bem


mais abrangente, significando o próprio planeta e mostrando que o campo de

ação aqui é a vida humana sendo compreendida como uma peregrinação


(RAMÍREZ: 1999). E isto a partir da experiência histórica demonstrada no

salmo 105.
A ideia do israelita se sentindo como um ger diante do Senhor permeará
três salmos, nos quais haverá uma aplicação cúltica específica.

Salmos 15.1: Quem, SENHOR, habitará no teu tabernáculo? Quem há de morar


no teu santo monte?
Salmos 61.4 [5]: Assista eu no teu tabernáculo, para sempre; no esconderijo das
tuas asas, eu me abrigo.

Salmos 120.5: Ai de mim, que peregrino em Meseque e habito nas tendas de

Quedar.

O primeiro baseia-se no padrão de pergunta e reposta nos santuários

antigos, dando ao adorador as condições de admissão (KIDNER: 1980). Aqui se

pode sugerir uma origem cúltica do tema do ger (RAMÍREZ: 1999), mas

comparando com 61.4[5] entendemos que o sentimento que permeia aqui é o de

ver o adorador como um hóspede ansioso pela morada de Deus (KIDNER:


1980). O salmo 120, o primeiro dos cânticos dos peregrinos ou de romagem

(IAT), onde o adorador que está se dirigindo a Jerusalém lamenta por estar em

terra estrangeira, simbolizado por nações tão distantes entre si quanto Meseque e

Quedar (KIDNER: 1981). O adorador se põe na posição de ger, pouco à vontade

em terra estrangeira, clamando pelo socorro divino (v. 1), pois sofre perseguição
dos ímpios (v. 2 – 4; 6 – 7).
7.4. O impacto da Teologia do ger no Novo Testamento

Até aqui mostramos que existe de fato uma teologia do ger no Antigo

Testamento, e que a mesma possui a sua relevância. Resta-nos saber se a área de

influência dessa teologia ficou circunspeta aqui ou se ultrapassou barreiras e


chegou à mensagem neotestamentária. Como já havíamos antecipado, o Novo

Testamento não ficou incólume à influência da teologia do ger. No Antigo

Testamento pouca atenção se dá para a vida após a morte, e consequentemente

uma teologia elaborada acerca desse assunto (SMITH: 2001). Mas o Novo

Testamento mudará essa perspectiva, utilizando a marca inconfundível da

abordagem do ger com ponto de apoio.

Pudemos observar no primeiro capítulo que a Septuaginta utiliza

prioritariamente dois substantivos para traduzir ger: προσήλυτος e πάροικος.

Apesar disso, o Novo Testamento não refletirá esse uso do primeiro termo, uma

vez que este transmite exclusivamente o conceito daquele que se converteu ao

judaísmo, sem demonstrar nenhuma relação com a palavra hebraica ‫ ֵגּר‬,

conforme suas únicas quatro aparições no Textus Receptus: Mt 23.15; At 2.11;

6.5; 13.43. Isto pode ser confirmado pelo fato da Peshita Siríaca, famosa
tradução do Novo Testamento para o aramaico: apesar de usar nestas passagens

o equivalente aramaico para ger, ‫גיורא‬ (gyora), em contrapartida para as

passagens nas quais aparece πάροικος utiliza outra palavra – a saber, ‫תותבא‬
(tawtobho). Atitude bem diferente na tradução do Novo Testamento efetuada por

Delitz para o hebraico: quer tenha o significado de prosélito, quer não, há o

emprego indiscriminado de ‫ ֵגּר‬. Entretanto, será utilizada em quatro ocasiões a


palavra πάροικος (traduzida “peregrino” na ARA), junto com duas citações da

palavra παροικία (paroikia, peregrinação) e duas do verbo παροικέω (paroikew)

[45].
Em Atos dos Apóstolos, o uso tanto de πάροικος (7.6, 29) quanto de

παροικία (13.17) não traz nenhuma teologia em especial; tão somente reproduz o
relato histórico dos patriarcas, tal qual se encontra na Septuaginta (sequer temos

aqui algum indício da confissão dos pais como gerim no Egito):

Atos dos Apóstolos 7.6: E falou Deus que a sua descendência seria peregrina
em terra estrangeira, onde seriam escravizados e maltratados por quatrocentos
anos;

Atos dos Apóstolos 7.29: A estas palavras Moisés fugiu e tornou-se peregrino na
terra de Midiã, onde lhe nasceram dois filhos.
Atos dos Apóstolos 13.17: O Deus deste povo de Israel escolheu nossos pais e
exaltou o povo durante sua peregrinação na terra do Egito, donde os tirou com
braço poderoso;

O mesmo podemos dizer acerca do uso do verbo παροικέω em uma

passagem de Lucas e outra de Hebreus, o qual pode ser considerada uma

tradução da raiz verbal hebraica ‫גור‬:

Lucas 24.18: Um, porém, chamado Cleopas, respondeu, dizendo: És o único,

porventura, que, tendo estado em Jerusalém, ignoras as ocorrências destes

últimos dias?

Hebreus 11.9: Pela fé, peregrinou na terra da promessa como em terra alheia,
habitando em tendas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa;

Esta atitude muda com o apóstolo Paulo, quando utilizará o termo


πάροικος em Ef 2.19 com uma roupagem teológica. Porém ele está longe de

aplicá-lo dentro de qualquer concepção adotada pelo Antigo Testamento.


Inteiramente dentro da proposta inclusiva irrestrita em ralação ao gentio,

demonstra quer outrora os gentios na condição de incircuncisos (2.11), sem


Cristo, separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças da promessa,

não tendo esperança e sem Deus no mundo (2.12), foram aproximados pelo
sangue de Cristo (2.13), obtiveram a paz e reconciliação (2.14 – 18), e mediante
tudo isso conclui em 2.19: “Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas
concidadãos dos santos, e sois da família de Deus”. Ou seja: para Paulo a palavra

πάροικος não vislumbra nenhum significado positivo, antes tem toda uma carga

negativa, sendo quase que sinônimo da velha vida que os gentios devem
abandonar (Gill).

O mesmo não podemos dizer acerca de Pedro. Ele usa em sua primeira

carta tanto a palavra παροικία (1.17) quanto πάροικος (2.11) totalmente dentro

da proposta apresentada pela literatura poética, conforme vimos no tópico

anterior.

1 Pedro 1.17: Ora, se invocais como Pai aquele que, sem acepção de pessoas,

julga segundo as obras de cada um, portai-vos com temor durante o tempo da

vossa peregrinação,

1 Pedro 2.11: Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos

absterdes das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma,

Será que podemos afirmar de maneira inequívoca que há uma “teologia


petrina” acerca do ger? Uma vez que ele se refere logo na abertura da epístola

aqueles que se encontram forasteiros da Dispersão no Ponto, Galácia,


Capadócia, Ásia e Bitínia, poderíamos argumentar que o tempo da peregrinação

e os peregrinos consequentemente seriam termos utilizados para este grupo – o


que os tornaria termos tão somente sociais, sem necessidade de espiritualização
do mesmo (ELLIOT, apud MUELLER: 1988, p. 68). Mas aqui neste primeiro

versículo Pedro usa o termo παρεπίδημος (parepidemos), que embora

ocasionalmente apareça na Septuaginta como tradução de ger (vide o tópico


1.4), não deve ser considerado aqui como sinônimo de πάροικος. O primeiro

enfatiza aquele que esta na condição de “exilado”, o qual não é transmitido pelo

segundo (GINGRICH: 1984), e o primeiro ainda pode ser traduzido como

“visitante” enquanto o segundo como “estrangeiro residente” (MUELLER:

1984); além do mais, uma vez que ele coloca lado a lado ambos os termos em
2.11, podemos deduzir que seus destinatários são duplamente qualificados como

“forasteiros e peregrinos” – sendo dois grupos sociais distintos no Império

Romano (ibid.), fica claro o caráter espiritualizado dessa abordagem.

A partir dessa experiência social, Paulo aproveita para mostrar que agora

os cristãos são marginalizados socialmente também em decorrência da fé que

abraçaram. Esta compreensão transcendental do conceito do cristão como


peregrino na vida terrena sem dúvida remete à teologia do ger: a dupla

qualificação dos cristãos em 2.11 como πάροικος καὶ παρεπίδημος, “forasteiros e


peregrinos”, ecoa automaticamente as passagens vetero-testamentárias de Gn

23.4 e Sl 39.12[LXX 38.13], onde a Septuaginta utiliza exatamente a mesma


expressão (ibid.). Portanto, tanto o termo πάροικος quanto παροικία identificam
em Pedro o caráter transitório dessa vida. Ao contrário das expectativas vetero-

testamentárias, devemos estar cônscios de que temos um tesouro inigualável no


porvir, e que toda nossa expectativa está em alcançar essa vida, perfeita e eterna.
A nossa verdadeira vida é justamente esta vida eterna, escondida em Cristo

Jesus. Portanto, nossa vida atual é comparada a uma peregrinação, e por isso não

passamos de peregrinos nesta terra. E nosso comportamento aqui, nesta vida


transitória, pode bem pôr a perder esta vida eterna, de valor verdadeiro e

inestimável. Portanto, a exortação a andar em temor (1.17), abstendo-se das

paixões carnais (2.11).

A influência de Filo é bem patente, ao conceber nossa vida como uma

peregrinação: “porque em realidade a alma de um homem sábio sempre encontra


o céu para ser a sua pátria – e a terra, um país estrangeiro; e estima como dela

própria a habitação da sabedoria, e desta do corpo como forasteiro, e olha a si

mesmo como um estranho e peregrino nela” (Agric 65, apud RAMÍREZ: 1999,

p. 124). De qualquer forma, a fonte da hermenêutica de Filo é a mesma utilizada

por Pedro: a referência de Israel como peregrino torna-se paradigmática à

comunidade cristã, o novo Israel. O impacto da teologia do ger pode ser ainda
comprovada pelo fato da palavra παροικία se estabelecer como parte da

linguagem administrativa da Igreja no terceiro e quarto século (RAMÍREZ:


1999).

Escritores cristãos posteriores incorporaram todo este conceito da vida


cristã como uma peregrinação, como podemos comprovar nesta passagem de
Clemente de Alexandria:
“‘Eu sou um estranho na terra, e um peregrino contigo’, é
dito... o homem eleito mora como um peregrino, sabendo de
todas as coisas a serem possuídas e a serem perdidas... O
corpo, também, como que fixado em uma distante
peregrinação, usa hospedarias e habitações a propósito,
tendo cuidado das coisas do mundo, dos lugares onde ele
para; mas deixando a sua habitação e propriedade sem
emoção excessiva, seguindo isso prontamente o conduz
longe da vida; por nenhum meio e em nenhum momento
volta atrás – dando graças por esta estada curta, e
abençoando (Deus) por sua partida, abraçando a mansão que
está em céu” (Strom IV.165,2 – 4, apud RAMÍREZ: 1999)

Dentro do pensamento protestante, a culminância deste conceito dar-se-á

justamente com a obra-prima de John Bunyan, “The Pilgrim’s Progress from this
world to that which is to come” (o progresso de um peregrino deste mundo para

aquele que está por vir), de 1678, a “summa theologiae evangelicae” na opinião

de Coleridge (ibid.)
CONCLUSÃO

A teologia do ger foi esmiuçada em toda o Antigo Testamento, mas foi


enfatizada a importância da confissão de que Israel esteve não como escravo, e

sim como ger no Egito – tendo como ponto-chave Êxodo 23.9. Concluímos

então: realmente temos uma teologia do ger, e a mesma unificada – e esta, uma

vez unificada, podemos esboçá-la a partir da proposição deste último versículo

mencionado, ou temos uma diversidade de teologias acerca do ger?

Uma rápida sinopse de tudo o que o Antigo Testamento expôs acerca do


ger, conforme analisado nos sete capítulos, permite-nos realmente crer que

existem na verdade diferentes teologias sobre o mesmo:

Nos relatos patriarcais (capítulo três), os mesmos são tratados como

gerim para realçar o princípio de que apesar de herdarem uma terra que
não era deles próprios – e sim dos cananeus, viveram durante toda a sua

vida nela como estrangeiros, de modo que a mesma é constantemente


descrita como “a terra de suas peregrinações” (Gn 17.8; 28.4; 36.7; 37.1;

Êx 6.4; Ez 20.38). Este será o elemento originador de uma confissão


posterior dos pais como gerim (1 Cr 29.15; Sl 39.12[13]; 105.12,23)
A partir do contexto histórico de Gn 47.4ss, há o princípio de que os

israelitas foram recebidos inicialmente na qualidade de ger pelo faraó do


Egito, e que devido a uma mudança na política interna, foram reduzidos
à escravidão. Desta forma, temos uma confissão de Israel ter vivido

como ger no Egito, especialmente no Código da Aliança, Êx 22.21[20];

23.9 (capítulo quatro) – uma “teologia positiva” não só acerca do ger


mas também do Egito, enquanto os credos que enfatizam Israel como

escravo no Egito apresentam uma “teologia negativa” acerca do Egito;

Temos no deuteronomista a maior quantidade de citações do ger: são 22

menções em 21 versículos do Deuteronômio, além das quatro menções

na História Deuteronomista e três no profeta reputado como da “linha


deuteronomista”, Jeremias (capítulo cinco). Concentrar-se-á no

tratamento do ger como uma pessoa pobre e que necessita da mão

estendida de todos os israelitas, tanto quanto o órfão e a viúva –

formando com estes a tríade característica da sua linguagem, sem

paralelos na literatura antiga, a qual somente mencionava estes dois

últimos como um binômio. Dentro deste princípio, a segunda maior


contribuição do deuteronomista para o ger será ordenar ao israelita amá-

lo (Dt 10.19a);
A segunda maior quantidade de citações encontra-se nos relatos

sacerdotais (capítulo seis): são 20 menções em 17 versículos do Código


da Santidade (Lv 17 – 26), 15 menções em 13 versículos na fonte P (um
versículo em Lv 16.29, três versículos em Êx 12.19,48,49 e onze

versículos em Números), além de quatro versículos na História Cronista


e cinco versículos no profeta mais influenciado pela escola sacerdotal,
Ezequiel. Une o ger ao natural da terra, formando assim um binômio.

Este binômio, entretanto, não concede direito social ao primeiro, antes

procura sujeitá-lo às mesmas leis rituais que devem ser observadas pelo
segundo – pelo menos aquelas que dizem respeito não à essência da

religião judaica, e sim às regulamentações para a manutenção da pureza

e santidade da comunidade. Deste modo, embora em muitos momentos

pareça quase tratar o ger como um prosélito, existe na verdade um

princípio regulador, antes de uma real concessão;


Finalmente, esboçamos uma teologia genuína acerca do ger na literatura

profética e poética, além de reiterar a confissão de Israel como ger e não

como escravo no Egito (capítulo sete); podemos dizer “genuína” posto

que livre da carga legalista que é apresentada no deuteronomista e nos

escritos sacerdotais. Ao identificar esta teologia nos profetas, deixamos

de fora Jeremias e Ezequiel, uma vez que representam respectivamente


as ideias deuteronomistas e sacerdotais. O mesmo poderá ser dito em

relação a Miquéias e Zacarias, que praticamente repetem o exposto pelo


deuteronomista. Logo, poderemos identificar então uma real

contribuição especialmente em Isaías, com o seu postulado


absolutamente inédito de “unir” o ger ao israelita (14.1), o qual será
confirmado em Is 56.3ss – embora aqui não seja utilizado o termo ger, e

sim estrangeiro, ben nekhar. Na literatura poética, o tema estará presente


de leve em Jó e mais consistentemente nos Salmos, onde o tema será
Israel se sentindo como ger diante do Senhor. Este princípio se inspirará

na experiência dos patriarcas como gerim. Receberá ainda influência

sacerdotal de Lv 25.23. Dentro desta perspectiva, a vida humana como


um todo passa a ser encarada como uma peregrinação – ideia esta que

influenciará diretamente o Novo Testamento, como Paulo e mais de

perto Pedro (de tal modo que podemos até falar de uma “teologia petrina

acerca do ger”).

O capítulo dois contribui no sentido de demonstrar que o tema do ger, tal

qual é tratado no Antigo Testamento, não possui paralelo algum com o mesmo

concebido na antiguidade. Isto demonstra o caráter ímpar na literatura bíblica, e

já mostra que não possui uma importância secundária, mas tem seu lugar

garantido dentro da Teologia do Antigo Testamento. A própria pluralidade de

abordagens corrobora esta importante posição.


Na busca de um princípio unificador, podemos nos perguntar: se

encontramos na literatura poética a ideia de ser como um ger diante do Senhor, e


este se inspira no âmbito patriarcal, não poderíamos escolher este o tema

unificador? Ao seguir unicamente um roteiro estritamente cronológico,


poderemos facilmente pensar neste como tema unificador, o qual pode ser
representado no seguinte infográfico:
Embora indubitavelmente o “trampolim histórico” seja a estadia dos

patriarcas no Egito, o mesmo ganhou em relevo e roupagem legal com as

estipulações do Código da Aliança. Sendo praticamente idênticos Êx 22.21[20] e


23.9, o primeiro diz de maneira objetiva para não afligir o estrangeiro, posto que

Israel sofreu isto no Egito; já o segundo acrescenta que Israel está

indelevelmente unido ao ger, a ponto de “conhecer a sua vida” (BJ), a sua alma

(Young’s Literal Translation), os seus sentimentos (La Biblia de Las Americas).

Por este motivo nos prendemos neste versículo especificamente. A ideia aqui

transmitida, não só legalista, mas quase ritual, terá seu eco no deuteronomista

(Dt 10.19; capítulo cinco, tópico 5.3) e no sacerdotal (Lv 19.34; capítulo seis,
tópico 6.2), o qual é evidente. Mas, e o restante da literatura vetero-

testamentária? Nos profetas, com a exceção óbvia de Jeremias (capítulo cinco,


tópico 5.4) e Ezequiel (capítulo seis, tópico 6.4), este princípio parece ser
esquecido, a não ser pela passagem de Is 52.4. E na literatura poética, parece ser

completamente ignorado, a julgar pelas passagens nas quais o salmista se


considera um ger diante do Senhor a partir da vivência patriarcal (capítulo sete,
tópico 7.3). E este “abandono” parece ser confirmado pela abordagem que o

Novo Testamento faz do πάροικος (= hebraico ‫) ֵגּר‬ também a partir dos


patriarcas (capítulo sete, tópico 7.4).

Uma análise mais cuidadosa nos mostrará que o princípio da experiência


de Israel como ger no Egito será sim o tema unificador, para que possamos na

verdade ter não várias teologias e sim uma teologia do ger. Na literatura
profética, podemos considerar suficiente o reconhecimento tácito em Is 52.4 de

que Israel desceu ao Egito para peregrinar, e não para ser escravizado – neste

versículo menciona-se tão somente a opressão da Assíria, e não do Egito. Já na

literatura poética, uma simples palavra verificada em Sl 39.12[13] evidenciará

que a referência a “meus pais”, ‫( ֲאבוָֹתי‬abhotay), não se restringe aos patriarcas

Abraão, Isaque e Jacó, mas a totalidade dos antepassados, incluindo aqueles que

passaram a morar no Egito na condição de gerim: ‫( ְכָּכל‬kekhol), “como todos”.

E, conforme já analisamos (capítulo quatro, tópico 4.1), o exposto em Êx 23.9

engloba esta experiência. “Todos” demonstra que nenhum antepassado escapou


da comparação: “como” demonstra que o salmista encontra a explicação da sua

situação atual de exílio neste longínquo postulado, tanto patriarcal quanto no


Egito. A atualidade exílica do salmista pode ser confirmada pelo trecho de 1 Cr

29.15, que repete praticamente o mesmo princípio – “como nossos pais”, sendo
este um versículo sem dúvidas pós-exílico (capítulo três, tópico 3.4).

A escravidão no Egito ensinou Israel a olhar de maneira mais


benevolente para o ger; e isto é relembrado após o cativeiro da Babilônia –
proporcionando que os israelitas reconduzam à memória as tradições do Êxodo.
E, uma vez que a Babilônia de 1 Pe 5.13 é entendida como simbolismo para

Roma (e.g. Gill), podemos entender que a abordagem do cristão enquanto

peregrino nesta carta (capítulo sete, tópico 7.4) não se reporta exclusivamente
aos patriarcas, mas antes também reconhece a importância do princípio de Êx

23.9.

Desta forma, podemos concluir que o infográfico mostrado supra,

levando em consideração apenas uma linha cronológica, é inadequado, mas antes

um que levasse em consideração um desenvolvimento teológico:

Não poderia deixar de concluir este trabalho falando da nossa atual

Igreja, a Igreja Evangélica do início do século XXI. Existe, ainda que


implicitamente, uma influência da teologia do ger nas pregações em nosso meio.
Existe um lado positivo, que nos anima a não nos apegarmos em demasia a esta
terra, pois nossa passagem pela mesma é uma peregrinação, algo passageiro, que

deve buscar inspiração nas peregrinações dos patriarcas, como bem demonstra a

carta aos Hebreus 11. Mas há uma interpretação negativista: devemos ser como
gerim neste mundo, refutando todos os costumes do mesmo, simplesmente por

consistir em práticas de não-evangélicos, os quais não devem ser analisados

qualitativamente –absolutamente hostil em todo o seu modo de agir, não importa

qual seja. É uma aplicação apressada das proposições de 1 Pedro. Conforme a

teologia sacerdotal, nos preocupamos tão desesperadamente pela manutenção da


pureza e santidade que reputamos os não-evangélicos como párias, leprosos cujo

contato deve ser evitado de modo absoluto. O mesmo vale para qualquer de seus

costumes. Não existe uma genuína análise do que é e do que não é

verdadeiramente pecado ou pecaminoso. Embora muitos tenham nascido em

berço evangélico, e, portanto, não conheceram o “mundo”, muitos são

verdadeiros prosélitos, ou seja, provenientes de outras religiões ou ramos do


cristianismo. Justamente o versículo que adotamos como tema unificador da

teologia do ger no Antigo Testamento diz para estes: “vós conheceis a alma do
ger”, ou seja, conheceis bem o que é não ser evangélico. Portanto, ainda diz:

“não oprimirás o ger... pois fostes gerim no Egito”. Ora, já é clássica a colocação
do Egito como alegoria deste mundo; portanto, de acordo com a recomendação
da teologia do ger, devemos ter um olhar mais benevolente para com estes, não

os tratando como leprosos, e sim nos aproximando dos mesmos para inseri-los
em Cristo. Vale lembrar que isto não tem nada a ver com a posição
extremamente oposta: abrir mão da genuína doutrina bíblica, para conformar a

igreja aos padrões de uma sociedade descomprometida com Deus. O convite é

bem claro: vamos inserir o não evangélico a Igreja de Cristo, mostrando que
desejamos ardentemente o seu ingresso em nosso meio – ao tratá-lo como pária,

parece que não desejamos tal ingresso! Conforme a legislação pascal (capítulo

quatro, tópico 4.2), convidemos estes que são gerim para celebrar conosco a

Páscoa do Senhor, a grande libertação do Egito.


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ANEXOS
ANEXO A – Êxodo 23.9 em várias versões

‫ְו ֵגר א ִתְלָחץ ְוַאֶתּם ְי ַדְעֶתּם ֶאת־ ֶנֶפשׁ ַה ֵגּר ִכּי־ ֵג ִרים ֱהיִיֶתם ְבֶּא ֶרץ ִמְצ ָריִ ׃‬
‫ם‬

(Texto Massorético)

‫ולעמורא לא תעיקון אנתון גיר ידעין אנתון נפשא דעמורא מטל דעמורא‬
‫הויתון דמצרין‬

(Peshitta Siríaca)

καὶ προσήλυτον οὐ θλίψετε ὑμεῖς γὰρ οἴδατε τὴν ψυχὴν τοῦ προσηλύτου
αὐτοὶ γὰρ προσήλυτοι ἦτε ἐν γῇ Αἰγύπτῳ

(Septuaginta)

Καὶ ξένον δὲν θέλεις καταδυναστεύσει διότι σεῖς γνωρίζετε τὴν ψυχὴν
τοῦ ξένου , ἐπειδὴ ξένοι ἐστάθητε ἐν τῇ γῇ τῆς Αἰγύπτου .

(Grego Moderno)

peregrino molestus non eris scitis enim advenarum animas quia et ipsi peregrini
fuistis in terra Aegypti

(Vulgata)

Não oprimirás o estrangeiro: conheceis a vida de estrangeiro, porque fostes


estrangeiros no Egito.

(Bíblia de Jerusalém)

Também não oprimirás o forasteiro; pois vós conheceis o coração do forasteiro,


visto que fostes forasteiros na terra do Egito.

(Almeida Revista e Atualizada)

Também não oprimirás o estrangeiro; porque vós conheceis o coração do


estrangeiro, pois fostes estrangeiros na terra do Egito.

(Almeida Revista e Corrigida - 1995)

Não oprimirás ao peregrino; pois vós conheceis o coração dum peregrino, visto
que fostes peregrinos na terra do Egito.

(Tradução Brasileira)

Não oprimirás o migrante. Vós bem conheceis a vida de um migrante, pois


fostes migrantes na terra do Egito

(Tradução Ecumênica)

Não maltratem os estrangeiros que moram no meio de vocês. Vocês sabem como
eles sofrem por serem estrangeiros, pois vocês foram estrangeiros no Egito.

(Nova Tradução na Linguagem de Hoje)

And a sojourner thou dost not oppress, and ye -- ye have known the soul of the
sojourner, for sojourners ye have been in the land of Egypt.

(Young’s Literal Translation)

Also thou shalt not oppress a stranger: for ye know the heart of a stranger,
seeing ye were strangers in the land of Egypt.
(King James Version)

Do not oppress an alien; you yourselves know how it feels to be aliens, because
you were aliens in Egypt.

(New International Version)

Do not oppress the foreigners living among you. You know what it is like to be a
foreigner. Remember your own experience in the land of Egypt.

(New Living Translation)

Do not be hard on the man from a strange country who is living among you; for
you have had experience of the feelings of one who is far from the land of his
birth, because you yourselves were living in Egypt, in a strange land.

(Bible in Basic English)

And a sojourner, shalt thou not drive away,—seeing that, ye yourselves, know
the, soul of a sojourner; for sojourners, became ye in the laud of Egypt.

(Joseph B. Rothram 1902 Translation)

Y no angustiarás al extranjero: pues vosotros sabéis cómo se halla el alma del


extranjero, ya que extranjeros fuisteis en la tierra de Egipto.

(Reina Valera 1909)

Die Fremdlinge sollt ihr nicht unterdrücken; denn ihr wisset um der Fremdlinge
Herz, dieweil ihr auch seid Fremdlinge in Ägyptenland gewesen.

(Luther Bibel 1912)


Tu n'opprimeras point l'étranger; vous savez ce qu'éprouve l'étranger, car vous
avez été étrangers dans le pays d'Égypte.

(Louis Segond 1910)

Tu n'opprimeras pas l'émigré; vous connaissez vous-mêmes la vie de l'émigré,


car vous avez été émigrés au pays d'Égypte.

(Traduction Oecuménique de la Bible)

E non oppressare il forestiere; perciocchè voi sapete in quale stato è l’anima del
forestiere, essendo stati forestieri nel paese di Egitto.

(Diodati 1649)

[1] Nota da edição de 2013: a Almeida Revista e Corrigida encontra-se já na


quarta edição, datada de 2009, ocasião na qual foram inseridas pequenas
alterações como eliminação do termo “caridade” e adequação à Nova Ortografia.
[2] 1 Rs 17.20 e Jr 30.23, onde encontramos o verbo no grau hitpolel.

[3] O texto massorético traz aqui ‫( יׇגוֹדּוּ‬yagodu), do verbo ‫( ׇגּ ַדד‬gadad), que


significa “cortar, penetrar”. Mas, segundo a BHS, houve aqui uma confusão
entre a letras ‫ ד‬e ‫ר‬, de tal modo que devemos ler ‫( יׇגוּרוּ‬yaguru) como em Sl
56.7 e 59.4.
[4] A expressão ‫ִמְתגּ ֵרר‬ (mitgorer) em Jeremias 30.23, traduzida como
“tormenta varredora” na ARC. Esta expressão é hitpolel da raiz ‫גור‬, que tanto
pode estar ligada ao significado “temer”- daí “aquilo que provoca medo”, quanto
pode estar ligada ao significado “contender”- daí “aquilo que causa
perturbação”.
[5] A saber, Gen. 12:10; 19:9; 20:1; 21:23, 34; 26:3; 32:4[5]; 35:27; 47:4; Ex
3:22; 6:4; 12:48,49; Lv 16:29; 17:8,10,12,13;18:26; 19:33,34; 20:2; 25:6,45; Nm
9:14; 15:14-16,26,29; 19:10; Dt 18.6; 26:5; Js 20:9; Jz 5:17; 17:7-9;19:1,16; Rt
1:1; 2 Sm 4:3; 2 Rs 8:1,2; 1 Cr 16:19; 2 Cr 15:9; Ed 1:4; Jó 19:15; 28:4; Sl
5:4[5]; 15:1; 61:4[5]; 105:12,23; 120:5; Is 5:17; 11:6; 16:4; 23:7; 33:14; 52:4; Jr
35:7; 42:15,17,22; 43:2,5; 44:8,12; 14, 28; 49:18, 33; 50:40; Lm 4:15; Ez 14:7;
47:22,23

[5] Gn 32:4; 35:27; Êx 6:4; 12:49; Lv 16:29; 17:8,10,12,13; 18:26; 19:33,34;


20:2; 25:6,45; Jz 19:1; Sl 105:23; 120:5; Jr 35:7
[6] Gn 12:10; 20:1; 21:23,34; 26:3; 32:4; 35:27; 47:4; Êx 6:4; 12:49; Lv 16:29;
17:8,10,12,13; 18:26; 19:33,34; 20:2; 25:6,45; Nm 9:14; 15:14 – 16, 26, 29;
19:10; Dt 26:5; Jz 17:7 – 9; 19:1,16; Rt1:1; 2 Sm 4:3; 2 Rs 8:1,2; Ed 1:4; Sl
105:23; 120:5; Is 23:7; 52:4; Jr 35:7; 42:15,17,22; 43:2,5; 44:8,12,14,28; Ez
14:7; 47:22,23
[7] Confira ainda Jr 49.18,33; 50.40.
[8] Ex 12:48,49; 20:10; 22:21; 23:9,12; Lv 16:29; 17:8,10, 12,13,15; 18:26;
19:10,33,34; 20:2; 22:18; 23:22; 24:16; 24:22; 25:23,35,47; Nm 9:14;
15:14,15,16; 26, 29, 30; 19:10; 35:15; Dt 1:16; 5:14; 10:18,19; 14:29; 16:11,14;
24:14,17,19,20,21; 26:11,12,13; 27:19; 28:43; 29:11 [LXX 29.10]; 31:12; Js
20:9; 1 Cr 22:2; 2 Cr 2:17 [LXX 2.17]; 30:25; Sl 94:6 [LXX 93.6]; 146:9 [LXX
145.9]; Jr 7:6; 22:3; Ez 14:7; 22:7,29; 47:22,23; Zc 7:10; Ml 3:5
[9] Em Êx 12.19 usa-se γειώρας (geioras), e em Is 14.1 γιώρας (gioras).
[10] Gn 15:13; 23:4; Ex 2:22; 18:3; Lv 25:23,35; 25:47; Nm 35:15; Dt 14:21;
23:7 [LXX 23.8]; 2 Sm 1:13; 1 Cr 29:15; Sl 39:12 [LXX 38.13]; 119:19 [LXX
118.19]; Jr 14:8

[11] Código de Hamurabi, disponível em


<http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/hamurabi.htm>
[12] Na verdade, a palavra μέτοικος (metoikos) aparece apenas uma única vez
em Jeremias 20.3, significando “exílio”. Traduz o termo hebraico ‫ָמגוֹר‬
(magor), que muitas traduções entenderam como ‘terror”.
[13] PEREIRA, Isidro. Dicionário Grego-Português e Português-Grego. 4a
ed. Livraria apostolado da Imprensa, 1969. 1054 p.
[14] Léxico Greco-Romano, disponível em <http://www.iscsp.utl.pt>.
[15] HENRIQUES, Mendo C. Introdução À Política De Aristóteles.
Disponível em <http://www.terravista.pt>
[6] Nota da edição de 2013: em 10.22 temos o termo ‫( גר‬ger) traduzido na
Septuaginta como πλούσιος (plousios), “rico”, enquanto que em 42.9 temos a
expressão ‫( בנעוריה פן תגור‬ben’wreyah pen tagwr), traduzida na
Septuaginta como ἐν νεότητι αὐτῆς μήποτε παρακμάσῃ, “na sua juventude, para
não fornicar”.
[16] Observe a discussão no Smith´s Revised Bible Dictionary, acerca das
possíveis localizações de Ur. Ali encontramos a menção de três tradições
distintas: Edessa, Warka (ou Erech) e Camarina.
[17] Gleason Archer faz uma interessante abordagem em seu livro “Merece
Confiança o Antigo Testamento?”: a mudança de atitude conforme encontramos
em Êx 1.8 seria mais bem explicada supondo que o faraó da época de José era
um egípcio nato, enquanto o rei que sobe ao trono não recebe o título de faraó e
não reconhece a autoridade de José, também demonstrando que seu povo é
inferior numericamente em relação aos egípcios – uma situação provavelmente
insustentável para um egípcio. Seria então o faraó de Êx 1.8 um hicso.
[18] Observe uma discussão acerca da possível localização de Gósen no DITAT.
[19] SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de Exegese Bíblica. São
Paulo: Paulinas, 2000. 526 p.

[20] Segundo BDB e DITAT devemos distinguir seis raízes diferentes com o
padrão ‫ערב‬: I – a que deu origem a palavra traduzido por “misto de gente”; II –
tomar penhor, daí a palavra ‫( ֵע ָרבוֹן‬erabhon), “penhor”; III – ser doce; IV – ser
árido, estéril, dando origem à palavra ‫( ֲע ָרָבה‬arabhah), “planície desértica”,
‘estepe”; V – pôr, colocar, retirar, o verbo que deu origem ao termo ‫ֶע ֶרב‬
ֹ (orebh), “corvo”.
(erebh), “tarde”; VI – ser negro, dando origem à palavra ‫ע ֵרב‬

[21] Confira JOSÉ, Maria. A Ressurreição, Obra da Santíssima Trindade.


Disponível em <http://www.piox.org.br>, acessado em 25/04/2004.
[22] Êxodo: a Aliança e o Povo de Deus. Disponível em <
http://www.mundocatolico.com.br/Biblia/cap0304.htm>, acessado em
25/04/2004.

[23] Na ARA, encontrarmos seis versículos aonde esta palavra hebraica é


traduzida por “pobre”: Sl 10.12; Pv 14.21; Is 11.4; 29.19; 32.7; Am 2.7. A ARC
não inclui Sl 10.12 e Is 29.19 (onde traduz por “necessitado”) e Pv 14.21 (onde
traduz por “humilde”), mas inclui Sl 9.18[19] (que a ARA prefere traduzir por
“aflito”).

[24] Esta palavra hebraica aparece com o sentido adjetivo de “magro”,


“delgado” em apenas três versículos: Gn 41.19; 2 Sm 3.1; 13.4; em todos os
demais 44 versículos (Êx 23:3; 30:15; Lv 14:21; 19:15; Jz 6:15; Rt 3:10; 1 Sm
2:8; Jó 5:16; 20:10,19; 31:16; 34:19,28; Sl 41:2; 72:13; 82:3,4; 113:7; Pv 10:15;
14:3; 19:4,17; 21:13; 22:9,16,22; 28:3,8,11,15; 29:7,14; Is 10:2; 11:4; 14:30;
25:4; 26:6; Jr 5:4; 39:10; Am 2:7; 4:1; 5:11; 8:6; Sf 3:12) adquire esta conotação
social aqui especificada.

[25] The Eloquent Peasant to the Chief Steward no. 60; translation J.A. Wilson,
Ancient Near East Texts p. 408, apud RAMIREZ: 1999, p. 37.
[26] Mentuhotep, 11th Dinasty, in: Janssen, Autobiographie, p. 100, apud
RAMIREZ: 1999, p. 134.
[27] Hym to Amon # 71 (“Prière d’un aveugle à Amon”), VIII 1 – 3, in: Hymnes
et prières de L’Égypte Ancienne p.204 – 205, apud RAMIREZ: 1999, p. 135.
[28] Código de Hamurabi, epílogo, § 47: 50 – 60, tradução de Bouzon (2003).
[29] Keret 16, VI. 46 – 50, in: Gibosn, Myths p. 102, apud RAMIREZ: 1999, p.
137.

[30] Confira ainda Sl 94.6; 146.9; Jr 7.6; 22.3; Ez 22.7; Zc 7.10; Ml 3.5

[31] Ralph Smith apresenta uma interessante abordagem na sua Teologia do


Antigo Testamento, p. 118 – 119.

[32] 1:8,21,39; 2:12,21,22,24,31; 3:12,18,20; 4:1,5,14,22,26,38,47; 5:31,33;


6:1,18; 7:1,17; 8:1; 9:1 – 6,23; 10:11; 11:8,10,11,23,29,31; 12:1,2,29; 15:4;
16:20; 17:14; 18:12,14; 19:1,2,14; 21:1; 23:21; 25:19; 26:1; 28:21,42,63;
30:5,16,18; 31:3,13; 32:47; 33:23

[33] Esta palavra consiste em um título honorífico persa, o que pode ser
comprovado pelo uso sempre acompanhado de artigo, que pode ser traduzido
literalmente como “Sua Excelência”, equivalendo ao título acádico ‫ֶפָּחה‬
(pechah), “governador” (DITAT).
[34] Gn 2.17; 3.4; 20.7; 26:11; Lv 20:2,9,10,15; 24:16,17; 27:29; Nm 15:35;
35:16 – 18,21,31; Ez 3:18; 18:13; 33:8,14. Observe ainda na Obra
Deuteronomista: Jz 13:22; 21:5; 1 Sm 14:39,44; 22:16; 2 Sm 12:14; 14:14; 1 Rs
2:37,42; 2 Rs 1:4,6,16; 8:10; Jr 26:8,19; 38:15.
[35] Ao contrário da expressão “certamente morrerás”, a expressão “ser
eliminado do povo” não é atestada na obra Deuteronomista. Isto porque o verbo
‫( ָכּ ַרת‬karat) é reservado para o termo técnico “cortar uma aliança”, no sentido
de “realizar uma aliança” (e.g., Dt 5.2; 7.2; 29.13), enquanto o sacerdotal reserva
este mesmo verbo para o contexto da pena de morte, e por isso dá preferência à
expressão “estabelecer uma aliança”, ‫( ֵה ִקים ֶאת ַהְבּ ִרית‬heqym et habrit),
como em Gn 6:18; 9:9,11,17; 17:7,19,21; Lv 26:9; 1 Cr 22:19; 28:2; Ne 9:8; Ez
16:60,62 (Observe ainda Gn 21:32; Êx. 6:4; Dt 8:18; 31:16; Js 4:9; 2 Sm 3:21; 2
Rs 23:3; Is 28:18; 49:8; Jr 34:18). Confira BDB.

[36] São utilizados os seguintes verbos hebraicos: ‫אַסף‬ ‫( ׇ‬asaf), o verbo mais
utilizado, por ser o mais abrangente, pois são 233 versículos (assim distribuídos:
14 em Gênesis, 6 em Êxodo, 4 em Levítico, 16 em Números, 6 em
Deuteronômio, 6 em Josué, 12 em Juízes, 1 em Rute, 9 em 1 Samuel, 12 em 2
Samuel, 1 em 1 Reis, 9 em 2 Reis, 19 em 1 Crônicas, 17 em 2 Crônicas, 4 em
Esdras, 11 em Neemias, 3 em Jó, 21 em Salmos, 2 em Provérbios, 1 m
Eclesiastes, 18 em Isaías, 14 em Jeremias, 6 em Ezequiel, 1 em Daniel, 2 em
Oséias, 4 em Joel, 1 em Amós, 4 em Miquéias, 3 em Habacuque, 3 em Sofonias
e 3 em Zacarias, não aparecendo em Ester, Cantares, Lamentações, Obadias,
Jonas, Naum, Ageu e Malaquias); ‫ׇקַבץ‬kabatz), utilizado em 121 versículos (3
em Gênesis, 3 em Deuteronômio, 2 em Josué, 2 em Juízes, 9 em 1 Samuel, 3 em
2 Samuel, 5 em 1 Reis, 2 em 2 Reis, 3 em 1 Crônicas, 10 em 2 Crônicas, 5 em
Esdras, 5 em Neemias, 3 em Ester, 4 em Salmos, 2 em Provérbios, 18 em Isaías,
8 em Jeremias, 15 em Ezequiel, 3 em Oséias, 4 em Joel, 4 em Miquéias, 2 em
Naum, 1 em Habacuque, 3 em Sofonias, 2 em Zacarias); e ‫( ׇקַהל‬qahal), em 39
versículos com um sentido mais religioso, quase que de uso exclusivo a Israel (2
em Êxodo, 2 em Levítico, 9 em Números, 3 em Deuteronômio, 2 em Josué, 1 em
Juízes, 1 em 2 Samuel, 3 em 1 Reis, 3 em 1 Crônicas, 4 em 2 Crônicas, 5 em
Ester, 1 em Jó, 1 em Jeremias, e 2 em Ezequiel). Confira BDB.

[37] Encontramos uma pequena variante desta forma, ‫כנשׁ‬, nos trechos
aramaicos de Daniel 3.2,3,27 (BDB).

[38] Gill vê dificuldade aqui numa legislação que conceda um certo direito às
divindades estrangeiras. Portanto, como observa Aben Ezra, a palavra Elohim
aqui deveria ser traduzida “juízes”, como em Sl 82.1,6
[39] A dificuldade apontada na nota anterior repete-se aqui, talvez com um grau
maior. Isto porque a Septuaginta e a Vulgata claramente traduzem aqui por
“deuses” – no plural, o que identificaria uma concessão aos deuses estranhos.
Henry admite a possibilidade dessa tradução, conforme já atestado em Filo e
Josefo, mas conclui que uma incompatibilidade com Dt 16.1ss somente dá
margem a traduzir-se aqui “juízes”. Cole (1980) conclui o mesmo, observando
que o estranho paralelismo com “príncipe” somente pode ser explicado mediante
esta tradução; já Durham (1987) concebe aqui uma referência ao Deus
verdadeiro, embora não classifique “amaldiçoar” e sim “ser desrespeitoso” para
com Deus.
[40] A primeira expressão ainda pode ser vista nos seguintes versículos da fonte
P: Êx 12.49; Nm 15.26,29; 19.10; Js 20.9; Ez 47.22 e ainda no Código da
Santidade: 17.10,12,13; 18.26. A segunda expressão é encontrada em apenas
dois versículos: Lv 19.34; Nm 15.16. A expressão ‫ַה ֵגּר ַהׇגּר‬, independente dos
prefixos ‫ ְבּ‬e ‫ֵאת‬, aparece em um único versículo: Nm 15.15. Mas a expressão,
além de anormal na fonte P, fica sem sentido. A BHS observa que aqui deve ter
havido uma omissão do copista, uma vez que a Septuaginta insere ε̕ν ὑμῖν, o que
ainda é confirmado pelo versão siríaca.

[41] Além desses dois versículos, ainda encontramos esta palavra na Septuaginta
mais 53 vezes: Gn 9:25; 27:37; 44:16,33; 50:18; Êx 5:15,16; 12:44; 21:26,27;
32:13; Lv 25:39; Nm 32:5; Dt 5:15; 6:21; 15:15,17; 16:12; 24:18,20,22; 34:5; Js
5:14; 9:8,11; 1 Ed 3:19; 4:59; Tb 8:18,10,18; 9:2,5; Pv 13:13; 17:2; 19:10; 22:7;
29:19,21; 30:10,22; Eclo 4:30; 6:11; 7:20,21; 10:25; 23:10; 33:25,27,31,32;
37:11; 42:5; Is 36:9. O Novo Testamento a utiliza apenas quatro vezes: Lc 16.13;
At 10.7; Rm 14.4; 1 Pe 2.18.
[42] Seu emprego na Septuaginta é bem extenso: são 385 vezes em 349
versículos. O mesmo ocorre no Novo Testamento: são 126 vezes em 118
versículos, primordialmente em Mateus (30), Lucas (25) e Apocalipse (13).
[43] De uso igualmente extenso na Septuaginta (469 vezes em 435 versículos),
embora literalmente tenha este significado de “criança”, maciçamente traduz o
termo hebraico ‫( ֶעֶבד‬ebhed) em 310 versículos. Traduz o termo hebraico para
jovem, criança – ‫( ַנַער‬naar) – em apenas 32 ocasiões (Gn 18.7; 22.3,5,19;
24.14,28,57,61; 34.12; 41.12; 44.30 – 33; Nm 22.22; Dt 22.15,16,23,25,28; Rt
2.6; 1 Sm 25.42; 1 Rs 1.2; 11.17; Ne 6.5; Et 2.7; Pv 1.4; 29.15,21; Jó 1.15,17;
29.5).
[44] O termo aparece na Septuaginta 64 vezes em 60 versículos: Gn 24:44;
50:17; Êx. 4:10; 5:21; 7:9,10,20,28,29; 8:5,7,17,20,25,27; 9:8,14,20,30,34;
10:1,6,7; 11:3; 12:30; 14:5,8,31; 33:11; Nm 11:11; 12:7,8; 32:31; Dt 3:24; 9:27;
29:1; 34:11; Js 1:2; 9:2; 1 Cr 16:40; Jt 2:2; 6:6; 7:16; 9:10; 10:20,23; 11:20;
12:5; 4 Mc 12:11; Pv 18:14; 27:27; Jó 2:3; 3:19; 7:2; 19:16; 31:13; 42:7,8; Sb
10:16; 18:21. Dentro do Novo Testamento, aparece uma única vez (Hb 3.5)
referindo-se a Jesus Cristo na condição de servo fiel.
[45] Ainda temos o uso indevido da frase “andar peregrinos” em Hb 11.37 pela
ARA, uma vez que o verbo περιέρχομαι deve ser mais adequadamente traduzido
simplesmente por “andar errante”, como faz a TB.

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