Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
PALAVRAS SOLTAS
Um livro vai para além de um objeto. É um encontro entre duas pessoas
através da palavra escrita. É esse encontro entre autores e leitores que
a Chiado Editora procura todos os dias, trabalhando cada livro com a
dedicação de uma obra única e derradeira, seguindo a máxima pessoana “põe
quanto és no mínimo que fazes”. Queremos que este livro seja um desafio
para si. O nosso desafio é merecer que este livro faça parte da sua vida.
www.chiadobooks.com
Itália
Via Sistina 121 – 00187 Roma
Impressão e acabamento:
Chiado
P r i n t
Histórias
de um
coração sombrio
O anjo da neve 9
O boné vermelho 13
O ditador audiovisual 21
Shureken, o yokai da vingança 27
As loucuras da tia Kelly 33
Os investimentos de Aurélio Steiner 37
Senhorita solitária 55
A verdadeira história do flautista de Hamelin 61
Meu pai 67
O mausoléu da Mansão Cruz de Louro 73
O festival de Montes Claros 87
Uísque na jarra 91
O mascarado 95
O anjo da neve
Essa história aconteceu há muito tempo, era uma noi-
te escura e fria de inverno, em que caía uma forte nevasca.
Qualquer pessoa inteligente estaria deitada com um cobertor
tomando um chocolate quente. Não era o caso de Nataniel
e Natasha que ainda estavam lá fora, lutando contra o frio.
– Vamos encontrar mamãe, Natasha. Vamos!
– Tem certeza que isso não é errado, mano?
– Tenho certeza de que é errado. Mas você não acha
que a mamãe ia preferir que quebrássemos as regras para
encontrá-la, do que ficar aqui obedecendo às freiras?
– Não sei o que ela pensaria, Nael. Não sei nem mes-
mo se ela ainda está viva.
– Não diga isso! – Disse Nataniel dando um tapa na
boca da irmã, que sangrou.
– É claro que ela está viva!
Longe dali as freiras foram avisadas que duas crianças
tinham escapado das camas. Um menino e uma menina. Não
entenderam como os dois conseguiram enganar os guardas,
os cachorros e pular o muro. A Senhorita Petra, uma das
freiras que cuidavam do orfanato, estava pasma com toda a
situação. Se sentia culpada por tudo que ela havia contado
para confortar os dois irmãos. Um dia, para que os dois se
acalmassem, ela havia inventado uma historinha até bonita.
Disse que a mãe deles tinha uma missão muito especial. Ela
era o anjo da neve. Em dias de muita neve, às vezes aconte-
cia que crianças perdidas ficavam na rua morrendo de frio, o
que era muito perigoso. Por isso existia o anjo da neve, ele
cuidava para que nenhuma criança ficasse perdida depois da
hora. Ele salvava as crianças perdidas, levando-as para casa.
9
Filipe Martins de Lellis
10
Histórias de um coração sombrio
11
12
O boné vermelho
– Alô, Paty? É você? Só queria avisar que estou dis-
pensado, serviço militar já era, agora quero muito te encon-
trar...
– Ah Beto, quanto tempo! Eu também quero... Até
achei que você tinha esquecido de mim...
– Esquecido? Nunca! Eu estava era em uma missão,
mas não passou um dia sem que eu pensasse em ti. Agora
finalmente poderemos ficar juntos...
– Sim, juntos para sempre.
– Me espere as seis na frente do Edifício Carlos Verís-
simo, não se atrase... Beijo.
– Como é mesmo? Se você diz que vem as seis, desde
as quatro vou começar a ser feliz.
– Acho que as horas não eram bem essas, mas captei a
mensagem. Até logo!
– Até!
O Cabo Alberto Telles tinha acabado de dar baixa no
exército, depois de três anos em missão no Haiti. Estava
tranquilo agora, haveria um reajuste de quatro mil reais a
mais em seu soldo. Enfim poderia assumir um compromis-
so, comprar casa, carro, mas ele nem se importava com isso,
para Beto a única coisa que valia a pena era estar ao lado de
Patrícia, sua namorada.
O soldado desceu do avião, feliz como nunca estivera.
Ah como é bom voltar à terra natal! As pessoas falam do
Brasil, mas não tem ideia do que é estar num país de extrema
pobreza, onde é comum ver crianças mortas por desnutrição
na calçada. Comparado ao Haiti, o Brasil é um lugar ótimo
para se viver...
13
Filipe Martins de Lellis
14
Histórias de um coração sombrio
15
Filipe Martins de Lellis
16
Histórias de um coração sombrio
17
Filipe Martins de Lellis
18
Histórias de um coração sombrio
19
20
O ditador audiovisual
Faz tempo que eu não vejo o Guilherme, que saudade
do meu amigo. Estudamos juntos todo o primário e parte do
médio. Ele era o mestre das humanas, eu sempre preferi as
exatas, por isso segui um curso de Engenharia. O Gui foi
cursar teatro numa turma em que a maioria era menina. Não
que isso seja ruim, preferia mil vezes ter as colegas do Gui
a estar trancado em uma sala com trinta barbados com chei-
ro de desodorante vencido, discutindo se tá mais em conta
comprar uma Fazer ou uma Twister atualmente.
Apesar do meu problema nasal com meus colegas,
estou numa carreira muito mais garantida que o Gui. Ele
teve que brigar muito com o pai, pra seguir nesse ramo. “Fi-
lho meu não vai virar ator e dançar num palco pra ganhar
a vida”. Esse era o discurso do seu Luigi. Pior que o velho
tinha razão, ele ia passar muito trabalho por essa escolha.
Teria que aceitar a oportunidade que viesse, fosse qual fosse.
Eu esqueci de dizer que o Gui não era fraco, ele era
apaixonado por cinema, música e literatura. Tinha mais ou
menos 1,75 de altura. Cabelos pretos e olhos azuis. E o cara
sabia interpretar. Eu mesmo vi várias apresentações dele no
teatro da escola. Ele fez a melhor interpretação de Tiraden-
tes que eu já vi (se bem que eu só vi essa, mas tenho certeza
que nunca verei melhor).
Agora vou contar a história que conto pra minha na-
morada Rute sempre que ela fica brava. Como eu estava di-
zendo, o Gui era um cara de sorte. Ele venceu um concurso e
ganhou a oportunidade de atuar numa co-produção da Globo
e Paramount. O filme se chamaria “Eu não esqueci de você”,
nome idiota né? Se você gosta ou não, não sei, mas eu acho
21
Filipe Martins de Lellis
22
Histórias de um coração sombrio
23
Filipe Martins de Lellis
24
Shureken, o yokai da vingança
Parte 1
27
Filipe Martins de Lellis
Parte 2
ó yokai1 do céu,
ó yokai da lua,
se ele deve viver ou morrer,
só cabe a você escolher,
essa é uma escolha só sua.
28
Histórias de um coração sombrio
Parte 3
Parte 4
29
Filipe Martins de Lellis
30
Histórias de um coração sombrio
31
30
As loucuras da tia Kelly
A coisa mais antiga que lembro da Tia Kelly é de uma
vez que ela apareceu vestida de Papai Noel lá em casa, em
Setembro de 1999. Distribuindo presente para todo mun-
do, com a bolsa cheia de pães e panetones. A coisa mais
estranha naquilo tudo foi que ninguém falou para ela que o
Natal era só em dezembro. Fiquei pensando comigo mes-
mo, todos já devem estar acostumados com as loucuras da
tia Kelly, só pode. Mas é uma lembrança muito boa que eu
tenho dela, cantando pela casa: “Deixei meu sapatinho na
janela do quintal, Papai Noel deixou meu presente de Na-
tal”, girando e dançando alegremente. Tempo bom aquele!
Tia Kelly era a madrinha da minha irmã, ela nunca
esquecia de presentear sua afilhada. Mas o presente rara-
mente era dado no dia certo, ou era antes ou depois. En-
graçado foi que minha irmã recebeu o anel de debutante na
sua festa de 16 anos. Pequena confusão da tia Kelly, nada
demais...
Mas a tia era uma pessoa muito alegre e prestativa.
Se dava bem com todo mundo, as pessoas ignoravam seus
erros grotescos. Posso dizer que ela tinha uma mão exce-
lente pra cozinha, cozinheira de mão cheia, vocês não tem
ideia. Só quem conhecia os pratos dela pode falar.
A única pessoa que gostava da curta memória da tia
Kelly era o tio Diego, ela brigava com ele e logo se esque-
cia da briga. O aniversário de casamento ela nunca apren-
deu que dia era, por isso ele comprava o presente o dia que
queria. Quando ele pedia alguma coisa, era só dizer: “Por
favor, este é o mês do meu aniversário.” Tia Kelly jamais
guardou o mês do aniversário do tio Diego.
33
Filipe Martins de Lellis
34
Os investimentos de Aurélio Steiner
Lembro como se fosse ontem da manhã nublada e es-
cura em que Lauro Würdig apareceu no meu escritório. O
sujeito aparentava ter uns 40 anos, era um pouco gorducho,
usava uma blusa de lã verde musgo, um óculos e uma boina
marrom. Ele parecia estar cansado, com o coração saindo
pela boca, alguma coisa o incomodava, fazendo-o suar de
preocupação.
– Senhor. Ah? Doutor. Dou...tor Pedro Bender, que
bom que finalmente encontrei o senhor em casa!
– Estava na Argentina, de férias... Mas quem é você?
E para quê precisaria dos meus serviços?
– Eu sou Lauro Würdig. – disse ele, secando o suor
que escorria da testa.
O homem deu uma olhada na janela do escritório,
como se estivesse sendo perseguido e então continuou:
– Eu queria que o senhor analisasse uns documentos
de espólio e testamento de Aurélio Steiner.
– AURÉLIO STEINER! ELE MORREU ENTÃO,
nem fiquei sabendo, era um homem nobre...
– Ele era meu tio, tio emprestado na verdade, pois era,
quer dizer, foi casado com a minha tia Lisa.
– Então você que ficou com toda a fortuna dele e a
fábrica de perfumes também, que sujeito de sorte! Quer con-
tabilizar tudo?
– Não exatamente, eu quero mesmo é ver se não tem
nada faltando.
– Primeiramente, trouxe?
– O quê?
– Os documentos de espólio e testamento.
37
Filipe Martins de Lellis
38
Histórias de um coração sombrio
39
Filipe Martins de Lellis
40
Histórias de um coração sombrio
41
Filipe Martins de Lellis
42
Histórias de um coração sombrio
43
Filipe Martins de Lellis
44
Histórias de um coração sombrio
45
Filipe Martins de Lellis
46
Histórias de um coração sombrio
47
Filipe Martins de Lellis
48
Histórias de um coração sombrio
49
Filipe Martins de Lellis
– Iriam pensar que você tem ética, mas eu vejo que você
não tem. Adeus duas-caras!
Ela saiu dali furiosa e eu fiquei pensando se tinha feito
a escolha certa. Se valia a pena mesmo todo aquele dinheiro.
Horas mais tarde quando eu estava fumando no jardim, Lau-
ro Würdig me mostrou o recibo, tudo indicava que ele tinha
vendido as máquinas, o diário e a experiência (no caso o Tim)
para um cientista espanhol, financiado por russos, chamado
Joel Martinez, que viria buscar o equipamento dali a três dias,
dois dias depois da audiência.
Quando fui dormir, finalmente caiu a ficha da burrice
que eu tinha feito. Meu pai jamais faria a mesma coisa, com
sua mania de querer ser justo. Senti que eu deveria consertar
tudo aquilo, mas como? Ah, mas que pena! Que pena que eu
não tenho a inteligência da Tenente Paula Mattos.
Acordei de madrugada para fumar no jardim e então vi
o container. A ideia começou a se formular na minha cabeça,
talvez daria certo porque o senhor Würdig é muito distraído,
também pudera, professor de Filosofia.
Pela manhã, convenci o Sr. Lauro Würdig a levar o con-
tainer para a audiência. Ele estranhou muito o peso da caixa,
mas não quis conferir, só chamou alguns ex-funcionários que
estavam lá por perto para ajudar a carregar. O Würdig estava
muito feliz, finalmente iria se livrar das dívidas. Estava muito
bem vestido aquele dia, com um paletó e um óculos mais novo.
Depois de cruzarmos a ponte que já havia sido conserta-
da e rodar mais de 200 km, chegamos ao cartório onde ia acon-
tecer a audiência do espólio do testamento de Aurélio Steiner.
Além do Sr. Lauro, havia também alguns primos em 3° grau
reclamando herança do morto.
Na hora que tive que falar, eu comecei e fui até o fim.
– Hoje eu não estou aqui defendendo os interesses de
Lauro Würdig, mas sim os de Aurélio Steiner e do povo bra-
sileiro.
50
Histórias de um coração sombrio
51
Filipe Martins de Lellis
52
53
Senhorita solitária
“O desprezo é a forma mais sutil de vingança.”
Baltasar Morales
55
Filipe Martins de Lellis
56
Histórias de um coração sombrio
57
Filipe Martins de Lellis
58
A verdadeira história do flautista
de Hamelin
Certo dia, uma menininha avistou um rato perambu-
lando pelas ruas da cidade de Geldville. Era um rato co-
mum; cinzento, gorducho e dentuço. Em sua cabeça, a ga-
rotinha pensava que um roedor andando pela rua era algo
normal, rotineiro, nada de importante. Obviamente, ela ti-
nha toda a razão. Quem iria se assustar com “um” rato na
rua? O que ela não sabia, era que aquilo era um prelúdio,
um prelúdio do que estava por vir...
Em menos de duas semanas a cidade inteira se infes-
tou de roedores. Eles se espalharam por cada canto aper-
tadinho e sujo. O cheiro dos animais havia se tornado o
cheiro das pessoas. E agora seria mais instrutivo se a cida-
de se apresentasse aos viajantes como Mausville, a cidade
dos ratos.
A morte chegou na cidade trazida pelas pestes e pela
leptospirose. Ninguém mais confiava na comida, os mais
ricos começaram a se mudar. E mesmo os pobres estavam
pensando em desistir daquele lugar, aceitando a vitória dos
ratos, enfim.
O administrador do local, Rufus, era o mais indigna-
do, trabalhara durante três anos em seu mandato para levan-
tar a moral e a economia de Geldville. Para em duas sema-
nas tudo ser arruinado por um bando de ratos. Todos os seus
pactos econômicos com outras cidades haviam sido anula-
dos, pois nenhuma cidade queria ter contato com os animais.
Rufus fez o que pôde para expulsar as feras. Mas
nada funcionava, nem veneno, nem benzedura, nem mes-
61
Filipe Martins de Lellis
62
Histórias de um coração sombrio
63
Filipe Martins de Lellis
64
Meu pai
Eu sempre odiei meu pai, mas também sempre o
amei. Vocês devem estar me condenando por odiar a pes-
soa que me pôs no mundo, mas vão por mim, vocês tam-
bém o odiariam. Ele tinha o talento excepcional de estragar
tudo. A opinião dele se formava deste modo: primeiro eu
dava a minha opinião e a dele era sempre contrária a mi-
nha. Entenderam como funcionava a cabeça do meu pai?
Apesar de tudo, depois que ele se foi, senti muita
saudade das suas implicâncias, birras e tudo mais. Eu te-
nho certeza que a morte dele não estava programada para
aquele sábado, há quinze anos, quando ele foi atravessar
de moto uma rodovia e virou “presunto” debaixo de um
caminhão.
Perdoem a minha insensibilidade, é que eu trabalho
em uma funerária e estou acostumado com isso agora, é a
“epifania” como dizem. Sei que meu pai se foi, eu tinha 22
anos, queria dizer várias coisas, pedir desculpa por outras
e ainda tinha muitas perguntas pra fazer a ele. Mesmo com
nossas diferenças, havia coisas que nós dois gostávamos.
Pescar, tocar violão na rua até tarde, e consertar motores
eram coisas que sempre fazíamos juntos.
Esta manhã, acordei e fui tomar meu café. Enquanto
isso revisava meu celular vendo se tinha alguma chamada
ou mensagem, requisitando um agente funerário para a tar-
de. Olha, devo-lhes dizer que o meu negócio está em alta,
principalmente com toda essa violência que anda solta por
aí. Tal foi a minha surpresa quando encontrei essa mensa-
gem no meu smartphone.
67
Filipe Martins de Lellis
68
Histórias de um coração sombrio
69
Filipe Martins de Lellis
70
O mausoléu da Mansão Cruz de Louro
Pedra Verde, 1984.
O Sr. Olavo Hoff sabia que era um sujeito sortudo,
porém jamais poderia imaginar o tamanho da sua sorte. Ele
trabalhava no escritório de uma pequena empresa de ma-
deira compensada, chamada CERNE Ltda., recebendo um
mísero salário, pouca coisa acima da média.
Olavo não tinha nem casa própria, precisava pagar um
aluguel bem alto todo mês pra continuar morando perto da
CERNE e trabalhar ali. No cubículo, ainda viviam suas fi-
lhas: Vitória, Mirian e Helena, ele era viúvo. Você deve estar
pensando: Como assim um sujeito sortudo? Ele tinha sorte,
sim! Muita saúde, três belas filhas e ainda conseguia se man-
ter, muita gente almeja apenas isso para sua vida.
Acontece que um belo dia, quando estava indo traba-
lhar, Olavo viu um cara de roupa verde gritando na rua.
– BILHETES! SORTEIO!
Ele passou perto do homem como quem não quer
nada, mas o sujeito o puxou para perto, incomodando:
– Bom dia senhor! Não quer comprar um bilhete, con-
corre a um sorteio de uma...
– Não, obrigado. Estou atrasado.
– ESPERE! Não deixou nem eu terminar de falar...
esse bilhete concorre a uma mansão histórica, a “Mansão
Cruz de Louro” que fica numa grande propriedade longe do
perímetro urbano. O terreno foi hipotecado e quitado por
uma lotérica, já que nenhum comprador particular se inte-
ressou na propriedade, a lotérica está sorteando para ver se
ganha algum dinheiro em cima. O ganhador também recebe
um prêmio em dinheiro, além da propriedade.
73
Filipe Martins de Lellis
74
Histórias de um coração sombrio
75
Filipe Martins de Lellis
76
Histórias de um coração sombrio
77
Filipe Martins de Lellis
78
Histórias de um coração sombrio
79
Filipe Martins de Lellis
80
Histórias de um coração sombrio
81
Filipe Martins de Lellis
82
Histórias de um coração sombrio
83
Filipe Martins de Lellis
84
85
O festival de Montes Claros
Roberto Silva subiu no palco naquela noite como se
estivesse flutuando. Seus acordes, solos, vibratos, bends, li-
gatos emocionaram a plateia. Para um público bastante en-
torpecido, aquela música proporcionou uma grande experi-
ência junto com o baseado. Do chão já estavam enxergando
um deus, uma figura misteriosa, era o próprio Jimi Hendrix
que estaria se apresentando aquela noite?
Desceu do palco para o camarim, pensando que a
vitória era garantida, sentou-se num sofá verde que havia
por perto. Largou sua Fender Stratocaster creme no chão,
puxou um cigarro e começou a fumar. Enquanto a fumaça
exalava pelo camarim, Roberto lembrou-se de sua infância;
jogo de futebol na rua, 10 ou 11 meninos negros correndo
jogando com um litrão, ele próprio catando lixo para trazer
dinheiro pra casa. Sua mãe tinha uma doença na perna, mas
o governo ainda não pagava salário para pessoas encostadas,
ainda mais para uma que em sua juventude tinha sido uma
mulher da vida.
Apesar de sua infância triste, quando cresceu conse-
guiu um emprego na construção, era um menino inteligente,
com seu salário comprou um barraco na Vila Santa Isabel.
Um dia sentiu curiosidade de ouvir a nova música que fazia
muito sucesso, o rock psicodélico. Assim comprou um disco
do Jimi Hendrix Experience, as músicas mexeram com ele
a tal modo, que meses depois comprou uma Fender e com
muito esforço aprendeu a tocar sozinho.
Certa vez ouviu falar sobre um Festival em Montes
Claros, Minas Gerais, trabalhou duro e economizou bas-
tante para a viagem. Chegando lá, ele encontrou os jovens
87
Filipe Martins de Lellis
88
Histórias de um coração sombrio
89
Uísque na jarra
– Viva! Viva! Viva, Ryan Ronan!
Os homens da taverna gritavam vivas ao maior ladrão
de toda a região das montanhas Cook & Kerry.
– Quem é o maior atirador?
– Viva! Viva! Viva, é Ryan Ronan!
– Qual é a arma mais mortal?
– Viva! Viva! Viva, é a pistola do Ryan Ronan!
– Até hoje em Cook & Kerry, quem foi que mais rou-
bou?
– Ninguém conseguiu mais do que o Ryan Ronan “en-
controu”!
– Viva! Viva! Viva, Ryan Ronan!
Na euforia da bebida, onde o espírito de Loki se apo-
derava de todo homem que ousava pisar naquela taverna,
cantaram outra canção:
91
Filipe Martins de Lellis
92
Histórias de um coração sombrio
93
94
O mascarado
O barulho eletrônico do computador de Amanda
Hesse era o único som que ecoava no apartamento des-
de que ela havia começado a frequentar chats na internet.
Todo dia a mulher passava horas e mais horas ali, conver-
sando com vários homens ao mesmo tempo, sempre procu-
rando por alguém especial. Alguém que verdadeiramente
pudesse interessá-la a iniciar um relacionamento. Acontece
que o fato de Amanda ser divorciada fazia com que fosse
muito exigente em sua busca por um namorado; ela procu-
rava alguém que não bebesse, nem fumasse e tivesse um
emprego, pelo menos.
Mas seus problemas acabaram quando ela conheceu
Grigore Danut, um sujeito definitivamente incomum. Sa-
bia de tudo, parecia ser muito culto, educado e a elogiava
bastante. E mesmo depois dele ter falado que não era jo-
vem e beirava os cinquenta, Amanda continuou o admiran-
do muito, apesar da diferença de idade entre os dois.
As conversas com Grigore eram muito interessantes
e foram ficando cada vez mais, quando ela descobriu que
ele era um milionário e morava em uma grande proprieda-
de numa das ilhas de Trindade. Porém, ela achava que Gri-
gore deveria ter algum segredo para não gostar de sair da
tal ilha e querer ficar sempre lá, odiando a cidade grande.
Amanda trabalhava no jornal “Voz do Povo”, era
colunista e tinha um salário muito baixo. Era bem vista
por todo o pessoal da imprensa e até por seu chefe, mais
por causa de sua beleza do que pela habilidade de escre-
ver. Agora, com quase quarenta anos ela não era mais tão
bonita quanto já fora, porém ainda conservava os cabelos
95
Filipe Martins de Lellis
96
Histórias de um coração sombrio
97
Filipe Martins de Lellis
98
Histórias de um coração sombrio
99
Filipe Martins de Lellis
100
Histórias de um coração sombrio
101
Filipe Martins de Lellis
102
93
Email : filipemb17@gmail.com
Facebook: facebook.com/filipemb17