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REFLEXÕES SOBRE O DESEJO

(Marli Wandermurem)

O desejo é algo fabuloso, mas não sabemos bem o que é, pois sua complexidade excede em muito a nossa compreensão. A
definição, tanto do substantivo, como do verbo é quase impossível, pois os termos foram se constituindo em vários momentos da
história do pensamento e foi alvo de investigação de filosofia, teologia e psicologia/psicanálise.
Podemos começar vendo a etimologia de termos que foram traduzidos por desejo/desejar. Nesta busca, interessa as
informações que foram alojadas nos textos bíblicos e nas formulações filosóficas que deram sustentação para a construção teológica
dentro da história da religião judaico-cristã.
Vamos verificar o termo dentro do contexto simbólico do hebraico. Há dois termos que significam as ações de desejar. O
termo hebraico dm;x| (hamad) significa “desejar”, “ter prazer em”, vem da língua ugarítica hmd com o sentido de “ser agradável”,
e posteriormente significou “ter prazer em ” hD\m>x, (hemdah). O outro termo é hw\a; (’awa). Este termo assume mais o
sentido de “apetite”.
O hemdah não é negativo nem positivo, é um algo que é parte da pessoa humana.
No grego/romano, o sentido de desejo vai tomar conotações bem mais negativas, pois ficou muito associado aos apelos da
sarx (carne/sexualidade). Dentro da construção literária grega o substantivo epithymia significa desejo – concupiscência e o verbo
epithymeo significa desejar/querer. Essas palavras já existiam antes da filosofia socrática e significavam basicamente emoções
relacionadas a alguma coisa. O Epi significa “sobre”, “alto”, “bom”. Thymos significa ímpeto/ paixão. O termo tinha um sentido
neutro, somente mais tarde, dentro das diversas elaborações filosóficas é que veio se constituindo com significados vinculados
eticamente as coisas ruins.
A negatividade de epithymia começa a ser construída com a associação do termo a três sentimentos humano: o medo, o
prazer e a tristeza. E que passaram a resultar de uma falsa avaliação das posses e dos males da vida.
Na LXX (septuaginta) a tradução grega da bíblia, as palavras epithymia e epithymeo foram empregadas para designar
aspirações humanas em geral. Traduziu as palavras hebraicas ’awah e hamad. Com o sentido de;
a) um desejo moralmente indiferente (neutro) – “segundo o seu desejo ou quanto queres”
b) um desejo louvável, prazeroso;
c) um desejo ruim que se opõem frontalmente aos princípios da Ruah.
Para o latim, a palavra desejo veio do verbo desidero e do substantivo sidus, que significa a figura formada por estrelas ou
constelação, neste sentido, representa o intermediário entre Deus e o mundo dos materiais, o desejo ou apetite de possuir alguma coisa
ou alguém. Este sentimento é propício do ser humano, é uma manifestação do inconsciente, mas muitas vezes pode ser visto como
uma doença, um risco de perda da razão ou perversão.
Quando analisamos a construção filosófica e teológica do termo na história do pensamento vamos perceber que houve muitas
construções que jogaram com o termo e ele pode achar suas expressões em todas as direções:
 Sexual, prazer material, cobiça das posses dos outros. Prazer altruísta, aspiração, impulso etc.
Na construção teológica do NT que veio dentro do pensamento grego, Paulo foi quem mais utilizou a epithymia com o
sentido muito negativo. Ele viu na epithymia a expressão do mal. Fez toda uma elaboração teológica do ser humano a partir da
epithymia. Pensa que o ser humano é praticamente dominado pelo desejo que o rege e tem a capacidade de escravizá-lo. Paulo diz que
a epithymia é a propulsão da sarx, é o poder da velha natureza, que só pode ser vencido com a regência do Espírito Santo. Nos
escritos de Romanos, Paulo disse que o desejo quando orienta a pessoa, pode subjugá-lo totalmente, fazendo dela um escravo - Rm
6,12 Ef. 2,3; 2Tm 3,6 Tt 3,3). O humano que se escraviza por seus desejos perde o controle de sua personalidade.

Outro termo utilizado para designar o desejo é hedone. Significa prazer – AMAR O PRAZER. A raiz de hedys é doce,
prazeroso, originalmente significa coisa agradável ao paladar, depois passou a significar “agradável” de modo geral, a filosofia grega
construiu sobre ela uma teoria – hedos – hedonia = o desejo pelo prazer. A hedone era uma dádiva, um bem. Platão disse que o prazer
no bem era a hedone verdadeira e bela. Aristóteles empregava a palavra como sinônimo de chara = alegria.
No helenismo se fez uma distinção entre hedonai alta e baixa: da mente, da alma e do corpo, lógico que a baixa era a do
corpo. Para o peripatéticos (cínicos – estoicos) hedone significava o prazer dos sentidos do sexo e depois, das paixões sem restrições.
O estoicismo inclui o desejo entre quatro paixões fundamentais da alma: desejo, dor, prazer e medo.
O pessimismo clássico deu a hedone um significado muito negativo, diziam que ela ligava o humano ao ambiente material e
que prendia a alma neste espaço. Pregavam que aqueles/as que se regem pela hedone perdem o propósito da vida.
Filo – a hedone é a potência humana em revolta contra o logos. Assim, a hedone é a raiz de todos os impulsos maus e nada
pode trazer senão panos = problemas/dor.
Em síntese
Pode-se dizer que o desejo é o impulso espontâneo que faz o ser humano dar salto em direção ao encontro da coisa desejada.
Tomás de Aquino disse que se tratava de uma tendência para o bem apreendido e amado, mas ainda não inteiramente
possuído.
Agostinho- viveu experiência dolorosa de uma inquietação que a interpretou em termos de desejo, viu no desejo uma
dialética de superação continua.
Lavelle disse que desejo é a energia necessária para que a pessoa assuma a responsabilidade de seu destino e se lance na
construção de seu futuro. “só a futuro para aquele/a que deseja.”
Locke vê o desejo como ansiedade resultante da ausência de alguma coisa, cuja presença é motivo de satisfação e prazer.
Hegel – desejo é a força propulsora;
Heidegger – desejo é a força que faz eclodir o Ser (ontologia)
Freud – reduz o desejo a simples conflito de pulsão.

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